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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA

ÁREA DAS CIÊNCIAS DAS HUMANIDADES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ERICKSON RODRIGUES DO ESPÍRITO SANTO

ENSINO E APRENDIZAGEM MUSICAL NAS ESCOLAS COMO FORMAÇÃO


ESTÉTICA

Joaçaba
2016
2

ERICKSON RODRIGUES DO ESPÍRITO SANTO

ENSINO E APRENDIZAGEM MUSICAL NAS ESCOLAS COMO FORMAÇÃO


ESTÉTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação


Stricto Sensu em Educação, linha de Processos
Educativos em Educação, da Universidade do Oeste de
Santa Catarina, Joaçaba, SC, para a obtenção do título
de Mestre em Educação.

Professor Orientador: Dr. Mauricio João Farinon

Joaçaba
2016
ERICKSON RODRIGUES DO ESPÍRITO SANTO

ENSINO E APRENDIZAGEM MUSICAL NAS ESCOLAS COMO FORMAÇÃO


ESTÉTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação


Stricto Sensu em Educação, linha de Processos
Educativos em Educação, da Universidade do Oeste de
Santa Catarina, Joaçaba, SC, para a obtenção do título
de Mestre em Educação.

Aprovado em ..... de fevereiro de 2016

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________
Professor Orientador Doutor Maurício João Farinon
Universidade do Oeste de Santa Catarina

___________________________________________________________________________
Professor Doutor Clenio Lago
Universidade do Oeste de Santa Catarina

___________________________________________________________________________
Professor Doutor Luís Francisco Fianco Dias
Universidade de Passo Fundo
“Mas se você achar que eu tô derrotado
Saiba que ainda estão rolando os dados
Porque o tempo, o tempo não para”.
Cazuza

“Sem a música a vida seria um erro”


Friedrich Nietzsche
AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus por ter me iluminado e me concedido saúde nesta dura
caminhada.
A todos meus familiares, principalmente, minha dileta filha Catarina, minha maior
conquista e minha esposa Claudia, pela correção metodológica, pela amizade, compreensão e
pelo grande incentivo nos momentos mais difíceis.
Ao meu orientador, Professor Doutor Maurício João Farinon que, mesmo nos
momentos tempestuosos, sempre demonstrou compreensão e alteridade nas idas e vindas
desta pesquisa, mostrando-me os caminhos que deveria seguir, muitas vezes, caminhos nunca
dantes percorridos, mas com seu jeitão simples e amigável, sempre conseguimos chegar ao
objetivo desejado.
Aos membros da banca examinadora Professor Doutor Clenio Lago e Professor
Doutor Luís Francisco Fianco Dias, pelas observações e considerações apontadas na
qualificação, podendo a pesquisa ficar mais transparente, acenando com a perspectiva de
continuidade.
Enfim, a todas as pessoas que de alguma forma contribuíram na realização desse
sonho.
“O homem joga somente quando é homem no
pleno sentido da palavra. E somente é homem
pleno quando joga”.
Friedrich Schiller
RESUMO

Esta pesquisa compreende as orientações para o desenvolvimento de uma nova perspectiva


sobre educação musical nas escolas de educação básica. É importante lembrar que toda essa
motivação e preocupação com o ensino da música ocorrem a partir da Lei n. 11.769/08, que
regulamenta a música como componente curricular obrigatório. Por ser um momento de
transição, onde ainda não existem fórmulas ou métodos educacionais para o ensino da música
nas escolas, é que se julga importante o jogo e o lúdico a partir de uma educação estética para
nortear novos horizontes em torno da prática pedagógica musical. Nesse sentido, a educação
musical sendo uma prática exclusivamente humana social, tal como um modo de intermédio
do qual a cultura se atinge, onde ela é recebida, construída e transmitida. Dessa
contextualização nasceu a problemática da pesquisa: Como, pelo ensino da música nas
escolas, pautado pelos critérios do lúdico e do jogo, é possível a educação estética?
Objetivou-se analisar como o ensino da música, associado ao lúdico e ao jogo, pode contribuir
para a educação estética e a formação de uma linguagem musical. O arcabouço teórico está
baseado em Friedrich Schiller e Hans-Georg Gadamer no conceito de jogo e lúdico, desse
modo, a pesquisa entrelaça claramente o diálogo entres os autores aqui já apresentados. A
abordagem metodológica adotada nesta pesquisa é bibliográfica, devendo ser meticulosa e
articulada, apresentando os fundamentos de instrumentos da pesquisa, nas formas e
perspectivas associadas ao seu bom uso, motivando o caminho a ser percorrido durante a
mesma, fundamentando o processo das ações do pesquisador. Portanto, a pesquisa dessa
natureza envolve conceitos e interesses específicos aplicados a determinado tema, o que
possibilitará um ganho de conhecimento e informações que levarão a um trabalho de análise
melhor elaborado. Durante a pesquisa bibliográfica destacam-se as observações, as fontes
bibliográficas, os dados para a fundamentação teórica da pesquisa a ser realizada, extraídos de
livros, artigos científicos e de bases bibliográficas encontradas. E, por fim, considera-se que
exista uma necessidade de formar linguagem para que haja uma visibilidade de novas
perspectivas ao fomento do ensino da música nas escolas de educação básica.
Palavras-chave: Educação musical. Estética. Jogo.
10

ABSTRACT

This research covers the orientations to the development of a new perspective about music
education in basic education schools. It is important to remember that all this motivation and
concern with the music teaching come after the Law n. 11.769/08, which regulates music as a
mandatory subject. Due to being a transition moment, when still there are not educational
formulas or methods to music teaching in schools, it is thought as important the game and the
recreational from an aesthetic education to north new horizons around the music pedagogical
practice. In this sense, music education as an exclusively social human practice, such as a way
of intermediate from which the culture is reached, where it is received, built and transmitted.
From this contextualization, the research problem was born: how, through the music teaching
in schools, ruled by the recreational and game criteria, is the aesthetic education possible? The
aim was to analyze how the music teaching can contribute to the aesthetic education and to
the formation of a musical language. The theoretical framework is based on Friedrich Schiller
and Hans-Georg Gadamer in the concept of game and recreational, thus, the research clearly
interlaces the dialogue between the authors here presented. The adopted methodological
approach in this research is bibliographical, which must be meticulous and articulated,
presenting the bases of the research instruments, in the ways and perspectives associated to its
good use, motivating the path to be covered during it, substantiating the process of the
researcher’s actions. Therefore, the research of this nature involves specific concepts and
interests applied to such theme, what will enable the gain of knowledge and information,
which will lead to a better-developed work of analysis. During the bibliographical research, it
is possible to highlight the observations, the bibliographical sources, the data to the theoretical
foundation of the researched to be conducted, taken from books, scientific articles and
bibliographical basis. Finally, it is considered that there is a need of forming a language in
order that there is a visibility of new perspectives to the promotion of music teaching in basic
education schools.
Keywords: Music education. Aesthetic. Game.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................9
2 ASPECTOS HISTÓRICOS E ESTILÍSTICO DA MÚSICA .............................. 17
3 AS CARTAS DE SCHILLER: BREVES REFLEXÕES .....................................31
3.1 O ENCONTRO COM O ESTADO ESTÉTICO E O JOGO .....................................39
4 LINGUAGEM E TÉCNICA: BREVES REFLEXÕES NA VISÃO
GADAMERIANA ....................................................................................................50
4.1 VIVÊNCIA, LINGUAGEM E EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS PELO JOGO... .52
4.2 JOGO: FORMAÇÃO CULTURAL E SERIEDADE ................................................61
4.3 JOGO COMO LINGUAGEM MUSICAL ................................................................ 67
5 A POBREZA DE SONS, FORMAS E IMAGENS À LUZ DA EDUCAÇÃO
ESTÉTICA E DO JOGO NA FORMAÇÃO DA LINGUAGEM ....................... 71
5.1 FORMAÇÃO DA LINGUAGEM MUSICAL POR MEIO DO JOGO E DA
EDUCAÇÃO ESTÉTICA...........................................................................................80
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 86
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 89
9

1 INTRODUÇÃO

A educação estética se constitui em um dos grandes desafios para a educação, desde os


tempos clássicos da cultura ocidental. Platão já tinha tal preocupação, discutindo a respeito da
inserção das artes na educação do homem e, juntamente com Aristóteles, questionava a
capacidade humana de criação, considerando a techné, enquanto saber fazer, saber construir,
encontrando na produção artística uma possibilidade de aperfeiçoamento do éthos.
É possível afirmar que as discussões sobre estética e arte sempre estiveram presentes
nas obras dos grandes pensadores, constituindo uma tradição e formação no pensamento
filosófico, que vai do Grego Clássico, passando pelo romantismo alemão, tendo, como
exemplos, Kant, Hegel e Schiller, e pela contemporaneidade, com Heidegger, Gadamer e
Adorno.
A partir da contemporaneidade surgiu uma preocupação fundamental: como a arte e a
educação estética podem contribuir no desenvolvimento dos processos educativos? No
entanto, a educação estética carece de contribuições pedagógicas educativas dentro de um
processo dialógico no qual aparece como a direção a ser seguida. Além das preocupações que
envolvem a educação estética, em seu sentido mais literal de sensibilidade e percepção, o que
provoca nesta pesquisa é, sob que perspectiva a estética pode contribuir na formação
envolvendo o componente curricular música e a educação musical. Diante disso é que se
buscou situar a temática proposta nesta investigação, que envolveu a educação estética como
fomento da educação musical nas escolas de educação básica.
Antes das ponderações sobre a educação estética é importante frisar de forma sucinta o
que é educação formal e o que é educação musical. Nesse sentido, é importante caracterizar o
entendimento sobre a educação formal que segundo o Projeto Pedagógico do Curso de
Licenciatura em Música da Universidade do Oeste de Santa Catarina (2013, p. 13), é
considerada uma prática social voltada para transformação de aspectos de uma dada realidade,
envolvendo a prática educativa como apropriação, problematização e construção de
conhecimentos, entendendo que a produção do conhecimento não ocorre de forma estanque e
desconectada dos processos sócio-históricos que os produzem.
Por outro lado, tem-se a caracterização de educação musical, que versa sobre o saber
da música utilizando elementos rítmicos com apoio de instrumentos musicais, utilizando
como base o corpo, desvendando os sons, as imagens e as formas por meio da intensidade e
do timbre que identificam a iniciação musical como apoio pedagógico. Assim, a educação
10

musical se constitui em um agente de inclusão social e de grande valor educacional no


processo ensino-aprendizagem.
Com o devido entendimento das diferenças entre educação formal e educação musical
é que se caracteriza nesse momento a educação estética. Uma das intenções da educação
estética é pelo ensino da Música, formar e construir a sensibilidade e percepção, mediante a
criatividade, a liberdade de produção, organização de estímulos sonoros, a fruição e a
cognição musical. A partir da obra de Magnani (1989, p. 10), a estética pode ser vista como a
ciência de como os fatos podem ser conhecidos pelos sentidos, atribuindo emoção, sensação e
conhecimento, o que pode encontrar na Música, conteúdos e habilidades contribuintes no
desenvolvimento dessas capacidades próprias do humano.
O desenvolvimento da educação estética nos faz refletir a respeito das mudanças que o
atual momento pedagógico vive, por conta da lei da música1, na qual o estudo musical terá a
possibilidade de deixar de ser fragmentado, potencializando melhor compreensão e
fundamentação dos significados e dos sentidos estéticos.
Em nosso país é de conhecimento de parte dos estudiosos da música, entre
historiadores, teóricos e curiosos, que a Lei n. 11.769/08 não foi a primeira tentativa de inserir
a educação musical na grade de ensino, como componente curricular das escolas de educação
básica. A educação musical no Brasil já foi contemplada com outros momentos político-
pedagógicos no seu passado; desde a reforma Couto Ferraz 2 em 1853, até os áureos tempos de
Heitor Villa Lobos,3 no início da década de 1930. Todos esses grandes educadores
vislumbraram o ensino da música como componente curricular, pois sabiam que o ensino pela
educação musical é um salutar remédio para contribuir na solução das lacunas do
aprendizado. Lacunas essas que podem ser: percepção e fruição musical, conhecimento
sonoro-corporal, coordenação motora, lateralidade.
Por saber dessas lacunas que o tempo deixou no aprendizado musical é que se traz à
baila a educação musical como contributo da educação estética, juntamente com o anseio de
como ocorrerá o ensino da música relacionando o jogo e o lúdico no aprendizado. Nesse

1
Lei n. 11769/08, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da música, como disciplina curricular no Ensino
Fundamental I.
2
Decreto n. 1331A, que estabeleceu o Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Município da Corte,
em 17 de fevereiro de 1854.
3
Decreto n. 19.890, de 18 de abril de 1931, o qual fez parte da Reforma Francisco Campos, incorporando a
música mediante a prática do canto orfeônico à grade curricular do Curso Secundário Fundamental. Heitor Villa-
Lobos, um dos maiores responsáveis pela inclusão da disciplina de Música e Canto Orfeônico nas escolas
brasileiras, na década de 1930, tendo como coidealizadores os escolanovistas Fernando Azevedo e Anísio
Teixeira.
11

sentido, para melhor compreensão desta indagação, embasou-se nos pressupostos de Schiller e
Gadamer para compor o estafe desse estudo.
O fundamento teórico desta pesquisa está embasado em Schiller, pelo conceito de
impulso lúdico na construção da linguagem, em diálogo com o conceito de experiência e jogo
na hermenêutica gadameriana. Mesmo em vertentes teóricas distintas, Gadamer na
hermenêutica do Século XX e Schiller, no pré-romantismo alemão, é importante que se situe
como tais tradições filosóficas pedagógicas dialogam em relação ao problema da educação
estética, do jogo e da linguagem na perspectivada da experiência estética formativa.
Compete a Schiller, na obra Cartas sobre a educação estética para a humanidade,
abordar a importância da educação estética para o ser humano, demonstrando como essa
dimensão, que envolve tanto o impulso sensível designado como vida quanto o impulso
formal, designado como forma, contribui na formação e desenvolvimento do ser humano, por
intermédio do impulso lúdico que é designado forma viva.
Schiller (2002, p. 73) teoriza sobre o impulso lúdico em sua XIV Carta, afirmando que
é o resultado do equilíbrio entre o físico e o moral na possibilidade da construção do terceiro
caráter, o estético. O estado estético é o que compõe o humano, onde o ser humano encontra a
possibilidade do jogo, nesse momento aparece a figura do homem estético em seu estado
lúdico.
Por outro lado, Gadamer analisa o jogo como conceito fundamental para a estética.
Para isso, considera e critica o belo em Kant e de como é representada a estética em Schiller.
Em Verdade e Método (1999, p. 36), Gadamer afirma que sua análise acerca deste tema é
pensada de forma puramente fenomenológica.
Para Gadamer, o jogo se origina da palavra Spiel, que não é apenas o jogo em seu
sentido de apenas jogar, mas é muito mais que isso, é tocar, é brincar é representar, por esses
atributos que o jogo é constitutivo de realidade à medida que a representação do jogo na
ausência de uma essência subjetiva existe um comportamento fenomenológico no sentido que
ele seja uma interpretação, um desempenho da realidade,
Ao tratar especificamente do jogo, Gadamer não isenta a subjetividade da estética,
pois para ele o jogo não está ligado ao comportamento e às particularidades do jogador, mas à
constituição de uma forma de aprendizagem por meio de situações inesperadas e novas que o
jogo, como fio condutor dessa aprendizagem, pode oferecer. É lúdico e é jogo, exatamente
por estar aberto à novidade, sem um controle absoluto dos envolvidos.
O jogo na visão gadameriana é constituído de realidade, norteada por pura ludicidade,
fazendo com que o jogador, dentro do seu campo de demonstração, perceba a possibilidade de
12

suspender uma ação do jogo com um contralance, assimilando as diversas nuances que o jogo
representa à realidade e às regras que podem ser reformuladas, por meio da ludicidade do
jogador.
Portanto, o ensino da música, por meio da educação musical e da educação estética,
enquanto impulso lúdico e jogo, sinalizando como instrumento pedagógico na musicalização
infantil, fundamentado nos autores supracitados, será o aporte no processo de aprendizagem,
tendo os professores e alunos como sujeitos e atores principais dessa produção cognitiva.
Nesse momento, o jogo na perspectiva da ludicidade é constituído de cognição, nesse ponto é
que ocorre a formação estética no encontro com o outro, no encontro com a interpretação
musical começando a formação musical se constituindo e se apropriando do conhecimento
por meio da interpretação hermenêutica, estabelecendo o conhecimento musical.
Um dos fins desta pesquisa é relacionar aspectos da educação musical e as questões
que permeiam a educação estética. A pesquisa pretende a compreensão da educação musical e
da educação estética, envolvendo o lúdico e o jogo, possibilitando a formação e a reflexão da
linguagem musical balizadas no entendimento para a solução da pobreza de sons, formas e
imagens que a educação estética e musical poderá enfrentar nas escolas de educação básica.
Isto ocorrerá em uma perspectiva em que a educação estética e a educação musical
serão proponentes do conhecimento, por meio das sensações e da cognição, reduzindo a
dicotomia entre o lúdico e o estético, proporcionando a ampliação ou desenvolvimento da
sensação, percepção e o imaginário. E conscientes de que um dos grandes problemas que
envolvem a educação, principalmente, a infantil e de anos iniciais do ensino fundamental,
reside na fragilidade de sons, de imagens e de formas, é que a música vem ao encontro da
relevância pedagógico-educacional, como aporte cognitivo, servindo como agente facilitador
e sendo uma das grandes responsáveis por gerar soluções a tal fragilidade.
Em termos contextuais, vale ressaltar que as políticas públicas educacionais
subtraíram várias vezes o ensino da música da grade escolar, até que em 1996 e 2008,
respectivamente, com a LDB n. 9.394/964, a música é considerada conteúdo do componente
curricular Arte e a Lei n. 11.769/08 que estabeleceu efetivamente o ensino obrigatório da
música da educação infantil ao ensino fundamental I, permitindo que o ensino da música
fizesse parte da educação formal, como parte da grade curricular, com o status de componente
curricular.

4
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional.
13

Com a promulgação de tais leis, a maioria dos professores ainda se encontra em


defasagem no que diz respeito à qualificação por meio de capacitações e cursos de educação
musical, que são deixados de ser oferecidos pelo poder público. Essas capacitações, muitas
vezes, não são oferecidas por falta de vontade política, mas, também, pela falta de professores
qualificados.
Além disso, no campo acadêmico, a pesquisa se mostra importante, pois ao estudar a
educação musical, juntamente com a educação estética em suas dimensões pedagógicas,
podem-se indicar quais caminhos os professores poderão seguir ao lecionar a educação
musical em sala de aula. É uma indicação que não significa somente uma questão didática,
mas, anterior a ela, significa uma concepção do que é música, sua contribuição na educação
estética e na educação musical e o que, em conjunto, contribuem no desenvolvimento daquele
repertório de sons, imagens e formas supracitados.
Da mesma forma, em termos pedagógicos e educacionais esta pesquisa encontra seu
fundamento na construção do conhecimento da educação musical e da educação estética no
contexto de propostas do ensino do bel canto5 embasados no jogo e no lúdico. Portanto, para
se fazer valer a apropriação da educação musical em relação à educação estética, ambas têm
tarefa decisiva quando se pensa a diminuição da dicotomia do ser humano, entre razão e
sensibilidade, o universal e o particular, a pessoa e o estado, a alma e o corpo, o infinito e o
finito, o uno e o múltiplo, o tempo e a eternidade, a forma e a matéria.
Em termos de formação da cultura percebe-se a relevância deste estudo em virtude do
fato de que o ensino da educação musical e da educação estética atribui valor cultural no que
diz respeito às suas tradições, distinguindo como aquilo que é criado pelo ser humano,
diferenciando do que lhe é dado pela natureza. Assim, o aluno, com seu próprio jeito de ser,
de se expressar por meio do folclore, das cantigas de roda, somando costumes, tradições, fé,
será considerado em razão da diversidade de costumes e manifestações culturais.
Desse modo, a educação musical e a educação estética, partindo dos valores culturais
que caracterizam os seres humanos, contribuem na formação da identidade pessoal e social,
fomentando e gerenciando a capacidade de interação cultural dos diversos costumes inseridos
em nosso país. Assim, pode-se pensar na elevação do ser humano, proporcionando aos
envolvidos nas ações pedagógicas perceber, compreender, interpretar e ressignificar as
informações recebidas e o conhecimento construído, e isso de modo constante.

5
Usa-se o termo Bel canto como sinônimo de música.
14

A pesquisa vem ao encontro dos anseios da educação musical, demonstrando questões


relevantes à construção do conhecimento da música, latentes no dia a dia da prática
pedagógica. Isto posto, a pesquisa aqui proposta está calcada em condições teóricas e fáticas
suficientes para a formulação da concepção educacional, para saber qual é o grau que o
processo de aprendizagem da educação estética e da educação musical atravessam atualmente
no meio escolar.
Considerando o foco da pesquisa, propõe-se como problema neste trabalho
dissertativo: Como, pelo ensino da música nas escolas, pautado pelos critérios do lúdico e do
jogo, é possível a educação estética? Estando presente esta indagação, o objetivo geral foi de
analisar como o ensino da música, associado ao lúdico e ao jogo, pode contribuir para a
educação estética e a formação de uma linguagem musical. Sob o ponto de vista do objetivo
geral aqui apresentado, cabe ressaltar que o ensino da música confere às escolas de educação
básica no processo ensino-aprendizagem, a qualificação do ser humano dentro de sua
dimensão bem subjetiva, ou seja, na ampliação do repertório de imagens, sons e formas. Pela
música, articulada ao jogo e ao lúdico, é possível promover tal ampliação. A criança, quando
posta à frente das obras musicais qualificadas historicamente, juntamente com seus
compositores, fica em posse de um vasto universo sonoro de movimentos postos pelos
próprios instrumentos. Além disso, a compreensão histórica, cultural e estilística que
contribuíram na elaboração de tais obras fornece condições de que a criança (ou todo aquele
envolvido na educação musical) compreenda a história, tendo pequenos indicativos de como o
compositor chegou a tal elaboração. Mas isso não ocorre se a música for trabalhada ou
ensinada de modo meramente técnico, sem o olhar pedagógico e com a preocupação estética.
Defende-se, então, com este trabalho de pesquisa, a articulação entre música, lúdico, jogo e
estética na solução ao problema da pobreza de imagens, sons e formas.
Nesse sentido, esta pesquisa aqui apresentada balizará juntamente com métodos já
existentes na formação dos futuros educadores musicais junto à prática educacional nas
escolas de educação básica, sendo ponto de reflexão do ensino da educação estética e da
educação musical a partir do lúdico e do jogo. Isso será evidenciado no decorrer deste
trabalho, pois compreender o desenvolvimento pedagógico da proposta de ensino musical
como articuladora na formação de uma linguagem será o desafio que se conduzirá durante a
pesquisa calcada na educação estética, no jogo e no lúdico.
A fim de situar esta pesquisa é que se recorre aos pressupostos filosóficos de Schiller e
Gadamer que, mesmo tendo vividos em épocas distintas, fazem uma caminhada por meio do
15

conceito de jogo como formador de linguagem e pela educação estética como fonte
auxiliadora de formação da linguagem musical.
A solução para esse problema será defendida nesta pesquisa a partir da construção
estética por meio da educação musical. A hipótese está assentada na possibilidade de
construção e enriquecimento da linguagem musical apoiado no jogo e no lúdico, gerando a
formação cognitiva e sensível da criança, que a torne capaz de desenvolver sua capacidade
estética, de percepção, imagens e compreensão.
Com ênfase no cunho filosófico, busca-se o lúdico e o jogo como elementos
fundamentais para a compreensão do espaço que a educação musical pode ocupar na
formação escolar, a ponto de permitir o desenvolvimento da percepção, da sensação, a
formação cultural e a projeção de um nível elevado de humanidade, que pode ser considerado,
em última instância, uma educação estética. Contudo, não se deve entender o lúdico e o jogo
compreendidos como mero espaço de recreação, pois o momento do jogo também se torna
momento de formação por meio da educação estética, onde ocorre o aprendizado musical.
Nesse viés é que a educação musical, com o apoio da educação estética, calcados no
jogo e no lúdico, mostram caminhos para reduzir as dicotomias e as dificuldades de
compreensão conceitual, compreensão sobre qual o papel da música nas escolas e
compreensão de quais seus desafios perante a educação.
Isto posto, apresenta-se o quanto a educação estética e a educação musical
possibilitarão modificações na sociedade escolar obtida pelos ideais da transformação
individual, mas também como firmação do jogo e do lúdico como formação de linguagem.
A estruturação desta pesquisa ocorre em quatro seções, além da Introdução e
Considerações finais, com seus correspondentes objetivos específicos:
A primeira seção versa sobre um breve conceito do que é a música dentro de uma
perspectiva histórica e estilística. Percebem-se, atualmente, os diversos estilos da música com
suas técnicas de execução. O objetivo específico desta seção é de entender o que é música por
intermédio dos seus estilos e técnicas e o que a torna fascinante na formação histórica do
humano.
A segunda seção versa a respeito das contribuições de Schiller na compreensão do
conceito de lúdico e jogo em sua relação com a educação estética. O objetivo específico desta
seção é de identificar a importância do estado estético para a formação, o que derivaria na
qualificação dos impulsos formal e sensível.
A terceira seção tem como foco de discussão o conceito do jogo e lúdico em Gadamer,
sendo orientado pelo objetivo específico de analisar a formação pedagógica por meio do jogo,
16

construindo o conceito de ludicidade no jogo e como tal dialética pode oferecer por meio da
experiência hermenêutica o desenvolvimento da educação estética, conectando-a com o
desenvolvimento humano.
A quarta seção defronta-se com o desafio de propor uma significação para a educação
musical escolar, focada, principalmente, em indicativos de solução ao problema da pobreza de
sons, imagens e de formas, pautados pelos critérios do lúdico e do jogo, caracterizando a
educação estética. Assim, o objetivo específico será de gerar um diálogo entre Schiller e
Gadamer, nos conceitos do lúdico e do jogo.
As informações contidas nesta pesquisa serão um pequeno préstimo ao serviço
pedagógico das escolas de educação básica. Igualmente, existe a preocupação em formar
qualitativamente professores e orientá-los da importância do ensino da música, por meio de
uma educação estética, na formação individual das crianças, dessa maneira, discorre-se sobre
pequenas nuances do grande estofo que permeia a educação musical.
É possível ao pesquisador propor novidades teóricas que irão ao encontro do ensino da
música como ferramenta de apoio pedagógico, como forma de interação humana e
socialização, bem como explicitar os benefícios que o ensino do bel canto traz ao processo de
construção da aprendizagem nas crianças.
Entende-se a relevância e o aprofundamento de análises acerca do inegável potencial
do valor humanístico e universal que o aprendizado da música por intermédio da educação
estética, do jogo e do lúdico como forma de cognição musical oportuniza dentro do contexto
ensino-aprendizagem um horizonte na elevação do ser humano, mediante a solução da
pobreza de sons, imagens e formas. Tal aprofundamento proporciona condições da elevação
do intelecto e do sensível, que são potencializados individualmente no processo ensino-
aprendizagem de cada criança.
17

2 ASPECTO HISTÓRICO E ESTILÍSTICO DA MÚSICA

Antes de se propor que por intermédio do ensino da música nas escolas, pautado pelos
critérios do lúdico e do jogo, seja possível a educação estética, é importante entender, a partir
de fontes históricas e estilísticas, o que é música e o que a torna fascinante. O objetivo desta
seção não é uma reconstrução dos períodos históricos e das concepções artísticas que
marcaram tais períodos, mas uma reflexão para indicar a riqueza que envolve a música vai
além do, muitas vezes, simplismo que acompanha as práticas pedagógicas nas escolas de
educação básica. Existem muitos elementos na música que, quando bem explorados, quando
bem trabalhados, contribuem para a elevação cultural do ser humano, contribuem para o
enriquecimento das imagens, sons e formas.
Mesmo as mais primitivas comunidades, até a contemporaneidade trazem em seu seio
social a música como forma de comunicação, manifestação religiosa/cultural e como forma de
educação. Nesse sentido, historicamente,

Fica evidente a influência da música como elemento de produção de significados


para o homem nas diferentes sociedades. Na Grécia antiga, por exemplo, a música
era tida como elemento mágico e portador de poderes curativos. Relatos bíblicos
registram, em diversas passagens, o “poder” dos sons, desde o momento do Gênese.
Ainda na bíblia, consta um livro todo composto por cânticos, intitulado Salmos. No
decorrer da história, a música se faz presente em todas as culturas como elemento
portador de diferentes significados. (ZOLDAN, 2007, p. 18-19).

Historicamente, nas comunidades primitivas a comunicação ocorria pelos sons dos


tambores, onde eram avisados de possíveis ataques de seus rivais, como manifestação
religiosa/cultural mediante a prática musical, geralmente para louvar e agradecer aos seus
deuses ou quando havia motivo de festejo e como forma de educação, pois como linguagem a
música possui função didático-pedagógica no processo ensino-aprendizagem. Ao tratar dessa
questão, Correa (2010, p. 139) aponta que “A música pode e deve ser utilizada em vários
momentos do processo de ensino-aprendizagem, sendo um instrumento imprescindível na
busca do conhecimento, sendo organizado sempre de maneira lúdica, criativa, emotiva e
cognitiva.”
Ainda do ponto de vista histórico, foram os gregos que estabeleceram as regras para a
cultura musical ocidental. Os gregos já sabiam que o estudo regular dos seus jovens deveria
conter: filosofia, esporte e música. A filosofia porque lhes provocava pensar, questionar,
querer saber sobre as coisas; o esporte para tonificar e lembrar que é por intermédio deste
18

corpo que enfrentamos as ações neste planeta; e, por fim, a música porque por meio dela
podemos conversar com o Deus que está dentro de cada um de nós.
A origem da palavra música vem da Grécia significando mousikê, na tradução literal
seria a musa e arte ou a arte da musa. Lá, o filósofo Pitágoras (século VI -V A.C.) relacionava
a música e a alma humana, cuja harmonia dependia de razões numéricas. Pitágoras descobriu
os comas, denominados posteriormente de comas pitagóricos, que são a relação matemática
dos principais intervalos da escala musical: a oitava, expressão pela relação 2:1, a quinta,
expressão pela relação 3:2, a quarta, expressão pela relação 4:3, bem como a do tom maior,
expressão pela relação 9:8, que exprimiria a diferença entre a quinta e a quarta.
No que diz respeito à música, os gregos foram precursores na maneira de escrita e
composição por intermédio dos modos litúrgicos, que nada mais são que uma série de sete
sons predeterminados que formam os modos: Jônio, Dórico, Frígio, Lídio, Mixolídio, Eólio e
Lócrio. Assim os gregos também tinham uma preocupação com a estética, por conta das
sensações que tais modos geravam. Essa preocupação com a estética dos gregos estava ligada
aos princípios morais do éthos, por conta da apreciação das formas e gêneros musicais
oriundos dos modos, pois os gregos demonstravam grande interesse na estética e pela estética
se atribuía o interesse pela ética e pela política, o que fica evidente na palavras de Cerqueira
(2011, p. 74): “A importância que os gregos conferiam a esta intersecção entre a estética e a
ética na música assumia grande relevância política, como pode ser verificado no destaque
dado à educação musical.”
Nesse período, os gregos utilizavam os modos de acordo com a característica regional
do seu povo e de seu estilo musical. Assim, a música se fazia presente na Grécia em todas as
manifestações da vida pública, como jogos esportivos, teatros, funerais, festas religiosas ou
profanas e até em guerras. Também a música fazia parte do Estado (cidade), sendo fonte de
equilíbrio ao sistema político, nesse sentido,

A música é importante para as cidades, para a manutenção e para a mudança de


certos sistemas políticos. Invariavelmente, todo movimento político tem seu canto
de guerra, de vitória, de batalha e o seu hino. Vive-se, na prática, aquilo que Platão e
Aristóteles afirmaram em seus estudos políticos: qualquer alteração na música
significa uma alteração na cidade. (MESTI, 2012, p. 256).

A partir dos estudos dos modos litúrgicos, os compositores no decorrer do tempo


conceberam novas formas de escrita, de estilo musical, mediante sensações que os modos
litúrgicos podiam causar. Essas sensações e inovações têm diferenças por uma questão
cronológica, pois o estilo musical do Século XVI é diferente do estilo do Século XX. Desse
19

modo, quando se comparam obras de períodos históricos diferentes é necessário o


entendimento harmônico para melhor compreensão estético-musical. Nessa perspectiva,
Grout e Palisca (2001, p. 27-28) parafraseiam Aristóteles quando este pondera sobre as
sensações causadas pelos modos litúrgicos, de tal maneira a dizer que

Os modos musicais apresentam entre si diferenças fundamentais e quem os ouve é


por eles afetado de maneiras diversas. Alguns deixam os homens graves e tristes,
como o chamado mixolídio; outros enfraquecem o espírito, como os mais brandos;
outro suscita um humor moderado e tranquilo. E tal parece ser o efeito particular do
dórico; o frígio inspira o entusiasmo.

Desde os tempos dos gregos até a atualidade a música sofreu mudanças,


principalmente, no que diz respeito às formas de escritas e aos estilos de execução musical,
isso se deve ao contexto cultural em que as obras musicais são concebidas. Tomemos por
exemplo os compositores Giovanni Pierluigi da Palestrina, que viveu no período da
renascença e Johan Julius Christian Sibélius, Modernista do Século XX.
As questões históricas recaem também no contexto do estilo musical, onde o que se
compôs há 500 anos no período da Renascença, com a inovação por meio do contraponto de
Palestrina, não é a mesma forma de composição que Sibélius tinha como maneira de escrita, a
ideia de formas contínuas e fragmentadas do mesmo tema. Assim, existe uma evolução, um
desenvolvimento musical, indo ao encontro dos estilos musicais concebidos pelas diversas
maneiras de composição, respeitando o caráter cultural local. Magnani (1989, p. 18) fala que a
“única estilística que tem alguma validade concreta – e assim mesmo com muitas limitações –
é a estilística da obra em si.” Nesse sentido, reforça-se que o estilo musical está ligado à
questão do contexto histórico.
Dependendo do contexto histórico a música é geradora de vários estilos musicais, pois
tais estilos são complexos tanto em sua escrita, na sua execução, quanto na apreciação, cada
qual produz sua própria técnica, estilo, ao passo que o entendimento desses estilos musicais
ocorre dentro do processo de evolução de composição e da humanidade. A questão de compor
uma obra musical diante de determinado estilo nem sempre agrada ao ouvinte, ainda quando
se utiliza acordes dissonantes, pois o ato de harmonizar melodias simples com acordes
dissonantes na formação de tétrades, com suas respectivas sétimas deslocando
cromaticamente e de maneira imediata a partir da nota fundamental ocasionando as tensões,
nem sempre é compreendido de imediato. Então,

Por exemplo, em um acorde sobre um grau que admita uma (b9), essa nota é um tipo
de expressão – “tortuosa”, retorcida, expressiva e tensionada – da Fundamental! Tal
(b9) guarda as mesmas prerrogativas de condução que uma Fundamental e/ou uma
20

(#9). Então, a [13ª] é um tipo da Quinta, matizada de uma determinada maneira, e


não um som que inaugura uma nova família de notas. Isso implica que os termos
“Fundamental” e “Quinta” [antes restritos pela Teoria Musical à designação de notas
específicas do acorde], passam a ser percebidos não apenas por aquilo que são em si,
mas também pela atividade que desenvolvem na trama harmônica (potência,
energia). É justamente esse papel – essa atribuição das notas – que favorece a
identificação da “Fundamental” e “Quinta” como dois diferentes sistemas de
derivação: dois conjuntos de sons substituíveis e combináveis entre si numa mesma
posição funcional da concatenação a qual pertencem. (FREITAS, 2006, p. 2).

Uma das maneiras de criar as tensões dentro de um campo harmônico ocorre através
dos acordes dissonantes, que, em um primeiro momento, soam de forma falsa, caótica, pois o
ouvido é condicionado a interpretar acordes consonantes, perfeitos. A partir das reflexões de
Adorno, na obra Filosofia da nova música (1974, p. 40), ao falar sobre as mensagens
perturbadoras da nota Mi bemol (Eb), quer dizer que qualquer nota disposta em qualquer
acorde imperfeito é criador de dissonância, institui uma perturbação, uma anarquia musical a
qual, em um primeiro momento, não é gerida agradavelmente aos ouvidos dos apreciadores.
Usa-se como um exemplo interessante a disposição e inovação harmônica que o Jazz propôs
mediante a harmonia funcional, dando liberdade de interpretação ao uso de intervalos
irregulares, através do modo de disposição de quartas aumentadas e de quintas diminutas.
Essa tensão regulamentada pela dissonância pode ser aproveitada com finalidades expressivas
na execução musical.
Existe uma riqueza e uma grandiosidade de estilos por meio do tempo. Tal riqueza é
desconhecida e desconsiderada pela educação. Isso em razão dos educadores musicais
estarem propensos a colocar em prática de sala de aula obras de massa ou quando partem para
algo mais erudito, propõem obras constituídas de pobreza no universo sonoro. Isto ocorre por
conta de serem obras que não causam tensão, pois sua distribuição harmônica sempre é
resolutiva, ou por falta de explicação teórica as crianças não saberão que as tensões
harmônicas também têm resolução. Assim, a criança acaba condicionando seu ouvido a obras
que não causam tensão e, por conseguinte, não conceberá as dissonâncias musicais, logo, tal
criança não atribuíra esteticamente a relação social que música proporciona.
O reconhecimento essencial dos acordes dissonantes dentro das melodias eruditas
acontece principalmente a partir de Debussy, com a introdução da escala hexafônica, também
conhecida como escala impressionista de seis tons inteiros. Isso é enfatizado por Magnani
(1989, p. 157-158), quando fala sobre o impressionismo, o qual foi

Aparentemente revolucionário, representa a fase extrema do romantismo, a


decadência a evasão histórica [...] O vago, a nuança, a musicalidade interior, a
realidade objetivada numa distância de impressão e de sonho fazem com que o
impressionismo ame os gêneros românticos menos imediatamente exatos em seus
21

contornos. Enfim, que exista uma dissolução harmônica entre atonalismo e


serialismo revitalizando o contraponto, as livres concreções sonoras, o dualismo
som-silêncio, a indiferença sentimental.

Debussy desconstrói a relação de acorde perfeitos, consonantes, usando com


racionalidade em suas composições acordes com sétimas maiores e suas extensões
estruturadas na escrita de acordes com intervalos de terças, bem como a utilização de acordes
de décima primeira e décima terceira no desenvolvimento da obra, ou seja, evidencia uma
nova relação de intervalos musicais. Nessa linha de raciocínio, Adorno (1974, p. 53-54)
demonstra que

O predomínio da dissonância parece destruir as relações racionais, “lógicas”, da


tonalidade, ou seja, as relações simples de acordes perfeitos; mas aqui a dissonância
é ainda mais racional do que a consonância, já que mostra de maneira articulada,
embora complexa, a relação dos sons nela presentes, ao invés de adquirir a unidade
mediante um conjunto “homogêneo”, isto é, destruindo os momentos parciais que
contém. A dissonância e a necessidade estreitamente a ela de formar as melodias
com intervalos “dissonantes” são, contudo, os verdadeiros veículos do caráter
documental da expressão.

Reconhecer as partes da música, suas estruturações, suas relações intervalares e sua


textura ocorre a partir da sua apreciação. Nesse momento, pode ser percebido que a música
possui partes que se repetem ou partes que se contrastam, sons que agradam e desagradam, o
que fica evidente nas palavras de Schafer (1991, p. 21): “A apreciação [...] é um processo
cumulativo; você descobre novos pontos de interesse, porém isso não quer dizer que precise
negar o que gostava antes.”
A descoberta de novas formas de expressão, formas rítmicas, sonoras e sentimentais
ocorre por meio da apreciação musical como desenvolvimento da escuta, partindo de várias
formas de ouvir música para chegar à escuta cognitiva, favorecendo a compreensão musical.
Pela apreciação musical é possível formar e reconhecer características sonoras de conteúdos
para além do simplismo promovido pelas obras da Indústria Cultural. Inclusive está aqui um
dos pontos fundamentais que a Música Erudita seja colocada em sala de aula de forma a
moralizar a pobreza na apreciação musical, de modo que a criança eduque seu ouvido a ponto
que sua acuidade musical consiga discernir as várias formatações que determinada obra
musical oferece.
Como citado, o simplismo que a Indústria Cultural traz ao meio musical ocorre pelo
processo de massificação musical onde implica diretamente no meio cultural a pobreza
musical, a carência sonora e a perda da alteridade musical assim, historicamente, a
massificação musical por meio da Indústria Cultural cria necessidades camufladas de
22

apreciação musical, causando a ilusão do gosto apurado por produtos de ordem consumistas,
desqualificando a diversidade musical, ou seja, uma alienação no consumo através da música
que causa apaziguamento. Nessa linha de raciocínio Adorno (2000, p. 65) versa que as
queixas sobre a decadência do gosto musical são, na prática, tão antigas quanto esta
experiência ambivalente que o gênero humano fez no limiar da época histórica, a saber: a
música constitui, ao mesmo tempo, a manifestação imediata do instinto humano e instância
própria para o seu apaziguamento.
A partir do apaziguamento musical tornam-se claros os indícios de frustração da
acuidade sonora, da contribuição significativa da pobreza musical, provenientes das formas e
estilos musicais que a música de massa oferece e, portanto, origina-se nesse instante de
apaziguamento o consumo generalizado, promovendo o capitalismo e de certa forma
prejudicando o gosto individual.

Todavia, se por um lado ela é capaz de aumentar a coesão social e contribuir para a
manutenção do sistema capitalista, por outro lado ela frustra a realização pessoal que
promete aos indivíduos, pois esta é uma promessa que ela não pode cumprir: o que
ela faz, no fundo, é promover e produzir em série bens culturais para satisfazer
ilusoriamente necessidades geradas pelo trabalho e para manter nos consumidores a
carência por novos produtos, enganando as pessoas sobre a satisfação de suas
necessidades. (SILVEIRA, 2007, p. 3).

Nesse sentido, é importante ressaltar que a música de massa oferecida pela Indústria
Cultural dá a ideia de livre escolha, trazendo uma falsa sensação de satisfação, por meio do
consumismo onde a pobreza sonora que este gênero musical oferece se atrela à pobreza de
imagens, sons e formas que a educação musical também padece.
Por outro lado, temos a Música Erudita, que em razão da influência atual das grandes
mídias e da alienação no consumo por conta do capitalismo fica em segundo plano em relação
à música de massa. Isso se deve à elitização desse estilo que por muitos anos foi de alcance de
uma pequena classe social e também das formas de escrita musical, conferindo a esse estilo
uma apreciação em suas composições muito mais apurada sem o apaziguamento musical
como vimos anteriormente, assim

Na boa música erudita, o desenvolvimento do conteúdo formal faz com que as partes
da composição contenham, virtualmente em si, a ideia do todo; também os detalhes,
assim como os fragmentos são produzidos a partir da concepção do todo e, cada
movimento musical é, geralmente, uma introdução ao final, o que confere à música
erudita um constante estado de tensão favorável à sua própria dinâmica. (FRANÇA,
2008, p. 3).
23

Tal dinamismo atribuído à Música Erudita pode ser levado à sala de aula onde o
formalismo desse gênero por meio da acuidade musical diminuirá o distanciamento em
relação às classes sociais provando que indiferente do gênero musical a música tem o poder
de incluir as diversas classes
Atualmente, por meio dos conceitos adotados por educadores musicais, musicólogos a
apreciadores em geral a Música Erudita tem ganhado novamente espaço em todas as classes
sociais, constituindo um novo reconhecimento a partir da não elitização, o que a tem tornado
mais apreciada no que diz respeito a inserção de que este gênero seja mais atrativo ao público,
assim

Dentre os conceitos basilares da opinião pública musical não há praticamente


nenhum que ainda se mantenha firme: são meros retardatários ideológicos de níveis
históricos obsoletos. Outrora, em seus primórdios, muitas categorias fundamentais
constituíam momentos de uma experiência musical viva, sendo que ainda conservam
algum vestígio de verdade. No entanto, fixaram-se e passaram a existir como
inconcussos sinais de reconhecimento daquilo que se pensa e que se espera,
impermeáveis ao discordante. A partir daquilo que, em períodos de sociedades mais
rigidamente organizadas e com um menor número populacional, podia formar o
círculo dos connaisseurs de cour et vílle desenvolveu-se mediante um questionável
processo de socialização, um aglomerado daqueles que sancionam um sistema
normativo exterior àquilo que se escuta. (ADORNO, 2011, p. 281).

Esses retardatários ideológicos citados vão ao encontro do momento pedagógico


musical, onde as audições proporcionadas em sala de aula, por meio de obras oriundas da
Indústria Cultural sucumbindo à apreciação da Grande Música, pois segundo Adorno (2011,
p. 16) “a própria música inexoravelmente submeter-se-á, aí, à sua condição de mercadoria:
quanto mais elaborada, menos procurada.”
A citação de Adorno (2011) reforça que os conceitos estéticos, estilísticos e históricos
da música erudita não são colocados à baila da apreciação auditiva na educação, devido ao
consumismo e a função mercadológica que a música da Indústria Cultural proporciona.
Respeitando as particularidades de cada um, isso ocorre pela falta de conhecimento dos
envolvidos nesse processo dialético musical, para discernir as diferenças entre erudito e
popular (de massa).
Portanto, não se quer dizer que só exista essa estrada de mão dupla que trafegam
Música Erudita e músicas da Indústria Cultural, ao contrário, existem outros vários estilos
que por uma questão de escolha não serão abordados nesta seção. No entanto, quando se fala
em estilo musical essa seção não se ateve aos períodos conhecidos como Classicismo ou
Galante, mas faz-se a referência aos estilos menos conhecidos, como o da Música Aleatória a
qual o termo foi inventado pelo francês Pierre Boulez e difundido por John Cage, assim
24

A partir dos anos 1950, com as experiências de John Cage (1912-1992), de


Karlheinz Stockhausen (1928- ), de Pierre Boulez (1925- ) e de Iannis Xenakis
(1922- 2001) a música apelidada de aleatória começa a tomar forma. John Cage
avançou a tese segundo a qual a determinação serial e as operações do azar,
conduziam ao fim ao cabo às mesmas estruturas do material sonoro, contribuindo
assim, de forma decisiva, para a desagregação da música serial. Inspirou-se no I
Ching [20] para criar projectos como Music of Changes e Variations 1, onde é dado
a interpretar uma composição escrita sobre papel transparente. (CAIRES, 2005, p.
5).

Nesse sentido, vivemos com a existência de vários estilos musicais cunhados pela
erudição e pela massificação musical e, até mesmo, por ruídos transformados em música e
que podem ser transformados em experiência estética em sua apreciação, ou seja, toda
experiência musical indiferente do estilo tem o senso formativo musical dotado cada qual com
sua ideologia, assim

Pelo fato de a música ter pura e simplesmente de existir, a maioria das pessoas
também possui uma concepção a seu respeito. A depender dos círculos dos
interessados em diferentes tipos de música, existem opiniões públicas referentes aos
assuntos musicais implícitos, mas muito eficazes. Sua larga difusão justifica seu
caráter estereotipado, e vice-versa. Ela não deveria se estender unicamente sobre
formulações, mas predeterminar as formas de reação aparentemente primárias, ou,
ao menos, constituir uma de suas componentes: isto I I precisaria ser testado.
Inúmeros são os seres humanos que escutam, possivelmente, segundo as categorias
que a opinião pública lhes fornece de modo direto; o imediatamente dado é, já de si,
mediado. Tal opinião pública reluz em determinado consenso firmado entre aqueles
que falam sobre música. Provavelmente, a opinião é tanto mais articulada quanto
mais profundamente a música, bem como a relação com ela, estiver fundida com
uma consolidada ideologia cultural, tal como, por exemplo, com o âmbito das
conservadoras instituições da vida musical oficial. (ADORNO, 2011, p. 277-278).

Para sintetizar as questões sobre a Música Erudita e a música da Indústria Cultural,


vale ressaltar que indiferente do estilo musical o que vale é a qualidade sonora, estética e
estilística que a boa música oferece e nesse sentido não se pode colocar em jogo as questões
do gosto, mas se podem observar as questões musicais que cada estilo proporciona ao
apreciador.
Assim, para cada estilo musical o que dá forma a ele são as diversas maneiras de
escrita, a disposição dos acordes com seus respectivos intervalos, suas características de
composição, formas tonais, formas atonais e suas estruturas, as quais podem ser divididas em
várias configurações. Seguem algumas dessas estruturas.
Estrutura binária A-B, que em sua execução, em vez de repetir a melodia (a mesma
ideia musical), resolve-se criar uma parte contrastante, a música passa a ter duas partes e
então chamamos essa estrutura de binária. Uma obra musical conhecida nessa estruturação é
“Mamãe eu Quero”.
25

Temos a estrutura ternária, mais utilizada em valsas, que em sua forma se divide em
A-B-A. A forma chamada de ternária é uma extensão da forma binária. Também possui uma
parte inicial “A” (exposição) e uma parte contrastante, a parte “B”. A diferença é que a música
termina com um retorno à parte “A”. Geralmente, com pequenos e regulares fraseados
musicais, que não ultrapassam a oito compassos. Um bom exemplo para esta estrutura ocorre
no romantismo como, por exemplo, o Scherzo, da 3ª Sinfonia de Beethoven, a Heroica,
dedicada inicialmente a Napoleão Bonaparte. Magnani (1989, p. 149) coloca que “O
romantismo processa uma profunda revolução nos domínios da música. Contudo, esta
revolução atinge mais o terreno do conteúdo, da linguagem e dos gêneros que os aspectos
formais das estruturas.”
Essa revolução proposta no período do romantismo diz respeito ao uso de recursos
harmônicos, como: cromatismo, disposições de novos acordes, novos estilos harmônicos,
revitalização do contraponto sob uma ótica onde as tensões se multiplicam no campo
harmônico e a alteração na ordem dos andamentos, como no Scherzo.
Além das formas binária e ternária temos ainda outra, que ao invés de possuir somente
uma parte contrastante, pode ter mais partes que se contrastam. É a chamada Forma Rondeau,
que pode ser representada assim A-B-A-C-A. Pode-se apreciar esse formato nos últimos
movimentos dos concertos clássicos, como os de Beethoven para piano. O rondeau
geralmente é organizado ao fim de uma sinfonia.

É forma antiquíssima, liga à dança do mesmo nome e aplicada à poesia, desde os


trovadores provençais. Consta de um refrão repetido sempre na mesma tonalidade, e
de um número variável de cópias ou estrofes, diferentes entre si e de tonalidades
variadas. Seu esquema pode ser representado pela fórmula a-b-a-c-d...a.
(MAGNANI, 1989, p. 143).

Outra forma de estruturação musical é a que alguns estudiosos chamam de


contemporânea ou simplesmente Overture, que começou a ser reutilizada a partir do final dos
anos sessenta, início dos anos setenta e continua em voga na atualidade. Sua forma de
representação é a seguinte: Introdução – A – B – A – Coda. Pode-se apreciar esse formato nas
obras de James Swearingen, em particular, na composição musical Sea Gate Overture. Logo,
Magnani (1989, p. 145) diz que Overture “É uma forma emprestada da ópera, à qual serve de
introdução [...] É construída em forma sonata, com introdução, exposição bitemática,
desenvolvimento, reexposição e coda.”
Essas estruturações musicais supra-apresentadas vão ao encontro do que Adorno
(1974, p. 33) versa a respeito do processo de renovação e de mudanças no cenário da
26

composição musical, seus estilos de escrita e suas raízes históricas que não podem ser
apagadas, nem sequer deixadas de lado, assim,

As mudanças por que a música tem passado nos últimos trinta anos não têm sido
consideradas até agora em todo o seu alcance. Não se trata aqui da crise de que tanto
se fala, que constitui uma fase de fermentação caótica cujo fim poder-se-ia entrever
e traria a ordem após a desordem. O pensamento de uma renovação futura, seja na
forma de grandes obras de arte, seja na feliz consonância de música e sociedade,
simplesmente nega o que tem ocorrido e que no máximo poderá ser sufocado, mas
não apagado da história. A música, obedecendo ao impulso de sua própria coerência
objetiva, tem dissolvido criticamente a ideia da obra redonda e compacta e cortado a
conexão do efeito coletivo.

Se houve um classicismo com a tríade do A-B-A, Adorno propõe a crítica desta obra
redonda e que gera a repetição do mesmo em uma solução de todas as tensões. Nesse sentido
é que a arte, e a música como arte, devem provocar tensões, mostrar as contradições pelas
quais passa a sociedade e o próprio ser humano, ou seja, não ser uma obra de repousa que
cause apaziguamento.
Os estilos musicais são complexos para execução e também para sua apreciação, em
virtude das formas de escrita em que são concebidos. Para um breve e melhor entendimento, é
importante que se faça um paralelo entre as obras escritas por Heitor Villa-Lobos, pelos
musicistas do Movimento Bossa Nova e por Koellreuter. Villa-Lobos, além de usar
fragmentos do folclore brasileiro, utiliza também como espinha dorsal a forma de composição
chamada paralelismo, utilizando quintas e oitavas paralelas, já as obras da Bossa Nova têm
como égide a sequência de acordes para produção harmônica, denominada cadência II, V, I,
que passa uma ideia musical em que a organização harmônica suspende, prepara e resolve a
música. No caso de Koellreuter, com a música dodecafônica, sua característica são as doze
notas da escala cromática usadas de forma equivalentes, executadas em quatro séries, sendo: a
primeira a série original, a segunda denominada série anacrônica, executada de trás para
frente, a terceira série chamada de invertida, com sua execução sendo que os intervalos são
tocados de forma inversa da série original e a quarta e última série denominada anacrônica da
inversão, que é executada da maneira em que a série invertida seja executada de trás para
frente. Nesse sentido, Adorno (1974, p. 67) enfatiza que:

A mais fina elaboração da música é obtida ao preço de uma grosseria crescente. Isto
pode ser visto até nos fenômenos mais evidentes da percepção harmônica. [...]
Semelhante percepção direta de um intervalo “objetivamente” de segunda como um
intervalo de terceira está excluída da tonalidade porque pressupõe um sistema
preciso de coordenadas e porque se determina diferenciando-se deste. [...] este
intervalo se amplia ao converter-se primeiro numa quinta e por fim numa sexta e,
frente ao ponto de partida do tema a que propriamente se refere, esta sexta e uma
nona. Ao sair do âmbito da oitava, ela readquire uma expressão de júbilo desmedido.
27

Isto só é possível se entende o intervalo de oitava como unidade virtual de medida,


uma vez que é fundamental na tonalidade. Quando a oitava é superada, o significado
musical chega imediatamente ao extremo, pois o equilíbrio do sistema se rompe. Na
música dodecafônica, em compensação, a oitava perdeu essa força de organização
que lhe correspondia em virtude de sua identidade com o som fundamental do
acorde perfeito.

Indiferente das questões da escrita musical, e por mais que para alguns a escrita atonal
seja a mais adequada ao despertar da consciência e a música tonal seja algo que apazigue, a
música é uma expressão cultural. Usando como exemplo Camargo Guarnieri e Villa Lobos,
dois contemporâneos que se criticam em termos de forma e escrita musical, porém são
valorados culturalmente. A compreensão e a formação cultural que a educação musical
propicia será mais efetiva se as experiências de sala de aula conseguir conceber o erudito e o
popular, por meio das relações culturais que tais estilos propiciam. O problema é que a música
tem entrado nas escolas, nem sempre pela via da formação cultural, mas pela via de gostos
meramente industrializados. Não se compreende o que é e a riqueza que envolve a música em
suas manifestações no decorrer da história. Por que não gostamos de Vivaldi? Por que não
gostamos de Schöemberg? Por não entendermos o momento histórico de concepção e
construção musical de tais autores e, também, por não entendermos que a música, assim como
todas as artes, é fascinante e mais rica ou complexa do que os padrões com os quais estamos
habituados.
A música está inserida no seio cultural, por meio do convívio social que a prática
musical oferece. Tal prática é constituída no meio cultural, proporcionando valores de
aprendizado técnicos, estéticos e considerando a relação sociocultural que a música oferece.
Portanto, a música como arte é uma prática cultural que envolve valores e manifestações, ou
seja, a música ocorre no meio cultural por intermédio das relações vivenciadas e
compreendidas por meio da cultura, que segundo Tylor (1871, p. 1) “é o todo complexo que
inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e tantas outras capacidades e hábitos
adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade.”
Para reforçar de como a música está presente na cultura, Blacking (2007, p. 201) versa
que “A música não é apenas reflexiva, mas também gerativa, tanto como sistema cultural
quanto como capacidade humana. [...] numa variedade de situações sociais e em diferentes
contextos culturais.” Portanto, a música faz parte da cultura desde os primórdios da
humanidade colaborando com o processo de formação educacional.
Isto posto seria maravilhoso se todas as pessoas tivessem acesso aos conhecimentos já
desenvolvidos sobre a música. Para isso, seria necessário, primeiramente, desmistificar a ideia
28

de que a música é coisa para poucos escolhidos, iluminados ou talentosos, mas requer técnica,
racionalidade, lógica e emoção, sendo possível que qualquer um entre neste universo e se
desenvolva musicalmente. Nessa linha de raciocínio, Hermann (2010, p. 80) demonstra que
“A techné se orienta pelo saber, envolve arte e habilidade como o artesão que sabe fazer
determinado produto.”
Além disso, seria importante amplificar o conhecimento técnico de que tocar um
instrumento é apenas uma das possibilidades fascinantes que o estudo da música oportuniza.
A música é muito mais abrangente do que isso, ela pode ser vinculada a preceitos históricos, a
educação musical, a educação estética e a teoria musical. Logo,

A música, em sua diversidade de estilos, está submetida, em cada momento que se


apresenta, em cada contexto cultural, a determinadas regras ou padrões de
composição e execução e, por isso, passa a fazer parte de comunidades linguísticas e
sociais, sendo capaz de comunicar e estimular sentidos. (ZOLDAN, 2007, p. 12).

É pela teorização que o saber técnico musical ocorre para interpretar e executar as
escritas musicais. A teoria musical nada mais é que um sistema de notação musical que tem
como objetivo analisar, compor, classificar e compreender um sistema representado por
símbolos que são fundamentais para a composição da técnica musical. Nesse momento,
demonstra-se toda técnica de interpretação e execução da análise musical feita sob o olhar
teórico, onde

Podemos delinear tanto o fazer musical quanto o desenvolvimento musical, como


ocorrendo em duas dimensões complementares: a compreensão musical e a técnica.
Consideramos a compreensão como o entendimento do significado expressivo e
estrutural do discurso musical, uma dimensão conceitual ampla que permeia e é
revelada através do fazer musical. As modalidades centrais de comportamento
musical - composição, apreciação e performance - são, portanto, indicadores
relevantes da compreensão musical, as “janelas” através das quais esta pode ser
investigada. A técnica, por sua vez, refere-se à competência funcional para se
realizar atividades musicais específicas, como desenvolver um motivo melódico na
composição, produzir um crescendo na performance, ou identificar um contraponto
de vozes na apreciação. Independentemente do grau de complexidade, à técnica
chamamos toda uma gama de habilidades e procedimentos práticos através dos quais
a concepção musical pode ser realizada, demonstrada e avaliada. (FRANÇA, 2002,
p. 52).

A partir da técnica musical é que o ensino da música se torna fundamental para o


desenvolvimento musical, seja no âmbito da performance ou em caráter educacional. A
interpretação a partir da técnica musical denota o comunicar e o descobrir dos significados
que estão ligados ao ato de execução, logo a “atividade, portanto, de intuição e de técnica,
baseada no reconhecimento dos símbolos e dos caminhos da sua gênese, a fim de se chegar à
29

tradução dos símbolos em eventos ou fenômenos, em nosso caso, sonoros.” (MAGNANI,


1989, p. 61).
Há de se considerar também que em qualquer idade se aplica a música, desde o ventre
materno até o fim da vida. Toda pessoa pode se beneficiar com ela da forma como melhor lhe
convier, seja tocando, cantando, dançando, compondo, ensinando, aprendendo, porque a
música é ação contínua e seu estímulo sensorial transcende aquele que a pratica. Logo, a
música é um conjunto temporal de sons, a partir dela criam-se formas, formando o humano a
partir do seu caráter teórico, formal e lúdico.
Assim, a música é fascinante e pode se tornar linguagem, interpretação, expressão, arte
sensação; porém, nenhum adjetivo por mais positivo conseguiria descrever ou defini-la com a
merecida justiça. Na essência a música foi, é, e sempre será muito além do que se conhece ou
compreende a maioria, sob o efeito dos aparatos instrumentais e tecnológicos, pois ela é antes
de qualquer coisa, interferência humana.
Portanto, o ensino da música ocorre mediante fatos históricos, por meio do estilo e dá
técnica, da educação musical e da educação estética, logo, o ensino da música necessita de
interpretação para possibilitar a percepção no momento da contemplação musical.
Nesse ponto, temos o jogo e o lúdico, que por meio da educação estética também
comungam dos ideais da educação musical, assim

A educação estética torna-se, assim, um complemento necessário à ilustração do


entendimento, possibilitando a harmonia entre a razão e a sensibilidade. A arte
permite a associação dos dois impulsos – o racional e o sensível – um terceiro,
chamado impulso lúdico, capaz de integrar a dinâmica dos afetos às ideias da razão,
unificando a natureza humana. (SANTOS, 2012, p. 13).

Assim como Beethoven usou o poema de Schiller “An die Freude”, para finalizar em
grande estilo o final da 9ª sinfonia, apresenta-se nesta pesquisa momentos característicos,
onde pelo jogo, pelo lúdico e pela educação estética é possível desenvolver uma educação
musical com ênfase à sala de aula, voltada às escolas de educação básica com a capacidade de
formar linguagem.
Entretanto, a música é um conjunto temporal de sons, a partir dela criam-se formas,
formando o humano a partir do seu caráter teórico, formal e lúdico. Da teoria que concebe a
técnica, da forma que ocorre o estilo e do lúdico que se dá o jogo é que o ser humano concebe
a linguagem musical. Portanto, é necessário que haja conscientização dos envolvidos na
educação musical, em virtude da pobreza de imagens, sons e formas com a qual as crianças
30

chegam às escolas, por isso é que se propõem o uso do jogo e do lúdico embasados em
Schiller e Gadamer, como se apresenta a seguir.
31

3 AS CARTAS DE SCHILLER: BREVES REFLEXÕES

No Século XVII, o, escritor, artista, e poeta, Johann Christoph Friedrich Von Schiller,
inspirado nas obras de Kant e na conduta de liberdade moral escreve uma série de cartas sobre
a educação estética, denominadas “Cartas sobre a educação estética da humanidade”, nas
quais aborda a importância da educação estética para o ser humano. Em suas cartas, Schiller
propõe um projeto de formação (bildung), nesse sentido, também Hermann contextualiza o
conceito de formação, agregando a este conceito alguns outros sentidos, afirmando que pela
formação prática e pela formação para o reconhecimento do estranho seria o começo da
construção de um ideal elevado de humanidade. Ao tratar dessa questão, Hermann (2010, p.
111) aponta que:

A formação inclui também uma dimensão prática pela qual o homem, ao trabalhar
os objetos, ao fazer as ações, ao enfrentar as inúmeras tarefas da existência, forma-se
a si mesmo. Ele atribui a si a universalidade, o que implica superar aquilo que está
fora do eu, que é estranho à particularidade. O reconhecimento do estranho no
próprio, do ser que se constitui a si mesmo a partir do outro, é o movimento do
espírito.

Formação prática em linhas gerais é aquilo que se agrega de valor por meio da sua
educação, configurando um ideal de ser humano determinado pelas suas próprias ações, nesse
aspecto, o ser humano se forma sob a égide da educação, buscando sob este aspecto um ideal
de humanidade. Já a formação para reconhecer e conceber o estranho, o outro, ocorre a partir
dos processos de alteridade, assim, o reconhecimento do estranho também acontece pela
educação, atrelado à ética e à estética. Sob esse ponto a educação musical é vista como o
estranho dentro da educação formal, portanto, esse outro na educação que é o ensino da
música se faz necessário.
Assim, na consideração do humano se articula, para Schiller, em sentido amplo
enquanto vida (impulso sensível) e reflexão, racionalidade (impulso formal), criando um ideal
para educação, denominada de educação estética. Schiller se distancia de Kant na função da
beleza e no sentido desta para a educação do ser humano. Moreira (2007, p. 161) ressalta que

Schiller propõe em “a educação estética do homem” uma complementação para as


ideias de Kant. Enquanto Kant posiciona seu pensamento no eu, Schiller propõe a
pessoa integrada ao mundo. Schiller justifica que não seria possível apresentar tais
estudos sem que a filosofia kantiana tivesse favorecido os meios. Com o conceito de
que a Beleza tem princípios na razão, Schiller desmistifica o belo como simples
apreciação baseada na experiência empírica e propõe o belo como imperativo, de
forma objetiva, com leis próprias.
32

O livre jogo na visão de Kant é algo divino, diferente da visão subjetiva de Schiller
que versa sobre o livre jogo do ser humano, deixando de ser uma simples constatação, uma
simples apreciação para ser uma experiência futura, que na relação com o outro, é nesse
momento que se enquadra Gadamer pela perspectiva da experiência estética formativa, para a
relação com o impulso lúdico a verificar a capacidade formativa recreativa, pois na visão
schilleriana não basta o impulso lúdico estar no nível da razão e do sensível, mas do humano,
comprovando a máxima que o homem só é pleno quando joga.
Desse modo, ao analisarmos parte do referencial teórico de as “Cartas sobre a
educação estética da humanidade”, escrita por Schiller entre 1791 e 1793, verifica-se que
Schiller vive no período do pré-romantismo alemão, concebendo a experiência estética,
equilibrando a emoção, a razão e as reações da cultura por meio da subjetividade e da
racionalidade. Em equilíbrio, razão e emoção dão conta da perfeita unidade proposta pela
experiência estética, ocasionando o que Schiller chama de terceiro caráter, ou seja, o estado
lúdico ou estético.
Tal equilíbrio sugerido por meio da experiência estética é o equilíbrio de dois
elementos que movimentam o ser humano por toda sua vida por conta do impulso formal e
impulso sensível, ou seja, a emoção e a razão. Este equilíbrio é próprio da experiência
estética, pois o homem somente chega à sua plenitude quando joga e somente joga quando
alcança o equilíbrio estético por meio do impulso lúdico.
Antes da abordagem mais enfática sobre experiência estética, cabe ressaltar
primeiramente de forma breve o que é estética: deriva do grego aisthesis, significando
faculdade de sentir ou compreender por meio dos sentidos. Ao tratar desse assunto, Magnani
(1989, p. 16) aponta que “Todavia a palavra estética, para nomeá-la, só apareceu em 1735 na
tese do filósofo alemão Baumgartem, Meditationes philosophicas de nonnulis ad poema
pertinentibulus, e se firmou na filosofia a partir de Kant.”
Portanto, a estética é o ramo da filosofia que se ocupa da interpretação simbólica do
mundo, simultaneamente, é uma ciência autônoma que tem por objeto o juízo de apreciação
que distingue o belo e o feio. Assim, nas palavras de Magnani (1989, p. 15):

A estética, como disciplina teorética, é a reflexão em torno dos problemas da arte;


como atividade prática, é a contemplação consciente da obra de arte, a integração
com o processo criativo e com seus objetivos, o processamento interior dos dados
que permitem a formulação de um juízo crítico.
33

Dessa forma, a estética não se reduz apenas a uma reflexão sobre a arte, sendo essa
apenas uma das dimensões de seu sentido, assim, Schiller (1963, p. 18-19) versa a respeito da
estética da seguinte maneira:

A passagem do estado passivo da sensibilidade para o ativo do pensamento e do


querer dá-se, portanto, somente pelo estado intermediário de liberdade estética, e
embora este estado, por si mesmo, nada decida quanto a nossos conhecimentos e
atitudes morais, deixando inteiramente problemático nosso valor intelecto e moral,
ele é, ainda assim, a condição necessária sem a qual não chegaremos a
conhecimentos e compromissos morais.

Schiller procura transmitir um testemunho da sua própria vivência e inteligência,


dando forma à sua interpretação do mundo humano, apontando o rumo para uma nova
humanidade, por meio da educação estética que levaria à formação do estado estético que ele
designou por terceiro caráter. Portanto, a aproximação de dois impulsos antagônicos, ou seja,
o sensível e o formal resultam na formação de um estado de humanidade, o que para Schiller
significa o estado estético:

O objeto do impulso sensível, expresso num conceito geral, chama-se vida em seu
significado mais amplo; um conceito que significa todo o ser material e toda a
presença imediata nos sentidos. O objeto do impulso formal, expresso por um
conceito geral, é a forma (figura), tanto em seu significado próprio como metafórico;
um conceito que compreende todas as disposições formais dos objetos e todas as
suas relações com as forças do pensamento. O objeto do impulso lúdico,
representado num esquema geral, é a forma (figura) viva; um conceito que denomina
todas as disposições dos fenômenos tudo o que entendemos no mais amplo sentido
por beleza. (SCHILLER, 1963, p. 79).

Em suas primeiras cartas, Schiller nos mostra que o ser humano é natureza,
demonstrando a qualificação desta natureza inserindo o homem como um ser moral e natural,
ou seja, é pela busca nas afinidades entre razão e sensibilidade, almejando o equilíbrio natural
entre o impulso formal e o impulso sensível que se chega ao terceiro caráter: o estético, o
lúdico.
É pelo equilíbrio entre estes dois estados que surge o estado estético, sendo suporte
que permite educar o homem por meio da educação estética. O sentido de educação estética
vem pela conjugação entre impulso sensível e formal, como formadora de linguagem e neste
caso como pergunta bem articulada para abrir novos horizontes. Assim, não é somente a
natureza que o guia e também não é somente a moral evolutiva que faz o ser humano se
formar em constante relação sensível com o mundo, assim ocorre o equilíbrio entre o homem
físico e o homem moral, caracterizando o terceiro caráter.
34

De tal modo, o terceiro caráter, o estético, é que permite dirigir o estado moral e
transformar seus postulados em práxis até o momento de formar o estado estético como o
caráter próprio do ser humano. Neiva contextualiza Schiller sob a perspectiva do homem
físico, que procura tornar-se moral procurando, assim, o caminho da educação estética:

Para Schiller, existem duas formas de ser humano: o Homem físico, natural, sensível
e o Homem moral, ideal, espiritual. O Homem moral é aquele que deixa de seguir
seus impulsos naturais e vive agindo de acordo com as normas morais. O Homem
físico deve então procurar tornar-se o Homem moral e o caminho preconizado por
Schiller, para se cumprir esse fim, é o caminho da estética, por meio da educação. A
educação estética auxiliaria a humanidade a atingir um patamar mais elevado no que
tange à cidadania e à organização social isenta de vícios e corrupção. (NEIVA,
2013, p. 3).

Schiller exige respeito e equilíbrio entre o estado formal e o estado material, o que
implica que a ação recíproca entre eles não pode ser decidida por subordinação de um ao
outro ou por invasão de um pelo outro, mas mediante um terceiro caráter, também autônomo,
que atua como instância moderadora. Este terceiro caráter é chamado de impulso estético ou
impulso de jogo, no qual a beleza completa o homem pela união da sensibilidade com a razão.
Nesse sentido, Lago versa que a chegada do ser humano ao terceiro caráter, ou seja, o lúdico
supera o problema da fragmentação deste, assim, o ser humano, por meio dessa formação do
novo caráter, concebe o jogo, chegando ao lúdico que é o comportamento de quem joga:

E realmente deu um grande salto, na medida em que ousou superar o problema da


fragmentação do homem, entre impulso formal e sensível através do impulso lúdico.
Sua postura não só liberou o jogo do âmbito das faculdades do entendimento
conforme compreendido em Kant, como deu novos contornos à noção de jogo como
um elemento central nos processos de formação, pelos quais o homem alcança sua
plenitude. (LAGO, 2014, p. 60-61).

É interessante enfatizar que no estado estético, admitido por Schiller, o


comportamento moral é natureza e os impulsos naturais concordam com a razão. O autor
pretende que tal estado deve ter como objetivo fundamental a unidade, não desprezando, no
entanto, a multiplicidade, devendo procurar estabelecer um estado de moral, sem menosprezar
o estado sensível dos indivíduos singulares.
Assim, Schiller por meio da educação estética nos mostra o estado de equilíbrio que o
ser humano deve encontrar, em suas vidas, pois não se pode deixar que a moral seja
onipotente acima de tudo e de todos, pois nos tornaríamos bárbaros, tampouco que a natureza
esteja acima de qualquer pressuposto de ideal, pois desse modo nos tornaríamos selvagens.
Por isso, é que Schiller traz a estética como forma ideal de educação, uma vez que a partir
35

desta educação se consegue moderar o estado moral e o estado natural, atingindo o estado
estético.

Schiller considerava a educação como responsável pela condução do homem à


beleza. A educação estética vai permitir que o homem passe dos meros sentimentos
vitais para os sentimentos de beleza. Schiller vê, no desenvolvimento do impulso
lúdico, que gera a beleza, a possibilidade da humanidade ser mais sublime,
consequentemente, mais livre. A moralidade é, para Schiller, consequência da
educação estética. Nesse sentido, é preciso considerar a educação como um processo
que visa fazer do homem um ser cada vez mais aperfeiçoado moralmente por meio
da cultura. A arte é um instrumental educativo para o aperfeiçoamento do sujeito
moral. Schiller deposita confiança no poder transformador da arte à medida que o
bem moral pode ser buscado pela via da criação do belo. (CAMINHA, 2008, p.
113).

Schiller afirma que antes do contato com a educação estética, o homem tem dentro de
si o estado bárbaro e selvagem. O bárbaro e o selvagem equivalem a duas chances de
alargamento parcial da natureza do ser humano. É importante considerarmos que o evitar da
barbárie e da selvageria não tem o objetivo de impor determinada cultura ou moral, mas,
antes, e seguindo as reflexões de Caminha (supracitadas), ela evita, em termos de selvageria,
que o ser humano seja guiado tão somente pelos sentimentos vitais, o que comprometeria a
geração do sentimento de beleza. Ao mesmo tempo, em termos de barbárie, evitaria a
colocação da sua moral como critério absoluto para a referência do que é o humano.
Reafirmando Caminha (2008), a educação deveria se constituir em um processo cuja
finalidade é o aperfeiçoamento moral por meio da cultura. Assim é que a educação estética
ganha espaço, pois ela conduz tanto ao aperfeiçoamento em termos de beleza quanto em
termos culturais. Desse modo, este pode se opor a si mesmo de duas formas: como selvagem,
quando seus sentimentos, suas emoções dominam os seus princípios, ou seja, quando a
natureza é posta acima da moral e, como bárbaro, quando seus princípios morais não
encontram o devido aperfeiçoamento, o que abre espaço para a educação estética:

Como, porém, poderá a bela cultura enfrentar a um tempo os dois males opostos –
como unificar em si duas qualidades contraditórias? Poderá, no selvagem, acorrentar
a natureza e libertá-la no bárbaro? Saberá estirar e distender a um tempo – e, não
fosse realmente capaz dos dois, seria racional dela esperar um tão grande resultado
como a formação da humanidade. (SCHILLER, 2002, p. 53).

Quando se fala em aperfeiçoamento do ser humano, o que ocorre é, então, evitar o


aprisionamento da natureza, no estado bárbaro, ou evitar a livre manifestação desregrada da
natureza, próprio do selvagem. Portanto, o selvagem não valoriza a arte e reconhece a
natureza como algo de maior valor, algo soberano, algo absoluto e totalitário, já o bárbaro não
a reconhece, chegando ao ponto de desonrá-la, ou seja, para sintetizar, bárbaro é para Schiller,
36

quando seus princípios acabam com seus sentimentos e emoções, destruindo e maculando a
natureza, e o selvagem nada mais é que o ser humano arraigado de sentimentos que dominam
sobre seus princípios, deixando a natureza relegada a segundo plano. Assim, o ser humano,

[...] pode ser o oposto a si mesmo de duas maneiras: como selvagem, quando seus
sentimentos imperam sobre seus princípios, ou como bárbaro, quando seus
princípios destroem seus sentimentos. O selvagem despreza a arte e reconhece a
natureza como sua soberana e irrestrita; o bárbaro escarnece e desonra a natureza,
mas continua sendo escravo de seu escravo por um modo frequentemente mais
desprezível que o do selvagem. O homem cultivado faz da natureza uma amiga e
honra sua liberdade, na medida em que apenas põe rédeas a seu arbítrio.
(SCHILLER, 2002, p. 29).

Dessa maneira, o conceito de equilíbrio ocorre por meio da ação mútua entre impulso
formal e impulso sensível, no qual um depende do outro, ou seja, cada impulso condensa e
encontra sua manifestação em função do outro.

Só dessa forma será possível o surgimento do homem ideal, como aquele que supera
as necessidades primordiais da natureza e amplia-se por meio de uma cultura que
revele a beleza. A razão aliada à sensibilidade seria o ideal para a transformação de
uma sociedade que valorize a vida planetária e não apenas a vida humana.
(SCHILLER, 2002, p. 143).

A educação estética proposta por Schiller tem na razão do ser humano a possibilidade
do desenvolvimento moral, assinalando um caminho para a renovação do ser humano, ou seja,
é por intermédio da harmonização e reciprocidade entre os impulsos sensível e formal que se
efetiva o jogo, no qual o ser humano encontra o lúdico, o estético, propondo que, no estado
estético, ética e estética se completem, para que o ser humano seja humano em sua totalidade,
de forma íntegra. No entanto, Schiller (1963, p. 22) salienta que

Se no início o estado estético (lúdico) é apenas um recurso e meio para possibilitar a


passagem do caráter físico ao moral pouco a pouco o meio se torna fim último até
que surja, como ideal absoluto, o “homem estético”, o estado lúdico, único em que o
homem é integralmente homem.

O impulso material vem dos sentidos que o converte em matéria, e é dele que
despertam as atitudes da humanidade que não se completam. O impulso formal provém da
natureza racional do homem, e que o leva à liberdade. Para Schiller, a arte é a forma de
comunicação pela qual o ser humano se forma para a verdadeira liberdade.
Liberdade que o homem atinge no momento quando alcança o jogo, nesse momento é
que ele chega ao impulso lúdico, no qual se harmonizam os impulsos material e físico,
caracterizando a educação estética. Portanto, Gadamer aborda Schiller, por meio da ação
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libertária que o jogo constrói, harmonizando forma e matéria, formando o instinto lúdico. No
tocante se considera que:

Quando, porém, Schiller proclamou a arte um exercício da liberdade, reportou-se ele


mais a Fichte do que Kant. O jogo livre da capacidade de conhecimento sobre o qual
Kant fundamentara o a priori do gosto e do gênio, entendia Schiller
antropologicamente, com base na doutrina dos instintos de Fichte, no qual o instinto
lúdico devia produzir a harmonia entre o instinto da forma e o instinto da matéria. O
cultivo desse instinto é a meta da educação estética. (GADAMER, 1999, p. 148).

Assim, Schiller em suas cartas traz a perspectiva do ser humano sob duas formas:
homem moral e homem sensível que estão em busca de uma terceira via, denominada por
Schiller como estado estético, possibilitando ao ser humano um ideal de forma e vida.
Segundo Schiller (1963, p. 25), “Impulso material e impulso moral, homem sensível e homem
moral, vida e forma se unem no impulso lúdico, no homem estético, na forma viva.”
Enfatizando ainda mais o conceito de forma viva, Schiller afirma que,

Se no início o estado estético (lúdico) é apenas um recurso e meio para possibilitar a


passagem do caráter físico ao moral, pouco a pouco o meio se torna fim último até
que surja, como ideal absoluto, o “homem estético”, o estado lúdico, único em que o
homem é integralmente homem. De certo modo, portanto, o homem deve dar a si
mesmo a forma de uma obra de arte, deve tornar-se em “forma viva”, em bela alma.
Neste sentido, o homem deve restabelecer em si a humanidade íntegra e perfeita que
foi desfeita pelos dilaceramentos da civilização especializada. Essa fragmentação
rompeu a unidade ingênua, opondo a natureza bruta ao intelecto refinado.
(SCHILLER, 1963, p. 22).

Schiller observa que por meio da experiência estética temos o sentimento da emoção e
da razão, dois sentimentos que são contrários dentro do equilíbrio da experiência estética. Um
é subjetivo, a emoção e outro é objetivo, a razão. Mesmo sendo sentimentos antagônicos eles
se fundem, ocasionando a experiência estética. Para Schiller, a experiência estética somente é
possível quando o equilíbrio é encontrado pelos seres humanos, assim se desenvolve o
intelecto e o estético, para que possam ser seres plenos também em sua dignidade humana.
A experiência estética para Schiller traz na emoção e na razão princípios opostos que
se equilibram para a formação do terceiro caráter: o lúdico, o que na realidade se pode trazer
para o ensino da música enquanto elementos racionais e formadores da compreensão de como
a música, os lúdicos e os jogos se transformam em vida, tensão, harmonia, batalha, embate e,
acima de tudo, educação, fazendo um contraponto sobre a pobreza de imagens, sons e formas
que a música, o lúdico e o jogo carecem dentro de uma articulação educacional.
Assim como a vida, a música traz a experiência de tensão e de repouso, princípios
vitais dos seres humanos. Por tais experiências se constitui o elemento do jogo que também
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provoca sensações, que norteiam nosso princípio moral, guiando nossa conduta, assim, a
experiência estética expressa o sentimento subjetivo, portanto, para alcançar o estado estético,
o sensível e o racional devem estar em perfeita harmonia, o que nas palavras de Lago (2014,
p. 59) “[...] pela experiência estética, que o homem, no jogo, entre harmonia e tensão, pode
atingir um todo perfeito em si enquanto joga.”
Na experiência estética surgem os sons, formas, imagens. É nesse momento que
podemos usar a educação musical como orientação pedagógica, pois o lúdico se encontra
latente por meio do jogo, no qual os impulsos sensíveis e racionais entram em consonância. A
experiência estética entre sujeitos envolvidos na educação musical como forma de nova
linguagem constitui o momento de liberdade de representação e criação artística, esse instante
pode se constituir em um tempo de formação. Nesse caminho usa-se a imaginação, o faz de
conta, o lúdico como orientação pedagógica, ou seja, é pela ludicidade dos envolvidos que
ocorre o jogo, que se evidencia o prazer estético por meio da experiência estética vivenciada.
Nessa linha de raciocínio, Hermann (2010, p. 46) demonstra que

A experiência estética mostra também que uma orientação ética meramente abstrata
e reflexiva, sem a experiência sensorial, perde algo, justamente aquilo que só
podemos experimentar na indeterminabilidade da aparência. Ou seja, ela abre espaço
para relativizar o domínio do racional.

É pela experiência estética que o ser humano, enquanto ser natural, por meio da
experiência educacional oriunda do equilíbrio entre impulso sensível e formal, consegue
transcender a barreira das meras sensações e da razão pura, sendo levado pelos sentimentos ao
terceiro caráter e proporcionando a formação do indivíduo em perfeito equilíbrio, por meio do
lúdico dentro de uma experiência estética, cuja

[...] experiência lúdica permite um salto qualitativo na experiência humana, que se


converte numa manifestação formadora e transformadora que humaniza, e equilibra
restaurando aquela harmonia perdida na divisão do trabalho e na especialização.
Neste sentido, o lúdico como experiência estética não é um meio didático, ele é um
objetivo ao qual a formação do indivíduo deve aspirar. (VERÁSTEGUI, 2007, p. 5).

Desse modo, a experiência estética, por meio do sensível e do formal, cumpre seu
papel na formação individual, valorizando e objetivando a plenitude humana em prol do
sensível e do racional, promovendo a priori uma educação estética como proposta
pedagógica. Uma proposta é não fazer do jogo apenas uma brincadeira, um passatempo, mas
usar o jogo e o lúdico como ideais da educação. Schiller relaciona que o homem racional
somente encontrará tal racionalidade na educação estética, por intermédio do jogo. Hermann,
ao contextualizar educação como reivindicação histórica, com característica de pluralidade em
39

consequência da relação estética, algo racional que produz a experiência estética como aporte
da educação, assim coloca:

A educação se depara, por um lado, com uma reivindicação da tradição histórica,


que articula sua finalidade em torno de princípios éticos universais e, por outro lado,
com uma realidade que adquire características de mutabilidade, instabilidade e
pluralidade decorrentes de uma relação estética com o mundo e não de uma
fundamentação exclusivamente racional. Essa duplicidade é entendida, aqui, de
modo produtivo, pois a experiência estética permite novos acessos para a educação
pensar o sentido de sua ação, especialmente porque traz o frêmito que transborda o
domínio conceitual e racionalizado. O estético, que emerge na pluralidade, não pode
ser desconsiderado, na medida em que traz o estranho, o inovador e atua
decisivamente contra os aspectos restritivos da normalização moral, apontando um
novo horizonte compreensivo para a questão irrenunciável da exigência ética na
educação. (HERMANN, 2005, p. 14).

Portanto, é pela experiência estética que o ser humano chega ao estado lúdico; atinge o
jogo em sua plenitude, fazendo que seja meio de linguagem, ou seja, o jogo como fio
condutor da experiência estética vivenciada por meio da construção do lúdico, aperfeiçoando
a realidade e sua capacidade de contemplar o ensino da música.

3.1 O ENCONTRO COM O ESTADO ESTÉTICO E O JOGO

Segundo Schiller, somos movidos por dois impulsos: o impulso sensível e o impulso
formal, os quais são importantes para a evolução do ser humano ao estado estético, o lúdico.
Ele observa ainda que existe uma tensão entre eles, afirmando que sensibilidade e razão atuam
de formas independentes.
Somente haverá beleza por meio da plenitude da humanidade, pois é na ação recíproca
que o homem atinge a qualidade de resolver por meio da razão a perfeição plena do seu
existir, assim, impulso sensível, aquele que origina algo, que exclui toda a liberdade e
espontaneidade do sujeito e o impulso formal, aquele que projeta algo e que exclui toda
dependência e exclusão da liberdade, sendo que a partir da exclusão da liberdade ocorre a
omissão à necessidade física e moral. Impulso sensível e impulso formal se fazem necessários
para impor ao ser humano a necessidade de pensar (mente), isto, por leis da natureza e por leis
da razão. Já o impulso lúdico, em que impulso sensível e impulso formal atuam juntos
determina a indispensabilidade do físico e do moral num só momento, portanto, liberta o ser
humano tanto moral quanto fisicamente da necessidade de supressão em um movimento de
oposição entre impulso sensível e impulso formal. Assim, impulso lúdico, aquele que formula
a concepção do jogo, também é objeto, ou seja, forma viva, desse modo:
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O impulso sensível torna contingente a nossa índole formal, e o impulso formal


torna contingente nossa índole material, à medida que aquele nos constrange
fisicamente, e este, moralmente; ou seja, é contingente se nossa felicidade concorda
com nossa perfeição, ou esta com aquela. O impulso lúdico, portanto, no qual ambas
atuam juntas, tornará contingentes tanto nossa índole formal quanto a material, tanto
nossa perfeição quanto nossa felicidade; justamente porque torna ambos
contingentes, e porque a contingência desaparece com a necessidade, ele suprime a
contingência nas duas, levando forma à matéria, e realidade à forma. Na mesma
medida em que toma as sensações e os afetos à influência dinâmica, ele os
harmoniza com ideias da razão, e na medida em que despe as leis da razão de seu
constrangimento moral, ele as compatibiliza com o interesse dos sentidos.
(SCHILLER, 2002, p. 75).

Considerando que o homem não é somente matéria e nem espírito, é a união da


realidade e da forma originando o conceito de humanidade, ou seja, não é puramente vida e
nem figuração, mas é a ação recíproca de ambas na configuração de impulso sensível e formal
que constituem o impulso lúdico. Portanto, impulso sensível significa: natureza, vida e
impulso formal significa: razão e forma; nesse sentido, o impulso lúdico é forma viva, ou seja,
beleza, assim, o ser humano possui dois tipos de beleza: a beleza da estrutura (nosso corpo),
dada pela natureza e a beleza do jogo, dada pela alma.
Schiller vê na experiência da arte e da beleza o caminho para a formação (bildung) do
ser humano, que já foi frisado anteriormente. Este ser espera Schiller, que não apenas busque
agir moralmente, mas que exerça a moralidade sob um impulso lúdico, razão e sentimento,
equilíbrio para o exercício da liberdade, e a experiência do belo e da arte como o caminho
para isso.
Dessa maneira, a beleza humana pode ser dividida em: graça e dignidade. Trazendo
isso ao ensino da educação musical em sala de aula, a graça é a beleza do movimento, ou seja,
na educação musical a graça reside no movimento de uma nota para outra, no movimento do
arco, no gestual do regente, no aprendizado pelo lúdico e a dignidade na educação musical
consiste na dignidade do aluno que ao se deparar com a linguagem musical atribui incontáveis
horas de estudo para poder tocar com graça.
Assim, reforça o conceito de beleza que para a humanidade é um ideal de plenitude,
que ocorre por meio da aproximação do impulso sensível e do formal, buscando a elevação da
humanidade à formação da linguagem, que ocorre em Schiller por meio do jogo. Ao tratar
dessa questão, Schiller (1963, p. 81) afirma que

A beleza, portanto, consumação de sua humanidade, não pode ser exclusiva e


meramente vida, como quiseram observadores arguto, que se ativeram com excesso
ao testemunho da experiência, solicitados pelo gosto do tempo; nem pode ser mera
figura, como julgaram sábios especulativos, demasiado distantes da experiência, e
artistas filósofos, que se deixaram conduzir em excesso pelas exigências da arte para
explicá-las; ela é o objeto comum de ambos os impulsos, e, portanto, do impulso
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lúdico. Este nome é plenamente justificado pela linguagem corrente, que costuma
chamar de jogo tudo aquilo que, não sendo subjetiva nem objetivamente
contingente, ainda assim não tem necessidade interior nem exterior.

Da ação entre os dois impulsos antagônicos, por meio da subjetividade do ser humano
deve haver um equilíbrio entre tais impulsos para ocorrer o início da educação por conta da
linguagem musical que usa o lúdico como apropriação do saber musical. Sendo assim,
conseguiremos desenvolver potencialidades e caminhos educacionais, por meio da linguagem
musical que articule imagens, sons e formas, assim, ao mesmo tempo, tal equilíbrio dos
impulsos desenvolve uma ação pedagógica na qual a união de forças que antes estavam em
conflitos nos conduzem ao aprendizado.
Logo, na ação equilibrada dos impulsos antagônicos deixamos qualquer forma de erro
de lado, portanto, é essencial que esse equilíbrio ocorra em plenitude e não em fragmentação.
Neste momento acontece a experiência estética, de modo que a ação entre atores diferentes
ocasione o nascer da aprendizagem pelo lúdico. Assim, sobre isso, pode-se considerar que

Da ação recíproca de dois impulsos antagônicos e da combinação de dois princípios


opostos vimos nascer o belo, cujo Ideal mais elevado procurado, pois na ligação e no
equilíbrio mais perfeito de realidade e de forma. Este equilíbrio, contudo, permanece
sempre uma Ideia, que jamais pode ser plenamente alcançada pela realidade. Nesta
restará o predomínio de um elemento sobre o outro, e o mais alto que a experiência
pode atingir é uma variação entre dois princípios, em ora domine a forma ora a
realidade. (SCHILLER, 2002, p. 83).

Schiller nos mostra a definição dos impulsos, sendo o impulso sensível que
aprendemos pela experiência e o impulso formal encontrado por intermédio do pensamento,
assim se considera que o impulso lúdico comunga do impulso sensível e do impulso formal,
caracterizando a forma viva e a compreensão da beleza, que é o estado estético do ser
humano, ou seja, o homem é homem quando atinge o estado lúdico. Nesse sentido, Schiller
(1963, p. 77-78) ressalta que:

O impulso sensível quer que haja modificação, que o tempo tenha conteúdo; o
impulso formal quer que o tempo seja suprimido, que não haja modificação. O
impulso em que os dois atuam juntos, (seja-me permitido chamá-lo impulso lúdico
até que justifique a denominação), este impulso lúdico seria direcionado, portanto, a
suprimir o tempo no tempo, a ligar o devir ao ser absoluto, a modificação à
identidade. O impulso sensível quer ser determinado, quer receber o seu objeto; o
impulso formal quer determinar, quer engendrar o seu objeto; o impulso lúdico,
então, empenha-se em receber assim como teria engendrado e engendrar assim como
o sentido almeja por receber. O impulso sensível exclui de seu sujeito toda
espontaneidade e liberdade; o impulso formal exclui do seu toda dependência e
passividade. A exclusão da liberdade é necessidade física, a da passividade é
necessidade moral. Os dois impulsos impõem necessidade à mente: aquele por leis
da natureza, este por leis da razão. O impulso lúdico, entretanto, em que os dois
atuam juntos, imporá necessidade ao espírito física e moralmente a um só tempo;
42

pela supressão de toda contingência ele suprimirá, portanto, toda necessidade,


libertando o homem tanto moral quanto fisicamente.

A liberdade concebida por meio do homem moral tem por base os ideais da vivência
de plena harmonia com as leis morais, inseparáveis, de maneira que a experiência seja
possível, fazendo que a realidade seja percebida por meio da utilização dos sentidos de cada
sujeito. Por outro lado, o homem físico sofre a influência da natureza, ou seja, é por meio da
beleza que o ser humano possui uma deliberação ativa, formada pelos ideais de liberdade,
portanto, é com a arte que Schiller concebe o ser livre, assim, nas palavras de Lago (2014, p.
59), “Mas, sendo assim, o belo, para Schiller, constitui-se em um estado dissolvente e
tensionante, uma unidade que dissolve e igualmente tensiona de forma recíproca, as duas
naturezas”, ou seja, o ser humano se mostra como tal no momento em que transcende a
natureza, desse modo:

Os dois impulsos têm, portanto, limitação e, pensados como energias, necessitam de


distensão; aquele, para não penetrar no âmbito da legislação, e este, para não
penetrar no âmbito da sensibilidade. A distensão do impulso sensível não pode,
entretanto, ser o efeito de uma incapacidade física e de um embotamento de
sensações, o que merece desprezo em qualquer lugar; ela tem de ser uma ação da
liberdade, uma atividade da pessoa, que modera a intensidade sensível por sua
intensidade moral e, dominando as impressões, torna-lhes profundidade para dar-
lhes superfície. O caráter tem de determinar os limites ao temperamento, pois o
único que o sentido pode perder é o espírito. Tampouco a distensão do impulso
formal pode ser o efeito de uma incapacidade espiritual e de um esmorecimento das
forças de pensamento e da vontade, o que rebaixa a humanidade. A exuberância das
sensações tem de ser sua fonte honrosa; a sensibilidade tem de afirmar seu âmbito
com força vitoriosa e resistir à violência que o espírito gostaria de fazer-lhe pela
atividade antecipadora. Numa palavra: o impulso material tem de ser contido em
limites convenientes pela personalidade, e o impulso formal deve sê-lo pela
receptividade ou pela natureza. (SCHILLER, 2002, p. 71).

Schiller pela educação estética busca o equilíbrio entre ambos os impulsos, na qual a
ação de reciprocidade entre razão e emoção não interfiram na formação do terceiro caráter: o
caráter estético, o caráter do jogo, pois ao se tornarem forças opostas, impulso sensível e
impulso formal, conduziram o caminho da educação estética. O impulso sensível parte da
premissa da existência do ser humano, como forma absoluta de sua natureza sensível, já o
impulso formal parte da premissa do ser humano arraigado na natureza racional. Tais
impulsos se respeitam por não ultrapassarem suas fronteiras de domínio, o que, para Schiller
(1963, p. 79), “O impulso lúdico unindo necessidade física e moral, harmoniza o imperativo
categórico e a inclinação natural.”
Schiller concebe uma relação de reciprocidade entre o impulso sensível e o impulso
formal, a qual é desempenhada por meio da razão humana, comungando dos ideais de
43

humanidade, que a reciprocidade dos dois impulsos e da superação da duplicidade entre


sensível e formal que chegamos ao terceiro caráter: o impulso lúdico, que tem como função a
aproximação do impulso sensível e impulso formal, ou seja, é conjugação, articulação no livre
jogo, que envolve aproximação, distanciamento, reconhecimento de sons, imagens, formas,
criação e autocriação.
O impulso lúdico indica a proximidade, neste momento é que se busca a harmonia e
equilíbrio da dicotomia entre sensível e formal, a fim de levar o ser humano a tal equilíbrio
harmônico, trazendo para o seio da vida do ser humano o despertar da sensibilidade e da
razão. Nessa perspectiva é que

Chegamos agora ao conceito de ação recíproca entre dois impulsos, que a eficácia de
cada um ao mesmo tempo funda e limita a do outro; em que cada um encontra sua
máxima manifestação justamente pelo fato de que o outro é ativo. Em relação de
reciprocidade entre dois impulsos é meramente uma tarefa da razão, que o homem
só está em condições de solucionar plenamente na perfeição de sua existência. É a
ideia de sua humanidade, no sentido mais próprio da palavra, um infinito, portanto,
do qual pode aproximar-se mais e mais do curso do tempo e jamais alcançá-lo. “Ele
não deve empenhar-se pela forma à custa de sua realidade, nem pela realidade à
custa da forma; deve, antes, procurar o ser absoluto pelo determinado e o
determinado pelo absoluto. (SCHILLER, 1963, p. 77).

O ser humano quando alcança o estado estético torna-se lúdico; ele se encontra com a
possibilidade do jogo, tornando-se completo, pois, por meio do jogo, formamos o caráter
lúdico, tal caráter confirma que o ser humano somente atinge sua plenitude ao atingir o estado
lúdico. A chegada ao estado lúdico permite deixar de lado a tensão entre os impulsos sensível
e formal, havendo harmonia entre ambos, atingindo o estado estético, que comunga da
ludicidade que pode ser concebido o jogo, pois nas palavras de Schiller (2002, p. 80), “O
homem joga somente quando é homem no pleno sentido da palavra, e somente é homem
pleno quando joga.” Desse modo, o ser humano em sua plenitude usa da liberdade para evitar
a selvageria, a barbárie e adquire forma, uma forma viva, com base na educação estética, logo

É a humanidade, em sua efetivação máxima, que toma forma no impulso lúdico e


materializa na beleza pelo jogo. Dessa forma, no jogo, não erra quem, na satisfação
do impulso lúdico, busca o ideal de beleza, na medida em que os impulsos, formal e
sensível, são tensionados e distendidos, articulados pela razão. É do conceito de jogo
como articulação dos impulsos que decorre o belo como figura viva, como forma de
plenitude. (LAGO, 2014, p. 59).

Nesse ponto o ser humano ao atingir o estado lúdico se torna forma viva, no qual
atinge as qualidades estéticas para beber da fonte do comportamento lúdico; este se depara
com a possibilidade do encontro com a beleza, sentimento e sensibilidade, é nesse momento
que ele se submete ao jogo. O jogo é para Schiller a relação na existência do ser humano, pelo
44

prazer estético nele encontrado, assim, o jogo é o primeiro encontro com o impulso lúdico, do
qual deriva a noção de vida e de beleza, no autor. Mas, para ocorrer tal encontro, um jogo
próprio deve ocorrer agora entre o sensível e o formal:

O objeto do impulso sensível, expresso num conceito geral, chama-se vida em seu
significado mais amplo; um conceito que significa todo o ser material e toda a
presença imediata nos sentidos. O objeto do impulso formal, expresso num conceito
geral, é forma, tanto em significado próprio como figurado; um conceito que
compreende todas as disposições formais dos objetos e todas as suas relações com as
faculdades do pensamento. O objeto do impulso lúdico, representado num esquema
geral, poderá ser chamado de forma viva, um conceito que serve para designar todas
as qualidades estéticas dos fenômenos, tudo o que em resumo entendemos no
sentido mais amplo por beleza. Mediante essa definição, se é que chega a ser uma, a
beleza não é nem estendida a todo âmbito do que é vivo nem se encerra nele. Um
bloco de mármore, embora seja e permaneça inerte, pode mesmo assim tornar-se
forma viva pelo arquiteto e escultor; um homem conquanto viva e tenha forma, nem
por isso é uma forma viva. Para isso seria necessário que sua forma fosse viva e sua
vida, forma. Enquanto apenas meditamos sobre sua forma, ela é inerte, mera
abstração; enquanto apenas sentimos sua vida, esta é informe, mera impressão.
Somente quando sua forma vive em nossa sensibilidade e sua vida se forma em
nosso entendimento o homem é forma viva, e este é para sempre o caso quando o
julgamos belo. (SCHILLER, 2002, p. 77-78).

O jogo para Schiller é a harmonização, um equilíbrio desequilibrado, que em primeiro


lugar tanto a natureza quanto a moral serão desequilibrados em seus fundamentos, o que pode
ocorrer por meio de uma simples pergunta: Qual a legitimidade deste sentimento e deste
modo de ser? A partir desse desequilíbrio tem-se a educação estética como a possibilidade de
estabelecer uma resposta à questão anterior, gerando o equilíbrio na natureza e na moral.
Nesse sentido, é possível perceber o que está errado entre o homem físico e o homem
espiritual, ou seja, o homem somente é homem em sua totalidade quando joga, dessa forma, o
jogo se torna um ideário de liberdade lúdica, contemplando imagens, imaginação, sons,
formas e movimentos Segundo Schiller (1963, p. 130), “O impulso estético para o jogo,
portanto mal será reconhecido em seus primeiros passos, já que será constante a intervenção
do impulso sensível, de sua teimosia e avidez selvagem.”
Schiller defende que é a partir do antagonismo das forças dos impulsos sensível e
formal que se chega à totalidade do caráter estético, o lúdico, por meio do jogo, por isso,
entende que a liberdade provém do impulso estético, que tem a sua base no impulso do jogo
do ser humano, do caminho proveniente entre a sisudez física ao jogo estético, levando-o a
tornar-se ser humano completo pela união da razão, da natureza e da sensibilidade, tornando-
se forma viva:

Na própria natureza inerte encontramos o luxo das forças e certa determinação


flexível que poderiam ser chamados de jogo neste sentido material. [...] O que a
plenitude perdulária devolve, sem ter usado ou fruído, ao reino dos elementos,
45

poderá ser dissipado pelos viventes em alegre movimento. A natureza dá-nos, por
esta forma, já em seu reino material, um prelúdio do iluminado. E parcialmente
nega, já aqui, as correntes de que se libertará por completo o reino da forma. A
passagem da imposição da necessidade física para o jogo estético faz-se pela
imposição ou da abundância ou do jogo físico, e, antes de superar as cadeias de toda
a finalidade na alta liberdade da beleza, a natureza já se aproxima desta
independência, ao menos longinquamente, no livre movimento que é finalidade e
meio de si próprio. [...] este jogo da livre sequência das ideias, da natureza ainda
inteiramente material e submisso a meras leis naturais, é abandonado pela
imaginação através da tentativa de uma forma livre. (SCHILLER, 1963, p. 128-129).

O antagonismo entre os dois estados, moral e sensível, é denominado por Schiller


como jogo, é o equilíbrio da forma, do real e da contingência com a necessidade da seriedade
física do jogo enquanto momento estético, lúdico. Esse jogo Schiller chama de liberdade, que
em primeiro momento é a vida e, em segundo momento, seria a forma, assim, no momento
em que a forma se mistura ao jogo, este se torna livre e fantasioso, então o jogo nada mais é
que a forma de vida do ser humano que se torna racional e, por conseguinte, estético:

O que significa, entretanto, dizer “mero jogo”, quando sabemos que é o jogo e
somente ele, dentre os vários estados do homem que permite o desdobramento
simultâneo e completo da dupla natureza humana? O que chamais limitação de
acordo com vossa maneira de ver o problema, segundo a minha, que justifiquei por
provas, chamo enriquecimento. Eu diria, pois, o inverso: o agradável, o bem, a
perfeição, o homem os encara apenas com seriedade; com a beleza, entretanto, ele
joga. Não devemos, é óbvio, lembrar os jogos da vida real geralmente voltados para
objetos muito materiais; na vida real, entretanto, procuraríamos também em vão a
beleza de que falamos aqui. A beleza realmente existente é digna do impulso lúdico
real; pelo ideal de beleza, todavia, que a razão postula, é dado também um ideal de
impulso lúdico, o qual o homem deve ter presente em todos os seus jogos.
(SCHILER, 1963, p. 82).

O jogo é um símbolo, é o meio mais rico para dar liberdade a algo que representa uma
realidade ou uma situação. Dessa forma, na música o jogo produz liberdade, prazer, imagens,
sons e formas, sendo capaz de intensificar o espaço ideal para a concepção da arte. Com o uso
da linguagem musical, tendo o jogo e o lúdico com atores principais, haverá condições de
compreensão da arte musical, pois é próprio do ser humano, de reconhecer de si mesmo e ao
outro em mútua relação formativa, que permeia sim o real e o imaginário, mas enquanto modo
do humano se apresentar em tal meio, enquanto manifestação ética que transcende as relações,
assim:

Desse modo Schiller passa a compreender que somente onde a imaginação escapa da
realidade e, no entanto, não perde a simplicidade da natureza, o sentido e a razão,
essas forças formadoras poderão crescer em um equilíbrio feliz, ou seja, que é a
alma da beleza e a condição de uma autêntica humanidade. É essa terceira via numa
perspectiva muito mais ampla que permite o homem encontrar a liberdade por meio
da beleza. (FOFANO, 2011, p. 66).
46

O jogo forma signos e significados para quem joga isso somente é possível pelo uso da
ludicidade, das regras, da seriedade e do comportamento lúdico do jogador. Logo, usando a
linguagem musical, na qual a imaginação, o faz de conta, os sons, as formas, as imagens, os
movimentos, a sensibilidade e a percepção enquanto sensação serão os pilares para a
musicalização, criando suas próprias formas, o que nas palavras de Schiller (1963, p. 129):

Assim como os instrumentos corporais, também a imaginação do homem tem seu


livre movimento e seu jogo material; exercita sua espontaneidade e liberdade sem
qualquer relação com a forma. Na medida em que a forma não se tenha misturado a
estes jogos de fantasia, que encontram seu encanto na livre sequência de imagens.

Desse modo, a educação musical por meio do lúdico usa pressupostos do jogo, por
intermédio da fantasia, tendo como base a livre sequência de ideais em direção ao jogo
estético, com o apoio da educação.
Assim ocorre: a espontaneidade do jogo, no qual a criança envolvida neste contexto
cognitivo concebe a aprendizagem espontaneamente e não a fórceps, um impulso inato que
não necessita de um aprendizado prévio, mesmo que isso por meio da prática será algo
inevitável; liberdade do jogo, com a qual a criança encontra a liberdade na educação musical
em virtude dela mesma criar seu próprio espaço, assim quem joga tem seu próprio espaço.
Dessa maneira, a criança que participa do jogo enquanto educação musical cria a ludicidade,
tornando o ensino da música algo voluntário e prazeroso; e a improvisação do jogo, na qual a
criança concebe o aprender musical, improvisando dentro de suas limitações e suas próprias
regras.
Huizinga (2010, p. 9) reforça o que foi abordado, dizendo que:

A limitação no espaço é ainda mais flagrante do que a limitação no tempo. Todo


jogo se processa e existe no interior de um campo previamente delimitado, de
maneira material ou imaginária, deliberada ou espontânea. Tal como não há
diferença formal entre o jogo e o culto, do mesmo modo o “lugar sagrado” não pode
ser formalmente distinguido do terreno de jogo. A arena, a mesa de jogo, o círculo
mágico, o templo, o palco, a tela, o campo de tênis, o tribunal etc., têm todos a
forma e a função de terrenos de jogo, isto é, lugares proibidos, isolados, fechados,
sagrados, em cujo interior se respeitam determinadas regras. Todos eles são mundos
temporários dentro do mundo habitual, dedicados à prática de uma atividade
especial.

Para demonstrar este momento lúdico do jogo como forma de linguagem por conta da
educação musical usa-se, como exemplo, a brincadeira do morto e vivo para explicar os
valores negativos e positivos da teoria musical em sua concepção formal. No momento em
que a criança se abaixa, caracterizando a forma de morto demonstram-se os valores negativos,
ou seja, as pausas caracterizando o impulso sensível que determina o recebimento deste
47

objeto, isto é, da figura do morto, excluindo toda a espontaneidade e liberdade da ação. Já


quando elas se levantam, caracterizando a forma de vivo, torna-se o momento de explicação
sobre os valores positivos, caracterizando o impulso formal que determina a produção do
objeto, ou seja, os sons propriamente ditos. Isto posto, a criança conceberá dentro do seu
espaço de educação o contato da beleza que a educação musical pode proporcionar, os
primeiros contatos com a notação musical por meio da reciprocidade entre impulso sensível e
impulso formal, portanto:

Isto conclui-se desde logo do conceito de uma reciprocidade em que as duas partes
se condicionam mutuamente com necessidade, ao mesmo tempo que são
mutuamente condicionadas, e cujo produto mais puro é a beleza. Uma reciprocidade
tão perfeita, porém, não tem exemplo na experiência, na qual, em grau maior ou
menor, o predomínio funda sempre uma carência ou a carência o predomínio.
(SCHILLER, 1963, p. 85).

Com a integralização e equilíbrio entre os estados moral e sensível, passando pelo jogo
o ser humano atinge o estado estético, alcançando o que Schiller chama de jogo, no qual o
antagonismo entre racional e sensível se fundem, formando o estado lúdico, que busca uma
forma de aliança entre os impulsos sensível e moral, compreendendo esse novo espaço como
jogo e o imaginário, o que reforça Lago (2012), no sentido de que no jogo o homem não é
refém do impulso sensível e formal, mas o jogo ocorre pela articulação de ambos pela
experiência estética. Fica evidente, portanto, que

Aqui, visualiza-se a grande contribuição de Schiller, quando afirma que o homem só


é pleno, quando joga. No jogo, o homem não fica refém da unilateralização dos
impulsos formal e sensível, nem puramente da experiência do belo e do sublime,
nem cai numa pedagogia puramente diretiva ou não diretiva. A formação acontece,
todavia, no horizonte do impulso lúdico, como impulso articulador tanto dos
impulsos formal e sensível quanto da experiência estética do belo e do sublime, com
experiência ontológica autoformativa que se efetiva no jogo. (LAGO, 2012, p. 4).

O jogo é como uma luz que ilumina o caminho da educação pela linguagem musical,
assim, o jogo se faz presente no comportamento pessoal sendo simbólico, por meio das
imagens, dos sons e das formas, portanto, o jogo não tem preconceitos e, por isso, é pura
ludicidade. A definição do lúdico deixou de ser meramente um sinônimo do jogo, o lúdico já
é comportamento humano e pode estar intrínseco em nós. Isto depende da entrega plena ao
jogo.
O jogo é uma língua universal, não tem fronteiras, quem joga, joga em prol da mesma
bandeira, ou seja, somente o jogo tem o poder de colocar no mesmo espaço crianças, jovens,
adultos e idosos, pois é arraigado de bondade, regras, seriedade e ludicidade, algo notório no
48

comportamento das crianças, nesse sentido, elas crescem e amadurecem com a cumplicidade
do jogo, como unha e carne são inseparáveis, crianças e o jogo também o são. Na visão de
Chateau, é pelo jogo que se desenvolvem todas as etapas da infância. Assim, nessa linha de
raciocínio ele observa que:

Não se pode dizer de uma criança que ela cresce apenas, seria dizer que ela se torna
grande pelo jogo. Pelo jogo ela desenvolve as possibilidades que emergem a sua
estrutura particular [...] O jogo é assim, o centro da infância, e não se pode analisá-lo
sem lhe atribuir um papel do pré-exercício. (CHATEAU, 1987, p. 14).

O jogo para Schiller ocorre na forma de interpretar o próprio jogo entre o impulso
sensível e formal, criando o lúdico, pois é uma forma natural de trocas de experiências, onde a
ludicidade aflora. O jogo é faz de conta, é um mundo à parte, tem caráter simbólico, sério e de
certa forma o jogo é mágico.
O jogo é prazeroso e deve transcorrer de forma natural, nesse momento ocorre a troca
de experiências entre os jogadores, em que as relações subjetivas se tornam objetivas
mediante a realidade circunscrita dentro do jogo. Logo, a criança joga, não importando onde e
com quem, demonstrando todo o comportamento lúdico, deixando aflorar o seu terceiro
caráter: o estado estético, o lúdico. Nesse momento o jogo se torna ritmo e harmonia,
proporcionando à criança a capacidade da educação pelo lúdico, assim:

Reina dentro do domínio do jogo uma ordem específica e absoluta. E aqui chegamos
a sua outra característica, mais positiva ainda: ele cria ordem e é ordem. Introduz na
confusão da vida e na imperfeição do mundo uma perfeição temporária e limitada,
exige uma ordem suprema e absoluta: a menor desobediência a esta “estraga o
jogo”, privando-o de seu caráter próprio e de todo e qualquer valor. É talvez devido
a esta afinidade profunda entre a ordem e o jogo que este, como assinalamos de
passagem, parece estar em tão larga medida ligado ao domínio da estética. Há nele
uma tendência para ser belo. Talvez este fator estético seja idêntico àquele impulso
de criar formas ordenadas que penetra o jogo em todos os seus aspectos. As palavras
que empregamos para designar seus elementos pertencem quase todas à estética. São
as mesmas palavras com as quais procuramos descrever os efeitos da beleza: tensão,
equilíbrio, compensação, contraste, variação, solução, união e desunião. O jogo
lança sobre nós um feitiço: é “fascinante”, “cativante”. Está cheio das duas
qualidades mais nobres que somos capazes de ver nas coisas: o ritmo e a harmonia.
(HUNIZINGA, 2010, p. 10).

Pelo jogo as crianças expressam com naturalidade suas intenções, pois escolhem
soluções adequadas para o momento, ou seja, é pelo jogo que a criança potencializa toda a
ludicidade. É nesse instante que ela atinge o terceiro caráter: o estado estético, desenvolvendo
a inteligência, fomentando a curiosidade, dessa forma, o jogo é o elo principal para a criança
vivenciar a experiência estética como atributo à educação.
49

Nesse sentido, o ideal de ser humano aos olhos de Schiller é aquele que alcança a
beleza, por meio do equilíbrio do jogo, algo natural, assim, a concepção do jogo à luz de
Schiller se faz necessária para alicerçar sua teoria de educação estética. Desse modo, é por
meio do jogo que se desperta o impulso lúdico, que é natural e, portanto, espontâneo, assim, o
lúdico em Schiller nada mais é que a liberdade; que não seja induzido e sim natural.
Portanto, o jogo ocorre no momento que se atinge o impulso lúdico, dando
oportunidade aos seres humanos de um ambiente para jogar entre o material e o formal, essa
possibilidade é alcançada no momento em que o impulso sensível, em seu significado mais
amplo, pode ser compreendido como vida, indicando todo o ser material e toda a presença
imediata do sentido. Além do que, o impulso formal em seu significado mais amplo pode ser
compreendido como forma, designando assim todo conceito que compreende as disposições
formais dos objetos. E o lúdico pode ser compreendido como forma viva, indicando todas as
qualidades estéticas.
O impulso lúdico procura um acordo entre o impulso sensível e o impulso formal que
estão em profusa contradição dentro dos seres humanos. Dessa forma, o jogo atualmente não
é apenas uma atividade pedagógica que tem caráter lúdico na formação cognitiva, hoje é
considerado um fomento à educação básica, em razão de toda a ludicidade nele contida, isso
ocorre porque no jogo se encontram as possibilidades de socialização e, principalmente,
desenvolvimento da linguagem.
Por conseguinte, o jogo, para Schiller, em relação às suas Cartas para Educação
Estética, é um sinal de humanidade. Schiller considera o jogo um condutor de harmonia, na
qual concebe o equilíbrio entre impulso sensível e moral, sendo concebida a partir da sua
plenitude e totalidade quando o ser humano joga atingindo o estado estético, desse modo, o
jogo mostra-se como o início de unidade e também como início de liberdade.
50

4 LINGUAGEM E TÉCNICA: BREVES REFLEXÕES NA VISÃO GADAMERIANA

Considerado o pai da hermenêutica6 do Século XX, assim a hermenêutica filosófica


tem uma aspiração de fundamentar sua característica como uma teoria do conhecimento
formadora da linguagem. Assim nessa linha de raciocínio corroboram as palavras de
Flickinger (2014, p. 23) “a hermenêutica gadameriana se torna uma fonte inesgotável na
discussão da práxis pedagógica”, nesse momento concebe-se a formação por meio da vivência
e a linguagem por conta da experiência hermenêutica.
Hans-Georg Gadamer foi um dos grandes pensadores do século passado. Gadamer
desenvolve por intermédio do conceito de bildung (formação) o aperfeiçoamento e
desenvolvimento do ser humano, por meio da linguagem como forma de experiência. Na
visão gadameriana, para que haja formação, primeiramente, a criança passa pelo estágio de
vivência, onde ela absorve como um todo o conhecimento do novo e não de forma
fragmentada, episódica, formando assim o seu próprio saber.
A partir da crítica à técnica moderna de Heidegger7 que defende o discurso e o fazer
técnico, a qual Gadamer comunga e que se chama de techné, o saber da techné sempre será
individual, servindo para fins particulares, enquanto o saber moral não está limitado por
fundamentos particulares, mas afeta em geral o viver corretamente.
A vantagem do saber técnico, conduzido por normas de procedimentos, permite à
pessoa certo controle da ação, gerando um resultado, uma qualificação fora dela, já o saber
moral não qualifica o saber de fora do indivíduo, mas o qualifica internamente.
Assim, a linguagem musical lúdica, na formação humana, ocorre da relação do
desenvolvimento na ação pedagógica enquanto estratégia, podendo constituir somente uma

6
Considerado o fundador representante da assim denominada “hermenêutica filosófica”, sua influência não se
restringe à filosofia propriamente dita; muito pelo contrário, sejam quais forem as diferentes áreas científicas
modernas, elas se veem forçadas a tomar posição frente aos desafios colocados pelos raciocínios desse pensador.
[..] Gadamer defende uma postura intelectual que pretende dar conta das condições existenciais do saber;
condições entre as quais se destacam a língua, a história e o ambiente social (FLICKINGER, 2014, p. 7).
7
Foi antes de tudo a análise heideggeriana das condições existenciais do homem que abalou os debates
filosóficos da época. Sob a etiqueta “filosofia hermenêutica”, a obra prima Ser e Tempo (1920) representava a
antiga questão da existência do homem no mundo, vinculando-a intimamente àquela do lugar do homem no
tempo e na linguagem. [...] Discípulo e admirador crítico de Heidegger, Gadamer partilhava, por certo, os
motivos que o haviam levado a defender uma “ontologia fundamental”. Reconhecia o seu mérito antes o seu
mérito antes no fato de ter conseguido liberar a hermenêutica da instrumentalização meramente metodológica,
privilegiada no século XIX. Gadamer, contudo, não se deu por satisfeito com essa reviravolta. A fim de deixar
claro o que posso chamar de “crítica simpatizante” em relação à Heidegger, ele adscreveu ao seu próprio projeto
de etiqueta “hermenêutica filosófica”, invertendo desse modo, a denominação da filosofia heideggeriana
enquanto “filosofia hermenêutica”. (FLICKINGER, 2014, p. 22-23)
51

produção de conhecimento duradouro que perpassa o saber técnico e moral, criando um


sentido gerador de conhecimento que qualifica o ser humano, assim a

Techné refere‐se a uma prática e experiência, mas para uma decisão moralmente
correta não basta a experiência. O homem não pode produzir‐se a si mesmo do
modo que o artesão produz uma peça. [...]. O saber da techné é sempre particular e
serve fins particulares, enquanto o saber moral não está limitado por objetivos
particulares, mas afeta em geral o viver corretamente. (TOSTE, 2009, p. 6).

O saber técnico conduzido por normas de procedimento permite ao indivíduo certo


controle da ação, em que o resultado desta gera a qualificação de fora do indivíduo. O saber
moral versa no saber do aconselhar-se a si mesmo e não qualifica o saber de fora do
indivíduo, porém, qualifica-o internamente.
A respeito da linguagem musical lúdica como apoio na formação humana é possível
relacionar o desenvolvimento técnico-produtivo com o desenvolvimento da ação pedagógica?
Essa questão é lançada, pois o desenvolvimento cognitivo em sala de aula usando a educação
musical com o apoio da ludicidade será estratégia pedagógica para constituir uma produção
duradoura no que diz respeito ao conhecimento. Essa ação deve durar além dos 45 minutos da
aula, norteando a qualificação do processo ensino-aprendizagem.
Partindo desses ideais de ensino enquanto sala de aula, este ambiente criará momentos
de pensar antes, durante e depois do depois, mostrando que o conteúdo foi eficaz e a ação
pedagógica não foi episódica, consequentemente, qualificando o sentido da educação musical
em questão, que é o lúdico.
A técnica leva o ser humano ao descuido em relação ao enriquecimento da linguagem.
Mesmo sob outra esfera é importante trazer à baila para o enriquecimento de conceitos o que
Heidegger fala sobre a linguagem, que

[...] é a casa do ser manifestada e apropriada pelo ser e por ele disposta. Por isso,
trata-se de pensar a essência da linguagem a partir da correspondência ao ser
enquanto correspondência, ou seja, como habitação da essência do homem. O
homem, porém, não é apenas um ser vivo, pois, ao lado de outras faculdades,
também possui a linguagem. Ao contrário, a linguagem é a casa do ser; nela
morando, o homem existe enquanto pertence à verdade do ser, protegendo-a.
(HEIDEGGER, 2005, p. 38).

Entendendo linguagem como casa do ser humano, um constituindo o outro, a técnica


qualifica o mundo como carga de conhecimento, enriquecendo a linguagem. A técnica
enquanto algo que qualifique o mundo instrumentaliza o meio para outros fins, assim, a
técnica empobrece a linguagem, o que para Gadamer é pela técnica que esquecemos o que é
humano, produtor de algo. Segundo Cenci (2012, p. 75), “O conhecimento próprio da techné
52

tem sua origem e é acompanhada pela experiência, mesmo que se distinga desta. Ocorre que a
techné, mesmo que seja conhecimento do universal se refere ao particular.”
Dessa forma, Gadamer ressalta que a técnica nos leva a um esquecimento da formação
do ser humano, que já esqueceu a ligação verdadeira da linguagem, pois com a técnica
deixamos de lado o dinamismo, a naturalidade e a expressão da linguagem. Não se trata
justamente de julgar a técnica, mas de entendê-la em sua essência como modo de aplicação,
de modo geral a técnica pode incidir nas relações humanas, sendo usada como facilitadora no
processo de linguajar. Conforme Cenci (2012, p. 70), “A linguagem diferencia o homem dos
outros animais por indicar a capacidade de se comunicar por conceitos e proposições e dessa
capacidade deriva o senso moral que só existe nele.”
Pensando em termos pedagógicos temos três expressões fundamentais: dinamismo,
naturalidade e expressão da linguagem. Diante disso, indagamo-nos sobre o problema da
técnica enquanto simples procedimento que, refletido, compromete tais características da ação
humana, portanto, a técnica repercute por si só, de modo negativo na ação humana.
Na compreensão e entendimento gadameriano de linguagem, seu projeto de
experiência hermenêutica visa ao humano para que este interprete e compreenda algo dado e
vivenciado, gerando a linguagem, produzindo o mundo, dando significado, o qual, em linhas
gerais ocorre a filosofia prática, que para Gadamer (1999, p. 467): “A linguisticidade da nossa
experiência humana do mundo precede tudo o que pode ser reconhecido e interpelado como
ente. O que é conhecimento está sempre abarcado pelo horizonte do mundo da linguagem.”
Dessa forma, o fundamental no pensamento gadameriano é a concepção da linguagem
como condição de interpretação e compreensão, o conhecimento ocorre a partir das inter-
relações dos indivíduos, o que Gadamer define como jogo, que veremos mais adiante.

4.1 VIVÊNCIA, LINGUAGEM E EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS PELO JOGO

Nessa seção se abordará brevemente as questões da vivência que ocorre por meio da
compreensão, do conhecimento profícuo e duradouro; da linguagem por intermédio daquilo
que não é instrumentalizado e técnico, pois a partir da técnica ocorre a qualificação individual
e interna, empobrecendo a linguagem. Por outro lado, a técnica é sinônima de experiência,
que também representa o fenômeno da linguagem; que representa a experiência formativa,
enquanto experiência hermenêutica que também é formadora de linguagem, e

Por isso, podemos dizer que algo foi uma boa conversação, ou que os astros nos
foram favoráveis. São formas de expressar que a conversação tem seu próprio
53

espírito e que a linguagem que nela discorre leva consigo sua própria verdade, isto é,
“revela” ou deixa aparecer algo que desde esse momento é. Já na análise na
hermenêutica romântica tivemos ocasião de ver que a compreensão não se baseia em
deslocar-se para o interior do outro, em uma participação imediata de um no outro.
Compreender o que alguém diz é, como já vimos, pôr-se de acordo sobre a coisa,
não deslocar-se para dentro do outro e reproduzir suas vivências. [...] A linguagem é
o meio em que se realiza o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa.
(GADAMER, 1999, p. 559-560).

No entanto, é importante frisar que na visão gadameriana a vivência, a linguagem e a


experiência hermenêutica são transmissores da tradição (histórica), da compreensão que em
última instância se torna formação e também linguagem que forma o jogo e ainda experiência
hermenêutica. Todos esses elementos se bem utilizados poderão ser possíveis alicerces da
educação.
Gadamer traz a noção do jogo como forma de constituir a educação, como um fio
condutor. No jogo a experiência encontra um espaço privilegiado de constituição de forma
humana, a partir do conhecimento vivenciado. Assim, o vivenciado esclarece e interpreta o
aprendizado pelo jogo e faz com que este jogo seja o espaço impulsionador de novas
experiências.
O jogo é dinâmico e espaço de interação entre sujeitos, por meio da subjetividade que
entra em relação intersubjetiva, dessa forma, a experiência ocorre quando o sentido criado nas
vivências, mediante seus conteúdos seja assimilado de forma a modificar algo no ser humano,
qualificando-o por meio do momento de aprendizado.
Nesse caso, a vivência nada mais é que o processamento de dados muito mais
elaborados, gerando um conteúdo de sentidos, de tal modo que a criança ou outros envolvidos
adquiram um caráter permanente causando a experiência formativa, o que para Gadamer
(1999, p. 119), “Algo se transforma em vivência na medida em que não somente foi
vivenciado, mas o seu ser-vivenciado teve uma ênfase especial, que lhe empresta um
significado duradouro.”
A vivência se refere ao imediato, onde ninguém pode fazer a vivência pelo outro, logo
cada um faz sua vivência e isto será condição de algo que levaremos conosco para o resto da
vida. Portanto, será possível elaborar, interpretar e transmitir melhor o que é vivenciado.

Ao mesmo tempo, porém a forma “vivenciado” é usada no sentido de que o


conteúdo duradouro daquilo que é vivenciado, receberá daí sua designação. Esse
conteúdo é como um rendimento ou resultado, que dá transitoriedade do vivenciar,
ganha duração, peso e importância. Ambas as direções do significado encontram-se,
obviamente, na base da formação da palavra “vivência”, tanto a imediaticidade, que
se antecipa a toda interpretação, elaboração e transmissão e que oferece apenas o
ponto de partida para interpretação e a matéria para configuração, como também o
rendimento mediado por ela, seu resultado duradouro. (GADAMER, 1999, p. 118).
54

Se o resultado a partir da vivência gera na criança uma informação duradoura, isso


ocorre com o aumento de conteúdo que são gerenciados e traduzidos em conhecimento pela
experiência durante o processo formativo. Isso ocorre a partir da transmissão do
conhecimento redimensionando-o aos novos horizontes que serão inseridos no dia a dia
escolar. Tal experiência durante o processo formativo chama-se experiência hermenêutica,
onde as crianças compreendem, são compreendidas e compreensivas e, acima de tudo, se
fazem entendidas. Nesse instante, a vivência musical gera o aprendizado na música,
constituindo-a em uma experiência em busca de horizontes.
A partir do aumento de conteúdo, de informações, criam-se mais sentidos
pedagógicos, que repercutem no aprendizado das crianças. Por exemplo: na vivência feita ao
piano, no estudo de determinada obra, pode ser gerada uma ampla e profunda compreensão e
interpretação dela, a ponto de conseguir criar novas técnicas de execução, que não tiram a
essência e o brilho da interpretação original, coloca-se aí sua característica, seu modo de
interpretação da obra. A partir desse momento de interpretação que ocorre o jogo onde pela
vivência e pela interpretação concebe-se a experiência hermenêutica.
A vivência musical por meio dos sons, formas e imagens lúdicas cria condições de a
criança entender o processo de aprendizagem musical, cria nela uma nova experiência
hermenêutica, produzindo clareza e interpretação. Denota-se dessa forma a unidade no
conhecimento e não a fragmentação, não é uma aprendizagem de forma episódica e sim pela
vivência, por intermédio do conhecimento adquirido, gerando formação hermenêutica e
criando sentido para sua vida, o qual quando repercute de forma permanente tem-se a
experiência formativa. Nas palavras de Gadamer (1999, p. 131): “A experiência estética não e
apenas uma espécie de vivência ao lado de outras, mas representa a forma de ser da própria
vivência.”
Logo, nota-se a partir da vivência sua evolução no que diz respeito à cognição da
música, tal vivência, por mais primária que seja, faz com que seu aprendizado não seja
estanque, um mero episódio, o que nas palavras de Gadamer (1999, p. 130): “Os episódios
são casos singulares que se enfileiram uns aos outros, que não possuem nenhuma correlação
interna e que justamente por esse motivo não têm um significado duradouro.”
Contudo, no episódio não há conhecimento permanente, duradouro, e sim momentos
isolados do saber, portanto, no episódio a criança usa dados avulsos que denotam apenas um
flash de informações momentâneas, algo não vivenciado e de forma mais contundente não
tornado experiência, ou seja, a criança nesse caso não se apropriará dos conceitos de lúdico e
do jogo e não formará linguagem, pois nesse momento a pobreza de sons, formas e imagens
55

fica latente no aprendizado. Consequentemente, a partir da vivência como conhecimento


duradouro é que se tem a possibilidade da formação da linguagem e, por conseguinte, haverá
a experiência e o enriquecimento de sons, formas e imagens na construção da linguagem
musical.
Na visão gadameriana a linguagem é o fio condutor da experiência hermenêutica. O
autor recusa a elevação da linguagem apenas à condição de interpretação de signos. Para
Gadamer, a linguagem é o meio universal da experiência humana, não apenas um instrumento
formativo e sim o meio que primeiramente vivenciamos, formamos, esclarecemos,
interpretamos e experienciamos para depois serem formados os conceitos e regras que estarão
à nossa disposição por meio da linguagem.
A formação da linguagem está intrínseca no ser humano, isto é, o que nos diferencia
em relação às demais classes de animais, somente por ser permanente nos seres humanos, é
que a linguagem se caracteriza como experiência, assim a hermenêutica filosófica tem uma
aspiração de fundamentar sua característica como uma teoria do conhecimento formadora da
linguagem. Logo, a vida leva à formação por meio da vivência, cujo caráter condensador,
intensificador e de totalidade de sentido conduz ao caráter permanente de uma formação por
meio da experiência.
Sendo a hermenêutica gadameriana uma forma de filosofia prática, guiada de certa
maneira em Aristóteles, mais precisamente com destaque para a sua concepção de phronesis,
a qual, enquanto forma de conhecimento prático se distingue do conhecimento científico e
técnico, constitui um importante ponto de referência para o projeto gadameriano de
elaboração de uma forma de conhecimento do qual a linguagem abarca o cerne principal.
Nessa linha de raciocínio, Toste (2009, p. 3) demonstra que

A interpretação busca conhecer as condições em que ocorre a compreensão; ou seja,


procura compreender a própria linguagem e, através dela, o próprio homem, a sua
história e existência. É através da linguagem que se dá o acesso ao mundo e às
coisas.

Neste caso específico a interpretação ocorrerá a partir da linguagem por meio da


ludicidade que a música também proporciona. Tal linguagem ainda é novidade nas escolas de
educação básica tanto para diretores, professores e alunos, por isso, o aprendizado musical,
pela referida linguagem, ainda requer estudos e esclarecimentos, pois sua concepção denota
como uma névoa turbulenta que paira na aprendizagem.
Cabe ao professor como facilitador do processo desvincular as novidades que pairam
sobre tal linguagem, apresentando uma forma por intermédio da vivência e da experiência de
56

significar esse aprendizado. Dessa maneira, se fosse pensar hermenêutica e ludicidade a partir
da música far-se-ia referência a uma criação de sentido que vai além daquilo que o “texto
musical” diz. Para ilustrar isso, demonstra-se a linha de raciocínio de Oliveira (2010, p. 75):

Em uma concepção simplista, hermenêutica sugere um ramo da filosofia que busca a


compreensão humana, o esclarecimento e a interpretação de textos escritos.
Notadamente, se apresenta como sendo a tradutora de uma linguagem obscura e
desordenada cujo fim desaguaria na interpretação única e verdadeira do texto.

A linguagem musical lúdica como apoio pedagógico usará do lúdico, do jogo, dos
sons, das imagens e das formas para conceber o universo da linguagem, ou seja, é pela
vivência, experiência e interpretação que ocorre a aprendizagem da linguagem; nesse sentido
Oliveira (2010, p. 79) destaca que

O conceito de vivência é, pois, a categoria por excelência das ciências humanas para
entender o homem é preciso, sobretudo compreender a sua historicidade. A história
se faz na vivência com os valores, os sentidos, os ritos, os sentimentos e as
experiências de que são portadores todos os homens. Essencialmente, a vivência é
uma categoria viva, concreta, dinâmica intrínseca à vida humana e essa fórmula,
visivelmente, não se encontra disponível nas categorias abstratas e estáticas das
ciências da natureza.

A concepção da linguagem lúdica da música, conforme vem sendo exposto, precisará


da compreensão dos envolvidos nesse processo de construção do saber, e, quando se fala do
envolvimento, nesse caso específico, refere-se a todos que fazem parte do jogo que constitui
tal linguagem que caracteriza o enriquecimento de sons, imagens e formas. Portanto, a partir
do fomento desta linguagem serão estabelecidos conceitos e diretrizes na musicalização
infantil no que se refere à didática de ensino da música, por conta do uso do lúdico e do jogo
como apoio pedagógico, isso ocorrerá em razão de que cada criança musicalizada por essa
linguagem usa do seu conhecimento individual condicionado ao lúdico e ao faz de conta a
partir de imagens, sons e formas preestabelecidas em seu inconsciente, para formar seu
próprio conceito de linguagem por meio das relações estabelecidas pela experiência.
Como foram introduzidos de forma breve e sucinta os temas vivência e linguagem,
agora se aborda a questão da experiência e sua formação. Na visão de Gadamer, a experiência
hermenêutica ocorrerá quando a criança formar novos conceitos apoiados no jogo e no lúdico
como apoio da musicalização infantil e como formação de uma nova habilidade,
compreendendo que não se obtém conhecimento apenas por meio de um modelo, mas por
intermédio da experiência do mundo vivenciado e interpretado, possibilitando a abertura de
novos horizontes. Ocorre nesse momento os primeiros passos de interpretação pela
57

experiência hermenêutica, logo, a interpretação não é posterior e nem será complemento da


compreensão, ao contrário disso no pensamento gadameriano compreender incide também
em interpretar.
Se na visão gadameriana compreender incide em interpretar, já que interpretar é a
maneira cristalina da compreensão, portanto, a linguagem e as considerações interiores da
interpretação como a vivência são reconhecidas como um momento estrutural intrínseco da
compreensão, fazendo com que a linguagem, por intermédio de suas imagens, sons e formas
passe a estar no cerne da própria experiência hermenêutica.
A partir do ato interpretativo como aporte à experiência hermenêutica, coloca-se como
exemplo figuras do dia a dia da criança para ela elucidar e se apropriar melhor do conceito
lúdico da linguagem musical proposta. Assim, usa-se a figura da laranja colocada no lugar da
nota lá e a figura da régua colocada no lugar da nota ré, que serão interpretadas por meio da
experiência hermenêutica, por intermédio do conhecimento adquirido, esclarecendo a
interpretação da figura da laranja e da régua, proporcionando os primeiros acordes de
linguagem, ou seja, a criança interpreta algo que faz parte do seu imaginário, com suas regras,
com suas formas dando os primeiros passos para o vai e vem do jogo, criando suas regras para
significar a nova notação/linguagem musical por meio da experiência vivenciada mediante a
ludicidade.
No que diz respeito ao tratamento das figuras aqui representadas pela laranja atrelada à
nota lá e pela régua atrelada à nota ré, como signo que tem funcionalidade e com a recepção
que este terá mediante seu receptor, Gadamer (1999, p. 600-601), versa o seguinte:

Portanto o signo é algo que imponha um conteúdo próprio. Nem sequer necessita ter
algum conteúdo parecido com o que indica. Se o tivesse teria de ser puramente
esquemático. Mas isso quer dizer que todo o seu conteúdo próprio visível está
reduzido ao mínimo que pode requerer sua função indicadora. [...] Assim, os signos
escritos, por exemplo, são subordinados a determinadas identidades fônicas, os
signos numéricos a determinados números [...] nesse caso afirma-se que o
significado do signo só convém ao signo em sua relação com o sujeito receptor do
signo.

À vista da concepção de signos traduzidos de maneira hermenêutica, a criança


concebe o universo da linguagem musical lúdica usando sua vivência e experiência para ter o
entendimento do novo. Por isso, não basta os envolvidos nesta linguagem musical saber
apenas dar significado à figura da nota lá, ou à nota ré, mas ela deve ser e estar inserida em
todo o processo de experiência hermenêutica formativa e compreensiva, construindo um
conhecimento efetivo por meio das experiências adquiridas em sala de aula e suas vivências
formativas oriundas fora desta. Conforme Flickinger (2014, p. 50), “Por isso eu repito,
58

Gadamer fala da hermenêutica enquanto processo de compreender ‘o quanto fica de não dito,
quando se diz algo [...] A língua, na verdade, oculta muito mais do que revela’.”
A criança tem de perceber sozinha, olhando para a figura da laranja e da régua e
interpretando-as como símbolos musicais, demonstrando a capacidade de gerir o sentido do
objeto, assim, a criança participa do jogo, ou seja, é jogadora e sendo tal se apropriará deste
espaço privilegiado denominado lúdico.
Estes modelos de interpretações são sinônimos de linguagem musical, pois a
hermenêutica gadameriana reafirma que é por meio da linguagem que ocorre a experiência
humana. Assim, na visão gadameriana a linguagem não é um instrumento à nossa disposição,
mas sim horizonte a ser buscado por meio da experiência e entendo o lúdico como espaço do
jogo e postura do jogador para conceber sua formação, desse modo,

Por mais correta, porém, que uma tradução literal possa parecer em termos técnicos,
acontece muito frequentemente que, mesmo assim seu sentido fique
incompreensível. A tradução literal por si só não garante a transmissão do
significado. (FLICKINGER, 2014, p. 14).

Nesse sentido, coloca-se a figura da laranja no lugar da nota lá, pelo fato da palavra
laranja começar com a mesma sílaba, a criança compreenderá e interpretará a figura da laranja
com figura da nota, da mesma maneira usa-se a figura da régua. Dessa forma, acontece a
musicalização quando as crianças interpretam um signo, dando significado duradouro para tal
como na tradução hermenêutica.
Na escrita musical apresentada por meio da partitura lúdica acontece a tradução
hermenêutica ilimitada de notas musicais, alturas, durações e intensidades na versão de signos
imediatos. Os sons melódicos e harmônicos executados ritmicamente formam a sonoridade
ilimitada dos fenômenos dinâmicos, assim, a tradução hermenêutica interessa ao mundo
musical no sentido de permitir que se elabore um universo de signos musicais como a
linguagem lúdica com formas e imagens na intenção de apoio pedagógico às escolas de
educação básica.
Mas não é apenas a interpretação do signo que está em voga, pois se assim o fosse
estaríamos somente no âmbito da técnica e não da construção de si, conforme exposto ao
falarmos da techné e do saber prático. Mas é, por outro lado, a interpretação da vivência que a
criança terá, interpretando, pela referência que é o professor, por meio de figuras que fazem
parte do seu cotidiano. Aqui surge o aprendizado por meio da interpretação hermenêutica e da
linguagem, não ignorando a dimensão crítica do intérprete, ou seja, nesse momento se tem um
elevado alcance de ludicidade por parte da criança. Assim, toda interpretação versa em um
59

diálogo hermenêutico, que versa na linguagem, que versa em vivência e que versa na
formação musical.
Todavia, usando da interpretação hermenêutica para traduzir, significar e entender
como o lúdico e o jogo se transformam em apoio pedagógico na tradução da concepção
formal do ensino da música em linguagem lúdica da música, sendo o fio condutor para uma
compreensão e interpretação não presa ao formalismo de uma notação musical formal com
suas figuras, formas e imagens predeterminadas, mas, gerando por meio dos signos um novo
aprendizado musical.8
Fazer compreender algo diferente do convencional a partir da linguagem lúdica será o
fio condutor que conectará o diálogo entre a mensagem recebida, sua compreensão e sua
interpretação, isto por intermédio da experiência hermenêutica, pois na visão gadameriana é
defendida a pluralidade de interpretações acerca da realidade.
Essa compreensão e interpretação da formação musical ocorre pelo jogo e pelo lúdico
como processo interior e não será necessariamente um processo exterior. O processo exterior
versa a respeito das características individuais, formulando o domínio da execução musical, o
técnico, com tal naturalidade que o instrumento musical venha a ser a extensão do seu corpo,
nascendo de si a formação expressiva, enquanto no processo interior exige a constante
evolução e o aperfeiçoamento formativo à luz do horizonte.
O ensino musical pode ser técnico, mas longe dos moldes tecnicistas, o qual não
perpassa por experiências formativas, mas somente pelo domínio irrefletido dos processos. A
educação musical para ser lúdica deve constituir um DNA cultural, para formar o indivíduo e
formar-se pelo indivíduo, o que se relaciona com a noção prática da filosofia grega. Para
Gadamer (1999, p. 48): “Formação integra agora, estreitamente, o conceito de cultura, e
designa, antes de tudo, especificamente, a maneira humana de aperfeiçoar suas aptidões e
faculdades.”
A apropriação da educação musical como formação intelectual e cognitiva da criança
formará nela um DNA cultural, como já citado. Isso ocorre por meio da universalidade que a
experiência hermenêutica, como a compreensão e interpretação proporciona na formação
humana. Tal experiência conduzida na formação da linguagem dá sentido real durante o
processo formativo da criança na esfera intelectual e cognitiva. Nesse momento supera-se a
8
A forma de escrita musical é universal, de maneira que outra pessoa do outro lado do planeta possa executar as
notações escritas. A semibreve sempre será uma nota com 4 tempos, aqui como em qualquer outro país. O que se
propõe é que o formalismo teórico-musical fique em segundo plano e se coloque em prática a ludicidade através
da linguagem musical lúdica, onde serão ressignificados e interpretados hermeneuticamente signos da teoria
formal para o lúdico.
60

dimensão de finalidade técnica em direção à ampliação do humano mesmo, quando tanto o


processo quanto o resultado são apropriados e integrados no indivíduo, constituindo-o
historicamente.

A consciência histórica tem de se conscientizar de que, na suposta imediatez com


que se orienta para obra ou para a tradição, está sempre em jogo esse outro
questionamento, ainda que de uma maneira despercebida e, por consequência,
introlada. Quando procuramos compreender um fenômeno histórico a partir da
distância histórica que determina nossa situação hermenêutica como um todo,
encontramo-nos sempre sobre os efeitos dessa história efeitual. Ela determina de
antemão o que se mostra a nós de questionável e como objeto de investigação, e nós
esquecemos logo a metade do que realmente é, mais ainda, esquecemos toda a
verdade deste fenômeno, a cada vez que tomamos o fenômeno imediato com toda a
verdade. (GADAMER, 1999, p. 449).

A tradição constituída historicamente é produtora da formação que por sua vez é


constituída por meio da possibilidade de conceber as regras do jogo musical que foi
apresentado como linguagem até esse momento. Assim, nas palavras de Gadamer (1999, p.
50), “Corresponde, no entanto, a uma frequente transferência do devir para o ser, o fato de
que a formação (Bildung), (assim também a palavra ‘Formation’ dos nossos dias), designa
mais o resultado desse processo de devir do que o próprio processo.”
Portanto, é pela formação que se capacitam e se qualificam as experiências, nesse
sentido não se fixa um padrão perfeito a ser atingido, o qual, uma vez atingido, exige do
indivíduo não somente a simples repetição do processo em vista de um resultado previamente
esperado e padronizado (técnico), mas um apropriar-se do saber “em si” da aprendizagem
musical. Dessa maneira, formação e capacidade de interpretação estão associadas e são
inerentes à concepção do indivíduo, fazendo que este retenha em si durante o processo de
ensino e de aprendizagem de forma duradoura todas as ações próprias da experiência que
desaguará no saber musical.
Dessa forma, professor e aluno fazem parte da experiência hermenêutica, onde o
professor deixa as pistas dessa nova linguagem e o aluno recebe as manifestações desses
sentidos, interpretando-os de imediato, compreendendo e jogando o jogo da nova linguagem
musical.
Contudo, para que haja formação, compreensão e esclarecimento no que se refere à
experiência hermenêutica é preciso haver o que Gadamer chama de vivência, onde a criança
experimenta o novo, o desconhecido, onde a descoberta desse novo gera processos de
construção de experiência duradouros, além do horizonte até então concebido. Esse idealizar
o novo conhecimento abrange apenas partes deste saber e nunca o poderá visualizar em um
mesmo horizonte, mas apenas por meio da fusão dos vários horizontes que o saber oferece aos
61

que comungarem dos ideais da linguagem musical lúdica, como momento constituído de
experiência.

4.2 JOGO: FORMAÇÃO CULTURAL E SERIEDADE

Na visão gadameriana, o jogo é sério e apresenta várias significações, podendo ser


uma brincadeira, uma apresentação de balé, uma peça de teatro, um concerto de orquestra,
dessa forma, é apresentado o vai e vem do movimento, que é a essência do jogo, nesse
sentido, também joga a criança ao brincar com o gato e este joga ao brincar com o novelo de
lã.
Numa forma mais complexa, também joga o rolo de lã, a bola, o brinquedo ou o
objeto qualquer com os quais um gato ou uma criança brincam, evidentemente, num
sentido diferente daqueles primeiros. Também o gato e a criança jogam; numa forma
ainda mais complexa, também jogam o professor e o ator diante de seus públicos de
jogantes (intérpretes), estes obviamente de sua forma também jogam. (PICOLI,
2014, p. 8).

Existem inúmeras formas de jogo que acompanharam a evolução dos seres humanos,
todas as civilizações sempre se preocuparam com os jogos, como, por exemplo: jogos
esportivos, jogos rituais, jogos de magia, jogos religiosos e jogos olímpicos. Dessa forma, o
jogo se constituiu como modo de aprendizagem e de conduta das diferentes classes sociais,
nas palavras de Flickinger (2014, p. 41), “Sabe-se que o jogo é considerado um espaço
privilegiado que facilita a aprendizagem social.”
Por ser cultural, este fenômeno chamado jogo ultrapassa os limites do que os seres
humanos concebem como conceitos biológicos e físicos, pois a essência do jogo é a presença
do sentido material para poder jogar o próprio jogo, assim, toda cultura é jogo, possui um
caráter lúdico que faz parte do jogo.
O jogo ultrapassa as fronteiras das funções biológicas e por isso é um fenômeno
cultural que pode unificar ou gerar contradição entre os conceitos do jogo e as regras
predeterminadas de cada jogador, caracterizando o vai e vem do jogo. A partir do momento
que o jogador de futebol coloca a mão na bola, usando de regras predeterminadas,
exclusivamente subjetivas, ele está gerando contradição aos conceitos do jogo. Por outro lado,
quando seu pressuposto enquanto jogador não contradizer as regras, a seriedade e o conceito
do jogo estão diante daquilo que marca a ludicidade do jogo.
O jogo não é colocado como a única ligação à determinada função cultural como uma
simples variação do jogo para a cultura, mas reconhece a cultura como possuidora de um
62

caráter lúdico e que, sobretudo em suas fases mais iniciais, processou-se segundo as formas e
ambientes do jogo, logo, cada jogo possui um ritual próprio, que faz do jogo algo cultural
com aspectos lúdicos inerentes à atividade humana.
Se o jogo faz parte da cultura e, como tal, é componente fundamental para o
desenvolvimento desta, ele se constitui em algo que está arraigado na construção do ethos,
torna-se fundamental para a nossa socialização enquanto seres humanos; conforme Huizinga
(2010, p. 3):

Não vejo, todavia, razão alguma para abandonar a noção de jogo como um fator
distinto e fundamental, presente em tudo o que acontece no mundo. Já há muitos
anos que vem crescendo em mim a convicção de que é no jogo e pelo jogo que a
civilização surge e se desenvolve [...] pois minha intenção não era definir o lugar do
jogo entre todas as outras manifestações culturais, e sim determinar até que ponto a
própria cultura possui um caráter lúdico. O objetivo deste estudo mais desenvolvido
é procurar integrar o conceito de jogo no de cultura.

O jogo faz parte do nosso dia a dia, está presente em tudo o que fazemos, ele é
elemento intrínseco da nossa cultura, assim é que se encontra

[...] o jogo na cultura, como um elemento dado existente antes da própria cultura,
acompanhando-a e marcando-a desde as mais distantes origens até a fase de
civilização em que agora nos encontramos. Em toda a parte encontramos presente o
jogo, como uma qualidade de ação bem determinada e distinta da vida “comum”.
(HUIZINGA, 2010, p. 7).

Desde o início da formação das sociedades o jogo pode ser visto como uma relação,
uma troca dentro de regras sérias, procurando substituir uma situação real por uma lúdica,
tornando-se fundamental no processo de socialização e na formação individual passada de
geração a geração, percebe-se, então, que o jogo ultrapassa a atividade humana de criação de
cultura e não caracteriza um ato próprio deste ser:

O jogo é fato mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definições menos
rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana; mas, os animais não esperaram
que os homens os iniciassem na atividade lúdica. É-nos possível afirmar com
segurança que a civilização humana não acrescentou característica essencial alguma
à ideia geral de jogo. Os animais brincam tal como os homens. Bastará que
observemos os cachorrinhos para constatar que, em suas alegres evoluções,
encontram-se presentes todos os elementos essenciais do jogo humano. Convidam-
se uns aos outros para brincar mediante um certo ritual de atitudes e gestos.
Respeitam a regra que os proíbe morderem, ou pelo menos com violência, a orelha
do próximo. Fingem ficar zangados e, o que é mais importante, eles, em tudo isto,
experimentam evidentemente imenso prazer e divertimento. Essas brincadeiras dos
cachorrinhos constituem apenas uma das formas mais simples de jogo entre os
animais. Existem outras formas muito mais complexas, verdadeiras competições,
belas representações destinadas a um público. (HUIZINGA, 2010, p. 5).
63

A relação entre cultura e jogo é algo natural, principalmente, onde o jogo social
consiste em uma atividade sistemática entre grupos sociais, pois o jogo está presente entre
todas as atividades humanas. Enquanto atividade humana pode-se entender isso na tradição
oral da educação familiar, onde na dinâmica livre e leve das vivências diárias o pai transmitia
ao filho a tradição para que este a compreendesse e a interpretasse, caracterizando o impulso
cultural proveniente do jogo que em linhas gerais é atribuído à experiência.
Quando se fala em tal substituição dentro das relações sociais, pode-se entender a
importância dela e seu significado na tradição oral de pai para filho, como, por exemplo: no
ato de o pai passar para o filho suas vivências e experiências de vida relatando como era sua
infância e sua relação familiar. A criança cria sentido e, possivelmente, experiência, caso tal
sentido for interpretado será repercutido duradouramente em sua vida.
Nesse momento o filho gera uma situação imaginária para compreender aquilo que seu
pai lhe disse. Assim, a ludicidade que se aflora ao interpretar o que seu pai lhe falou se
aproxima daquilo que Schiller dizia ao utilizar os conceitos de impulso sensível e impulso
formal. O sensível, a materialidade, a vivência própria do indivíduo são articulados com a
imaginação, a criação de sentido, a criação de experiências, que é tarefa do impulso formal a
partir daquilo que o sensível lhe apresenta. Por isso que Schiller afirma que o impulso lúdico
é o ponto de equilíbrio entre o sensível e o formal. Assim:

No jogo o homem não fica refém da unilateralização dos impulsos formal e sensível,
[...] nem cai numa pedagogia puramente diretiva ou não diretiva. A formação
acontece, todavia, no horizonte do impulso lúdico, como impulso articulador tanto
dos impulsos formal e sensível. (LAGO, 2012, p. 4).

A partir da relação entre jogo e cultura, pai e filho, cria-se uma compreensão em que a
atividade cultural é imanamente humana, sendo possível aqui abarcar a expressão cultural
com essa carga de experiência hermenêutica, ou seja, a carga de sentidos e conteúdos
adquiridos na formação cultural. Dessa maneira, como a música pode se converter em um
momento de formação?
A partir dessa desvinculação do humano com a dimensão cultural é possível visualizar
a música aplicada para o campo do aperfeiçoamento moral, deixando de ser um dado pronto,
uma informação já concebida, pois a criança, apoiando-se na linguagem musical lúdica, onde
imagens, formas e sons se caracterizam como espelho do novo saber, aperfeiçoa-se,
aperfeiçoando as novas formas de compreensão da realidade musical. Compreensão esta que
abarca novas expressões mediante as experiências sociais vivenciadas, formando o que mais
tarde será chamada de experiência hermenêutica.
64

Sob o ponto de vista da desvinculação do humano com a dimensão cultural, o jogo se


transforma em espaço e metodologia para a educação. É espaço, pois é dentro dele que se
criam as interações e os sentidos pedagógicos para o conteúdo. É metodologia, uma vez que
dá a direção, a condução para o modo que as ações pedagógicas são utilizadas, é o modo
como se pensa, visualiza e projeta tais ações. Dentro deste espaço e metodologia os
personagens da educação entram em relação lúdica, criando imagens, sons e formas,
contribuindo e influenciando no processo de conhecer, de pensar e de ensinar.
Portanto, o jogo enquanto experiência constitutiva e formativa sob a égide do processo
pedagógico se transforma em uma linguagem interativa que proporciona a vivência, a
formação e a experiência por ela mesma conservada. Ou seja, é pela vivência do momento
que se constitui e se potencializa a experiência, formando assim o caráter pedagógico do jogo,
e, uma vez isso ocorrido, servirá de orientador para novas vivências, novas formações, novas
interpretações e novas experiências.
Baseado no supraexposto, a aula de música, apoiada no espaço e metodologia do jogo,
deve garantir a todos os sujeitos vivências, interpretações, formações e experiências
qualificadas com os instrumentos e materiais, os sons com o corpo, o lúdico e o concreto, as
formas e imagens, a fim de que tal aula desenvolva ao mesmo tempo o conhecimento,
passando a produzir experiências musicais formativas.
O processo de formação embasado na experiência terá no jogo, apoiado na
subjetividade e na ludicidade, o momento de formação da linguagem, de tal maneira que em
determinados momentos a subjetividade se aproprie do jogador. Nesse momento formativo de
experiência será criada a nova linguagem da música, portanto,

Para a linguagem, é óbvio que o sujeito genuíno do jogo não é a subjetividade


daquilo que joga também sobre outras atividades, mas o próprio jogo. Mas estamos
acostumados a relacionar um fenômeno como o jogo à subjetividade e às suas
formas de comportamento, apenas de uma forma, que permanecemos fechados em
face dessas indicações do espírito da língua. (GADAMER, 1999, p. 178).

O jogo é subjetivo e ao mesmo tempo lúdico. E somente é jogo se ambos os jogadores


souberem experimentar em sua plenitude, do seu impulso lúdico, do seu caráter de seriedade,
com suas regras, conscientes da estética que o jogo possui, assim ocorrerá o vai e vem e a
fantasia do jogo, do contrário, o jogo segue sem a necessidade do jogador. O lúdico não é
jogo, mas o comportamento do jogador, dependendo da subjetividade da relação
intersubjetiva dos vários eus. O jogo permite uma recriação do eu no desenrolar do próprio
jogo, mesmo em um momento de recreação o jogo deve ser jogado com seriedade. Portanto,
65

É certo que se pode diferenciar do próprio jogo o comportamento do jogador, que,


como tal, se integra com outros modos de comportamento da subjetividade. Assim,
por exemplo, pode-se dizer que, para quem joga, o jogo não é uma questão séria, e
que é por isso mesmo que se joga. Podemos, a partir disso, procurar determinar o
conceito do jogo. O que é mero jogo não é sério. O jogar possui uma relação de ser
própria para com o que é sério. Não apenas porque nisso se encontra sua
“finalidade”. Joga-se “por uma questão de recreação”, como diz Aristóteles.
(GADAMER, 1999, p. 174).

O jogo é a antítese da brincadeira, uma entidade séria e autônoma. Nessa seriedade,


ocorre o momento de divertir-se, de entrega ao lúdico, essencialmente de intencionalidade,
onde se configura a subjetividade e a pureza do jogo, nessa linha de raciocínio, para reforçar
que o jogo é coisa séria, mesmo em seu faz de conta ele é sério, não há jogo sem seriedade,
pois jogar sério é estar no espírito do jogo. Nesse sentido, Picoli (2011, p. 96-97) versa sobre
a seriedade do jogo:

A questão da seriedade tem por pressuposto uma intencionalidade que possui


objetivos em conformidade com as regras do jogo no seu jogar no desenrolar-se do
jogo, fins esses por vezes considerados até sagrados pelos jogadores. [...] Por mais
que o jogar sempre ainda apresente-se com um caráter recreativo, a natureza da
seriedade está amplamente ligada à finalidade de quem joga, às tarefas de jogo que o
jogador pretende executar.

O jogo é coisa séria, mas se permite ao jogador colocar toda sua espontaneidade, sua
recreação no ato de jogar, respeitando as regras com seriedade, já que muitas vezes quem joga
é o jogo e não o jogador, pois segundo Gadamer (1999, p. 181), “O verdadeiro sujeito do jogo
[...] não é o jogador, mas o próprio jogo. É o jogo que mantém o jogador a caminho, que o
enreda no jogo, e o que o mantém em jogo.”
Por isso, o jogo é fascinante, empolgante. A intensidade do jogo remete a um caráter
estético, onde a sensação do vai e vem do jogo nos liberta das amarras sociais, dando a
possibilidade plena de entrega ao jogo, vislumbrando o estado de homem lúdico, onde
jogamos também sendo influenciados pelo meio no qual este jogo ocorre. Por exemplo, no
jogo de futebol o próprio campo e a torcida influenciam enquanto meio nas condições do
próprio jogo, assim

O vai-e-vem pertence tão essencialmente ao jogo que, em último sentido, faz que de
forma alguma haja um jogador-para-si-somente. Para que seja um jogo pode até não
ser necessário que haja um outro jogando, mas é preciso que sempre haja ali um
outro com o qual o jogador jogue e que, de si mesmo, responda com um contra lance
ao lance do jogador. É assim que o gato que brinca escolhe o fio de algodão, porque
este também brinca, e a imortalidade dos jogos com bola reside mobilidade total e
livre da bola, que também de si mesma produz surpresas. (GADAMER, 1999, p.
180).
66

O vai e vem que o jogo proporciona é uma das características de que o jogo somente é
jogo quando ocorre a entrega total do jogador às regras do jogo, mas não de forma robótica e
sim de modo criativo, dinâmico, intersubjetivo e natural. Caracteriza-se aqui o lúdico, onde
real e imaginário se convertem em um só, possibilitando a quem joga o saborear do privilégio
do estado lúdico. O real, nesse caso, é a regra, as condições do meio, as condições físicas do
jogo em termos de materialidade, efetividade. O imaginário é compreendido aqui como sendo
esta riqueza do indivíduo que consegue cumprir o jogo de modo natural.
No jogo há algo sempre em jogo que tem significação própria, independente do
jogador, assim se torna lúdico à vista dos jogadores e da plateia, causando o espetáculo que
lhe é peculiar. O jogo é lúdico quando ocorrer a dinâmica produtiva entre o visível, o sensível
e a dimensão formal, ou seja, aquilo que move o jogador enquanto o jogo acontece. Ilustrando
isso se o sensível, aquilo que aparece, for falso, arranjado, a representação formal daquele que
assiste ao jogo será equivocada. A consequência disso é a ausência do elemento da ludicidade,
pois se perdeu a característica de naturalidade entre os envolvidos.

Para explicitar isto, Gadamer nos indica que o jogar no âmbito da linguagem não
está relacionado com uma atividade desempenhada por uma subjetividade, portanto,
“o verdadeiro sujeito do jogo” é o próprio jogo. E o jogar, não se refere aos
comportamentos das subjetividades, mas à participação do sujeito no jogo, à sua
integração num movimento comum com um segundo elemento ou mais. (PICOLI,
2011, p. 102).

O jogo tem um ar de mistério para quem se envolve, propondo aos envolvidos


compreender os momentos de experiência humana de que o ato do jogo pode se tornar um
momento pedagógico. Muitas vezes, o jogo está ligado a algo que não necessariamente seja o
próprio jogo, dando outra significação aos jogadores e à plateia. Nas palavras de Huizinga
(2010, p. 4), “A grande maioria, contudo, preocupa-se apenas superficialmente em saber o
que o jogo é em si mesmo e o que ele significa para os jogadores.”
Discorreu-se até agora a respeito da seriedade do jogo e de seu caráter cultural, sabe-se
que o jogo tem autonomia própria para definir suas regras e conceitos, que o jogo usa o lúdico
como regra para dar significado ao jogador, assim, o jogador reconhece o jogo e
automaticamente reconhece a si mesmo em sua essência e plenitude. Em suma, o jogo é
autossuficiente, detém espírito lúdico, com regras próprias, tem caráter de competição, causa
tensão, relaxamento, é involuntário e, principalmente, é agente na capacidade de criar
linguagem, o que veremos em seguida. Assim, para quem comunga de sua essência, mesmo
no apito final o jogo ainda é jogo e garante ao jogador aprendizagem e assimilação quando do
momento de encarar as regras do próprio jogo.
67

4.3 O JOGO COMO LINGUAGEM MUSICAL

Quando é possível defender que, nas escolas de educação básica, entendida aqui como
sala de aula, poderá ocorrer o jogo, formando linguagem e, além disso, quando que tal jogo é
lúdico?
Quando houver comprometimento de professores com a causa do ensino aprendizado,
dessa forma, haverá interação com os alunos, efetivando a ação pedagógica, causando o efeito
do aprendizado, do mesmo modo quando ocorrer a consciência tanto do professor quanto do
aluno e, porque não, das equipes de coordenação e direção, de que assim como o jogo não tem
uma predeterminação absoluta (o resultado pode não ser o esperado, tampouco o
comportamento e reação dos jogadores), a sala de aula enquanto espaço de jogo pode romper
com os planejamentos e predeterminações do professor.
Neste instante é que se testa a capacidade lúdica do professor em recriar, ressignificar,
criar linguagem e dar novos rumos à aula previamente organizada. Por outro lado, a atividade
não pode ser movida no senso comum e no imediatismo, exigindo que, ao menos, ocorra um
bom planejamento para que o conceito de jogo tenha algumas garantias de efetivação, por
mais que passíveis de mudança. No jogo nada é previamente dado como certo, podendo surgir
inúmeras incertezas, diante disso, é importante que o professor tenha segurança teórica e
metodológica para enfrentar o jogo.
Sendo a educação musical uma forma de jogo no aspecto pedagógico e que se
apresenta como apoio importante do ensino aprendizado, tal ensino necessita da proximidade
entre professor e aluno, ocasionando o vai e vem do aprendizado, tendo o lúdico, as formas,
as imagens e os sons como panos de fundo na formação da linguagem musical.
Sabe-se que o jogo é formador de linguagem e que é um grande fomentador de
ludicidade, nessa perspectiva, seu uso no campo educacional, especificamente como apoio à
educação musical, será de grande valor cognitivo. Portanto, quando se usa a música em
diversas situações do cotidiano infantil é a prova que também a partir do ensino musical as
crianças concebam o jogo.
A linguagem musical lúdica ajuda no desenvolvimento da criança. Nela se constitui o
afeto, a percepção, a representação, a memória e, principalmente, é formadora da linguagem,
além de outras funções cognitivas, favorecendo e contribuindo para o processo de ensino-
aprendizagem.
Na formação da linguagem musical lúdica é importante caracterizar que o jogo
musical acontece em sala de aula onde é o lócus da ludicidade no momento da aprendizagem
68

musical. Nesse instante se aflora todo o potencial lúdico das crianças, desenvolvendo seu faz
de conta e sua imaginação, dando pista que isto é apenas uma mera brincadeira para quem
observa e não está contextualizado com a realidade pedagógica desenvolvida neste local.
Assim, a forma que o jogo acontece não depende do jogador, nem da plateia, de certa maneira
o jogo é egoísta. Segundo Huizinga (2010, p. 10), “Todo jogo tem suas regras. São estas que
determinam aquilo que ‘vale’ dentro do mundo temporário por ele circunscrito. As regras de
todos os jogos são absolutas e não permitem discussão.”
Para contextualizar o momento da ação do jogo na prática pedagógica musical, usa-se
como exemplo o método Dalcroze onde a criança é musicalizada por meio dos jogos de
sensações e percepções, permitindo que tais crianças acumulem conhecimento, assim
Fernandes, ao falar de Dalcroze (2010, p. 79), versa que “O método ativo desenvolvido por
Dalcroze propõe-se a ensinar pela vivência, partindo das sensações e percepções adquiridas na
experiência musical, passando pela análise dessas experiências para depois se chegar a uma
intelectualização da música.”
Indo ao encontro do que prega Fernandes (2010, p. 79), ao contextualizar Dalcroze,
que pelo ensino da educação musical, por meio da musicalização infantil como linguagem
lúdica, percebe-se a existência da relação entre os jogadores, pois a ação de ensinar pelo modo
da ludicidade significa que no momento de ensino e aprendizagem quem participa deste está
jogando e proporcionando o jogo do aprendizado musical mediante lances e contralances,
formando o vai e vem do jogo, mostrando as possibilidades que o jogador é conduzido pelo
jogo, trazendo à baila

O elemento surpresa, a infinidade de indeterminações, os lances inesperados dos


jogos que fazem parte da realidade de qualquer jogo, desafiam o(s) jogador(es), pois
o(s) jogo(s) acabam mostrando quem são os jogadores, ao passo que torna visível os
seus limites no espaço do jogo, mostrando-nos os limites dos conhecimentos do
jogador. (PICOLI, 2011, p. 104-105).

Dessa forma, a experiência do lúdico contribui significativamente para a autonomia


das crianças, pois a educação musical como apoio de aprendizado por meio das atividades
lúdicas se torna um diferencial no processo de ensino. Assim, a linguagem musical lúdica
como relação entre os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem oferece interpretações
na construção da nova linguagem musical por intermédio da intersubjetividade e da
experiência hermenêutica por conta da clareza e da forma interpretava que ocorre durante o
vai e vem do jogo. Dessa maneira, a relação da criança com a nova linguagem musical se
69

tornará possível após a interiorização deste novo saber musical que ocorre no momento em
que o professor oferece um contralance no ato da aprendizagem,
Sob a perspectiva do contralance isso ocorre por intermédio da experiência do
professor, que aplica o conhecimento e recebe o aprendizado, assim inicia o vai e vem do
ensino aprendizado, esclarecendo e explicando a tradução de novos conceitos ao aporte da
educação musical, logo se confere sentido à tradução de forma intuitiva.
Essa forma intuitiva ocorre quando a criança também joga com seu instrumento
musical, com sua voz, quando interpreta e executa a primeira nota, desse modo, as crianças
jogam intuitivamente, sem ter a noção de competir, ou seja, os envolvidos na educação
musical lúdica estão preocupados com a própria jogada, portanto, não antecipam a próxima
jogada, pois ela depende do contralance do professor para facilitar o vai e vem do jogo.
Assim, o jogo por excelência é um veículo da aprendizagem.
O manejo do instrumento musical é o momento do jogo entre a criança e o
instrumento, caracterizando o vai e vem do jogo por meio da execução instrumental. Assim,
por meio dos ensaios a criança repete o movimento, dando forma e funcionalidade ao jogo
musical, pela prática musical se atinge a autonomia da criança perante o jogo da música que
ela está jogando, assim,

É natural que tenhamos tendência natural a conceber a música como pertencente ao


domínio do jogo, mesmo sem levar em conta estes aspectos especificamente
linguísticos. A interpretação musical possuí desde o início todas as características
formais do jogo propriamente dito. É uma atividade que se inicia e termina dentro de
estreitos limites de tempo e de lugar, é passível de repetição, consiste essencialmente
em ordem, ritmo e alternância, transporta tanto o público como os intérpretes para
fora da vida quotidiana, para uma região de alegria e serenidade, conferindo mesmo
à música triste um caráter de um sublime prazer. Por outras palavras, tem o poder de
“encantar” e de “arrebatar” tanto uns como outros. Seria em si mesmo perfeitamente
compreensível, portanto, englobar no jogo toda espécie de música. Todavia,
sabemos que o jogo é algo diferente, dotado de uma perfeita autonomia. Além disso,
se se tiver em mente que o termo “jogo” nunca é aplicado ao canto, e só em algumas
línguas é aplicado à música instrumental, considerar-se-á provável que o elo de
ligação entre o jogo e a habilidade instrumental deva ser procurado no movimento
ágil e ordenado dos dedos. (HUIZINGA, 2010, p. 32).

A educação musical, por meio da instrumentalização ocorre de forma técnica, porém


há elementos do jogo nesse momento, pois a liberdade e autonomia, que a criança tem ao
manusear seu instrumento denota o desenrolar do jogo criando em seu princípio de ludicidade
e de certa forma cria ordem. Conforme Huizinga (2010, p. 9), “Reina dentro do domínio do
jogo uma ordem específica e absoluta. E aqui chegamos à outra característica, mas positiva
ainda: ele cria ordem e é ordem.”
70

Ao criar ordem, o jogo pode ser uma ligação para uma atividade cognoscente, assim
ele cria seu próprio espaço de aprendizagem, sua própria linguagem, criando possibilidades
para a apropriação do saber. O jogo cria um espaço pedagógico privilegiado para o jogador,
onde a criança brinca conseguindo manter o caráter social e comunicativo da educação por
meio do vai e vem do jogo, sem estabelecer regras predefinidas, pois o jogador somente é
privilegiado uma vez que ele é o próprio jogo, o que nas palavras de Flickinger (2014, p. 81):
“O jogo permite a interação comunicativa e o entrosamento social sem causar medo. Brincar
significa agir sob condições autodeterminadas no espaço social [...] O jogo é uma opção
imprescindível a toda aprendizagem social.”
O jogo na aprendizagem musical é uma atividade motora e mental, que favorece tanto
o desenvolvimento pessoal quanto à socialização de forma harmoniosa e integral, pois é pelo
jogo que as crianças exploram os objetos musicais que as cercam, experimentando, sentindo e
desenvolvendo o pensamento, ou seja, é uma ação pedagógica em prol da musicalização
infantil, como no caso citado, o manuseio do instrumento musical.
Desse modo, o decorrer do jogo deve ser algo natural, então o desenrolar natural do
jogo pode ser alegre, triste, tenso, prazeroso e às vezes técnico, demonstrando toda a essência
lúdica do jogo. O jogo elimina o que há de cotidiano em nossas vidas, o jogo é alegre por
mais sério que aparente, o jogo é livre e soberano.
Portanto, jogo e linguagem são um todo que estão unidos pelo lúdico, dessa forma,
somente joga o jogo da linguagem quem alcança o caráter da ludicidade, compreendendo e
significando as propriedades linguísticas do jogo, articulando-se pelo encontro ético em que a
experiência estética também como experiência de linguagem constituem o processo da
formação, vivência e experiência, para solucionar a pobreza de sons, formas e imagens, por
meio de um nova perspectiva que abarca o jogo e o lúdico como atores principais da
educação. Assim, linguagem em seu uso semântico será a maneira de interpretar e definir
todos os jogos que atribuam linguagem, por conseguinte, novos horizontes.
71

5 A POBREZA DE SONS, FORMAS E IMAGENS À LUZ DA EDUCAÇÃO


ESTÉTICA E DO JOGO NA FORMAÇÃO DA LINGUAGEM

Pela educação estética pode-se trabalhar pedagogicamente o problema da pobreza


musical por meio de sons, imagens e de formas com a qual crianças e professores se deparam
no meio escolar, para isso, o jogo e o lúdico são fundamentais na formação do aprendizado
musical.
Nesse sentido, por intermédio do jogo e do lúdico como pode ser sanado o problema
que a educação musical atravessa, que é a pobreza musical mediante sons, imagens e formas
para apropriação da linguagem musical lúdica?
Primeiramente, é de bom tom se definir o que exatamente é o som. Nas palavras de
Schafer (1991, p. 124) a definição de som é de que “qualquer coisa que se mova, em nosso
mundo, vibra o ar. Caso ela se mova de modo a oscilar mais que dezesseis vezes por segundo,
esse movimento é ouvido como som. O mundo então está cheios de sons.” Ou uma afirmação
mais clássica em que “O som possui quatro parâmetros: altura, intensidade, duração e timbre,
enquanto o silêncio teria somente o parâmetro da duração.” (HELLER, 2008, p. 16). Estas
afirmações de Schafer e de Heller corroboram com o assunto de que a pobreza sonora está
ligada mais ao ato da apreciação musical do que propriamente ao fato de não existir som, um
silêncio absoluto, o que já foi provado por John Cage como, por exemplo, em seu teste sonoro
em uma sala hermeticamente fechada, ou em sua obra para piano 4’33” que contém três
movimentos onde o musicista não executa nenhuma nota musical, causando inquietude ao
público que aprecia. Nos dois exemplos, Cage comprova que não existe silêncio absoluto.

Por outro lado, muitas vezes o que chamamos de silêncio nada mais é que um som
tão suave (ou tão grave ou tão agudo) que mal o percebemos. De certa forma, foi o
que ocorreu a Cage em sua famosa experiência na câmara anecóica (à prova de som)
da Universidade de Harvard em 1950, quando ele lá entrou para ouvir seu tão
almejado silêncio: ao invés, porém de perceber finalmente o silêncio, Cage relata ter
ouvido um som grave e outro agudo, descobrindo depois com o engenheiro
responsável que o som grave era decorrente de seus batimentos cardíacos e da
circulação sanguínea, enquanto o som agudo era decorrente de seu sistema nervoso.
Sua primeira conclusão: o silêncio não existe, pois sempre há som. [...] Onde
pensaríamos encontrar silêncio, encontramos sons, e onde o compositor indica pausa
na partitura não há interrupção sonora, mas a presença de outros sons, não previstos,
não determinados (note-se ainda que a inseparabilidade entre som e silêncio pode ser
constatada na própria onda sonora, cuja constituição não é de um único som
estacionário, mas de fase e defasagem, da combinação entre movimento e repouso).
(HELLER, 2008, p. 4).

Definir os sons que podem ser utilizados nas aulas de música é muito mais fácil do que
se imagina, podem ser usados, como exemplo, as crianças, os sons naturais e sons não
72

naturais que elas ouvem. A criança fica em silêncio e aprecia todos os sons em sua volta e
descreve-os ao professor. Além dos sons corriqueiros, como carros, pessoas falando em outros
ambientes, algumas dessas crianças conseguirão ouvir seu coração bater, sua respiração e sua
salivação.
Nesse momento que se coloca a experiência estética como apreciação sonora e a
criança desenvolve sua percepção por meio dos sons, causando o que Schafer (1991, p. 128)
chama de presságio, assim,

As pessoas usavam seus ouvidos para decifrar os presságios sonoros da natureza


Mais tarde na paisagem urbana, as vozes das pessoas, seu riso e o som de suas
atividades artesanais pareceram assumir o primeiro plano. Ainda mais tarde, depois
da Revolução Industrial, os sons mecânicos abafaram tanto os sons humanos quanto
os naturais, com seu onipresente zunido.

Portanto, saber decifrar, distinguir e apreciar as diversas gamas sonoras é uma


capacidade humana pouco explorada e não se colocam aqui as questões de ouvido absoluto e
de ouvido relativo, mas a limpeza dos ouvidos por meio da experiência estética, a fim de que
se consiga a apreciação das diversas paisagens sonoras que existem ao redor por intermédio
da educação auditiva de maneira que esta se condicione aos diversos sons que existem nos
diversos ambientes.
Podendo discernir os diversos ambientes sonoros e assim ter condições de uma boa
apreciação é que se colocam à baila as questões da pobreza de imagens que fazem alusão à
educação musical. Então, que tipos de imagens são aceitos como linguagem musical no
campo da educação?
Todas as imagens podem ter cunho musical, basta que se faça uma boa interpretação
hermenêutica de tais imagens gerando conhecimento musical aos envolvidos neste processo
de composição de imagens, causando ordem e combinando sentidos às imagens, por meio da
ludicidade ali contida. Muito além dessa perspectiva estética de que as imagens ampliam e
desenvolvem a consciência em relação aos sons que nos rodeia o conceito de imagens possui
recortes, ou seja, informações características lúdicas que a compõem.
Nesse momento, tais recortes aliados aos sons formam o conceito de jogo, onde os
envolvidos se apropriam do terceiro caráter, o lúdico, assim, concebem toda a ludicidade que
o processo de interpretação hermenêutica necessita, trazendo à tona toda a imaginação e

[...] esses jogos da fantasia se totalizam em uma livre sequência de ideias e de


imagens cheias de graça: uma energia inventiva espontânea. Com base nesse jogo de
livre sequência de ideias, a imaginação dá um salto em direção ao jogo estético, na
busca de sua forma livre. (FOFANO, 2011, p. 72).
73

Nesse caso, a busca por uma forma livre ocorre por meio da soma de sons e imagens.
Portanto, sons mais imagens são iguais a partituras lúdicas que denotam uma composição
lúdica, nesse instante ocorre a fruição, a apreciação, a experiência estética, a interpretação
hermenêutica e o jogo.
A pobreza nas formas, aqui discorrida, está longe das atribuições das formas musicais
já conhecidas, como: formas binárias, semibreve, fortíssimo, ou pianíssimo. Buscam-se aqui
as formas lúdicas onde a pobreza se relaciona com a falta de entendimento dos interlocutores
envolvidos no processo no que se refere à tradução hermenêutica voltada à educação musical.
Nesse caso se busca o lúdico e o jogo para atribuir valores musicais às formas até
então desconhecidas na linguagem teórica formal da educação musical, ou seja, por meio da
tradução hermenêutica efetiva que logre êxito no aprendizado é que se conseguirá chegar à
solução da pobreza de formas e também de imagens e sons dentro de um processo cognitivo
musical, onde pela linguagem musical lúdica se abarque todo esse processo de musicalização.
Portanto, indica-se como uma das possíveis soluções para a pobreza de sons, imagens
e formas dentro da educação musical o jogo e o lúdico como uma das maneiras de projetar o
aprendizado musical, considerando que a educação musical por meio da linguagem lúdica à
luz dos pressupostos já relacionados nesta pesquisa terá benefícios no ensino-aprendizagem,
por intermédio da educação estética e dos pressupostos da experiência estética e da
interpretação hermenêutica.
Assim, pela experiência estética e interpretação hermenêutica é que existe a
possibilidade de tradução dos sons, das imagens e das formas para a linguagem lúdica
musical. Nesse instante, pode ser utilizada a educação musical como orientação pedagógica,
pois o lúdico se manifesta por meio do jogo, no qual os impulsos sensíveis e racionais entram
em consonância, nesse momento, as atividades envolvendo o lúdico e o jogo aplicado aos
atores inseridos no processo ensino-aprendizagem devem gerar um significado, pois tais
envolvidos somente aprenderão aquilo que tem sentido para eles, denotando nesse momento
que a interpretação dos símbolos lúdicos não foi uma mera interpretação, uma interpretação
episódica, mas uma interpretação profícua capaz de gerar sentido e, por conseguinte,
aprendizagem, ou seja, uma interpretação hermenêutica.
Por intermédio da educação estética, consegue-se o discernimento da compreensão
que a estética é algo mais profundo que o simples ou mero julgamento do belo e da
qualificação dos sentidos e das sensações. A estética instala a perspectiva do horizonte, na
busca da ética em relação ao outro, pois “perdida a sensibilidade, a imaginação e os recursos
de uma criação de si, a formação ética se desfigurou.” (HERMANN, 2010, p. 34). A educação
74

estética também busca a liberdade e a possibilidade do enriquecimento da moral e da elevação


cultural. O juízo estético está ligado ao equilíbrio entre a razão e a imaginação, pois a

Separação entre as esferas do conhecimento, da imaginação e da moral já era uma


preocupação de Kant e o leva à tentativa de superar esse “abismo” entre o mundo da
natureza e o mundo moral. Submetidos ao mundo do sensível, somos presos aos
impulsos e inclinações, mas como ser espiritual, o homem participa do mundo
moral, em que só pode ser determinado pela sua liberdade. [...] o juízo estético ou o
juízo do gosto depende da interação estabelecida entre razão e imaginação.
(HERMANN, 2010, p. 32).

Se existe uma dicotomia entre o mundo moral e o mundo da natureza, é pela educação
estética calcada no jogo e no lúdico que pode ser diminuída tal distância, pois a educação
estética está presente no jogo e vice-versa, considerando a importância da inserção destes
temas no meio educacional o grande desafio é fazer que o jogo, por meio do lúdico, contribua
na educação estética de tal maneira que ambos forneçam subsídios para o ensino da música
por intermédio da linguagem musical que seja acessível em sala de aula, nesse sentido

A educação estética passou a ser objeto de investigação específica pela existência


de uma teoria que se desenvolveu com o nome de estética, expressão cunhada pelo
jovem filósofo Alexander Gotltieb Baumgartem, em 1735, para designar a parte da
gnosiologia que trata do conhecimento inferior. (GALEFFI, 2007, p. 100).

A prova que a educação estética e jogo podem andar lado a lado é que pelo impulso do
jogo, a beleza completa o homem pela união da sensibilidade e da razão, nesse momento, o
belo é a forma viva e a beleza transforma-se em liberdade, dando sentido aos signos e
significados interpostos pela linguagem musical lúdica.

Daí, a importância da educação estética para a formação dos indivíduos, para a


educação. A educação estética deve permitir experimentar aquele jogo de equilíbrio
entre a razão e a sensibilidade tanto no caso do artista que cria como aquele que
percebe a arte. A importância da estética na formação humana é que ela é o eixo que
equilibra o homem dominado pela razão e também àquele dominado pelos
sentimentos. (VERÁSTEGUI, 2007, p. 05).

Dessa forma, é importante a reflexão de como o jogo e a educação estética farão a


ponte para o acesso à linguagem musical lúdica dentro de um processo cognitivo de ensino e
aprendizagem, dando ênfase às experiências que serão adquiridas no decorrer deste caminho.
Tal experiência será a abertura para a formação lúdica na aprendizagem musical. Nessa linha
de raciocínio, Verástegui (2007, p. 5) ressalta que

A experiência lúdica permite um salto qualitativo na experiência humana, que se


converte numa manifestação formadora e transformadora que humaniza, e equilibra
restaurando aquela harmonia perdida na divisão do trabalho e na especialização.
75

Neste sentido, o lúdico como experiência estética não é um meio didático, ele é um
objetivo ao qual a formação do indivíduo deve aspirar.

Em relação ao entendimento do significado da palavra jogo em sua essência


etimológica, Antunes (2003, p. 11) ressalta que

A palavra jogo provém de jocu, substantivo masculino de origem latinaque significa


gracejo. Em seu sentido etimológico, portanto, expressa um divertimento,
brincadeira passatempo sujeito a regras que devem ser observadas quando se joga.
Significa também balanço, oscilação, astúcia, ardil, manobra. Não parece ser difícil
concluir que todo jogo verdadeiro é uma metáfora da vida.

Sendo o jogo um espaço privilegiado de aprendizagem, onde a experiência estética


acontece por meio da vivência e da formação que esse lócus oferece, faz-se necessário trazer à
baila do conhecimento as cinco características do jogo, na visão de Tavares e Sousa Júnior.
Assim, a primeira característica

Está no fato de o jogo ser livre e ser próprio de liberdade. Ele jamais deve ser
imposto pela necessidade física ou pela obrigação moral, e nunca é constituído de
tarefa, sendo praticado sempre nas horas de ócio. Estar ligado a noções de obrigação
e dever, somente quando é constituído por uma função cultural reconhecida.
(TAVARES; SOUSA JÚNIOR, 2006, p. 1).

A citação afirma que o jogo cria liberdade e não deve ser praticado por mera prática,
ou seja, o jogo deve ser praticado com espontaneidade, por interesse e vontade própria dos
jogadores, formando os primórdios da linguagem, nesse caso da linguagem musical lúdica. Já
a segunda característica versa que

O jogo nega a vida corrente e a vida real. Trata, entretanto, de sair da vida real para
uma esfera temporária de atividade, escolhendo a própria orientação. A criança sabe
diferenciar o faz-de-conta da realidade. Esse fazer de conta não impede que o jogo
seja realizado com seriedade e com entusiasmo. Todo jogo é capaz, a qualquer
momento, de absorver inteiramente o jogador. (TAVARES; SOUSA JÚNIOR,
2006, p. 1).

A segunda característica é enfática em dizer que o jogo é inteiramente lúdico, nesse


momento a criança cria suas próprias regras entrando em um estado lúdico, transitório e
momentâneo onde ela cria sua linguagem de aprendizado duradoura. Em relação a esse
aspecto a terceira característica fala que

Verifica-se o isolamento e a limitação, pois o jogo se afasta da vida comum, quanto


ao lugar e à duração. Ele é jogado até o fim, considerando os limites de tempo e
espaço. No momento de realização do jogo, tudo é movimento, sucessão,
associação, separação. (TAVARES; SOUSA JÚNIOR, 2006, p. 1).
76

A questão citada de que o jogo se afasta da vida comum diz respeito à criação de um
mundo próprio criado pelo jogador no instante em que ele joga, mas esse afastamento do real
onde o lúdico impera tem duração definida para o seu término, pois quando o jogo termina,
termina também a ludicidade e o imaginário e volta-se para a realidade. A quarta
característica fala que

O jogo como fenômeno cultural. Mesmo após o seu término, ele é conservado na
memória, transmitido, podendo tornar-se tradição. A repetição pode acontecer a
qualquer momento, mesmo sendo um jogo infantil ou um jogo de xadrez. O limite
do espaço no jogo é mais evidente do que o limite do tempo. Todo jogo é realizado
em um campo previamente delimitado, em cujo interior se respeitam as regras
determinadas. (TAVARES; SOUSA JÚNIOR, 2006, p. 2).

O jogo é formação social e cultural, ele não transforma a cultura de um povo, mas
demonstra que em sua essência existe um caráter lúdico, Assim, o jogo faz parte das origens
dos povos, sempre esteve arraigado na formação cultural como conjunto de toda e qualquer
criação do intelecto humano, resultado do trabalho e da criatividade humana, assim, a cultura
nasce de relações sociais, nesse momento o jogo é de suma importância para fomentar a
cultura destes povos. Nessa linha e raciocínio Huizinga (2010, p. 37) demonstra que:

Como é natural, a relação entre cultura e jogo torna-se especialmente evidente nas
formas mais elevadas dos jogos sociais, onde estes consistem na atividade ordenada
de um grupo ou de dois grupos opostos.

Por outro lado, temos a aculturação, onde os grupos sociais mudam sua cultura por
meio do contato com culturas diferentes. Mesmo com as diversas formas de cultura e
aculturação, é pelo jogo uma das formas de se preservar a origem dos povos. O jogo ainda
continua sendo o fio condutor do comportamento lúdico, pois cada grupo social respeita ou
deve respeitar as regras do jogo, indiferente das origens culturais, o jogo continua sendo
soberano, pois suas regras previamente acordadas se sobressaem perante qualquer cultura ou
aculturação do ser humano.
O jogo se faz presente na cultura do universo da humanidade, pois o ser humano em
seu processo evolutivo adquiriu conhecimento usando a prerrogativa do jogo, sendo assim, o
jogo se relaciona com os conceitos de conhecimento, linguagem, cultura, sociabilidade e de
ludicidade. Em relação a esse aspecto, Huizinga (2010, p. 125) coloca que:

Não foi difícil mostrar a presença extremamente ativa de um certo fator lúdico em
todos os processos culturais, como criador de muitas das formas fundamentais da
vida social. O espírito de competição lúdica, enquanto impulso social, é mais antigo
que a cultura, e a própria vida está toda penetrada por ele, como por um verdadeiro
77

fermento. O ritual teve origem no jogo sagrado, a poesia nasceu do jogo e dele se
nutriu, a música e a dança eram puro jogo.

É pelo jogo que o ser humano se constitui formando seu caráter cultural, social, lúdico
e cognitivo. Nesse sentido, já foi frisado anteriormente que o homem só atinge sua plenitude
no momento em que joga, pois o jogo é muito mais que um brincar, um faz de conta, o jogo é
condutor da aprendizagem, construtor e formador do conhecimento, ou seja, o jogo enquanto
contexto educativo apresenta uma relação entre os seus jogadores, desenvolvendo um
conjunto de ações que proporciona a cognição, trazendo à tona a ludicidade dos envolvidos.
Nesse sentido, Antunes (2003, p. 55) enfatiza que

O jogo é o mais eficiente meio estimulador das inteligências, permitindo que o


indivíduo realize tudo que deseja. Quando joga, passa a viver quem quer ser,
organiza o que quer organizar, e decide sem limitações. Pode ser grande, livre, e na
aceitação das regras pode ter seus impulsos controlados. Brincando dentro de seu
espaço, envolve-se com a fantasia, estabelecendo um gancho entre o inconsciente e
o real.

De acordo com a citação, pode-se dizer que a ludicidade do jogo, além de propiciar
momentos fascinantes e singulares na vida das crianças, proporciona aprendizado e formação,
pois no mesmo instante em que divertem, aprendem, desenvolvendo o raciocínio e a
criatividade, além de compreender questões sobre responsabilidade diante das situações
vivenciadas no contexto escolar. Portanto, por meio da ludicidade do jogo temos a formação
de uma nova linguagem, nesse caso, de uma linguagem musical que elegeu o lúdico como
égide do aprendizado, ou seja, linguagem, conhecimento e ludicidade são a tríade da
educação.
A quinta e última característica versa que

O jogo cria ordem, introduzindo no mundo imperfeito, mesmo por tempo limitado,
um mundo perfeito. Exige-se, portanto, para essa perfeição uma ordem suprema e
absoluta. O não cumprimento desta prejudica o jogo, privando o jogador de seu
caráter próprio e de todo e qualquer valor. A profunda afinidade existente entre a
ordem e o jogo liga-se ao domínio da estética. Há neste domínio uma tendência para
ser belo, lançando sobre todos nós um feitiço: é fascinante, cativante. Preenche duas
qualidades importantes, que nos levam a ver nas coisas o ritmo e a harmonia.
(TAVARES; SOUSA JÚNIOR, 2006, p. 2).

Tal citação diz que o jogo cria ordem e regras, ou seja, somente quem joga sabe quais
são essas ordens e regras para o bom andamento do jogo. Os desrespeitos a essas regras e
ordens irão prejudicar o bom andamento do jogo e de certa forma prejudicarão a ludicidade e
o faz de conta do jogo, não permitindo a liberdade que somente quem joga obtém, por meio
78

das vivências de quem joga, assim, a representação do jogo demonstra toda capacidade da
ludicidade que nesse momento é parte do todo de quem joga.
Portanto, o lúdico e o estético são como se fossem partes inerentes do ser humano e
que podem ser utilizados como recurso pedagógico na educação musical, por meio de uma
linguagem que oportuniza a aprendizagem das crianças.
A criança começa a associar os elementos musicais de forma lúdica, sendo assim por
meio de um processo pedagógico, a criança musicista desenvolve dentro da linguagem
musical capacidades diretas e lineares de organização de novos saberes da música, sendo
essencial para o desenvolvimento cognitivo, percepção dos sons, signos, marcação dos pulsos,
orientação rítmica, atrelando desenvoltura para suas futuras habilidades musicais. Dessa
forma, a criança começa a construir seu saber musical pelo lúdico.

O lúdico, metaforicamente falando, é a alma do jogo. O jogo é a materialização do


lúdico: local onde liberdade e imaginação se potencializam para garantir ao homem
múltiplas produções de sentidos sobre o mundo e sobre a vida, de maneira gratuita,
espontânea, embalada pelos desejos e paixões mais secretas. A ludicidade é o
movimento de ir e vir, de construção e desconstrução da realidade embalada pelo
desejo de realizar o movimento pelo simples prazer de realizá-lo. (RETONDAR,
2010, p. 275).

O lúdico é um método que deve ser trabalhado na prática pedagógica, contribuindo


para o aprendizado das crianças, possibilitando ao professor o preparo de aulas dinâmicas e
fazendo com que o aluno interaja mais em sala de aula, dessa forma, cresce a vontade de
aprender, seu interesse pelo ensino da música aumenta e ele realmente aprende o que foi
proposto a ser ensinado, estimulando-o a ser pensador, questionador e não um repetidor de
informações.
Pautamos, agora, uma breve reflexão teórica sobre o ato do uso da linguagem musical
calcado no jogo e a devida importância que o lúdico tem na formação, na educação que a
criança receberá em sua prática pedagógica em sala de aula, por conta da ludicidade como
linguagem e expressão do ser humano, pode-se evidenciar a construção do novo saber. Como
que o jogo por meio do antagonismo do impulso sensível e formal concebe o caráter
transitório do estado lúdico, nesse sentido, podendo contribuir na educação estética, tendo
como elemento central o ensino da música em sala de aula?
A linguagem musical, usando o lúdico, por meio do jogo implica a formação, a
interpretação e a decodificação de um conjunto de códigos musicais, que garantem o
aprendizado por meio de um processo hermenêutico e estético na apreciação das figuras
musicais que serão apresentadas, onde o jogo e o lúdico garantem a possibilidade de
79

solucionar o problema da pobreza musical por meio de imagens, sons, formas na construção
musical.
Ademais, tal linguagem musical irá ao encontro dos anseios dos docentes, à medida
que a educação musical ganha espaço e estará presente nas salas de aula, portanto, a criança
musicalizada por intermédio do lúdico e do jogo partilhará da aprendizagem musical,
garantindo assim sua educação musical.

Ao buscar conhecimento sobre o caráter normativo da educação não se oferece outro


caminho senão o da linguagem, único acesso ao ser da educação também, ainda que
com múltiplas entradas. Não como essência, mas como existente na linguagem. [...]
A efetividade do educar só aparece na linguagem como um lugar: no pensamento-
linguagem que é sua acessibilidade. Não é fácil, até porque não se tem o hábito,
desprender-se do reducionismo epistêmico concretizado no esquematismo do
sujeito-objeto. É condição essencial, porém, fazer esta renúncia para poder entender
a relação entre linguagem e ser da educação, que não é outra coisa senão o
manifestar-se, o aparecer do próprio ser dos humanos, como um modo de ser apenas,
que aparece na educação. A educação é linguagem. É na linguagem que se revela o
ser da educação. (BERTICELLI, 2002, p. 83).

Como já frisado anteriormente, a partir do equilíbrio de dois impulsos antagônicos: o


impulso sensível e o impulso formal é formado o terceiro caráter: o estético, no qual o ser
humano atinge o estado lúdico, podendo, nesse sentido, comungar dos ideais do jogo, que é o
fio condutor para a formação da educação e da linguagem, onde a criança se apropria da
essência e dos fenômenos linguísticos.
Do equilíbrio entre o impulso sensível com o impulso formal, ocorre o estágio
transitório, o terceiro caráter, o estado lúdico, onde o ser humano atinge a possibilidade de
entrar em contado com o jogo, ou seja, para se obter o equilíbrio entre o impulso sensível e o
formal é necessário que atue o impulso lúdico, o qual dá ao ser humano a liberdade, ao
emancipar-se do natural e da razão. Assim,

O impulso sensível exige modificação, mas não que ela estenda à pessoa e a seu
âmbito, ou seja, que ela seja uma alternância dos princípios. O impulso formal
reclama unidade e permanência – mas não quer que o estado se fixe juntamente com
a pessoa, que haja identidade da sensação. Não são, portanto, opostos por natureza, e
se aparentam sê-lo é por que assim se tornaram por uma livre transgressão da
natureza ao se desentenderem e confundirem suas esferas. (SCHILLER, 2002, p.
67).

O jogo reproduz aparências da realidade por meio de regras próprias, nesse aspecto ele
se utiliza de um comportamento lúdico no momento do ato de jogar, ou seja, jogar é conciliar
o comportamento racional com o comportamento lúdico, nesse momento de experiência
hermenêutico-estética se consolida formando conhecimento e linguagem, assim
80

A experiência estética é uma experiência da verdade no sentido de que aquilo que


não está explicitado, que está oculto, também constitui nossa subjetividade e nossa
relação com o mundo. Ou seja, ela descobre uma dimensão da realidade que se
subtrai à fixação estabelecida pelos processos de conhecimento. (HERMANN, 2010,
p. 45).

Isso é o que nos diferencia dos demais seres vivos, pois passamos a esclarecer,
interpretar, compreender e traduzir os signos, ou seja, para adquirirmos o advento da
linguagem, dependemos do ato de pensar, assim fazemos uso da razão resultando o
conhecimento. Nas palavras de Farinon (2012, p. 12), “No momento que ocorre esse jogo
entre atores, no sentido de elenco, se efetiva o real sentido de diálogo, enquanto meio de
constituição da subjetividade, enquanto meio dialógico que constituo e me constitui.”
Portanto, por intermédio da linguagem musical lúdica, as crianças passarão a conceber
a teorização musical e fomentarão seu aprendizado pensando sobre o que está acontecendo,
solucionando o problema da pobreza de sons, imagens e formas, através da estética,
alicerçados no jogo e no lúdico, analisando as relações sonoras e o modo como estão sendo
desenvolvidas e produzidas as questões musicais, ou seja, as crianças deixaram de ser
analfabetas musicais e terão uma pequena amostra das inúmeras experiências estéticas e
hermenêuticas que o ensino da música por meio da linguagem lúdica oportunizou a elas.

5.1 FORMAÇÃO DA LINGUAGEM MUSICAL POR MEIO DO JOGO E DA EDUCAÇÃO


ESTÉTICA

Atualmente, o maior desafio no campo educacional é fazer do processo ensino-


aprendizagem algo prazeroso e que leve à motivação os alunos envolvidos. Dessa maneira, a
educação tem por objetivo principal formar pessoas críticas e criativas com condições para
inventar e ser capazes de construir cada vez mais novos conhecimentos. Pessoas, que por sua
vez cooperem com seus conhecimentos adquiridos no que diz respeito aos processos de
socialização e humanização da educação. Cury (1995, p. 53) declara que “A educação é
imanentemente presente à totalidade histórica e social e coopera no processo de incorporação
de novos grupos e de indivíduos [...] sob a forma de costumes, idéias, valores e
conhecimentos.”
Para sintetizar educação, Saviani afirma (1995, p. 15) “que a educação é um fenômeno
próprio dos seres humanos.” À luz dessa afirmação, pode-se dizer também que a educação
estética, enquanto educação da sensibilidade e da percepção é fundamentalmente propriedade
dos seres humanos e, acima de tudo, algo individual e indelével. Individual ao ponto que
81

somente a pessoa pode efetuar tal julgamento de apreciação, de modo que não se pode delegar
tal conduta a outro ser humano.
Tanto Schiller quanto Gadamer comungam dos ideais do conceito de bildung
(formação), para concretizar o conhecimento e, por consequência, a educação, o que fica
evidente nas palavras de Hermann (2010, p. 113):

Desse modo, conceito de Bildung, configura-se como uma ideia de que o homem
não é determinado nem pela natureza ou pelo fundamento teológico (criado por
Deus), mas pelas suas próprias ações. O homem educado busca a si mesmo,
participando de um ideal de humanidade, o que configura um programa de
transformação social (uma teologia ou finalidade), por intermédio da formação
individual.

Nesse sentido se traz à baila a educação estética e o jogo sob os pressupostos de


Schiller e a linguagem e o jogo à luz de Gadamer como atores principais na formação de um
novo conhecimento por meio de uma nova linguagem que abarca o lúdico como ferramenta
fundamental no processo ensino-aprendizagem, a qual se denomina de “linguagem musical
lúdica”, pois a linguagem é criadora de signos dentro de uma simbologia da união entre o
pensamento e aquilo que é pensado, assim, nas palavras de Gadamer (1999, p. 559-560): “A
linguagem é o meio em que se realiza o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre as
coisas.”
Tanto os seres humanos quanto os demais animais jogam, o que diferencia o jogo
humano das demais classes de animais são as finalidades que este tem para os seres humanos.
Os animais usam o jogo sem propósito cognitivo, já os seres humanos usam o jogo como
forma de salvaguarda da educação. A partir desse aspecto do uso do jogo como fim de
educação, onde o equilíbrio entre razão e emoção é necessário para que o ser humano atinja o
estado lúdico, o ser humano pode nesse momento jogar em prol do seu conhecimento.
A partir de Schiller, percebe-se que este se prende à subjetividade, mas assume sua
conjectura para o impulso lúdico, porém na esfera da intersubjetividade. Ainda Schiller por
meio da razão kantiana se serve da subjetividade como forma de articular os dois impulsos.
Nesse momento, surgem algumas modificações na definição de consolidações e
formulações de conceitos, com a marcante frase de sua décima quinta carta sobre a educação
estética do homem, segundo a qual “o homem joga somente quando é homem no sentido
pleno da palavra, e somente é homem pleno quando joga” (SCHILLER, 2002, p. 80), uma
expressão de grande inversão nos conceitos. O que é reforçado nas palavras de Veloso e Sá
(2009, p. 1):
82

A noção de jogo na filosofia nas cartas sobre educação estética do homem de


Schiller que não hesita em dar objetividade central do belo para o ser. O jogo é
considerado, por Schiller como vetor de harmonia, portanto de beleza e de
equilíbrio, tanto para o físico quanto para o espiritual do homem, sendo concebido a
partir da concepção de totalidade do homem quando joga e não como soma de
elementos indissociáveis. Assim, o jogo revela-se como princípio de unidade e
também como princípio de legalidade e liberdade.

Se o jogo para Schiller é equilíbrio e beleza, traduz-se isso à linguagem musical


lúdica, onde por meio de uma nova forma de educação musical qualifica-se a criança para o
aprendizado da música dentro de um processo de musicalização infantil, que pode ser uma
alternativa de um novo modelo musical, o qual abarca o lúdico, os sons, as imagens e as
formas, que em equilíbrio com o real darão suporte ao processo de ensino-aprendizagem
musical.
Gadamer estrutura sua compreensão do jogo em Heidegger que busca no ser jogado,
como que se perdesse a noção de sujeito, não salvando a noção de subjetividade emergindo
contra a objetividade de certa maneira, mas não a salvando e emerge contra a fragmentação.
Gadamer se manifesta sobre a linguagem onde o jogar e o jogado ao mesmo e o jogo como
sujeito salva a condição de subjetividade, assim

O próprio Gadamer desenvolveu amplamente uma interpretação da obra de


Heidegger e apresentou as influências desta em seu trabalho filosófico. Nada mais
adequado, portanto, do que expor primeiramente suas considerações. Em Verdade e
Método, Gadamer analisa o aspecto hermenêutico da filosofia heideggeriana:
também em Heidegger poderíamos encontrar a tentativa de um retorno à “vida”, a
qual já havia sido empreendida por Husserl, Dilthey e Yorck. O que diferenciaria a
posição heideggeriana seria, em primeiro lugar, as diferentes consequências
epistemológicas de sua análise. Heidegger não pretendia partir do cogito puro de um
eu transcendental, como seu mestre Husserl, mas sim procurava desenvolver uma
“hermenêutica da facticidade”, onde a própria existência concreta e já sempre dada
do homem seria a base para qualquer investigação fenomenológica (MISSAGGIA,
2012 p. 2)

Nesse sentido, Gadamer sugere que este não faz justiça à subjetividade ao apresentar o
ser-com, nesse momento em diante é que temos a virada de filosofia hermenêutica para
Hermenêutica Filosófica, que nada mais que a discussão entre o Gadamer e Heidegger, assim,
Picoli (2011, p. 56-57), sobre a nomenclatura hermenêutica filosófica, versa que

[...] conduz a falsa primeira impressão de que a tese gadameriana apenas dedicar-se-
ia a uma hermenêutica auxiliar para a interpretação de textos filosóficos ou quando
muito como uma meta-teoria das hermenêuticas regionais e da história da filosofia,
o que não condiz, a despeito de também almejar incluir essa pretensão, enquanto ela
é uma reflexão que se volta para trás para tomar consciência das condições que
temos que levar em consideração quando nos colocamos com o propósito de fazer
filosofia mesmo como história da filosofia que, na perspectiva da produtividade
interpretativa da hermenêutica, também é filosofia no amplo sentido da palavra. A
83

despeito desse caráter orientador ao modo de como se deve fazer filosofia – como
uma metafilosofia, a nosso ver, a teoria hermenêutica de Gadamer como um
caminho para o pensamento não se restringe a essas tarefas complementares, que
também são abarcadas por ela devido à sua universalidade, a sua pretensão aspira ser
uma tese geral, que se qualifica como ontológica, e não meramente epistêmica,
apesar de também abarcar as perguntas desta dando-lhe uma resposta ontológica a
questão pelas condições de possibilidade do compreender e do interpretar do
conhecido, isso legitima-se mesmo quando a concebemos apenas como um caminho
para o pensamento, pois quem pensa, pensa algo.

Para melhor interpretação, o jogo em Heidegger encontra a plenitude no ser jogado e


em Schiller o homem somente é pleno no momento em que joga. Em Gadamer estes dois
momentos estão articulados, no momento em que os jogadores estão reciprocamente
mencionados pelo encontro ético em que a experiência estética, constitui um processo de
autoformação. Picoli (2011, p. 146-147) explana sobre Gadamer e Heidegger a fim de
corroborar que

Tanto Heidegger quanto Gadamer não recusam que a linguagem também em partes
seja concebida como enunciado objetivável – no caso de Gadamer basta perceber a
relevância que ele atribui à semântica, suas contraposições levantam-se contra a
universalidade de tal concepção, ou seja, contra quaisquer teses que defendam que a
linguagem seria abarcada por meio de tal modo. Para Gadamer, com tal tratamento
Heidegger apontou “para a totalidade de ser”, totalidade esta que jamais vem à luz
em sua plenitude. Segundo Gadamer, se por um lado a lógica do enunciado é uma
obscuridade do que seja a linguagem, passando longe de uma explicação plausível;
por outro a obscuridade da linguagem pode ganhar nitidez se começarmos a
explicitá-la “a partir da conversa que nós somos”. É neste ponto que Gadamer
distancia-se do mestre, à proporção que voltou o seu olhar teórico para a experiência
dialógica com o outro que realiza-se no interior da(s) língua(s). Referindo-se “à
análise do ‘discurso’ na hermenêutica de Heidegger do ser-aí”, Gadamer nos diz
que, “Neste caso, faltava-me desde o início a experiência que se faz com o outro,
com a sua resistência, com a sua contradição e com a força indicadora de caminho
daí proveniente.”

Diferentemente do conceito de jogo em Schiller, que é algo subjetivo, em Gadamer o


jogo é sujeito do processo, é intersubjetivo, onde o jogador joga e é jogado ao mesmo tempo.
Essa é a diferença do jogo entre Schiller e Gadamer, nesse sentido ocorre a autoformação do
sujeito.
Também Gadamer comunga dos ideais de Huizinga para conceber seu postulado sobre
o jogo, sendo talvez sua maior inspiração acerca do conceito do jogo por intermédio da obra
Homo ludens, a qual procura encontrar o momento de jogo em toda cultura, elaborando,
sobretudo, a relação do jogo infantil e animal e a relação com os jogos dos cultos. Huizinga
procura investigar a identidade do ser e jogar e a interação que acontece no decorrer do jogo
com o propósito de conhecer o outro, assim

[...] a proposta gadameriana visou recuperar a dimensão da verdade no âmbito da


arte através do conceito de jogo aplicado sob os pressupostos de entrelaces de fundo
84

com a dimensão linguístico-histórica, enquanto viu a obra de arte como um “tu”. Por
intermédio do processo de compreender a obra de arte pelo conceito de jogo,
Gadamer viu a experiência artística como a abertura para a expansão do fenômeno
hermenêutico à problemática da autocompreensão das ciências do espírito e à da
explicitação da dimensão linguística. (PICOLI, 2011, p. 93).

Para Gadamer, o jogo apresenta-se como o fio condutor de uma ação pedagógica,
nesse sentido, torna-se metodologia de ensino, entendida como sendo apenas um dos vários
caminhos para chegar a um fim estipulado, ou seja, o jogo não determina, ele apenas
demonstra as possibilidades pedagógicas de aprendizagem. O jogo, por si só, é um caminho,
um modelo estrutural segundo o qual podemos mostrar e explicar, com determinados
pressupostos, condições, exigências, como ocorre e deve ocorrer o saber pedagógico, ou seja,
na visão gadameriana o jogo é formação, vivência e ação pedagógica, assim

Tomando dessa maneira, salta aos olhos a proximidade do diálogo com o jogo.
Como este, o diálogo exige antes de tudo a disposição dos interlocutores de
entregar-se ao risco permanente de ver colocadas em xeque suas supostamente
inabaláveis certezas. Nenhum dos envolvidos é dono do processo; ao contrário, cada
um encontra-se dentro de um todo, no qual é apenas um elemento, ainda que
constitutivo. Nisso o diálogo verdadeiro se diferencia das demais modalidades de
comunicação social. Nem o discurso, nem a doutrinação ou o interrogatório tratam
os envolvidos como pessoas de igual para igual, prontas, se necessário, a revisar
expectativas e convicções preconcebidas. (FLICKINGER, 2014, p. 55).

Partindo da premissa que jogo e linguagem são um todo e ambos os autores versam
sobre os temas aqui referidos, indiferente de sua atemporalidade sob a perspectiva da
experiência estética formativa, como ressaltado ainda na introdução desta pesquisa, é que se
iniciam as reflexões e indagações sobre como a formação da linguagem musical se efetiva por
meio do jogo e da educação estética, por intermédio de imagens, sons, formas, tendo o lúdico
como fomentador do conhecimento, dando significações de signos até então não utilizados em
sala de aula na educação musical, assim,

Para a linguagem, é óbvio que o sujeito genuíno do jogo não é a subjetividade


daquilo que joga também sobre outras atividades, mas o próprio jogo. Mas estamos
acostumados a relacionar um fenômeno como o jogo à subjetividade e às suas
formas de comportamento, apenas de uma forma, que permanecemos fechados em
face dessas indicações do espírito da língua. (GADAMER, 1999, p. 178).

Para que esse processo de formação da linguagem musical possa ocorrer usamos o
jogo como metodologia educativa, contribuindo no procedimento de formação das crianças no
que se refere a aspectos sociais, culturais, intelectuais, emocionais, interpretativos, sensoriais
e cognitivos. Nessa linha de raciocínio, Oliveira (2010, p. 85) demonstra que “A consciência
hermenêutica de Gadamer indica que uma forma eficaz de compreensão é devolver a obra ao
85

seu tempo, preservar-lhe a originalidade da linguagem, dos símbolos que lhes são peculiares.”
Portanto, a partir dessa referência ao jogo é que a estética por meio da educação se faz
presente na formação humana, sendo assim:

Sabe-se que o espaço do jogo é considerado um espaço privilegiado que facilita a


aprendizagem social, sobretudo por parte de crianças e de pessoas com deficiências.
[...] Para Gadamer, a lógica estrutural do jogo revela características importantes da
experiência do ser humano, contribuindo, por isso, para esclarecer questões
pedagógicas. (FLICKINGER, 2014, p. 41).

Quando se fala em educação é importante frisar que a educação tem vários campos de
conhecimento, sendo um deles a educação estética que brevemente se abordará na sequência.
É no campo da educação estética que se chega à formação (Bildung), à compreensão da
experiência estética, nesse momento desenvolve-se a sensibilidade estética, as emoções, o
desenvolvimento sensorial e ainda colabora-se para o entendimento das questões éticas da
educação.

A experiência estética mostra também que uma orientação ética meramente abstrata
e reflexiva, sem a experiência sensorial, perde algo, justamente aquilo que só
podemos experimentar na indeterminabilidade da aparência. Ou seja, ela abre espaço
para relativizar o domínio do racional, os exageros de erigir a formação,
desprezando a contribuição da fantasia do erotismo, das emoções. (HERMANN,
2010, p. 46).

Portanto, esta pesquisa buscou apresentar algumas considerações sobre a formação da


linguagem musical, usando o jogo, o lúdico e educação estética como pano de fundo deste
novo conhecimento, criando novos sentidos com o apoio de formas, imagens e sons, gerando
definições para a compreensão de novos linguajares dentro da proposta do uso do lúdico
como fonte principal de produção do conhecimento, assim, a música terá uma linguagem
abrangente e seu ensino favorecerá o uso da estética, do jogo, como veículo do conhecimento
para educação musical como conhecimento que proporcione a experiência hermenêutica e
estética na formação da linguagem.
Esta pesquisa aponta, portanto, para a necessidade da inclusão, nas escolas de
educação básica, da linguagem musical lúdica como forma de ensino-aprendizagem para
melhor compreensão teórica da musicalização infantil, para isso, propõe-se compreender o
lúdico em uma perspectiva de ensino, onde o jogo e a educação estética sejam protagonistas
da educação musical. Aponta-se a necessidade de novas pesquisas que considerem como
ponto de partida esta linguagem musical e suas implicações para o ensino da música em sala
de aula.
86

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desta pesquisa buscou-se uma compreensão de como, pelo ensino da música
nas escolas, pautado pelos critérios do lúdico e do jogo, é possível a educação estética. O jogo
aqui descrito se origina da palavra alemã Spiel.
Tal problema tentou-se solucionar pelo ensino da música nas escolas, pautado pelos
critérios do lúdico e do jogo, de que seria possível a educação estética como linguagem
musical, também se buscou a solução da pobreza de sons, de imagens e de formas, calcados
no jogo e no lúdico por meio da experiência estética e da interpretação hermenêutica.
A partir das leituras foi possível a melhor compreensão que o jogo e o lúdico podem se
tornar atores principais no processo ensino-aprendizagem no que se refere aos anseios da
educação musical, e corroborarem com a solução da pobreza de sons, de imagens e de formas.
Nesta pesquisa buscou-se brevemente na primeira seção trazer à tona o entendimento
musical mediante técnicas e estilos, quanto à estilística musical e as várias facetas que
permeiam as técnicas de composições musicais que ocasionam os diferentes estilos musicais.
Assim, neste pequeno desenvolvimento histórico exposto aqui, oferece-se o entendimento que
a música deve ter como cátedra educacional, onde a existência da riqueza cognitiva que a
música tem é desconhecida e desconsiderada na educação atual. Por outro lado, foi trazida a
discussão da pobreza musical que a Indústria Cultural oferece tanto pela mídia e também no
contexto escolar, inclusive ao passo de esse estilo relegar ao segundo plano a Música Erudita.
Na segunda seção desta pesquisa procurou-se defender as contribuições de Schiller na
compreensão do conceito de lúdico e jogo em sua relação com a educação estética. O objetivo
específico desta seção é identificar a importância do estado estético para a formação, o que
derivaria na qualificação dos impulsos formal e sensível.
Schiller busca o equilíbrio do ser humano por meio da homogeneidade dos impulsos
formais e sensíveis que constituem o estado estético onde o ser humano atinge a capacidade
do jogo. Tal equilíbrio entre razão e emoção é a maneira que se atinge também a possibilidade
de experiência estética, nesse momento ocorre a fruição musical e o desenvolvimento da
linguagem por intermédio do caráter lúdico do jogo. Portanto, o jogo é o caminho para a
educação estética como horizonte pedagógico.
Se o caminho estético leva à educação, isso ocorre por meio de normas morais que
cumprem seus fins, que nada mais são que a estética como forma ideal de educação,
objetivando o equilíbrio do humano, onde não possa o moral elevado podendo torná-lo
bárbaro e nem que a natureza elevada o torne selvagem. A partir daí que o caminho estético
87

leva à educação estética, onde encontra o estado lúdico. Nesse instante os envolvidos pela
educação estética encontram a possibilidade de entrar em contato com o jogo de forma
pedagógica, levando à liberdade e à contemplação do humano.
Dentro da terceira seção discutiu-se o conceito do jogo e lúdico em Gadamer, sendo
orientado pelo objetivo específico de analisar a formação pedagógica por meio do jogo,
construindo o conceito de ludicidade no jogo e como tal dialética pode oferecer por
intermédio da experiência hermenêutica o desenvolvimento da educação estética, conectando-
a com o desenvolvimento humano.
Nesta seção buscou-se o entendimento da técnica, pois existe a qualificação e de certa
forma a técnica empobrece a formação da linguagem, mas, por outro lado, ela, a técnica, é
sinônimo de experiência, neste caso de experiência hermenêutica que é formadora da
linguagem. É pela experiência hermenêutica que ocorre o conhecimento da linguagem, ou
seja, a linguagem é horizonte do ser.
A quarta seção confrontou-se com o desafio de propor uma significação para a
educação musical escolar, focada, principalmente, em indicativos de solução ao problema da
pobreza de sons, imagens e de formas, pautados pelos critérios do lúdico e do jogo,
caracterizando a educação estética. Assim, o objetivo específico foi gerar um diálogo entre
Schiller e Gadamer, nos conceitos do lúdico e do jogo.
Nesse sentido, Schiller e Gadamer trazem o conceito de bildung (formação) como
ponte para apropriação da educação estética para a formação do saber musical como
linguagem musical por meio do jogo.
Assim, mediante o jogo se concebe o equilíbrio e a beleza, além dele ser o fio
condutor da ação pedagógica, formando a linguagem e demonstrando o caminho pedagógico a
ser seguido como formação humana.
Logo, não se propõe aqui uma reforma da formação na educação musical, assim como
Lutero o fez na igreja, mas se propõe a compreensão da linguagem musical que usa a
característica lúdica, mostrando um novo caminho para quem joga o jogo da educação
musical, por meio da compreensão de como, pelo ensino da música nas escolas, pautado pelos
critérios do lúdico e do jogo, é possível a educação estética na busca do enriquecimento dos
sons, formas e imagens como já frisado anteriormente. Tampouco está se colocando em xeque
o valor da musicalização infantil mediante conceitos já constituídos, somente está se
demostrando um caminho que pode ser seguido, voltado às escolas de educação básica,
usando o lúdico como um modelo mais apropriado aos processos educacionais.
88

Portanto, os quatros objetivos propostos nesta pesquisa podem servir como


norteadores para o aprofundamento do tema de como o jogo e o lúdico podem ser atores
principais dentro da educação musical em um pressuposto de educação estética. Lógico que
seria demagogia dissertativa se todas as lacunas pedagógicas fossem sanadas aqui, mesmo
porque esta pesquisa está longe de ser um método que se deve ser literalmente observado em
todas as suas considerações. Enfim, espera-se que esta pesquisa realce e traga novos
horizontes à educação musical por intermédio dos embasamentos aqui explanados,
viabilizando novos caminhos e abordagens pedagógicas no que diz respeito às perspectivas da
educação musical como componente curricular nas escolas de educação básica.
89

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