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TRO TC Ra se ot OO Ty CUT Ee Abril 08 primefros capitu- los da série Vikings, do History Channel um personagem cha mado Ragnar ievanta uma peda ttansliicida na frente do Sol e, assim, consepue ‘operar uma biissola solar e descobrir © camino de barco até a Inglaterra ‘Na hora, fiquet intrigado se era verda de que uma tinico homem eum tinico objeto teriam sido tao decisivos para a fascinante expansio viking. Agora, depois de terminar este Dos- sie, descobri que a realidade é rmuito mais interessante. \ aventura dos ndrdicos pela Europa, Asia e América foi resultado de uma complexa trama que envoive religizo, matanca, busca por poder e séculos de desenvolvi ‘mento da cultura naval escandinava. ‘Nenhum hersi ou invengdo foi crucial na histdria viking. Na verdade, a soma de tudo isso impulsionou os névlicos Fumo a0s mares e aos saques, ‘Mas, justica sejafeita, os roteiristas fizeram milagre condensando varias, pessoas de verdade © episcdios reais emalguns poucos personagens e ramas de ficedo. No fim, a série tem coeréncia historiea e ajuda o publica a entender omg e por que povo do Norte deci- diu desbravar o planeta, Uma saya que contribuiu pata formar o mundo como ‘oconhecemos: no Ocidente, os vikings ajudarama dar origem aos ingleses de hoje. No Oriente, fundaram a Rusia, escobrimos que ninguém sabe seo mitioo Ragnar sequer existin e que boa parte do imaginario viking, os homens Joiros emaus que usavam capacetes com chifres, oi haseado muta tradicao oral de baixa credibilidade e nos relatos dle ‘monges crisidos que queriam convencer orebankio de que ospagios eram figuras horrendas. Nesta revista, voce pode dar um passoadiante ness aventura separar a realidede da fiecdo. Boa leirura, Alexandre de Santi, editor ERA BRUTAL ‘Acnda global deviolthcla ‘que precedou fs uikings, GOROE CARNE ASSADA ‘asinvasbes vikings foram gestadasem Festancas pro ‘movidss por lderes locas MINNESOTA VIKINGS ee HAGAR, 0 HORRIVEL chifres (veja mais na pagina 32), que preguicoso, que tem medo da esposa SSSA SSID J GRINALDA E ANEIS DE CASAMENTO Vikings solteiras usavam jae de dorzele, que no dis do casamenta era substitulda pela grinalda de asada. Areliquia familar era feita de prata, com tentaihes de cruzes e folhes de trevo, enfeitadt cristais © cordes de sede vermelhas ¢ verdes. A antiga tiara ora querdade pare a a. Ja as aliances Ps Oformato circul remetia a0 can: culo inquebrants do.um paralelo de fidolidade de querr por meio de uma pi (ver mais nas péginas 48), EU e aly HARRY POTTER As runas antigas estudadas por Her- mione, 05 trolls enfrentados pelo protagonista no livro, os gigantes e ‘outros seres sio infiuéncias diretas da mitologia escandinava, A batalha final contra Voldemort também lembra 0 Ragnardk,o fim dos tempos nérdico (veja mais na pagina 50): assassi~ nato do pai Odin (Dumbledore) pelo lobo Fenrir (Greyback) que faz.com que o filho Thor (Harry) ute para de- fender os seres mais fracos da grande serpente Jormungand (Voldemort) e morra tentando, Depois um novo mundo ressurge das cinzas de Thor, quando Jormungand ¢ derrotada. 0 peri DOS ANEIS Ahistéria narrada por J. RR. Tokien se passa na Terra Média, ‘© mundo da mitologia viking onde nés, hhumanos, vivernos (veja mais ne pégina 54), Gandalf, assim como Odin, tem 0 cavalo mais répido do mundo, é veh, sébio, f tem um anel magico. Sf logia escandinave. ~ a Yaa S SSAC DARD SSAC 4-0 APOGEU E 0 FIM NX om = = 4 Ni RP EER EE a4 SKOL Atualmente, os Quando os vikings se espalharam ‘érdicos usam @ pelo velho mundo, levaram consigo palavra skoll ne tradicdes pagis. Algumas celebragoes hore do brinde. tentavam amenizar a falta de comida O personag ‘em dezembro, auge da frio. “Velho | Marvel Cami jologla escanci- Inverno’ era um senhor que aparecia inspiredo no deus da Skoll era um na casas pedindo por comida. bebida, mitologia nérdi e quem fosse generoso com ele teria martelotinhe signi Fenrir (voja mai um inverno mais ameno, Outra versio ado espacial para na pagina 54), que remetea Berchta, uma senhora fantas- es escandinavos, quo todos os dias dava ‘mag6rica que trazia presentes ou pu- sem pingentas com a volta nos céus nia. Seu culto foi proibido pela Igreja, ‘© simbolo como forma ‘tentando comer 0 fazendo com que os fiéis atribuissem de protecao (veja Sol, Por isso, 0 logo suas caracteristicas a So Nicolau, 2 52). citeular de oervejs. precursor do Papai Noel (pagina 65). sna uns SIO BRUTA A onda global de violéncia que preceden os vikings. Em outubro de 782, cerca de 4,5 mil camponeses saxGes foram batizados e, em seguida, decapitados no norte da atual ‘Alemanha. Ha relatos de que o rio Aller, {que passa pela regido, tenha ficado verme- Iho de tanto sangue. A ordem paraa cha- cina veio de Carlos Magno, imperador dos francos, que estava em fase de expansdo pela Europa e queria ocupar o territério ue pertencia ao grupo germanico. ‘Mas a matanea, que ficou conhecida co- mo o Massacre de Verden, também tinha outro propésito. Magno queria mandar uma mensagem clara para todos os gru pos pagios da Europa: a partir de agora quem nao se convertesse ao cristianismo (e prestasse contas a0 seu império) seria orto, Depois do massacre, para nao dei- xar dividas da nova ordem vigente, Mag- no mandou destruir 0 simbolo maximo da religido saxa, o Irminsul, um pilar de candinavos do que hoje conhecemos por Dinamarca, poucos quilémetros ao Norte, ouviram 0 recado. E ficaram. apavorados. No século 8, 08 francos eram 0 grupo mais poderoso da Europa central. O seu rei, Carlos Magno, até hoje chamado de pai da Europa, uniu diversas regides apés a queda do Império Romano do Ocidente, que tinha acontecido 300 anos an- tes. Ao mesmo tempo, 0 lider franco promoveu uma certa renascenca euro- peia, valorizando de volta a literatura, aarte e a arquitetura, atividades que haviam sido um pouco esquecidas de- pois da desintegracao do po- der romano. Por isso tudo, © Parlamento Europeu distribui atualmente um prémio para os jovens que levao nome do san= ‘guinolento imperador, Magno também ¢ lembrado porter sido um rei {mplacével, sem piedade, que usava seu poder bélico para forcar a expansio do cristianismo pela Europa e aumentar sua érea de influéncia. ‘Mas, aquela altura, outros grupos ameacavam os escandinavos. Os mu- ¢gulmanos avancavam rapidamente pela Europa depois da revolucao religiosae politica de Maomé, que uni os povos drabes em tomo do Império Islamico entre os séculos 7 €8.Igualmente movi- dos pelo desejo de doutrinar, aumentar seu poder e controlar rotas de comér- io, o exéreito do Califado atravessou © continente em apenas 70 anos, do Oceano Indico até 0 Atlaitico, No ca- minho,conquistaram parte do territério dos impérios Persa e Bizantino, assim como o norte da Africa e até a Penin- sula Ibérica, onde ganharam o apelido de mouros. Nesta regiao, prospereram. gracas ais conexdes comerciais que es- tabeleceram com o Oriente, mas viviam em confiito com os cristaos,¢ por isso ameacavam ocupar outros territsrios. No Sudeste, quem intimidava era o os} Talyte rn Impétio Bizantino, o brago que restou do Império Romano depois que os barbaros (géticos, saxdes, francos ¢ Jnunos) acabaram com o lado ocidental no século 5. Apesar dos romanos terem perdido metade do seu teritsrio naque- 12 ocasiio, e de ainda sofrerem alguns ataques, eles continuavam muito pode- rosos. Controlavam a porta de entrada entre Oriente e Ocidente e, em gran- de parte, as rotas de comércio global. No século 8, ensaiavam uma volta aos tempos de gléria a0 reconquistar uma parte do territério que haviam perdido. Nessa época, chegaram a preocupar 0 sul da Italia. A Oeste, os anglo-saxdes ocupavam. as ilhas britanicas desde que os roma: nos tinham abandonado o territdrio, no século 5. Depois de muitas disputas internas, haviam estabelecido quatro reinos: Noreimbria, Mércia, Anglia Oriental e Wessex. Inicialmente pagios, €s ingleses foram se convertendo a0 cristianismo nos séculos 6e7 de forma quea religiéo passou a ter muita influ éncia na politica local. Nio seria dificil para cles atravessarem o Mar do Norte até 0 teritdrio escandinavo. Entre ocristianismo e oislami: mo, as duuas religides em ascenssio na época, o modo de vida dos escan- dinavos estava sujeito a ser extinto. final, a nica regio que nfo estavaem efervescéncia politica e militar até entao era o norte europeu. Desde o inicio do século 8, missiondrios tentavam con~ vvencer os nérdicos aabandonar acrenga agi. Em 725, 0 bispo anglo-saxio St. Willibrord chegou a atravessar o Mar do Norte, da Ingiaterra até a Dinamarca, com o objetivo de provar que o seu deus era mais poderoso do que Odin, Thor e Freyja, alguns dos deuses nérdicos, Na ocasiao, ele nao foi bem-sucedido. Alm disso, os escandinavos se sen tam cada vez mais encurralados. Com pelo menos trés impérios ricos e orge- nizados avangando ao seu reir, eles es- tavam obo risco constantede terem as suas terras invadidas a qualquer momento. Se nao se mexessem, poderiam virar escravos de outros povos, exatamen- te como os priprios nérdicos faziam com 0s eslavos, no leste enropen (no or aeaso, 0 povo eslavo deu origem Palavra slave, eseravo em inglés). Além disso, o avango cristaa j4 trazia prejui- 20s financeiros, “A expansio crista 20 Norte desmanchou as antigas redes de comércio que os dinamarqueses haviam formado com frisios, saxdes e eslavos. Em resposta, os dinamarqueses reforea- ram a fronteira e tentaram restabelecer © controle das rotas’, diz a pesquisadora Elizabeth Rowe, do Departamento de Bs tudos Anglo-Saxdes, Nérdicos e Celtas da Universidade de Cambridge. Nao havia outra saida a nao ser atacar. 0 , pro! soulaen por lideres locais e regadas a hidromel. No final de uma tarde de inverno, guer~ reiros comecarama chegar ao grande salio de Lejre, uma localidade a 45 km de Cope- rhague a capital da Dinamarca ainda nao existia). Os homens ficaram encantados com o prédio: com 485 m por 11.5 m de largurae profundidade, 0 salao eraamaior construgéo que alguns tinham visto. teto ficava a 10 metros do chao, apoiado por paredes e vigas de madeira de flores- tas milenares. Mas estava muito frio, no ‘mais que 5 °C , para ficar contemplando © prédio do lado de fora La dentro, os guerteiros encontraram um ambiente animado. Uma grande fo- gueira aquecia os convidados numa das ppantas do salio ~ todo aberto, sem pare- es no meio, Escravas (as morenas haviam sido trazidas de regides tao distantes quanto o norte da Africa) serviam hidromel aos guerreiros. A bebida, um fer- mentado de égua e mel, era sorvida em chifres ou jarras. Com teor aleostico prdximo aos 24%, criavao clima perfeito para ‘um ambiente de fraternidade e rmuitas risadas entre os homens - niio muito diferente do que ocorre em qualquer boteco a partir das 28h de sexta-feira A certa altura da noite, o dono do recinto tomava conta da cena. Um animal era trazido ao centro do salio, © o chefe local cortava a garganta do bicho (um imponente veado-vermelho, se fosse uma noite de sorte) ¢ deixava seu sangue escorrer pelo chao, sem an- tes pingar um pouco de bebida sobre o caldo, tudo em homenagem aos deuses. ‘A carcaga era levada ao fogo. Agora, restava telaxar e esperar 0 jantar. Banquetes como esse foram funda: mentais para a formagao dos vikings ¢ ocorreram em imiimeros sales cons: truidos no século 8 (¢ provavelmente nos séculos anteriores também). ca A bebida, a comida e o calor ficavam por conta do chefe local, que construia 0 salao justamente para receber e agradar os homens da localidade. Era uma mistura de bar, comité politico, quartel general e tribunal. Alisurgiram amizades, fortes lacos de lealdade e planos ambiciosos. Numa sociedade que nao estava orga nizada em Estados ou reinos, toda a vida social e politica girava em torno da generosidade do chefe do cla e do seu saléo, Mas néo era uma lideranca impositiva:a vida medieval na Escan- dinavia, embora um tanto andrquica pela auséncia de um governo central, era democritica, Todos podiam falar ¢ participar da divisdo de riquezas(exceto 0s escravos, & claro). s s.Ove- Go era a época em que os guerreiros desbravavam o mar para fazer negé- cios com outros povos. Mas uma nova reocupacio comecou a tomar conta do salio, Com o avanco dos cristios ao Norte, sobretudo com a ascensio do sanguinolento Império Franco, de Carlos Magno, os nérdicos comegaram 4 discutir formas de se proteger contra uma eventual invasao. A carne era servida, ¢ 0s guerreiros debatiam o assunto sob a lideranga do dono do salao, sentado muma cadeira alta, uma espécie de trono de madeira esculpida com intimeros entalhes capri- chados (outro talento local). Ele era um chefe informal que havia ganho poder na base da seducao. Alguns se autodenomina- vam reis, mas os territérios nao estavam. consolidados e era muito provavel que algumas regides tivessem ‘reis" simulté- neos separados pot alguns quilémetros. Rei, conde ou chefe, seja como for, eles faziam questo de demonstrar seu po- dex com casacos de pele do Leste (hoje, Poldnia, Lituania e Leténia), espadas do Sul (tual Alemanha)e até roupas de seda chinesa que passavam de mao em mio até os mercados europeus, De tempos em tempos, ofereciam banquetes, distribuiam. presentes do exéticos quanto um punhado de noz pecd (que nao existia na Escandi- névia e era vista como uma sobremesa requintada) e prometiam divisio de lucros ‘nas expedi¢des. Em caso de falta de comi- da, abriam seus silos e repartiam reservas. O chefe cuidava bem dos seus seguidores. Parte desse poder havia sido conquista- do com violencia, ¢ talvez os guerreiros sentissem um pouco de medo também. A bebida era farta, a came estava assada, ‘0s deuses satisfeitos, 6 faltava descobrir uma forma de se proteger dos cristios. As festas ao redor do fogo no salio de Lejre sé foram possiveis porque di- versas tribos europeias comecaram a se movimentar pelo continente em busca de novos territSrios hd 14 mil anos. Ao fim do ultimo grande periodo glacial, 0 gelo derreteu na superficie e permitiu o sms SIO deslocamento de humanos até o Norte, naquela regito fria ao redor do Mar Bal- tico. Eles foram os primeiros a pisar na Peninsula Escandinava, que compreende ‘que hoje chamamos de Noruega, Suécia e Dinamarca. ORIGENS Muito tempo depois, por volta de 2000 aC. 0s protoindo-europeus,originrios do Mat Negro, também chegaram Ide intro- duziram uma nova lingua e uma religiao, gue se espalhou rapidamente por toda a Europa, Na Escandinavia, esse idioma se transformou no nérdico antigo, a lingua de raizes germanicas falada entre goles de hidromel em Lejre. A crenga virou 0 paganismo nérdico, que justificou o sa- crificio do animal assado naquela noite no salio ~ e que serviria de base para varios mitos medievais e de inspiracao, para RR. Tolkien criar O Senhor dos Andis. O mesmo grupo étnico que deu as bases, culturais aos nérdicos também chegou ao Mediterraneo ~ nao é & toa que existam. tantas semelhaneas entre as mitologias escandinava e grega. Ema500 aC.,0s primeiros tragos desse modo de vida comecaram a aparecer. Desenhos esculpidos em pedras dessa época mostram figuras gigantes que se sobressaem aos homens e deixam pe- gadas enormes por onde passam. Séo, possivelmente, as primeiras represen: tagdes dos deuses nérdicos, entre eles Odin, o maioral do panteao escandina- vo. Algm disso, as ilustragdes mostram homens dentro de canoas, carregando remos, langas ¢ machados. O modelo dessas embarcacées, por sinal, é mui- 10 semelhante aos barcos construidos pelos vikings tempos depois. ‘Com o tempo, a navegacio contri- buiu para o comércio local. Por especializaram em coletar a peda pre~ ciosa e transporté-la a territérios dis- tantes, suprindo a demanda crescente vvinda do Mediterraneo. Era um periodo prospero para o povo do Norte, segundo ‘os arquedlogos. Maso que se seguiu foi muito sombrio. Os celtas comegarama conquisfar a Europa no século 5aC.e tomaram controle das rotas de comércio, inclusive de ambar. Para piorar a situa fo, uma mudanga climatica trouxe uma onda de friointensa, que durou centenas de anos, contribuindo para oisolamento ‘geogrdfico, Nessa época, muitos escan- dinavos resolveram migrar para o Sul tem busca de melhores terra para plantar e viver. Aos poucos, foram se estabele- cendo em pequenos grupos pela Euro- pa. La, desenvolveram lingua e cultura ‘prOprias, dando origem a novas tribos ermanicas, como os saxbes e poticos. Esses grupos foram responsaveis por fazer a ponte entre a Buropa central, que se desenvolvia rapidamente, ea Escandi- nvia, Foi assim que o Norte incorporou oalfabeto ninico, por volta do ano150. Mas, fora algumas novidades culturais € troca de mercadorias, os escandina~ vos ficaram alheios as transformagdes ‘motivadas pelo Império Romano, que esnobou a Escandinvia, Os nérdicos, porém, tinham muito interesse naquela terra distante. Quando os romanos cai ram, a Buropa virou terra de ninguém. No salao de Lejre e em outros casa rées,€ provavel queum homem,jé meio embriagado de hidromel, nha dito no avancado da noite: vamos saqueé-los! Foi ovacionado. Ainda que fosse ideia de bébado,o brado fez. sentido no dia seguinte, com a ressaca cintilando na témpora, Bra a tinica forma rapida de so- ‘mar recursos para se proteger e prospe- rar. Interessava a todos. Os fazendeiros, que no veri faziam papel de guerreiros, receberiam parte do roubo. Os chetes te- riam ainda mais tesouros e poder, o que atraia mais guerreiros, aumentando sua infiuéncia. Era bom para as familias que ficariam em terra firme:embora pudessem perder entes queridos na ponta da espa- da, ganhavama esperanca de ter uma vida ‘tranquila, sema.ameaca de invasio crista. E nao seria novidade: pirataria era comm numa época em que nao havia policia ou guarda costeira. Os proprios nérdicos ja desembarcavam em praias estrangeitas pa- ra fazer comércio ou...oubar. H comuns viram uma oportunidade para ter mais influéncia a partir do actimulo de riqueza e honras militares. Eles eram ‘muito bons em tirar proveito dessas opor- ‘tunidades ~ eles atacavam os fracos",afirma Alexandra Sanmark, professora de histéria viking na universidade de Highlands and, Islands, na Escécia, Mas, para fazer frente aos exércitos de francos, bizantinos e muculmanos, era preciso se unir, somar fundos para pro- duzir machados, espadas, barcos e, claro, garantir reservas para os anos em que 0 {rio escandinavo impedia boas colheitas ou cagadas. Sem um governo central capaz de agar por tudo isso, os nérdicos tomaram um novo caminho no final do século 8:se tomnaram vikings. Uma ressaca que durou quatro séculos no resto da Europa, asassmn sm sou snr SEINE ISO epois de dias de mau tempo, 0 céu amanheceu claro. Ao olhar pelas ja~ nelas do mosteiro, antes das oragées ‘matinais, os monges de Lindisfarne Vitam embarcagdes estreitas e com- pptidas, com velas quadradas, navegan- do em direcio dilha. Os barcos tinham um formato diferente dos que normalmente navegavain na regio faziam um percurso incomum para se aproximar da praia, Nao eram os visitantes habituais. O sino tocou para alertar os demais moradores da itha, cerca de 200 pessoas, entre religiosos, artesaos e serventes, No mat, 0s navegadores ouvitam o sinal e decidiram mudar de estratégia. Com o elemen- to-surpresa perdido, remaram para desembarcar 0 mais proximo possivel da colina onde se erguia 0 ‘monastério, Em terra firme,alguns monges rezaram, outros esconderam apressadamente as reliquias e ‘objetos sagrados. Menos de cem pessoas surgiram. dos barcos em direcao as frigeis cercas que protegiam a propriedade. As oracdes pediam uma intervensa0 divina. Todos os moradores da ilha eram homens, ‘mas nao havia um soldado sequer. Os portdes foram. golpeados e nao resistiram, Armados com espadas, langas e machados, os invasores falavam uma lingua diferente, porém algumas palavras eram compreensiveis. Vestiam cotas de malha.e capacetes, tinham cabelos e bar- bas claras. Os padres reconheceram os invasores. Eram nérdicos, eos nérdicos nao temiam Deus. ‘Aqueles que pediram cleméncia foram mortos, 0s que ‘tentaram fugir foram atingidos pelas costas, Na gre), os escandinavos destruiram o altar para pegar relicé- rios,cdlicese crucifixos, artigos de ouro, prata e pedras erg teCi0ses. Monges foram forgados a revelar os esconderijos de objetos de valor, tudo foi revirado. Muitos foram assassina- dos ou torturados, outros aprisionados ppara serem vendidos como escravos, Ao final do dia, os nérdicos partiram, Os nordicos se tornaram vikings quando cruzaram o Mar do Norte para atacar o templo cristao de na Inglaterra, Lindisfarne, levando as riquezas que encontraram na ilha, e deixando dezenas de mortos, desteuicio € chamas para tris, No século 8, a Inglaterra no era, de forma algu- ‘ma, um reino unido, Era uma referéncia geografica, dividida entre quatro reinos: Wessex, Mercia, An- glia Oriental e Nortimbria. Entretanto, os relatos do ataque viking de 8 de junho de 793 a Lindisfame, no litoral nordeste, atual fronteira com a Escéc percorreram toda ailha, causando grande comocao. clero, mais unido e com maior contato do que as cortes, era o que havia de mais parecido com a imprensa, Embora a violéncia fosse corriqueira na ép0ca, a profanagao de igrejas era um tabu. Um ataque pagio a Lindisfame, um dos lugares mais importantes para o cristianismo local, também conhecido como Iiha Sagrada e lar dos santos Cuteberto ¢ Aidan, era um golpe4 ainda insipiente identidade britanica, ‘A principal fonte contempordnea da invasio so as cartas deum clérigo chamado Alcuin. Para ele, 0 ataque fol uma punigao divina pela degra- répido’, ressalta Christina Lee, da Uni- versidade de Nottingham, Inglaterra Experimentos com réplicas mos- traram que, em dias claros, os barcos vikings, os langskips (veja mais na pd gina 28), sao visiveis a 33 km. Com Vento favordvel, essa distancia pode dagao moral na Nortimbria, Entre-_ O desembarque viking ser percorrida em uma hora. Este foi tanto, Alcuin ndo presenciou o ataque. no nordeste inglés, ‘0 tempo que os monges tiveram para Pelo contriri: viviana Franea,naccorte onde fiea Lindisfarne, se preparar para o saque. “Os ataques de Carlos Magno,eusouo relatodeLin- pegou.a comunidade a de surpresa. disfarne para fazer doutrinacdo religiosa yi « propaganda negativa dos escandinavos. Aquele sequer foi o primeiro ataque viking, outros jé haviam sido atribuidos aos nérdicos anos antes, um ppovo conhecido dos ingleses e com o qual faziam co- meércio. “Foi o equivalente viking do 11 de setembro", compara o pesquisador Shane McLeod, da Universi- dade de Stirling, Escdcia, “Foi o ataque que chamou a atengio de todo mundo. Eles estio aqui, e estdo ativos". Hoje, na Ilha Sagrada, nada resta do mosteiro de madeira do século 7. E nio se sabe sequer de qual parte da Escandinavia os saqueadores pertenciam. “A maioria era de mercadores, querendo enriquecer eram normalmente de surpresa’, conta © professor Julian Richards, da Uni: versidade de York. Estudiosos concor- dam, entretanto, que a invasdo nao foi ao acaso, Os vikings sabiam que mosteiros a beira-mar, nas Ihas Britdnicas, eram desprotegidos e repletos de riquezas. Nas décadas seguintes a Lindisfame, os saques foram incontaveis. Escritos irlandeses chegaram a reportar, com certa monotonia, ataques anuais, Pedir a Deus para afastar os barcos nérdicos passou a fazer parte das oragdes: Amargo ¢ o vento esta naite/agitando as

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