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Geral

• A partir do século XV, os europeus levaram o seu direito para outras zonas do mundo. Este
processo, no entanto, deve ser visto como um fenômeno muito complexo, em que as
transações jurídicas se efetuam nos dois sentidos, e a violência se combina com a aceitação.

A estrutura política do império


• Com a expansão ultramarina, tinha que se distinguir o estatuto político e jurídico dos
colonos a viver no ultramar do dos povos nativos.
◦ Aos portugueses era aplicado o direito do reino, embora, a tal distância, estivesse sujeito
aos particularismos locais.
▪ Mesmo a estrutura do governo de tipo tradicional, reservada às zonas de ocupação
terrestre mais permamente, é afetada por particularismos institucionais ou práticos.
▪ Nas outras zonas, é possível estabelecer uma gradação entre modelos mais
tradicionais e formais.
◦ Os nativos, em contrapartida, não se regiam pelo direito da metrópole, embora se
pudesse aplicar-lhes enquanto súditos territoriais do rei.
◦ A maior ou menor intensidade do poder colonial e as perspectivas cruzadas de
colonizadores e colonizados particularizavam e complexificavam mais a vigência desta
regra formal do direito culto europeu.
▪ O império colonial português foi muito marcado pela dispersão territorial, de modo
que os modelos clássicos tradicionais na Europa de organizar politicamente o espaço
se tornavam ineficazes. Por isso, ele não se organizava de forma homogênea, antes
fazendo conviver instituições muito variadas, de acordo com as conveniências locais.
• "Nunca os sereníssimos reis de Portugal se institularam de alguma província sujeita."
◦ Essa mistura de poderes não chocava o imaginário político da época, uma vez que era
comum a divisão de poderes entre: Coroa, Igreja, municípios, senhorios e da família.
Também a existência de periferias populacionais não integradas era algo familiar.
◦ Aplicadas ao espaço ultramarino, esta flexibilidade de organização era muito vantajosa.
• A extensão ao império do enquadramento político da gente e do espaço que vigorava no
Reino representaria uma mobilização de meios humanos e financeiros que um pequeno país
não podia suportar.
◦ Isso representava uma economia decisiva de esforços.
◦ O resultado seria um Império pouco imperial: heterogêneo, descentralizado e ponteado
de soluções políticas bastante diversas e onde a resistência do todo decorria de sua
maleabilidade.
▪ Representando o caráter minimalista das ambições políticas.
• O modelo de um poder absoluto no plano externo cede perante esta multiplicidade de
modelos políticos, em que a Coroa portuguesa convive e partilha atribuições com os poderes
locais e poderes externos.
◦ Para além das situações em que a administração assumia formas de governo direto,
raramente a ocupação portuguesa implicava mudanças formais na estrutura
administrativa precedente, com a condição de não prejudicar as finalidades pragmáticas
do ocupante.
▪ Uma vez que o regime de autogoverno era mais econômico. Além do mais, não tanto
por uma generosidade em relação aos vencidos, mas pela consciência da
impossibilidade de administrar diretamente ou com recurso aos modelos europeus.
• Podemos dizer que, no ultramar, predominavam magistraturas extraordinárias ou
comissariais, ou seja, aquelas cujas competências não estavam fixadas na ordem do direito e
dependiam apenas da vontade do rei.
◦ A mobilidade das coisas ultramarinas exigia flexibilidade das comperências.
◦ Assim, as atribuições dos órgãos de governo dependiam de soluções casuísticas.
◦ A lei geral era substituída pela pragmática, pelo regimento ad hoc.
◦ O domínio político transformava-se numa rede de relações em que o fator de fidelidade
pessoal se sobrepunha ao fator político-jurídico que caracteriza as relações
administrativas formais.

O direito e a justiça
• O direito em vigor no império era, em princípio, o direito português, tal como estava contido
nas Ordenações, legislação real e doutrina vigentes no Reino. No entanto, este princípio não
levava a uma pura e simples aplicação territorial do direito do Reino.
◦ Entravam aqui em funcionamento as normas de conflitos do direito comum que
regulavam os critérios pelos quais se decidia a aplicação do direito de um reino.
◦ Nesta época, predominava a teoria estaturária, segundo a qual o direito do reino só se
aplicaria, em princípio, aos seus naturais. Este princípio conhecia algumas limitações,
inspiradas por soluções casuísticas, bem como por razões de equidade.
▪ Os que se tornassem escravos passavam a estar sujeitos às leis do reino, como
membros de uma comunidade doméstica portuguesa.
▪ Nas relações mistas, os portugueses procuravam chamar a outra parte para o foro
régio, embora existissem normas destinadas a proteger os nativos dos abusos dos
europeus na utilização de um foro e de um processo que estes dominavam e
utilizavam a seu bel prazer.
▪ Também se verificavam situações em que os portugueses se submetem às justiças
locais.
◦ Nos casos normais, mesmo que juízes portugueses tivessem jurisdição sobre nativos, o
julgamento destes nas questões entre eles teria que decorrer de acordo com o direito
indígena, exceto nos casos em que estivessem em causa valores supremos, de natureza
política ou religiosa.
◦ Existia outro princípio que era dominante sempre que a questão a regular estivesse
relacionada com a afirmação de poder do príncipe, na qual o direito do reino tinha
aplicação territorial.
▪ Em suma, para o direito português, o âmbito de aplicação espacial das ordens
jurídicas portuguesa e indígena era o produto da compatibilização destes dois
princípios:
• Personalidade do direito – questões de estatuto pessoal.
• Ligação entre direito e soberania territorial – estaturo político ou bens imóveis.
• O pluralismo jurídico se explica por questões de razões de ordem prática, uma vez que
representava uma enorme economia de meios para a administração colonial. Mas eram,
ainda, confirmadas por razões mais profundas:
◦ Discussões acerca de questões como as da legitimidade da guerras de conquista, etc.
◦ Teólogos da Segunda Escolástica peninsular tinham autonomizado a natureza em relação
à fé e, consequentemente, achavam que as instituições dos povos ou comunidades
deviam ser respeitadas, independente da ortodoxia religiosa desses povos.
▪ Fundamentado na ordem natural do homem, definido como um ser racional e
sociável, portador de uma única natureza. O que minava ideias de supremacia dos
poderes e instituições cristãs sobre os restantes, consequentemente, minando a
legitimidade de obrigar outros povos a aderir à mensagem de Cristo, e, sob um ponto
de vista mais macro, minando qualquer superioridade de uma cultura sobre outra.
• Francisco de Vitoria – tratado sobre os índios
◦ O pecado mortal não impede a propriedade civil de ser uma verdadeira propriedade.
◦ A infidelidade não é impedimento de que alguém seja verdadeiro proprietário.
◦ A guerra tinha que ser justa, defensiva
• As guerra justas ofensivas:
◦ Interdição de divulgar a mensagem cristã, que devia ser ouvida, independentemente da
sua aceitação.
◦ A violação da paz
◦ A opressão injusta de inocentes
◦ O impedimento do comércio pacífico
• As guerras injustas que eram realizadas:
◦ Guerra ordenada pelo Papa
◦ A conversão forçada ao cristianismo
◦ A pretexto da prática pelos indígenas de atos considerados bárbaros ou depravados.
• Injusta a guerra, era também qualquer ato que decorresse dela, como:
◦ A destruição das comunidades indígenas
◦ A apropriação dos seus bens
◦ O cativeiro dos seus membros
◦ A conversão ao cristianismo
• A justificativa das cruzadas era territorial, mas não abrangia a América, África meridional
ou o Extremo Oriente.
• Este universo ideológico contrapunha-se, porém, a outros, de sentido diverso. Um deles era
o da oposição entre comunidades civilzadas e comunidades rústicas, que reduzia as últimas a
uma situação de menoridade civil e política, legitimando, pelo menos, uma tutela
civilizadora. E, de fato, muito dos povos nativo eram "tutelados" como se fossem crianças.
◦ Dominngo de Soto reconhece que existem nações que nasceram para servir e que,
portanto, devem ser subjugadas pela força. Esta subjugação podia até ser justificada
como uma medida de misericórdia por pessoas oprimidas por ordens nativas injustas e
cruéis, como seriam as destes selvagens.
▪ Assim, os nativos eram os inimigos, o que explica a tensão entre a legislação do
reino que proibia a escravização dos nativos e as pretensões esclavagistas e de
extermínio normais entre os colonos.
◦ Assim, a guerra se justificava por alargar a fé e o reino.
• Não obstante, tanto as situações políticas como os imaginários dominantes confluem num
reconhecimento amplo da vigência de direitos locais, embora sempre limitado pela ideia de
que a submissão política devia ter consequências no plano do direito que hoje chamamos
público e de que o objetivo de cristianizar e de civilizar podia levar a limitações na esfera de
auto-organização e de autorregulação dos povos indígenas.
• Algumas comunidades tiveram um regime jurídico especial, pois eram regidas pelo seu
próprio direito e governadas por autoridades indígenas.
◦ Deste modo, evitava-se aquilo que fontes da época descrevem como a fúria litigante dos
hindus, que, por questões mínimas, destruiriam as fazendas em intermináveis duelos
morais perante os ouvidores letrados oficiais.
◦ Embora os cristãos tenham um direito próprio na ordem jurídica gentia, beneficiando-os,
com o intuito de atrair fiéis.
▪ Tal proteção no plano civil e político baseava-se justamente na existência de regimes
jurídicos mais favoráveis e no reconhecimento de um poder de tutela por parte de um
curador coletivo. Assim, os indígenas cristãos nem gozavam da plenitude da
capacidade jurídica perante o direito do reino, nem se desligavam completamente da
ordem jurídica local.
◦ Em 1587, a justiça sobre os chineses não competia às autoridades portuguesas, não
podendo os ouvidores portgueses interferir na jurisdição que o mandarim do distrito de
Macau tinha sobre as questões internas da comunidade chinesa residente em Macau.
Salvo os casos de relações mistas.
• No Brasil, pode falar-se de um duplo particularismo do direito.
◦ O direito metropolitano era apropriado pelas comunidades colonas locais e suas elites,
bem como era adaptado às circunstâncias locais pelos tribunais e juízes da terra.
◦ A vivacidade da autorregulamentação local das comunindades colonas tem vindo a
ganhar evidência. Tem-se salientado o poder político e de auto governo das elites das
terras, a manipulação que faziam os funcionários e instituições da coroa, a autonomia
dos oficiais locais, bem como a sua capacidade de construir um poder próprio a partir da
confusão jurisdicional e da distância que os separava da coroa e dos seus agentes.
▪ Explicado com uma metáfora, descrevendo a situação do Sol em analogia ao rei.
• Em algumas ocasiões os indígenas faziam a própria república e justiça, que, as vezes, eram
reconhecidas formalmente pelos portugueses.
• O caso da Angola fornece elementos sobre a complexidade das relações entre os direitos
indígenas e o direito dos colonos e da metrópole. Por um lado, as autoridades coloniais
apareciam a julgar segundo o direito indígenas e de acordo com as suas praxes processuais.
◦ Por vezes, isso permitia controlar o julgamento de questões entre indígenas cujo
desfecho interessava aos colonos, revelando um oportunismo jurisprudencial.

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