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Belo Horizonte, 01 de outubro de 2014.

Prezados(as) Senhores(as),

No decorrer dos últimos vinte anos o Brasil tem avançado positivamente, mesmo que não na
velocidade e intensidade desejada, na proteção ao patrimônio arqueológico. A portaria IPHAN
230/2002, apesar de apresentar lacunas e falhas, mudou drasticamente os procedimentos da
Arqueologia, podendo ser considerada um marco na defesa ao patrimônio.

No último mês, a publicação de carta redigida pelo Sr. Marcos Paulo de Souza Miranda, intitulada
“O fim da Arqueologia Preventiva”, trouxe à tona a elaboração, por parte do IPHAN, de uma
Instrução Normativa (IN), cujo conteúdo e teor foram duramente questionados pelo autor, em
razão de incongruências com o atual processo de licenciamento ambiental, com a legislação
vigente e com os princípios que regem a proteção do Patrimônio Cultural.

O IPHAN então se manifestou de maneira inconclusiva, parcial, passional e fugidia acerca das
questões colocadas pela dita carta, abstendo-se, naquele momento, de circular e abrir a elaboração
do documento à discussão pública, e cujo conteúdo, até então, era restrito aos escritórios e
corredores do órgão. Tal pronunciamento sobre os questionamentos da dita carta não lhe responde
adequadamente, maquilando e minimizando a participação do IPHAN enquanto um órgão voltado
à proteção patrimonial e tecendo ataques pessoais e desqualificadores acerca da carta e de seu
autor.

Diante das respostas do IPHAN, consideradas insuficientes e inadequadas do ponto de vista


técnico-científico, arqueólogos de todo o Brasil se empenharam em questionar a Sociedade de
Arqueologia Brasileira, que ainda não se manifestara, sobre a nova Instrução Normativa. Uma
comissão de arqueólogos foi então formada a fim de se reunir no IPHAN para obter acesso à nova
regulamentação e garantir a participação mínima de profissionais atuantes na área em sua
elaboração. Estranhamente, até o momento não foi divulgada a ata - apenas uma nota da presidente
da SAB divulgada no sítio da sociedade - desta reunião. Estranha-se também o silêncio/omissão
desta Sociedade diante da solicitação formal da Sociedade Brasileira de Espeleologia para fazer
parte da comissão que participaria da dita reunião.

Sem prejuízo, reconhecemos a necessidade de revisão da legislação concernente ao tema. No


entanto, a divulgação da proposta de Instrução Normativa, além de uma surpresa no sentido de
seu surgimento súbito e conteúdo não discutido com o público em geral, também espanta no
retrocesso destas conquistas. Claramente desassociada de princípios científicos básicos e
proposições internacionais e nacionais sobre a proteção e gestão do patrimônio, a Instrução
Normativa se constrói muito mais como um dispositivo político de supressão de barreiras aos
interesses do governo atual, do que como instrumento de proteção ao patrimônio que se propõe
que ela seja.

Ao observador desavisado, a morosidade dos processos de licenciamento denota que estes em sua
própria natureza são culpados pela lentidão dos avanços no desenvolvimento econômico e social
do país. No entanto, cabe atestar que na imensa maioria dos casos, as etapas mais demoradas dos
licenciamentos são as que cabem justamente ao próprio governo. A inversão da responsabilidade
se opera de forma dissimulada, colocando sobre os ombros dos pesquisadores os entraves hoje
encontrados pela sociedade brasileira em seu desenvolvimento, desvinculando o problema de seu
maior proponente e perpetuador, a estrutura mal aparelhada e subdesenvolvida do governo federal
para atender a estas demandas.

Não acreditando em mal entendidos ou boas intenções desvirtuadas pelas circunstâncias, sob a
pena de em outra forma nos vermos obrigados a entender que os envolvidos são inadequados para
o desenvolvimento de suas funções ao não serem conscientes das consequências de seus atos, só
nos resta ver o decorrer destes acontecimentos como um esforço deliberado em prol de interesses
específicos.

Assim, sendo claros, acreditamos que ao optar pela redução da proteção direcionada ao patrimônio
como meio de correção a barreiras institucionais impostas pela própria estrutura burocrática do
país, o IPHAN e demais proponentes da nova Instrução Normativa são parte de um esforço
consciente no intuito de avançar os interesses políticos do governo federal ao custo do patrimônio
e da infração de suas obrigatoriedades constitucionais de proteção deste, sob um discurso
falacioso de desburocratização do processo de licenciamento.

Muito pelo contrário, entendemos que a conciliação da celeridade dos licenciamentos com a
preservação e estudo adequado do patrimônio é possível, e passa muito mais pela reestruturação
e reaparelhamento dos órgãos institucionais responsáveis do que a sujeição dos bens patrimoniais
a um regime que a eles não é inerente, o do jogo político. Nós aqui signatários deste documento
escolhemos essa última posição.

Elaborado de forma coletiva durante as duas reuniões ocorridas nos dias 24 e 29 de setembro na
cidade de Belo Horizonte, com a participação de arqueólogos Pós-Doutores, Doutores, Mestres e
estudantes de graduação, viemos repudiar veementemente esta proposta de Instrução Normativa.

Começando, elencamos abaixo os princípios da legislação federal, das Cartas Patrimoniais das
quais o Brasil é signatário, e técnico-científicos que julgamos terem sido violados direta ou
indiretamente pela redação proposta na nova Instrução Normativa do IPHAN:

- A Constituição Federal, em seus artigos 23 inciso III, que postula como competência
compartilhada entre União, Estados e Municípios, “proteger os documentos, as obras e outros
bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os
sítios arqueológicos”e IV “impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte
e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural”; 216A especialmente no que tange aos
incisos VII, IX, X, XI, quais sejam, a transversalidade das políticas culturais, a transparência e
compartilhamento de informações, democratização dos processos decisórios com participação e
controle social, descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações.
Afrontam-se assim os princípios da Proteção, da Fruição Coletiva (dado pelo caput do Art. 214),
da Prevenção de Danos (colocados pelo parágrafo 4°do art. 216), da Responsabilização (art. 225
par. 3°) e da Solidariedade Intergeracional (caput do art. 225);

- O Decreto Lei n°25 de 1937, art. 23, que determina que a União e Estados desenvolverão
acordos para a coordenação e desenvolvimentos de atividades relativas à Proteção do Patrimônio
Histórico e Artístico e o Art. 25, que pressupõe que o IPHAN procurará entendimentos com a
sociedade, especialmente instituições eclesiásticas, científicas, históricas ou artísticas, para obter
sua cooperação em benefício da preservação deste mesmo patrimônio. Além disso, destaca-se a
afronta ao princípio da Vinculação de Bens Culturais;
- A Lei Federal 3.924 de 1961, que determina em seu art. 1° a responsabilidade do Poder
Público em promover a proteção dos bens arqueológicos e o art. 3, que destaca que não podem
ser realizadas a destruição, mutilação e aproveitamento econômico das jazidas
arqueológicas antes que sejam devidamente pesquisadas;

- A resolução Conama 01 de 1986, que regulamenta os estudos obrigatórios relacionados


aos Licenciamentos Ambientais, especialmente no que se refere aos Estudos de Impacto
Ambiental e nos quais deve constar o Diagnóstico Ambiental que inclua, no mínimo, os estudos
referenciados no art. 6° inciso I, dos quais destacamos o item C, que inclui os sítios e monumentos
arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, considerando ações de dependência da
sociedade em nível local com os recursos ambientais e o potencial de uso futuro desses recursos.

- A Portaria IPHAN 07 de 1988 que trata, em seu art. 6°, dos prazos cabíveis à manifestação
do órgão acerca de pedidos de pesquisa, no caso, 90 dias, sem prejuízo da necessidade de
eventuais complementações, que reiniciam o prazo, e o artigo 9° e seu parágrafo único que
consideram o arqueólogo fiel depositário do material arqueológico inserido no âmbito da
pesquisa;

- A resolução CONAMA 237 de 1997, em seus artigos 2°e seu parágrafo 1°, que dispõe
sobre os empreendimentos sujeitos ao Licenciamento Ambiental, dadas pelo Anexo I, 3°que
considera obrigatória a realização de Estudo de Impacto Ambiental anteriormente referido, e os
art. 8°e 10°, que colocam as licenças ambientais a serem emitidas no âmbito dos licenciamentos.

- O Princípio do Equilíbrio (Miranda, 2009), que pressupõe a busca, por meio de políticas
públicas, do balanceamento e conciliação da preservação com o crescimento econômico, tendo
em vista o desequilíbrio observado na IN em prol dos projetos de desenvolvimento;

- A Carta de Nova Delhi (1958), da qual o Brasil é signatário, que recomenda a definição
clara de critérios de proteção e gestão desse patrimônio, manifestas também por meio da
Recomendação sobre os Princípios aplicáveis às escavações Arqueológicas (1958), a
consideração da arqueologia como integrante do conjunto de bens patrimoniais históricos, a
criação de uma documentação central que congregue os elementos e mapas de bens patrimoniais,
a consideração da Preservação in situ como medida de proteção dos Sítios e sua ambiência e a
exigência de garantias recíprocas, que pressupõem que as permissões arqueológicas emitidas
pelos governos só sejam concedidas a profissionais qualificados ou pessoas que ofereçam sérias
garantias científicas, morais e financeiras;

- As normas de Quito (1967), por sua vez, colocam que os monumentos de interesse
arqueológico, histórico e artístico são também recursos econômicos, assim como as riquezas
naturais, devendo fazer parte dos planos de desenvolvimento. Trata-se, segundo a carta, “de
incorporar a um potencial econômico um valor atual; de pôr em produtividade uma riqueza
inexplorada mediante um processo de revalorização”, passando do domínio de exclusividade das
minorias eruditas para o conhecimento e fruição de maiorias populares. Dispõe também que bens
arqueológicos, históricos e artísticos devem ser preservados e utilizados em função do
desenvolvimento, com incentivos ao turismo. Reiteramos assim os requisitos prévios voltados à
revalorização do patrimônio, quais sejam, legislação eficaz, organização técnica e planejamento
nacional;

- A recomendação Paris de Obras públicas ou privadas (1968), que dispõe, em seus


princípios gerais, sobre a necessidade de se aplicar, por todo o território nacional, medidas de
proteção amplas a todo o patrimônio arqueológico e não somente a alguns desses bens, sobre o
caráter preventivo e corretivo no âmbito dessas obras, e a preferência pela preservação in situ dos
bens ameaçados de forma a manter sua continuidade e significação histórica. A obrigatoriedade
de sempre realizar estudos minuciosos e o registro completo dos dados de interesse acerca desses
bens. Da necessidade de publicação dos dados e relatórios relativos aos salvamentos de sítios a
serem impactados. Pressupõe também, nas medidas de preservação e salvamento, o respeito à
antecedência dos estudos arqueológicos ao início das obras, a criação de reservas técnicas
adequadas e a realização de zoneamentos em áreas arqueológicas para a salvaguarda e
preservação de estratigrafias e outros elementos arqueológicos para pesquisas aprofundadas;

- A Carta de Veneza (1964), que dispõe sobre a necessidade de preservação, manutenção,


conservação e restauração de monumentos históricos que tenham adquirido significação cultural,
assim como postula princípios para as intervenções nesses locais, considerando tanto sua
materialidade quanto sua historicidade;
- A Carta de Lausanne (1990), em seu art. 2°, 3° e 4°determina que se devem minimizar,
da maneira mais abrangente possível, os impactos sobre o patrimônio arqueológico, por meio da
regulamentação dos planos de uso do solo de projetos desenvolvimentistas, com integração das
políticas de proteção a esses planos e participação popular efetiva, acesso ao conhecimento e
ampla divulgação de informações. Coloca também a imperiosa necessidade de se garantir a
preservação in situ e a adequada consideração dos imperativos de pesquisa, a obrigatoriedade de
se exigirem estudos prévios e o estabelecimento de documentação arqueológica completa, com
prejuízo às demandas programáticas dos empreendimentos, a obrigatoriedade de se promoverem
inventários gerais de potencial arqueológico, obrigatórios na gestão e proteção do Patrimônio.
Ademais, a mesma carta coloca, em seu art. 6°, a preservação in situ como um objetivo
fundamental e básico da Conservação do Patrimônio Arqueológico. O mesmo item considera a
natureza selecionista do processo de preservação, que deve, obrigatoriamente, ser fundamentado
em critérios científicos de relevância e representatividade e a supremacia da participação popular
e da divulgação das informações com sua atualização frequente para a preservação e conservação
dos bens arqueológicos;

- O Princípio da Precaução, colocado pela Carta do Rio (1992), postulando que, quando
houver perigo de dano grave ou irreversível, a incerteza científica não deverá ser utilizada como
razão para postergar a adoção de medidas eficazes para impedir a degradação do meio ambiente,
entre os quais se insere o Patrimônio Cultural;

A partir dos referenciais citados, apresentamos abaixo os principais pontos de inadequação


técnico-científica da proposta de Instrução Normativa considerando os eixos apontados a seguir:

1. Estrutura do IPHAN e prazos

Chama-nos a atenção na referida IN a inadequação e imprudente estipulação de prazos


inexequíveis à atual estrutura física e pessoal do IPHAN. Atualmente a Portaria Interministerial
nº419 de 26 de outubro de 2011 define os prazos de resposta ao IPHAN aos processos de
de
arqueologia. Nesta Portaria, os prazos máximos estipulados estão fixados em 90 dias no caso
EIA/RIMA e 30 nos demais. Atualmente, o IPHAN não tem conseguido cumprir estes prazos na
maioria dos casos, devido a precariedade de sua estrutura e quadro. É, portanto, ingênuo, para não
dizer pernicioso, propor prazos ainda menores atrelados à liberação da licença do
empreendimento (leia-se destruição do patrimônio) à revelia caso o órgão não cumpra o prazo
estipulado.

A responsabilização pela fiscalização dada pelo art. 54 realmente se mostra necessária. Porém, o
sucateamento do IPHAN e superintendências regionais, a escassez de técnicos, meios e
instrumentos para tal fiscalização devem ser alvo de políticas específicas que visem aparelhar o
órgão para tal, antes da publicação da IN, de modo a respeitar o Princípio da Prevenção de Danos
e da Precaução. Considera-se que a ausência de manifestação do órgão na situação em que se
encontra, provocará inevitavelmente a concessão da licença à revelia. Ou seja, como o órgão não
tem condições logísticas e financeiras de realizar as vistorias, e sendo essas condições para a
análise do cumprimento das obrigações patrimoniais dadas pela IN, prevê-se que a maior parte
das Licenças será concedida à revelia da Manifestação Conclusiva do IPHAN.

2. Sobre a “manifestação conclusiva”

O termo, citado nos artigos 24 ao 30, 35, 36, 39 e 40, carece de embasamento conceitual e
clarificação jurídica, pois deixa em aberto quais aspectos deverão ser claramente abordados. Em
termos gerais, tal compreensão parece ser semelhante à Anuência atualmente vigente. Porém,
deve-se ressaltar a carência de indicações claras de quais deliberações tal manifestação deverá
trazer, acerca de cada etapa do Licenciamento relacionado ao Patrimônio Cultural.
Acreditamos que a ‘Manifestação conclusiva’ não deve se eximir de tecer as considerações
necessárias acerca da aprovação do relatório de Gestão dos Bens Culturais Tombados, Valorados
e Registrados nos empreendimentos de nível III e IV. O texto atual sugere que somente a análise
desse relatório proverá a manifestação conclusiva acerca dos estudos, sem colocar a
obrigatoriedade de aprovação dos relatórios de execução, resultando na impressão de que só sua
existência é suficiente para a obtenção da manifestação. Considerando o pressuposto de que
somente a execução dos estudos e apresentação dos relatórios acerca desses bens são suficientes
para prosseguimento do processo desse ponto de vista, se desconsidera a possibilidade de
Preservação in situ e a obtenção de segurança científica a ser colocada ao processo decisório,
afrontando o princípio da Precaução.

3. Indefinição das rubricas no licenciamento e a classificação dos empreendimentos


em níveis

Nos artigos 13, 16, 18, 20 a 23, 27, 31 a 34, 36, 37 e 40 da referida IN, não há clareza em relação
a qual momento do processo de licenciamento deverá ser dada a manifestação conclusiva do
IPHAN a que se refere. À Licença Prévia (LP), momento de diagnóstico e avaliações de
viabilidade do empreendimento, não foi atribuída claramente a rubrica necessária ao cumprimento
da Resolução CONAMA 01/86 e 237/97. Nesta, no artigo 8 parágrafo 1, a licença prévia é
“concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua
localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos
e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação”. Sendo essa a
fase de definição das alternativas e traçados dos empreendimentos e de verificação e garantia de
de
sua viabilidade ambiental, sua omissão na presente IN decorre na minimização das possibilidades
de Preservação in situ, das exigências análise de relevância científica e cultural, de conciliação
dos empreendimentos com a preservação do Patrimônio, de restrição do processo seletivo para
preservação aos momentos em que já estão definidos os projetos executivos desonerando os
estudos de diagnósticos obrigatórios, desclassificando sua necessidade e secundarizando o
Patrimônio Cultural diante de demandas político-econômicas.

A IN então, enfoca o fato de que os empreendimentos têm a primazia no licenciamento, em


prejuízo do Patrimônio Cultural. Não foram regulamentados mecanismos de valoração e
avaliação de viabilidade do empreendimento desse ponto de vista, exigência da legislação citada
e das Cartas Patrimoniais, sobretudo a Recomendação de Paris de Obras públicas ou privadas
(1968) e a Carta de Lausanne (1990), o que já é uma falha da legislação vigente e que vem
inserindo grande insegurança e falta de parâmetros aos processos decisórios envolvidos no
Licenciamento ambiental. Sugere-se assim objetivar o momento no licenciamento em que essa
manifestação deve ocorrer preferencialmente, quais os impedimentos até que seja emitida e em
quais aspectos é passível a punição pelo descumprimento por parte do empreendedor e do órgão
ambiental. Devem-se também prever mecanismos de avaliação, valoração e seleção de sítios a
serem preservados in situ, assim como instrumentos que favoreçam a alteração dos planos dos
empreendimentos em benefício do Patrimônio Cultural, baseando-se no Princípio da Preservação
in situ, do Equilíbrio, da Participação Popular, da Fruição Coletiva, da Proteção e da
Responsabilização.

Esta postura de secundarização do Patrimônio Cultural pode ser vista na qualificação dos
empreendimentos em níveis e nos procedimentos (artigos 9, 11, 14 a 16, 18, 20, 21, 28 a 30, 33 a
35 e anexos I e II) necessários para os mesmos no que tange a avaliação e proteção de bens
culturais. A existência de níveis de empreendimentos para os quais se excluem levantamentos
arqueológicos prévios, restringindo o patrimônio arqueológico encontrado na área dos mesmos
enquanto “achados fortuitos”, irá fatalmente levar à destruição, descontextualização e mutilação
do patrimônio. O acompanhamento da instalação do empreendimento em caso da identificação
de patrimônio cultural na ADA, associado a termos de compromisso assinados pelo
empreendedor, não tem o mesmo valor técnico-científico dos levantamentos prévios de
diagnóstico. Definir os procedimentos cabíveis à Arqueologia a partir da possibilidade de
alteração de alocação de estruturas em licenciamento é claramente priorizar empreendimentos em
detrimento do patrimônio, é estabelecer a viabilidade e implantação de estruturas impactantes a
priori, tornando o processo de licenciamento no âmbito do Patrimônio Cultural um engodo.
Baseado na legislação e nas cartas patrimoniais (Recomendação Paris 1968, Laussane 1990,
Veneza 1964, Nova Delhi 1956, Norma de Quito 1967) que versam sobre o patrimônio cultural,
consideramos que o enquadramento de empreendimentos e as práticas previstas no que tange o
patrimônio na IN contrariam os princípios científicos de preservação e gestão do patrimônio
citados até aqui.
Ademais, tem-se definido em outros diplomas legais o enquadramento dos empreendimentos em
classes, as quais não dialogam com os níveis previstos pela IN, e não os justificam. Essa
incoerência na classificação dos empreendimentos entre os órgãos gestores irá acarretar na
dificuldade de diálogo, comprometendo o processo de licenciamento.
A classificação em níveis de impacto não é adequada quando se trata de patrimônio cultural, uma
vez que sua manifestação não se dá de forma regular e previsível, tendo dimensões particulares e
de
contextuais específicas, não permitindo generalizações e estabelecimento modelos de atuação a
priori.
Pelo exposto, defende-se a necessidade de se manter todas as etapas previstas no processo de
licenciamento em todos os tipos de empreendimentos.
4. Universalização do impacto X política da preservação in situ

A proposta de IN não coloca os elementos e critérios que determinam a inviabilidade de


Preservação in situ. Considerando o princípio da Preservação in situ e a Carta de Lausanne (1990),
que aponta que o processo seletivo envolvido na preservação de sítios deve estar fundamentado
em critérios científicos de relevância e representatividade. Como não há consideração mínima da
relevância dessa etapa na IN, atualmente inserida nos processos, ainda que omitida, no âmbito
das Licenças prévias, o patrimônio arqueológico poderá se tornar dependente da proposição de
preservação em situação na qual já é praticamente inviável, sob a ótica macro do Licenciamento
Ambiental, na medida em que não são apontados estudos preliminares responsáveis pelo
preenchimento da rubrica Diagnóstico.

A ausência de uma política de valoração, preservação in situ e a primazia do salvamento


arqueológico sobre essa Preservação fere os atributos de continuidade e significação histórica, e
submete aos interesses econômicos dominantes o direito constitucionalmente estabelecido à
permanência e manutenção, em detrimento de ações políticas unilaterais que ferem os princípios
colocados pela lei Federal 3.924 de 1961, a Carta de Paris (1968) e a Carta de Lausanne (1990),
das quais o Brasil é signatário.

Desse ponto de vista, a ausência de prazo hábil para que os sítios arqueológicos sejam
devidamente estudados em razão de sua vinculação direta aos cronogramas dos empreendimentos,
dada pela IN, invertendo assim a periodização do Patrimônio pela periodização do
empreendimento, contraria aspectos metodológicos fundamentais da pesquisa arqueológica e
expõe esses bens à destruição, contrariando o princípio da Precaução e levando a uma visão ainda
mais parcial do contexto arqueológico resgatado.

O artigo 29 inciso I prevê somente a minimização dos impactos, mas não considera de maneira
contundente a possibilidade de que esses impactos não ocorram, dissimulando a possibilidade de
preservação in situ e da ambiência dos bens culturais e arqueológicos. Como trata dos
empreendimentos de nível IV, deve-se haver previsão de alteração dos projetos executivos.

A licença de instalação, em seu enquadramento no processo de licenciamento ambiental, é


introduzida na IN sem que antes se tenha feito menção a qualquer tipo de avaliação de viabilidade
ambiental/patrimonial de sua execução, legalmente abrigado na Rubrica do Diagnóstico. Desse
ponto de vista, além de ferir a resolução CONAMA 01 de 1986, mantém a toada que prioriza os
objetivos do empreendimento com prejuízos claros ao Patrimônio
Cultural.

No Inciso I do artigo 32°, se considera possível a preservação dos sítios impactados pelo
empreendimento, sendo que tal conciliação se apresenta impossível, considerando as reais
possibilidades de realizar sua preservação caso sejam impactados. Tal posição reitera que os bens
culturais mencionados no caput poderão sempre ser impactados, não cabendo medidas efetivas
de preservação e adequação do empreendimento à sua existência. Tal afirmativa os submete às
medidas mitigadoras, sob a égide da preservação, sem que, de fato, esta ocorra, já
que não há clareza acerca da obrigatoriedade de sua manutenção nas condições prévias ao
empreendimento.

No caso de achados fortuitos colocados pelo Art. 33, A IN pressupõe que qualquer bem
identificado na implantação de empreendimentos de nível I e II é, ingenuamente ou
propositadamente, obra do acaso, e não da omissão ou desconsideração da necessidade de estudos
arqueológicos em suas áreas de influência. Parte assim, do ponto em que a área é amplamente
conhecida e que achados arqueológicos são obra do acaso, desvios ou anomalias, sem que
anteriormente se tenham feito estudos especificamente voltados à caracterização do potencial
regional, atualmente sobre a rubrica Diagnóstico (Cf. Resolução CONAMA 01/86). Desse ponto
de vista, a incerteza científica não pode ser usada para justificar e tampouco desqualificar o
julgamento de baixo potencial arqueológico, ferindo abertamente o princípio da Precaução. A
desconsideração de necessidade de estudos minuciosos preliminares à obtenção da LP deve ser
revista e ajustada à legislação vigente e aos compromissos assumidos acerca do Patrimônio
Cultural pelo Brasil junto à comunidade internacional.

Além disso, quando do achado fortuito, já terá ocorrido impacto ao sítio durante a implantação
nos casos dos níveis de que trata o caput, ferindo a Lei 3.924 de 1961 onde se determina que
estudos minuciosos devem ser realizados antes que seja permitida a sua supressão ou mutilação.
Uma vez impactado, independentemente de sua relevância e significância cultural, já está
determinada a obrigatoriedade de seu resgate (inciso II item d), sem que se tenha avaliado a
efetiva necessidade de relocação do empreendimento diante dos critérios colocados pelas cartas
patrimoniais, em especial a Recomendaçãode Paris (1968). Outrossim, reiterando a já apontada
afronta ao princípio da Precaução, e também ao da Preservação in situ. Esse artigo deveria ser
suprimido e ajustados os níveis dos empreendimentos visando a ampla proteção e salvaguarda
dos sítios, independentemente do desconhecimento anterior de bens arqueológicos na área.

Em relação ao artigo 48, o comentário apresentado orienta os técnicos do IPHAN que a


preservação in situ só poderá ocorrer na AID, sugerindo que na ADA tal medida não poderá ser
aplicada, com priorização da instalação do empreendimento. Tal medida contraria as cartas
patrimoniais e legislação vigente, pois leva à sugestão de que todo sítio na ADA terá de ser
resgatado, em prejuízo da alteração dos limites dessa área ou do projeto executivo do
empreendimento de modo a viabilizar a proteção de sítios arqueológicos. Assim, a destruição dos
sítios estaria estabelecida pelo empreendedor e seu empreendimento, antes que o processo de
seleção para a preservação possa ser cientificamente embasado. Nesses termos, a preservação dos
sítios arqueológicos estaria condicionada ao interesse ou não da instalação de empreendimentos
sobre a área que ocupa. Tal medida contraria a Constituição Federal e as Cartas Patrimoniais, das
quais o Brasil é signatário, como a Carta de Lausanne (1990), supracitadas.

5. Submissão dos arqueólogos e dos projetos de salvamento aos prazos da LI

A aprovação do programa de gestão do patrimônio Arqueológico para a obtenção da Licença de


Instalação (LI) submete as pesquisas ao cronograma dos empreendimentos, como já se observa
nas práxis atuais. Os salvamentos, quando estritamente necessários, deveriam ter início antes da
obtenção da Licença de Instalação, conferindo segurança científica e técnica à Licença de
Instalação do empreendimento. A forma como a IN apresenta a questão mantém a submissão das
pesquisas ao ritmo de instalação do empreendimento, e leva à necessidade de apresentação de
relatórios parciais. Tal medida afronta as recomendações das Cartas Patrimoniais, principalmente
a de Paris (1968), acerca dos prazos e graus de certeza necessários ao processo decisório
anteriormente mencionados.
O artigo 39 deve ser alterado para considerar somente as medidas de longo prazo no que tange à
gestão do Patrimônio, com o devido remanejo da consecução salvamento como condição para
obtenção da LI, e não da LO (Licença de Operação), de maneira a garantir a devida antecedência
dos estudos ao início das obras, conforme orienta a Carta De Paris (1968). De outro modo, os
sítios estarão expostos aos impactos durante a instalação do empreendimento à revelia da posição
do Arqueólogo, como já vem acontecendo nos licenciamentos ambientais, sem que os
empreendedores sejam justamente punidos por tal ação, sobrando aos arqueólogos o ônus por tais
impactos. É preciso criar instrumentos que efetivem a proteção e salvamento dos sítios antes da
obtenção da Licença de Instalação pelo empreendedor, sem que o resgate seja caracterizado por
condicionantes a serem cumpridas após obtenção da Licença, como já vem ocorrendo e resultando
em dano irreversível aos sítios arqueológicos.
Além dos possíveis impactos ao patrimônio, os trabalhos arqueológicos durante a fase de
instalação/operação do empreendimento submetem os arqueólogos a situações de alto risco à sua
integridade física, contrariando todas as Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde do
Trabalho, uma vez que este terá de conviver em meio a maquinários pesados, desmontes de rocha
entre outros riscos.

6. Consideração parcial da AID e desconsideração da AII no processo de avaliação de


impacto

A proposta de IN suprime as relevâncias das áreas de influência direta e indireta nas avaliações
de potencial e de impacto ao patrimônio arqueológico. Tal medida ignora a importância do
contexto arqueológico regional e sua participação nas avaliações de relevância e significância
integrada dos sítios arqueológicos. Tais análises devem ser fundamentadas na participação das
escalas regional e local na constituição histórica e arqueológica dos vestígios. Tal supressão limita
a avaliação dos impactos cumulativos e sinérgicos dos empreendimentos, e impede a articulação
contextual e integrada dos bens culturais, assim como a indicação de potencial arqueológico
nessas áreas, e sua composição em diversas escalas. Nesses termos, o respeito às áreas de
influência já amplamente aplicadas nos licenciamentos ambientais visa suprir exatamente essa
problemática.

7. Necessidade de definição das responsabilidades sobre a permissão de pesquisa


compartilhada: empreendedor e arqueólogo são solidários na portaria de
autorização;

Portaria conjunta não define as responsabilidades, o que deixa clara a diminuição da autonomia
do arqueólogo sobre os processos junto ao órgão.

O artigo 44 não é admissível do ponto de vista profissional e da legislação patrimonial vigente.


O fato do empreendedor ser considerado permissionário insere a incerteza do quanto ele pode
participar, influenciar e interferir em todo o processo de pesquisa e nas medidas envolvidas.
Nesses termos, a participação do empreendedor como permissionário insere a parte interessada
nos estudos do Licenciamento Ambiental. A nosso ver, tal medida submete o arqueólogo
completamente a esses interesses, ferindo os princípios de idoneidade técnico-científica e
legitimando a ação coercitiva dos empreendedores. A resolução de tal questão reside na atribuição
de limites à atuação do empreendedor nos estudos, por meio da proposição de critérios claros de
participação e responsabilização.

Art. 46° Sendo o empreendedor permissionário solidariamente, se deveria estipular e exigir, de


modo claro, sua idoneidade técnico-científica ou suas atribuições como detentor de permissão,
respeitando a capacitação do arqueólogo permissionário, ao qual estaria sujeito. O formato atual
da questão na IN dá ao empreendedor liberdade de interferência no processo e nos estudos,
exclusão sumária do arqueólogo que não atende aos seus interesses, e centra nesse profissional
todas as responsabilidades e ônus de provas, inclusive aquelas que fogem ao seu real
compromisso, deixando o arqueólogo ao bel-prazer da demanda do empreendedor, em detrimento
do patrimônio arqueológico, que a legislação trata como de maior interesse difuso e coletivo.
Devem ser discutidos instrumentos para culpabilização e responsabilização do empreendedor
nesse âmbito, a serem inseridos na IN, ao mesmo tempo em que se suprime a permissão a esse
interessado, legando aos arqueólogos sua liberdade profissional e técnica.

Além disso, o art. 45 e seus incisos institucionalizam a submissão do arqueólogo coordenador


aos interesses do empreendedor, que pode substituí-lo ao longo do processo sem sua própria
anuência e sem que haja medidas claras que regulem a substituição do arqueólogo. Nesses termos,
deve ser revista, suprimindo o “ou” por “e”. Dessa forma, com a anuência do arqueólogo, e a
proposição de nova metodologia de pesquisa que deva ser mais abrangente e criteriosa, seria
possível a substituição. Porém, para tanto, devem ser estabelecidos critérios para julgar se a nova
metodologia realmente supera os limites da anteriormente proposta, eliminando a incerteza de
fatores políticos e interesses econômicos que poderão incidir sobre o coordenador técnico e sobre
a execução do projeto.

8. Assimetria de restrições de concessão de portaria


entre prática de Acompanhamento Arqueológico e
Programa de gestão do Patrimônio arqueológico
O Artigo 48, que versa sobre a impossibilidade do arqueólogo coordenador ou arqueólogo
coordenador de campo obter mais de uma portaria ou participar de outras equipes de pesquisa,
denota desequilíbrio com os demais que tratam da presença do arqueólogo coordenador, já que a
execução dos Programas de Gestão do Patrimônio Arqueológico se coloca como tarefa mais
complexa e duradoura que o acompanhamento.
De outro modo, e de forma ainda mais grave, o artigo 48 ainda fere frontalmente a Constituição
Federal em seu artigo 5° e também no 23 que dispõe que “Cada um tem o direito ao trabalho e a
escolher livremente sua profissão; a receber o salário que lhe permita viver, a ele e a sua família”.
A partir do momento em que o IPHAN veta o direito ao trabalho ao arqueólogo, sem que tal
intervenção seja determinada por lei, ele inviabiliza o livre exercício de sua profissão e o seu
sustento. Na forma como se apresenta, a proposta de Normativa só vem a beneficiar as grandes
empresas e inviabilizar o trabalho das pequenas empresas e profissionais autônomos. A normativa
também é uma afronta direta à capacidade intelectual dos arqueólogos coordenadores que são
julgados previamente, como incapazes de gerirem mais de um projeto ao mesmo tempo.

Ademais, questiona-se a eficiência do IPHAN em cumprir os prazos de publicação das portarias,


uma vez que a morosidade será mais um fator que impedirá o exercício da profissão.
9. Sobre a deliberação da capacitação técnica da equipe
A IN, entre outras contradições jurídicas, propõe em seus comentários a atribuição de quem é
arqueólogo hoje no Brasil com base no ofício circular 01/2013/GAB. Como este mesmo ofício
admite, não está entre as atribuições do IPHAN definir quem é arqueólogo e, para tanto, este faz
suas definições contrariando sua própria constatação. Entendemos que é necessária uma definição
mínima de quem pode atuar, mas esta não cabe ao IPHAN.

10. Reservas técnicas

O IPHAN não apresenta contrapartida, no que tange ao Artigo 50, no sentido de fomentar a criação
das reservas regionais, locais e nacionais, sendo sua constituição de interesse único das
instituições declaradamente desejosas de receber tais depósitos, conquanto adotem procedimentos
padronizados pelo órgão. Para tanto, recomenda-se a consideração da obrigatoriedade de fomento
e de criação de coleções regionais destinadas a receber todos os bens arqueológicos oriundos de
pesquisas nessas regiões por parte do poder público, reforçando o princípio da Vinculação dos
Bens Culturais e unificando acervos correlatos numa mesma reserva.

11. Quais são os parâmetros para priorização das áreas?

O artigo 9 versa sobre a abertura do processo administrativo para as manifestações do IPHAN no


âmbito do licenciamento ambiental. No inciso III, é mencionada a priorização da área de pesquisa
em prol de empreendimentos. Nesse caso, quais são os parâmetros para a priorização? Qual seria
a política adotada com relação à sobreposição de portarias de pesquisa acadêmica e de portarias
voltadas para o licenciamento? O termo carece de esclarecimentos e regulação específica na IN.

12. Dúvidas sobre a responsabilidade do IPHAN para os bens de nível estadual e


municipal

Sendo o IPHAN, órgãos patrimoniais estaduais e municipais corresponsáveis solidariamente pela


gestão do patrimônio Cultural, conforme aponta a Constituição Federal, o IPHAN não pode se
eximir da responsabilidade sobre o patrimônio acautelado em todas as instâncias. Cabe também
instar os órgãos patrimoniais estaduais e municipais a se pronunciarem a respeito do patrimônio
acautelado em suas esferas.

13. Discutir a validade e emprego dos termos de compromisso;

De acordo com IN e como anteriormente apontado, para os empreendimentos de nível I e II,


prevê-se um termo de compromisso assinado pelo empreendedor atestando que o mesmo
comunicará o órgão licenciador caso sejam identificados patrimônios culturais na ADA do
empreendimento. Tais termos seriam assinados por pessoas que não apresentam idoneidade
técnico-científica, ou pessoas que apresentam vínculo direto com o empreendimento, não havendo
nenhuma garantia ou segurança de que não haverá dano irreversível ao patrimônio cultural.
14. Tombamento

É para nós surpreendente, para não dizer maquiavélica, a previsão de inclusão de


empreendimentos, mesmo de nível máximo de impacto, em áreas tombadas e, consequentemente,
de preservação. O decreto Lei nº25 de 1937 reza em seu artigo 17 que “as coisas tombadas não
poderão, em caso nenhum (grifo nosso), ser destruídas, demolidas ou mutiladas...”. A previsão
(e consequente permissão) de empreendimentos nestas áreas pela IN, fere frontalmente todas as
considerações de preservação além de diretamente o dito decreto.

15. Educação Patrimonial

Nos comentários colocados após o artigo 41 no Capítulo III da IN, está destacado que não será
necessária a educação patrimonial nos empreendimentos de níveis I e II, substituída por ações de
divulgação. Ações de divulgação não são suficientes para que o patrimônio cultural seja
reconhecido considerando os interesses de públicos diversos. A educação patrimonial é um
instrumento para a construção conjunta de conhecimento, compartilhamento de saberes e lógicas
diversas, identificação de patrimônios culturais de forma conjunta com os públicos envolvidos e
tomada de medidas visando a preservação do patrimônio. Neste sentido, ressaltamos também a
importância do levantamento oral junto às comunidades afetadas, atividade que integra não só o
registro de informações sobre o patrimônio material, mas também sobre o imaterial, resultando
na produção de conhecimento sobre a história da região, sobre os saberes e fazeres de grupos
étnicos e sobre a relação das pessoas com o patrimônio. Consideramos que a educação patrimonial
também deve ser tratada como um projeto de pesquisa, deve estar presente desde o início do
projeto de licenciamento e não deve ser excluída de nenhum dos níveis de empreendimentos.

16. Homologação de cavernas

Em 2008, foi publicado o polêmico Decreto 6.640, que estipula a necessidade de valoração das
cavidades subterrâneas. Entre outros critérios, o decreto acrescenta, entre os itens a se valorar, o
Patrimônio Cultural. No entanto, não há neste Decreto qualquer menção quanto aos
procedimentos e parâmetros a esta valoração, e não há por parte do IPHAN qualquer comentário
ou regulamentação relacionados a estes. A valoração, na grande maioria das vezes, é feita por não
arqueólogos, o que coloca em grande risco o patrimônio arqueológico. A atual proposta de IN se
exime de apresentar os procedimentos e parâmetros para esta valoração, mantendo-a no limbo em
que se encontra.

***

Diante de tão obtuso e subterrâneo esforço de elaboração da proposta de IN pelo IPHAN, da


deliberada e aberta intenção de privilégios políticos e econômicos dados pelo documento e da
negligência evidente e violação à Legislação Federal vigente, às Cartas Patrimoniais e aos
princípios técnico-científicos adotados amplamente pela Arqueologia, os arqueólogos que
subscrevem, reunidos em assembleias voltadas à discussão da norma, realizadas nos dias 24 e 29
de setembro na cidade de Belo Horizonte na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais, no auditório Prof. Luiz Bicalho, que envolveram
profissionais Pós-Doutores, Doutores, Mestres e estudantes de Graduação, e os demais que
subscrevem, entendem que as bases fundamentais de elaboração da IN não são as próprias do
saber científico e gestão patrimonial, não sendo possível em nenhuma instância sua
readequação ou remodelamento no prejuízo de incorrer inevitavelmente a uma continuidade
dos mesmos problemas que ela suscita.
Dito isto, propomos como alternativa um novo processo de debate, aberto e conjunto entre
membros da sociedade civil, órgãos governamentais ligados ao licenciamento ambiental,
diferentes instâncias do Ministério Público, SAB e demais profissionais e associações, sejam estas
empresas, ONGs, ou OSCIPs, sem a primazia de uma das partes em detrimento das outras, como
ocorrido na consulta isolada à SAB, tomada prematuramente como único órgão representativo
dos profissionais de arqueologia do Brasil.
Acreditamos que o novo debate deverá ter como eixo principal a reestruturação global do processo
de licenciamento ambiental, de modo a adequar plenamente todas suas instâncias às dificuldades
encontradas sem um detrimento obrigatório ao patrimônio. Como esperamos que tenha ficado
claro ao longo deste presente documento, os maiores entraves hoje existentes no licenciamento
são em sua imensa maioria decorrentes da morosidade burocrática e falta de comunicação
entre as diferentes instâncias e órgãos licenciadores, que incidem em atrasos e custos
gigantescos decorrentes destes.
Ao contrário do aventado por diversas partes na imprensa e afins, os custos das pesquisas
preventivas nos licenciamentos, do ponto de vista financeiro e dos cronogramas, são
predominantemente muito inferiores aos custos gerais das obras de engenharia e de vários estudos
técnicos envolvidos, como projetos executivos. A nosso ver, os atrasos e altos custos derivam
diretamente de dificuldades inerentes aos órgãos de gerir as demandas do Licenciamento
Ambiental. A demora na entrada do IPHAN nos processos, que depende de terceiros para que
atue, é, ao nosso entendimento, tão ou mais danosa quanto as próprias dificuldades inerentes ao
estado atual de sucateamento desta mesma instituição.
Assim, vemos como necessária não só uma renovação dos quadros e estrutura do IPHAN,
um ponto indiscutível e imprescindível mas uma revisão plena de seu papel atual. A inclusão
do licenciamento de bens culturais não deve se manter em seu presente estado de anexo aos
estudos ambientais, sendo necessária sua equiparação nos momentos de entrada e realização dos
estudos de impacto.
Como sugestão, acreditamos que os processos de licenciamento passem a existir sobre uma
única plataforma integrada de abertura e divulgação de tomadas de decisões. Com um
encaminhamento único de abertura, em que a parte interessada acionaria uma plataforma
integrada, que ligaria todos os órgãos pertinentes, as informações se dispersariam
automaticamente aos órgãos licenciadores, independente da ação de seus integrantes. Caberia
assim a esses órgãos a disposição sobre as partes que lhes respectivamente cabem e apenas a elas,
sem a delegação de primazias ou responsabilidades indevidas em nenhum momento do processo.
Não só isso, como também a entrada concomitante e análise simultânea facilitaria e agilizaria
todo o processo, colocando, por exemplo, os estudos de bens culturais em seu tão necessário
espaço dentro das análises iniciais de viabilidade dos empreendimentos, e não apenas nas
etapas de concretização e finalização das obras.
Também acreditamos que os processos de abertura deveriam ser claros, transparentes e acessíveis
a todos de forma fácil e simples, ou dito de outra forma, com todas suas etapas e pareceres dos
órgãos responsáveis disponíveis imediatamente em sítio eletrônico. A clareza e fácil acesso às
disposições da administração pública são princípios básicos mundialmente reconhecidos, e
adotados nas mais diferentes instâncias e locais. Sua realização garante à população o poder de
contestação imediata a todo e qualquer encaminhamento governamental. Entendemos que o
sistema atual e o proposto na Instrução Normativa não condizem com estes propósitos,
solidificando uma aura de obscurantismo na tomada de decisões que beneficia apenas e
somente apenas aqueles capazes de exercerem pressões de força maior para garantirem a
efetividade de seus interesses, fortalecendo a corrupção e alijando os mais fundamentais
princípios democráticos estabelecidos pela Constituição.
Seguindo a ideia de que o patrimônio cultural é um bem não renovável e insubstituível em sua
particularidade, e imprescindível para o fortalecimento de identidades e o reconhecimento de
processos sociais de desigualdade e dominação, acreditamos que sua proteção se faz uma
preocupação de primeira grandeza de todo o País, responsável para com seus cidadãos.
Finalizando, esperamos que nossas manifestações possam, em conjunto com os esforços de outros
grupos interessados, permitir uma abertura e diálogo verdadeiramente democrático dos temas
tratados, entendendo o patrimônio cultural como um bem coletivo, e o direito a seu acesso e
preservação como uma obrigação pétrea do Estado. Não entendemos outra maneira que a
viabilização do cumprimento dessas obrigações possa vir a ocorrer, do que por meio de sua
construção coletiva, aberta e transparente.

Nome RG Instituição
Adriano Batista de Carvalho MG5662010 - SSP/MG Peruaçu Arqueologia
Anaeli Queren Almeida MG12977307 - SSP/MG Cooperativa Cultura
Andreas Valtuille Lieber MG20205104 - SSP/MG UFMG
Ângelo Pessoa Lima MG10555878 - SSP/MG Peruaçu Arqueologia
Clarisse Callegari Jacques 1075783942 - SSP/RS UFPA
Edilaine Aparecida de Souza MG15608838 - SSP/MG UFMG
Elber Lima Glória MG15772781 - SSP/MG UFMG
Erik Alves de Oliveira MG14534862 - SSP/MG UFMG
Évelin Luciana Malaquias Nascimento MG9221460 - SSP/MG UFMG
Geraldo Pereira de Morais Júnior MG13682558 - SSP/MG UFMG
Júlio Jader Costa MG 6071434 SSP MG UFMG
Leandro Vieira da Silva MG11773423 - SSP/MG IEF/SISEMA
Lilian Cordeiro MG12279772 - SSP/MG UFMG
Luís Alberto Silveira da Rosa 8091474836 - SSP/RS UFMG
Luís Felipe Bassi Alves 434763974 - SSP/SP Peruaçu Arqueologia
Luísa de Assis Roedel MG13896862 - SSP/MG UFMG
Marcony Lopes Alves MG14233275 - SSP/MG UFMG
Nathalia R Dias Guimarães MG14262211 - SSP/MG UFMG
Patrícia Fernanda Carvalho de Sousa MG13271423 - SSP/MG Scientia Consultoria Científica
Rafael Esteffanio Miranda MG11110563 - SSP/MG UFMG
Raquel Caldas Nolasco MG15567055 - SP/MG UFMG
Rogério Tobias Jr. MG11607439 - SSP/MG Cooperativa Cultura
Taísa Corrêa Jóia MG17079636 - SSP/MG UFMG
Tallyta Suenny Araujo da Silva 5438467 - SSP/PA UFMG
Thiago de Souza Nascimento MG15205017 - SSP/MG UFMG
Valdiney Amaral Leite MG15274041 - SSP/MG UFMG
Vanessa Linke Salvio MG8987288 - SSP/MG UFMG
Vinícius Moreira Silva MG16825156 - SSP/MG UFMG

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