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Quando Minguar a Lua não comeces coisa alguma

Félix Rodrigues
Departamento de Ciências Agrárias
Universidade dos Açores

Nota- Este trabalho foi desenvolvido para as Comemorações do Ano Internacional da


Astronomia, 2009, promovidas pela Sociedade Portuguesa de Astronomia.

Desde os primórdios das observações astronómicas que a astrologia a acompanha,


sendo difícil, até à actualidade, separar as águas dessas duas áreas de atuação humana.
As superstições entendidas como crença irracional sobre a relação causal entre certos
fenómenos ou comportamentos ou ocorrências posteriores aparecem em muitos ditados
populares que referem aspectos astronómicos.
Para além dos aspectos práticos de alguns ditados, relacionados com as fases da Lua,
esta e as suas fases também causavam ou causam algum receio junto das comunidades
menos esclarecidas. Um desses ditados afirma que “Quando minguar a Lua, não
comeces coisa alguma”, afirmando peremptoriamente que toda a actividade humana é
regida pelo movimento periódico do satélite natural da Terra. Não há qualquer
fundamento científico, ou relação causa-efeito, que nos permita estabelecer, com o
mínimo de probabilidade aceitável, que as fases Lua ditam a produtividade humana, seja
em que sentido for.
Crenças relacionadas com o efeito da Lua na agricultura ou no ser humano, períodos de
sorte ou de azar, estão bem presentes nos provérbios populares portugueses dos quais
são exemplo:
Lua cheia, abóboras como areia,
Lua nova calada, porta trancada
Quando a lua minguar, não deves regar
Quando a Lua minguar, nada hás-de semear
Lua nova, tu bem vês, dá-me dinheiro para todo o mês
Lua Nova, muita rama e pouca abóbora
Se a mulher soubesse as virtudes da arruda, busca-la-ía de noite à lua
Vinha na Lua Nova podada, nem dá uva nem dá nada
Ao luar de Janeiro, conta-se o dinheiro

Os Babilónios, grandes conhecedores da astronomia, tinham um calendário lunar de 12


meses lunares de trinta dias, a que adicionavam meses extra de vez em quando, para
fazê-lo coincidir com as estações do ano. O calendário era fundamental para as
actividades agrícolas dessas sociedades.
A agricultura egípcia e toda a vida económica do Egipto estava dependente do Nilo e do
solo que ele irrigava e enriquecia. Saber semear, colher e prever cheias era fundamental
para a sobrevivência dessa sociedade. Os antigos egípcios, percebendo a importância de
um calendário para as actividades agrícolas, foram os primeiros a substituir o calendário
lunar pelo solar, definindo assim o ano solar. Mediam o ano solar em 365 dias,
divididos em 12 meses de 30 dias cada, com 5 dias extras no fim. Cerca de 238 AC, o
rei Ptolomeu III ordenou que um dia extra fosse adicionado de cada 4 em 4 anos, similar
ao que acontece com o ano bissexto do nosso calendário gregoriano (todavia, no
calendário gregoriano há um ano bissexto de 3000 em 3000 anos), para garantir a
ciclicidade das produções agrícolas.
O calendário gregoriano é o calendário mais utilizado no mundo e em todos os países
ocidentais, mas não na China, Israel, Irão, Índia, Bangladesh, Paquistão ou Argélia,
entre outros. Esse calendário foi promulgado pelo Papa Gregório XIII a 24 de Fevereiro
de 1582 para substituir o calendário juliano que então vigorava no ocidente.
O Papa Gregório XIII pediu a um grupo de especialistas que reformulasse o calendário
juliano e, passados cinco anos de estudos, fizeram-lhe uma proposta.
De acordo com o calendário gregoriano, o ano solar dura 365 dias solares, 5 horas, 49
minutos e 12 segundos, ou seja, é equivalente a 365,2425 dias solares.
Portugal, Espanha e Itália foram os únicos países que aceitaram de imediato a reforma
do calendário juliano. Os Estados católicos da Alemanha e da Suíça acolheram a
reforma em 1584; a Polónia, após alguma resistência, em 1586 e a Hungria em 1587. A
relutância para a adopção do calendário gregoriano foi grande, mesmo nos países
católicos. Estas reacções mostram que o calendário toca o coração das pessoas e que
convém tratar essa questão com relativa prudência.
Pode-se afirmar com relativa certeza que desde a pré-história que o Homem ficou
deslumbrado pela sucessão dos dias e das noites e pelo desenrolar das fases da Lua:
estes fenómenos conduziram às noções de dia e de mês. A noção de ano é menos
evidente e foi só com o desenvolvimento da agricultura que os povos primitivos se
aperceberam do ciclo das estações. São, portanto, o dia, o mês lunar ou lunação e o ano
os períodos astronómicos naturais utilizados em qualquer calendário. Quer-se com isto
também dizer que as crenças sob a influência da Lua nas pessoas ou na agricultura não
desapareceram com o evoluir dos tempos, tendo chegado aos nossos dias.
Muitos agricultores adaptam ainda a sua atividade agrícola ao calendário lunar, com
ênfase na poda e nas sementeiras.
Popularmente acredita-se que:
-A Lua Nova é favorável ao plantio de tubérculos, como a batata e a cenoura, sendo
também este o momento ideal para a poda de árvores, que secando depressa darão boa
lenha.
-A Lua em crescente é um período propício para o plantio de lântulas, que darão flores
mais bonitas e viçosas. E também o momento considerado adequado para cortar a
madeira destinada a construção.
-A Lua Cheia é considerado o período em que se devem semear as árvores de fruto, e o
momento em que se devem colher as plantas medicinais, por se acreditar que as suas
hastes e folhas estão cheias de seiva.
-A Lua em Minguante é considerado o período que favorece a colheita de cereais e onde
se deve praticar a poda de árvores e arbustos, pois se considerar que a quantidade de
seiva existente na planta é menor. Esta última interpretação não é compatível com o
significado do provérbio popular aqui em apreço “Quando Minguar a Lua não comeces
coisa alguma”, indiciando tratar-se mais de uma crença astrológica do que uma crença
agrária.
Nos calendários antigos, até os dias da semana estavam impregnados de crenças ou
valores “astrológicos”:
Domingo: dia do Senhor. Dedicado ao Sol. O astro-rei era tudo para o homem
primitivo: espantava as trevas, aquecia os corpos, amadurecia as colheitas. Enfim, o Sol
era Deus; daí a designação de Dia do Senhor entre os latinos.
Segunda-feira: dia da Lua (em espanhol Lunes). Depois do Sol e sempre no céu, a Lua
era a impressão mais forte recebida pelo homem. Acreditavam que influía nas marés, no
plantio, no corte das madeiras, no nascimento das crianças. Daí a atribuir-lhe um dia da
semana.
Terça-feira: dia de Marte (em espanhol Martes). Na escala dos poderes que
governavam os céus, as trevas e os seres humanos, Marte tinham uma forte influência.
Era o senhor da guerra e, portanto, dos destinos das nações e dos povos. A sua
influência era tão grande que, inclusive, no calendário romano e depois do calendário
gregoriano lhe foi destinado um mês (Março).
Quarta-feira: dia de Mercúrio (em espanhol Miércoles). Era o deus do comércio, dos
viajantes e dos ladrões. Mensageiro e arauto de Júpiter, protegia os comerciantes e os
seus negócios; dada a importância que estas criaturas tiveram em todos os tempos e em
todos os lugares, alcançaram para o seu deus a consagração de um dia da semana.
Quinta-feira: dia de Júpiter (em espanhol Jueves). Honraria conferida ao pai dos deuses
pagãos, comandante dos ventos e das tempestades. Daí a ideia de lhe atribuir um dia da
semana, talvez para aplacar a sua fúria.
Sexta-feira: dia de Vénus (em espanhol Viernes). Nascida da espuma do mar para
distribuir belezas pelo mundo, Vénus representava para os pagãos os ideais da
formosura, da harmonia e do amor. Daí a razão de merecer a homenagem de um dia da
semana.
Sábado: dia de Saturno. Saturno, deus especialmente querido dos Romanos, foi
despojado, pelo uso e pelo tempo, da homenagem consistente em dar nome a um dia da
semana. Em Roma eram celebrados grandes festejos em sua honra “as Saturnais”
realizadas em Dezembro e que se prolongavam por vários dias. Mas a homenagem a
Saturno, correspondente a um dia da semana, perdeu-se nas línguas latinas, em que se
deu preferência ao termo hebraico Shabbath, que significa repouso, indicado na velha
lei judaica como sendo o dia dedicado ao descanso e às orações. Mas a língua inglesa
permaneceu fiel ao velho Saturno, chamando ainda ao seu sábado, Saturday.
Edouard Vitrant, arquiteto francês de interiores, partindo do princípio de que ler a data
deve ser tão simples como ler a hora, propôs que a sociedade actual adoptasse um
calendário mais tecnológico e racional, o calendário sexagesimal. As grandes razões
apontadas para a mudança de calendário são as seguintes:
1) É absurdo utilizar dois sistemas de medida do tempo, um para o dia (o sistema
sexagesimal), outro para o ano (o gregoriano).
3) O facto de não termos um único ano tipo obriga-nos a reescrever todos os anos os
horários das transportadoras marítimas e aéreas, os calendários escolares, o programa de
trabalho das empresas, etc. Afirma que inventamos falsos problemas que em seguida
tentamos resolver gastando um tempo infinito.
4) O calendário gregoriano não permite associar de uma vez para sempre uma data do
mês a um dia da semana determinado. É um inconveniente que nos impede de saber em
que dia da semana ocorreu determinado evento.
5) A data do primeiro de Janeiro não corresponde a nenhum acontecimento
astronómico. É meramente arbitrária.
6) O calendário gregoriano não é reconhecido no mundo inteiro. A referência inicial ao
nascimento de Cristo não é aceite por todos, e até no seio do mundo cristão, compete
com o calendário ortodoxo (juliano).
Por todas estas razões o calendário sexagesimal seria um calendário universal.
Assim, já que o cálculo das horas utiliza múltiplos de 6 (12, 24, 60), o novo calendário
utilizaria uma base similar, a base sexagesimal (6, 60). Estes dois números, 6 e 60, são
notáveis pela sua complementaridade (60 = 10 x 6) e pela sua divisibilidade (6 é
divisível por 2 e 3, 60 por 2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15, 20 e 30).
Nesse calendário, o ano solar seria dividido em seis períodos de 60 dias chamados
seses. O número de dias do ano 6 x 60 = 360, necessitaria de 5 para completar o ano.
Ora entre seis objectos, há cinco espaços. Colocar-se-ia um dia, chamado dia adventício,
em cada espaço, ou, o que vem a dar ao mesmo, no seguimento de cada um dos cinco
primeiros seses perfazendo 360 + 5 = 365, para dar o número de dias certos do ano.
Nesse calendário, os seis seses chamar-se-iam Frigée, Éclose, Florée, Granée, Récole e
Caduce, respectivamente. Estes nomes franceses, cuja etimologia latina é transparente,
estão inspirados na observação do ciclo da vegetação dos climas temperados.
Os dias seriam numerados dentro de cada sês de 1 a 60. O ano começaria no primeiro de
Frigée e terminaria a 60 de Caduce. Se o dia a seguir ao 60 de Caduce não coincidisse
com o solstício de Inverno (o que acontece aproximadamente de quatro em quatro
anos), um sexto dia adventício deveria colocar-se no fim do ano, ou seja, após Caduce.
Este sexto dia adventício ou dia sexto é equivalente ao ano bissexto.
Cada sês seria dividido em dez períodos de 6 dias ou seixenas. Estes dias chamar-se-iam
lunes, martes, mércores, joves, venres e sábado. Todos os seses começariam a um lunes
e terminariam a um sábado, onde todos os dias 2, 8, 14, 20, 26, 32, 38, 44, 50, 56 de
cada sês seriam sempre a um martes, fosse qual fosse o sês de qualquer ano.
O ano de entrada em vigor do calendário sexagesimal seria o ano 1 (ou 001). As datas
anteriores continuariam a ser expressas segundo as regras do seu calendário de origem,
de forma a preservar as referências históricas.
Percebe-se que mesmo num calendário mais “tecnológico” ou mais “racional”, como é
o caso do calendário sexagesimal, os ciclos agrícolas estão presentes e as referências
“astrológicas”, também. A grande aversão a este calendário, será certamente cultural.

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