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FICHAMENTO DE: SARTORI, Giovanni – A Teoria da Democracia Revisitada: o debate

contemporâneo. CAP VIII: Uma Teoria da Democracia como Processo Decisório. São Paulo,
Ed. Ática, 1994.

(Por: Rodger Richer)

8.1 A natureza das decisões políticas:

O autor distingue quatro tipos de decisão:

a) Decisões individuais: são tomadas por cada indivíduo isoladamente, independente de


sua decisão se referir a si próprio ou ao mundo exterior. (Pág. 286)
b) Decisões grupais: implica que as decisões são tomadas por um grupo concreto, isto é,
indivíduos que interagem face a face e participam de forma significativa na tomada
dessas decisões. (Pág. 286 e 287)
c) Decisões coletivas: não são passíveis de uma definição precisa; em geral são decisões
tomadas por “muitos”. [Ver pág. 287]
d) Decisões coletivizadas: são decisões que se aplicam e são impostas a uma
coletividade independentemente de serem tomadas por uma pessoa, por algumas ou
pela maioria. O critério de definição não é mais quem toma as decisões, mas seu
alcance: seja quem for que tome as decisões, decide por todos. [Ver pág. 287]

Conforme o autor, a noção de decisões coletivizadas permite afirmar que a política consiste
em decisões coletivizadas. No nível macro, pode-se afirmar que as políticas consistem, em
última instância, em decisões (decisões tomadas) que se encontram fora da competência de
cada indivíduo como tal e são tomadas por alguém para outrem. Quem decide só decide por
todos no sentido de que suas decisões recaem sobre todos. (P. 287)

Embora todas as decisões de natureza política sejam decisões coletivizadas, nem todas as
decisões coletivizadas são políticas. [Ver pág. 287 e 288]

As decisões coletivizadas são políticas no sentido de serem:

a) Soberanas: no sentido de poderem se sobrepor a qualquer outro poder;


b) Inescapáveis: porque se estendem até as fronteiras que definem territorialmente a
cidadania;
c) Sancionáveis: no sentido de serem sustentadas pelo monopólio legal da força.
[Pág. 288]
Conforme o autor, toda coletividade organizada submete-se a regras de coletivização ao
menos no sentido de aceitar as decisões coletivizadas – sendo essa a condição da organização.
(P. 288)

8.2 Riscos externos e custos decisórios

A partir dos questionamentos: “quando é necessário ou conveniente coletivizar uma área de


decisões? Como devemos proceder ao coletivizar as decisões?”, Sartori afirma que essas
questões podem ser resolvidas com dois instrumentos analíticos muito simples:

a) Os custos decisórios: Toda decisão de grupo ou coletiva tem custos internos, isto é,
custos para os próprios tomadores de decisões, em geral denominados custos de
tomadas de decisão. (P. 289)
b) Os riscos resultantes de decisões coletivizadas: Toda decisão coletivizada envolve
riscos externos, isto é, riscos para os destinatários, para quem recebe as decisões de
fora. (P. 289)

Primeiramente, segundo o autor:

1) Os custos decisórios são custos intra-grupo; referem-se apenas a quem decide. (P.
289 e 290)
2) Os riscos externos são riscos extra-grupo; referem-se apenas à coletividade para
quem as decisões são tomadas. (P. 290)
[Ver pág. 290]

Portanto, o argumento completo é que:

a) As decisões coletivizadas envolvem riscos externos;


b) Os riscos externos podem não resultar prejuízos;
c) O problema é exatamente aumentar a probabilidade de “resultados satisfatórios” e
minimizar a probabilidade de “resultados danosos.
[Pág. 290]

Há dois tipos de risco político: riscos de opressão e riscos de incompetência, estupidez ou


interesses sinistros. (P. 290)

Os riscos externos só se efetivam quando uma área de decisão é coletivizada. (P. 290)

Só as decisões grupais envolvem custos de tomada de decisão. As decisões só têm custos com
mais de um tomador de decisão. (P.291)
Em suma, o órgão que toma as decisões tem “custos”, embora a coletividade que as recebe
enfrente “riscos’. Os custos são apenas internos e procedimentais; os riscos são sempre
externos e relacionados à prejuízos. (P. 291)

Com relação aos custos decisórios, a variável crucial é o número de pessoas que participam da
decisão. Em termos práticos, quanto maior o número, tanto maiores os custos de tomada de
decisão. (P. 291)

Sartori formula duas regras:

1) Desde que cada participante tenha voz independente, o número de pessoas que toma
decisões esta em relação direta com os custos das decisões – aumentam juntos.
2) O número de pessoas que toma decisões está em relação inversa com os riscos
externos – à medida que o órgão decisório cresce, os riscos externos diminuem.
[Pág. 291 e 292]

O autor faz o seguinte questionamento: “de que maneira podemos obter, no mundo real,
curvas como aquelas tomadas como hipótese no gráfico?”. O problema seria insolúvel se o
número de participantes da decisão fosse a única variável. Mas há duas variáveis
suplementares que devem ser introduzidas: (P. 294)

1. O método de formar o órgão decisório: como é recrutado ou designado e qual a sua


composição ou natureza. Esta variável interveniente é básica para a questão da
redução dos riscos externos. Tal variável pressupõe que as decisões em pauta são
grupais ou coletivas.
2. A regra de tomada de decisão: os princípios e procedimentos para a tomada de
decisão. Esta variável interveniente, ao contrário, refere-se principalmente, mas não
exclusivamente, aos custos decisórios.

1ª Variável: Conforme o autor, os riscos externos variam à medida que varia o método de
nomeação, ou seja, dependem do fato da “única pessoa” chegar ao cargo através da
hereditariedade, da eleição, da sorte e se assume o cargo indefinida ou temporariamente. (P.
294)

Assim, o método de criação do(s) tomador(es) de decisão é central para o cálculo dos riscos
externos, independente do fato de ser apenas um ou muitos. (P. 295)
2ª Variável: A regra de tomada de decisão refere-se essencialmente aos custos de decidir. Ao
discutir as regras dos tomadores de decisão, o ponto de partida é a regra da unanimidade
[Ver pág. 294]

Pode-se argumentar que a unanimidade envolve não apenas um tipo de poder igual, mas
também um tipo de poder excessivo, de chantagem. (P. 295)

O princípio da maioria, ou as regras da maioria, só entram em cena sempre que a regra da


unanimidade se mostra impraticável. (P. 295)

Existem três tipos de “princípio da maioria”:

a) Maiorias qualificadas: Freqüentemente uma maioria de dois terços;


b) Maioria simples ou absoluta: 50.01%
c) Maioria relativa ou pluralidade: A maior minoria (uma maioria inferior a 50%)

[Pág. 295 e 296]

O autor questiona: “Em que bases os critérios majoritários são escolhidos?”. E logo em
seguida responde: “É claro que, na medida em que passamos de uma maioria qualificada para
uma maioria simples e, em última instância, para qualquer maioria (pluralidade), os custos
decisórios diminuem”. (P. 296)

O autor conclui que o princípio da maioria só é “real” sob o critério da maioria absoluta (a
maioria simples do universo). (P. 297)

Na verdade, as minorias em questão não têm o poder de decidir. Não podem impor suas
preferências – podem apenas protegê-las. (P. 297)

Em suma, dispomos agora de três variáveis:

a) O n° de pessoas que toma decisões;


b) As formas de selecioná-las;
c) As regras da tomada de decisão.

É preciso lembrar também que o problema é minimizar os riscos externos em relação aos
custos da tomada de decisão. Mais precisamente, devemos obter, por um lado, uma redução
mais que proporcional dos riscos externos e, por outro lado, um aumento menos que
proporcional nos custos decisórios. [Ver pág. 297]

8.3 Resultados e contextos decisórios:


Nesse momento, o autor passa a enfocar a forma de tomada de decisão em si, não apenas com
respeito às regras segundo as quais as decisões são tomadas, mas sobretudo com respeito à
natureza de seu resultado. A questão agora é: “como se decide, com que resultado(s)?”. Para
abranger essa nova e mais extensa área, o autor introduz novos elementos: (P. 298 e 299)

1) Tipo de resultado: Deve ser introduzido à sua formulação mais abstrata, qual seja, se
em geral é vantajoso numa modalidade de (a) soma positiva, ou não vantajoso (para
todos) numa modalidade de (b) soma zero.
a) Jogo de soma zero: quando um jogador ganha exatamente o que o outro
jogador perde. A questão aqui é apenas ganhar. Portanto, quando um jogo é de
soma zero, a alternativa é simplesmente ganhar ou perder.
b) Jogo de soma positiva: quando todos os jogadores podem ganhar. Nesse caso,
a questão é, em última instância, como dividir e repartir os ganhos. Na política,
deve-se compreender que as políticas de soma positiva não precisam ser
cooperativas e podem muito bem resultar de uma mistura de cooperação e
conflito.

Nesse sentido, à medida que nos afastamos da “política como guerra” e nos
aproximamos da “política como negociação”, é correto afirmar que passamos, na
mesma medida, de políticas de soma zero para políticas de soma positiva. (P. 299)

2) Contexto decisório: pode ser dicotomizado em (a) descontínuo ou (b) contínuo.


a) Contexto descontínuo: Quando nos deparamos com questões distintas, separadas.
É o que ocorre, por exemplo, nos referendos e nas eleições. (P. 299)
b) Contexto contínuo: Quando encontramos grupos (grupos concretos) encarregados
de uma corrente de fluxo de decisões, estamos diante de um contexto decisório
contínuo, pois eles não mais enfrentam questões separadas. Note-se que aqui as
decisões “fluem” numa corrente teoricamente infinita e ninguém pode decidir
isoladamente. Um grupo que atua dessa maneira é identificado como um comitê.
A questão é que um contexto decisório é contínuo quando uma corrente de
questões é tratada de maneira interligada. (P. 300)
3) Intensidade da preferência: Esse tópico o autor abordará mais a frente.

8.4 Intensidade da preferência e o princípio da maioria

3) Intensidade da preferência: Conforme o autor, as preferências não variam apenas por


serem diferentes, mas também por serem fortes ou fracas. (P. 300)
As regras da maioria pesam os indivíduos enquanto indivíduos; isso significa tornar iguais
intensidades diferentes. Portanto, as regras da maioria baseiam-se numa ficção. É como se
dissesse: “vamos fazer de conta que as preferências têm a mesma intensidade”. (P. 301)

O autor cita um bom exemplo: “A realidade da vida é que um “Não” forte suplanta
regularmente dois “Sim” fracos e, inversamente, que um “Sim” obstinado em geral vende
dois “Não” débeis”. Assim, todas as coletividades provavelmente contêm um subgrupo
intenso que aguarda uma chance de vencer os subgrupos apáticos (menos intensos ou
indiferentes) mesmo quando o subgrupo intenso constitui uma minoria da coletividade em
questão. (P. 301)

Conforme o autor, o fato inquestionável é que as minorias intensas têm um peso extra nos
processos de tomada de decisão; sua intensidade compensa sua inferioridade numérica. (P.
302)

Para Sartori, a democracia direta (como praticada) acaba sendo um verdadeiro paraíso para
minorias ativas, em geral muito pequenas. Daí ele cita um exemplo bastante interessante,
atrelado ao movimento estudantil: “Na literatura sobre a chamada revolução do campus, uma
estimativa recorrente é que de 5 a 10% da população estudantil mexia os pauzinhos e
conseguia o que queria. Por que isso? No caso em pauta, a resposta não é difícil. A
intensidade é o elemento que aglutina os grupos concretos, que os ativa e que explica seu
impacto e força de atração”. (P. 302)

O autor faz o seguinte questionamento: “por que a intensidade é, via de regra, um atributo de
pequenas minorias e não de maiorias também?” [Ver respostas na pág. 302]

Para o autor, uma maioria intensa equivale a uma maioria ocasional. (P. 302)

A diferença é que as minorias intensas são grupos reais, ao passo que as maiorias intensas
são agregados efêmeros. Quando não são, acabamos por descobrir que são mobilizadas por
minorias intensas. (P. 302) [Nesse sentido, podemos fazer uma analogia aos postulados de
Mosca, que dizia que sempre as minorias governam]

Quem é intenso é ativo; quem é ativo prevalece sobre os inativos; e só pequenos grupos têm
possibilidade de ser duravelmente intensos e ativos em relação a conjuntos globais e
seqüências de questões. (P. 303)

Ao final desse tópico, Sartori trata da questão da unanimidade, que segundo ele, parece não
funcionar na prática. Os custos decisórios da regra da unanimidade são sua própria negação,
pois resultam em paralisia. Daí ele questiona: “a paralisia é sempre o custo da unanimidade?”
[Ver pág. 303]

8.5 Comitês e unanimidade

Até o momento, vimos a intensidade desigual das preferências como um obstáculo ao


princípio da maioria. Mas o fato das intensidades diferirem e se distribuírem de maneiras
diferentes também pode se constituir em uma vantagem. Daí o autor questiona: “Se as
preferências de todas as pessoas sempre fossem igualmente muito intensas sobre todas as
questões, como qualquer órgão decisório poderia chegar a um acordo?”. Na verdade, chega-se
aos acordos exatamente porque seus membros não são igualmente intensos com respeito a
todas as questões. Em suma, o mecanismo de acordo no grupo consiste, em grande parte,
em que os não intensos cedem aos intensos. Este é, particularmente, o caso dos grupos
decisórios conhecidos como comitês. (P. 303 e 304)

Sartori define os comitês da seguinte forma:

1) Um grupo pequeno de interação face a face. Sendo um grupo de interação, não pode
consistir em menos de três membros, pois as interações começam a ser significativas
quando triádicas. Na prática os comitês vão de três a trinta membros. Um comitê pode
atuar mal com dez membros e ter um desempenho excelente com quarenta – tudo
depende de seus membros concordarem inteiramente do modo (ou código) de
operação que o autor vai descrever. (P. 304)
2) Um grupo durável e institucionalizado. É institucionalizado no sentido de sua
existência ser reconhecida, legal ou informalmente, pelo fato de certas coisas terem de
ser feitas por um grupo específico. Um grupo não pode tornar-se institucionalizado
sem ser durável. Assim, um grupo é durável quando seus membros agem como se
fossem permanentes. O que conta é a expectativa. (P. 304 e 305)
3) Um grupo que toma as decisões em relação a um fluxo de decisões. Quando
falamos em comitês, falamos em um contexto decisório contínuo que difere das
decisões específicas sobre questões específicas. (P. 305)

Conforme o autor: “Todas as decisões tomadas por qualquer sociedade política são antes
examinadas, discutidas e realmente propostas por um comitê ou mais. E como um governo é
(segundo Sartori) um comitê, muitas vezes é um comitê que também decide na instância
final”. (P. 305)
O autor faz o seguinte questionamento: “Como os comitês funcionam realmente?” E logo
em seguida responde: “Nunca com base na regra da maioria”. As decisões em geral não
são postas em votação. Na maioria das vezes, as decisões dos comitês são unânimes. Mas isso
não quer dizer que os comitês funcionam de acordo com a regra da unanimidade. A regra
implica que cada membro possui o poder de veto – e esse poder, ou princípio, não faz parte da
prática dos comitês. (P. 305)

Em geral, os comitês chegam a um acordo unânime porque cada componente do grupo espera
que aquilo que concede numa questão lhe seja devolvido, ou retribuído, em uma outra
questão. Como esse acordo é tático, pode-se chamar de código operacional. (P. 306)

• Código operacional: A essência desse código é “dou para receber em troca”. O que é
peculiar aos comitês é que seus membros se envolvem em trocas que vão além do
momento presente, tendo especialmente em vista um tempo futuro. Para expressar o
elemento tempo, Sartori fala de um princípio ou mecanismo chamado de
“compensação recíproca retardada”. (P. 306)

Conforme o autor, os membros de comitês não têm poder de vetar decisões. Portanto, se um
membro adota a tática de obstruir interminavelmente o processo, acaba apenas por se tornar
um aborrecimento; e esse comportamento atrai represálias. (P. 306)

• Mecanismo de compensação recíproca retardada: este mecanismo pressupõe duas


condições intimamente ligadas: (a) intensidade desigual das preferências; e (b) um
fluxo de decisões futuras. (P. 306)

“Seja quem for que cede hoje, espera a retribuição num outro dia”. (P. 307)

Portanto, como já deve ter ficado claro, as decisões tomadas nos comitês e por comitês são
decisões de soma zero. A essência de um sistema decisório baseado na compensação
recíproca retardada é, de fato, que todos os membros do grupo estão lá para ganhar e, além
disso, que esse jogo de soma positiva é contínuo. (P. 307)

Conforme o autor é evidente que todo comitê tem seus conflitos internos por duas razões no
mínimo: (a) nenhuma harmonia preestabelecida preside a distribuição de preferências e (b) é
raro os ganhos serem distribuídos por igual. O importante é compreender por que o princípio
da maioria representa a linha divisória entre comitês e não-comitês ou, se quiserem, entre
comitês que funcionam bem e comitês que funcionam mal. (P. 307)
Para o autor, as decisões tomadas por comitês têm soma positiva. Não se pode dizer o mesmo
sobre as decisões tomadas pelas maiorias: o princípio da maioria implica decisões de soma
zero, isto é, produz resultados de soma zero. A diferença fundamental, portanto, é aquela
entre a soma zero versus a soma positiva. (P. 307 e 308)

Todo comitê está inserido em uma teia de outros comitês: o sistema de comitês. Como tal
sistema opera? A coordenação ocorre através dos pagamentos laterais. (P. 309)

a) Mecanismos de compensações recíprocas retardadas: também pode ser descrito


como um mecanismo de pagamentos internos retardados, isto é, de trocas intra-grupo.
b) Pagamentos laterais: ocorrem entre uma série de comitês. Esses são pagamentos
externos, pagamentos feitos para grupos de fora. Portanto, pagamentos laterais são
definidos pelo autor como a(s) concessão(ões) que cada comitê tem de fazer aos
outros comitês (envolvidos nas mesmas questões). (P. 309)

Também deve ficar claro que os pagamentos laterais não precisarem ser negociados
explicitamente. O aspecto distintivo dos pagamentos laterais são concebidos como um
mecanismo de coordenação. Isso significa que a maior parte dos pagamentos laterais não é
negociada de forma explícita, mas ocorre simplesmente em termos de reações antecipadas.
Os comitês, como os indivíduos, calculam de antemão, implicitamente, as reações prováveis
de terceiros afetados por suas decisões. [Ver pág. 309]

[Ver o “em síntese”, na pág. 310]

8.6 Comitês, participação e distribuição entre o demos

• Comitês: são formadores de decisões e muitas vezes, em última análise, órgãos que
tomam as decisões em todas as sociedades políticas e em todos os regimes. Mesmo
assim, um sistema de comitês (subsistema) é moldado pelo sistema político que
pertence. Assim, um sistema de comitês que opera no interior de uma democracia
adquiri características próprias. (P. 310)

De acordo com Sartori, nas democracias os comitês estão em um processo muito mais intenso
de proliferação que nas autocracias. Uma razão para esse desenvolvimento é que, sempre que
um órgão decisório se torna grande demais, em geral cria, em seu interior, um grupo menor,
isto é, um comitê, que esboça de fato as decisões posteriormente tomadas pelo órgão maior.
(P. 310)
Conforme o autor, a proliferação dos comitês maximiza a democracia participativa abrindo
mais espaço para a “participação real”, isto é, quando é perfeitamente congruente com o
desenvolvimento pluralista da democracia. (P. 311)

• Participação: é uma proporção que pode ser expressa como uma fração e relacionada
a uma freqüência. Quanto maior a freqüência que um grupo se reúne, tanto mais parte
toma.

Por exemplo: Em um grupo de 10, cada um toma parte, isto é, participa, como 1/10 e, quanto
maior a freqüência em que o grupo se reúne, tano mais toma parte. (P. 311)

Então, à medida que o denominador aumenta, decresce a cota ou peso de cada participante.
Da mesma forma, embora com menos precisão e importância, à medida que a freqüência
diminui, diminui também o peso da participação. Por isso, o autor conclui que a participação
só é um tomar parte significativo, autêntico e efetivo em pequenos grupos (e não em grupos
maiores como uma assembléia). Quando falamos de participação eleitoral e, em geral de
participação em massa, o conceito é exagerado e indica uma “participação simbólica”, um
sentimento de estar incluído. (P. 311)

Os comitês representam a unidade ótima da participação real. Mas isso não quer dizer que a
demanda por democracia participativa possa ser realmente atendida com base nisso.
Aumentar as ocasiões de participação aumentando o n° de comitês resolve o problema de
quem está neles. Daí o autor questiona: “Mas, e os excluídos?”. Evidentemente que seu
problema não se resolve com a participação de outros em seu lugar; só pode ser resolvido em
termos de controle, na medida em que eles – os cidadãos de uma democracia – têm o controle
dos órgãos decisórios. Somos então levados de volta às técnicas representativas de
transmissão controlada de poder como o meio de minimizar os riscos externos. Também
chegamos à característica distintiva dos sistemas de comitês nas democracias: a existência
de (a) comitês receptivos aos cidadãos em geral e (b) responsáveis perante eles e, nesse
sentido, representativos. (P. 311 e 312)

Nem todos os comitês são compostos de representantes saídos de eleições livres e


procedimentos eleitorais. Na verdade, até nas democracias a maior parte dos comitês não são
recrutados; são grupos com objetivos especiais, “representantes” de talentos e competências
técnicas. (P. 312)
Portanto, a função de controle pode ser satisfeita com relativamente poucos comitês
representativos – sobretudo o governo e as comissões permanentes no parlamento – situados
nos pontos de articulação certos. (P. 312)

Os comitês e a democracia são incompatíveis entre si? Isto é, a questão é saber se os


comitês diminuem a velocidade do desenvolvimento da democracia da democracia ou se dão
sustentação a qualquer estágio da democracia. (P. 312)

Conforme o autor, quando a democracia é traduzida ao pé da letra como poder do demos, isto
é, quando é compreendida como um poder literal do povo, nada jamais será democrático. No
fim, o poder reside em seu exercício, não em sua atribuição titular. Por isso a democracia
literal tem de ser um autogoverno literal. (P 312)

Para Sartori, as macrodemocracias são melhor concebidas em termos de distribuição entre o


demos, ou demos-distribuição. Portanto, o autor compreende que o que ainda pode ser
significativamente elaborado não é o problema do poder – mais poder para o povo – mas seu
produto final: mais benefícios iguais, ou menos privações desiguais, para o povo. (P. 313)

Para o público em geral, o poder popular não significa que o demos deve realmente tomar o
poder nas próprias mãos e sim a satisfação das necessidades populares. (P. 313)

Portanto, o autor compreende que os comitês são um sistema de tomada de decisões que dá
sustentação a distribuição entre o demos. Conforme essa condição, os pagamentos laterais
transpõem as fronteira do comitê e se transformam em pagamentos externos em geral, isto é,
em pagamentos que se estendem ao universo dos representados. Por isso um sistema
decisório de soma positiva ligado ao povo pelo cordão umbilical da representação tem uma
soma positiva também em favor do povo. (P. 313)

Sartori adverte que o princípio da maioria não necessariamente leva, na prática, a políticas de
soma zero. (P. 314)

O princípio da maioria implica resultados de soma zero nos seguintes casos:

a) Eleições (votação por cargo);


b) Referendos;
c) Sempre que uma maioria é relativamente estável e cristalizada.
[Ver pág. 314]

O princípio da maioria não terá resultados de soma zero nas seguintes condições:
a) Um fluxo contínuo de decisões submetido a
b) Maiorias concretas cíclicas, relativamente fluidas ou flutuantes (coalizões
instáveis, se quiserem)

Mesmo nessas circunstancias, cada decisão tem resultado de soma zero; mas é provável que o
processo gere, em seu todo, compensações de soma positiva entre as maiorias cambiantes.
O autor também observa o complemento de um fluxo contínuo de decisões deve ser não
apenas um grupo concreto, mas também um grupo institucionalizado: em suma, ou um grupo
do tamanho de um comitê, ou uma assembléia tal como um parlamento. (P. 314 e 315)

Então, na prática e no reino da política democrática, isso equivale dizer que embora os
parlamentos funcionem necessariamente segundo o princípio da maioria, mesmo assim a
tomada de decisão do parlamento pode levar, com o passar do tempo, a um resultado de soma
positiva, levando-se em conta:

a) Se suas maiorias forem cíclicas;


b) Se uma maioria parlamentar for permeável (ás demandas da oposição);
E/ou
c) Se a maioria carecer de disciplina e mostrar pouca coesão.

Quando as circunstâncias acima mencionadas não se aplicam, ou sempre que um contexto


decisório for descontínuo, a regra da maioria tem resultado de soma zero. (P. 315)

Recapitulando, um sistema ideal de tomada de decisão deveria satisfazer os seguintes


requisitos:

a) Todo indivíduo deve ter o mesmo peso;


b) Intensidades iguais (de preferência) devem ter o mesmo peso;
c) Resultados de soma zero e resultados de soma positiva devem ser adequadamente
contrabalançados;
d) Os riscos externos devem ser minimizados.

Conforme o autor, não há princípio, regra ou sistema de tomada de decisão que esteja sequer
perto de satisfazer todos esses requisitos. O que ocorre é que cada unidade aplica as regras de
tomada de decisão que são praticáveis e adequadas à sua natureza. São estas as unidades:

a) Os comitês: evitam a regra da maioria, procuram acordos unânimes por meio de


pagamentos retardados internos e se ajustam ao mundo exterior ou incorporam suas
demandas através de pagamentos laterais. (P. 315)
b) As assembléias institucionalizadas: funcionam, ao invés, de acordo com a regra da
maioria, mas podem ou não apresentar, com o passar do tempo, um resultado de soma
zero, dependendo da fixidez de suas maiorias. (P. 315)
c) As coletividades e vontades dispersas: são caracterizadas pelo fato de um universo
disperso ser incapaz de interagir ou de admitir trocas de votos: cada pessoa que toma
decisões faz uma opção discreta. As coletividades votantes e dispersas não podem
negociar, nem fazer acordos. (P. 315 e 316)

Conforme o autor, o ato de votar é um voto no cargo que se projeta em processos que podem
passar a ter (no parlamento, mas especialmente em seus comitês) resultados de soma positiva
(no caso das eleições gerais). Em síntese, o ato de votar não é um ato final, auto-suficiente.
Os referendos, ao contrário, são finais. Nesse caso, os eleitores em geral não escolhem
pessoas que vão escolher, mas decidem uma questão e, com isso, encerram-na. Assim, os
referendos têm resultados de soma zero. (P. 316)

Sartori faz a seguinte defesa aos comitês:

a) São a unidade ótima de formação das decisões.


b) Não apenas levam em conta a intensidade desigual das preferências, mas usam-na de
forma eficiente.
c) Permitem uma drástica redução dos riscos externos (de opressão) sem o aumento, ou
com o aumento mínimo, dos custos decisórios (em comparação aos custos da
assembléia).
d) Produzem resultados de soma positiva para a comunidade em geral (distribuição entre
o demos)
e) As minorias substantivas (étnicas, religiosas, etc.), inexoravelmente derrotadas quando
as decisões chegam ao voto majoritário, encontram nos comitês a situação onde suas
reivindicações mais intensamente preferidas têm uma boa probabilidade de obter
aprovação.
[P. 316 e 317]

Portanto, segue-se que as regras da maioria devem ser empregadas com o claro
reconhecimento de suas deficiências; e que essas regras são melhor empregadas na falta de
algo melhor, ou quando uma alteração dos eventos precisa ser levada a efeito a qualquer
custo. (P. 317)

8.7 A democracia consociativa


A democracia consociativa é onde a regra da maioria é substituída pela regra consensual
conjunta e cujos princípios de funcionamento (grandes coalizões, veto mútuo,
proporcionalidade e autonomia dos segmentos) afastam-se claramente do princípio
majoritário. Conforme o autor, as sociedades segmentadas e profundamente divididas não
podem basear-se na regra da maioria; sua opção é serem democracias consociativas, ou não
serem democracias. (P. 318)

[Ver pág. 318 e 319, em que o autor trabalha a questão das minorias de clivagens]

Conforme Sartori, quanto maior a presença de minorias intensas, tanto menos um governo
com base em decisões de soma zero é aconselhável e democraticamente exeqüível. (P. 320)

O autor conclui este tópico da seguinte maneira: a variável intensidade cria uma grande área
intermediária na tomada de decisões, que não é fortemente ou estritamente majoritária e, no
entanto, não se pode dizer que converta a regra da maioria numa regra substantiva da minoria.
O que se pode dizer, ao invés, é que quanto maior a incidência do fator intensidade, tanto
maior o número de não-decisões e/ou maior o número de decisões do tipo comitê. (P. 321)

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