PAGINAS DISPERSAS

Estudos de História Moderna de Portugal

LUIS FERRAND DE ALMEIDA

I N S T I T U T O D E HISTÓRIA ECONÓMICA E S O C I A L
F A C U L D A D E DE L E T R A S DA UNIVERSIDADE D E COIMBRA

COIMBRA
-- -> . 1995 - - , :
o Tratado de Madrid, 9 vols., Ric

ómado Sacramento (1669-] 749), i

| 0 U O e o Sul do Brasil, Porto A l e g J

platina, 1816-1828, 3 vols., Rio J

la politica internacional. Génesis t

O A B S O L U T I S M O D E D. J O A O V
ira, dirig. por (...), vol. I I , t. I I , Ric

Sacramento e a expansão no extre

Brasileira, tomo I , vol. I , São Pai
E sabido que a política de fortalecimento do poder real no nosso País veio de
^eses en Buenos Aires (siglo XVi ro longe, por um caminho complexo, com oscilações e vicissitudes várias, mas
Dando por avançar decisivamente nos fms do século X V I I . O governo de D. João
^rrespondência Comercial do Séc :nitou-se a continuar, acentuando-a, esta já antiga evolução e não é de admirar
- assim tenha acontecido. Portugal seguia a corrente dominante na Europa do
do Sacramento, 1680-1777, 2 vo 00 (ainda que não esqueçamos importantes excepções) e deixava-se deslumbrar,
.cipalmente, pelo exemplo da França de Luís XIV.
onómicas de los Jesuítas en el Rio^ Para além das influências gerais do ambiente político da época, também os
ad.. Buenos Aires, 1968. H ores nacionais tiveram certamente o seu peso, especialmente a chegada, em
lis do Uruguai, Rio de Janeiro, es maciças, do ouro do Brasil, pelas facilidades que deu à Coroa nos planos
^ice-Reinado do Peru (Séculos. nceiro e político. Libertando, em larga medida, o Rei, a partir de certa altura,
necessidade de recorrer aos povos para lhe votarem subsídios, tomou-o
rrande de São Pedro. A Contribuiçà -pendente das Cortes, que não mais reuniram, e possibiUtou o grandioso fausto
is do Simpósio Comemorativo i oco em que frequentemente se envolveu, — natural manifestação externa do
Irande (1776-1976), vol. I I , Rioi olutismo monárquico (').

onia dei Sacramento (1680-18M

" C o m u n i c a ç ã o apresentada em s e s s ã o da Academia Portuguesa da História (25-Outubro-1989),
^io Grande, Rio de Janeiro, 1 ^ jrada no C o l ó q u i o « D . João V e o seu tempo». Publicada em Estudos em Homenagem a Jorge
Primer Colóquio Luso-Espan. „ de Macedo, Lisboa, 1992, pp. 371-386.
ilid, 1973-1974. ) Sobre a história do poder real e do absolutismo em Portugal: A n t ó n i o de S.S. Costa Lobo, O
in História da Sociedade em Portugal no século XVe outros estudos históricos, Lisboa, 1979,
ectos Polémicos da Formação R»-
^07-666; M . Paulo Merêa, O Poder Real e as Cortes, Coimbra, 1923; Edgar Prestage, The Royai
er and the Cortes in Portugal, Watford, 1927; E . de Oliveira França, O Poder Real em Portugal
- - Origens do Absolutismo, S ã o Paulo, 1946; E . Prestage, The Mode of Government in Portugal
. . mg the Restoration Period, in Mélanges d'Etudes Portugaises offerts a M. Georges Le Gentil,
 1X4
Luis Feira ml c/e A/incida
Ultrapassando estas simples considerações genéricas, p r o c L i r c n i o s , I U M iiinniMi
ver, de modo concreto, quais os caracteres fundamentais do absoUilisiiio imiMliMl
Em primeiro lugar, parece que podemos falar de uma ausência de Imil
doutrinária oficial. E certo que em obras do tempo se encontram e x p o s t a s * i mi
a clareza concepções absolutistas e também há referências em c s m i n ' ) i|g
jurisconsultos e em documentos provenientes da administração, m a s o | i i i i l ) l i > i t l f l
está em saber se existiu uma verdadeira doutrina oficial, proposta e deíciul n l , m mm
tal pelo poder. Ora, até que futuras investigações nos levem, porventura, a iiiiitlif
de opinião, podemos admitir, provisoriamente, que o absolutismo de D. . l o i l u V l l i i i
sobretudo, de carácter prático, sem a preocupação de construir uma douli mu
lhe servisse de fundamento e justificação, ao contrário do que veio a siuiilci | | | ^
época pombalina. ^ tr. l o t o s e privilégios dos povos, q u e não podem s e r gravados com tributos s e m os
Certamente em relação com esta ausência de base doutrinária oilcial eiiA |
manutenção teórica dos privilégios do Reino, claramente afirmada, pelo mciiom, ii^l
duas décadas iniciais do reinado. É verdade que as Cortes não voltaram i i «if
convocadas, mas não foram abolidas e nem sequer esquecidas durante este p c i h M|4|
muito especialmente enquanto a participação portuguesa na guerra da Succssilo ) | |
Espanha e as suas sequelas económicas e financeiras obrigaram a Coroa a c i mi fty
Lisboa, 1949, pp. 263-270; F.P. de Almeida Langhans, Fundamentos Jurídicos da M(iii,ii>i»t<l^
Portuguesa, Lisboa, 1951 (reeditadoem£.vfí<c/o.çí/eD;>c/to,domesmoautor,Coimbra, 1957,pp
-355); Jorge Borges de M a c e d o , / í / w o / w t o m o , in Dicionário H.P.. dirig. por Joel Serrão, vol. 1,1 lnliiH,
1963, pp. 8-14; Martim de Albuquerque, O PoderPo/ítico no Renascimento Português, Lisboii, I ')till|
Luís Reis Torgal, /deoiogiapolitica e teoria do Estado na Restauração. 2 vols., Coimbra, 19XI I 'ÍN J|
A n t ó n i o M . Hespanha. História das Instituições. Épocas medieval e moderna. Coimbra,
302-332; J. Borges de Macedo, .Absolutismo, in Polis. Enciclopédia Verbo da Sociedade e do /• v/iii/ii
vol. I , Lisboa, 1983, cols. 36-53; Rui Bebiano, D. J o ã o V:poder e espectáculo. Aveiro, 1987. A \
H e s p a n h a . P o d e r e I n . i t i t u i ç õ e s n o A n t i g o R e g i m e . G u i a d e e s t u d o . Lisboa, 1992; idem,/l,v IV\/P.I,M
do Leviathan. Instituições e poder politico. Portugal — .séc. XVII. Coimbra, 1994.
Para o estudo de paralelismos e p o s s í v e i s influências: F . Hartung e R. Mousnier, (^i/i7i/tim
problémes concernant la monarchie absolue, in Relazioni deiXCongresso Internazionale di Si Irii4t
Storiche, vol. I V , Florença, 1955,pp. 3-55; J. Eliui,Histoiredesinstitutions, t. II, Paris, 1956, pp 11 í
-340,362-381,416-469; G . Durand, ÉtatsetIn.uitutions. XVF-XVIII<^sièc/es. Paris, 1969, pp..' l lii
275-285; John C . Rule (Dirig. por), Louis XIVand the Craft ofKing.ihip, s. 1., 1969; Ragnhild I liilliMI
(Dirig. por), Louis XIV and Absoluti.sm, Londres, 1976; Perry Anderson, LÉtat ab.mlutislr .VK|
origines el .ws voies. trad., 2 vols.. Paris, 1978; P. Goubert, L 'Ancien Regime, vol. II (Les PouyoUH\y
Paris, 1973;R. Mousnier, La monarchie ab.iolue en Europedu V^ .siècle à nos Jours, Paris 198,',A,
M . Hespanha, Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime. Colectânea de textos, Lisboa, I '>H4|
F . Olivier-Martin, L'Absolutisme François, Paris, 1988 (reimpressão de um texto de 1951), K
Bonney, L 'Absoluíi.sme, Paris, 1989. ^ ODocs.
O Absolutismo dc /). João V
|.i..l..ii|.;ir tributos, s e m ouvir os representantes dos povos, com a alegação de
Hii • n< i;i e outras dificuldades.
^ I 111 1713 lembrava o duque de Cadaval q u e «as leis fundamentais naõ podem
• > l< (• vs lellaxar s e m o concurço de s e u s vassallos unidos em cortes»("). Já dois anos
Biiii", o inesmo Duque tinha considerado ousado lançar um novo imposto s e m a
n i i u (icaçào dos Três Estados Q). E quando isso veio efectivamente a acontecer, em
1? I . ' , o s procuradores dos mesteres na câmara de Lisboa não deixaram de dizer a
l i i a o V q u e «o privilegio e foro principal dos povos é q u e se não lançará tributo
I »t'Mi s e r e m convocados, e V. Magestade jurou guardar o dito privilegio, canonisado
I jiiii l o d o s os senhores reis...». Acrescentavam q u e , ficando a continuação da nova
1 |iii|'('siçào dependente do soberano, s e m se reunirem Cortes, «parece se revogam
j i i o i n c t t e r e m e assentarem...» (").
k I; o certo é q u e , até à paz com a Espanha em 1715, no seguimento, aliás, de u m a
M i i i i c a vinda dos últimos anos de D. Pedro I I , foram constantes as justificações
B^MMs para lançar ou fazer continuar impostos s e m celebrar Cortes, com a
p i i i mação expressa de q u e não havia a intenção de «alterar ou abolir» os privilégios
( I I I i c i n o , m a s sim o desejo de os «conservar ilesos»
.'\a de possível reunião dos Três Estados manteve-se presente nos meios
jiiililicos pelo menos até cerca de 1723, como b e m mostram fontes de diversa
(iii);cm; dela se falou a propósito do juramento do príncipe do Brasil e serviu para
I m p e d i r a realização de alguns planos de D. João V, desde a projectada viagem ao
csiiangeiro até ao restabelecimento da décima
• Tão frequente a sua lembrança que, num caso ou noutro, chegou mesmo a ser
Considerada intempestiva. Quando em 1720 os perigos da situação internacional
lavaram o Rei a ordenar ao Conselho da Fazenda lhe sugerisse meios de aumentar
(-) Papel do Duque sobre a paz de Castel/a (...) (Lisboa,30-7-17l 3) - A C : Cód.l027g (K-VI-
n.273v.
(') Virgínia Rau e M . Fernanda Gomes da Silva, Os Manuscritos doArqinvo da Casa de Cadaval
iis/vitantes ao Brasil, vol. II, Coimbra, 1958, p. 83, n." 127.
{') Consulta da câmara de Lisboa ao Rei (3-2-1712), in E . Freire de Oliveira, Elementos para a
liisioria do município de Lisboa, t. X , Lisboa, 1899, p. 589.
(^) A . Á l v a r o Oliveira Neves, Cartes do Reino de Portugal. Inventário de documentação existente
I ) . Lisboa, 1940, pp. 64,408,454; E . Freire de Oliveira, op. cit.. t. X , pp. 582,584-586, 594, e t. X I ,
I isboa, 1901, pp. 21, 22-23, 44, 83-84; Fortunato de Almeida, História de Portugal, t. V , Coimbra,
l'»28, p p . l 5 , 32.
1.2,3,4,5, 7e(9 do apêndice documental; Visconde de Santarém, Q«aí//-oete/«e«torí/£içre/afõe?
IH>liticasediplomaticasdePortugal(...).l.W,?ans,\f,A5,p.Xh\\,noXa\yi.Cúes\.e]jei\.eàosKei
dc Momay, 1714-1720, dissert. de licenc. dactilografada, vol. I , Lisboa, s.d., p. 29.
 186
Luís Ferrand de Almeida
O exército e a marinha, o parecer deste órgão foi o de que na sua administração ni\
havia rendimento livre «e que para tributos novos eraõ necessárias Cortes». De for-
ma diferente se exprimiu o conselheiro e diplomata José da Cunha Brochado, pa-
ra quem os meios referidos só podiam consistir em novas imposições, considerando
«inútil e incompetente» trazer à memória do monarca a convocação dos Três [-s-
tados, pois esse «costume louvável» (conforme lhe chamava) estava «prezentc o
muito prezente» no pensamento de D. João V, que não deixaria de o pôr em prática
quando entendesse, sem necessidade de lho lembrarem. E comentava: «No fundo
da coiza o Conselho teve mais que razam; mas este naõ hé o modo de falar a hum
Rey»(^).
A discordância no modo, como se vê, não impedia o acordo quanto ao fundo dn
questão. Testemunho ainda mais elucidativo é o de um outro diplomata, D. LUÍH
Caetano de Lima, que por altura de 1723 acabava de escrever a sua Geografia
Histórica, só publicada, no entanto, em dois volumes, com pequeno»
acrescentamentos de actualização do texto, nos anos de 1734-1736. No capitulo do
tomo I relativo ao «governo Politico de Portugal», o autor dissertava sobre iiN
Cortes, dizendo que nesta assembleia reconheciam os Reis tão grande autoridade
que a faziam juntar «para alli se resolverem os negócios de mayor pezo», como oN
da sucessão da Coroa, imposição de novos tributos e outros. Referia-se em especial
às reuniões do tempo de D.Pedro I I e lembrava, por outro lado, que as Cortes do
Lamego tinham «força de ley fundamental, pois que os Povos as aceitarão com hun»
tácito consentimento e que os Reys se sogeitaraõ a observar os seus artigos»(").
Parece, pois, que a ideia das Cortes e da sua importância teimava em não morrer,
Na realidade, e tanto quanto pudemos averiguar até agora, é nos fins da década do
20 e na de 30 que ela vem a cair no esquecimento. Ao publicar, em 1734, a traduçA»)
de uma obra histórica do abade de Vallemont, «accrescentada com algunian
noticias de Portugal» até à referida data, Pedro de Sousa de Castelo Branco
dedicava bastantes páginas aos órgãos de governo do País, mas com total silêncio
a respeito das Cortes. Idêntica ausência encontramos, alguns anos depois (1739),
naDescripçam Corogra/ica de António de Oliveira Freire ("*). Silêncio significativo
C) Doe. 6.
O Geografia Histórica de todos os Estados soberanos de Europa, 1.1, Lisboa, 1734, pp. 250-2 52,
Sobre a data da elaboração da obra: Carta de D. Luís Caetano de L i m a (Lisboa, 19-8-1723), iii
Collecçam dos Documentos e Memorias da Academia Real da Hi.<itoria Portugueza f . . t . I l l , 1 .isboii,
1723, pp. 257-260; Joaquim A . Romero Magalhães, O Algane económico: 1600-1773. disscri di"
doutoramento policopiada, vol. I I , Coimbra, 1984, pp. 1072-1077.
C) Abade de Vallemont, Elementos da Hi.storia (...). t. I, 4'' imprc.s,sào Iniduzida «e accrescentada iniu
algumas noticias de Portugal ate o anno dc 17.34 por Pedro dc Soiisíi dc ( aslcllobníiico», I isboa, 1734, pp 11 -1
-441; A. de Oliveira Freire, De.scripçam Corografica do Riynodc 1'orlugal ( J , Lisboa, 1739, pp. 97 l()^
O Absolutismo de D. João V
187
como sintoma da crescente hipertrofia do poder real.
Deve dizer-se, em todo o caso, que o absolutismo não afastou D. João V dos seus
súbditos, por ter tido, em larga medida, um carácter «paternalista», de acordo, aliás,
com antigas tradições da monarquia portuguesa. No próprio ano da morte do Rei
(1750), um seu biógrafo escrevia que ele tinha governado mais com a razão do que
com a autoridade, «como hum prudente Pay na educação de seus filhos» ("'). Aqui
nos aparece bem clara a concepção paternalista da realeza e com ela também depa-
ramos em páginas de D. Luís da Cunha, designadamente no Testamento Poli-
tico Q').
Na prática, esta maneira de entender o papel político do monarca traduzia-se não
apenas em actos excepcionais, como os auxílios prestados à população de Lisboa
durante a epidemia de febre amarela de 1723, ou aos lavradores do Alentejo quando
da terrível seca de 1734-1735, mas em procedimentos habituais, designadamente
a concessão de audiências directas, três vezes por semana, a todos os súbditos que
o desejassem e qualquer que fosse a sua condição social ('^). Essa atitude de geral
benevolência não impediu D. João V de afirmar, com energia, a sua autoridade real
c poder absoluto, sempre que o julgou necessário ou conveniente. O biógrafo há
pouco citado, Francisco Xavier da Silva, dizia ter ele resistido sempre «ao que via
ser offensivo às regalias da sua Coroa», e um viajante francês, de passagem em
('") Francisco Xavier da Sylva, Elogio fúnebre, e histórico do (...) Fidelíssimo Rey de Portugal,
c Senhor D. Joaõ V (...). Lisboa, 1750, pp. 36-37.
(") «... Os Reys nunca saõ mais Senhores dos homens, que quando mostraò serem os seus
\s pays; porque a d o m i n a ç ã o mais segura he aquel la que principia por sogeitar os c o r a ç õ e s »
(Carta de D . L u í s da Cunha à Academia Real da História Portuguesa. Paris, 10-3-1723, in Collecçam
dos Documentos e Memorias, cit., t. III p. 87). «... Hum Rei não differe. Senhor, de qualquer outro
Pai de famílias, mais que em o ser de muitas, e não de huma s ó , mas as o b r i g a ç õ e s s ã o as m e s m a s . . . . »
(Testamento politico. Lisboa, 1820, p. 14). V e r ainda, no mesmo sentido, R. Bluteau, Prosas
1'ortuguezas, 2- Parte, Lisboa, 1728, p. 266. Cfr. Jaime CorXesão, Alexandre de Gusmão e o Tratado
dc Madrid, Parte 1, t. I , Rio, 1952, pp. 371-373.
('-) Há numerosas fontes relativas à epidemia de 1723 e às providências de D . J o ã o V ; com base
nelas preparamos um estudo. Entretanto, ver A . da C . Vieira de Meírelics, Memorias de Epidemologia
1'ortugueza, Coimbra, 1866,pp. 131-139,245. Sobre o auxílio aos lavradores alentejanos: Francisco
,\ da Sylva, op. cit., p. 134; D a m i ã o Faria e Castro, Historia geral de Portugal, e .<!uas conquistas,
I. X X , Lisboa, 1804, pp. 369-370; Visconde dc Santarém, op.cit.. t. V , p. C C L X I I , nota. Quanlo à s
audiências régias: De.scriplion dc la Villc dc í.isbonnc. Paris, 1730, p. 152; Merveillcux, Memoircs
iiisiructifs pour un voyageur (...). I. 1, Amslcrdão, 1738, pp. 71, 80-84 (ou a irad. dcsics (cxtos em
(' 1'orlugal dc /). .loão I ' visto por Ires tiirnslciros. Irad., prcl' c iiolas ilc ( aslclo Branco ( havcs,
I isboa, 1983, pp. 69 c 147), I I ; I I H isin \a Sylva, «/> cil. p .'l.V
 iXS
IJIÍS / 'cnainJc/e Almeida
Portugal no ano de 1729, notou que era «cioso da dignidade do seu Trono c ila M I
qualidade de Rei» ('^).
Outro francês bom conhecedor da Lisboa joanina escreveu que o monarca i-m
igualmente amado e temido pelo povo, mas que os grandes o temiam mais do <|iii'
o amavam. Punha em foco a sua firmeza, acrescentando que ele sabia, meliioi iiui'
os seus predecessores, manter a necessária subordinação do estado populai i'
também da nobreza, «que era outrora — dizia — muito absoluta e q n i i s i -
independentewC"*).
Os condicionalismos internos e externos dos três primeiros reinados da dinasi iti
de Bragança proporcionaram aos nobres fiinções e situações de relevo na vidii
politica e social do País. Sabe-se, no entanto, que, nos primeiros tempos de D. .loilo
V, era grande o descontentamento nos meios nobiliárquicos, relacionado com o li in
da guerra da Sucessão de Espanha (e a consequente perda de cargos militares), c .
por outro lado, com a concessão de privilégios às dignidades e cónegos da Patriarcal
em prejuízo dos nobres titulares, especialmente dos condes, levados por isso -
segundo o embaixador francês em Lisboa—a fazer «discursos muito livres, para não
dizer mais». Aos discursos seguiu-se um longo memorial de protesto colectivo
dirigido ao Rei, que não o atendeu ('^).
Por esta época se verificaram alguns casos de indisciplina e desrespeito da
autoridade régia ou das suas normas que provocaram reacção adequada. Para além
de episódios individuais como os que originaram a prisão dos condes do Prado
(1717) e do Rio Grande (1723), deve recordar-se o caso mais grave daquele grupo
de cerca de 30 nobres que na capital, em 1725, tiraram das mãos da justiça o criado
(") F . X . da Sylva, op. cit.. p. 235. «II est jaloux de la dignité de son Trone & de sa qualitc de R o i »
( E . de Silhouette, Voyage de France. d'E.spagne, de Portugal et d'Italie. t. I V , Paris, 1770, p. 173. Cfr.
D . - H . Pageaux, Image.s du Portugal dans le.s Lettres Française.s (1700-1755). Paris, 1971, p. 88).
('") De.scription de la Ville de Lishonne. cit., pp. 152-154.
('•') « L e s Distinctions que le Roy de Portugal continue d'accorder au C l e r g é de sa Chapelle, au
prejudice des Titrez, et particulierement des Comtes, portent ceux cy a des discours fort libres pour
ne rien dire de plus. Ils se sont determinez a faire leur representation par ecrit et la doivcnt presenter
en Corps, mais on doute que ce Prince y ait egard» (R. de Mornay ao secretário de Estado dos N e g ó c i o s
Estrangeiros de França. Lisboa, 2-2-1717 - A . M . A . E . : Correspondancepolitique, Portugal, vol. 52,
fl. 36). Cfr. Portugal. Lisboa e a Corte nos reinados de D. Pedro II e D. João V. Memórias Históricas
de Tristão da Cunha de Ataíde, I." Conde de Povo/ide, com introd. de A . Vasconcelos de Saldanha
e Carmen Radulet, Lisboa, 1990, pp. 282-285,286,292, 357; M . Celeste Leite dos Reis, op. cit., vol.
I, pp. 62-65. A representação dos condes e a resposta do secretário de Estado Diogo de M . Corte Real,
em nome do Rei, podem ver-se em Eduardo Brazão, D. João Vea Santa Sé. As relações diplomáticas
de Portugal com o governo pontifício de 1706 a 1750. Coimbra, 1937, pp. 427-445; idem. Subsídios
para a Hi.<itóría do Patriarcado de Lí.sboa (1716-1740), Porto, 1943, pp. 128-142.
O lli.soliilisnKi dc /> ^
i\c uni deles, o que lhes valeu serem desterrados da corte. A cviticiilc pivociipav.io
ik- punir abusos e violências levaria mais tarde Matias Aires a escrever cnic I). .lono
V «Ibi o terror da Nobreza arrogante e destemida»("').
Descontado o exagero, parece claro ter o governo joanino conseguido siihincicr
r disciplinar os sectores mais turbulentos do estado nobiliárquico, o qual, ;ili;is,
piocurou valorizar e utilizar no serviço do País, com a concessão de tenças e caruos
iiicliopolitanos e ultramarinos. Mas estas mesmas circunstâncias levaram a uma
maior dependência da nobreza, sobretudo a da corte, enquanto se fortalecia o poder
,eal(").
Tendo em conta o que acabamos de dizer, parece possível falar de um certo
paralelismo nas atitudes de D. João V em relação ao clero. Assistimos, sem diivitla,
a sua valorização honorífica, social e económica, pormeio de numerosos pri vilégit)s,
liberalidades, fundações e concessões de vária natureza (designadamente no caso
(la Patriarcal), mas tornando-o mais dependente e alargando o prestígio da Coroa.
Os biógrafos do Rei Magnânimo não deixaram de pôr em foco a «sua devoção,
e zelo do culto Divino», manifestados por miiltiplas formas, frequentemente
espectaculares e esplendorosas. Mas a noção que o monarca e os seus conselheiros
e colaboradores tinham do poder real, da natureza, âmbito e prerrogativas deste,
além de preocupações de prestígio internacional, iam reforçar o regalismo régio e
a sua capacidade de intervenção, dando lugar a alguns problemas e até a situações
de conflito. Í'
("') De.scríplíon de la Ville de Lisbonne, pp. 154-159; Merveilleux, Memoires ínstructifs. vol. I ,
pp. 68, 83-85,167-170; Matias Aires, Reflexões sobre a vaidade dos homens (1752), pref. e notas de
J. do Prado Coelho e Violeta C . Figueiredo, Lisboa, 1980, p. 175; Ayres de Carvalho, D. João Ve a
arte do seu tempo. vol. I , Mafra, 1960, pp. 18, 19-20,36, 77-79, 94; O Portugal de D. João V visto
por três fora.steiros. cit., pp. 69-71, 142, 148-149, 181-182; Visconde de Santarém, op. cit.. t. V ,
p. C C L X V I l l , nota; Descriptive List ofthe State Papers Portugal 1661-1780 in the Public Record
Office London. organiz. por C R . Boxer, vol. I I , Lisboa, 1979, pp. 47, 48, 53, 59, 81; Conde de
Povolide, Memórias Históricas, cit., pp. 296-298, 337-338, 352, 356, 371, 372, 393, 398, 401, 404-
-405,406,408,412-414,416,421,423-425. E m 1717 foi preso o conde do Prado por ter desacatado
a d e c i s ã o régia de mandar parar o coche quando se encontrasse na rua com o Patriarca, permitindo-
-se ainda fazer comentários « c o n vozes poco respectuosas». No dizer do embaixador espanhol em
Lisboa, « h a ô c a s s i o n a d o esta prission comun Sentimiento a toda la nobleza, por no haverse visto
semejante exemplar desde la revelión acá...» (Capecelatro a Grimaldo. Lisboa, 18-1-1718 — A . G . S . :
Estado, leg. 7096).
(") A l é m das obras citadas na nota anterior, ver: J . Borges de Macedo, Centralização política, in
Dicionário H.P., dirig. por Joel Serrão, vol. I, p. 554; idem, Nobreza - Na Época Moderna, ibíd.,\o\.
I I I , Lisboa, 1968, pp. 156-157.
 Luis Ferrand dc Almeida O Absolutismo de D. João V

Se vemos o governo joanino tomar por vezes enérgicas medidas para reprinni
aiiLisos e fazer respeitar a disciplina conventual, também nos aparecem casos dc
oposição entre interesses da Coroa e imunidades do clero, designadamente cm
matéria fiscal. Assim aconteceu em 1708 com o subsídio para as despesas da gueri a.
solicitado pelo Rei, autorizado pelo Papa, mas fortemente contestado por vários
sectores eclesiásticos. Se o importante donativo com que o clero ajudou a fmanciar
a armada que bateu os Turcos em Matapan (1717) parece não ter suscitado
dificuldades, já o mesmo não aconteceu em 1730, quando o estado eclesiástico, cin
Lisboa, foi abrangido pelo tributo destinado aos gastos com o aqueduto das Aguas
Livres. Como o Patriarca tivesse protestado, ameaçando lançar o interdito sobre as
igrejas da capital, o Rei fez-lhe saber, pela pena do seu secretário Alexandre dc
Gusmão, que, se fosse necessário, usaria «dos poderes da Soberania, que Deus lhe
concedeu para livrar os seus Vassallos destas e outras semelhantes oppressões».
Episódio significativo e quase simbólico, se tivermos em conta os seus
intervenientes: a concessão de excepcionais mercês e privilégios à Patriarcal não
impedia o monarca de afirmar, de modo terminante, o seu poder soberano. Defesa
e exaltação da fé e regalismo estavam intimamente ligados no absolutismo joa-
nino ('«).
A esta situação interna iria corresponder, no plano externo, aquilo que o Prof.
Borges de Macedo chamou «a conquista da paridade diplomática na Santa Sé», isto
é, a obtenção ou recuperação de todo um conjunto de honras e vantagens jurídico-
-políticas, tendo em vista a equiparação de Portugal às grandes potências católicas,
com o consequente prestígio internacional daí resultante.
Esta preocupação manifestou-se ao longo de todo o reinado, mas encontramo-
-la esboçada desde o início na instrução para André de Melo e Castro, enviado a
Roma em missão diplomática no ano de 1707. Ela viria a concretizar-se na fundação
da Patriarcal, com extraordinárias prerrogativas; no estabelecimento de restrições
aos poderes dos núncios no nosso País em matéria de foro eclesiástico e de
intervenção no governo das ordens religiosas; na defesa diplomática do Padroado
do Oriente contra as intromissões da congregação romana da Propaganda; na
obtenção do direito de apresentação dos bispos, pretendido há muito pela Coroa
('") Francisco X . da Sylva, op. cit.. pp. 39-118; Fortunato de Almeida, Hi.nória da Igreja em
Portugal. 2.^ ed., vol. I I , Barcelos, 1968, e vol. I V , Porto, 1971. Sobre o subsídio de 1707-1708'
B.G.U.C.:M.v. 519. ns.MA-W; Manuscritos da Ajuda (Guia), vol. I, Lisboa, 1966,p. 1 7 0 ; E Brazão
D. João Vea Santa Sé. pp. 13-14; Fortunato de Almeida, op. cit.. vol. I I , p. 120. Sobre o incidente
com o Patnarca em 1730: Visconde de Santarém, op. cit.. t. V , p. C C L X X , nota; J . Cortesão, op cit
Parte I., t. I, pp. 323-324. e Parle II, t. I, pp. 263-268
portuguesa e só então conseguido (1740), e, finalmente, na concessão pelo Papa ao
Kci de Portugal e seus sucessores do título de Fidelíssimo (1748).
O próprio conflito suscitado pela recusa pontifícia de atribuir o chapéu cardi-
nalício ao antigo núncio em Lisboa, Mons. Bichi, deve ser visto na mesma
perspectiva: a da obtenção da paridade com as cortes católicas onde os núncios, ao
lieixarem o posto, eram elevados ao cardinalato. Como é sabido, a questão chegou
ao corte de relações diplomáticas, por iniciativa de D. João V (1728), situação que
se manteve por quatro anos. até ser atendida a pretensão portuguesa.
Notemos, para terminar este ponto, que também no plano dos contactos entre a
Santa Sé e o clero português o peso das concepções regalistas se tomou sensível,
pelo menos em fins do reinado, sob uma forma, embora limitada, de beneplácito
régio. Parece ser este o significado de uma circular enviada (em 1748) aos prelados
das ordens regulares, a fim de não executarem documentos emanados da Cúria
romana ou dos seus representantes, sobre religiosos e religiosas dos conventos
portugueses, sem passarem pela secretaria de Estado do Reino, «para determinar
depois — dizia o texto — o que for mais do serviço de Deus e utilidade do bem
comum...».
Embora invocando razões morais que até podiam ser bem fundadas, vemos o
poder civil a considerar-se competente para declarar, em matérias da vida religiosa,
o que era mais do serviço de Deus... Nestas circunstâncias, não é de estranhar que
o próprio D. João V, segundo um autor do tempo, tenha escrito uma obra (hoje
perdida) sobre «negócios políticos em que a regalia da Coroa ficasse justamente
sublimada»(''').
Caracterizado, ainda que brevemente, o absolutismo joanino, importa ver agora
que métodos e meios foram utilizados na governação, embora tudo quanto
dissemos até aqui já nos forneça alguns esclarecimentos.
E sabido que D. João V começou a reinar muito novo, com 17 anos, revelando,
('•')£. Brazão, D. João Vea Santa Sé. pp. 1 -67,121 -360,413-418; idem, Subsídios para a História
do Patriarcado de Lisboa (17I6-1740); idem, A Diplomacia Portugue.sa nos Séculos XVII e XVIII,
vol. I I , Lisboa, 1980, pp. 159-182; Francisco X . da Sylva, op. cit.. p. 163; Collecçào dos Negócios de
Roma no Reinado de El-Rey Dom José I (..,), parte I, Lisboa, 1874, pp. 228-230 e notas. Luís de
Albuquerque, Um inédito de José da Cunha Brochado, in Arquivo de Bibliografia Portuguesa, Ano
III, 1 9 5 7 , n . ° 1 l , p p . 117-1 \ AnlunesBorges. Do galicanísmo de Luís XIV ao regalismo de D. João
V. in Lúmen. vol. X X I I I , 1959, pp. 476-481; M . Simoneta Ayres de Carvalho, A Imposição do Capelo
Cardinalício aos Núncios de Portugal (I720-I73I). Incidente diplomático entre D. João Vea Santa
Sé, dissert. de licenc. policopiada, Coimbra, 1970; P. Soares Martinez, História Diplomática de
Portugal. Lisboa, 1986, pp. 185-186,236-237; J . Borges de Macedo, História Diplomática Portuguesa.
" Constantes e linhas de força, vol. I , Lisboa, 1987, pp. 259-263.
 O AhsolulisDw dc D. João V l'M
Luis Lernmci dc Almeida

de início, certa irresolução e desinteresse pelos negócios do Estado. O tempo c a
experiência foram corrigindo estes defeitos, a ponto de, já em 1723, um observador
estrangeiro notar que ele era firme nas decisões e actuava mais despoticamente do
que os antecessores.
Até 1736 governou com o apoio do secretário de Estado Diogo de Mendonça
Corte Real, homem de capacidade e experiência, mas com um poder de iniciativa
e de decisão limitado; só agia por ordem do Rei e este, no dizer de uma fonte da
época, queria tomar conhecimento de tudo. Havia, é certo, os diversos conselhos,
mas com funções essencialmente consultivas, por muito importantes que fossem
dentro dos respectivos domínios de actuação. E não terá sido certamente por acaso
que o Conselho de Estado, verdadeiro órgão «supremo» em que se tratavam «todas
as matérias principaes» pertencentes ao «governo do Reyno» (-"), entrou em
acentuada decadência durante o reinado joanino.
Após uma fase inicial de grande actividade, já em 1724 se falava da raridade das
suas reuniões, substituídas por/untas de composição variável, cujos membros eram
escolhidos pelo Rei para cada caso. Tão notória foi esta evolução que D. Luís da
Cunha, escrevendo por altura de 1736-1737, chamava «despótico» ao governo de
D. João V, lamentava o desprezo pelo «louvável costume» de ter um Conselho de
Estado e considerava tal «reforma» inspirada por ambiciosos animados do desejo
de «ser mais senhores dos negócios» (^')-
Ainda que as suspeitas correspondam, porventura, à realidade, não parece que
esses objectivos tenham sido alcançados, pelo menos de forma a afectar a capacidade
de intervenção e decisão reais. Após a morte de Diogo de Mendonça {1736), criou
D. João V três secretarias de Estado (Reino, Negócios Estrangeiros e Guerra,
Marinha e Ultramar) e pôde contar com a colaboração dos novos secretários, mas
recorreu também muito a outras pessoas da sua confiança, como por vezes já
anteriormente sucedera. '
Alguns destes colaboradores vieram a ter tanta ou mais importância do que os
dos cargos oficiais, como aconteceu com o cardeal da Mota, que, de cerca de 1736
a 1747, foi «huma espécie de primeiro Ministro», no dizer de D. Luís da Cunha.
Outros ocuparam também um lugar de maior ou menor relevo no valimento real,
servindo de conselheiros ou executantes: lembremos o cardeal da Cunha, o P.^
Carbone, Fr. Gaspar da Encarnação e o secretário particular Alexandre de Gusmão(").
Conselheiros e executantes de um soberano que os sabia ouvir e utilizar, mas
conservando firmemente o poder decisório e a independência da Coroa. Na
instrução que em 1740 o governo francês deu ao seu novo embaixador em Lisboa
dizia-se que o Rei de Portugal governava mais despoticamente do que os seus
próximos antecessores; «comunicam-lhe geralmente todos os negócios do seu
reino e nada se faz em que ele não tenha anteriormente dado as suas ordens». E o
autor da instrução acrescentava: «Nenhuma pessoa se pode gabar de ter crédito, de
forma determinada e seguida, no espírito do Rei de Portugal» (").
Esta situação ia ser bastante abalada nos líltimos anos do reinado pela doença do
monarca, a morte em curto prazo de vários ministros e conselheiros, designadamente
a do cardeal da Mota (1747), e as insuficiências das instituições existentes perante
novos problemas resultantes da evolução da vida económica e social. A consequência
lógica foi uma certa crise dos órgãos superiores do governo, com repercussões mais
ou menos graves a nível da administração Q*).
Cioso da sua autoridade, D. João V não se resignava facilmente a transferir para
outrem as mais altas responsabilidades da governação, que estava habituado a
assumir. Tentando superar as limitações provocadas pela doença, vemo-lo nesses
anos finais do reinado a dedicar-se, por vezes, aos negócios ptíblicos com um ardor
que preocupava os médicos e surpreendia os agentes diplomáticos estrangeiros.

(-") D. Luís Caetano de Lima, op. a í . , t. 1, p. 252. (--) E . Brazão, D. João V. Subsídios para a história do seu reinado. Porto, 1945, pp. 67-171; J .
(-') InsU-uções inéditas de D. Luis da Cunha a Marco António de Azevedo Coutinho, publ. por P. C o r t e s ã o . op.c;7.. Parte I V , t . I , Rio, 1953,pp. 7-8;De.íc/-/>íívei/.ç?. cit., vol. II, pp. 9 5 , 1 0 2 , 1 2 6 , 1 3 4 ,
de Azevedo e A . Baião, Coimbra, 1930, p. 31. Sobre o sistema de governo de D. João V c o papel e 154.155. 235, 248, 282; L . Teixeira de Sampayo, O Arquivo Histórico do Ministério dos Negócios
e v o l u ç ã o do Conselho de Estado há numerosas i n f o n n a ç õ e s em Visconde de Santarém, op. cit., t. V , Estrangeiros, \n Estudos Históricos, Lisboa, 1984, pp. 170-173; Paulo Merêa, Da minha gaveta. Os
passim. V e r também: Description de la Ville de Lishonne. pp. 148-149; Merveilleu.x, Memoires Secretários de Estado do Antigo Regimen. Coimbra, 1965, pp. 16-17; E . Brazão, A Diplomacia
Ínstructifs. t. I,pp. Ifi-^Q; O Portugal de D..João V visto por três forasteiro.^, pp. 68, 145-147; D. Luis Portuguesa nos Séculos XVlIeXVlII. cit., vol. 11, pp. 199-207: L . Ferrand de Almeida, Alexandre de
Caetano de L i m a , op. cit.. 1.1, pp. 252-293; Conde de Povolide, Memórias Históricas, pp. 372,406; Gu.smão. o Brasil c o Tratado de Madrid (1735-1750), Coimbra, 1990, pp. 44-64.
M . Lopes de Almeida, Portugal na Época de D. João V. Esboço de interpretação politíco-cultural (-') Instrução para o embaixador Chavigny (Marly, 12-2-1740), in Recueil des ínstructions
da primeira metade do século XVIll, in Atas do Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros. données aux ambassadeurs et ministres de France, t. I I I (Portugal), com introdução e notas do
Nashville, 1953, pp. 255-258; Conde de Tovar, O Arquivo do Conselho de Estado, in Anais da Visconde de C a í x de Saint-Aymour, Paris, 1886, pp. 295-296.
Academia P o r t u g u e s a d a H í s t ó r i a , 2 - s é r i e , vol. II, Li.sboa, 1961, pp. 60-62,64; J. Borges de Macedo,
(-") J . Borges de Macedo, A .situação económica no tempo de Pombal. Alguns aspectos, 3." ed.,
Absolutismo, m Dicionário H.P.. vol. I,pp. M-Mi, Descriptive List of the State Papers Portugal, vol.
II, p. 177. Lisboa, 1989, pp. 50-51, 56-57, 60-62; idem, D. João V, in Dicionário H.P.. vol. I I , Lisboa, 1965.
p. 625.
 194 O Ah.salutisim) de D . João V IM.S
Luis Ferrand de Almeida

Um destes chegou mesmo a escrever, em 1747, que o Rei não se deixava dominai Era no plano dos direitos adquiridos que surgiam as verdadeiras limitações
pelos ministros e que dele continuavam a emanar todas as decisões (^'). priilicas ao poder. E certo que a tais direitos se podia sobrepor apotestas extraor
Na realidade, porém, controlava cada vez menos uma situação cujas dificuldades diiiaria do monarca, mas só era legítimo invocá-la quando houvesse uma razão tic
se agravavam e que o sistema joanino de governo, desorganizado pelos motivos suprema utilidade pública. «Nos limites em que eram reconhecidos, os direitos dos
referidos, se tomara incapaz de resolver. O fortalecimento do aparelho do Estado, particulares em relação ao poder gozavam de uma tutela jurídica extremamente |
imposto pelas circunstâncias, viria a ser obra de Pombal (-*'). cíicaz, baseada nos meios jurisdicionais ordinários» {-''). Para além do controlo
Esta exposição ficaria incompleta e daria, provavelmente, uma visão deformada prévio realizado pelo chanceler-mor do reino, uma decisão do poder contrária ao
das realidades politicas do país na primeira metade do século X V I I I se não «direito expresso» era nula e podia, a todo o tempo, ser revogada. Os juízes deviam
tivéssemos em conta importantes contributos da historiografia recente, com novas iiegar-se a aplicá-la e o particular lesado podia opor-se à sua execução por meio dc
perspectivas. Nas páginas anteriores tratámos, ainda que de forma resumida, do embargos, expediente que «enfraquecia extraordinariamente a eficácia do poder»,
poder central e, mais precisamente, do poder real no tempo de D. João V, com o que pois os seus actos eram constantemente paralisados (-*').
não se esgota a problemática do absolutismo nesta época. Em relação com esta temática, uma última questão é inevitável, a do papel das
Importa lembrar, antes de mais, que absolutismo não significava necessariamente ( ortes, de tal modo que,«normalmente, falar dos limites do poder real no Antigo
despotismo ou arbitrariedade, como defendiam desde há muito os teorizadores da Regime tem sido falar das relações entre o poder real e as cortes» (-'^). Conforme
política. Para a definição e enquadramento do poder real contribuíram duas noções lambem já foi observado, a historiografia destas assembleias está marcada por
que passaram do período medieval à época modema: a de vicariato divino e a de debates ideológicos, desde a Restauração, o pombalismo, as tentativas de reforma
cargo ou ofício. Mas se o monarca era vigário de Deus e desempenhava uma função da monarquia tradicional e as polémicas entre absolutistas e liberais, prolongadas
cujo fim consistia em realizar a justiça e promover o bem comum, daí resultavam até ao nosso século. Por influência de tais discussões, o problema assumiu,
forçosamente limitações. naturalmente, esta forma: tiveram as Cortes uma função propriamente deliberativa
Entendia-se que o poder do principe estava limitado pela moral e pelo direito ou apenas consultiva? As opiniões dividiram-se, mas houve historiadores para
divino, assim como pelo direito natural e das gentes. Limitava-o também a ijuem as Cortes desempenharam as duas funções, embora em tempos e matérias
constituição tradicional da sociedade, expressa numa ordem natural que, no diversas (-'")•
entanto, se concretizava na ordem j urídica positiva, desde as simples leis, privilégios, Para além dos limites morais e jurídicos já referidos, a mais recente historiografia
foros, usos e costumes, até às chamadas leis fundamentais, só assim expressamente lem vindo a pôr em causa, relativamente aos séculos X V I e X V I I , os conceitos de
designadas no século X V I I , mas cujas raízes históricas vinham de muito longe. absolutismo e de centralização, quando entendidos num sentido muito rigoroso.
Entretanto, se geralmente se considerou o monarca sujeito à lei natural, o
problema das suas relações com a lei positiva não deixou de ser bastante debatido
ao longo do tempo, acabando por prevalecer a doutrina de que o Rei devia
obediência às suas próprias normas e às dos antecessores. Como este dever operava (-') A n t ó n i o M . Hespanha, História das Instituições. Épocas medieval e moderna, Coimbra, 1982,
vi directiva e não vi coactiva, só podia ser objecto de sanções espirituais. De resto, p. 328.
o soberano não ficava impedido de revogar as leis ou dispensá-las em casos (-*) F . P. de Almeida Langhans, Fundamentos Jurídicos da Monarquia Portuguesa, pp. 29-30.56-
particulares, quando o justificasse a equidade ou o bem comum. 57, 61-81, 84. 108. 113-116; J . Borges de Macedo, Ab.solutismo, in Dicionário H.P., vol. I, pp. 9 e
I I ; Martim de Albuquerque, O Poder Politico no Renascimento Português, pp. 123-135, 235-276;
I.. Reis Torgal, Ideologia política e teoria do Estado na Restauração, vol. H, pp. 4-5, 38-43.95-97,
105-109, 124, 242-253; A n t ó n i o M . Hespanha, Hi.storia das Instituições, pp. 310-332; idem, ,4.';
vésperas do Leviathan. pp. 479-487.
(-') A . M . Hespanha, As vésperas do Leviathan, p. 472.
(-') Ofício de Chavigny para o seu governo (28-11-1747), in Visconde de Santarém, op. cit., t. V , ("') U m a boa síntese da história e estado da questão até aos anos 60 pode ver-se em A . Martins
p. 372. Cfr. ibidem, pp. C L X X X I V e n. 1, C C X V nota, C C L X X X V I nota; Descriptive List vol l l ' dc Carvalho, Cortes, in Dicionário H.P.. vol. I, pp. 711-715. Cfr. Martim dc Albuquerque, op. cit..
p. 217.
pp. 312-324; A . M . Hespanha, História das Instituições, pp. 367-370, 375-376, 382-384; idem, .-l.v
(-") .1. Borges dc Macedo, A situação económica no tempo de Pombal. 3" ed., pp. 47- 62. vé.speras do Leviathan, pp. 30-32, All-AlS.

14
 1% Luis Ferrand dc Almeida
Ultrapassando o tradicional debate sobre o papel das Cortes, procuram-se agora
novos caminhos e abrem-se novas perspectivas no estudo desta problemática,
designadamente a apreensão dos meios com que o poder real se podia concretamente
efectivar e também dos obstáculos e limites que de facto encontrava.
Daí a distinção, sugerida por J. Vicens Vives, entre o poder e o mando, — entro
o poder teórico e o mando como sua realização prática. É verdade que desde fins
da Idade Média encontramos nos documentos régios expressões como «de nossa
certa ciência e poder absoluto» e outras que os legistas tinham ido buscar ao direito
romano renascido, mas trata-se de fórmulas que não podem tomar-se à letra.
Por outro lado, assiste-se, nos séculos X V I e X V I I , ao avanço da política dc
centralização, com a legislação geral (Ordenações), a reforma dos forais no tempo
de D. Manuel, o numeramento geral da população ordenado por D. João I I I e a
criação de novos órgãos do poder central. Mas a eficácia deste nas zonas periféricas
do país era fortemente condicionada pela distância, as dificuldades das comunicações
internas e uma rede burocrática escassa e mal articulada. Contrariamente a uma
ideia corrente até há pouco, entende-se hoje que, pelo seu limitado número e
reduzidas atribuições, o papel dosjuízes de fora e dos corregedores como instrumentos
de centralização foi, até meados do século X V I I I , bem menor do que se tem
pensado.
Embora assumindo-se como absoluta, a realeza não dispunha dos meios para
que a sua actuação se fizesse sentir, de forma plena, à sociedade que pretendia
governar. As já referidas insuficiências da burocracia régia levavam-na a recorrer
à rede concelhia, delegando nas câmaras alguns dos seus poderes e para elas
transferindo parte da administração que de outro modo não podia assegurar. Era o
que ia acontecer com a cobrança de certos impostos (sisas e décimas), o recrutamento
militar e a guarda da saúde.
Com esta transferência de poderes a Coroa fortalecia os grupos sociais que
dominavam a vida dos municípios, a chamada «gente nobre da governança»,
poderosas oligarquias locais que tendiam a fechar-se pelo casamento endogâmico
e a conservar-se nos cargos por sucessão familiar. Dispondo de acentuada autonomia,
é natural que tenham sido «as câmaras bem mais sentidas pelas populações do que
o longínquo monarca absoluto, por mais absoluto que se dissesse e quisesse
ser» (^').
Contrariamente à ideia do poder concentrado num pólo único e daí dimanando
para os órgãos que o exerciam na periferia, pode dizer-se que, antes do Despotismo
(") J . Romero M a g a l h ã e s (em colab. com M . Helena C . Coelho), O poder concelhio: das origens
as cortes constituintes, Coimbra, 1986, p. 32.
O Absolutismo de D . João V 197
I hiniinado e da Revolução, «o poder político aparecia disperso por uma constelação
^c pólos relativamente autónomos», cuja unidade era mantida, de forma mais
.imbólica do que efectiva, pela Coroa ('-).
Sc um desses pólos estava nos municípios, outro encontrava-se nos senhorios.
I cm-se geralmente considerado que houve um declínio do senhorialismo a partir
lie Uns do século X V , graças à actuação anti-nobiliárquica de D. João I I , mas esta
> ;iracterização foi recentemente contestada ou problematizada, tendo em conta a
política de doações nos séculos X V I e XVII e de pouco rigor nas confirmações e
I c versões à Coroa.
E certo que a doutrina desta época confere ao Rei um papel eminente no sistema
do poder, mas esta hegemonia ideológica não impediu a manutenção, e muitas
vezes até o reforço, dos privilégios jurisdicionais da nobreza.
I Pluralidade de poderes, portanto. Poder municipal, poder senhorial, inas também
poder eclesiástico. Já se escreveu que «a importância da Igreja como pólo político
autónomo é enorme na época modema» (^'). Dos poderes então existentes o da
igreja era realmente o único a exercer-se com grande eficácia desde os níveis
periféricos internos até ao plano internacional. Essa importância resultava de vários
factores, que iam da autonomia jurisdicional a todo um conjunto de imunidades,
isenções e privilégios, traduzidos, afinal, em força política. A Coroa reconhecia
esta autonomia e apoiava a Igreja no desempenho das suas funções, mas preocupava-
-se com tão privilegiada situação e procurava minorá-la (^'*).
Assim, para alguma historiografia de hoje o absolutismo dos séculos X V I e
XVU foi, na prática, bem menos absoluto do que se apresentava em teoria, dados
os condicionamentos do centro pela periferia, as limitações do poder real pelos
poderes concelhio, senhorial e eclesiástico. Daí que alguns autores prefiram falar
de monarquia preeminencial e de poder régio preeminente. Com a função dominante
de garantir a justiça e a paz, o papel do Rei não era o de transformar a sociedade,
mas sim «o de conservar, constituíndo-se apenas como árbitro dos conflitos sociais
c garante dos equilíbrios estabelecidos» Q^).
('-) A . M . Hespanha,/4.Ç véspcra.v í/o Z,ev/a//!í7/j, pp. 296-297.
(^') A . M . Hespanha. A Igreja, in História de Portugal, dirig. por José Mattoso, vol. I V , I ishoa,
1993, p. 287.
(") Ibidem, pp. 287-290. A Igreja era «detentora da rede social de poder que melhor apanhavii
todo o território» (J. Roincro M a g a l h ã e s , O pano de fundo, in História de Portugal, dirig. ynn Jusc
Mattoso. vol. I I I , Lisboa, 1993, p. 576).
(") A . M . WespanW, As vésperas do Leviathan, pp. 488-489. Sobre os assuntos rcsiiini(l;inuiili-
tratados no texto ver: Martim de Albuquerque, op. cit., pp. 277-289, 373-380; A. M, IK'spiiiiliii.
História das Instituições, pp. 255-281; idem, vé.speras do Leviathan, pp. 324-343. 35.^ •MH. I / I

Luis l-cnaiulde Almeida
Chegados a este ponto é altura de perguntar se o reinado de D. João V significa
continuidade ou ruptura relativamente às formas politicas dos séculos X V I e X V I I .
Conforme já tivemos oportunidade de ver ao longo destas páginas, há indícios dc
uma crescente afirmação do poder real, considerado como absoluto, de tal modo
que várias fontes da época chegam mesmo a falar de «despotismo». Mas até que
ponto a prática terá correspondido à teoria?
Escreveu-se recentemente que «a prática política joanina continua a observar,
fundamentalmente, o modelo tradicional do exercício do Poder» Q^). E provável
que assim tenha acontecido, mas só investigações aprofiindadas o poderão confirmar.
A primeira metade do século X V I I I , se não estamos em erro, é o período mais
desfavorecido quanto a estudos sobre esta matéria, elaborados numa perspectiva
actualizada.
Notemos, por outro lado, que parece conveniente ter em conta, mais uma vez,
as diferenças entre o centro e a periferia. E de crer que o poder real não se exercesse
com a mesma eficácia na capital e nas regiões mais afastadas do país. Estamos mal
informados quanto ao poder efectivo dos municípios nesta época, quanto ao seu
grau de autonomia ou de dependência relativamente ao governo central ("). E
apesar de alguns trabalhos recentes, é ainda bastante incompleto o nosso
conhecimento do regime senhorial na primeira metade do século X V I I I e do lugar
que realmente lhe coube na distribuição e no exercício de poderes Q'^).
-472,487-528; J . Romero Magalhães, O poder concelhio, pp. 29-56; idem. As Estruturas Sociais de
Enquadramento na Economia Portuguesa de Antigo Regime: os concelhos, Lisboa, 1994, pp. 31-39;
A n t ó n i o dc Oliveira, Poder e oposição politica em Portugal no período filipino (1580-1640). Lisboa,
1991, pp. 9-45; idem. Poder e sociedade nos séculos XVI e XVII, in Hí.itóría de Portugal, dirig. por
J oã o Medina, vol. V I I , Sabadell, s. d. (1994?), pp. 11-47; História de Portugal, dirig. por J o s é Mat-
toso. vol. 111, pp. 61-62. 165-181, 494-499, vol. I V , pp. 9-14, 121-137, 303-362. 381-392, 461-470.
("') A . M . Hespanha, Introdução, in Hi.storia de Portugal, dirig. por J . Mattoso, vol. I V , p. 11.
O mesmo autor observa que « o s três s é c u l o s do Antigo Regime não são h o m o g é n e o s , do ponto dc vista
da auto-representação e organização do Poder» e entende que, pelos meados do s é c u l o X V I l l , se
verifica « u m a grande cesura com o triunfo de uma v i s ã o da sociedade e do Poder, que j á tem muito
mais a ver com o que virá depois do que com os paradigmas p o l í t i c o s anteriores» (Ihid., p. 14). Cfr.
Nuno G o n ç a l o Monteiro, Os concelhos e as comunidades, no mesmo volume, pp. 315-316. ^
(-") Os trabalhos de síntese de Luis Vidigal, O Municipalismo em Portugal no século XVIII,
Lisboa, 1989, e Nuno G o n ç a l o Monteiro, Os concelhos e as comunidades, cit., não tratam expressamente
do reinado de D. João V . Na perspectiva que nos interessa, há alguns elementos em J . Romero
M a g a l h ã e s , O/l/ga/-ve económico. 1600-1773, Lisboa, 1988, pp. 323-343.
('*) Sobre um dos mais importantes .senhorios e c l e s i á s t i c o s portugueses na é p o c a modema ver a
tese de doutoramento (policop.) de Maria Margarida Sobral Neto, Regime .senhorial, .sociedade e vida
agrária. O Mosteiro de Santa Cruz e a região de Coimbra (1700-1834). 2 vols., Coimbra, 1991. Num
plano geral: Nuno G o n ç a l o Monteiro, Poder .senhorial, e.stado nobiliárquico e aristocracia, in
História de Portugal, dirig. por J . Mattoso, vol. I V , pp. 333-379.
O Absolutismo dc D. .loão V
lemos mais informações a respeito da Igreja e das suas relações com a Coroa.
Vimos que o «zelo do culto divino» e o reconhecimento do importante papel
irligioso e social da Igreja não impediram e antes terão inclinado D. João V a
11 forçar a política regalista. A coexistência entre poder eclesiástico e poder real não
loi fácil, ao longo do reinado, traduzindo-se com mais ou menos frequência, em
situações de tensão e até de conflito, tanto a nível interno como externo. Quando
i|uiseram impor a sua vontade, o Rei e os seus conselheiros não hesitaram em
i n v o c a r a soberania concedida por Deus e o absolutismo régio, «sem dependência
dc outrem» Q'^).
Estas dificuldades da Coroa com o poder eclesiástico levam-nos à consideração
de uma problemática de mais vasto âmbito: a da contestação e oposição durante a
monarquia tradicional e, particularmente, no período joanino. Elas apareciam,
antes de mais, a nível de poder central, na corte e nos círculos da nobreza, dando
origem, por vezes, a «partidos», isto é, facções não organizadas oficialmente, mas
unidas em defesa de determinados interesses sociais e políticos.
Os modos de actuação eram diversos e podiam ir desde o simples «grupo de
pressão», como hoje diríamos, às formas extremas da conspiração e do golpe de
Estado. Não faltaram acontecimentos desta natureza ao longo do século X V I I ,
sobretudo na liltima década do período filipino, durante a Restauração,
designadamente na sua difícil e agitada fase final, e ainda na regência de D. Pedro,
enquanto a morte de D. Afonso V I (1683) não pôs termo a todas as veleidades do
«partido» afonsistaC*").
Já tivemos ocasião de ver que, no reinado de D. João V, algo se modificou, em
matéria de poder central, embora, muito provavelmente, ainda numa Hnha de
continuidade em relação aos tempos anteriores. A capacidade de intervenção e
decisão do monarca, no plano mais elevado da governação do país, parece
apresentar-se agora com força suficiente para não permitir a formação de «partidos»,
Q'') V e r o que atrás escrevemos sobre a questão com o Patriarca de Lisboa (1730). Quando do caso
Bichi, que levou D . J o ã o V a cortar relações com Roma e a dar ordem ao niincio Firrao para sair de
Portugal (1728), este recusou-se a f a z ê - l o sem licença do Papa. A recusa foi considerada « m u i t o lesiva
ao poder r é g i o » e uma c o m i s s ã o de letrados entendeu «que S. M . não devia admitir as causas que dá
[o núncio'] para n ã o dar cumprimento à sua soberana resolução e menos a de necessitar de licença do
papa para poder sair deste reino, de que S. M . é senhor absoluto, sem dependência de outrem, e pode
expulsar do seu reino todos os prelados eclesiásticos que lhe bem parecer, não jurisdicionalmente, mas
usando do poder político e e c o n ó m i c o » (Cit. por E . Brazão, D. João Vea Santa Sé, pp. 351-352).
C") A o informar o seu soberano da morte de D . Afonso V I , por ofício de 13-9-1683, o enviado
espanhol D . Francisco Davalos acrescentava: «... C o n que sera este Principe (ya R e y ) mas absoluto
de lo que le permitian las contemplaziones que tenia a los parciales de su hermano» ( A . G . S . : Estado,
leg. 7060, n . M 7 ) .

I.iií.s Icnaiul dc AlmciiUi
Chegados a este ponto é altura de perguntar se o reinado de D. João V signirnii
continuidade ou ruptura relativamente às formas políticas dos séculos X V I e XVII,
Conforme já tivemos oportunidade de ver ao longo destas páginas, há indícios de
uma crescente afirmação do poder real, considerado como absoluto, de tal modo
que várias fontes da época chegam mesmo a falar de «despotismo». Mas até que
ponto a prática terá correspondido à teoria?
Escreveu-se recentemente que «a prática política joanina continua a observar,
fundamentalmente, o modelo tradicional do exercício do Poder» E provável
que assim tenha acontecido, mas só investigações aprofundadas o poderão confirmar,
A primeira metade do século X V I I I , se não estamos em erro, é o período mais
desfavorecido quanto a estudos sobre esta matéria, elaborados numa perspectiva
actualizada.
Notemos, por outro lado, que parece conveniente ter em conta, mais uma vez,
as diferenças entre o centro e a periferia. E de crer que o poder real não se exercesse
com a mesma eficácia na capital e nas regiões mais afastadas do país. Estamos mal
informados quanto ao poder efectivo dos municípios nesta época, quanto ao seu
grau de autonomia ou de dependência relativamente ao governo central (^'). E
apesar de alguns trabalhos recentes, é ainda bastante incompleto o nosso
conhecimento do regime senhorial na primeira metade do século X V I I I e do lugar
que realmente lhe coube na distribuição e no exercício de poderes Q^).
-472,487-528; J . Romero Magalhães, O poder concelhio, pp. 29-56; idem. As Estruturas Sociais de
Enquadramento na Economia Portuguesa de Antigo Regime: os concelhos. Lisboa, 1994, pp. 31 -39;
A n t ó n i o de Oliveira, Poder e oposição politica em Portugal no período filipino (l 5H0-1640). Lisboa,
1991, pp. 9-45; idem, Poder e sociedade nos séculos XVI e XVII. in História de Portugal, dirig. por
.loão Medina, vol. V I I , Sabadell, s. d. (1994?), pp. 11-47; História de Portugal, dirig. por José Mat-
toso, vol. 111, pp. 61-62, 165-181, 494-499, vol. I V . pp. 9-14, 121-137, 303-362, 381-392, 461-470.
("') A . M . He.spanha, Introdução, in Hi.storia de Portugal, dirig. por J. Mattoso, vol. I V , p. 11.
O mesmo autor observa que « o s três s é c u l o s do Antigo Regime não são h o m o g é n e o s , do ponto de vista
da auto-representação e o r g a n i z a ç ã o do Poder» e entende que, pelos meados do s é c u l o X V I I I , se
verifica « u m a grande cesura com o triunfo de uma v i s ã o da sociedade e do Poder, que j á tem muito
mais a ver com o que virá depois do que com os paradigmas p o l í t i c o s anteriores» (Ibid.. p. 14). C f r .
Nuno G o n ç a l o Monteiro, Os concelhos e as comunidades, no mesmo volume, pp. 315-316.
(") O s trabalhos de sintese de Luís Vidigal, O Municipalismo em Portugal no .século
Lisboa, 1989, e Nuno G o n ç a l o Monteiro, Os concelhos e as comunidades, cit., não tratam expressamente
do reinado de D . João V . Na perspectiva que nos interessa, há alguns elementos em J . Romero
M!ig3.\\\àes. O Algarve económico. 1600-1773, Lisboa, 1988, pp. 323-343.
(") Sobre um dos mais importantes senhorios eclesiásticos portugueses na é p o c a modema ver a
tese de doutoramento (policop.) de Maria Margarida Sobral Neto, Regime senhorial, sociedade e vida
agrária. O Mosteiro de Santa Cruz e a região de Coimbra (1700-1834), 2 vols., Coimbra, 1991. N u m
plano geral: Nuno G o n ç a l o Monteiro, Poder .senhorial, e.stado nobiliárquico e aristocracia,
Hi.storia de Portugal, dirig. por J . Mattoso, vol. I V , pp. 333-379.
O Ah.solulisitu) dc I). doiío V
1')')
lemos mais informações a respeito da Igreja e das suas relações com a Coroa.
V i m o s que o «zelo do culto divino» e o reconhecimento do importante papel
icligioso e social da Igreja não impediram e antes terão inclinado D. João V a
111 ()rçar a política regalista. A coexistência entre poder eclesiástico e poder real não
loi iácil, ao longo do reinado, traduzindo-se com mais ou menos frequência, em
SIInações de tensão e até de conflito, tanto a nível interno como externo. Quando
i|iiiseram impor a sua vontade, o Rei e os seus conselheiros não hesitaram em
invocar a soberania concedida por Deus e o absolutismo régio, «sem dependência
lie outrem» (^'').
Estas dificuldades da Coroa com o poder eclesiástico levam-nos à consideração
(le uma problemática de mais vasto âmbito: a da contestação e oposição durante a
monarquia tradicional e, particularmente, no período joanino. Elas apareciam,
antes de mais, a nível de poder central, na corte e nos círculos da nobreza, dando
origem, por vezes, a «partidos», isto é, facções não organizadas oficialmente, mas
unidas em defesa de determinados interesses sociais e políticos.
Os modos de actuação eram diversos e podiam ir desde o simples «grupo de
pressão», como hoje diríamos, às formas extremas da conspiração e do golpe de
Estado. Não faltaram acontecimentos desta natureza ao longo do século X V I I ,
sobretudo na liltima década do período filipino, durante a Restauração,
designadamente na sua difícil e agitada fase final, e ainda na regência de D. Pedro,
enquanto a morte de D. Afonso V I (1683) não pôs termo a todas as veleidades do
«partido» afonsistaC*").
Já dvemos ocasião de ver que, no reinado de D. João V, algo se modificou, em
matéria de poder central, embora, muito provavelmente, ainda numa linha de
continuidade em relação aos tempos anteriores. A capacidade de intervenção e
decisão do monarca, no plano mais elevado da governação do país, parece
apresentar-se agora com força suficiente para não permitir a formação de «partidos»,
C ) V e r o que atrás escrevemos sobre a questão com o Patriarca de Lisboa (1730). Quando do caso
B i c h i , que levou D . João V a cortar relações com Roma e a dar ordem ao n ú n c i o Firrao para sair dc
Portugal (1728), este recusou-se a fazê-lo sem licença do Papa. A recusa foi considerada « m u i t o lesiva
I
ao poder r é g i o » e uma c o m i s s ã o de letrados entendeu «que S. M . n ã o devia admitir as causas que dá
XVIII,
[o núncio] para n ã o dar cumprimento à sua soberana resolução e menos a de necessitar de licença do
papa para poder sair deste reino, de que S. M . é senhor absoluto, sem d e p e n d ê n c i a de outrem, e pode
expulsar do seu reino todos os prelados eclesiásticos que lhe bem parecer, não jurisdicionalmente, mas
usando do poder politico e e c o n ó m i c o » (Cit. por E . Brazão, D. João Vea Santa Sé, pp. 351-352).
C") A o informar o seu soberano da morte de D . Afonso V I , por o f í c i o de 13-9-1683, o enviado
espanhol D . Francisco Davalos acrescentava: «... C o n que sera este Principe (ya R e y ) mas absoluto
in de lo que le permitian las contemplaziones que tenia a los parciales de su h e r m a n o » ( A . G . S . : E.stado.
leg. 7060, n.e47).
 (; Ahsolutismo dc D. .loão V
2(){) Luis Ferrand dc Almeida

Não podemos esquecer, por fim, as fornias de contestação propriamente

O que só vem a suceder nos últimos anos do reinado, quando a doença do Rei o
populares, desde greves a motins urbanos e rurais, com motivações não políticas,
facilitou O -
MO sentido rigoroso do termo, mas sim económico-sociais: crises de subsistências,
Isto não significa, de modo nenhum, ausência total de divergências e de críticas.
i|iicstões de trabalho e pressão senhorial ("'•').
Conforme já foi notado, a sociedade do Antigo Regime, sob uma fachada de
serenidade e harmonia, encobria uma conflitualidade mais ou menos endémica e A terminar, renunciamos a tirar conclusões desta exposição, com excepção de
profunda Na época joanina, ela constituiu «como que um contraponto aos uma: a de que todos estes temas, e em especial os poderes periféricos e as atitudes
progressos do absolutismo» C*'). ou movimentos de oposição, estão a exigir mais vastas e profundas investigações.
O descontentamento e a contestação manifestaram-se a vários níveis e assumiram ( om esta condensada e provisória síntese apenas procurámos reunir alguns dados
formas diversificadas. Existiram, como vimos, nos meios eclesiásticos, sobretudo documentais e sugerir caminhos de estudo para um melhor conhecimento e
por motivos fiscais. Com a nobreza não faltaram, na corte, os incidentes e até os compreensão histórica do absolutismo de D. João V. ,,
conflitos, por questões de precedências e etiquetas, designadamente quando eram
postas em causa as hierarquias estabelecidas C").
Para além desta oposição aberta e por vezes frontal (ainda que, geralmente, em
termos respeitosos), mantinha-se vivo o velho processo das sátiras e pasquins
anónimos, que corriam manuscritos ou apareciam afixados em locais bem visíveis.
Nesses papéis, de linguagem trocista ou violenta, ninguém era poupado, desde o
Rei e a família real a outras personagens importantes, órgãos da governação e certos
grupos sociais ou profissionais.
Tal é o caso da Sátira ao Governo de Portugal (1713), manifestamente
provocada pelo ambiente de mal-estar resultante da guerra da sucessão de Espanha
e da crise de subsistências (1707-1711) que se lhe juntou C"^). Outros exemplos são
as críticas, em prosa e verso, às condições em que foi construído o real edifício dc
Mafra e os panfletos contra Fr. Gaspar da Encarnação, primeiro como reformador
de Santa Cruz de Coimbra e mais tarde como governante do país C"*).

("') J . Cortesão, op. cit.. Parte 1, t. I I , Rio de Janeiro, 1956, p. 434 e Parte II, t. I I , Rio de Janeiro,
1950, pp.218-219.
C") A . M . Hespanha, A resistência aos poderes, in Hi.storia de Portugal, dirig. por J. Mattoso, vol
I V , p.451.
("') A n t ó n i o Filipe Pimentel, Arquitectura e Poder. O Real Edifício de Mafra, Coimbra, 199,',
pp. 49-50.
('''') Muitos e p i s ó d i o s deste género se encontram relatados nas fontes do tempo, das quam
destacaremos apenas as Memórias Históricas, já citadas, do 1- conde de Povolide. Cfr. A n t ó n i o I
Pimentel, op. cit., pp. 53-58.
L . Ferrand de Almeida, Tomás Pinto Brandão e a «Sátira ao Governo de Portugal», Coimbra, 19K2,
C") António F . Pimentel, op. cit., pp. 386-399, does. X - X I I . Num destes papéis de crítica à obra do
Mafra e às levas forçadas de trabalhadores diz-se que « o Principe, ainda que soberano, não tem domiiiio
na liberdade de seus vassallos para os constranger involuntários nas couzas que privativamctilc
pertensem ao gosto do mesmo Principe, e, quando obra absoluto, fica transgressor da L e y natural como , L . Ferrand de Almeida, Motins populares no tempo de D. João V, .nRHL vol. 6, Coimbra.
qualquer particular» (Ihid.. p. 395). Sobre as sátiras contra Fr. Gaspar da Encarnação: A n t ó n i o Pereint 1984. pp. 321-343 (reeditado no presente volume).
da Silva, A questão do Sigilismo em Portugal no século XVIII, Braga, 1964, pp. 152-160 e notas.
 202
Luis /•'ciraiui de Almeida
DOCUMENTOS *
Parecer de autor anónimo sobre o poder real e as Cortes em Portugal (')
Entre 1706-1713
[Portugal e a guerra da Sucessão de Espanha]... Em Portugal fueron estas rezoluciones
tan secretas que mas parecio entonces negocio particular que matheria publica, error
verdaderamente politico no comunicarse lo que hade tocar a todos con los Consejos,
con los tribunales y con los hombres dei Reyno. [fl. 17].
Algunos políticos assi lo affirman. Dixe aun que vuestro Rey en sus aciertos segurava
las mayores rezoluciones y puede ser que en sus ministros la sadsfacion de las mayores
einprezas. Contodo, las matherias publicas que tocan a todos les deben ser comunicadas
para el arbítrio, aunque no para la rezolucion. Pide la razon que si los affectos (sic) tienen
de obligar a todos, o por el danno, o por el trabajo, y contribuicion, no deven tener el pezar
de no saber la matheria que tanto les hade tocar, que haze mas terribles los dolores la
ignorância de las cauzas y nunca dexo de ser impaciente el trabaxo, ignorado el desígnio.
Aunque el arbítrio dei Princepe es soberano para rezolver, no es independente dei
comunicar. No aplica el medico los remédios al enfermo sin que se einforme de Ia dolência
y quanto mas tiene de peligroza tanto mas deve tener de circunspecto el que la cura. Mortales
pueden ser las enfermedades de las Monarquias si no fuere informado de sus sintomas el que
tiene a [fl. 17 v.j su cargo la publica salud de sus estados.
Hay diferencia grande entre el despacho ordinário y las matereas publicas. En estas el
cuerpo politico de la republica es el que padece, el que sufre, el que Ueva el mayor trabaxo
y que corre el mayor peiigro, y no es justo que haviendo de Ilevar todo el pezo de la
contribucion y de la guerra no se le participe la cauza.
Rezolva el Princepe las matérias, pero sepan todos lo que en ella se descursa, porque
talves se enquentra una advertência de quien no era capas de un consejo.
El Princepe deve aconsejarse o yr a todos y rezolver con los mejores, por no quedar en
sus vassallos la pena de no saber lo que pueden sentir. En la republica, quando se tratan los
Normas de transcrição: Desdobrámos as abreviaturas e conservámos a ortografia (mas as letras
u. V, i, e j são utilizadas com o valor actual). Regularizámos o uso das maiúsculas.
(') O autor, embora escreva em castelhano, é, com toda a evidência, um português que usa a ficção
de se fazer passar por um estrangeiro chegado a Portugal devido a naufrágio no litoral deste pais. A
obra foi redigida durante a guerra da Sucessão de Espanha, pois este assunto é tratado longamente e
alude-se a «la liga que de prezente perturba toda Europa» (fl. 17). Por outro lado, a referência ao Rei
de Portugal como sendo «nino en la edad» (fl. 37) mostra que se estava nos princípios do reinado
de D. João V.
O Absolutismo de I). .João V
203
iiijíocios mayores, se deven consultar los tres estados dei Reyno, que son companneros con
sus Princepes en las rezoluciones, pues el Ecleziastico es la cabeça para los consejos, la
iiohlcza es el coraçon para los esfuerços y la plebe los pies para los trabajos, y asi como el
I iicrpo humano no puede tener existência sin estas principales par - [fl. 18] tes, asi el cuerpo
místico no se pueden (sic) sustentar sin aquelles estados. Yfinalmentees cierto que lo que
loca a todos deve tener la aprobacion.
Pero calle esta errada politica, y esta quazi sogecion de las regalias, pues el Princepe
soberano, que no reconoce superior, tiene el goviemo politico para rezolver, sin que quede
a los vassallos mas que el observar.
Poner en el arbítrio de muchos las matérias es buscar en la variedad de opiniones solo
I I embaraço y la confuzion. Los consultores hande ser solamente los experimentados. Pues
Iniscar las togas para la guerra e los soldados para la justicia es errar el camino de los
asciertos.
El Pueblo y los dos estados mas dei Reyno no nascieron para árbitros, mas para
obidientes, pues el Popular es estranno de las matérias de Estado, el Ecleziastico se busca
solo para el espirito y la Nobleza para los exercícios de su valor y efectos de su valentia.
Las matherias de Estado se de - [fl. 18 v.] ven rezolver por los avizos y por las noticias
que se cojen de los reynos estrangeros, que solo los Princepes alcançan. Y no puede sin ellas
dcxar de caerse en la inadvertência y en la sin razon. Solo el Princepe, con la ciência
cxprimental, deve rezolver conforme el estado que le es prezente por los avizos, por las
occurrencias y por las occaziones. Y como es el mas intereçado en la conservacion, es el voto
mas seguro y mas importante, conveniendo a su suprema regalia la izencion, la libertad en
el mando y lo absoluto en su império. [...].
(Cópia?)
(Dias de palácio, desengano de pertendientes, y documentos para los tribunales y
govierno (...) - B.G.U.C.: Ms. 49, fls. 17-19)
• j
Voto de D . José de Meneses,conde de Viana,
sobre tributos e Cortes
Lisboa, 16-Janeiro-1713
[...]. Pareceme que achando S. Magestade que ainda lhe hê necessário continuar o tributo
do uzual (o que eu muito duvido que S. Magestade deva fazer, concluindo huma pax, sem
convocar Cortes, assim pello que toca ao Ecclesiastico como ao Secular) deve S. Magestade
haver o consentimento daquelle para o mandar///. 78 v] a Roma. Lisboa, em 16 de janeiro
de77/i.
(Votado Conde Estribeiro-Mor - B.N.L.: Gol. Pombalina, Ms. 230, fls. 78 v.-79).