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A visita de um afro-americano ao “reino das fadas” chamado Brasil.

Petrônio Domingues
Doutor em História/USP
Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)

Essa esfinge do nosso futuro –


o problema ‘do negro’ no Brasil. 1

Resumo
Em 1923, o jornalista e empresário afro-americano Robert S. Abbott visitou o
Brasil. De volta aos Estados Unidos, publicou uma série de artigos no jornal Chicago
Defender, comparando a situação racial daqui com a de lá. Informava que, no Brasil, os
negros não enfrentavam nenhum problema que dificultasse ou impedisse seu pleno
desenvolvimento econômico, social, político, cultural, em suma, eles viviam numa
espécie de paraíso racial. A principal questão que vai ser investigada neste artigo é: por
que Abbott retratou um quadro mítico das relações raciais no maior país da América do
Sul?
Palavras-chave: negro; relações raciais; democracia racial.

Robert S. Abbott (1868-1940) nasceu de pais ex-escravos na Geórgia e estudou


no Instituto Hampton (Virgínia), onde aprendeu o ofício de tipógrafo, e na faculdade de
Direito em Kent, Chicago. Depois de exercer a advocacia por um certo tempo em
Topeka (Kansas), Gary, Indiana e Chicago, fundou o jornal Chicago Defender, em
1905. Em uma década, passou de um jornal de quatro páginas para um dos principais
jornais afro-americanos, o que possibilitou condições financeiras para Robert Abbott
empreender uma viagem de três meses pela América do Sul em 1923. Na volta,
escreveu uma série de artigos para o Chicago Defender. No primeiro deles, publicado
em 4 de agosto daquele ano, Abbott relatava que viajar por aquela região do Novo
Mundo foi a realização de um “sonho dourado longamente desejado”. As razões da
viagem se remetiam, em primeiro lugar, à vontade de observar o progresso social do
negro quando “projetado na esfera de uma tradição e de uma cultura latino-européia” e,
em segundo lugar, procurar entender de que maneira aquela região poderia servir de
celeiro de oportunidades socais, comerciais e industriais, para um grupo de negros
norte-americanos evoluídos, que em “breve começarão a olhar o continente sul

1
RODRIGUES, Nina. 4. ed. Os africanos no Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1976, p. 1.

Texto integrante dos Anais do XVIII Encontro Regional de História – O historiador e


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americano como o mais provável porto para uma solução de seus problemas
individuais”. 2
Porém, logo no início da preparação da viagem Abbott e sua esposa enfrentaram
alguns problemas. O principal deles foi a recusa do cônsul brasileiro em Chicago de
conceder visto de entrada, pelo “simples” fato dos visitantes serem negros. Diante do
impasse, ele e sua esposa solicitaram a intervenção do senador Medill McCormik, que
negociou junto à embaixada brasileira. Depois de muita pressão, foi liberado o visto de
entrada no Brasil. Sem conseguir digerir muito bem o que acontecera, o jornalista afro-
americano se indagou: “Isto parece, tem sido a experiência que todo negro norte-
americano enfrenta ao tentar entrar no Brasil. Mas porque isto?”. Ele preferia acreditar
que a conduta do cônsul brasileiro em Chicago era “inteiramente contrária à
Constituição brasileira e vergonhosamente trata-se de uma variante do temperamento do
povo brasileiro”. 3
Em 11 de agosto, Abbott informava como foi a chegada ao Rio de Janeiro. Após
ficar encantado com as belezas naturais da “cidade maravilhosa”, descrevia como foi
sua primeira experiência de discriminação racial em terra brasilis. Ele e sua esposa
foram impedidos de se hospedar no hotel Glória, sob a alegação de que “não havia
vagas”. Abbott então teria exclamado: “até no reino das fadas, o Brasil, [...] uma coisa
nojenta dessas está presente”. 4 Apesar deste incidente inicial, o jornalista afro-
americano não ocultou sua admiração em saber que os negros - “negros no sentido
literal da palavra”, como qualificou - galgavam a posições tão eminentes no Brasil,
utilizando-se somente suas habilidades e competências nos momentos oportunos. A
partir daí ele fez, pela primeira vez, a seguinte ilação: “Não há nenhum tipo de
problema racial no Brasil”. 5 Afinal, não haveria nenhuma barreira que impedia o livre
progresso do negro na sociedade.
Em 1 de setembro, o jornalista afro-americano voltava a expressar sua fé de que,
no Brasil, não havia nenhum obstáculo que dificultasse ou impedisse o pleno
desenvolvimento do negro. Ali, escreveu, “o homem ou a mulher que pode fazer alguma
coisa, não sofrem a menor desvantagem por causa da raça. Os negócios e as profissões
são disponíveis a todos sem preconceito de raça ou cor, e o emprego e a clientela são

2
“Motivos pessoais”. Parte 1. Chicago Defender. Chicago (4 de agosto de 1923). Tradução livre.
3
Idem.
4
“Motivos pessoais”. Parte 2. Chicago Defender. Chicago (11 de agosto de 1923). Tradução livre
5
Idem.

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assegurados por méritos próprios”. Também postulava que “a presença do negro se dá
em qualquer lugar” no Brasil e que “este goza de facilidades até então inconcebíveis
numa democracia atual”. 6 Em virtude desse quadro idílico, ele conclamava os afro-
americanos a se estabelecerem e investirem no maior país da América do Sul.
Em 8 de setembro, Abbott comparava o sistema racial brasileiro com o dos
Estados Unidos, afirmando que neste país o negro “não tem tido, de forma alguma, uma
chance justa para mostrar sua importância junto ao progresso social”, ficando exposto
aos “linchamentos, discriminação, privação de direitos de cidadão, e mau tratamento de
suas mulheres”. Nesse contexto, indagava, “como pode um povo progredir quando sofre
abusos sociais, não só em relação a um plano de independência financeira, mas em
relação ao ápice da coragem, da moralidade e da inteligência como ideais de qualidade
no homem”? Já o Brasil era retratado como o país das oportunidades para o negro. Este
teria mais importância na vida política e intelectual daqui do que na dos Estados
Unidos, onde as oportunidades abertas para o negro seriam comparativamente poucas.
No Brasil, indicava o jornalista afro-americano, “é bem diferente”. Muitos dos mais
altos oficiais do exército e da marinha seriam negros. “Os negócios, as profissões e o
comércio estão abertos para qualquer pessoa. E nosso progresso depende não de
tradições no que se refere à raça ou cor, mas à pura habilidade”. 7
Em 27 de outubro de 1923, Robert Abbott publicou o último artigo no jornal
Chicago Defender para descrever como sucedeu sua viagem à “América do Sul”. O
título do artigo era sugestivo: “Brasil: a terra da oportunidade maravilhosa”. Para não
deixar pairar nenhuma dúvida de que o sistema racial brasileiro era democrático,
assinalava que, aqui, “o fato do homem ser negro, amarelo ou branco não tem nenhuma
importância social. Em verdade, é um país onde o mérito pessoal conta mais do que
tudo!...”. E como informação final, dizia para o público leitor de seu jornal: “Não há
nenhum país no qual o negro está mais bem situado do que no Brasil”. 8
Como se pode perceber, o fundador do Chicago Defender procurou demonstrar
amiúde que o negro brasileiro vivia numa espécie de paraíso racial, desfrutando dos
privilégios de um país que garantia a plena igualdade de oportunidades para todos os
cidadãos, não fazendo nenhum tipo de distinção racial. A principal questão que vai ser

6
“Rio de Janeiro”. Parte 2. Chicago Defender. Chicago (1 de setembro de 1923). Tradução livre.
7
“Rio de Janeiro”. Parte 3. Chicago Defender. Chicago (8 de setembro de 1923). Tradução livre.
8
“Brasil: a terra da oportunidade maravilhosa”. Chicago Defender. Chicago (27 de outubro de 1923).
Tradução livre.

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investigada nesse artigo é: por que Abbott construiu um quadro quixotesco do padrão
das relações raciais no Brasil? Antes de responder essa pergunta, porém, faz-se
necessária pautar uma outra questão: qual era a dinâmica do sistema racial brasileiro e
estadunidense nas primeiras décadas do século XX?

Estados Unidos: o sistema de segregação racial

Se o Brasil era um suposto paraíso racial para as pessoas de ascendência


africana, os Estados Unidos eram o inferno. Ao final da Guerra Civil, em 1863, foi
promulgada a 13a. emenda à constituição norte-americana, que libertou todos os
escravos. A partir desse instante políticos racistas do Sul do país conseguiram impor seu
ponto de vista e, com a aprovação tácita da Corte Suprema e dos liberais do Norte,
aprovaram leis de segregação racial, separando os brancos e negros nas escolas, nas
composições ferroviárias e nos bondes, nos hotéis e restaurantes, nos parques e
“playgrounds”, nas lojas, nos teatros, cinemas, parques de diversões, cemitérios e
lugares de reuniões públicas. Esse sistema de segregação racial ficou popularmente
conhecido como Jim Crow. 9 É verdade que a segregação prevalecia no Sul dos Estados
Unidos, mas também no Norte do país havia muitas leis dessa natureza sancionadas.
Arnold Rose assinala que toda etiqueta no tocante às relações entre negros e
brancos naquele período servia para “isolar os dois grupos um do outro e para colocar o
grupo negro em posição social inferior”. 10 Nas fábricas, a “linha de cor” era comum em
todo o Sul, conforme a indústria, o serviço ou o departamento. Os patrões
preocupavam-se de construir instalações especiais, com banheiros, lavatórios e
refeitórios separados. Os contatos de cordialidade entre negros e brancos nos Estados
Unidos praticamente não existiam no espaço privado e, casualmente, aconteciam no
espaço público (nas ruas, nos edifícios e meios de transporte públicos). O que prevalecia
era o clima de tensão e animosidade. Baseados na idéia da supremacia racial, os brancos
hostilizavam os negros.

9
“Jim Crow era um nome comum de escravo, e foi utilizado para intitular uma canção de Thomas Rice
(1808-60), artista do século XIX. Essa canção ridicularizava os negros, retratando-os como idiotas
engraçados, congenitamente preguiçosos, mas com uma aura de felicidade infantil. O nome foi aplicado à
legislação que contribuiu para a prática da segregação entre brancos e afro-americanos”. CASHMORE,
Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Summus, 2000, p. 284.
10
ROSE, Arnold. Negro: o dilema americano. São Paulo: Ibrasa, 1968, p. 261.

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Todas as formas de violência eram utilizadas contra os afro-americanos – como
ameaças, pancadas, surras, roubos, destruição de propriedade –, principalmente nos
estados do Sul. Entretanto, a forma de violência mais ostensiva era o linchamento.
Segundo dados do Instituto Tuskegee, 4.715 pessoas foram linchadas de 1882 a 1946,
sendo cerca de três quartas partes delas negras. 11 Durante e logo depois da Primeira
Guerra Mundial (1914-1919), houve um aumento no número de linchamentos. Com o
passar dos anos tal modalidade de violência tornou-se, cada vez mais, fenômeno de
ordem racial, muitas vezes precedido de tortura, mutilação e outros excessos permeados
de sadismo. 12

Brasil: o sistema da democracia racial

Em 1888, a lei Áurea aboliu a escravidão, o principal dispositivo institucional de


opressão dos negros no Brasil. Em 1889, foi proclamada a República, que universalizou
o direito à cidadania. Em tese, cidadãos de ascendência africana passaram a desfrutar de
igualdade de direitos e oportunidades em relação aos de ascendência européia em todas
as áreas da vida pública (educação, política, empregos, moradia). Foi nesse contexto que
o Brasil – o último país do mundo ocidental a abolir a escravidão – tornou-se o primeiro
a se proclamar uma democracia racial.
De acordo com George Reid Andrews, o conceito de democracia racial
propugna que o Brasil é uma terra livre de qualquer barreira legal ou institucional para a
igualdade racial e, em grande medida, também desprovida de qualquer manifestação de
preconceito e discriminação raciais. Por isso, aqui, “os afro-brasileiros desfrutam de
oportunidades para se aprimorar e da liberdade para competir com seus concidadãos na
luta por bens públicos e privados, em um grau desconhecido em qualquer outra
sociedade multirracial do mundo”. 13
Havia, entretanto, uma contradição entre a imagem – de democracia racial – e a
prática social, de discriminação racial. Em São Paulo, por exemplo, todos os
indicadores sociais ilustravam a desvantagem do negro em relação ao branco. Quando

11
Ibidem, p. 238.
12
O regime Jim Crow nos Estados Unidos vigorou entre 1875 e 1954, quando as escolas segregacionistas
foram declaradas inconstitucionais, um princípio estendido posteriormente aos ônibus, restaurantes,
parques, etc. Na verdade, as leis Jim Crow foram sendo gradualmente derrubadas e sua dissolução total só
ocorreu com o Ato dos Direitos Civis de 1964.
13
ANDREWS, George Reid. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru: Edusc, 1998, p. 203.

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George Andrews pesquisou a política racial de uma empresa nas primeiras décadas do
século XX, a São Paulo Light, verificou que os negros enfrentavam mais dificuldades
no momento da contratação e eram os primeiros a serem demitidos. 14 Na saúde pública
o quadro não era diferente. O índice de mortalidade infantil grassava em maior escala na
população negra. Samuel Lowrie constatou que, entre 1920 e 1928, a taxa de natalidade
era inferior na população negra do que na branca, por sua vez, a taxa de mortalidade era
inferior nesta população do que naquela. Segundo as estatísticas, “2 886 é a diferença
entre o número de mulatos e negros nascidos e falecidos na cidade de S. Paulo, no
período considerado (1920-1928). O número de óbitos ultrapassa de um quarto o total
de nascimentos desses dois elementos”. 15 A desigualdade de tratamento racial imprimia
a tônica do poder judiciário. Boris Fausto certificou-se de que a Justiça de São Paulo,
nas primeiras décadas do século XX, condenava em maior proporção os acusados
negros, ao passo que a absolvição ocorria em maior escala para os acusados brancos.16
O preconceito e a discriminação raciais atingiam praticamente todas as esferas
da vida pública de São Paulo. A linha de cor atingia alguns órgãos do Estado, como foi
o caso da Guarda Civil que não aceitava negros em seus quadros. Havia instituições
religiosas que incorriam na prática discriminatória. Por isso, determinados seminários e
ordens religiosas rejeitavam o ingresso de negros. Um desses casos era a ordem dos
franciscanos. 17 Existiam instituições de caridade, como orfanatos, que não aceitavam
crianças “de cor”. Em algumas escolas não se aceitava a matrícula de alunos negros. Em
outras, tais alunos recebiam um tratamento diferenciado em relação aos brancos. Em
praças públicas, como no Jardim da Luz, havia separação entre negros e brancos. Estes
passeavam pela parte central da praça, ao passo que aqueles passeavam pela margem.
Determinados restaurantes, bares e barbearias não atendiam negros. Estes também não
eram admitidos como sócios de clubes e eram impedidos de ingressar em hotéis e casas
de lazer, como cinemas, teatros e salões de baile. O mercado imobiliário não ficava
imune ao clima de interdições raciais: havia locadores que não alugavam quartos para
“gente negra”. O esporte, igualmente, reproduzia o cenário de preconceitos. Os grandes

14
Ibidem.
15
LOWRIE, Samuel. “O elemento negro na população de São Paulo”. Revista do Arquivo Municipal, São
Paulo, vol. 4, n. 48, 1938, p. 22-23.
16
FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo:
Brasiliense, 1984, p. 236.
17
ANDREWS, G. Negros e brancos em São Paulo, op. cit., p. 318.

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times de futebol não permitiam que jogadores negros participassem de seus elencos. 18
Esses dados constituem evidências insofismáveis de que os negros continuaram a
ocupar uma posição de subalternidade na sociedade brasileira no pós-abolição; logo, é
permitido sugerir que o discurso da democracia racial não passava de um “mito”.

O paraíso versus inferno racial

Cabe agora retomar a questão central da presente pesquisa: afinal, por que o
jornalista e empresário afro-americano Robert Abbott, mesmo tendo seus direitos civis
violados no Brasil, 19 avaliava que esse país teria ficado salvo do problema racial? A
resposta mais plausível está relacionada ao fato de ele só conseguir compreender
preconceito racial a partir da experiência norte-americana de preconceito. Na década
1920, as duas principais explicações de lá para o fenômeno do racismo não se
aplicavam ao caso brasileiro. O pressuposto básico da primeira explicação é que o
preconceito existe como uma reação emocional de um grupo racial (o branco) que se
sente ameaçado por outro (o negro) na competição por recursos em uma ordem
igualitária (democrática). Os especialistas julgavam que o preconceito, assim definido,
não existia no Brasil. Até haveria casos individuais de preconceito, mas eram casos
isolados e não um fenômeno social; ou seja, os brancos, como grupo, no Brasil, jamais
se sentiram ameaçados de perder para os negros sua posição de poder, prestígio e
riqueza na sociedade, por isso nunca desenvolveram o preconceito racial. 20
A segunda explicação - que, aliás, era a mais popularizada - sustentava que
racismo era sinônimo de segregacionismo institucionalizado, isto é, um sistema
separatista imposto pelo grupo de brancos ao grupo de negros, por intermédio de uma
série de leis proibitivas ou restritivas de direitos. Combinado ao segregacionismo,
racismo se traduziria num sistema baseado em manifestações explícitas de ódio racial.
Nos Estados Unidos, não era incomum os brancos recorrerem à violência contra a vida,
a segurança pessoal e à liberdade dos negros. Conquanto essa prática tenha origem na
escravidão, continuava a florescer nas primeiras décadas do século XX. Qualquer
pessoa branca podia agredir uma negra moral ou fisicamente e, em última instância,

18
DOMINGUES, Petrônio. Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo no
pós-abolição. São Paulo: Ed. Senac, 2004.
19
Não se pode olvidar que o consulado brasileiro impôs dificuldades para conceder visto de entrada a
Robert Abbott e que alguns hotéis não o aceitaram como hospede pelo fato de ele ser negro.
20
GUIMARÃES, A. Como trabalhar com “raça” em sociologia, op. cit., p.102.

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tirar-lhe a vida sem ter maiores temores quanto à represália da lei. Como, no Brasil, o
negro não era alvo de um regime de segregacionismo institucionalizado e de
manifestações explícitas de “preconceito de cor”, acreditava-se que o país tivesse ficado
livre do problema racial. Daí a imagem tão positiva que Abbott produziu da experiência
negra no Brasil. Mas na medida em que o jornalista afro-americano ficou eivado pelos
valores culturais de seu país de origem, não conseguiu perceber que a principal
especificidade do racismo à brasileira é ser informal, implícito, enfim, não declarado.

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