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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

História da Filosofia no Brasil I

ARQUEOGENEALOGIA: Subjetividade e Desejo

Segundo o conceito de Antônio Joaquim Severino

Trabalho apresentado à disciplina História da


Filosofia no Brasil I do Curso de Graduação em
Filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo,
como requisito para avaliação. Orientador: Prof.:
Antônio Vidal Nunes

VITÓRIA

2012
Atualmente, na reflexão filosófica brasileira, uma nova orientação do filosofar vem
tomando forma: a arqueogenealogia. Fundamenta-se “basicamente numa proposta
de se ampliar o território da reflexão filosófica, até então limitado ao universo da
razão pura”.

A arqueogenealogia pode ser definida como sendo uma abordagem da realidade


humana que não se preocupa em explicá-la em um sentido epistemológico
tradicional, mas antes, tem como projeto comum dos seus pensadores a busca de
certo sentida para vida humana. "Seu objetivo é o de se aproximar do homem
através da discussão das condições de sua existência na trama concreta e imediata
do seu modo de ser humano." (SEVERINO. 1999, p.197)

Esse projeto arqueogenealógico visa uma ruptura com o modelo de pensamento


moderno imposto pela razão iluminista, pois a considera como exaurida, e diz ainda
que suas promessas foram incapazes de libertar o homem e, ao invés disso,
transformou-o num simples objeto de manipulação. É visada aqui, a recusa da
própria concepção de subjetividade imposta pela modernidade, para colocar em seu
lugar uma concepção do homem como átomo singular, sem identificação alguma
com o universal. Mas não se quer aqui uma recusa total daquilo que foi a tradição
iluminista, é ainda possível o aproveitamento de elementos dessa corrente para o
enriquecimento do projeto.

A filosofia arqueogenealágica estará sempre ou denunciando esta violência


cometida pelos sistemas contra o homem singular ou então tentando
desvendar estratégias para o exercício desta singularidade. Ao contrário
das demais tendências da tradição subjetivista da filosofia, a
arqueogenealogia busca assumir, com concretude, a imanência do sujeito,
fundamentalmente corpo. (SEVERINO. 1999, p.197)

Assim, para que aconteça essa ruptura com a modernidade se faz necessário a
superação de três forças que aprisionam a subjetividade: a filosofia, a ciência e a
religião.

"O sujeito não é mais cogito puro, ele será agora sensibilidade desejante que se
constitui a partir de um núcleo inconsciente, enérgico libidinal." (SEVERINO. 1999,
p.198). Temos aqui uma tarefa arqueológica, de pesquisa que tem por objetivo
liberar do inconsciente humanos forças latentes que nele encontram-se escondidas,
essas são forças que se opõe ao cogito cartesiano, são potências desejastes que
respondem pela expressão do modo de ser do homem. Assim, seriam valorizados
no homem a inventividade da sua imaginação, os aforismos, a linguagem poética,
etc. Outra supressão visada pelo projeto seria a concepção positivista da existência
de um principio regulador, e com ela qualquer referencia a um progresso, evolução
ou aperfeiçoamento da humanidade.

Filosoficamente falando, para alcançar tais resultados, a arqueogenealogia se utiliza


como pensamento base três autores: Nietzsche, Freud e Foucault.

Nietzsche entra com a crítica radical que fez a cultura ocidental contemporânea,
onde atribui toda carga de desumanização e seus elementos racionalistas
iluministas apropriados pelo cristianismo. Aqui procedemos com uma análise
genealógica da racionalidade técnico-cientifica, mostrando que a cultura ocidental
precisa ser repensada a partir da vontade de potência, para que não seja mais a
razão pura quem dite as regras, mas que possamos reconstruir nossa cultura a partir
da sensibilidade criadora da atividade estética, ou seja, na arte, pois segundo
Nietzsche, essa é muito superior ao puro saber racional.

Freud contribui com a tarefa arqueológica, visando à descoberta de forças latentes


que estariam enterradas no inconsciente, ao submeter às pretensões do cogito à
determinação de um sujeito pulsional libidinoso, energicamente impelida à busca de
prazer. Assim, a concepção do sujeito como pura racionalidade fica comprometida,
já que desejos inconscientes estariam envolvidos em nossos atos de conhecimento.

Já Foucault entra com uma nova prática epistemológica. Em sua analise


arqueológica busca-se explicitar as condições de formação, aparecimento,
desenvolvimento, transmissão, apropriação, e desaparecimento do discurso. O
discurso é considerado aqui, como um monumento e o que queremos dele descobrir
é justamente o seu conteúdo arqueológico, ou seja, passar do enunciado do
discurso para chegar onde o discurso real se dá.

Dessa forma podemos dizer que a nomenclatura “arqueogenealogia”, denominada


por Antônio Joaquim Severino (1999), vincula duas perspectivas - arqueológica e
genealógica. A perspectiva arqueológica, herdada da psicanálise, faz uma análise
aprofundada no intuito de buscar nas raízes do ser humano seus verdadeiros
arquétipos (falando antropologicamente em termo de espécie); a perspectiva
genealógica procurará por meio dos conceitos de moral e de sexualidade, a sua
própria origem. Dessas perspectivas a arqueogenealogia buscará ampliar uma
história de subjetividade e de desejo, diferente de uma história positivista ou
naturalista ou praxista.

No Brasil, os representantes mais importantes ao tratar de arqueogenealogia são os


pensadores Rubem Alves e Marilena de Souza Chauí.

A postura arqueogenealógica não pleiteia apenas por um novo estilo de


vida, mas também por um novo estilo de pensar e de se expressar. Recusa
o estilo formal acadêmico de escrita. Segundo Rubem Alves, tal estilo visa
calar, confundir ou amedrontar o leitor, integrando todo o equipamento de
opressão do homem pelos sistemas. (SEVERINO. 1999, p.209)

Para Severino, a subjetividade humana é muito mais ampla. Um exemplo é o


pensamento do professor Rubem Alves no qual podemos citar um artigo escrito no
jornal “Folha de São Paulo” sobre as Olimpíadas de Pequim, intitulado “Não vou ver
as competições...”

ENSINOU no Departamento de Educação Física da Unicamp um professor


português que tinha uma tese curiosíssima sobre o atletismo. Ele dizia que
o atletismo faz mal à saúde. Para provar seu ponto, perguntava: ‘Você
conhece um atleta longevo? Quem vive muito são aquelas velhinhas
sedentárias que tomam chá com bolo no fim da tarde’. [...]. Os animais não
competem. Não têm interesse em saber qual é o melhor. Se eles pulam e
correm, o fazem pelo puro prazer de pular e correr. [...]. Numa Olimpíada,
nenhum atleta executa sua atividade pelo prazer de executá-la. Cada atleta
executa a sua coisa para provar-se o melhor de todos. [...]. O seu prêmio é
algo abstrato, fora do corpo, medido por números. O atleta só fica feliz
quando a fita métrica ou o relógio dizem que a sua marca foi a melhor.
Observe os corpos das nadadoras. São máquinas especializadas numa só
função, treinadas por anos para derrotar a água. [...]. Numa competição de
natação, a nadadora luta contra a água. A água, sua inimiga, resiste. Ganha
a atleta que ficar menos tempo dentro da água. O prazer da nadadora não
está na água; está no cronômetro. O sentido original da palavra ‘estresse’
pertence à física, no campo da mecânica aplicada. Para determinar a
resistência de um material, é preciso submetê-lo a ‘estresse’, isto é, a
forças, até o ponto de ele se partir. O ponto em que ele se parte é seu
limite. A competição é essencial ao atletismo porque é só por meio dela que
se podem fazer comparações. [...]. Comparo vários atletas para ver qual
tem o melhor desempenho quando submetido ao estresse máximo. [...]. Se
o atletismo é isso, a tese do professor de educação física a que me referi
acima está justificada. A competição é uma violência a que o corpo é
submetido. A imagem mais terrível que tenho dessa violência é a da
corredora suíça, ao final de uma maratona, algumas Olimpíadas atrás [Los
Angeles, 1984]. Chegando ao estádio, o corpo dela não agüentou. Os
ácidos e o cansaço o transformaram numa massa amorfa
assombrosamente feia. Ele não queria continuar; desejava parar, cair. Mas
isso lhe era proibido: uma ordem interna lhe dizia: obedeça, continue até o
fim. Ninguém podia ajudá-la. Se alguém o fizesse, ela seria desclassificada.
O locutor, comovido, louvava o extraordinário espírito olímpico daquela
mulher. Ele não compreendia o horror daquilo que ele considerava sublime.
[...]. O corpo não gosta de competições e Olimpíadas porque elas existem
sobre o estresse. E o estresse faz sofrer. [...]. Basta observar a máscara de
dor nos seus rostos. [...]. O que o espírito olímpico deseja é levar o corpo
aos limites do estresse. E o limite do estresse é a morte. Não vou ver as
competições. Mas vi o espetáculo maravilhoso da abertura.[...]. Porque é
bonito... (ALVES. 2008)

No contexto desses jogos os mais eufóricos chegam a comentar que a olimpíada é o


supra-sumo do ideal humanístico. Contudo, Rubem Alves tece uma crítica refletindo,
entre outros aspectos, sobre a competitividade trazida nas olimpíadas como sendo
algo deveras maléfico à conceituação de humanismo e, por conseguinte, à
construção do sujeito humano.

Por esses percalços, a arqueogenealogia corrobora na critica aos sistemas e


mecanismos de opressão do homem e revela, também, a urgente necessidade de
novas formas de sensibilidade para o redimensionamento do existir humano. Diante
do exposto, Severino (1999) conclui:

A filosofia arqueogenealógica é, em última instância, uma busca pelo


sentido para o existir humano na trama concreta e imediata do seu modo de
ser eminentemente singular no mundo da cultura. [...] ao mesmo tempo que
manifesta indícios da especificidade humana, da dignidade e do poder
especificamente humanos, é o lugar de sua dominação e de seu
aviltamento. (SEVERINO. 1999, p. 208)

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. “Não vou ver as competições...”. Folha de S. Paulo. Edição 498. São
Paulo, 2008

ROMANELLI, Otaiza De Oliveira. História da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2001


SEVERINO, Antônio Joaquim. A Filosofia contemporânea no Brasil. Petrópolis: Vozes,
1999.

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