You are on page 1of 13

Ciências, Humanidades e Letras

P
ara Castoriadis, o homem é criação propici-
ada por uma formação exagerada da facul-
dade da imaginação: “o que faz a essência
do homem, precisamente, é a imaginação criado-
Revista SymposiuM
ra.”1 Ora, para que a espécie humana pudesse so-
breviver, a psique precisou ser socializada e dar
ASPECTOS DA sentido a um mundo sem-sentido natural-biológi-
co. Ao criar as significações, institui-se a socieda-
CRIAÇÃO NO de que, portanto, é a origem de si mesma. Não se

PENSAMENTO poderia, para o autor, pensar a humanidade fora


do mundo de significações, fora das instituições
DE CASTORIADIS sociais.
A busca de uma argumentação que vise à
universalidade (a própria filosofia) não se origina-
ria na “racionalidade” humana e, sim, na imagina-
Martha Solange Perrusi * ção criadora ou imaginário radical. Para ele, a ima-
ginação diferencia o ser humano dos outros ani-
mais, por isso pode falar-se de algo em comum,
Resumo: Castoriadis tenta afastar do termo Cria- quando se trata da humanidade. Como o próprio
ção qualquer sentido teológico, dando a ele uma autor declara: “tudo o que foi imaginado por al-
significação que possibilite a autonomia, por isso, guém com força suficiente para conformar o com-
presente, sobretudo, no âmbito do imaginário so- portamento, o discurso ou os objetos pode, em prin-
cial-histórico. Este artigo visa a ressaltar o caráter cípio, ser reimaginado (...) por alguma outra pes-
da criação e sua relevância no que se refere à soa.”2
ontologia castoriadiana e à imaginação criadora.
O imaginário radical é fonte criadora tanto
Para tanto, dialogamos com Platão (criação),
da psique / soma quanto do social-histórico. O ima-
Aristóteles e Kant (imaginação).
ginário radical enquanto imaginação radical traduz-
Palavras chave: criação, imaginação, ontologia,
se no que para a psique / soma é posição, criação e
Castoriadis
fazer ser; aparece, pois, como fluxo representativo
Abstract: Castoriadis tries to take away any / afetivo / intencional. Por sua vez, o imaginário
theological meaning from the term “creation”. radical enquanto imaginário social aparece como
Instead he gives to it a meaning that makes it corrente do coletivo anônimo, traduzindo-se na
possible to be autonomous and so it is specially sociedade instituinte e no que para o social-histó-
present in historical and social imagery. This paper rico é posição, criação e fazer ser.
aims to emphasize the character of creation and Essas duas dimensões do imaginário radical
its relevance regarding Castoridian ontology and não são incomunicáveis nem estáticas, embora a
creative imagination. To do this, we have resorted dimensão psíquica, a todo tempo, tenha a sua par-
to Plato (creation) and to Aristotle and Kant ticipação ocultada na criação social. Ela se mani-
(imagination). festa tanto em forma de sonhos ou doenças psí-
quicas como também em alterações, ainda que len-
Key words: creation, imagination, ontology, tamente, do imaginário social. Este, por sua vez,
Castoriadis. possibilita a existência da psique, porque é na di-
_______________________________ mensão social-histórica que se dá um sentido para
a vida. A psique só pode existir socializada.
*
Professora do Departamento de Filosofia da UNICAP,
Mestre em Filosofia pela UFPE.

Universidade Católica de Pernambuco - 32


Revista SymposiuM

O social-histórico, portanto, é criação de uma quem decidiria acerca das decisões ontológicas5?
vez por todas, uma vez que é irredutível ao natu- Um começo absoluto, houve. Não se poder
ral-biológico. Contudo, não é para sempre o mes- conhecê-lo é uma decisão ontológica que cairia na
mo, e sim a cada vez e para cada sociedade - cria- crítica de Castoriadis à própria religião: uma deci-
ção contínua. A idéia de criação para Castoriadis são ontológica particular que se pretende univer-
implica a emergência de um nível ontológico que sal.
se pressupõe a si mesmo e traz consigo as condi- Aliás, parece ser esse o grande problema da
ções próprias de existir. A criação, portanto, é cir- autonomia. Castoriadis afirma que ela é uma sig-
cular. Segundo o autor, a instituição pressupõe a nificação imaginária ocidental - por mais que a ci-
instituição: “este círculo primitivo é o círculo da vilização ocidental anseie a universalidade, ela é
criação.”3 particular -, nascida e desenvolvida no Ocidente.
De modo análogo, o vivente pressupõe o vi- Daí poder-se-ia questionar qual a validade univer-
vente (só há o vivo se existirem vivos) e a institui- sal desse projeto de autonomia, sendo ele em sua
ção pressupõe a instituição (os indivíduos produ- origem uma significação e uma instituição social-
zidos por ela a fazem existir). A origem, propria- histórica-greco-ocidental. Por que abraçaríamos a
mente dita, aparece como impossível de se descre- causa da autonomia, senão porque se trata de uma
ver em si mesma, pois a criação é circular e só é, se possibilidade e uma realidade para nós ocidentais
torna e se deixa conhecer a partir de si mesma. Ora, e afins? E como torná-la uma criação possível para
o social-histórico é autocriação, origem de si mes- os outros povos que, ao entrarem em contato com
mo, logo, afirma-se o círculo da criação. o Ocidente, têm selecionado as influências, privi-
Assim, a questão da origem, das determina- legiando a racionalidade técnica e o capitalismo
ções últimas da significação não tem nenhum sen- em lugar da razão filosófica que promoveria o
tido. Segundo Fabio Ciaramelli, Castoriadis teria questionamento e retomaria, enquanto interroga-
chegado a uma aporia no que se refere à criação ex ção ilimitada e radical, o projeto de autonomia?
nihilo e ao círculo da criação. Assim, ele considera Castoriadis não nos apresenta respostas para
que “aparece a aporia última do círculo da criação, essas questões. No entanto ele propõe a re-insti-
a impensabilidade de um começo absoluto. No que tuição social-histórica da autonomia enquanto pos-
diz respeito ao social-histórico, dizer que ele é sibilidade. Para isso, ele discute a noção de cria-
autocriação a partir de nada significa antes de tudo ção.
sustentar que a sociedade está na origem dela mes- Como vimos, criação é noção chave na filo-
ma e simultaneamente que esta origem lhe esca- sofia de Castoriadis. Trata-se da criação ontológica
pa.”4 de novas formas, de novos eidé. O autor usa o ter-
Apesar disso, não nos escapa que a socieda- mo platônico (eidos), mas, para ele, a criação do
de teve um começo, embora não se possa Timeu é uma pseudocriação ou mera produção
determiná-lo. Mesmo a criação de Castoriadis nos ou construção. É que Criação, segundo ele, só é
mostra haver a possibilidade do novo, de um novo autêntica se for ex nihilo.6
ser, que se iniciaria a partir dela. A questão criticada O Demiurgo do Timeu é um artesão que
por Castoriadis é a da possibilidade ou não de se contempla um modelo, um paradigma eterno, e
conhecer o começo absoluto. Isso, segundo ele, ca- produz, “cria” um mundo conforme o que vira. O
receria de sentido. Na verdade, isso se mostraria modelo que ele utiliza não é de sua criação, posto
“vazio de conteúdo”, pois o autor afirma o círculo que é eterno. As formas inteligíveis existem inde-
da criação. pendentes da existência do Demiurgo. A “criação”
O saber sobre o começo absoluto é, desse (demiúrgica) de Platão é uma arte (techné) mimética,
modo, impensável, o que, entretanto, a nosso ver, e não propriamente poiésis. A atividade mimética
não invalidaria a busca por conhecê-lo. Afinal, (pode ser aqui traduzida por imitação) tem como

NOVA FASE • Ano 3 • Número Especial • junho-99 - 33


Ciências, Humanidades e Letras

produto uma entidade cujo estatuto ontológico é contrário, ele é impensável, inefável,
menor do que o de seu modelo. O demiurgo, as- impronunciável e inexprimível?”9 O domínio do
sim, não cria novas formas, novos eidé, mas cópias racional na filosofia platônica o impede de consi-
desses eidé, dessas formas. A “criação”, pois, se derar o Caos, o Abismo, o Sem-Fundo do modo de
mostra pré-determinada.7 Castoriadis, como Ser, ou seja, o não-ser é um ser
Desse modo, o estatuto ontológico da arte menos, e isso porque o que pesa na ontologia tra-
para Platão é ainda mais inferior, porque se trata dicional é o que Castoriadis chama de
da cópia da cópia. Platão preferiria um artesão que hipercategoria da determinidade.10
produz uma mesa a um pintor que a “copia”. Há passagens em que o não-ser é tratado
O artesão, contudo, só é um criador ao dar embora com bem menos freqüência do que o ser.
forma à madeira informe. Enquanto o ser (eidos) Como todos os grandes pensadores a que
da madeira é sua forma (é ser madeira), criar uma Castoriadis se refere, Platão intuiu a força do não-
mesa é criar sua forma (seu eidos) a partir do nada - ser e da poiésis: “Sabes que a ‘poesia’ é algo de
provavelmente a primeira mesa. Na arte, ficaria múltiplo; pois toda causa de qualquer coisa passar
mais fácil de visualizar, por exemplo, ao se criar do não-ser ao ser é ‘poesia’, de modo que as confec-
uma escultura. Se se trata de um eidos já dado, imi- ções de todas as artes são ‘poesias’, e todos os seus
tamos, produzimos, copiamos, mas não criamos. artesãos poetas.”11 Pode-se perceber, nesse trecho
A criação está em “produzir” um novo eidos.8 Daí do Banquete, a presença do Abismo, que, na mai-
que mesmo a produção pressupõe a criação, ou o or parte da filosofia de Platão, teria sido ocultada
artesão cria um eidos, ou ele imita um eidos criado pelo predomínio da racionalidade (o mundo inteli-
por outro artesão. Portanto, para Castoriadis, a cri- gível). Contudo, mesmo a arte criadora, a poiésis,
ação implica a possibilidade de fazer ser o que não foi definida por Platão e posteriormente por
estava dado e que não poderia ser como conseqü- Aristóteles a partir da mímesis. Aristóteles herda a
ência do que já estava dado. noção de mímesis de Platão, porém dá ao termo uma
Criar é um processo contínuo alimentado de utilização diferente, recria a significação do termo
si mesmo. O que cria (instituinte) e o que é criado - usa-o da forma como o concebe - recriação.
(instituído) opõem-se, mas buscam uma união, ain- Retomando a idéia de poiésis, esse termo, em
da que tensa. O instituído participa sempre do sentido etimológico e abrangente, quer dizer “fa-
instituinte até o último vir a substituir o primeiro, zer, confeccionar, produzir”. Em sentido estrito,
criando uma nova forma, outra vez, agora, institu- “a arte do poeta”, não há produção de coisas reais,
ída, que estará ameaçada por outra forma e sim representações (imitações) de coisas ou ações
instituinte. Isso porque só se pode entender o so- reais. Não se trata simplesmente de cópia, mas de
cial-histórico como auto-alteração, resultando daí uma representação. Se, para Platão, a imitação está
um processo que está sempre recriando o impulso cada vez mais afastada da verdade, em Aristóteles
que o criou. ela adquire um caráter mais especial, pois, para ele,
Castoriadis afirma que toda criação tradici- “o imitar é congênito no homem (e nisso difere
onal não é verdadeiramente criação, nem a das “te- dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais
ologias racionais”, nem tampouco a platônica. Ora, imitador, e, por imitação, aprende as primeiras no-
a criação do Timeu tinha de ser mesmo a partir de ções)”.12
modelos pré-existentes, pois a filosofia de Platão Para Aristóteles, contudo, a mímesis, em sua
não admitiria o não-ser por ele não ser Poética, não é mera imitação, é antes recriação,
racionalizável, como, nessa passagem do Sofista, pois o artista (da tragédia) não deve imitar os ho-
diz-nos Platão: “Compreendes então que não se mens tal como eles são e, sim, como deveriam ser,
poderia, legitimamente, nem pronunciar, nem di- “imitando”, assim, um “modelo” inexistente. O
zer, nem pensar o não-ser em si mesmo; que, ao poeta é, pois, autor de coisas verossímeis e possí-

Universidade Católica de Pernambuco - 34


Revista SymposiuM

veis. giria absolutamente do nada. Assim, a criação se


Além disso, o poeta, para Aristóteles, tem dá sobre o que já existe, mas ela não foi nem moti-
como ofício não apenas narrar o que aconteceu (do- vada nem provocada pelo que já existia.16
mínio da história), mas também representar o que Quando Castoriadis apresenta o projeto de
poderia acontecer. Por esse motivo, Aristóteles autonomia como projeto social-histórico, a criação
considera a poesia mais universal do que a histó- imotivada se torna imprecisa, pois trata-se de um
ria, portanto, mais filosófica. O âmbito do desejo (o desejo de efetivação da autonomia) moti-
acontecível é muito maior do que o do acontecido vando a luta com relação à criação de novas signifi-
(que termina por ser particular). Segundo F. Fran- cações imaginárias sociais e novas instituições. A
ça, “a definição da história como poiésis em motivação de alteração da sociedade é, num certo
Castoriadis está próxima à definição aristotélica da sentido, “subjetiva”, dependendo daquilo que de-
poesia”.13 sejamos enquanto coletividade anônima.
Castoriadis, assim, afirma a noção de histó- A criação social-histórica em Castoriadis
ria como poiésis. Primeiro verifica-se o acento dado aparece sob condições: não pode ser determinada
à noção de poiésis, como criação ex nihilo; depois a por nada e exige uma participação humana, um
relevância da história no pensamento do autor. A desejo e uma práxis ainda que não transparentes.
propósito, Castoriadis declara: “A história é essen- Fazendo um paralelo com a criação artística, o que
cialmente poiésis, e não poesia imitativa, mas cria- há, anterior à nova forma, é o material (o mármore
ção e gênese ontológica no e pelo fazer e o repre- da escultura), os instrumentos que a transforma-
sentar / dizer dos homens. Este fazer e este repre- rão, o desejo de transformar a pedra, a imaginação
sentar / dizer se instituem também historicamen- e a ação.
te, a partir de um momento, como fazer pensante Por muito tempo, segundo Castoriadis, a his-
ou pensamento se fazendo.”14 tória da filosofia - sobretudo voltada para a Razão
Ora, a história é o domínio em que o ser hu- - ocultou o imaginário radical como também, prin-
mano pode criar formas ontológicas. A própria his- cipalmente, a dimensão social-histórica do imagi-
tória (e a sociedade) é uma dessas formas. Além nário radical, ou seja, o imaginário social ou a so-
disso, criação vem a ser a instauração de novos ciedade instituinte. O pensamento herdado teria
eidé, novas formas com o sentido de novas deter- pensado o ser como ser determinado, e tudo aqui-
minações. Nesse contexto, Castoriadis afirma que lo que não pudesse ser determinado foi tido como
“a criação é a capacidade de fazer surgir o que não transcendente, inacessível e mesmo impensável.
estava dado e que não pode ser derivado a partir Contudo não foi possível ocultar totalmente
daquilo que já era dado. E imediatamente somos a imaginação, mas o seu caráter radical foi. Assim,
obrigados a pensar que é a esta capacidade que ela se restringiu a um papel subalterno, auxiliar e
corresponde o sentido profundo dos termos imagi- mesmo instrumental. Tentou-se, por conseguinte,
nação e imaginário (...) A imaginação é a capacidade definir / determinar a imaginação como uma “sen-
de colocar uma nova forma. De um certo modo, sação diminuída” ou identificá-la à memória, ain-
ela utiliza os elementos que aí estavam, mas a for- da que sempre tivesse um peso menor quanto à
ma, enquanto tal, é nova.”15 possibilidade de conhecimento.
A noção de criação ex nihilo pareceria abala- Castoriadis considera que esse recobrimento
da quando Castoriadis ressalta que a imaginação teria sido rompido, principalmente, por duas ve-
utiliza, de certo modo, elementos já existentes. Mas zes, na história da filosofia. A imaginação é desco-
ele ressalta: ex nihilo (desde o nada, a partir do nada) berta, pela primeira vez, com Aristóteles (De Ani-
e não cum nihilo ou in nihilo (ou seja, com e em algu- ma, III, 3), mas num sentido convencional, que
ma coisa). A criação ex nihilo de Castoriadis é cria- perduraria até hoje. Castoriadis vai chamá-la de ima-
ção imotivada. Por seu caráter histórico ela não sur- ginação segunda. Aristóteles, entretanto, descobre

NOVA FASE • Ano 3 • Número Especial • junho-99 - 35


Ciências, Humanidades e Letras

também aquilo que nosso autor vai chamar de ima- pre, então “sempre há fantasia, nós imaginamos sem-
ginação primeira. Segundo Castoriadis, esta não se pre”23, conclui Castoriadis. A fantasia possibilita o
desenvolve nem na filosofia de Aristóteles, nem pensamento, porque o que está na alma não é a
na história da filosofia subseqüente. A imaginação pedra, mas sua forma (forma no sentido mais am-
segunda tem o papel na história da filosofia de en- plo, excetuando a matéria, pode ser eidos, essência,
cobrir a imaginação primeira. Somente com Kant, a aparência...). A forma é, pois, pensada na fantasia,
questão da imaginação seria recolocada, ainda que de modo que a imaginação é abstração do e no
seu estatuto ontológico se ativesse à arte. Por con- sensível possibilitando o inteligível. Desse modo,
seguinte, esse redescobrimento não é suficiente, e Castoriadis afirma: “A phantasia, assim, é condição
ela será novamente encoberta, ora privilegiando a do pensamento, posto que apenas ela pode apre-
memória, ora colocando-a entre a sensação e a sentar ao pensamento o objeto, como sensível sem
intelecção, ressaltando seu caráter reprodutivo e matéria.”24
considerando sua atividade enganosa ou ilusória.17 A matéria, para Aristóteles, é, em si mesma,
Essa concepção, que diminui as possibilidades da incognoscível. Daí o papel da imaginação, que apa-
imaginação criadora, tem como base a imaginação rece como sensível sem matéria e sempre presente
segunda de que Aristóteles trata no terceiro capítu- quando há pensamento. A alma pensa pela e na
lo do tratado De Anima. Ele dá a entender que o imaginação. O pensamento, afirma Castoriadis, é
assunto se encerra: “Quanto à imaginação, o que “contemplação (théorein) de uma fantasia”.25 Não
ela é e para que existe, o que já foi dito deve bas- se poderia, pois, a partir daí, conhecer os primei-
tar.”18 Mas, ele encerra apenas sua fala sobre a ima- ros noemas uma vez que a fantasia está sempre
ginação segunda, que é mera apreensão de imagens presente no pensamento, e o pensamento é con-
do sensível, totalmente dependente da sensação. templação da fantasia. Os noemas (conceitos) não
Aristóteles retoma inesperadamente o assunto da são simplesmente fantasia, mas não poderiam existir
imaginação. Castoriadis nota, então, um acento sem ela. Aristóteles coloca isso em forma de per-
diferente dedicado à imaginação nos capítulos 7 e gunta: “Mas, nesse caso, o que diferenciará os pri-
8 do De Anima (“O Entendimento Especulativo meiros noemas das fantasias [fazendo com que eles
e o Prático” e “Comparação do entendimento com não sejam elas]? Ou então [será preciso dizer que]
os sentidos e a imaginação”). Quando Aristóteles eles não são fantasias, embora não subsistam sem
trabalha a questão do sensível e do inteligível e fantasias.”26
lhes dá estatuto ontológico, Castoriadis constata A questão da origem aparece novamente,
uma aporia. Ora, para Aristóteles, a fantasia não é porém, para Castoriadis, como vimos, ela teria
sensível: “as imagens são representações sensíveis, pouca importância. O que importa, para ele, é a
mas sem matéria”19; nem inteligível: “a imagina- emergência da imaginação radical no indefinível,
ção se distingue da afirmação e da negação: pois a uma vez que, sendo os noemas decomponíveis por
verdade é uma composição de idéias intelectuais outros noemas até não se poder mais decompô-
[noemas]”20. Aristóteles não concede à imaginação los, isto é, até chegar-se ao noema elementar, os
um estatuto ontológico, “porque os seres se divi- noemas primitivos ou elementares são
dem em sensíveis e inteligíveis”21. A aporia está inanalisáveis.
em que a imaginação participa dos dois domínios A imaginação concebida por Aristóteles tem
(o sensível e o inteligível), mas não é nem Um nem um papel e uma função bastante amplos à medida
Outro, é um Terceiro, não considerado que possibilita à alma conhecer. Mas, Kant, ao
ontologicamente. “descobrir” a imaginação, fê-lo de forma mais pre-
A irrupção da imaginação primeira surge no pen- cisa. Contudo nenhum dos dois teria reconhecido
samento de Aristóteles quando ele afirma: “a alma a imaginação como fonte de criação. E isso por-
jamais pensa sem fantasia”22. Se nós pensamos sem- que a imaginação teria sido colocada, unicamente,

Universidade Católica de Pernambuco - 36


Revista SymposiuM

em relação ao sujeito, seja num horizonte psico-lógi- levado em consideração. O Outro é também um
co, seja num horizonte ego-lógico. Para Castoriadis, sujeito que reflete (não difere apenas numericamen-
“um reconhecimento pleno da imaginação radical te, mas substantivamente, observa Castoriadis) e
só é possível quando é acompanhado da descober- pode-se entender com Outros sobre questões de
ta da outra dimensão do imaginário radical, o ima- Beleza.29
ginário social-histórico, a sociedade instituinte en- O Belo é objeto de satisfação sem nenhum
quanto fonte de criação ontológica que se desdo- interesse, portanto presume-se que o objeto seja
bra como história.”27 Belo para todos. Kant afirma: “Belo é aquilo que,
A segunda irrupção da imaginação primeira sem conceito, apraz universalmente.”30 O Belo não
se dá, pois, com Kant. E, embora ele não ligue a exprime conceito, mas precisa do assentimento ge-
imaginação à criação, ela emerge de maneira forte, ral. Assim, aquele que julga fala da Beleza como
segundo nosso autor. Assim, Castoriadis conside- se fora propriedade das coisas e, como diz Kant,
ra que Kant, ao conceder um caráter ontológico, “não conta com a concordância de outros em seu
ainda que vago, à arte, ultrapassa a tradição e a juízo da satisfação, porque eventualmente os hou-
ontologia clássicas, pois entende a grande obra de vesse encontrado muitas vezes em concordância
arte como aquela que instaura novas regras à arte - com o seu, mas a exige deles. Censura-os, se julgam
ou novas determinações, como diria Castoriadis. de outro modo, e nega-lhes o gosto, do qual, no
Para ele, a terceira Crítica “descreve, sem o saber, entanto, exige que eles o tenham; e nessa medida
o círculo primitivo da criação social-histórica.”28 não se pode dizer: cada qual tem seu gosto parti-
Na Introdução à Crítica do Juízo, Kant con- cular.”31
sidera o Juízo e suas faculdades de refletir e deter- As regras do gosto são gerais, e não univer-
minar. No primeiro caso, trata-se do juízo sais. O gosto-de-sentidos (sabor, por exemplo) não
reflexionante; no segundo, do determinante. No vale universalmente e se aceita mais facilmente a
juízo determinante, o universal (a regra) já está diferença entre os gostos. Já os juízos de reflexão
dado. No juízo reflexionante - também chamado se pretendem comumente válidos; trata-se, pois,
de faculdade-de-julgamento - deve-se encontrar o de uma validade subjetiva. Ora, afirma Kant: “o
universal partindo do particular, por meio da refle- juízo universalmente válido objetivamente é também
xão. O último pode ser teleológico quando é um sempre subjetivo, isto é, se o juízo vale para tudo
juízo de conhecimento sobre a finalidade objetiva o que está contido sob um conceito dado, vale tam-
da natureza; não é, contudo, um conceito, porque bém para todo aquele que se representa um objeto
nada atribui, mas permite conhecer o objeto (a na- por esse conceito. Mas de uma validade universal sub-
tureza) ao refletir. O fim não está no objeto (a fi- jetiva, isto é, da estética, que não repousa sobre ne-
nalidade “da” natureza), porém exclusivamente no nhum conceito, não se pode inferir a lógica; por-
sujeito, em sua capacidade de refletir. que aquela espécie de juízos absolutamente não
O juízo reflexionante estético não traz co- visa ao objeto. Mas, justamente por isso, também
nhecimento acerca do objeto e requer uma valida- a universalidade estética que é atribuída a um juízo
de universal subjetiva, baseada no prazer ou tem de ser de espécie particular, porque o predicado
desprazer. Assim, em vez de dizer “acho isso belo”, da beleza não se liga com o conceito do objeto, em
diz-se “isso é belo”, reivindicando o conteúdo uni- sua esfera lógica inteira, e no entanto ele mesmo
versal de um julgamento particular. O juízo estéti- se estende sobre a esfera inteira daqueles que jul-
co se dá pela reação pessoal do sujeito diante do gam.”32
objeto, e não por causa das propriedades deste. O juízo-de-gosto não exige que todos con-
Ademais, nele reside a idéia de que subjetivamen- cordem, entretanto atribui a todos essa concordân-
te seu julgamento é universal, ou seja, não existe cia. Sobre essa comunicabilidade universal subje-
“gosto puro” e o gosto do Outro também pode ser tiva, que não se pode pressupor em um conceito,

NOVA FASE • Ano 3 • Número Especial • junho-99 - 37


Ciências, Humanidades e Letras

Kant afirma que “não pode ser outra coisa que o Contudo Castoriadis vê a criação na terceira
estado-da-mente no livre jogo da imaginação e do Crítica, em particular, na obra do gênio.40 Ela não
entendimento.”33 é mais uma obra entre tantas, não difere apenas
A possibilidade de generalização do gosto numericamente; ela é essencialmente Outra, por-
ocorre no que Kant chama de “educação do gos- que estabelece regras, é, por conseguinte, um novo
to”, à qual Castoriadis levanta alguns problemas. eidos, marcando a irrupção do novo. A obra-prima,
Primeiro: a educação do gosto só é possível se a segundo Castoriadis, é apresentação do Abismo,
beleza já existir. Se existe a beleza, quem educaria do Caos, do Sem Fundo, dessa maneira, “a
os educadores? A beleza, então, estaria determi- inesgotabilidade da arte se enraíza no caráter
nada? A partir de quê? Segundo problema: se a ontológico do Abismo, bem como no fato de que
educação do gosto fosse eficaz, chegar-se-ia “à cada cultura (e cada gênio individual) cria sua pró-
imposição de um ‘gosto’ surgido em uma cultura pria rota para o Abismo”.41 Para Kant, entretanto,
particular.”34 a criação é excepcionalista: “só o gênio cria”, além
Ora, a beleza é histórica (é também uma cri- disso, a criação se restringe ao domínio da arte.
ação, uma significação) e, sabendo-se que há uma Segundo Castoriadis, enquanto o problema da ima-
multiplicidade de histórias, há também uma ginação for posto apenas em relação ao sujeito (ho-
multiplicidade de gostos. Nesse contexto, afirma rizonte psico-lógico ou ego-lógico), “a ‘imagina-
Castoriadis: “fomos educados - e continuamos a ção criadora’ permanecerá, filosoficamente, como
educar nossa progenitura - nas criações de nossa uma simples palavra, e o papel a ela atribuído es-
própria história, e através delas.”35 tará limitado aos domínios que parecem ser
Assim, percebe-se, novamente, segundo ontologicamente gratuitos (a arte).”42
Castoriadis, “o círculo primitivo, originário, da cri- Para Castoriadis, importa resgatar, na tercei-
ação: a criação pressupõe a criação”36: se primeiro criou- ra Crítica, as intuições referentes à criação e à co-
se e depois educou-se na criação, ou se é que hou- munidade humana, em particular, à
ve uma educação anterior que possibilitou a cria- comunicabilidade possível entre juízos subjetivos.
ção. Essa questão é indecidível, porque ambos os Ele reconhece, nessas intuições, limites comuns
momentos dizem algo a respeito do social-históri- aos do pensamento herdado. E, para reconhecer a
co instituído e não existem instrumentos que per- imaginação radical, é preciso dar lugar à outra di-
mitam conhecer efetivamente a origem da institui- mensão do imaginário radical, o imaginário social-
ção. Portanto a criação pressuporia a criação. Só histórico cuja criação ontológica se dá na história.
existe uma educação na e pela criação e, por seu A bem dizer, a imaginação na história do pensa-
turno, a criação só é possível mediante uma histó- mento herdado não tem podido aparecer como cri-
ria (possivelmente pela educação).37 Não veio uma, adora, mesmo em Kant cuja imaginação produtiva
depois a outra. Elas seriam simultâneas e se pres- ainda obedece às regras da imaginação
suporiam. A educação, através do tempo, torna-se transcendental. Assim, constata Mirtes Amorim,
a tradição de uma determinada sociedade. “para Castoriadis, a imaginação tanto em
Kant não usa propriamente o termo criação; Aristóteles como em Kant, por caminhos diferen-
prefere dizer que a imaginação é produtiva.38 As- tes, é colocada como produzindo o estável e o mes-
sim ele afirma sobre a imaginação, ao falar do juízo mo.”43
de gosto, que “ela não é admitida, em primeiro lu- Para Castoriadis, o problema da ontologia
gar, como reprodutiva, tal como é quando subme- clássica estaria na tentativa de uma compreensão
tida às leis de associação, mas como produtiva e total, configurando qualquer elucidação do social-
autônoma (como criadora de formas arbitrárias de histórico em um sistema. Ora, como vimos, há mais
intuições possíveis)”.39 do que aquilo que se pode determinar no corpo do
social-histórico. O ser do social-histórico não é

Universidade Católica de Pernambuco - 38


Revista SymposiuM

apenas o determinado, é também o Caos, o Abis- a seu respeito.


mo, o Sem-Fundo que não cabe em nenhuma teo- Toda a questão da autonomia está, ainda que
ria totalizante meramente conjuntista-identitária. implicitamente, presente no que Castoriadis apre-
Mesmo porque, para ele, “a teoria como tal é um senta por criação. De um lado, ela está
fazer, a tentativa sempre incerta de realizar o pro- conceptualmente, quando se afirma que a criação
jeto de uma elucidação do mundo. (Grifo nosso)”44 não reproduz apenas o mesmo, mas produz o radi-
Assim, o pensamento de Castoriadis trata de calmente novo. No entanto, isso não é suficiente
elucidar o social-histórico e sua relação com o para se vislumbrar a autonomia, uma vez que, na
Outro. Para tanto, ele questiona a lógica concepção de Castoriadis, isso demonstra somen-
conjuntista-identitária, propondo uma nova forma te que a instituição social-histórica da autonomia
de abordagem que contemple o indeterminado e é possível enquanto criação ontológica. De outro
não implique a reprodução ou repetição do mes- lado, ela não aparece apenas porque há criação
mo, mas, ao retomar o sentido etimológico do Caos social-histórica enquanto autocriação (auto-insti-
(que, para Castoriadis, é o Ser) - de abrir-se, entre- tuição). A autonomia, enquanto idéia, enquanto
abrir-se - permita-nos conhecer o novo, a criação projeto, é uma criação que emerge como ruptura.
de novas formas, libertando-nos das amarras das Ela significou, pelo menos, duas grandes rupturas
categorias do mesmo, como a sucessão explicada históricas: quando foi criada na pólis grega e, pos-
pelos esquemas identitários do pensamento her- teriormente, re-instituída na Idade Moderna. Se-
dado. gundo Castoriadis, o gérmen dessa criação não te-
Importa, pois, para o autor, mostrar que a ria ainda morrido, embora haja sintomas de um
humanidade recria o Ser (o Caos, o Abismo, o Sem- coma profundo.
fundo) através de sua capacidade imaginativa ou Só conceber a criação como possível não
poiética, o imaginário radical. A humanidade é, basta para a instauração de uma sociedade autô-
assim, autocriação. Ao recriar o Ser, ela cria-se a si noma. Como vimos, se não se tomar uma “decisão
mesma, emergindo do Caos, como psique e como ontológica” que proponha o ser como abertura e
social-histórico. Se temos essa recriação de forma possibilidade, que permita, com isso, uma partici-
heterônoma, o Ser é determinado, o que implica a pação efetiva e lúcida da humanidade enquanto
ocultação do Abismo. Por outro lado, se a recria- coletivo anônimo, sob a forma de sociedade
ção é lúcida e autônoma, o Ser é alteridade e apre- instituinte ou imaginário social, e que promova a
sentação do Abismo. criação de novas significações imaginárias abrindo
A criação do mundo para o homem é criação caminho para pôr em pauta a possibilidade de au-
de um mundo de significações imaginárias sociais, tonomia, se não se tomar tal decisão, só se poderia
fazendo com que a humanidade dê sentido ao falar de criação imotivada independente de causas
mundo sem sentido natural-biológico. As signifi- “objetivas” como também de participação “subje-
cações imaginárias, portanto, são criadas para tiva” (entendendo por “objetivos” os elementos
recobrir o Caos, embora nunca ele seja totalmente dados, e “subjetivo” o próprio coletivo anônimo).
encoberto. No mundo instituído, o Caos é o Outro Assim, numa criação que promova a insti-
que ameaça constantemente as significações ima- tuição da autonomia, não pode haver necessidade
ginárias instituídas. Para Castoriadis, portanto, im- “objetiva” a não ser com relação ao desejo que
porta não tanto a transparência - impossível por si move o olhar sobre a história, de modo que haja
mesma, haja vista a própria tentativa frustrada de pelo menos a determinação da escolha sobre o pro-
definir o magma ou o caos -, mas, sobretudo, a jeto. Não se sabe o que será, como será, não há
humanidade (e o indivíduo) tomar consciência de garantia alguma de sua manutenção, mas trata-se
sua auto-instituição e, a partir daí, colocar-se de de uma escolha conseqüente, lúcida e consciente.
uma forma lúcida e autônoma, diante das decisões Parece, então, que o projeto de autonomia e a cri-

NOVA FASE • Ano 3 • Número Especial • junho-99 - 39


Ciências, Humanidades e Letras

ação de uma sociedade autônoma dependem de ____________. Radical Imagination and the So-
um desejo manifestado no “bom senso” para ser cial Instituting Imaginary. In: CURTIS, David
efetivado, ou numa sensatez compartilhada que Ames (ed.) The Castoriadis Reader. Oxford:
expresse o desejo dos homens e mulheres. Não há, Blackwell Publishers. 1997, p.319-337.
portanto, segurança nem certeza de que a autono- ____________. A Criação Histórica e a Institui-
mia venha a ser instituída / criada, embora isso ção da Sociedade. In: CASTORIADIS et al.
não exclua a possibilidade de pensá-la e tê-la como A Criação Histórica . Trad. Denis
projeto45, pelo contrário, exige-a. Daí a importân- Rosenfield. Porto Alegre: Artes e Ofícios,
cia de situarmos a criação no pensamento de 1992. p. 83-108.
Castoriadis nos presentes termos. CIARAMELLI, Fabio. Le Cercle de la Création.
In: BUSINO, Giovanni (dir.) Autonomie et
Autotransfor mation de la Société : la
philosophie militante de Cornelius Castoriadis.
BIBLIOGRAFIA
Genève: Librairie Droz, 1989. p.87-104.
FRANÇA, Fernando Cesar Teixeira. Criação e
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filoso-
fia. Trad. e rev. Alfredo Bosi. São Paulo: Mes- Dialética: o pensamento histórico-político de
Cornelius Castoriadis. Dir. Marilena Chauí.
tre Jou, 1982.
São Paulo: Edusp, 1996. (Col. Oficina de Fi-
AMORIM, Mirtes Miriam. Labirintos da Auto-
losofia)
nomia: a utopia socialista e o imaginário em
Castoriadis. Fortaleza: EUFC, 1995. GUIBAL, Francis. Imagination et création. Sur la
pensée de Cornelius Castoriadis. In: BUSINO,
ARENDT, Hannah. Da Imaginação. In: Lições so-
bre a Filosofia Política de Kant . Trad. Giovanni (dir.) Autonomie et
André Duarte de Macedo. Rio de Janeiro:
Autotransfor mation de la Société : la
philosophie militante de Cornelius Castoriadis.
Relume-Dumará, 1993. p.101-107.
Genève: Librairie Droz, 1989. p. 125-140.
ARISTÓTELES. Poética. In: Aristóteles. Trad.
KANT, I. Fragmentos da Crítica do Juízo. In: Crí-
Eudoro de Souza. São Paulo: Abril Cultural,
1973, pp. 443-533.
tica da Razão Pura e Outros Textos Filo-
____________. Libro Tercero: el sentido común;
sóficos. Trad. Rubens Rodrigues Torres Fi-
lho. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 273-
la fantasía; el entendimento. In: Tratado del
Alma . Trad. A. Ennis, SI. Buenos Aires- 363. (Col. Os Pensadores, v. 25)
LALANDE, André. Vocabulário Técnico e Crí-
Mexico: Epasa-Calpe Argentina, 1944, p.181-
263.
tico da Filosofia. Trad. Fatima Sá Correia et
al. Porto: Rés, 10. ed. v. 1 e 2.
CASTORIADIS, C. A Instituição Imaginária da
OSBORNE, Harold. Imaginação. In: Estética e
Sociedade. Trad. Guy Reynaud. Rio de Ja-
neiro: Paz e Terra, 1991.
Teoria da Arte. Trad. Octavio Mendes Ca-
jado. São Paulo: Cultrix, 1978, p.193-208.
____________. Os Destinos do Totalitarismo
PLATÃO. Diálogos. Trad. José Cavalcanti de
& Outros Escritos. Trad. Zilá Bernd e Élvio
Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São
Funck. Porto Alegre: L & PM, 1985.
____________. As Encruzilhadas do Labirin- Paulo: Abril Cultural, 1972. (Coleção Os Pen-
to 2: Os domínios do homem. Trad. José Os- sadores)
VADJA, Mihály. La Philosophie de la création
car de Almeida Marques. Rio de Janeiro: Paz
absolue. In: BUSINO, Giovanni (dir.)
e Terra, 1987.
____________. As Encruzilhadas do Labirin-
Autonomie et Autotransformation de la
to 3: O mundo fragmentado. Trad. Rosa Ma- Société: la philosophie militante de Cornelius
Castoriadis. Genève: Librairie Droz, 1989. p.
ria Boaventura. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
105-110.
1992.

Universidade Católica de Pernambuco - 40


Revista SymposiuM

NOTAS nificado teológico. A criação, para ele, é criação de


significações imaginárias sociais e de instituições
1
CASTORIADIS, C. A Criação Histórica e a Insti- de cada sociedade. Assim ele considera: “Criação
tuição da Sociedade, p.90. ex nihilo, criação da forma, não quer dizer criação
cum nihilo, sem ‘meios’ e sem condições, sobre tábula
rasa. Excetuando-se um (ou talvez vários) ponto
2
CASTORIADIS, C. As Encruzilhadas do La-
de origem inacessível e insondável, que se escora a
birinto 2: os domínios do homem, p.272.
si próprio em propriedades do primeiro estrato na-
tural, do ser humano como ser biológico, e da psi-
CASTORIADIS, C. Os Destinos do Totalitaris-
3
que, toda criação histórica realiza-se sobre, em e
mo & Outros Escritos, p.105.
pelo que foi instituído (sem falar das condições
‘concretas’ que o cercam).” (As Encruzilhadas
4
CIARAMELLI, Fabio. Le Cercle de la Création. do Labirinto 3: o mundo fragmentado, p.60) Con-
In: BUSINO, G. Autonomie et sultar também CASTORIADIS, C. Radical
Autotransformation de la Société, p.90. Imagination and the Social Instituting Imaginary.
In: CURTIS, David Ames (ed.) The Castoriadis
5
Essa expressão que Castoriadis emprega não é Reader. Oxford: Blackwell Publishers Ltd., 1997,
propriamente um conceito. Para ele, o cerne da p.319-337, p.333. Isso significa: desde o nada, em
questão ontológica é a significação ou a relação e com alguma coisa que já existe, seja o primeiro
que temos com a significação. Identificando o Ser estrato natural e a constituição biológica do ser
ao Caos, Abismo, Sem-fundo, o Ser não pode ter humano, seja a psique, sejam as condições históri-
um sentido em si, e todo sentido / significação do cas da sociedade, sejam as próprias significações e
Ser é criação e criação social-histórica. O Ser ga- instituições já existentes que dão coerência à soci-
nha um significado, mas que só tem valor se criado edade. Referindo-se sobre a criação grega, ele afir-
/ acatado pela coletividade. De tal modo que ne- ma: “A pólis grega é criada em certas condições e
cessariamente decidimos imaginariamente sobre o ‘com’ certos meios, num ambiente definido, por
que vai ser o Ser. É este o sentido da expressão seres humanos definidos, depois de um formidá-
“decisão ontológica”. O que é o Ser se em si ele vel passado incorporado, na mitologia e na lingua-
não tem significado algum? Há uma criação de sig- gem gregas e assim por diante, ad infinitum. Mas ela
nificado caracterizando uma decisão ontológica que não é causada nem determinada por esses elemen-
visa a determinar o Ser, criando também nossa re- tos. O que existe, ou uma parte disso, condiciona a
lação com o Ser. Toda criação ontológica - de no- nova forma; não a causa nem a determina.” (As
vas formas - exigiria uma decisão ontológica Encruzilhadas do Labirinto 3: o mundo frag-
mentado, p. 283)
6
A criação ex nihilo foi pensada pela religião, de tal
modo que Castoriadis considera que a criação não 7
Encontramos, no verbete “Criação”, do Dicionário
esteja presente na filosofia herdada, porque geral- de Abbagnano, argumentação favorável a esse res-
mente se tratou de um termo teológico. Mas ser peito: “A C. é para o Deus-artífice um ato voluntário
teológica é uma significação. Assim ele diz: “Acre- de bondade que quer o bem multiplicado (Timeu, 29E):
dito que a justificação superficial é que a criação o que quer dizer que o mundo não é necessário em
seria um termo teológico. Mas são vocês que o tor- relação à sua causa. Mas a ação criadora do Demiurgo
nam teológico.” (A Criação Histórica e a Institui- é limitada: 10. pelas estruturas do ser, isto é, pelas
ção da Sociedade, 104) Castoriadis assume que a idéias ou substâncias que ele assume por modelos da
teologia usa para sustentar a criação divina do sua obra; 20. pela matriz material que com a sua ne-
mundo humano, cuja única causa teria sido a von- cessidade limita a própria obra. Por isso a sua C. não
tade divina, criando o mundo a partir do nada. Mas é ex nihilo.” (ABBAGNANO, N. Dicionário de
Castoriadis tenta desanuviar a palavra de seu sig- Filosofia, p.205)

NOVA FASE • Ano 3 • Número Especial • junho-99 - 41


Ciências, Humanidades e Letras

8
H. Osborne encontrou, entre os antigos, quem ser.” As Encruzilhadas do Labirinto 2: os do-
primeiro falasse de imaginação criadora. Foi Filóstrato mínios do homem, p.401.
(séc. III aD) respondendo a uma pergunta sarcástica
se Fídias ou Praxíteles “haviam subido ao céu e tira- PLATÃO. Banquete. In: Diálogos. 205b-c, p.43.
11

do uma cópia das formas dos deuses” para reprodu-


zi-los em suas esculturas: “A imaginação, artista mui- ARISTÓTELES. Poética In: Aristóteles. Trad.
12

to sábia e muito mais sutil do que a imitação, fabri- Eudoro de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
cou essas obras; pois a imitação só pode criar como (Col. Os Pensadores, vol.IV), p.445.
trabalho seu o que viu, ao passo que a imaginação
chega até ao que não viu; tomando-o como padrão FRANÇA, F. Criação e Dialética, p. 230.
13

da realidade.” (FILÓSTRATO apud OSBORNE, H.


Imaginação In: Estética e Teoria da Arte. Trad. CASTORIADIS, C. A Instituição Imaginária
14

Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 1978, da Sociedade, p.14.


pp.193-208, p.197)
15
CASTORIADIS, C. A Criação Histórica e a Ins-
9
PLATÃO. O Sofista. In: Diálogos. Trad. Jorge tituição da Sociedade, p.89.
Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo: Abril Cultu-
ral, 1972. (Col Os Pensadores, vol.III), 283c, p.164. Contudo, vemos um problema nessa noção de
16

criação imotivada quando Castoriadis acentua a


10
“Por fim, através de todos esses termos, opera decisão ontológica. Quem ou o que “decidiria”
esta hipercategoria, este esquema primordial da sobre a criação? Por certo, não é um sujeito ou um
lógica conjuntista-identitária que é a determinidade. ente determinado, mas o coletivo anônimo sob a
A determinidade funciona, ao longo de toda a his- forma de imaginário social ou sociedade instituinte.
tória da filosofia (e da lógica), como uma exigên- E aí entra o “desejo” movendo o próprio projeto
cia suprema, embora mais ou menos implícita ou de autonomia.
oculta. Ela está relativamente oculta entre os gre-
gos antigos: o péras (o limite, a determinação) que 17
Efetivamente Castoriadis ressalta a concepção
eles opõem ao apeiron (‘indeterminado’) é, a seus da imaginação de Aristóteles e de Kant. Entretan-
olhos, a característica decisiva de qualquer coisa to, sem deter-se, reconhece, em alguns outros au-
da qual se possa verdadeiramente falar, isto é, que tores, também esse viés seguido de seu ocultamento:
verdadeiramente exista (...) É essa tendência do- “Em seus escritos de juventude, Hegel prossegue
minante, a corrente central do pensamento filosó- e, por vezes, radicaliza o movimento inaugurado
fico. Qualificações e restrições a essa tese foram, é por Kant e Fichte: a imaginação, escreve ele em Fé
claro, propostas pelos grandes filósofos, e já o e saber, não é um ‘termo médio’, mas ‘aquilo que é
pitagórico Filolau afirmava que tudo o que existe primitivo e originário’. Mas esses escritos perma-
é feito de péras e de apeiron; idéia que Platão reto- necerão inéditos ou desconhecidos. Na obra
mará e enriquecerá ao escrever: ‘tudo o que pode publicada, a situação é completamente diferente.
ser dito do ser é feito de um e de muitos e traz em Não se achará nenhum traço do tema ou do termo
si latentes, desde o início o péras e o apeiron’ (Diels, imaginação na Fenomenologia do espírito. E, depois,
Fr. 1, 3, 4. Filebo, 16c). Mas a fixação da corrente Hegel deslocará a ênfase da imaginação para a me-
dominante da filosofia pela determinidade e pelo mória. (...) Hegel restaura e restabelece assim a tra-
determinado traduz-se no fato de que, mesmo dição vulgar, sempre dominante, acerca da ques-
quando se reconhece um lugar ao indeterminado, tão, e que se limita a reproduzir a primeira exposi-
ao apeiron, este é apresentado como hierarquica- ção da imaginação no tratado de Aristóteles: ex-
mente ‘inferior’: aquilo que realmente existe é o pulsão da imaginação para a ‘psicologia’, fixação
que é determinado, e o que não é determinado não de seu lugar entre a sensação e a intelecção (...),
é, ou é menos, ou tem uma qualidade inferior de caráter simplesmente reprodutivo e recombinatório

Universidade Católica de Pernambuco - 42


Revista SymposiuM

de sua atividade, estatuto deficiente, ilusório, en- Idem, p.279.


28

ganoso ou suspeito de suas obras.” (As Encruzi-


lhadas do Labirinto 2: os domínios do homem, 29
Hannah Arendt vai ver nessa intersubjetividade,
337-38) Heidegger estabelece a questão da imagi- na possibilidade de comunicação com o Outro, a
nação com Kant e o problema da metafísica, porém validade de uma possível filosofia política na Ter-
Castoriadis nota novo recuo: “Novamente se es- ceira Crítica de Kant. Conf. ARENDT, Hannah.
quece, recobre e apaga a questão da imaginação, Da Imaginação. In: Lições sobre a Filosofia Po-
da qual não se achará nem mais um traço em seus lítica de Kant. Trad. André Duarte de Macedo.
escritos posteriores, e se suprime o impacto pro- Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.
duzido por essa questão sobre qualquer ontologia
(e sobre qualquer ‘pensamento do Ser’).” (Idem, 30
KANT, I. Fragmentos da Crítica do Juízo. In: Crí-
338) Castoriadis cita ainda Merleau-Ponty: “Aí ve- tica da Razão Pura e Outros Textos Filosófi-
mos Merleau-Ponty indo muito longe em seu es- cos. (Col. Os Pensadores, vol. XXV) Trad. Rubens
forço para apagar ‘as antigas clivagens’ - ao mes- Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural,
mo tempo em que algo o puxa para trás: sem dúvi- 1974, pp.273-36; §9, p.315.
da, a persistência do esquema da percepção, no sen-
tido mais amplo, do qual ele não chega a se des- KANT, I. Fragmentos da Crítica do Juízo, §7,
31

vencilhar totalmente, percepção agora tornada ex- p.310.


periência ou recepção ontológica.” (Ibidem, 338-39)
Idem, §8, p.312.
32

ARISTÓTELES apud CASTORIADIS, C. As


18

Encruzilhadas do Labirinto 2: os domínios do Ibidem, §9, p.314.


33
homem, p.345.
CASTORIADIS, C. As Encruzilhadas do La-
34
ARISTÓTELES. Tratado del Alma, p.237.
19
birinto 2: os domínios do homem, p.281.
Idem, p.237.
20
Idem, p.281.
35

Ibidem, p.235.
21
Ibidem, p.281.
36

ARISTÓTELES apud CASTORIADIS, C. As


22
37
Castoriadis verifica o círculo primitivo da cria-
Encruzilhadas do Labirinto 2: os domínios do ção nas “entrelinhas” do pensamento estético de
homem, p. 340. Kant: “a beleza é reconhecida porque existe o gos-
to; e há o gosto porque os homens foram educa-
CASTORIADIS, C. As Encruzilhadas do La-
23
dos; e os homens foram educados porque já esta-
birinto 2: os domínios do homem, p.352. vam em contato com a beleza e, portanto, porque
reconheceram a beleza antes de estarem, em prin-
Idem, p.356.
24
cípio, capacitados a fazê-lo.” (Ibidem, 287)

Ibidem, p.342.
25 38
Assim Castoriadis considera em nota: “Ele fala
ARISTÓTELES apud CASTORIADIS, C. As
26
apenas uma vez em schöpferische Einbildungskraft, ou
Encruzilhadas do Labirinto 2: os domínios do imaginação criadora (§49). Sendo esta última ex-
homem, p. 341. pressão corrente no século dezoito, a insistência
de Kant em sempre qualificar a imaginação como
CASTORIADIS, C. As Encruzilhadas do La-
27
produtiva não poderia ser fortuita. O termo Schöpfung
birinto 2: os domínios do homem, p.371. (criação) é, evidentemente, muito utilizado a pro-

NOVA FASE • Ano 3 • Número Especial • junho-99 - 43


Ciências, Humanidades e Letras

pósito da ‘criação do mundo’ por ‘Deus’ nos pará- manece oculto: tudo está desnudado, os próprios
grafos finais da terceira Crítica, por exemplo § 84, espectadores estão nus, sem pudor e sem vergo-
87 etc.” (Ibidem, p.284) nha. E é porque realizam essa apresentação do
Abismo que as obras de outrora e de alhures po-
KANT, I. Fragmentos da Crítica do Juízo. Ob-
39 dem falar a nós e nos despertar. Não é a ‘forma’
servação Geral à Primeira Parte da Analítica, p.332. enquanto tal que confere à obra de arte sua
‘intemporalidade’, mas a forma enquanto passa-
40
Castoriadis cita Kant: “… o gênio… consiste em gem e abertura para o Abismo.” (Diante da Guer-
produzir o de que não se poderia dar nenhuma re- ra, p.234)
gra determinada… a originalidade deve ser a sua
primeira propriedade… os seus produtos devem CASTORIADIS, C. As Encruzilhadas do La-
42

ser ao mesmo tempo modelos, isto é, exemplares… birinto 2: os domínios do homem, p.371.
devem servir de medida ou regra de julgamento
para os outros… não pode descrever a si mesmo AMORIM, M. Labirintos da Autonomia, p.187.
43

ou expor cientificamente como realiza o seu pro-


duto… é enquanto natureza que ele dá a regra…” CASTORIADIS, C. A Instituição Imaginária
44

(KANT, §§46 e 47 da Crítica do Juízo, apud As da Sociedade, p.93.


Encruzilhadas do Labirinto 1, 17)
45
Para Castoriadis, “a teoria como tal é um fazer, a
41
CASTORIADIS, C. As Encruzilhadas do La- tentativa sempre incerta de realizar o projeto de
birinto 2: os domínios do homem, p.285. A ques- uma elucidação do mundo.(Grifo nosso)”
tão da arte em Castoriadis ultrapassa o que se pro- (CASTORIADIS, C. A Instituição Imaginária
cura dar ênfase no corpo deste trabalho. Aqui, tra- da Sociedade, p.93) Há aqui duas idéias que me-
ta-se de vislumbrar a criação em Kant, embora o recem destaque: a “incerteza” no projeto de
filósofo não conceba a arte com o peso ontológico elucidação do mundo, que implica uma certa hu-
que Castoriadis insiste em ver. A distinção entre mildade teórica; e a teoria como “um fazer”.
as duas concepções de arte como criação é preci- Castoriadis vê a teoria como práxis e não distingue
samente o peso ontológico da apresentação do Ser o conteúdo do conhecimento em partes (o saber e
enquanto Abismo, como verifica Castoriadis. As- o fazer). Por isso ele prefere referir-se ao seu traba-
sim, entendendo a arte como abertura ontológica lho como elucidação. Assim, intrinsecamente liga-
possível, Castoriadis considera: “A obra de arte só dos estão o social-histórico, o pensar sobre ele e o
existe suprimindo o funcional e o cotidiano, reve- porquê pensá-lo. Nas palavras do autor: “Tudo isso
lando um Reverso que destitui de toda significa- conduz ao que chamo de círculo da práxis. Este cír-
ção o Anverso habitual, criando assim uma fresta culo pode ser definido, como todo círculo que se
através do qual entrevemos o Abismo, o Sem fun- preza em geometria plana, por três pontos não co-
do sobre o qual vivemos constantemente, esfor- lineares. Existe uma luta e uma contestação na
çando-nos constantemente por esquecê-lo. A arte sociedade; existe a interpretação e a elucidação
é - tanto e mais e de outro modo que o pensamen- desta luta; existe o desejo e a vontade políticos
to, e antes e depois desse: ela falou antes que ele daquele que elucida e interpreta. Cada um desses
falasse e fala ainda quando ele não pode deixar de pontos conduz ao outro, todos os três são absolu-
se calar - apresentação / presentificação do Abis- tamente solidários. (Digo elucidação, e não teoria:
mo, do Sem-fundo, do Caos. Fica-se extasiado di- não existe ‘teoria política’ no sentido estrito e, em
ante da Forma da arte: mas essa Forma é o que lhe qualquer situação, a teoria é apenas um caso parti-
permite mostrar e fazer ser, para nós, o que está cular da elucidação.)” (CASTORIADIS, C. Socia-
além da Forma e do Informe. (...) A arte apresenta lismo ou Barbárie, p.240)
sem ocultar. Quando a tragédia termina, nada per-

Universidade Católica de Pernambuco - 44

You might also like