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Introdução

Beth Brait

Bakhtin e o Círculo dá continuidade à proposta contida em Bakhtin:


conceitos-chave (Contexto, 2005) e Bakhtin: outros conceitos-chave (Contexto,
2006). Assim como os dois anteriores, o objetivo maior é apresentar o que hoje
se denomina pensamento bakhtiniano, constituído não somente pelos escritos
de Mikhail Mikhalovich Bakhtin (1895-1975), mas também pela produção de
intelectuais de diferentes áreas que com ele participaram, nas Rússias compreen-
didas entre os anos 1920 e 1970, de vários e produtivos Círculos de discussão e
construção de uma postura singular em relação à linguagem e seus estudos.
Diferentemente dos dois primeiros, este terceiro não se organiza a partir de
conceitos-chave, no sentido de procurar situar para o leitor alguns dos cons-
trutos teóricos essenciais à identificação desse pensamento. Sem abandonar os
pilares que definem e sustentam esse pensamento, este volume procura surpre-
ender as especificidades pelo ângulo da rede de textos com dupla assinatura e
que, dependendo da época e/ou da tradução, privilegiam uma delas ou ambas.
O caminho aqui escolhido passa, inicialmente, pelo capítulo intitulado “Da
Rússia czarista à web”, de Beth Brait e Maria Inês B. Campos, que, à moda de
uma viagem de trem, surpreende os vários membros do Círculo em diferentes
Bakhtin e o círculo

estações. Essa viagem inicia-se na cidade natal de cada um e aporta na web que
hoje, ao lado de uma infinidade de estudos, os abriga. A tentativa é de possi-
bilitar ao leitor conhecer os contextos que, existindo de fato, são necessários à
compreensão dos agentes de conhecimento que neles atuaram.
Na sequência, aparece o comentário crítico de cada um dos trabalhos dis-
putados, realizado por especialistas brasileiros e estrangeiros. Tendo em vista
a necessidade de entender os contextos que abrigam Bakhtin e o Círculo, no
passado e na atualidade, a reflexão sobre o conteúdo específico de cada texto
está acompanhada, tanto quanto possível, dos contextos geradores, divulgadores
e receptores da obra em pauta.
O capítulo “Voloshinov: a palavra na vida e a palavra na poesia” foi elaborado
por Tatiana Bubnova, conhecida não apenas pelos seus estudos sobre Bakhtin
e o Círculo, mas também pelas traduções feitas para o espanhol, diretamente
do russo. O texto comentado, tendo sido assinado por Voloshinov em 1926,
na década de 1970 foi atribuído a Bakhtin. Além do importante conteúdo, a
autora discute a polêmica questão da autoria.
“O freudismo: uma crítica à ideologia psiquiátrico-psicanalítica” foi realiza-
do por Marcos A. Moura-Vieira, psiquiatra e doutor em Linguística, atributos
que o qualificam para apresentar o comentário analítico de dois textos rara-
mente estudados, apesar de sua fundamental importância para o diálogo que
o Círculo travou com as principais correntes científicas da época: “À margem
do social: ensaio sobre o freudismo”, publicado em 1925 e O freudismo: ensaio
crítico, de 1927, ambos assinados Voloshinov. Constituindo textos disputa-
dos, merecem do autor cuidadosa discussão, aí incluídos os conteúdos e sua
organização, as relações com a psicologia da época e com as ideias de Freud e,
ainda, a recepção no Ocidente.
Em “O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma
poética sociológica”, Sheila Vieira de Camargo Grillo trabalha mais um texto
fundamental para a compreensão do pensamento bakhtiniano e seu diálogo, na
década de 1920, com as principais correntes filosóficas, linguísticas e literárias
da época. Trata-se do livro O método formal nos estudos literários: introdução
crítica a uma poética sociológica, assinado Medvedev, considerado mais uma
prova da estreita colaboração intelectual entre Bakhtin, Voloshinov, Medve-
dev. Depois da circunscrição do contexto russo e da discussão da questão da
autoria, a autora retoma os formalistas russos e detalha a obra, em diálogo
com esses teóricos.

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Introdução

A obra Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do méto-


do sociológico na ciência da linguagem (1929), assinada Bakhtin (Voloshinov),
Voloshinov ou somente Bakhtin, dependendo da tradução, mereceu dois en-
saios: “Bakhtin/Voloshinov: condições de produção de Marxismo e filosofia da
linguagem”, de Ana Zandwais, e “Formas sintáticas de enunciação: o problema
do discurso citado no Círculo de Bakhtin”, de Gilberto de Castro. O conjunto
das discussões apresentadas pelos dois especialistas dá conta do entorno históri-
co, dos interlocutores com quem a obra dialoga na Rússia dos anos 1920 e da
inovadora concepção de discurso citado aí apresentada, ou seja, dos processos
de referência à palavra alheia como constitutivos da linguagem.
Além dos ensaios, o fechamento deste livro se dá com um inédito: “O
vitalismo contemporâneo”, de I. Kanaev (M. Bakhtin). Assinado I. Kanaev
(Bakhtin), esse é mais um dos textos em que a autoria é discutida e que não
tinha, até o momento, tradução para o Ocidente. O tema não é literatura, mas
biologia, reafirmando a interdisciplinaridade das discussões do Círculo. Está
apresentado na versão para o espanhol, feita diretamente do russo por Tatiana
Bubnova, e na versão para o português, feita por Adail Sobral, também autor
da apresentação que situa a importância do texto.

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