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P&P

A publicidade
como suporte
pedagógico: a
questão da
discriminação por
idade na
publicidade da
Sukita1 1 Introdução

RESUMO
A pesquisa que empreendemos durante o primeiro semestre Justificativa da linha de pesquisa
de 2001 teve como objeto as percepções de mensagem
publicitária (refrigerante Sukita) por alunos de segundo A PESAR DO ESPAÇO QUE os meios de
ano de Ensino Médio, durante exposição e debate em comunicação ocupam na experiência de
sala de aula. Esse estudo tinha como objetivo primeiro a qualquer aluno, a mídia ainda não está
verificação da pertinência do uso de uma publicidade como integrada à grade curricular das escolas. A
suporte pedagógico para discussão de um tema transversal dificuldade reside em inserir, na educação
(discriminação em função da idade). A análise dos dados formal, um objeto de estudo que rivaliza
registrados aponta para uma tendência, por parte dos alunos, com a escola pelo monopólio tendencial
de manifestação espontânea pouco crítica em relação ao da produção le gí ti ma de sentido, da
modelo “socialmente autorizado” de abordagem erótico-afetiva interpretação socialmente aceita do real.
proposto indiretamente pela mensagem publicitária. Reside também no fato de que o
cur rí cu lo escolar não se resume num
ABSTRACT acervo de conteúdos de saber. A grade
This article reports some of the findings of a study about an curricular dá fundamento a um conjunto de
advertising campaign of the soft drink Sukita and the age esquemas sociais ligados à organização
discrimination theme it exploited, according the opinions da sociedade e às suas necessidades
expressed by second-year high school students surveyed for (Durkheim), determinando a organização
that research. legítima do tempo e do espaço e
facultando a “racionalidade econômica e a
PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) racionalidade política”2.
– Publicidade (Advertising) Dessa forma, a escola, através de
– Grounded theory seus con teú dos curriculares, participa
– Discriminação por idade (Age discrimination) do con tro le coletivo 3 , definindo a
representação socialmente dominante de
inteligência e divisão do trabalho. Essas
prerrogativas, no entanto, dependem da
legitimidade da instituição escolar, isto é,
da indiscutibilidade da competência social
Clóvis de Barros Filho que lhe é conferida para assegurar um
Professor da Faculdade Cásper Líbero e da ECA-USP determinado tipo de aprendizado social4.

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A perda progressiva dessa mensagem publicitária (refrigerante Sukita)
legitimidade institucional ensejou dúvida por alunos de segundo ano de Ensino
sobre os conteúdos curriculares e sobre Médio7 durante exposição e debate em sala
o monopólio escolar de sua elaboração. de aula.8 Esse estudo teve como objetivo
A erosão desse reconhecimento social se primeiro a verificação da pertinência do
traduziu, nas salas de aula, por reações dos uso de uma pu bli ci da de como suporte
alunos às regras disciplinares, conteúdos pedagógico para discussão de um tema
e atividades pedagógicas consideradas transversal.
impertinentes. A opção pela publicidade como objeto
Se em algum momento da história de pesquisa em comunicação e educação
da instituição escolar o que era ensinado se deve, de um lado, à óbvia relevância
em sala de aula, por sê-lo, justificava seu da mesma como produto da indústria
aprendizado, hoje o aluno recebe, avalia e cultural veiculado pela mídia e, de outro,
julga a mensagem pedagógica em função, ao relativo ineditismo de uma pesquisa
sobretudo, de referenciais interiorizados com esse objeto na área de comunicação e
alhures, ou seja, regras e critérios definidos educação.9
por ins tân ci as de socialização para- Assim, o “preconceito” em relação a
escolares. uma abordagem científica do fenômeno
Além desses referenciais, o da pu bli ci da de 10 e a crença do senso
co nhe ci men to anterior, construído em comum em seus efeitos incontroláveis de
educação formal ou não, revela-se como per su a são e manipulação denunciam a
variável essencial desse julgamento, bem relevância científica de uma pesquisa sobre
como da com pre en são da mensagem publicidade na linha de comunicação e
escolar. Assim, “a relação das informações educação.
novas com as in for ma ções antigas é Elencamos, abaixo, as escolas
acompanhada de operações de tratamento visitadas,11 bem como as datas das coletas
— tais como a seleção, a categorização, de dados:
a transformação, o or de na men to das
informações —, ope ra ções tanto mais Colégio Sion - 19/03/01 (São Paulo)
custosas quanto mais pobre for a base Colégio Canadá - 18/04/01 (Santos)
coginitva”5. Colégio Senai - 10/04/01 (Santos)
Dessa forma, a identificação, em Instituto Adventista de Ensino - 12/04/01 (São Paulo)
um de ter mi na do universo escolar, dos Escola Espiritualista Ordem e Progresso - 17/04/01 (Santos)
referencias cognitivos, avaliativos e afetivos Colégio Presidente Kennedy - 10/04/2001 (Santos)
co muns aos alunos e a conseqüente Colégio Treinasse - 16/04/01 (Santos)
de fi ni ção de um repertório presumido Colégio Leão XIII - 11/09/01 (Santos)
comum dos mesmos devem ser exigência Ateneu Santista - 09/04/01 (Santos)
pri o ri tá ria da ati vi da de docente. Nesse Colégio Santa Cecília - 11/04/01 (Santos)
momento, a mídia aparece como objeto Colégio Novo Milênio - 20/04/01 (Vitória)
de estudo privilegiado das ciências que
estudam a educação. A peça publicitária televisiva escolhida
tem como produto o refrigerante Sukita.
A cena exibida transcorre integralmente
num elevador, com dois personagens:
Justificativa do objeto de pesquisa um ho mem e uma mulher, esta última
aparentando bem menos idade. O primeiro
A pesquisa que empreendemos durante carrega um saco de laranjas enquanto a
o primeiro semestre de 2001 teve como segunda toma o refrigerante. Depois de
ob je to as distintas percepções 6 de deter o fechamento da porta, permitindo

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a entrada da mulher, o homem toma a (A) A coleta dos dados: duas fases de
iniciativa do diálogo. Comenta sobre a aplicação
temperatura (“tá quente aqui”), sendo
respondido la co ni ca men te com uma A verificação, através da investigação
interjeição con fir ma tó ria. Na seqüência, que empreendemos, da pertinência ou
pergunta se a interlocutora mora há muito não do uso da referida peça publicitária
tempo no prédio. Obtém resposta idêntica. como su por te pedagógico se objetivou
Numa terceira iniciativa, indaga: “Tá no contraste dos resultados obtidos em
gostosa a Sukita?”, recebendo pela terceira duas situações distintas de investigação.
vez a mesma resposta. Na primeira fase desta pesquisa, o aluno
No momento em que parecia propor foi es ti mu la do a falar o que pensa da
uma quar ta questão, foi abruptamente publicidade da forma mais livre possível.
interrompido com a frase: “Tio, aperta o Os limites dessa possibilidade foram dados
vinte”. pelas condições materiais específicas de
Neste momento o ruído da lata indica elaboração discursiva próprias ao quadro
que o refrigerante terminou e ouve-se o de uma manifestação em sala de aula.
slogan: “Quem toma Sukita não engole Todo ato de enunciação atualiza e objetiva
qualquer coisa”. a posição ocupada pelo enunciador e é,
Esta peça está discriminada no em grande medida, determinado por ela.
Anuário do Clube de Criação, foi objeto Incidem, portanto, sobre esse ato, desde
de discussão na agenda pública e encerra as dis po si ções es tru tu rais in cor po ra das
um modelo de relação afetiva, em função durante a trajetória social de quem enuncia
do qual a abordagem exibida dentro do (habitus de classe, habitus profissional,...)
elevador foi deslegitimada. Esses fatores até as condições materiais circunstanciais
fa vo re ce ram um engajamento imediato, do momento do ato de fala.
por parte dos alunos, na discussão de Nesta primeira fase da pesquisa,
todos os universos amostrais pesquisados, foram condições materiais determinantes
justificando assim a escolha desta peça aos dis cur sos do aluno, de um lado,
publicitária. a presença dos pesquisadores e dos
Apresentaremos, na primeira parte do instrumentos de pes qui sa (gravador,
nosso trabalho, o desenho metodológico televisão, vídeo, papel para anotações)
da pesquisa, suas cautelas, limitações e e de outro, a dos colegas em sala de
fundamentações (I) e, na segunda parte, as aula, num espaço destinado à educação
conclusões verificadas nos seus distintos formal. Soma-se a esses fatores o limite
momentos (II). de tempo imposto ao conjunto da aplicação
da pesquisa, de 60 minutos em cada
universo escolar pesquisado.A proposta
(I) Desenho metodológico da pesquisa pedagógica apresentada procurava, nessa
primeira fase da pesquisa, identificar a
A pesquisa que empreendemos foi adesão do aluno pesquisado ao modelo
desenhada em duas fases de aplicação de casal im pli ci ta men te pro pos to pela
e os cri té ri os de categorização dos peça publicitária. Esse grau de adesão foi
depoimentos foram sendo aperfeiçoados estudado em função das variáveis: sexo,
ao longo da coleta de dados (visitas às escola, momento de intervenção no debate,
escolas). Discutiremos, assim, num primeiro estrutura e léxico do discurso.
momento o procedimento de coleta dos Na se gun da fase da pesquisa,
dados (A) e, na seqüência, a classificação o dis cur so dos alu nos, registrado e
e análise dos mesmos (B). analisado, foi antecedido de intervenção
por parte do pesquisador. Esta intervenção

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questionava o modelo de casal proposto que sempre representa, para os alunos,
pela publicidade e a desautorização da a pre sen ça de um elemento externo
abor da gem do ele va dor. O objetivo foi à rotina es co lar. A intensidade desses
avaliar o efeito deste questionamento nos efeitos perversos, relativos à violência da
discursos que se seguiram. ruptura simbólica, depende do ineditismo
da aplicação de uma pesquisa acadêmica
nos uni ver sos es co la res específicos e
A manifestação dos alunos da maior ou menor distância social entre
o professor uni ver si tá rio (entrevistador)
O aluno do segundo ano do ensino e os alunos16.
médio, pertencente aos nossos universos Assim, a título de exemplo, o intervalo de
amostrais 12, manifestou-se verbalmente, tempo silencioso, de hesitação, entre a
através de um debate realizado em sua proposta definitiva do debate por parte do
sala de aula e, por escrito, em casa, em pesquisador e a primeira intervenção de
redação solicitada pelo coordenador do um aluno, bem como o intervalo de tempo
curso. A manifestação verbal foi registrada médio entre as intervenções, variaram em
de duas for mas: gravação (discursos função destes fatores.
enunciados pu bli ca men te) e con ver sas
interpessoais registradas por escrito por um
dos pesquisadores espalhados pela classe. Gravação e Transcrição
O debate realizou-se, sempre, na
sala de aula do aluno, isto é, no seu Os discursos foram registrados em
hábitat pe da gó gi co. Desta forma, os dois gra va do res portáteis 17 . O aluno
alunos não fo ram deslocados para a que de se jas se falar manifestava-se
realização da pesquisa. Os instrumentos através de um aceno de mão e um dos
necessários, como te le vi são e vídeo, pesquisadores se deslocava até o local
foram trazidos para a sala de aula. Esta onde ele estava sentado. O uso de dois
precaução metodológica visava a reduzir a gravadores, encurtando os deslocamentos
artificialidade das condições de produção dos pesquisadores, justificou-se em função
discursiva do aluno e aumentar as suas da tentativa de redução do tempo entre a
garantias simbólico-securitárias.13 manifestação do aluno e o registro do seu
Após uma exposição por duas discurso.
vezes da peça publicitária 14, o debate Quando dois ou mais alunos
era sugerido por intermédio da pergunta: le van ta vam a mão, eram convidados
“O que vocês acharam da publicidade? jovialmente a aguardar a sua vez. “Segura
Podem falar numa boa. O objetivo da aí, meu, que eu já tô che gan do”. Ou:
pesquisa é saber o que vocês realmente “Pessoal, se liga que não dá pra falar
pensam, sem muitas preocupações com todo mundo junto”. As intervenções foram
acertos e erros”15. Assim, toda a explicação transcritas literalmente após cada visita.
dos procedimentos da pesquisa foi feita Manifestações sonoras não-verbais como
tentando a aproximação léxica e de estilo risos, assovios e gritos registrados pelo
com o discurso dos alunos. Saliente-se gravador, também foram indicadas no texto.
que a cordialidade, o engajamento com a Estas cautelas metodológicas facilitaram
proposta e o respeito dos procedimentos o trabalho de definição das categorias de
do debate foram observados em todos os análise, bem como a classificação dos
universos pesquisados. depoimentos.
Esses procedimentos decorrem da
preocupação de prever e reduzir os efeitos
in de se ja dos produzidos pela intrusão (B) Análise dos dados

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os discursos que vinculam as categorias
A metodologia qualitativa empregada “velho” e “jovem” ao capital estético e a
levou-nos a um enfoque indutivo de quarta, os discursos que vinculam essas
análise dos dados. Sem partir de hipóteses categorias ao capital econômico.
estabelecidas a priori, não tínhamos por As unidades de intervenção dos
que buscar dados ou evidências que as alu nos, classificadas em função das
confirmassem ou as negassem. Tomamos, categorias citadas, eram identificadas por
como ponto de partida, focos de interesse três informações suplementares: o sexo
amplos como o uso da mídia em sala do aluno, a escola em que estuda e o
de aula, a reação a uma mensagem momento da interferência no debate.
publicitária como objeto de discussão Este momento foi ob je ti va do pela
pedagógica e a pertinência do uso desta identificação da ordem de intervenção (do
mensagem como suporte pedagógico para primeiro aluno a se manifestar, segundo,
discussão de temas transversais em sala terceiro, até o último).
de aula. Assim, vistas as condições materiais
A análise que propomos neste trabalho de elaboração da pesquisa, bem como
foi sendo construída ao longo da coleta as cau te las metodológicas tomadas,
de dados. Assim, imediatamente após passamos à aná li se dos enunciados
cada visita, os discursos registrados eram propostos pelos alu nos em função das
transcritos e examinados. Desta forma, categorias mencionadas.
as intervenções dos alunos foram sendo (II) A análise dos enunciados
agrupadas ao longo de cada coleta18. Os
critérios desta aproximação converteram- Como o nosso principal objetivo era
se em categorias de análise19. Observe- analisar a pertinência do uso da publicidade
se que estas categorias que permitiram para a discussão do tema transversal
a classificação de todas as intervenções (discriminação em função da idade), bem
ao longo da pesquisa foram identificadas como o papel do professor na condução
desde a análise de dados coletados na do debate, apresentaremos os resultados
primeira escola visitada (Colégio Sion)20. da pesquisa em função da intervenção do
As intervenções dos alunos foram pro fes sor. Num primeiro momento, são
classificadas, inicialmente, em função da analisadas as manifestações dos alunos
sua incidência, em “opinião dominante” e anteriores a essa intervenção (II.A) e, num
“opinião dominada”. segundo momento, as posteriores (II.B).
A “opinião do mi nan te” desautoriza
a abor da gem do homem no elevador,
en quan to que a opinião do mi na da, (II.A) Conclusões da primeira fase da
embora re co nhe ça a existência de um pesquisa – o discurso sem intervenção
modelo so ci al men te aceito e esperado
de abordagem erótico-afetiva, admite a “Velhice” e “juventude” são ca te go ri as
contingência, isto é, a possibilidade de sociais, isto é, suas fronteiras constituem
outros modelos sem condenação moral. objeto de luta em cada universo social.
Dentro da categoria “opi nião Desta forma, essas categorias não
do mi nan te”, dis cri mi na mos qua tro são dadas, necessárias ou da natureza das
subcategorias: a primeira delas reúne as coisas, mas são construídas socialmente.
intervenções que relacionam diretamente o A relação entre idade social e idade
consumo com as categorias sociais “velho” cro no ló gi ca é complexa. Cada campo
e “jovem”; a segunda reúne as intervenções social tem suas regras próprias de
que relacionam a estas mesmas categorias envelhecimento. Entendemos esse campo
outros comportamentos; a terceira reúne como um espaço de posições sociais que

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se definem umas em relação às outras. a seus opostos24.
Essa interdependência de posições e de Esse ponto de vista relacional
distâncias entre essas posições autoriza- permite corrigir equívocos nominalistas
nos a pensar um campo dentro da lógica que fazem crer na existência de uma
sistêmica. Assim, en quan to sistema de posição social (um papel, um posto, uma
posições definidas re fle xi va men te 21 , função, um cargo, etc.) por elas mesmas,
todo campo pressupõe o contraste entre in de pen den te men te das posições que
postos complementares: co man dan tes lhe são complementares e que definem
e comandados, vedetes e obs cu ros, reflexivamente seus limites no espaço.
vencedores e derrotados, ricos e pobres e, Esse nominalismo essencialista também
também, “jovens e velhos”. Daí, afinando a cristaliza as posições sociais em função da
análise, podemos concluir que um espaço permanência de suas nominações. Assim,
social é um sistema de diferenças, um a alcunha de diretor definiria uma posição
sistema de posições que se definem pela social independentemente da relação de
sua própria oposição, como os pontos forças a que se submete o circunstancial
cardeais se definem em relação aos seus ocupante desde posto e que define a
opostos. permanente redistribuição do poder no
As fronteiras simbólicas que separam espaço social considerado, isto é, do capital
categorias sociais como “jovens” e “velhos” específico em circulação neste espaço.
são interiorizadas reflexivamente. São a concentração e a escassez deste
Neste sen ti do, mensagens que capital específico que permitem a avaliação
apre sen tam re pre sen tan tes categoriais das distâncias sociais no interior de cada
devidamente contrastados em relação a campo.
seus referenciais antagônicos são mais Desta forma, toda iniciativa de
imediatamente percebidas22. É o caso da classificação social por idade, envolvendo
publicidade, objeto de nossa pesquisa23. A essas categorias, representa um golpe
indignação face à abordagem do elevador de vi o lên cia que se inscreve neste
advém do contraste e não desta ou daquela quadro de luta com graus distintos de
idade presumida substancialmente. oficialidade. A idade é um dado biológico
As oposições consagradas terminam socialmente ma ni pu la do e manipulável.
por pa re cer inscritas na natureza das As pesquisas de marketing, de opinião
coi sas. No entanto, qualquer exame pública em geral, os cadastros públicos e
crítico, ainda que superficial, sobretudo se privados são exemplos desta permanente
armado com o conceito de campo, leva- tentativa, so ci al men te interessada, de
nos a descobrir que, com muita freqüência, tornar cronológico um critério que distingue
cada uma das oposições não tem nenhum categorias referenciais, autopoiéticas, isto
conteúdo sem o contraste com a posição é, que só podem existir uma em relação à
antagônica, em relação à qual ela, em outra.
muitos casos, só representa a inversão A publicidade participa desta luta
racionalizada. É o caso de numerosas so ci al, historicamente constituída, pela
oposições que estão em vigor hoje nas definição legítima do “jovem” e do “velho”,
ciências sociais: indivíduo e sociedade, impondo como critério o consumo. Este
consentimento e conflito, con sen so e último se relaciona aos modos socialmente
coação. De maneira mais evidente ainda es tru tu ra dos que permitem o uso dos
as divisões em “escolas”, “movimentos” objetos para demarcar categorias sociais.
ou “correntes”: “estruturalismo” e Esta relação entre estratégias de consumo
“cons tru ti vis mo”, “modernismo” e “pós- e ca te go ri as sociais é apontada por
modernismo”, tantos rótulos com aparência Appadurai 25, para quem o valor não é
conceitual, mas sem autonomia em relação concebido como uma propriedade dos

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objetos, mas é definido em função do uso tipo de “consumo” à categoria social da
social que dele faz o consumidor. Mas é “jovem”. Assim, in ter ven ções como: “O
Bourdieu quem associa com mais clareza cara era tão velho que ainda tomava suco
o consumo a um capital social específico, de laranja. Hoje em dia já tem um monte
isto é, a um grau de re co nhe ci men to de refrigerante. Ele ainda tomando suco
social, de pertencimento e discriminação, de laranja invés de tomar Sukita.” (Escola
de definição, em suma, das fron tei ras Treinasse); “Ele com a laranja mostra que
simbólicas entre este e aquele gru po está mais velho, ultrapassado, e ela com a
social26. Sukita já é a nova.” (Colégio Leão XIII); “O
Uma breve análise histórica nos comercial tá querendo dizer que laranja é
per mi te cons ta tar que as fronteiras da coisa pra velho. Quem quiser agora toma
juventude e da velhice nem sempre foram Sukita, não uma laranja.” (Colégio Leão
definidas em função dos mesmos critérios. XIII); “Bebe Sukita e você vai ser gostosa, e
Assim, Skinner observa que no século XVI, tome laranja, você vai ser um velho babão
em Florença, o critério de distinção legítimo quando você crescer.” (Colégio Sion); são
entre “jovens” e “velhos” era a virilidade, a reveladoras dessa associação.
capacidade de agir violentamente. A aproximação das categorias
Desta forma, os velhos reservavam “velho” e “jovem” a um certo consumo vem
para si a sabedoria, decorrente de uma acompanhada de associações subsidiárias
trajetória de vida mais longa e, portanto, como o capital estético dos protagonistas.
o poder decisório na cidade27. Na Idade Algumas intervenções são contundentes e
Média, Ge or ge Duby mostra como os reveladoras: “O bagulho feião. O bagulho
limites da ju ven tu de eram manipulados de velho mesmo.” (Leão XIII); “E a carinha
pelos detentores do patrimônio para que os do velho, cheio de pé-de-galinha.” (Colégio
jovens permanecessem em estado de irres Canadá); “Se o cara fosse o Raí e estivesse
ponsabilidade e não pretendessem, assim, segurando um saco de laranja, com certeza
a sucessão e o acesso à herança28. ela daria bola.” (Leão XIII); “Eu acho que
Ao participar da luta social pela não tinha nada a ver com a idade. Era o
categorização, nomeação e discriminação cara mesmo. Se fosse um coroa bonitão,
dos fenômenos, a publicidade também sei lá...Ela podia até ouvir.” (Presidente
par ti ci pa dos múltiplos e contraditórios Kennedy).
me ca nis mos de definição social da Além do capital estético, também
realidade. Ao propor e impor formas o capital econômico foi destacado como
particulares de vi são e de divisão do elemento de definição categorial. Assim,
mundo, a publicidade age por golpes as as pi ra ções de gerações sucessivas
ininterruptos de violência simbólica, são cons ti tu í das em relação a estados
oferecendo à sua audiência significados diferentes da estrutura da distribuição
interligados, caminhos de sentido que, sem dos bens e das chances de obter esses
dúvida, facilitam ou, por vezes, possibilitam diferentes bens: o que para os pais era
a atribuição de algum sentido ao real. A um privilégio ex tra or di ná rio tornou-se,
eventual identificação, por parte do aluno, estatisticamente, banal. Desta forma,
deste efeito da mensagem pu bli ci tá ria mui tos conflitos entre ge ra ções são
constitui-se em indagação primária de sistemas de aspirações constituídos em
nossa pesquisa. idades diferentes.
A análise das categorias propostas Algumas intervenções exemplificam
per mi te-nos concluir que o aluno, essa associação: “E no caso do empresário
es pon ta ne a men te, associou um Roberto Justus? Ele é atualizado, é rico
determinado comportamento de consumo e é empresário.” (Colégio Canadá); “As
à categoria social do “velho” e outro meninas estão atrás de velho rico.”(Colégio

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Ca na dá); “Se o cara chega com uma processo de transferência psicológica de
Ferrari, vamos ver se ela não ia dar bola identificação 29 com os personagens da
para ele.” (Colégio Leão XIII); “E tem muito trama, que se verificou tanto do lado das
velho rico desfilando com carro importado alunas em relação à “jovem” como do lado
do ano, uma puta loira do lado. Só que na dos alunos, em menor escala, em relação
hora do vamos ver, não levanta nem...” ao homem.
(Co lé gio Canadá); “Um mendigo pode Assim, a imigração mental do mundo
ter um papo até a ponta do dedão do pé da sala de aula para o elevador da cena
dele, mas ele não cata ninguém.” (Colégio exi bi da (uma outra intriga com outros
Ca na dá); “Eu não tenho preconceito personagens num outro contexto e num
nenhum en tre uma mulher mais velha outro cenário) requer implicação, empatia
namorar um cara mais novo; é só ter e identificação. Separação com o mundo
grana; se alguma de vocês estiver a fim...” real, a evasão proporcionada pela recepção
(Colégio Treinasse); “Eu acho que por ele da publicidade é, na verdade, uma inserção
ser mais velho, ele deve ter uma conta meio no “mundo da trama”, uma identificação
gordinha, e ela deve ter se interessado.” com os personagens. É por isso que essa
(Instituto Adventista de Ensino – IAE). evasão requer, se não a concordância,
A associação do consumo com as pelo menos um acordo entre os esquemas
categorias “velho” e “jovem” não esgota de percepção que organizam a ficção (os
a aná li se da ação na peça publicitária esquemas de interpretação e de ação dos
proposta. Desta forma, personagens) e os do receptor.
outros elementos com por ta men tais são Esse processo psicológico de
destacados como dis tin ti vos dessas identificação é claramente objetivado em
categorias: “Quanto mais velho mais algumas das declarações registradas:
idiota.” (IAE); “As meninas podem até ficar “Magina um cara destes tentando me
com medo dos velhos com esse comercial.” agarrar no elevador. Que nojo!”(Colégio
(Ateneu Santista); “O velho foi safado e Sion); “Se eu levasse uma cantada que
ela entrou provocando com o canudinho.” nem a desse homem, eu faria a mesma
(Co lé gio Canadá); “Aquele sor ris zi nho coisa. Poxa, já pensou eu dentro de um
sar cás ti co de velho, sa do ma so quis ta.” elevador sozinha e vem um indivíduo
(Colégio Canadá); “Se fosse uma velha de como este tentar me agarrar?” (Escola
70 anos, toda caída, ele não ia querer fazer Espiritualista Ordem e Progresso); “Quando
isso com ela, ou ia?” (Colégio Canadá); “A eu tiver a idade dele eu também vou fazer
menina maior inocente e o tiozinho, maior isso. Mas eu vou conseguir a menina.”
pedófilo.” (IAE); “Tem velho que é tarado (Colégio Canadá); “Tinha que colocar
assim. Eles são convencidos.” (IAE); “Ele eu para fazer esse comercial e não ele.”
tem que ficar com as mulheres da idade (Senai).
dele, tem que ser casado.” (IAE). As intervenções, integrantes da
Se as intervenções condenatórias categoria “opinião dominada”, além de se
da abor da gem no elevador tiveram concentrarem no segmento masculino da
maior in ci dên cia (“opinião dominante”), amostra, também foram prioritariamente
alguns alu nos dos mesmos universos enunciadas nos primeiros momentos dos
amostrais en tre vis ta dos manifestaram- debates. Assim, quase todas ocorreram
se contrariamente (“opinião dominada”). en tre as cinco primeiras manifestações
A incidência destas intervenções, que de registradas em cada debate.
alguma forma contestaram a representação Isto é, à medida que se definia o “clima
definida pela peça publicitária, concentrou- de opinião” na classe, as intervenções
se no segmento masculino do universo desviantes tendiam a rarear. Por isso,
amostral. Isso se deve, em parte, a um quanto mais nítida era a opinião da maioria,

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me nos provável era uma intervenção faixa de idade.” (Ateneu Santista).
no sen ti do contrário 30. Esse fenômeno
já fora de nun ci a do pela pesquisadora Assim, se durante a fase de
Elisabeth Neumann no modelo da “Espiral “ma ni fes ta ção livre” estas foram as
do silêncio”31. O desconforto psicológico categorias pre pon de ran tes, aqui
de cor ren te do ônus social de assumir explicitadas apenas por alguns exemplos,
publicamente uma opinião minoritária as manifestações dos alunos posteriores
acarreta uma ten dên cia estatística ao à intervenção do pesquisador revelam a
silêncio em meio aos partidários desta pertinência das categorias, mas indicam,
opinião. Ora, se a opinião já era minoritária, como veremos a seguir, uma reversão
esse silêncio de uma parcela significativa quantitativa das tendências.
de seus defensores a torna ainda mais
minoritária. Esta perspectiva progressiva,
também constatada em nossa pesquisa, (II.B) Conclusões da segunda fase da
justifica o nome dado pela pesquisadora: pesquisa – o discurso após a intervenção
“espiral”.
Selecionamos algumas intervenções A cisão entre a primeira e a segunda fase
inscritas na categoria “opinião dominada”, da pesquisa foi marcada pela intervenção
ou seja, que espontaneamente criticaram do pesquisador. Apresentado como
o modelo de abordagem implicitamente tal e como professor universitário pelo
sustentado pela peça publicitária: “O amor co or de na dor ou diretor pedagógico do
não tem idade. Não tem nada a ver.” (IAE); ensino médio, o pesquisador, ao intervir,
“O senso comum é uma pessoa nova com fazia-o na condição de um porta-voz
uma pessoa nova. É o que a sociedade legítimo32.
im põe.” (Colégio Presidente Kennedy); O momento da intervenção, em torno
“As mulheres mais velhas pegam modelos de 20 minutos após o início do debate,
de 18 ou 19 anos. E por que o cara não procurava dividi-lo em duas etapas com
pode?” (Colégio Senai); duração semelhante. Tomamos a cautela
de ques ti o nar a opinião dominante,
“Eu acho o seguinte: a maioria da res pei tan do a seqüência lógica das
me ni nas de hoje, elas fazem isso intervenções. Essa medida visava a reduzir
au to ma ti ca men te. Elas gostam de o caráter de rup tu ra formal inerente a
ser maltratadas. Elas preferem um qualquer in ter ven ção dessa natureza e
novo, que pouco sabe da vida, que colocar em evidência a ruptura conceitual
vive de dizer gírias ou palavrões, do do questionamento.
que uma pes soa mais velha, que Assim, a título de exemplo, no
oferece um papo mais interessante Colégio Sion, interviemos após comentário
devido a ex pe ri ên ci as anteriores, que desautorizava o uso de “malhas
onde aprendeu a se portar com mais sobre os ombros” por um “puta velhão”.
elegância e educação.” (Colégio Ob ser va mos: “Eu não sabia que não
Presidente Kennedy); estava autorizado a usar malha sobre os
ombros”. No Instituto Adventista de Ensino,
“A idade não tem nada a ver. Não é a perguntamos se “existe uma idade certa
idade que conta e sim o sentimento.” para xavecar”. Na escola Novo Milênio,
(Colégio Presidente Kennedy); “Eu após ob ser va ção sobre a “agressão
acho que a idade não influencia em sexual” sofrida pela jovem no elevador,
nada.” (Ateneu Santista); “A sociedade perguntamos em tom cândido: “Então,
tem culpa nisso, porque a maioria das comentar sobre a temperatura no elevador
pessoas namoram pessoas da mesma e perguntar se a Sukita está gostosa é uma

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agressão sexual?” interiorizadas.
Embora o senso comum sempre Desta forma, os condicionamentos
busque uma racionalização a posteriori as so ci a dos a uma classe particular
para os comportamentos, uma análise de con di ções de existência produzem
menos ingênua permite-nos concluir que o ha bi tus, sis te mas de disposições
grande parte das manifestações subjetivas duráveis, es tru tu ras estruturadas
são espontâneas, isto é, escapam à lógica predispostas a funcionar como estruturas
de um cálculo estratégico custo x benefício. estruturantes, isto é, enquanto princípios
Isso porque as instâncias de socialização geradores e or ga ni za do res de práticas
exer cem sobre o indivíduo uma ação e de representações, que po dem ser
pedagógica multiforme, fazendo-lhe adquirir objetivamente adaptadas a seus fins sem
saberes práticos indispensáveis ao ajuste supor o alcance consciente desses fins
entre com por ta men tos e expectativas. e o domínio expresso das operações
Assim, o questionamento proposto tinha necessárias para alcançá-los 34. Esses
como objeto uma representação legítima esquemas de classificação do mundo social
de abor da gem so ci al men te aprendida interiorizados durante toda a trajetória social
e interiorizada em uma trajetória de do indivíduo “dizem tudo sobre o mundo
experiências semelhantes. antes que o vejamos”, usam a experiência
Como observa Schaff, “não é sensorial como confirmação ajustada às
arbitrário o con teú do desta aquisição, disposições do que pode e deve ser visto
visto que as experiências das gerações e que governam, com maior ou menor
passadas contêm em si uma soma rigidez, nossa percepção (estereótipos)35.
determinada de conhecimento objetivo do Esse saber prático, espontâneo e
mundo, sem a qual o homem não poderia interiorizado fundamenta-se num princípio
adaptar a sua ação ao seu meio ambiente de economia da práxis inevitável na vida
e não poderia subsistir enquanto espécie. co ti di a na 36. Como ensina Agnes Heller,
Aprendendo ao mesmo tempo a falar e “cada uma de nossas atitudes baseia-
a pensar, assimilamos essa aquisição de se numa ava li a ção probabilística. Em
uma maneira relativamente fácil; não temos breves lapsos de tempo, somos obrigados
que redescobrir constantemente a América, a realizar ati vi da des tão heterogêneas
o que tornaria impossível todo o progresso que não po de rí a mos viver se nos
intelectual e cultural33. empenhássemos em fazer com que nossa
À medida que as experiências atividade dependesse de con cei tos
cons ti tu ti vas do aprendizado social se fundados cientificamente”37.
repetem, acumulando-se, os traços que De alguma maneira, o saber
deixam cada uma delas se sobrepõem, teórico das re pre sen ta ções, adapta-se
combinam-se, reforçam-se, interiorizando- a um saber prático que lhe é anterior38.
se cada vez mais profundamente, É a con cor dân cia entre as estruturas
transformando-se em disposições gerais objetivas e as estruturas cognitivas, entre
e naturalizadas. Isto é, a re pe ti ção de a conformação do ser e as formas do
uma situação diante da qual aprendemos conhecer, entre o curso do mundo e as
a distinguir um comportamento legítimo expectativas a seu respeito que tornam
de outros ilegítimos (so ci al men te possível esta relação com o mundo que
reprováveis) gera uma tendência. Assim, Husserl descrevia com o nome de “atitude
sem necessitarmos de uma orquestração natural” ou de “experiência dóxica”, mas
consciente das vantagens e desvantagens deixando de lembrar as condições sociais
sociais de cada comportamento possível, de possibilidade 39 . Esta ex pe ri ên cia
agimos de forma a reproduzir a ordem apreende o mundo social e suas divisões
social, de acordo com as dis po si ções arbitrárias, a começar pela di vi são

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socialmente construída entre os sexos40, reflexão mais ampla sobre o papel do uso
como na tu rais, evidentes, e concentra, dos meios como suporte para discussão
desta maneira, todo um reconhecimento de dos estereótipos em geral .
legitimidade41.
Assim, como observa Vitorino
Sampaio, “mediante a projeção reiterada Notas
de re pre sen ta ções e esquemas de
com por ta men to, a publicidade promove 1 Projeto com a participação dos pesquisadores: Felipe
uma espécie de te ma ti za ção pública Lopes, Felipe Melo e Vivianne Ferreira. Alunos de
“invisível” de questões fundamentais, em graduação da ESPM.
que os sentidos da ação humana são
tratados de forma naturalizada, como se 2 VERRET, M. Le temps des études. Paris, H. Campion,
não houvesse simplesmente alternativas 1975.
de modelos e atitudes além da que las
anunciadas” 42 . Em função disso, o 3 VINCENT, G. Lʼécole primaire francaise. Lyon, PUL, 1980.
questionamento de um discurso construído
com base em disposições incorporadas 4 Sobre a interiorização da “ordem das coisas” através
em condições semelhantes não pode se da organização curricular, ler GRIGNOL, C. Lʼordre des
limitar a uma condenação ética por parte choses. Paris, Minuit, 1971.
do educador. Cabe a este “des-moralizar”
o estereótipo situando-o, para o aluno, 5 FOULIN, J-N., MOUCHON, S. Psychologie de lʼéducation.
como um facilitador cultural, socialmente Paris, Nathan, 1998, p. 24.
construído, e questionável como tal.
A análise dos resultados da primeira 6 Como observa Teotônio Simões, “assim como uma
e segunda fases da pesquisa permite-nos pessoa faz parte da obra, recriando-a, um telespectador
concluir que a intervenção, propondo uma também recria um comercial. E as pesquisas estão aí
reflexão sobre o estereótipo, produziu para comprovar o fato de que muitas vezes as pessoas
notáveis efeitos no discurso dos alunos. ʻentendemʼ de forma diferente uma mesma peça
As categorias de “opinião dominante” e publicitária”. Publicidade e reflexão. In: Revista da ESPM,
“opinião dominada” definidas na primeira V.3, N. 1, 1996, p. 64.
fase inverteram-se. Isto é, a maioria
dos que de sau to ri za ram a abordagem 7 A opção por este nível da hierarquia escolar (segundo
do elevador num primeiro momento ano do Ensino Médio) ateve-se à busca do máximo
reconsiderou suas propostas. A título de de maturidade presumida, e o obstáculo prático da
exemplo: “Acho que não tinha nada a preparação para o vestibular dos alunos de terceiro ano.
ver o que eu falei”. (Colégio Sion); “Falei
besteira, mas tudo bem. Valeu”. (Colégio 8 Para maiores esclarecimentos a respeito das implicações
Santa Cecília). Ou tros re la ti vi za ram metodológicas de definição de objeto em pesquisa
suas afirmações: “Acho que tá tudo qualitativa sobre produtos da mídia, ler ALTHEIDE, D. L.
bem as idades serem di fe ren tes, mas Qualitative media analysis, Thousand Oaks, Sage, 1996.
o cara exagerou um pouco”. (IAE). Ou
re co nhe ce ram que, pelo menos em 9 Na área de comunicação e educação, os objetos mais
análises casuístas, as possibilidades de fre qüen tes de estudo são relacionados à produção
relação afetiva em relação às idades são ficcional seriada. Sobre a abordagem curricular da
mais amplas: “Neste caso é diferente. O propaganda, ler o artigo de Cláudia Lukianchuki, “Discurso
senhor é conservadão, se cuida”43 (IAE). da propaganda e diretrizes curriculares”. In: Comunicação
Desta forma, podemos concluir e Educação, n. 17, pp. 16-28.
pela pertinência da proposta pedagógica
empreendida e pela necessidade de uma 10 Sobre este “preconceito”, ler a Introdução da Sociologia

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da publicidade de Georges Lagneau, São Paulo, Cultrix- descrição, as categorias são usadas para descobrir as
Edusp, 1981. comunalidades ou os constituintes de um fenômeno”. In
Qualitative research: analysis types and sotftware tools.
11 A escolha das escolas procurou contemplar os critérios New York, The Falmer Press, 1990, p. 73.
laico/religioso, público/privado e políticas pedagógicas
distintas dentro dos critérios acima. 20 A análise dos dados coletados nas outras 10 escolas
confirmaram a pertinência das categorias propostas.
12 Sobre a definição da amostra e o princípio da amos- As sim, os dados coletados nestas escolas não
tragem, ler BABBIE, E. Survey research methods. justificaram, em momento algum, a criação de uma nova
Belmont, Wadsworth, 1990; KISH, L. Survey Sampling, categoria. Por isso, qualquer novo dado coletado foi
New York, John Wiley & Sons, 1965; RAJ, D. The design transcrito e imediatamente classificado em função dessas
of sample surveys, New York, McGraw, 1972. categorias.

13 A abordagem qualitativa empregada nesta pesquisa 21 Sobre o conceito de espaço social como sistema, ler
repousa nas bases operacionais da “Grounded theory”. ACCARDO, A. Introduction à une sociologie critique.
Para um aprofundamento desta proposta metodológica, Bordeaux, Le Mascaret, 1997, p. 44.
ler CHENITZ, W. C., SWANSON, in ”Qualitative research
using grounded theory”. In: CHENITS W.C., SWANSON, 22 Como observa Nelly de Camargo, “a mensagem
J. From practice to grounded theory; Menlo Park, Addison- publicitária recorre com freqüência a pares de antônimos
Wesley, 1986. pp. 91-101. para causar impacto e ressaltar o valor do objeto”. “O
léxico da publicidade”. In: Revista da Intercom, XVIII, n. 1,
14 A exibição da peça por duas vezes foi decidida desde a 1995, p. 16.
primeira escola visitada em função da relativa desa-tenção
dos alunos durante a primeira exibição. 23 Uma abordagem crítica aos efeitos persuasivos
da pu bli ci da de e proposta por Jean Baudrillard em
15 A pergunta “O que vocês acharam da...” inscreve-se no “Significação da publicidade”. In: E COSTA LIMA, L.
quadro técnico de pesquisas semi-estruturadas como Teorias da comunicação de massa, São Paulo, Paz e
”Tell me about...” ou “What do (did) you think about Terra, 1990, pp. 291-199. Para uma sistematização das
...?” indicado por BELENKY, M. F., CLINCHI, B. M., abordagens críticas à publicidade, ler o capítulo “Criticisms
GOLDEBERGER, N. R. and TARULE, J. M. Womenʼ s of advertising”. In: Social communication in advertising,
ways of knowing: the development of self, voice and mind. LEISS, W., JHALLY, S. London, Routledge, 1997, pp. 15-
New York, Basic Books, 1986. 33.

16 Essa distância social pode ser medida pelo eixo público/ 24 BOURDIEU, P. Méditations pascaliennes, Paris, Seuil,
privado em que se categorizavam as escolas visitadas 1997, p. 121.
e, até mesmo, pelo valor da mensalidade, no caso das
escolas particulares. 25 APPADURAI, A. The social life of things. Cambridge,
Cambridge University Press, 1986.
17 Sobre as técnicas de registro em ciências sociais, ler
QUEIROZ, M. I. P. Variações sobre a técnica de gravador 26 O conceito de capital está presente em grande parte da
no registro de informação viva. São Paulo, T.A . Queiroz, obra sociológica de Pierre Bourdieu. Para uma análise
1991. mais detalhada, ler La distinction. Paris, Minuit, 1979 e Le
18 Comenta Arilda S. Godoy que “as abstrações são sens pratique. Paris, Minuit, 1980.
construídas a partir dos dados, num processo de baixo
para cima”. “Introdução à pesquisa qualitativa e suas 27 SKINNER, Q. Fundações do pensamento político
possibilidades”. In: Revista de Administração de Empresas moderno. São Paulo, Companhia das Letras, 2000.
– FGV. São Paulo, v. 35, n. 2, 1995, pp. 57-63.
28 DUBY, G. Lʼ Europe au Moyen-âge. Paris, Flammarion,
19 Como observa Renata Tesch, “quando se concentram em 1984.

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e de generalização, ele simplifica o real; ele pode assim
29 “A identificação produz-se quando o espectador assume favorecer uma visão esquemática e deformada do outros
emotivamente o ponto de um personagem, ao considerá- que acarreta preconceitos. É nesse sentido que vão, até
lo um reflexo da sua própria situação de vida ou de seus hoje, numerosas tentativas de definição.
sonhos/idéias”. em FERRER, J. A televisão e a escola.
Porto Alegre, Artes médicas, 1996. p. 36. 37 HELLER, A . O cotidiano e a história. São Paulo, Paz e
Terra, 1970, p. 44.
30 Observe-se que esta tendência só se verificou entre
as manifestações assumidas perante a classe, isto é, 38 Sobre a anterioridade dos esquemas socialmente
as submetidas à apreciação e controle do grupo. As interiorizados em relação às representações cognitivas
manifestações não assumidas perante a classe (anotadas derivadas da percepção sensorial, poderíamos refutar a
pelos pesquisadores) revelam que a “opinião dominada” tese afirmando que qualquer percepção sensorial posterior
persistiu, mas seus defensores não ousavam sustentá-la e dissonante com os esquemas mentais preexistentes
perante o coletivo. seria decisiva para eliminá-los e substituí-los. O que
nós percebemos, no entanto, já está, desde o início da
31 NOËLLE-NEUMANN, E. “The spiral of silence: a theory of percepção, modelado pelas imagens coletivas que temos
public opinion”, in Journal of Communication, v. 24. 1974. na cabeça: nós vemos, dizia Lippmann, o que nossa
pp. 43-51. No Brasil, o modelo da espiral do silêncio vem cultura definiu previamente para nós. O que confirma, de
sendo pesquisado em divulgado por Antonio Hohlfeldt. maneira eloqüente, uma pesquisa aplicada em uma classe
Ler o artigo “Hipóteses contemporâneas de pesquisa em durante a qual exibia-se a crianças brancas uma foto
comunicação”, In: Teorias da comunicação. Petrópolis, com uma bela propriedade. Depois de lhes ser retirada a
Vozes, 2001, pp. 187-240. foto, era-lhes perguntado o que fazia a mulher negra na
casa. Um grande número respondeu que ela a limpava,
32 Na maioria das escolas visitadas, o pesquisador foi quando, na realidade, não havia na foto nenhum negro
apresentado como docente de faculdades “destacadas”, (KLINEBERG, O. Psychologie sociale, PUF, 1963).
“top de linha”, “primeiras no ranking” na área de
comunicação e modelares no ensino da publicidade e do 39 A “experiência dóxica” designa as imagens na nossa
jornalismo. Este discurso, que tem como efeito imediato cabeça que mediatizam nossa relação com o real. Trata-
a transferência do capital institucional acumulado no se de representações feitas, de esquemas culturais
campo das faculdades de comunicação para a pessoa preexistentes, com a ajuda dos quais cada um filtra a
do pesquisador, potencializou a legitimidade de qualquer realidade ambiente. Segundo Lippmann, essas imagens
intervenção por parte deste último. são indispensáveis para a vida em sociedade. Sem elas,
o indivíduo permaneceria mergulhado no fluxo e refluxo
33 SCHAFF, A . Linguagem e conhecimento. Coimbra, da sensação pura; ser-lhe-ia impossível compreender o
Almedina, 1974, p. 251. real, categorizá-lo ou agir sobre ele. Como, com efeito,
examinar cada ser, cada objeto em sua especificidade
34 BOURDIEU, P. Le sens pratique. Paris, Minuit, 1980, p. própria e em detalhe, sem servir-se de um tipo ou uma
88. generalidade? Tal procedimento seria, diz Lippmann, no
rápido curso da existência, praticamente fora de cogitação.
35 Sobre os estereótipos, ler o clássico LIPPMANN, W. Public
Opinion. Nova York, Free Press Paperbacks, 1997, pp. 40 Assim, uma pesquisa aplicada na França, na década de
53– 100. 60, sobre a imagem da mulher, mostra que nos meios
favorecidos ainda há tendência a considerar que um
36 Num primeiro momento, e contrariamente às instigações ensino muito puxado desvia a menina do papel que sua
de Lippmann, os psicólogos sociais americanos insistiram natureza lhe leva a ter, a saber, o lar e a educação das
no caráter redutor e nocivo do estereótipo. Eles o crianças (M. J. et P. H. Chombart de Lauwe et al. La
colocaram sob o signo do pejorativo, permanecendo, femme dans la société. Paris, CNRS, 1963). Aderindo ao
assim, fiéis à acepção comum do termo. À medida que estereótipo, escolhemos para as meninas uma formação
o estereótipo advém de um processo de categorização que leva a reproduzi-lo. É segundo a mesma lógica do

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ciclo vicioso, ou da profecia que provoca sua realização,
que os membros dos grupos estigmatizados acabam
se con for man do com a imagem desvalorizada que
lhes confere o meio hostil. Interiorizando o estereótipo
discriminante, eles são levados a ativá-lo no seu próprio
comportamento.

41 BOURDIEU, P. La domination masculine. Paris, Seuil,


1998, p. 14.

42 VITORINO SAMPAIO, I. S. Televisão, publicidade e


infância. São Paulo, Annablume, 2000, p. 273.

43 Referindo-se ao interlocutor/pesquisador.

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