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CONSTRUINDO
O PASSADO:
o papel insubstituível
do ensino da história
(
Conselho Editorial da Série História Chanceler
(Editor) Leandro Pereira Gonçalves, Dom Jaime Spengler
Pontifícia Universidade Católica Reitor
do Rio Grande do Sul, Brasil Joaquim Clotet
António Costa Pinto, Vice-Reitor
Instituto de Ciências Sociais da Evilázio Teixeira
Universidade de Lisboa, Portugal
História
69 Luís Alberto Marques Alves
Miriam Hermeto
Cláudia Sofia Pinto Ribeiro
Organizadores
(RE) CONSTRUINDO
O PASSADO:
o papel insubstituível
do ensino da história
PORTO ALEGRE
2016
© EDIPUCRS/CITCEM 2016
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo,
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(arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
sumário
APRESENTAÇÃO................................................................... 7
Os organizadores
OS PASSADOS DOLOROSOS
NA EUROPA
ensinar passados dolorosos,
aprender com o uso pedagógico
da história
1
FLUP/DHEPI – CITCEM.
12 (re)construindo o passado
2
TRAVERSO, Enzo. O passado, modos de usar. Lisboa: UNIPOP, 2012. p. 12-13.
tatyana de amaral maia et al. 13
3
Professor de História de Arte no Instituto de História e de História de Arte na Universidade
Técnica de Berlim.
4
LAURENTIN, Emmanuel (direction). À Quoi Sert L’Histoire Aujourd’Hui? Montrouge: Bayard
Éditions, 2010. pp. 10-13.
5
Mestre de conferências na Universidade de Besançon, especialista na História da Grã Bretanha
no século XIX.
6
LAURENTIN, Emmanuel (direction). À Quoi Sert L’Histoire Aujourd’Hui? Montrouge: Bayard
Éditions, 2010. pp. 14-17.
7
Mestre de conferências na Escola Normal Superior em Ulm, especialista de história das repre-
sentações da Rússia e da URSS e da história do comunismo.
8
LAURENTIN, Emmanuel (direction). À Quoi Sert L’Histoire Aujourd’Hui? Montrouge: Bayard
Éditions, 2010. pp. 21-24.
14 (re)construindo o passado
9
Historiadora, mestre de conferências na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Centro
de Pesquisas Históricas), estuda as relações entre a literatura e a sociedade na França contem-
porânea (séculos XIX-XX).
10
LAURENTIN, Emmanuel (direction). À Quoi SertL’HistoireAujourd’Hui? Montrouge: Bayard
Éditions, 2010. pp. 25-28.
11
Professor de História Contemporânea no Instituto de Estudos Políticos de Paris.
12
LAURENTIN, Emmanuel, op. cit., pp. 29-31.
13
Professora na Universidade de Reims-Champagne Ardenne.
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14
Professor jubilado da Universidade Panthéon-Sorbonne, antigo diretor do Instituto de História
da Revolução Francesa.
15
NOREL, Philippe; TESTOT, Laurent (direction). Une histoire du monde global. Auxerre: Sciences
Humaines Éditons, 2012.
16
HOLEINDRE, J.V.; TESTOT, L. (direction). La Guerre des origins à nos jours. Auxerre: Sciences
Humaines Éditons, 2014.
16 (re)construindo o passado
Os cientistas sociais que têm a História como seu “métier” não preten-
dem e não podem abdicar de um grande sentido crítico sobre os usos que
muitas vezes pretendem fazer da História. Ainda recentemente, François
Hollande, aproveitando as comemorações do centenário da I Guerra Mundial,
considerava-as “uma excelente oportunidade de trazer para o presente a
unidade nacional, a coragem e o sentido de sacrifício dos franceses de 1914.
As virtudes de outrora foram recuperadas: coesão, unidade e solidariedade
passaram a ser motes recorrentes de um discurso patriótico, cujo objetivo é
induzir os franceses a prestar homenagem às gerações do passado”.18 Se estas
comemorações servem muitas vezes para ir a esse passado buscar forças
mobilizadoras que nos faltam nas nossas agendas políticas atuais, importa
que estes aproveitamentos nos ajudem a refletir sobre o que temos feito
17
KUNDERA, Milan. A Ignorância. Porto: Edições ASA, 2006. pp. 87-88.
18
LEICK, Romain. O grande mito do veterano. In: Courrier Internacional, n. 283, set. 2014, p. 27.
tatyana de amaral maia et al. 17
dos “nossos passados históricos” que não queremos lembrar. Estarão esses
passados apenas povoados de virtudes que nos interessam para o nosso
presente? Ou terão também esqueletos em armários que não queremos abrir?
Nesta linha, podemos inscrever “bocados da História” de diferentes
países, sejam os períodos de ditaduras civis ou militares, sejam guerras
“injustas e desnecessárias”, sejam colaboracionismos que procuramos es-
quecer ou acontecimentos que nos podem até envergonhar. Perante esta
agenda de temas “dolorosos”, o que devemos fazer?
Recentemente, estivemos pensando e colaborando num projeto europeu
que nos inquietou, motivou e ajudou a esclarecer, tanto numa perspectiva
nacional como internacional19. Esta participação teve o condão de nos
mobilizar para as quatro vertentes que atrás enunciamos: que fazer com
algumas partes mais dolorosas da nossa História? Que memória(s) (indivi-
dual ou coletiva) existe(m) desses momentos? Como podemos e devemos
lidar didaticamente com esses conteúdos no quadro de uma disciplina como
a História? Que percepção têm alunos e professores destes momentos da
nossa História e que consciência histórica ajudamos a construir?
Levados por estas questões no nosso entender centrais, fomos procurar
uma metodologia e técnicas que ajudassem a responder, o mais objetiva-
mente possível, a estas inquietações. Tendo presentes, mas abdicando de
uma análise exclusiva dos manuais adotados nas diferentes escolas, pro-
curamos ir diretamente à fonte: alunos e professores. Para os primeiros,
elegemos o “focus group”20, com entrevistas em painéis de 5 a 6 elementos,
19
O projeto THIEC – Teaching History for Europe in Common, “Enseigner les passés doloureux
en Europe”, teve o objetivo claro de evitar o esquecimento, trazer a densidade histórica que
garantisse o correto conhecimento do passado, pretendendo dotar os alunos de competências
críticas para assumirem as responsabilidades dos “deveres da memória”. Tratando-se de um pro-
jeto europeu, reuniu alguns países que, ainda hoje, têm dificuldade em lidar com alguns factos do
seu passado, como a Hungria, a França, a Finlândia, a Polónia, a Rússia e Portugal. O foco desta
pesquisa foi tentar perceber como os jovens refletem a questão da reparação histórica e como
pensam sobre a justificação, viabilidade, motivos e efeitos de reparação de injustiças históricas.
20
No que se refere ao caso português, elegeu-se a Guerra Colonial como o episódio mais doloroso
da nossa História no século XX. A metodologia seguida foi também fruto do diálogo entre as
equipes dos diversos países participantes no projeto, considerando-se o “focus group” o método
18 (re)construindo o passado
adequado para este projeto pelas suas reconhecidas mais-valias: “highlights the respondents
attitudes, priorities, language and framework of understanding; encourages a great variety of
communication from participants – tapping into a wide range and form of understanding; helps
to identify group norms; provides insight into the operation of group/social processes in the
articulation of knowledge (e. g. through the examination of what information is censured or
muted within the group); can encourage open conversation about embarrassing subjects and
facilitate the expression of ideas and experiences that might be left underdeveloped in an inter-
view” (KITZINGER, 1995, p. 116).
21
As entrevistas foram realizadas por um dos elementos da equipe, na presença dos restantes;
e foram gravadas em vídeo e em áudio, e, posteriormente, foi realizada a transcrição.
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22
A inclusão de um grupo de alunos do 12º ano é explicada pelo âmbito do projecto europeu
em que estamos inseridos e que estipulou uma mancha etária abrangente: dos 14 aos 18 anos. No
caso português, optou-se por entrevistar somente uma turma do 12.º ano por ser uma realidade
possível apenas em uma das escolas cooperantes.
20 (re)construindo o passado
- “Sim… porque morreu tanta gente sem ser necessário… foi uma
estupidez sermos os últimos e não darmos a independência
às colónias” (A2);
23
As referências que surgem entre parenteses são os códigos das escolas que participaram e dos
respectivos grupos já que o anonimato é garantido pela própria metodologia utilizada.
22 (re)construindo o passado
- “foi uma guerra sem razão … podia ter sido evitado” (A2);
- “sim… pode ter deixado marcas para uma família inteira” (F1);
- “[…] não. Nós que estamos aqui não fizemos nada para isso…
nós não temos culpa” (A1); “Nós não somos responsáveis, os
únicos responsáveis talvez sejam os do governo daquela altura”
(A1); “…somos herdeiros do que aconteceu no nosso passado…
mas responsáveis acho que não” (A1); “devíamos assumir a
responsabilidade, só não somos culpados” (A1);
- “…não fomos nós que fomos para a guerra, mas algumas pessoas,
foi por causa das ideias que tinham que tiveram de ir… e as suas
famílias foram destruídas” (F2);
- “Eu própria não fiz nada que… não fiz nada que contribuísse
para a Guerra Colonial. Nem sequer existia nessa altura! Mas
sinto até mesmo vergonha e tristeza em saber que o meu país,
que familiares meus, de outras gerações que participaram e que
por muito mal que não tenham feito que participaram num todo
24 (re)construindo o passado
que foi horrível que não tinha mesmo explicação. Sinto pena,
tristeza e vergonha do que aconteceu” (R1);
- “os idosos é que sofrem mais com isso… nós nem tanto porque
já não foi na nossa geração” (A2);
24
CATROGA, Fernando. Memória, História e Historiografia. Coimbra: Quarteto Editora, 2001. p. 15.
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25
RICOEUR, Paul. Entre mémoire et histoire. Projet, n. 248, 1996-1997.
26
CATROGA, Fernando, op. cit., p. 18.
28 (re)construindo o passado
27
MARÈS, Antoine; REY, Marie-Pierre. Mémoires et Émotions. Au Coeur de l’histoire des relations
internationals. Paris: Publications de la Sorbonne, 2014.
28
ECO, Umberto. Prólogo. In: LOZANO, Jorge. El Discurso histórico. Madrid: Alianza Editorial, 1994.
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29
CATROGA, Fernando, op. cit., p. 50.
30
BARCA, Isabel. “Educação Histórica: uma nova área de investigação”. História, Revista da
Faculdade de Letras, Porto, III Série, v. 2, 2001, pp. 13-21.
30 (re)construindo o passado
31
SCHMIDT, Maria. Auxiliadora. Literacia Histórica: um desafio para a educação histórica no
século XXI. História & Ensino, Londrina, v. 15, 2009, p. 10.
32
Idem, p. 14.
33
O inquérito consiste numa ferramenta privilegiada na investigação em ciências sociais por
permitir “interrogar um determinado número de indivíduos tendo em vista uma generalização”
(GHIGLIONE & MATALON, 1993, p. 2). Como qualquer método de investigação, o inquérito por
questionário apresenta uma série de vantagens e desvantagens inevitáveis. De facto, é pouco
dispendioso (no caso do software de inquéritos online utilizado nesta pesquisa, www.survio.
com, não houve custos), pode atingir um grande número de inquiridos e, relativamente a outros
instrumentos, a análise e o tratamento das respostas são mais fáceis e realizados em tempo
mais reduzido. Todavia, os cuidados contemplados na sua conceção são elevados, a taxa de não
respostas pode ser elevada e estas podem ser pouco claras ou incompletas.
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34
Foram registadas 35 visitas.
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35
Entre 19 de junho de 2013 e 15 de agosto de 2013.
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36
ARAÚJO, M. P.; SANTOS, M. (2007). História, memória e esquecimento: implicações políticas.
Revista Crítica de Ciências Sociais, 79, pp. 95-111, p. 99.
37
“Generally speaking, the term refers to compensation, usually of a material kind and often specifically
monetary, for some past wrong. […] Some people use the term “reparations” synonymously with that of
“restitution”. Like the former term, the latter can be interpreted expansively to include a variety of ways
of making amends” (TORPEY, J. Politics and the Past: On Repairing Historical Injustices. Lanham:
Rowman & Littlefield, 2003, pp. 4-5). “Moreover, reparations include other, more symbolic yet often
very important actions, such as acknowledgment of past injuries, apologies for them, and access to
the truth about past events” (HOWARD-HASSMANN, R. E. Reparations to Africa. Pennsylvania:
University of Pennsylvania Press, 2011, p. 1).
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38
HUSBANDS, C. R. What is history teaching? Language, ideas, and meaning in learning about
the past. Buckingham: Open Press University Press, 2003. p. 39.
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39
CHAPMAN, Arthur. Taking the perspective of the other seriously? The importance of
Historical argument. Taking the Perspective of the Others: Intercultural Dialogue, Teaching and
Learning History – Euroclio Bulletin 28, pp. 13-18, 2010.
40
STRADLING, 2003, apud CHAPMAN, op. cit., 2010, p. 14.
42 (re)construindo o passado
ideias finais
A Guerra Colonial “trata-se de uma situação ainda muito recente e que,
talvez por isso, ainda seja difícil de abordar” (Q2.11); todavia, quando não
se interpreta o passado por ser estranho ou doloroso, não demonstramos
41
Este aspecto foi abordado por Jonathan Grossman nos trabalhos que levou a cabo no âmbito
da Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR), na África do Sul, sobre aspetos “específicos da
relação entre violência e silêncio na experiência vivida pela […] classe trabalhadora sul-africana.
GROSSMAN, J. Violência e silêncio: Reescrevendo o futuro. História Oral, Revista da Associação
Brasileira de História Oral, 3, 2000, pp. 7-24, p. 9.
42
ARAÚJO, M. P.; SANTOS, M. História, memória e esquecimento: implicações políticas. Revista
Crítica de Ciências Sociais, 79, 2007, pp. 95-111, p. 104.
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43
Lições do passado aqui entendidas como um compromisso emocional com a História e o seu
legado, mas também a ideia “de que o passado é útil para a vida, no plano social e pessoal, por-
que permite aprender lições que devem ser devidamente contextualizadas, procurando-se que
exista um passado que nos fornece exemplos não para serem seguidos stricto sensu, mas para
servirem de base de reflexão acerca da mudança em progresso e permitirem a contextualização
do presente” (GAGO, Marília. Consciência histórica e narrativa na aula de História: conceções de
professores. 2007. (Dissertação de doutoramento) – Universidade do Minho. Braga, 2007, p. 329).
44 (re)construindo o passado
referências
ALVES, L.; RIBEIRO, C. P.; OLIVEIRA, R. & CASTRO, L. Ideias de alunos
sobre o “seu” passado doloroso – a Guerra Colonial Portuguesa. Em tempos de
Histórias, 21, pp. 7-31, 2012.
BARTON, K. C.; LEVSTIK, L. Teaching History for the common good. Nova
Iorque: Routledge, 2004.
CHAPMAN, Arthur. Taking the perspective of the other seriously? The impor-
tance of Historical argument. Taking the Perspective of the Others: Intercultural
Dialogue, Teaching and Learning History – Euroclio Bulletin 28, pp. 13-18, 2010.
tatyana de amaral maia et al. 45
LOFSTROM, Jan. The Finnish high school students speak on historical repara-
tions: a note on a study of historical consciousness. In: From historical research
to school history: Problems, relations, challenges. Yearbook International Society
for History Didactics, v. 33, 2012. Artigo facultado pelo autor e membro do
projeto “Enseigner les passes douloureux en Europe”.
______. Memória e Identidade Social. In: Estudos Históricos, 10, p. 200-212, 1992.
1
Prof. Adjunto e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Doutor em História pela Universidade de Coimbra.
E-mail: marcal.paredes@pucrs.br.
2
Profa. Adjunta do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História
da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Grande do Sul. Pós-Doutora em História pela
Universidade do Porto. Doutora em História pela UERJ. E-mails: tatyana.maia@pucrs.br; tatya-
namaia@yahoo.com.br. Este capítulo conta com o apoio da Capes, através do Programa de Bolsa
de Pós-Doutorado no Exterior, concedida a Tatyana de Amaral Maia no período de 2014-2015,
para realização de estágio de pós-doutorado na Universidade do Porto, Portugal.
3
Comentário do aluno 6 durante a sessão de entrevista coletiva com seis alunos do 9º ano do
ensino básico da Escola Secundária de Santa Maria da Feira, realizada pelo professor Luís Alberto
Alves em 2012, na região do Porto, em Portugal.
48 (re)construindo o passado
4
A historiografia brasileira dedicada ao Ensino de História tem se apoiado na literatura francesa
para compreensão das relações entre o saber histórico escolar e a produção do conhecimento his-
tórico acadêmico. São referências constantes os trabalhos de Yves Chevallard e François Chervel.
A despeito das críticas ao conceito de transposição didática de Chevallard, este contribuiu para a
superação da perspectiva linear que concebia os saberes escolares como uma tradução didática
dos conhecimentos acadêmicos. Os trabalhos de Chervel ampliaram a perspectiva trazida por
Chevallard ao propor a não hierarquização dos saberes e o diálogo entre os saberes acadêmicos
e escolares. Ver: CHEVALLARD, Y. La transposition didactica. Del saber sábio al saber ensena-
do. Buenos Aires, Aique grupo editora, s.d; CHERVEL, “A. História das disciplinas escolares:
reflexões sobre um campo de pesquisa”. Teoria e Educação. Porto Alegre, nº 2, p. 177-229, 1990.
5
No Brasil, nas últimas décadas, as pesquisas dedicadas ao Ensino de História se apoiaram
fundamentalmente nessa literatura, propondo uma aproximação entre a História e a Educação,
entendendo o ensino de História como um “lugar de fronteiras”, marcado por um processo de
transposição didática, onde professores e alunos se tornam sujeitos na produção do conhecimento
histórico ensinado. O Ensino de História, entendido aqui como campo de pesquisa passou então
a se ocupar da análise dos processos de produção, circulação e aprendizagem do saber histórico
escolar, ultrapassando a função de ensino de métodos e técnicas de abordagem dos conteúdos
históricos. MONTEIRO, Ana Maria. “A história ensinada: algumas configurações do saber escolar”.
História e Ensino, Londrina, v. 9, 2003.
tatyana de amaral maia et al. 49
6
A Guerra Colonial ocorreu em três frentes: Guiné-Bissau, Angola e Moçambique entre os anos
de 1961 e 1974, contra os movimentos de independência dessas províncias portuguesas. O desgaste
com a Guerra aprofundou as contradições do regime ditatorial português e foi um dos principais
fatores que desencadearam a Revolução dos Cravos. Os horrores provocados pela Guerra, os trau-
mas físicos e psicológicos dos soldados, a dificuldade em lidar com os portugueses regressados e
demais imigrantes ainda carecem de uma análise detalhada da historiografia. Há sobre a Guerra
Colonial certo silêncio coletivo, em parte provocado pela centralidade da Revolução dos Cravos,
em 1974, considerado o principal evento da História recente portuguesa. A Guerra Colonial ainda
é incorporada como temática periférica, sendo poucos os estudos sobre este processo. Sobre esse
debate ver: PIMENTA, Fernando Tavares. “Perspectivas da Historiografia colonial portuguesa
(século XX)”. In: RIBEIRO, Maria Manuela Tavares. Outros combates pela História. Coimbra:
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010. pp. 01-23, p. 8.
7
As entrevistas foram coordenadas pelos professores Cláudia Ribeiro e Luís Alberto Marques
Alves, da Universidade do Porto como parte do projeto Teaching History fora Europe in Common
THIEC –Enseigner lês passes douloureux pour um Europe commun, cuja coordenação em Portugal
ficou sob responsabilidade do prof. Luís Alberto Marques Alves. Agradecemos a Cláudia e ao Luís
por terem disponibilizado as entrevistas realizadas com os alunos, fonte principal deste capítulo.
50 (re)construindo o passado
8
ROCHA, Helenice. A presença do passado na sala de aula. In: MAGALHÃES, Marcelo et al. (org.).
Ensino de História: usos do passado, memória e mídia. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2014, pp. 33-52, p. 39.
9
O conceito de consciência histórica é polissêmico. Aqui utilizamos o conceito tal como ela-
borado por Jörn Rüsen. Trata-se de uma capacidade inerente aos sujeitos históricos de produzir
um ordenamento temporal para as experiências vividas dando-lhes um sentido. A consciência
histórica permite aos sujeitos a compreensão de si e de seu mundo através do tempo, favorecendo
a construção de laços identitários e do sentimento de pertencimento a um tempo e lugar. RÜSEN,
Jörn. Rusen, Jorn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão.
Praxis Educativa, Ponta Grossa, v. 1, n. 2, pp. 07-16, 2006.
10
ROCHA, Helenice, op. cit., p. 49.
tatyana de amaral maia et al. 51
11
LEE, Peter. Por que aprender História?. Educar em revista. UFPR: Curitiba, n. 42, out.-dez. 2011;
ASBHY, Rosalyn. Desenvolvendo um conceito de evidencia histórica: as ideias dos estudantes
sobre testar afirmações factuais singulares. Educar em revista. UFPR: Curitiba, p. 151-170, 2006.
12
Há um diálogo contínuo entre pesquisadores brasileiros e portugueses na consolidação de
uma área de pesquisa dedicada à Educação Histórica. RAMOS, Márcia Elisa Teté; CAINELLE,
Marlene. A Educação Histórica como campo investigativo. Diálogos, Maringá, v. 19, n. 1, p. 11-27,
jan.-abr. 2015. On-line.
13
BARCA, Isabel. Investigação em Educação Histórica em Portugal: esboço de uma síntese. In:
BARCA, Isabel; SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Educação Histórica: Investigação em Portugal e
no Brasil. Actas das 5ª Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Braga: Universidade do
52 (re)construindo o passado
Minho, 2009. pp. 11-28; BARCA, Isabel. O pensamento Histórico dos Jovens. Braga: Universidade
do Minho, 2000.
14
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias do currículo.
Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
15
LAVILLE, Christian. A guerra das narrativas. Debates e ilusões em torno do Ensino de História.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 19, n. 38, pp. 125-138, 1999.
tatyana de amaral maia et al. 53
16
Os trabalhos da historiadora portuguesa Isabel Barca tornaram-se referências no Brasil para
o desenvolvimento do campo da Educação Histórica, conceitualmente apoiado pelos trabalhos
do alemão Jörn Rüsen e do inglês Peter Lee. BARCA, Isabel. O pensamento histórico dos jovens.
Braga: Ed. Universidade do Minho, 2000. Parte da historiografia brasileira dedicada ao ensino de
História vem dialogando com os teóricos alemães Klaus Bergman e Jörn Rüsen compreendendo a
Didática da História como articulada ao campo da Teoria da História. Ver: CERRI, Luiz Fernando.
Ensino de História e Consciência Histórica. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006. A proposta da Educação
Histórica tem sido adotada por diversos pesquisadores no Brasil, com destaque para o grupo
de pesquisa coordenador por Maria Auxiliadora Schmidt. Ver: SCHIMDT, Maria Auxiliadora.
Formação da consciência histórica ou desenvolvimento de competências? Considerações sobre
o ensino de história para jovens brasileiros. Diálogos. Maringá, v. 19, p. 87-116.
17
A ideia de formação de cidadãos ativos não é sintetizada em uma única compreensão sobre a
cidadania. Na maioria dos países Ocidentais, em consonância com as diretrizes da Unesco, tem
se optado por uma cidadania excessivamente centrada no desenvolvimento de habilidades e
competências individuais, seguindo o modelo político-econômico neoliberal. FROTA, Matheus.
Políticas públicas internacionais e nacionais em Educação em Direitos Humanos: configuração e fun-
ção social no contexto da crise estrutural do capital. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2014.
18
BARCA, Isabel, op. cit., 2009, pp. 11-28.
19
Os estudos de Piaget ainda são importantes para compreendermos a dinâmica do processo
de aprendizagem humana, em especial, a relação entre o desequilíbrio provocado pelo contato
do indivíduo com uma situação nova e a necessidade de reequilíbrio. Ver: CAIMI, Flávia Eloísa.
Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões sobre ensino, aprendizagem e formação
de professores de História. Tempo. PPGH: UFF, v. 11, n. 21, 2007. pp. 17-32.
54 (re)construindo o passado
20
BARCA, Isabel. Investigação em Educação Histórica em Portugal: esboço de uma síntese. In:
BARCA, Isabel; SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Educação Histórica: investigação em Portugal e
no Brasil. Actas da 5ª Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Braga: Universidade do
Minho, 2009. pp. 11-29, p. 12.
21
BERGMANN, Klaus. A História na reflexão didática. Revista Brasileira de História, v. 9, n. 19,
set. 89-fev. 90, pp. 29-42; e RÜSEN, Jörn. História viva. Brasília: Ed. UNB, 2007.
tatyana de amaral maia et al. 55
22
RÜSEN, Jörn. Razão Histórica. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2001; SCHIMIDT, Maria
Auxiliadora et al. Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2010.
56 (re)construindo o passado
23
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio
de Janeiro: Contraponto, 2006.
24
Idem, ibidem, p. 309-313.
tatyana de amaral maia et al. 57
O que importa reter desse excerto, para os objetivos deste texto, remete
à estrutura temporal existente entre a leitura racionalizada do passado e a
intelecção de projetos de futuro. No presente vivido convivem, por assim
dizer, passado e futuro. Mas isso não é tudo. Deve-se perceber o quanto
a leitura do passado, ou seja, a análise sintética dos dados coletados no
passado é – ela mesma – também fruto de uma visão projetiva.
O horizonte de expectativa conduz à seleção e à análise dos fatos. Não
é casual que Koselleck tenha lembrado Schlegel no que concerne à ante-
rioridade dos conceitos em relação aos fatos. Não há, portanto, qualquer
oposição entre realidade e conceito, nem entre passado e futuro. E o mesmo
vale para os conceitos de campo de experiência e horizonte de expecta-
tiva. Trata-se de verdadeiras “aporias” da constituição do conhecimento
na modernidade. O entendimento koselleckiano do conceito moderno de
“progresso”, por exemplo, está, justamente, amarrado ao descompasso e
25
Idem, ibidem, p. 310.
26
Idem, ibidem, p. 313.
58 (re)construindo o passado
27
Idem, ibidem, pp. 109-110.
28
PAGÉS, Joan. El tiempo histórico. In: BENEJAN, Pilar; PAGÉS, Joan. Enseñar y aprender cien-
cias sociales, geografía e historia en la educación secundaria. Barcelona: Ed. ICE, Universidad de
Barcelona, 1997. p. 198.
tatyana de amaral maia et al. 59
29
BARCA, Isabel, op. cit., 2009, p. 11-28.
60 (re)construindo o passado
30
BARCA, Isabel. Investigação em Educação Histórica em Portugal: esboço de uma síntese. ______;
Maria Auxiliadora Schmidt. Educação Histórica: investigação em Portugal e no Brasil. Actas da 5ª
Jornada de Educação Histórica. Universidade do Minho: Braga, 2009. pp. 11-28, p. 18.
31
BARCA, Isabel. Narrativas Históricas de alunos em espaços lusófonos. Educação e Consciência
Histórica na era da globalização. Braga: Universidade do Minho, 2011. pp. 7-28.
tatyana de amaral maia et al. 61
32
M’BOKOLO, Elikia. História da África Negra. Salvador: EDUFBA; São Paulo: Casa das Áfricas,
2011. Para outras leituras, também críticas deste conceito, sugere-se KEDOURIE, Elie. Nationalism
and Asia and Africa. New York: New York Publishing Co, 1970.
33
ALEXANDRE, Valentim (coord.). Império Africano: séculos XIX e XX. Lisboa: Colibri, 2008.
62 (re)construindo o passado
34
OLIVEIRA MARTINS, Joaquim Pedro de. O Brasil e as colónias portuguesas. Lisboa: Guimarães &
C.ª Editores, 1978; ALEXANDRE, Valentim. Velho Brasil, novas Áfricas. Porto: Afrontamento, 2008.
35
CATROGA, Fernando. Nação, mito e rito. Fortaleza: Edições NUDOC-UFC/Museu do Ceará, 2005.
36
RICOEUR, Paul. Dever de memória, dever de justiça. In: RICOEUR, Paul. A critica e a convicção.
Conversas com François Azouvi e Marc De Launay. Lisboa: Edições 70, 1997.
tatyana de amaral maia et al. 63
37
BENEVIDES, Maria Victoria. “Educação em Direitos Humanos: de que se trata?”. Palestra de
abertura do Seminário de Educação em Direitos Humanos, em São Paulo, 18/02/2000. Disponível
em: <http://hottopos.com/convenit6/victoria.htm>. Acesso em: 20/08/2014.
38
MEZAROBBA, Glenda. Do que se fala, quando se diz Justiça de Transição? Revista Brasileira
de informação bibliográfica em Ciências Sociais. São Paulo: Ed. Hucitec, n. 67, 2009, pp. 111-122.
64 (re)construindo o passado
nas consciências coletivas, têm uma enorme dificuldade em lidar com essas
experiências no período pós-trauma.39 As formas como as sociedades hoje
lidam com a memória e o legado da violência variam enormemente confor-
me o processo de transição dos regimes ditatoriais para a democracia.40 No
caso português, só muito recentemente a historiografia portuguesa tem se
debruçado sobre o Império Colonial e a Guerra Colonial. Ainda assim, esse
passado é pouco explorado, muitas vezes restrito à produção memorialís-
tica ou às análises ainda dominadas pelos debates ideológicos. Para Silvia
Correia, a Guerra Colonial está fortemente marcada por um duplo silêncio,
que emudece os dois tempos históricos: “uma guerra politicamente nunca
declarada no passado e nunca reconhecida no futuro”.41 As poucas políticas
de memória sobre o acontecimento revelam a dificuldade em se tratar do
colonialismo português e suas implicações para Portugal no tempo presente.
39
MEZARROBA, Glenda. O preço do esquecimento: as reparações pagas às vítimas do regime
militar. 2007. 470 fl. Tese (Doutorado em Ciência Política) – FFLCH, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2007.
40
BRITO, Alexandra Barahoma. Verdade, justiça, memória e democratização no Cone Sul na
América Latina. In: BRITO, Alexandra; GONZÁLEZ-ENRÍQUEZ, Carmen; FERNÁNDEZ, Paloma
Aguilar. Política da memória: verdade e justiça de transição para a Democracia. Lisboa: Ed. Imprensa
de Ciências Sociais/Universidade de Lisboa, 2004. pp.155-194.
41
CORREIA, Silvia. As políticas da memória da Guerra Colonial Portuguesa e da Guerra do
Vietname – uma perspectiva comparativa. Resumo pós-doutoramento. Universidade Nova de
Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, julho de 2012. Disponível em: <http://www.
ihc.fcsh.unl.pt/pt/investigacao/pos-doutoramentos-em-curso/item/35422-as-pol%C3%ADti-
cas-da-mem%C3%B3ria-da-guerra-colonial-portuguesa-e-da-guerra-do-vietname-uma-pers-
pectiva-comparativa>. Acesso em: 16 ago. 2015.
42
PIMENTA, Fernando Tavares, op. cit., p. 8.
tatyana de amaral maia et al. 65
43
JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. Madrid: Siglo XXI de España Editores, 2002. p. 4.
44
SILVA, Tom Zé. Guerra Colonial/Ultramar (1961-1974): entre a recordação e o esquecimento.
Crónicas dum Tempo. Figueiró dos Vinhos: Booklândia, 2012. pp. 209-214.
66 (re)construindo o passado
45
PIMENTA, Fernando Tavares, op. cit.
tatyana de amaral maia et al. 67
46
Entrevista do aluno 3, do grupo focal 1, do 9º ano da escola secundária Santa Maria da Feira,
concedida ao prof. Luís Alberto Marques Alves, em 2012.
47
Entrevista do aluno 2, do grupo focal 1, da Escola em Avintes, Porto, Portugal.
48
Entrevista do aluno 2, do grupo focal 2, da Escola em Fiães, Porto, Portugal.
68 (re)construindo o passado
49
Depoimento do aluno 2, durante a entrevista realizada com alunos do 9º ano da Escola
Secundária de Santa Maria da Feira pelo prof. Luís Alberto Alves, em 2012.
50
Sobre a História Oral e suas técnicas na produção do conhecimento histórico, ver: MORAES,
Marieta Ferreira; AMADO, Janaína. Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1996.
51
Em Israel, em 1961, o julgamento de Eichmann utilizou amplamente os testemunhos dos so-
breviventes nos julgamento do oficial nazista. Os relatos dos judeus sobreviventes no tribunal
israelense permitiram a condenação de Adolf Eichmann e também revelou ao mundo os horrores
dos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Ver: ARENDT,
Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia
das Letras, 2003. Na Argentina, os testemunhos das vítimas sobreviventes e de seus familiares
tiveram um papel fundamental no processo de Justiça de Transição que levou à prisão e con-
denação de Rafael Videla e demais responsáveis pela tortura e morte dos perseguidos políticos
na última ditadura (1976-1983). No Brasil, os testemunhos têm sido utilizados pela Comissão
Nacional da Verdade para compreender os mecanismos da repressão no Brasil no período da
ditadura militar (1964-1985).
tatyana de amaral maia et al. 69
Tais narrativas podem revelar que nas salas de aula ainda abrimos pou-
co espaço para as discussões epistemológicas que envolvem a produção do
conhecimento histórico, limitando a História ensinada à aprendizagem de
conteúdos já sistematizados. A compreensão dos processos de construção
do conhecimento histórico, a partir do diálogo com o campo da Teoria,
permite aos alunos visualizar os mecanismos pelos quais ocorre a produção
científica, assim como os limites da objetividade e o caráter provisório das
52
JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. Madrid: Siglo XXI de España Editores, 2002. p. 80.
53
Ambos os alunos, 5 e 2, participaram do mesmo focus group. Nesse grupo foram entrevistados
seis alunos do 9º ano de uma escola pública de Avintes, no norte de Portugal, em 15 de maio de 2012.
70 (re)construindo o passado
54
ROCHA, Helenice, op. cit., p. 49.
tatyana de amaral maia et al. 71
55
Depoimento dos alunos 6 e 3 do 9º ano do ensino básico durante a entrevista em grupo numa
escola pública em Avintes, concedida no dia 15 de maio de 2012.
56
HUYSSEN, Andreas. Passados Presentes: mídia, política, amnésia. Seduzidos pela memória:
arquitetura, monumentos e mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. pp. 9-41.
72 (re)construindo o passado
57
Depoimento do aluno 3 e do aluno do 2, do 2º Grupo, do 9º ano da Escola Secundária de Fiães,
de 14 de maio de 2012.
74 (re)construindo o passado
58
Alunos do 1º grupo focal do 9º ano do ensino básico da Escola Secundária de Fiães, Portugal.
Data da entrevista: 14 de maio de 2012.
59
Alunos do 2º grupo focal do 9º ano do ensino básico da Escola Secundária de Fiães, Portugal.
Data da entrevista: 14 de maio de 2012.
tatyana de amaral maia et al. 75
referências
ALEXANDRE, Valentim (coord.). Império Africano: séculos XIX e XX. Lisboa:
Colibri, 2008.
60
Projeto de Lei nº 6.840/2013, proposto pela Comissão Especial de Reformulação do Ensino
Médio da Câmara dos Deputados.
tatyana de amaral maia et al. 77
______. O pensamento histórico dos jovens. Braga: Ed. Universidade do Minho, 2000.
CAIMI, Flávia Eloísa. Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões
sobre ensino, aprendizagem e formação de professores de História. Tempo.
PPGH: UFF, v. 11, n. 21, 2007. pp. 17-32.
LEE, Peter. Por que aprender História? Educar em revista. UFPR: Curitiba, n.
42, out.-dez 2011, p. 19-42.
PAGÉS, Joan. El tiempo histórico. In: BENEJAN, Pilar; PAGÉS, Joan. Ensenar
y aprender ciencias sociales, geografía e historia en la educación secundaria.
Barcelona: Ed. ICE, Universidad de Barcelona, 1997. p. 198.
1
Este texto foi escrito no âmbito do projeto de pesquisa da Dirección General de Investigación
Científica y Técnica do Ministerio de Economía y Competitividad del Gobierno de España: “La
fotografía como documento para La Historia. Descubriendo el Madrid de la Guerra Civil a través
de la mirada de Martín Santos Yubero” (HAR2012-35514), do Instituto de Cultura y Tecnología
de la Universidad Carlos III de Madrid.
2
Doutora em Humanidades. Professora no Departamento de Humanidades: História, Geografia
e Arte da Universidad Carlos III de Madrid. E-mail: HYPERLINK "mailto:bheras@hum.uc3m.es"
bheras@hum.uc3m.es.
82 (re)construindo o passado
3
RODRÍGUEZ DE LAS HERAS, Antonio. Navegar por la información. Madrid: Fundesco, 1991. p. 55
4
GUBERN, Roman. Del bisonte a larealidad virtual: laescena y ellaberinto. Barcelona: Anagrama, 1996.
tatyana de amaral maia et al. 83
5
RIEGO, Bernardo. Apariencia y realidad: el documento fotográfico ante el tiempo histórico. En:
V. V.A A., La imatge i la recerca histórica. Gerona: Ayuntament di Girona, 1996. pp. 183-1993. p. 183.
6
DE LAS HERAS, Beatriz. El testimonio de las imágenes. Fotografía e Historia. Madrid: Vincent
Gabrielle, 2012.
tatyana de amaral maia et al. 85
7
CORTÁZAR, Julio. Del cuento breve y sus alrededores. En: VV.AA. La casilla de los Morelli.
Buenos Aires: Tusquets, 1988. p. 137.
86 (re)construindo o passado
8
Michel Foucault formulou um método arqueológico aplicado a fenômenos do discurso, mas que
pode ser aplicado ao fenômeno da representação. O autor o definia como: “O conjunto das condi-
ções segundo as quais se exerce uma prática, segundo as quais essa prática dá lugar a enunciados
parcial ou totalmente novos, segundo as quais, enfim, ela pode ser modificada. Trata-se menos de
limites impostos à iniciativa dos sujeitos, que do campo em que se articula (sem constituir-se em
centro dele), das regras com que opera (sem que as tenha inventado ou formulado), das relações
que lhe servem de suporte (sem que seja o resultado último nem o ponto de convergência). Trata-
se de fazer aparecer as práticas discursivas em sua complexidade e em sua espessura; mostrar
que dizer é algo diferente de expressar aquilo que se pensa”. FOUCAULT, Michel. La arqueología
del saber. México: Siglo XXI, 1970. pp. 171-172.
9
WEINSTEIN, R. & BLOOTH, L. Collection, use and care of historicalphotographs. Nasville:
American Association for Stateand Local History, 1977. p. 11.
tatyana de amaral maia et al. 87
2.1. memória
A fotografia é, ao mesmo tempo, um resto (material), um rastro (por sua
dimensão de pegada),10 razão pela qual contém uma referência ao “onde”
(dimensão espacial) e uma referência ao “quando” (dimensão temporal). Por
isso, dizemos que toda fotografia é um fragmento de espaço e tempo. Sendo
um rastro, é um testemunho, uma testemunha da História, uma forma de
preservar a lembrança. É, portanto, memória. E essa memória se converte
em ferramenta fundamental em uma sociedade lotófaga,11 com tendência cada
10
Como afirmou Antonio Rodríguez de las Heras no Seminario Permanente Imagen y Palabra,
organizado em 2 de novembro de 2007 pelo Instituto de Cultura e Tecnologia da Universidade
Carlos III de Madrid (Espanha).
11
LLEDÓ, Emilio. El surco del tiempo. Madrid: Editorial Crítica, 2000. p. 12.
88 (re)construindo o passado
vez maior ao esquecimento. Assim sendo, podemos dizer que a fotografia, por
ser um continente de memória, é a arqueologia da História Contemporânea.
2.2. fragmento
Se partirmos da ideia de que a fotografia é um rastro de espaço e tempo,
referimo-nos à sua natureza de fragmento e, portanto, ao fato de ela ser
incompleta, por definição. Essa fragmentação incompleta da realidade faz
com que apareça um elemento fundamental: a interpretação.
Se a interpretação for excessiva e não estiver ancorada num estudo em
profundidade da imagem, pode levar a uma sobreinterpretação e, assim, a
uma ressignificação do sentido original do instantâneo, empregado, em
muitas ocasiões, pelo comitente ou pelo veículo, inclusive pelo próprio
leitor interessado no processo de reconstrução da memória. Para assentar
o estudo da fotografia em argamassa sólida, que não se baseie em mera in-
terpretação, é necessário fazer uma reflexão teórico-metodológica que nos
ajude a metabolizar a informação, com um objetivo claro: criar um discurso
visual, por meio da decifração de códigos da linguagem fotográfica, e um
método científico para abordar o passado, com a intenção de, além de ler
esses fragmentos que são a fotografia, criar um discurso – e não encaixar
a leitura dos instantâneos em discurso elaborado a priori.
12
SCHAEFFER, Jean-Marie. La imagen precaria del dispositivo fotográfico. Madrid: Cátedra, 1990.
pp. 79-81.
13
BLÁZQUEZ MIGUEL, Juan. Historia militar de la guerra civil española. Del Frente Popular a la
sublevación militar (Febrero-Junio, 1936). Madrid: María Dolores Tomás, 2003. p. 57.
tatyana de amaral maia et al. 89
2.4. (re)presentação
Ao selecionar o marco, o fotógrafo, nesse trabalho de fragmentação, aban-
dona muitas possibilidades que se apresentam como realidades veladas para
o leitor – mas que podem deixar suas pegadas no instantâneo fotográfico.
Por essa razão, preferimos falar em (re)presentações da realidade: a foto-
grafia mostra realidades. Não significa que o fotógrafo recrie a realidade,
pois não necessariamente manipula o assunto ou os sujeitos retratados.
No entanto, ao selecionar o que retrata, está representando essa realidade.
Como afirma Boris Kossoy, a fotografia é criação. Por isso, pode levar a
uma reconstrução histórica que não se adapta, exatamente, à realidade
e indica uma “realidade própria”, que é preciso desmascarar.14 Além da
seleção do fotógrafo, podem ocorrer outras intervenções sobre a própria
imagem, como as realizadas pela censura dos meios (característica do
período que vamos estudar) ou do canal que veicula a imagem – e que
acaba por conformar o instantâneo que se publica. Fotógrafo, comitente
(em caso de existir), censor e meio se convertem, portanto, em filtros da
realidade, aos quais se une um último: o leitor, que pode (ou não) com-
partilhar tempo e espaço com o fotógrafo. Essa manipulação – ou essa
intervenção – sobre o visual tem uma dupla utilidade: nas coordenadas
espaço-temporais nas quais se toma como arma de propaganda e arma
14
KOSSOY, Boris. Lo efímero y lo perpetuo en la imagen fotográfica. Madrid: Editorial Cátedra,
2014. p. 164-165.
90 (re)construindo o passado
15
Entre os antifascistas, encontramos membros de Izquierda Republicana e Unión Republicana,
Partido Sindicalista Obrero Español, Partido Comunista de España e POUM, Partido Sindicalista,
os nacionalistas de esquerda, como Esquerra Republicana de Catalunya, Partido Nacionalista Vasco,
tatyana de amaral maia et al. 91
o movimento operário e os sindicatos UGT e CNT. Por outro lado, os sublevados se organizaram
em torno de altos membros do comando militar, Falange Española, carlistas, monarquistas de
Renovación Española, parte de votantes da CEDA, Liga Regionalista e outros grupos políticos
de viés conservador, além de contar com importante apoio da igreja.
16
BLÁZQUEZ MIGUEL, Juan. Historia militar de la guerra civil española. Del Frente Popular a la
sublevación militar (febrero-junio, 1936). Madrid: María Dolores Tomás, 2003. p. 306.
17
MONTERO, Severiano. Paisajes de la guerra: nueve itinerarios por los frentes de Madrid. Madrid:
Comunidad de Madrid, 1987.
92 (re)construindo o passado
3.1. medo
A morte foi a protagonista da cidade e, portanto, o medo
18
REIG TAPIA, Alberto. Morir en Madrid (1936-1939). El cementerio municipal, un testigo para
la historia de la Guerra Civil. Revista de Ciencias Sociales, Madrid, v. 88, pp. 35-50, 1989. p. 35.
19
O número de nascidos vivos por mil habitantes foi de 22 ao ano, em 1935, e de 21, em 1936.
Contudo, essa progressão descendeu entre 1937 e 1939, de tal forma que, se no segundo ano de
guerra a cifra foi de 16 nascimentos, em 1938 ela diminuiu para 15 e, no último ano da contenda,
foi de 11. O número de mortos em Madri, para cada mil habitantes, foi de 21 em 1936 e 1937, de 19
em 1938, e de 21 em 1939, cifras que contrastam com os 15 madrilenhos que faleceram, para cada
mil habitantes, em 1935 e 1940 – anos anterior e posterior ao período da Guerra Civil Espanhola,
respectivamente. DIEZ NICOLÁS, Juan. La transición demográfica en España. Revista de Estudios
Sociales, Madrid, v. I, 1971, pp. 127-128.
tatyana de amaral maia et al. 93
20
Sabemos que o Comité de Reforma, Reconstrucción y Saneamiento de Madrid, do começo da
guerra até os primeiros dias de 1938, atendeu a 6.1016 sinistros nos diferentes distritos de Madrid
(GACETA DEL MUSEO MUNICIPAL DE MADRID, 1986. p. 61).
94 (re)construindo o passado
3.2. fome
“[...] o povo pode ficar tranquilo, porque, por mais que dure o estado atual
– que, creio, vai terminar rápido – o abastecimento das frentes e da reta-
guarda está e continuará sendo assegurada”. Essas palavras, extraídas do
diário ABC no dia 4 de agosto de 1936, mostram a falta de previsão inicial
das autoridades responsáveis pela cidade no que tange à fome, devido ao
convencimento geral de que o levantamento militar seria esmagado rapi-
damente. Assim, e diante da expansão do conflito, sucedeu-se um período
de anarquia a um de abastecimento e, finalmente, a um de racionamento
até de produtos mais básicos.21 Isso afetou a saúde dos madrilenhos, uma
vez que o valor energético das dietas ministradas durante o conflito foi
insuficiente: variou desde mais de 1.500 calorias diárias, durante o mês de
21
DE DIEGO, Emilio y BRAVO, Isabel. Hambre en Madrid. Abastecimiento, Mercado Negro y
Picaresca durante la Guerra Civil. Historia 16, Madrid, n. 10, pp. 11-18, 1985.
tatyana de amaral maia et al. 95
agosto de 1937, até 852 calorias diárias, no mês de fevereiro de 1939, apre-
sentando um mínimo de 770 calorias diárias no mês de dezembro de 1938.22
A busca de comida na cidade foi um dos protagonistas durante os três
anos de guerra, até o ponto em que as mulheres chegavam a passar 12 ho-
ras nas filas diante das portas de estabelecimentos que despachavam as
bolsas racionadas. As filas se iniciaram no verão de 1936 e se converteram
em parte da paisagem de Madri desde o mês de novembro, em função da
agudização dos problemas de abastecimento da cidade, tal como mostra a
seguinte fotografia. Nela, um grupo de mulheres e seus filhos fazem uma
fila diante de um posto improvisado de suprimentos, após o bombardeio do
mercado da Plaza del Carmen, na zona central de Madri, no outono de 1936.
22
GRANDE COVIÁN, Francisco. La alimentación en Madrid durante la Guerra. Estudio de la dieta
suministrada a la población madrileña durante diecinueve meses de guerra. Revista de Sanidad
e Higiene Pública. Madrid, pp. 2-22, 1939. p. 21.
96 (re)construindo o passado
23
AROSTEGUI, Julio; MARTÍNEZ, Jesús. La junta de Defensa de Madrid. Madrid: Comunidad de
Madrid, 1997. p. 168.
tatyana de amaral maia et al. 97
24
NASH, Mary. La miliciana: otra opción de combatividad femenina antifascista. Debate.
Salamanca, v. 11, pp. 20-32, 1989. p. 98.
98 (re)construindo o passado
Estes três temas – medo, fome e papel da mulher – foram os mais desta-
cados durante os 32 meses de contenda, de julho de 1936 até março de 1939.
Depois da derrota de Madri, em 28 de março de 1939, o final da guerra se
aproximava. Em 1º de abril, encerrou-se o capítulo mais escuro da história
da Espanha, com a instauração da política da vitória (não da paz), em função
tatyana de amaral maia et al. 99
25
La Voz, 5 de dezembro de 1937.
26
La Voz del combatiente, 9 de janeiro de 1937.
100 (re)construindo o passado
27
Texto censurado em El Socialista, 19 de fevereiro de 1937.
tatyana de amaral maia et al. 101
28
AHN-GC (S) PS-Madrid Caja 868.
29
Crónica, 21 de março de 1937.
102 (re)construindo o passado
30
El Socialista, 19 de fevereiro de 1937.
31
LÓPEZ MONDÉJAR, Publio. Historia de la fotografía en España. Barcelona: Lunwerg Editores,
2005. p. 209.
tatyana de amaral maia et al. 103
32
La Voz, 5 de dezembro de 1937.
104 (re)construindo o passado
5.1. mostrar
A exibição de uma imagem pode corroborar ou desmentir um discurso.
A seguir, mostraremos uma fotografia feita em 27 de dezembro de 1937,
na frente de Madri, na qual se retrata um soldado das tropas mouras, que
carrega um instrumento musical, saudando uma criança uniformizada,
diante do olhar atento de um grupo de homens. O trabalho contém o selo
da Sección Técnica del Ministerio del Interior del Gobierno de Franco,
em cujo verso se lê o seguinte: “Frente de Madrid. Criança abandonada
pelos vermelhos, acolhido, atendido e vestido pelas Banderas de Marrocos,
saudando um músico mouro”.
33
DE LAS HERAS, Beatriz. La (re)presentación de la violencia a través de la fotografía. Mostrar,
ocultar, retener, reconducir y utilizar la imagen de la mujer durante la Guerra Civil Española en
Madrid (1936-1939). Nuevo Mundo Mundos Nuevos. Imágenes, memorias y sonidos. Paris, 2014.
tatyana de amaral maia et al. 105
5.2. ocultar
Uma imagem pode comprometer um discurso e prejudicar determinada
causa, razão pela qual deve ser eliminada. Caso contrário, serve à causa
inimiga. Vejamos como exemplo essa fotografia. Trata-se de uma imagem
que retrata uma cena peculiar, que se passou na frente: um grupo de mili-
cianos, um deles, usando uma cartola, dispara contra o inimigo, a partir da
trincheira. Pelas vestimentas dos retratados (um deles veste uniforme de
trabalho típico das milícias que defendiam a República e outros não estão
uniformizados, característica desse tipo de força militar de cidadãos) e
pela posição do fotógrafo na cena bélica, podemos inferir que foi feita na
frente republicana.
34
BAREA, Arturo. La forja de un rebelde. Buenos Aires: Losada, 1951.
108 (re)construindo o passado
5.4. reconduzir
Essa ideia da fotografia como algo a serviço das vozes oficiais, para re-dirigir
uma situação que poderia prejudicar a estabilidade da frente ou da reta-
guarda, pode claramente ser observada em um dos conflitos que surgiram
no início da contenda, em cidades como Madri. Analisemos a fotografia a
seguir: um grupo de mulheres trabalha, introduzindo alimentos em bolsas
de papel – mas, antes, os alimentos são pesados pelo varão.
Por que o fotógrafo elegeu essa situação, que parece menos foto-
gráfica, do ponto de vista estético, em lugar de outra, centrada na ação
que se realiza na mesa, por quatro mulheres? Ou em vez de uma que
mostrasse, de outro ângulo, só o trabalho do homem? Esse detalhe não
teria importância, não fosse relativamente comum que, em imagens nas
quais se retrata o trabalho de mulheres na retaguarda e onde elas divi-
dem o espaço com homens, haja uma atitude de supervisão por parte dos
110 (re)construindo o passado
conclusões
A fotografia atravessa o espaço e captura o tempo daquilo que retrata. Por
isso, resulta em um suporte de memória fundamental para desenvolver
discursos explicativos históricos. A documentação visual requer um tra-
tamento específico, que se deve iniciar com uma análise conscienciosa de
cada imagem, para extrair delas todas as informações possíveis – inclu-
sive as que estariam veladas num primeiro momento. Assim, a fotografia
transcende sua faceta de mera ilustração, desenvolvendo sua vertente
histórico-documental.
Este foi o caminho trilhado nesse texto: depois de analisar brevemente
como se pode empregar a fotografia como fonte para a história e de estudar
o contexto em que se viveu a Guerra Civil em Madri e as circunstâncias de
trabalho dos fotógrafos, utilizamos diferentes exemplos de usos da foto-
grafia naquele contexto, por meio dos quais desvelamos quatro estratégias
empregadas pelas autoridades para enviar determinadas mensagens durante
os meses de guerra – mensagens que foram se transformando, em função
das necessidades propagandísticas do conflito. As estratégias: mostrar
reiterativamente; ocultar uma realidade prejudicial; reter uma fotografia
112 (re)construindo o passado
referências
AROSTEGUI, Julio; MARTÍNEZ, Jesús. La junta de Defensa de Madrid. Madrid:
Comunidad de Madrid, 1997.
CORTÁZAR, Julio. Del cuento breve y sus alrededores. En: VV.AA., La casilla
de los Morelli. Buenos Aires: Tusquets, 1988.
claire magill 2
1
Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e
a Tecnologia, no âmbito do projeto UID/HIS/04059/2013.
2
Doutora, anteriormente da University of Aberdeen, Leverhulme Trust. E-mail: claremagill@
gmail.com.
3
KITSON, Alison; MCCULLY, Alan. ‘You hear about it for real in school.’ Avoiding, containing
and risk-taking in the history classroom. Teaching History, London, v. 120, p. 32-37, 2005.
116 (re)construindo o passado
“the risk-taker”
“the avoider” “the container”
(o “ousado”,
(o “evasivo”, aquele (o “moderado”, aquele
aquele que corre
que evita) que modera)
riscos)
4
Ibidem, p. 35.
5
Ibidem, p. 35.
118 (re)construindo o passado
ativistas ousados
moderado
evasivos evasivos
naturais relutantes
6
Ibidem, p. 35.
tatyana de amaral maia et al. 119
os moderados
No centro do meu modelo encontram-se os participantes cuja abordagem ao
ensino deste período da História encaixa no que Kitson e McCully referem
como a posição de “moderação”. Como referido anteriormente, os partici-
pantes nesta categoria não se coibiram de ensinar temas potencialmente
polémicos associados à Guerra Civil e ao regime de Franco, mas também não
criaram ativamente oportunidades para abordar tais questões. Por exemplo,
embora Jordi7, um professor que entrevistei numa escola “concertada” em
Barcelona, tivesse incentivado os seus alunos a partilharem uns com os
outros as experiências dos seus avós durante a Guerra Civil, ele apenas o
fez depois de os próprios alunos tocarem no assunto – ele não levantou a
questão, não a explorou em profundidade nem estabeleceu qualquer relação
com o legado existente desse período. Tal como acontece com as conclusões
de Kitson e McCully, então, de um modo geral, os “moderados” não motivam
os alunos a “envolverem-se com o motivo da controvérsia” e tendem a evitar
os “possíveis efeitos emocionais” através do processo histórico.
Uma forma de “moderação” consiste em enfatizar a natureza científica
da História. Assim, em vez de se envolver em discussões potencialmente
conflituosas sobre ideologias, Jordi procurou “explicar a História a partir
de uma perspetiva científica, fornecendo os porquês das coisas, as conse-
quências”. Perante as controvérsias atuais em torno da questão da memória
histórica, Enrique, um professor que entrevistei numa escola pública em
Sevilha, adotou uma postura semelhante, procurando demonstrar “que a
história é documentação” e incentivando os seus alunos a interagir com fontes
primárias e secundárias, a fim de tirarem as suas próprias conclusões. Ele
sublinhou que, para serem bons historiadores, os jovens tinham de apren-
der a serem rigorosos e críticos relativamente às várias fontes históricas
e documentos que encontrassem. Percebeu-se claramente que, no que diz
7
De forma a proteger o anonimato dos professores que participaram no meu estudo, todos os
nomes foram substituídos por pseudónimos.
tatyana de amaral maia et al. 121
8
Em janeiro de 2012 o juiz Baltasar Garzón foi a julgamento em Madri e no mês seguinte foi
condenado por ultrapassar a sua jurisdição numa investigação sobre corrupção nacional, sendo
impedido de exercer advocacia durante 11 anos. De particular relevância para este estudo, pouco
tempo depois, o Supremo Tribunal espanhol decidiu que Garzón tinha agido erradamente ao abrir
uma investigação sobre as mortes de vítimas de violência franquista. O caso foi extremamente
controverso e foi amplamente coberto pelos meios de comunicação social espanhóis. Garzón
continua a defender que sejam iniciadas investigações sobre as mortes e desaparecimentos das
vítimas da Guerra Civil e da ditadura de Franco e a pedir a criação de uma comissão da verdade
para lidar com estas questões. JUNQUERA, Natalia. Garzón denuncia en la ONU el abandono
español a las víctimas del franquismo. El País [Online]. Madrid, 2013. Disponível em: <http://
politica.elpais.com/politica/2013/11/04/actualidad/1383592459_339061.html> [consultado a
20 novembro 2013].
122 (re)construindo o passado
– eles tinham “de os fazer ver, [de os fazer] entender [por eles]”. Ele procurou
despertar uma consciência, nos seus alunos, relativamente à forma como o
passado é usado (e erradamente usado) no presente. No entanto, apesar de
Ricard usar descontraidamente as suas aulas de História para desafiar mitos
e suposições predominantes sobre o passado, ele parecia menos disposto a
estabelecer relações claras entre o passado e o presente.
Ficou claro que, para os “moderados”, o principal objetivo consiste
em introduzir os alunos à disciplina de História e às ferramentas do his-
toriador. Assim, apesar de, por um lado, Enrique claramente se interessar
muito pela Guerra Civil, a ditadura de Franco e a transição de Espanha para
a democracia, por outro lado, do ponto de vista pedagógico, para ele, era
“[apenas] uma outra fase da História”. A partir desta perspetiva, nas palavras
de Enrique, “cada fase [da história] deve ser tratada com o mesmo rigor”.
O objetivo fundamental da disciplina manteve-se, independentemente do
período da História que estava a ser ensinado: “abrir as mentes dos alunos”,
como Ricard afirmou, ou, nas palavras de Enrique, que os alunos “aprendam
alguma coisa de forma a serem capazes de analisar o mundo em que vivem”.
os “ousados”
No canto superior direito do meu modelo estão os participantes cuja abor-
dagem à relação entre o passado e presente vai de encontro ao que Kitson e
McCully referem como “a assunção de riscos”. Este tipo de abordagem en-
volve enfrentar verdades desconfortáveis e mitos e preconceitos desafiantes
relativos à Guerra Civil e ao regime de Franco. Os participantes “que correm
riscos” procuram sensibilizar os seus alunos para os perigos de reduzir
questões históricas complexas a explicações excessivamente simplistas e a
interpretações maniqueístas da História. A este respeito, Natalia, uma for-
madora de professores que entrevistei em Madri, insistiu que os professores
têm um papel crucial a desempenhar no sentido de ajudar os alunos a “ver
as nuances” porque, “para as crianças, as coisas são ou brancas ou pretas”.
tatyana de amaral maia et al. 123
9
MCCULLY, Alan. What Role for History Teaching in the Transitional Justice Process in Deeply
Divided Societies?. In: NAKOU, Irene; BARCA, Isobel (eds.). Contemporary Public Debates Over
History Education: A volume in International Review of History Education. Charlotte, North
Carolina: Information Age Publishing, 2010, 169-184. p.179.
124 (re)construindo o passado
10
Manuel Carrasco i Formiguera era um católico devoto e membro de longa data do partido
Unión Democràtica de Catalunya (União Democrática da Catalunha). Denunciado por causa das
suas ideias conservadoras e católicas, Carrasco “foi forçado a abandonar a sua amada Catalunha
porque a Generalitat [o governo catalão] não podia garantir a sua segurança” (Preston, 2011,
p. 600). Ele estava a caminho do País Basco com a sua família, em março de 1937, quando o barco
em que viajavam de Baiona (França) para Bilbao foi atacado e capturado por um dos navios de
Franco. Carrasco i Formiguera foi preso e, cinco meses depois, em agosto de 1937, ele foi acusado
de insurreição e julgado. De acordo com Preston (2011, p. 600-601), vários catalães proeminentes
no círculo de Franco, “homens cujas vidas e fortunas tinham sido salvas pela intervenção de
Carrasco em Barcelona, estavam com muito medo de se manifestarem em sua defesa”. Como
Preston (2011, p. 601) afirma, “numa atmosfera vingativa, cheia de preconceito contra o povo
catalão”, Carrasco foi executado a 9 de abril de 1938, acusado de ser republicano e nacionalista
catalão. PRESTON, Paul. El Holocausto Español: Odio y Exterminio en la Guerra Civil y Después.
Barcelona: Debate Editorial, 2011. p. 600-601.
11
RÍOS, Pere. El Constitucional ampara a TV-3 por un reportaje sobre Carrasco I Formiguera.
El País [Online]. Madrid, 2004. Disponível em: <http://elpais.com/diario/2004/03/31/socie-
dad/1080684013_850215.html> [consultado a 13 maio 2013].
126 (re)construindo o passado
os ativistas
Como referi, adaptei o continuum de Kitson e McCully de forma a incluir o
que designo de abordagem “ativista”. Os professores “ativistas” mostram
poucas reservas em estabelecer ligações entre o passado e o presente, ao
ensinar o período da Guerra Civil e da ditadura de Franco – na verdade,
eles fazem-no de forma ativa e com entusiasmo. Em vez de apresentar
múltiplas perspetivas e de incentivar os alunos a fazerem as suas próprias
escolhas com base nas provas disponíveis, porém, os professores “ativistas”
tendem a apresentar as suas próprias opiniões fortemente arraigadas sobre
a questão, muitas vezes de forma quase dogmática e sem incentivar ao de-
bate ou à discussão. Com efeito, na perspetiva de Carlos, um professor da
escola autónoma que entrevistei em Torrejón, visto que os acontecimentos
da Segunda República e da Guerra Civil ainda tinham uma grande “carga
política”, ele sentiu a necessidade de emitir um “aviso” de intenções aos
alunos antes de ensinar esses períodos da história, explicando à sua turma
que “estas questões devem ser vistas por todos vocês como uma das Guerras
Carlistas [uma série de guerras civis que ocorreram em Espanha no século
XIX – ou seja, já não implicando emoção] e não são”:
Eu não posso negar que sou de esquerda e não posso negar que
seria totalmente contra muitas políticas de direita. Eu não posso
negá-lo e por isso o digo. Tento não fazer proselitismo, não fazer
propaganda... Mas, provavelmente, um professor de História de
direita não gostaria de algumas das coisas que pudessem ouvir [na
minha aula]. Eu digo explicitamente que Franco é um assassino.
Digo isso em público... Ele é um assassino!
12
É importante referir que sacas e paseos não foram um exclusivo dos franquistas; as milícias
republicanas também levaram partidários de Franco, da mesma forma, para os assassinar.
130 (re)construindo o passado
13
Carlos fez questão de me contar que tinha sido um ativista de esquerda na juventude. Com o
tempo, porém, ele tornou-se cada vez mais conservador, devido em grande parte ao que ele via
como manipulação da história por parte da esquerda política espanhola – em particular, a história
da Segunda República e da Guerra Civil.
tatyana de amaral maia et al. 131
Restam poucas dúvidas de que, ao dizerem aos seus alunos que teriam
sido assassinados por um lado ou outro, ambos os professores tiveram a
intenção de chocar e, consciente ou inconscientemente, eles também podem
ter procurado influenciar as atitudes políticas dos seus alunos.
O que é interessante é que, apesar de Miquel, Patricia e Carlos afirmarem
querer incentivar os seus alunos a pensarem criticamente, paradoxalmente
todos eles pareciam estar fixados na noção de transmissão da “verdade”.
Patricia tinha frequentado a escola durante a ditadura de Franco e defendeu
que a História que lhe ensinaram “era um conjunto de mentiras” e que o
conteúdo dos manuais escolares, quando ela andava na escola, eram “fal-
sificações totais e absolutas”. Como consequência, ela queria que os seus
alunos soubessem a “verdade” – “porque a verdade histórica é a verdade
histórica, independentemente de quem possa afetar”. Da mesma forma,
embora Carlos tenha protestado contra o que entendeu ser a imposição de
“uma verdade histórica”, através da Lei da Memória Histórica, pela esquerda
política espanhola, ele próprio parecia estar determinado a transmitir a sua
própria interpretação muito particular, muito conservadora dos eventos,
admitindo que acreditava “na verdade, não na objetividade”.
É evidente, então, que os pontos de vista políticos destes participantes
– em particular, as suas perspetivas sobre os legados da Segunda República,
a Guerra Civil e a ditadura de Franco – exerceram uma forte influência na
abordagem que cada um adotou para ensinar estes períodos da História.
Miquel e Patricia mostraram-se tão firmemente apoiantes do movimento
pela recuperação da memória histórica quanto Carlos se afirmou veemen-
temente contra o mesmo. Isso levou a diferentes motivações para relacio-
132 (re)construindo o passado
a evasão
Devido à forma como o passado penetra na cultura política e popular em
Espanha, é muitas vezes impossível para os professores evitar completa-
mente as questões controversas na sala de aula. No entanto, sempre que
possível, um grupo de participantes mostrou uma clara preferência por se
manter afastado de tais questões. Seguramente, a dimensão considerável
dos conteúdos programáticos da disciplina de História e a pressão para
“ensinar para o teste” parecem desmotivar alguns professores a estabele-
cerem ligações entre o passado e o presente e a apresentarem questões
controversas – na visão de Fernando, um professor da escola pública
que entrevistei em Sevilha, “para que não haja problemas e para cumprir
os objetivos do exame externo, a Selectividad, que é como uma pedra de
moinho [à volta dos nossos pescoços]”, a maioria dos professores “ensina
uma visão distanciada da História”. Além do currículo e dos exames, no
entanto, três fatores principais pareceram influenciar os professores a
mostrar prudência ao abordar questões controversas relacionadas com a
Guerra Civil e o legado do passado na sala de aula: a preocupação com a
influência ou a politização dos alunos; a cautela para não ofender os alu-
nos e/ou a comunidade escolar alargada, incluindo os pais e colegas; e o
desconforto perante ou a oposição ao “programa” da memória histórica.
tatyana de amaral maia et al. 133
14
UNESCO/IIEP. Education and Fragility in Cambodia. Paris: UNESCO International Institute
for Educational Planning, 2011.
15
MCCULLY, Alan. Practitioner perceptions of their role in facilitating the handling of contro-
versial issues in contested societies: a Northern Irish experience. Educational Review, v. 58, p.
51-65, 2006; KITSON, Alison. History Teaching and Reconciliation in Northern Ireland. In: COLE,
Elizabeth A. (editor). Teaching the Violent Past: History Education and Reconciliation. Plymouth:
Rowman & Littlefield, 2007. p. 123-154; MCCULLY, Alan; MONTGOMERY, Alison. Knowledge,
skills and dispositions: educating history teachers in a divided society. International Journal of
Historical Learning, Teaching and Research, v. 8, p. 92-105, 2009; MURPHY, Karen; GALLAGHER,
Tony. Reconstruction after violence: how teachers and schools can deal with the legacy of the
past. Perspectives in Education, v. 27, p. 158-168, 2009.
16
WARSHAUER FREEDMAN, Sarah; WEINSTEIN, Harvey M.; MURPHY, Karen; LONGMAN,
Timothy. Teaching History after Identity-Based Conflicts: The Rwanda Experience. Comparative
Education Review, v. 52, p. 663-690, 2008.
17
WELDON, Gail. Memory, Identity and the South African History Curriculum Crisis of the
1998 South African National Curriculum: Curriculum 2005. International Journal of Historical
Learning, Teaching and Research, v. 8, p. 1, 2009.
18
DAVIES, Lynn. Teaching About Conflict Through Citizenship Education. International Journal
of Citizenship and Teacher Education, v. 1, p. 17-34, 2005.
19
Idem, p. 24.
20
MCCULLY, Alan; MONTGOMERY, Alison, op. cit., p. 93.
134 (re)construindo o passado
conforto pessoal 21, e ofender os outros, por outro22 mas também devido
a um “medo de respostas emocionais por parte de alunos que poderiam
reforçar os próprios pontos de vista que os professores pretendem desa-
fiar”23. Os estudos realizados no Ruanda 24 e na África do Sul 25 também
sugerem que a preocupação com o potencial efeito desagregador entre os
alunos ajuda a explicar por que os professores se sentem reticentes em
apresentar abertamente questões polémicas na sala de aula. O medo sobre
a potencial pressão ou objeções por parte dos pais e da comunidade local
também pode ser um fator a considerar.26 Embora na Irlanda do Norte,
Kitson 27 tenha percebido que a “noção de pais que apresentem objeções ao
conteúdo das aulas de História parecia ser mais uma questão a considerar
do que propriamente um problema real”, seguramente que na Guatemala
o estudo sugere que os pais se mostram apreensivos sobre o facto de os
seus filhos estudarem temas relacionados com a guerra nessa região,28 e,
em Espanha, no presente caso, vários participantes tiveram experiências
concretas com pais que se opuseram ao conteúdo tanto dos livros como
das aulas de História.
21
McCully, 2006, op. cit., p. 6; Murphy e Gallagher, 2009, op. cit. p. 18.
22
Murphy e Gallagher, op. cit., p. 17.
23
KITSON, Alison. History Teaching and Reconciliation in Northern Ireland. In: COLE, Elizabeth
A. (editor). Teaching the Violent Past: History Education and Reconciliation. Plymouth: Rowman
& Littlefield, 2007. p. 123-154.
24
WARSHAUER FREEDMAN et al. Teaching History after Identity-Based Conflicts: The Rwanda
Experience. Comparative Education Review, v. 52, p. 663-690, 2008.
25
WELDON, Gail. Memory, Identity and the South African History Curriculum Crisis of the
1998 South African National Curriculum: Curriculum 2005. International Journal of Historical
Learning, Teaching and Research, v. 8, p. 1, 2009. p. 170.
26
McCully, 2006, p. 5; Kitson, 2007, p. 132.
27
KITSON, Alison, op. cit., p. 142.
28
OGLESBY, Elizabeth. Historical Memory and the Limits of Peace Education: Examining
Guatemala’s ‘Memory of Silence’ and the Politics of Curriculum Design. Working paper pre-
sented at the Carnegie Council Fellows Conference, New York City, 20 June 2004. Disponível em:
<https://www.carnegiecouncil.org/publications/articles_ papers_reports/4996.html/_res/
id=sa_File1/4996_Elizabeth_Oglesby_Working_Paper.pdf>, p. 20.
tatyana de amaral maia et al. 135
29
KITSON, Alison & MCCULLY, Alan. Op.cit. p.35
136 (re)construindo o passado
os “evasivos naturais”
Exemplos de “evasivos relutantes”, Ramón, Emilio e Marta sentem-se pouco
à vontade com
o conceito de “memória histórica”. É provável que estejam
relutantes em abordar a questão na sala de aula ou em relacionar o passado
e o presente – especificamente no que respeita à implementação da Lei da
Memória Histórica, por exemplo – porque apoiam a posição do Partido Popular
no que à memória histórica diz respeito. Como tal, não querem abrir velhas
feridas na sala de aula de História, ou mesmo apresentar aos seus alunos
uma perspetiva com a qual eles discordam em grande parte.
Ramón, um professor que entrevistei numa escola pública em Torrejón,
defendeu que a aprovação da Lei da Memória Histórica de 2007 tem vindo
a “provocar novos confrontos entre as duas Espanhas” e que isso equivale
a declarar a renovação das hostilidades – à semelhança da perspetiva da
30
MINISTERIO DE EDUCACIÓN Y CIENCIA. Real Decreto 1467/2007, de 2 de noviembre, por el
que se establece la estructura del Bachillerato y se fijan sus enseñanzas mínimas. Madrid: Boletín
Oficial del Estado (BOE n. 266), 2007, p. 45.393.
tatyana de amaral maia et al. 137
direita espanhola, que vê a lei como tendo reaberto velhas feridas que,
de acordo com este ponto de vista, tinham sarado durante a transição31
(Ramón usou a expressão “desenterrar el hacha de guerra” – literalmente
“desenterrar o machado de guerra”.). A fim de “evitar confrontos ideológicos”,
como explicou, Ramón esforçou-se por evitar questões relacionadas com o
surgimento do movimento para a memória histórica. Assim, por exemplo,
ao explicar a história da Guerra Civil aos seus alunos, embora tenha feito
questão de falar de acontecimentos que ocorreram na região, referindo-se
explicitamente aos acontecimentos em Torrejón e aos que sucederam na
aldeia vizinha de Paracuellos del Jarama, onde, em novembro e dezembro
de 1936, milícias republicanas mataram mais de 2000 rebeldes franquis-
tas32 – aquilo a que Preston chama de “a maior atrocidade em território
republicano durante a guerra” – Ramón evitou propositadamente comen-
tar as razões pelas quais esses eventos continuam a ser tão controversos:
31
ARÓSTEGUI, Julio. La Ley de Memoria Histórica: reparación e insatisfacción. Revista Patrimonio
Cultural de España, Madrid, v. 1, p. 41-60, 2009. p. 47-48.
32
PRESTON, Paul, op. cit., p. 485.
o verdadeiro nome da lei de 2007 é “lei para reconhecer e alargar os direitos e para estabelecer
medidas a favor daqueles que foram alvo de perseguição ou violência durante a Guerra Civil e
a Ditadura”.
138 (re)construindo o passado
os “evasivos relutantes”
Os “evasivos relutantes” apresentaram uma probabilidade mais alta, relati-
vamente aos “evasivos relutantes”, de levantar de forma proativa a questão
dos legados do passado com os seus alunos, mas, muitas vezes, depois, não
conseguiam explorar a questão em profundidade. Por exemplo, ao explicar
a Guerra Civil, Ignacio, um professor que entrevistei numa escola pública
em Oviedo, contou que se sentiu obrigado a dizer aos seus alunos “que há
repressão, há atrocidades de um lado, atrocidades do outro e há algumas
que nunca foram alvo de punição e que ainda não foram resolvidas” –, mas
em vez de incentivar o debate e a discussão sobre o assunto, Ignacio sim-
plesmente referiu aos seus alunos onde poderiam encontrar informações se
estivessem interessados em
aprender mais, como mostra o seguinte excerto:
A decisão deliberada de Ignacio de “parar por ali” foi motivada por uma
consciência de que ir mais longe poderia ofender alguns dos seus alunos,
especialmente se fossem familiares de vítimas – ou mesmo dos criminosos.
O facto de Ignacio ter iniciado a sua carreira docente numa escola autó-
noma, ou concertada, em vez de numa escola pública, significava que ele
estava particularmente ciente da possibilidade de, como ele dizia, “ferir
susceptibilidades”. Embora financiadas pelo Estado até ao final do ensino
secundário obrigatório, as escolas concertadas não recebem subsídios do
governo espanhol para os anos após o ensino obrigatório, o que significa
que, no nível de Bachillerato, os alunos têm de pagar propinas. Na perspeti-
va de Ignacio, isso transformou as escolas concertadas em empresas, onde
há “clientes que pagam, pelo que podem fazer exigências”. Ele também
sublinhou que, dado que a maioria das escolas concertadas eram origi-
nalmente geridas por ordens religiosas e que muitas escolas concertadas
ainda têm um caráter religioso, havia a expectativa de que os professores
deviam apoiar os princípios, muitas vezes católicos e conservadores, das
escolas.34 Como Carmen, uma professora com experiência no setor das
escolas concertadas, afirmou, nessas escolas “eles definem a forma como as
coisas são transmitidas”. Esta pressão para ir ao encontro dos princípios das
escolas concertadas – ou pelo menos para não se desviarem deles – teve um
impacto, na opinião de Ignacio, na forma como a História é ensinada nas
34
Os professores de escolas públicas têm de ser aprovados em exames do serviço público, co-
nhecidos como “Oposiciones”, mas para ensinar numa escola concertada, os candidatos não são
obrigados a passar por quaisquer exames – eles têm simplesmente de cumprir os critérios de
seleção definidos pelo Conselho de Escola, pelo diretor da escola e pelo proprietário da instituição.
In: EACEA. Organisation of the education system in Spain 2009/2010. Brussels: Eurydice, 2010, p.
281-282. Os participantes sugeriram que, implícita ou explicitamente, isso muitas vezes inclui o
apoio à ética ou moral da escola.
tatyana de amaral maia et al. 141
conclusão
Setenta e quatro anos após o fim da Guerra Civil e trinta e oito anos após
a morte do general Franco, este período da História espanhola continua
a ser bastante controverso, não só na política, mas também nas escolas.
Claramente, uma série de fatores influencia as abordagens que os partici-
pantes desenvolvem em relação à História da Guerra Civil e da ditadura de
Franco e o legado deste período – por exemplo, as origens e as simpatias
políticas dos próprios professores, a região onde dão aulas, os princípios das
escolas onde eles ensinam e as preocupações com ofensas ou a instigação
de conflitos com alunos, pais e colegas professores. O que é surpreendente
não é apenas perceber até que ponto a revolta dos pais, alunos e colegas,
35
A Plaza de España, em Oviedo, acolhe um dos últimos monumentos que celebram Franco
em Espanha – um monumento complexo que inclui um medalhão do rosto do ditador com uma
inscrição onde se lê “De Oviedo para Francisco Franco”.
36
Á.F. El PSOE pide que se quite el medallón de Franco de la plaza de España. La Nueva España
[Online]. Oviedo, 2012. Disponível em: <http://www.lne.es/oviedo/2012/02/24/psoe-pide-qui-
te-medallon-franco-plaza-espana/1203690.html> [consultado a 12 dezembro 2012].
144 (re)construindo o passado
37
MINISTERIO DE EDUCACIÓN Y CIENCIA, op. cit., p. 45.393.
38
SLATER, John. Teaching History in the New Europe. London: Cassell Council of Europe, 1995.
39
MINISTERIO DE EDUCACIÓN Y CIENCIA, op. cit., p. 45.393.
40
Idem, p. 45.394.
41
MCCULLY, Alan, op. cit., 2012, p. 151.
tatyana de amaral maia et al. 147
42
MINISTERIO DE EDUCACIÓN Y CIENCIA, op. cit.
148 (re)construindo o passado
43
MCCULLY, Alan, op. cit., 2006. Associado a isso, a falta de recursos adequados também pode
ser um fator de relevo na relutância dos professores em abordar questões sensíveis nas aulas de
história – por exemplo, os dados recolhidos na África do Sul no final dos anos noventa indicaram
que essa foi uma das razões pelas quais muitos docentes de história evitam ensinar o período do
apartheid . WELDON, Gail. Memory, Identity and the South African History Curriculum Crisis of
the 1998 South African National Curriculum: Curriculum 2005. International Journal of Historical
Learning, Teaching and Research, v. 8, p. 1, 2009.
tatyana de amaral maia et al. 149
44
MINISTERIO DE EDUCACIÓN Y CIENCIA, op. cit., p. 45.382.
45
KITSON, Alison & MCCULLY, Alan, op. cit., p. 37.
46
MCCULLY, Alan, op. cit., 2012, p. 155.
150 (re)construindo o passado
referências
Á.F. El PSOE pide que se quite el medallón de Franco de la plaza de España.
La Nueva España [Online]. Oviedo, 2012. Disponível em: <http://www.lne.es/
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SLATER, John. Teaching History in the New Europe. London: Cassell Council
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OS PASSADOS DOLOROSOS
NA AMÉRICA LATINA
o ensino de história e os “passados
dolorosos”:
a questão das ditaduras
na américa latina
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Press, 1978. O’DONNEL, Guillermo. Modernization and Bureaucratic Authoritarianism. Studies
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158 (re)construindo o passado
2
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3
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tatyana de amaral maia et al. 159
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www.memoriaenelmercosur.educ.ar/indexbe3b.html?p=145. E o Informe Retting, em http://www.
ddhh.gov.cl/ddhh_rettig.html. Acessos em 06 de abril de 2015.
160 (re)construindo o passado
6
NAPOLITANO, Marcos. História e Música. Belo Horizonte: Autêntica, 2002; NAPOLITANO,
Marcos. Fontes audiovisuais: história depois do papel. In: PINSKY, Carla. Fontes Históricas. São
Paulo: Contexto, 2005. p. 235-290; HERMETO, Miriam. Canção popular brasileira e ensino de
história: palavras, sons e tantos sentidos. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
162 (re)construindo o passado
7
A presença da defesa da democracia nos discursos dos militares foi analisada em COICAUD,
Jean-Marc. L’Introuvable démocratie autoritaire. Les dictatures du Cône sud: Uruguay, Chili
Argentine (1973-1982). Paris: L’Harmattan, 1996.
tatyana de amaral maia et al. 163
a reorganização do estado
Continua em aberto a discussão, no campo da História, sobre a natureza
das modificações que o Estado sofreu durante os regimes militares e as
dinâmicas institucionais que se instauraram em âmbito jurídico e legisla-
tivo, algumas delas permanecendo, inclusive, como “entulho autoritário”
até os dias de hoje (exemplo disso são as leis chilenas, muitas delas insti-
tuídas durante a ditadura e ainda vigentes). Nesse caso é importante que
o professor ajude seus alunos a separar os conceitos de Estado, regime e
governo, frequentemente confundidos no cotidiano.9
8
PADRÓS, Enrique Serra. Como el Uruguay no hay... Terror de Estado e Segurança Nacional -
Uruguai (1968-1985): do Pachecato à Ditadura Civil-Militar. Tese de doutorado em História, UFRGS:
2005, pp.128-130.
9
Neste sentido, sugerimos as leituras dos verbetes respectivos em BOBBIO, Norberto (org).
Dicionário de Política. Brasília: Ed. UNB, 1990 (2 volumes).
166 (re)construindo o passado
10
O’DONNEL, Guillermo. El Estado Burocrático Autoritario. Buenos Aires: Editorial de Belgrano,
1982.
11
TOURAINE, Alain. Palavra e Sangue. Política e sociedade na América Latina. Trad. Iraci D.
Poleti. São Paulo: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1989. p. 431.
tatyana de amaral maia et al. 167
12
CODATO, Adriano. Uma história política da transição brasileira. Revista Sociologia e Política,
n. 25, pp. 83-106, 2005.
13
DUHALDE, Eduardo Luis. El Estado Terrorista Argentino. Quince años después, una mirada
crítica, Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires, 1999. pp. 207-251.
168 (re)construindo o passado
a transição negociada
A história dos processos de transição democrática talvez seja de abordagem
mais trabalhosa em sala de aula que a própria história dos regimes mili-
tares, dada a menor quantidade de estudos, comparativamente, existente
sobre essa temática.15
Inicialmente, é preciso esclarecer, junto aos alunos, que já nos primei-
ros anos dos períodos de regimes autoritários, iniciaram-se processos de
resistência democrática em várias esferas sociais. Tais processos foram
fundamentais para o enfraquecimento e o fim dos regimes militares em
diversos países, bem como para as mobilizações e conquistas que se segui-
ram: a reorganização dos partidos políticos, do movimento sindical e do
movimento estudantil, o recrudescimento das pressões civis pela punição
aos militares e pelo reconhecimento oficial dos mortos e desaparecidos
durante o regime, as reivindicações populares no contexto da recessão
14
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). São Paulo: EDUSC, 2005.
15
Parte da discussão que realizamos desse período provém de um texto publicado por Mariana
Villaça como apoio didático, no link “Ensino” do site da Associação Nacional de Pesquisadores
e Professores de História das Américas (ANPHLAC), que oferece, aos professores, sugestões
bibliográficas e propostas de análise de documentos históricos relacionados a diversos períodos
da história das Américas. Disponível em <http://anphlac.fflch.usp.br/redemocratizacao>. Acesso
em: 1 maio 2015.
tatyana de amaral maia et al. 169
16
MARCHESI, Aldo; Markarian, Vania; Rico, Álvaro; YAFFÉ, Jaime (orgs.). El presente de la
dictadura: Estudios y reflexiones a 30 años del Golpe de Estado en Uruguay, Montevidéu: Trilce,
2004. pp. 69-73.
17
Os decretos são os de número 157 e 158, de 1983, que atribuíam responsabilidade pelos “exces-
sos” a membros das Forças Armadas e movimentos guerrilheiros. A Comisión Nacional para los
Desaparecidos, responsável pelo mencionado relatório, havia sido criada na Argentina também
em 1983, em dezembro. LVOVICH, Daniel, op. cit., p 51. ERRANDONEA, J., op. cit., p. 35.
172 (re)construindo o passado
18
Para que o professor tome contato com esta discussão, sugerimos: CAPELATO, Maria Helena.
Imprensa e história do Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, 1988. 78 p.
178 (re)construindo o passado
19
Ver: QUADRAT, Samantha V. A emergência do tema dos direitos humanos na América Latina.
In: FICO, Carlos (et al.). Ditadura e democracia na América Latina. Balanço Histórico e perspectivas.
Rio de Janeiro: FGV, 2008. p. 361-391.
tatyana de amaral maia et al. 181
20
Ver algumas descrições em: JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem: os interrogatórios
na Operação Bandeirante e no DOI de São Paulo (1969-1975). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional/
São Paulo: Edusp, 2013.
182 (re)construindo o passado
21
NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: indústria cultural e engajamento político na
MPB (1959-1969). São Paulo: Annablume/FAPESP, 2001 (disponível em www.academia.edu);
ARAUJO, Paulo Cesar. Eu não sou cachorro, não. Música popular cafona e ditadura militar. Rio
de Janeiro, Record, 2001.
tatyana de amaral maia et al. 183
22
XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
23
Ver lista ampla de filmes sobre a ditadura e suas respectivas fichas técnicas em http://histo-
riaeaudiovisual.weebly.com/levantamentos-filmograacuteficos.html.
184 (re)construindo o passado
24
Para uma visão introdutória sobre a ditadura argentina no cinema, ver o artigo de PASSETTI,
Gabriel. Filmografia recente sobre a ditadura argentina. Disponível em <http://www.klepsidra.
net/klepsidra16/argentina.htm>, acessado em 16 de abril de 2015.
tatyana de amaral maia et al. 185
25
Alguns artistas são analisados em FREITAS, Artur. Arte de Guerrilha: vanguarda e conceitu-
alismo no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2013.
186 (re)construindo o passado
alunos. Em escolas que tenham acesso sem fio à internet de boa qualidade,
as atividades podem ser feitas a partir da sala de aula, em torno de telefones
celulares e tablets.
As sugestões de temas, textos, materiais e sítios de internet, bem como
as formas de apropriação e abordagens não substituem, obviamente, a pes-
quisa feita pelo professor e pelos alunos. Os temas relacionados às ditaduras
do Cone Sul são muito comentados, estudados, analisados e discutidos, a
partir das demandas da historiografia e da memória social. É um assunto
que mobiliza paixões políticas ainda vivas nas sociedades, nem sempre
racionalizadas. No caso específico do Brasil deste começo do século XXI,
vale lembrar que o fantasma do autoritarismo ainda ronda, com muitos
cidadãos nostálgicos e defensores da ditadura, que de forma equivocada
acreditam que só o Estado forte e ditatorial pode acabar com as mazelas da
corrupção e das negociatas políticas. Ao trabalhar com esse tema, portanto,
o professor deve ter consciência de sua responsabilidade como cidadão e
como educador, independente de suas preferências ideológicas ou partidá-
rias. Só uma cultura democrática e republicana forte, compartilhada por
partidos ou cidadãos, sejam eles de esquerda ou de direita, e trabalhada
cotidianamente nas escolas, pode nos salvar de futuros “anos de chumbo”.
cronologia básica
1964 – Golpe de Estado no Brasil, dirigido pelas Forças Armadas, com
apoio de muitos grupos civis e da maior parte da imprensa, derruba o
presidente João Goulart, acusado de promover a “subversão da ordem”.
1966 – Golpe Militar na Argentina, liderado pelo General Ongania, inspirado
pelo Golpe no Brasil. A Argentina tem uma longa história de intervenções
militares, mas a partir de 1955, as intervenções visam controlar sobretudo
grupos nacionalistas de esquerda e “peronistas”.
1969 – Rebelião popular na cidade de Córdoba, Argentina, abala o regime
militar argentino e prepara a volta de Juan Domingo Peron, grande líder
188 (re)construindo o passado
político argentino exilado desde 1955, e inicia uma fase de conflitos polí-
ticos armados entre grupos de esquerda e de direita.
1970 – Depois de várias candidaturas, o socialista Salvador Allende é eleito
no Chile, prometendo levar o país ao socialismo e nacionalizar a economia,
dentro das regras constitucionais e mantendo as liberdades democráticas.
O Exército chileno, de tradição legalista, garante a posse, mas o general Rene
Schneider, comandante legalista do Exército, é assassinado pela extrema
direita, com apoio da CIA (serviço secreto estadunidense).
1965-1975 – Entre estes anos, podemos dizer que há um ciclo de guerrilhas
nos vários países do Cone Sul, sobretudo Brasil (1967-1974), Uruguai (1965-
1973) e Argentina (1970-1975). Vários grupos de inspiração nacionalista
ou marxista enfrentam as forças da ordem e amedrontam as elites, as
classes médias e o governo norte-americano (que defendia os interesses
econômicos dos seus empresários e banqueiros) com o fantasma da “re-
volução”, sob inspiração da Revolução Cubana (1959). Em muitos casos,
como na Argentina e no Chile, a repressão paramilitar e paralegal começa
antes mesmo dos golpes de Estado.
1968 – O regime militar brasileiro promulga o Ato Institucional nº 5,
instrumento legal que permite a centralização ainda maior do poder nas
mãos do Presidente da República, que desde o golpe era ocupado sempre
por um general. A partir daí, o país mergulha nos “anos de chumbo” da
ditadura, com intensa repressão à base de sequestros, tortura, execuções
extrajudiciais, censura e desaparecimentos.
1971 – O Uruguai se vê mergulhado em grave conflito político, sobretudo
pela ação do grupo guerrilheiro “Tupamaros”, fazendo com que o Estado,
ainda sob o regime liberal-democrático, autorize operações militares de
repressão à guerrilha.
1973 – Golpes Militares no Chile e no Uruguai. No caso chileno, o presidente
Salvador Allende se recusa a deixar o palácio presidencial, que é bombar-
deado pela Força Aérea chilena, levando o mandatário eleito ao suicídio.
tatyana de amaral maia et al. 189
FICO, Carlos (et al.). Ditadura e democracia na América Latina. Balanço Histórico
e Perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 2008.
sites de internet
• Portal sobre o regime militar brasileiro, com informações e
dezenas de sequências didáticas para sala de aula: http://memo-
riasdaditadura.org.br/.
DALLARI, Dalmo. O que são direitos da pessoa. São Paulo: Brasiliense, 1981.
DORNELLES, João Ricardo. O que são direitos humanos. São Paulo: Brasiliense, 1989.
LYRA, Rubens Pinto (org.) Direitos Humanos: os desafios do século XXI. Uma
abordagem interdisciplinar. Brasília: Brasília Jurídica, 2002.
MAGALHAES, José Luís Quadros. Direitos humanos: sua história, sua garantia
e a questão da indivisibilidade. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.
MOSCA, Juan José; AGUIRRE, Luis Pérez Aguirre. Direitos Humanos. Pautas
para uma educação libertadora. Serviço “Justiça e Paz”. Petrópolis: Vozes,
1990 (1985).
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998.
TRINDADE, José Damião de Lima. Anotações sobre a história social dos direitos
humanos. In: Direitos Humanos. Construção da Liberdade e da Igualdade. São
Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1998. pp. 23-163.
1
Graduada em História pela Universidade de Buenos Aires e doutora pela Universidad Autónoma
de Barcelona no programa de Didáctica de las Ciencias Sociales. Pesquisadora docente adjunta
da Universidad Nacional de General Sarmiento e pesquisadora do CONICET (Consejo Nacional
de Investigaciones Cientificas y Técnicas), Argentina. E-mail: gonzalezamorena@gmail.com.
2
Veja-se o conceito de lutas de memória em Elizaberth Jelin: JELIN, Elizaberth. Los trabajos de
la memória. Buenos Aires: Ed. Siglo XXI, 2002.
198 (re)construindo o passado
3
Este capítulo está baseado no meu trabalho doutorado e pós-doutorado. GONZALEZ, M. P. La
historia reciente en la escuela. Saberes y prácticas docentes en torno a la última dictadura militar.
Los Polvorines: Ediciones UNGS, 2014.
Uma primeira versão deste texto foi publicada na revista RevistaTransversos, v. 02, n. 2, p. 32-52,
4
5
JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2002; VEZZETTI,
H. Pasado y presente. Guerra, dictadura y sociedad en la Argentina. Buenos Aires: Siglo XXI, 2002.
6
Em 1980 havia informes que confirmavam as denúncias dos Organismos de Diretos Humanos, por
exemplo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e as publicações do “Centro de Estudios
Legales y Sociales” (CELS) que evidenciaram o funcionamento de um Estado terrorista. No entanto,
foi nos primeiros momentos da recuperação da democracia que o conjunto da sociedade conheceu
de maneira massiva esse horror pelos depoimentos das vítimas. Não obstante, as pesquisas mais
recentes mostram como circulavam as ideias de torturas e os desaparecimentos, por exemplo,
através do humor gráfico na impressa durante a própria ditadura. LEVÍN, F. Representaciones
sobre la violencia a través del humor gráfico en la Argentina de la década de 1970. El caso del
diario Clarín. En BOHOSLAVSKY, E. et al. (comps.). Problemas de Historia Reciente del Cono Sur.
Buenos Aires: Prometeo UNGS, 2010. p. 201-222. Tomo II.
7
Criada pelo presidente Raúl Alfonsín em dezembro de 1983 para investigar as violações aos
direitos humanos durante a última ditadura militar.
8
Em abril de 1985, e por ordem do presidente Alfonsín, iniciou-se o juízo civil as cúpulas mi-
litares pela sua responsabilidade nos crimes e desaparecimentos durante a ditadura. A Câmara
Federal da Cidade de Buenos Aires sentenciou a cadeia perpétua os membros da primeira junta
militar e há prisões mais curtas ou absolvição a militares doutras juntas.
200 (re)construindo o passado
9
LORENZ, F. Recuerden argentinos: por una revisión de la vulgata procesista. En Entrepasados,
Revista de Historia, Buenos Aires, v. 28, p. 65-82, 2005.
10
“Informação redundante, macabro, hiper-realista, as descobertas de sepulturas não identificadas,
restos de desaparecidos, etc. Principalmente, certas revistas montaram-se sobre as demandas
de um mercado de leitores da época produzindo um fenômeno desinformante na medida em que
terminava produzindo a saturação e terror sustentado”. LANDI, O.; GONZÁLEZ BOMBAL, I. Los
derechos en la cultura política. En ACUÑA, Carlos & otros. Juicios, castigos y memorias. Derechos
humanos y justicia en la política argentina. Buenos Aires: Nueva Visión, 1995, p. 147-192, p. 156.
Todas as traduções das citações da bibliografia em espanhol me pertencem.
11
VEZZETTI, H. Pasado y presente. Guerra, dictadura y sociedad en la Argentina. Buenos Aires:
Siglo XXI, 2002. Cerruti, Cerruti, G. La historia de la memoria. Entre la fetichización y el duelo.
Revista Puentes, 1(3), Buenos Aires, p. 14-25, 2001.
12
Isto se consolida nos Decretos 157 e 158 de 1983, que o presidente Alfonsín firmou a cinco
dias da sua posse. O primeiro ordenava julgar os dirigentes das organizações guerrilheiras ERP
e Montoneros enquanto o segundo estabelecia a mesma coisa a respeito das três juntas militares
que governaram entre 1976 e 1983. DUHALDE, L. El Estado Terrorista Argentino. Quince años
después, una mirada crítica. Buenos Aires: Eudeba, 1999. É importante assinalar que a origem da
imagem de guerra e de dois demônios é anterior ao governo de Alfonsín. Como aponta Vezzetti,
“a representação de duas formas extremas de terrorismo de extrema-esquerda e extrema-direita,
de frente para a cena social, não nasceu com a democracia em 1983; já estava presente na visão
de muitos, às vésperas do golpe militar de 1976”. VEZZETTI, H., op. cit., 2002, p. 121. Nesse
sentido, veja-se a pesquisa de Marina Franco, Un enemigo para la nación. Orden interno, violencia
y “subversión”, 1973-1976 (Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2012).
tatyana de amaral maia et al. 201
13
VEZZETTI, H., op. cit., p. 128.
14
SÁBATO, H. La cuestión de la culpa. Revista Puentes, La Plata, año 1, n. 1, p. 14-17, 2000.
202 (re)construindo o passado
15
CRENZEL, E. La historia política del Nunca Más. La memoria de las desapariciones en la
Argentina. Buenos Aires: Siglo XXI, 2008.
16
A lei do “ponto final” estabeleceu um prazo para a apresentação de denúncias de violações de
direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar limitando a abertura de ações judiciais.
Indo contra a lei, se apresentaram reclamações e foram processados mais de 300 funcionários. A
lei da “obediência devida” impediu julgar aos quadros militares intermediários e inferiores porque
a sua ação foi parte dos princípios e das hierarquias militares em ordens de cumprimento força-
do. Finalmente, com os perdões presidenciais de 1989 foram liberados mais de 250 prisioneiros
em 1990 e outro lote de perdões beneficiou aos comandantes da junta militar julgados em 1985.
17
Embora no Brasil o termo apropriado seja “punição”, preferi manter a expressão “juicio y
castigo”, que é a utilizada pelas Mães e Avós de Plaza de Mayo.
tatyana de amaral maia et al. 203
18
Palavras dos fundamentos do decreto de indulto. Veja-se Lvovich y Bisquert (2008, p. 51-52).
19
“Escrachar” significa colocar alguém em evidência, mostrar a face de quem quer se esconder,
por exemplo, através de uma fotografia. As formas de escracho adotadas pela agrupação “HIJOS”
foram variadas: manifestações cantando e pintado, sendo uma das mais comuns a colocação de
cartazes nas casas dos repressores em que se afirma: “Perigo: aqui mora um assassino”.
20
Por exemplo, Adolfo Scilingo falou publicamente dos “voos da morte”, nos quais os prisioneiros,
ainda vivos, adormecidos e atados, eram lançados ao Rio de la Plata.
21
O general Balza expressou que a tortura e o assassinato utilizados pelas Forças Armadas
tinham sido métodos ilegítimos e, ao respeito da “obediência devida”, afirmou que “ninguém
está forçado a cumprir uma ordem imoral o que se aparte das leis”, citado em: QUIROGA, H. La
reconstrucción de la democracia en Argentina. En: SURIANO, Juan (Dir.). Dictadura y democracia
(1976-2001). Buenos Aires: Sudamericana, 2005. p. 87-153.
22
LVOVICH, D.; BISQUERT, J. La cambiante memoria de la dictadura. Discursos públicos, movi-
mientos sociales y legitimidad democrática. Los Polvorines: UNGS – Biblioteca Nacional, 2008.
CERRUTI, G. La historia de la memoria. Entre la fetichización y el duelo. Revista Puentes, 1(3),
Buenos Aires, p. 14-25, 2001.
204 (re)construindo o passado
Nessa mesma etapa, também surgiu com força outra narrativa, a dos
familiares dos membros das Forças Armadas, que exige uma “memória
completa” e o reconhecimento de culpa pelos “outros” – ou seja, da “guerri-
lha”–, o que significa que os seus crimes devem ser julgados e condenados.
Esses familiares reclamam – a partir do lugar de vítimas de crimes sub-
23
Por exemplo, “La Voluntad” de Anguita e Caparrós publicada por primeira vez em 1997.
24
LVOVICH, D.; BISQUERT, J., op. cit., p. 83.
25
CRENZEL, 2007, p. 59.
tatyana de amaral maia et al. 205
26
LVOVICH, D. Historia reciente de pasados traumáticos. De los fascismos y colaboracionismos
europeos a la historia de la última dictadura argentina. En: FRANCO, M; LEVIN, F. (Comps.).
Historia reciente. Perspectivas y desafíos para un campo en construcción. Buenos Aires: Paidós,
2007. p. 97-124.
206 (re)construindo o passado
27
Idem.
32
De fato, a ditadura fez uma reforma dos conteúdos no ano 1979 e incorporou a história contem-
porânea da argentina, mas considero que a incorporação numa matriz crítica foi nos anos noventa.
33
FINOCCHIO, S. Historia, memoria y educación en Argentina. De aprender de memoria a
enseñar para la memoria la historia reciente. En PAGÉS, J.; GONZALEZ, MP (coords.). Història,
memòria i ensenyament de la història: perspectiveseuropees i llatinoamericanes. Barcelona: Servei
Publicacions UAB, 2009. p. 83-101. FINOCCHIO, S. Entradas educativas en los lugares de la me-
moria. En: FRANCO, M; LEVIN, F. (Comps.). Historia reciente. Perspectivas y desafíos para un
campo en construcción. Buenos Aires: Paidós, 2007. p. 253-277.
208 (re)construindo o passado
34
MCyE. Argentina, Ministerio de Cultura y Educación. Ley Federal de Educación 24195. Buenos
Aires: Publicaciones del Consejo Federal de Educación, 1993.
35
MCyE. Argentina, Ministerio de Cultura y Educación. Contenidos Básicos Comunes de Ciencias
Sociales para la Educación General Básica (Ciencias Sociales Tercer ciclo). Buenos Aires: Publicaciones
del Consejo Federal de Educación, 1995. p. 199.
36
MECyT. Argentina, Ministerio de Educación, Ciencia y Técnica. Núcleos de Aprendizajes
Prioritarios. Buenos Aires: Publicaciones del Ministerio, 2004.
tatyana de amaral maia et al. 209
37
ME. Argentina, Ministerio de Educación. Ley Nacional de Educación 26206. Buenos Aires:
Publicaciones del Consejo Federal de Educación, 2006. p. 19.
38
Lvovich e Bisquert, op. cit.
210 (re)construindo o passado
39
Veja-se, por exemplo, FRANCO, M. Un enemigo para la nación. Orden interno, violencia y “sub-
versión”, 1973-1976. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2012. ______. Exilio. Argentinos
en Francia durante la dictadura. Buenos Aires: Siglo XXI, 2008. LVOVICH, op. cit.
tatyana de amaral maia et al. 211
40
PBA-DGCE. Argentina, Provincia de Buenos Aires. Dirección General de Cultura y Educación.
Historia, 6to. Año. Escuela Secundaria Orientada, 2012. p. 102.
41
Esse conceito foi trabalhado especialmente pelo politólogo Marcelo Cavarozzi. CAVAROZZI
M. Autoritarismo y Democracia. 1955-1983. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1987.
42
PBA-DGCE. Argentina, Provincia de Buenos Aires. Dirección General de Cultura y Educación.
Diseño Curricular para la Educación Secundaria 5º año: Historia, 2011. p. 20.
212 (re)construindo o passado
43
PBA-DGCE. Argentina, Provincia de Buenos Aires. Dirección General de Cultura y Educación.
Historia, 6to. Año. Escuela Secundaria Orientada, 2012.
44
FRANCO, M., op. cit.
45
Os atos escolares, de que participa toda a comunidade escolar e os pais são convidados, são
uma espécie de celebração religiosa, mas laica: os alunos, em formação, recebem a bandeira na-
cional, cantam o hino, ouvem as palavras dos diretores, e outro discurso ou representação teatral
dedicada à comemoração que geralmente é preparada por um grupo de alunos.
46
JELIN, E.; LORENZ, F. Educación y memoria: entre el pasado, el deber y la posibilidad. En:
______ (comps.). Educación y memoria. La escuela elabora el pasado. Buenos Aires: Siglo Veintiuno,
2004. p. 1-10.
47
VEZZETTI, H. Pasado y presente. Guerra, dictadura y sociedad en la Argentina. Buenos Aires:
Siglo XXI, 2002.
tatyana de amaral maia et al. 213
48
Para uma análise das efemérides, pode-se ver Gonzalez (2012).
49
GONZÁLEZ, M. P. Los profesores y la historia argentina reciente. Saberes y prácticas de docen-
tes de secundaria de Buenos Aires. Tesis doctoral. Universidad Autónoma de Barcelona, 2008;
GONZALEZ, M. P. La historia reciente en la escuela. Saberes y prácticas docentes en torno a la
última dictadura militar. Los Polvorines: Ediciones UNGS, 2014.
50
A pesquisa adotou a metodologia qualitativa e estratégia exploratória e consultou 97 professores.
O núcleo central foram 20 entrevistas com professores do ensino médio (de escolas públicas e
particulares, seculares e religiosas na área metropolitana de Buenos Aires), quatro dos quais tam-
bém eram diretores. Nesse corpus principal de entrevistas, a consulta adicionou a 60 professores
em formação inicial e 17 em formação contínua através de uma combinação de relatos escritos
e sessões de discussão. Os depoimentos dos professores foram tomados entre 2005 e 2007, mas
214 (re)construindo o passado
também pode incorporar mais depoimentos entre 2008 e 2012. Também fiz entrevistas a três
grupos de alunos de ensino médio de três escolas. Além disso, analisei lei, parâmetros curriculares,
livros didáticos, documentação escolar (programas institucionais, calendários, etc.), sugestões
didáticas (do ministério de Educação, de editoriais, sindicatos, agências de Direitos Humanos,
etc.). Além disso, visitei escolas, mantive conversas informais com vários professores e diretores,
que apontaram informações essenciais para um quadro interpretativo maior.
51
DE CERTEAU, M. La invención de lo cotidiano. Artes de hacer. México: Universidad Iberoamericana,
2007. Tomo I.
52
JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. In: Revista Brasilera de História da Educação,
São Paulo, v. 1, p. 9-43. 2001. VIÑAO, A. Sistemas educativos, culturas escolares y reformas: conti-
nuidades y cambios. Madrid: Morata, 2002.
tatyana de amaral maia et al. 215
53
TYACK, D.; CUBAN, L. En busca de la utopía. Un siglo de reformas de las escuelas públicas.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2001.
54
CHERVEL, A. Historia de las disciplinas escolares: reflexiones sobre un campo de investigación.
Revista de educación, 295, p. 59-111, 1991. GOODSON, I. La construcción social del currículum.
Posibilidades y ámbitos de investigación de la Historia del currículum. Revista de Educación,
Madrid, v. 295, p. 7-37, 1991. ________. Historia del currículum. La construcción social de las
disciplinas escolares. Barcelona: Pomares-Corredor, 1995.
55
Outros estudos sobre as práticas de ensino notaram a influência da formação de professores,
a proposta oficial, a consciência da história, a concepção historiográfica, o universo dos livros
didáticos, o campo bibliográfico próprio, as exclusões (rejeições ou omissões significativas), e o
saber fazer como os espaços onde os professores vão “a fim de levar os conceitos que lhe permitem
construir o seu próprio discurso e encontrar a sua fonte de legitimidade”. FINOCCHIO, S; LANZA,
H. ¿Cómo se conforma la práctica docente? Una aproximación a los ámbitos que constituyen el
discurso de los profesores de historia del nivel medio. LANZA, H.; FINOCCHIO, S. Curriculum
presente, ciencia ausente. Buenos Aires: FLACSO/ CIID – Miño y Dávila Editores, 1993, p. 101-181,
p. 102. Tomo III. Para a pesquisa apresentada aqui, voltei para essas áreas, mas também enfatizo
a importância dos aspectos biográficos e contextuais nas práticas de ensino.
56
FISH, S. ¿Hay un texto en esta clase? In: PALTI, E (comp.). Giro lingüístico e historia intelectual.
Buenos Aires: UNQUI, 1998. p. 217-236.
216 (re)construindo o passado
etc. Por exemplo, não parece acidental que um professor que estava “no meio
dos guerrilheiros e dos militares” em sua juventude hoje proponha um debate
em sala de aula em que os alunos leem os “dois sinos” para se aproximar aos
“dois demônios” e alcançar suas próprias conclusões. Se ontem esse professor
se sentiu “no meio”, agora não quer entrar no meio e assume um lugar neutro.
Nem parece fortuito que um professor, que viveu a ditadura em sua infância
em uma cidade que era um centro industrial que foi desmantelado, agora tra-
balhe em uma escola de uma fábrica recuperada e aponte para a importância
de priorizar a dimensão econômica no ensino da ditadura e, especialmente, a
“desindustrialização que gerou o projeto neoliberal do regime militar”.
A pesquisa também mostrou a leitura e a tradução que os professores
fazem sobre a norma escolar destinada aos conteúdos e às comemorações.
Sobre o lugar do passado recente nas aulas, os professores falam de um tema
que é ponderado, trabalhado como qualquer outro, delegado ou que não
é atingido. Assim, alguns professores disseram que, de acordo com outros
colegas do estabelecimento, hierarquizam o trabalho com a história recente;
outros que optam por trabalhar a questão, pois eles consideram que é es-
sencial para a formação de jovens; enquanto outros simplesmente porque
a normativa impõe. Outros professores dizem que “falam” sobre o tema
brevemente, muitas vezes porque os próprios estudantes o exigem; outros
delegam para seus próprios alunos a história recente através de “trabalho
prático” e “pesquisas”; enquanto alguns dizem diretamente que não é possível
ministrar o assunto, pois a quantidade de conteúdo do currículo é excessiva.
Contra esse caleidoscópio, parece claro que o lugar que os professores dão
à história recente em suas aulas está condicionado, em parte, por certas
tradições escolares no ensino da história. O passado recente é muitas vezes
evitado através da utilização de critérios cronológicos na seleção e organi-
zação do conteúdo: esta “história que não parece história”57, desconfortável
57
DE AMÉZOLA, G. La historia que no parece historia: la enseñanza escolar de la Historia del
Tiempo Presente en Argentina. Revista de Teoría y Didáctica de las Ciencias Sociales, Caracas, v.
8, p. 7-30, 2003.
tatyana de amaral maia et al. 217
58
HAUSSON, J. Los contrabandistas de la memoria. Buenos Aires: Ediciones de la Flor, 1996. p. 168.
tatyana de amaral maia et al. 219
59
SONTAG, S. Ante el dolor de los demás. Madrid: Alfaguara, 2003.
220 (re)construindo o passado
60
Retomo os conceitos da cultura normativa, pedagógica e docente que formam a cultura escolar
de Escolano. ESCOLANO, A. Los profesores en la historia. In: MAGALHÃES, J.; ESCOLANO, A.
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tatyana de amaral maia et al. 221
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Buenos Aires: Publicaciones del Consejo Federal de Educación, 1995.
1
Uma versão deste texto foi publicada na versão impressa da extinta Revista do LPH (UFOP),
em 2009, com o título “O ensino de história entre o dever de memória e o trabalho de memória”.
Agradecemos as contribuições de Andreza Cristina Ivo Pereira, Viviane dos Reis Soares e Rúbia
Fernanda Ferreira Pinto, que realizaram a pesquisa empírica com os livros didáticos, a partir da
qual construímos essa reflexão. Agradecemos também a Raquel Neves. Apoio: FAPEMIG e CNPq.
2
Professor adjunto do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). E-mail: matteuspereira@gmail.com.
3
Professora adjunta do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: miriamhermeto@gmail.com.
4
CARRETERO, Mario; ROSA, Alberto; GONZÁLEZ, Maria Fernanda et al. Ensino da história e
memória coletiva. Porto Alegre: Artmed, 2007. CITRON, Suzanne. Ensinar história hoje: a memória
perdida e reencontrada. Lisboa: Livros Horizontes, 1990.
228 (re)construindo o passado
5
RICOEUR, Paul. La mémoire, l’histoire, l’oubli. Paris: Seuil. 2000.
6
Idem.
tatyana de amaral maia et al. 229
7
Não se quer, com isso, afirmar que os autores de livros didáticos operam com as categorias epis-
temológicas dever e trabalho de memória, tais como definidas por Ricoeur. O que fizemos foi analisar
se e como eles realizam tais operações ao apresentar o tema sensível em estudo em suas obras.
8
GUIMARÃES, Manuel L. L. S. Memória, história e historiografia. In: BITTENCOURT, José Neves;
BENCHETRIT, Sara Fassa; TOSTES, Vera Lúcia Bottrel (Orgs.). História representada: o dilema dos
museus. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2003. p. 92. É importante ressaltar que essa
afirmativa não pretende endossar uma ideia de hierarquização dos saberes acadêmico e escolar,
que toma este último como mera simplificação ou transposição didática do primeiro. Alinhamo-
nos com a concepção que toma a história como disciplina escolar, com características específicas,
e não apenas relacionadas com o diálogo com a produção historiográfica (Cf. CHERVEL, 1990;
BITTENCOURT, 2004). Nesse sentido, não se pensa na relação entre ensino de história e histo-
riografia de forma hierárquica, mas dinâmica, horizontal e cooperativa.
230 (re)construindo o passado
A censura, por sua vez, é quase sempre tratada como um “ente” ho-
mogêneo e de caráter essencialmente político. Carlos Fico11 esclarece as
diferenças básicas entre a censura de diversões públicas, estabelecida
durante a Ditadura Militar, e a de propaganda política, muito anterior
ao golpe, legalizada desde 1945. O autor trata, ainda, do funcionamento
de cada uma dessas censuras, destacando o caráter moral, e não apenas
político, da censura de diversões públicas. Além disso, a censura não
agiu da mesma maneira sobre todas as linguagens artísticas e/ou meios
de comunicação. Assim sendo, o tratamento dado ao tema nesse tipo de
narrativa da arte engajada nos livros didáticos é um reducionismo – e não
apenas uma simplificação didática – da complexidade desse fato histórico.
Outro tipo de interpretação da arte engajada que aparece comu-
mente nos livros didáticos é a que a toma estritamente como forma
de oposição e/ou resistência ao regime de exceção. Nesse caso, assim
como no tipo anterior, a arte engajada não parece ter existido como
9
COSTA, Luís César Amad; MELLO, Leonel Itausiu A. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora
Scipione, Ensino Médio, 1991, p. 289.
10
MARQUES, Adhemar; BERUTTI, Flávio; FARIA, Ricardo. História: Os Caminhos do Homem.
Belo Horizonte: Editora Lê, 1991, p. 122. v. 4, 1º grau.
11
FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de
História, São Paulo, 2004, v. 24, n. 47. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbh/v24n47/
a03v2447.pdf>. Acessado em: 02 maio 2015.
232 (re)construindo o passado
12
RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do PCP à era da TV. Rio
de Janeiro: Record, 2000. VINCENT, Gérard (org.). História da Vida Privada: Da Primeira Guerra
a nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. v. 5.
13
FERREIRA, José Roberto Martins. História. São Paulo: FTD, 1997. p. 173.
14
BERUTTI, Flávio. História: Tempo e Espaço. 8ª série. Belo Horizonte: Formato Editorial,
2002. p. 259.
tatyana de amaral maia et al. 233
15
NAPOLITANO, Marcos. “Seguindo a canção”: engajamento político e indústria cultural na
MPB (1959-1969). São Paulo: Annablume/Fapesp, 2001b. VILLAÇA, Mariana Martins. Polifonia
tropical: experimentalismo e engajamento na música popular (Brasil e Cuba, 1967-1972). São
Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2004.
16
PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino. História e Vida. 8ª série. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991;
PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino. História e Vida. 8ª série. 2. ed. São Paulo: Ática, 1997; PILETTI,
Nelson; PILETTI, Claudino. História e Vida. 8ª série. 3. ed. São Paulo: Ática, 2000.
234 (re)construindo o passado
número de
linguagens artísticas
ocorrências
Música 36
Cinema 27
Teatro 25
Literatura 05
17
NAPOLITANO, Marcos. “Seguindo a canção”: engajamento político e indústria cultural na MPB
(1959-1969). São Paulo: Annablume/Fapesp. 2001b; NAPOLITANO, Marcos. A arte engajada e
seus públicos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 28, FGV, 2001a. VILLAÇA, Mariana Martins.
Polifonia tropical: experimentalismo e engajamento na música popular (Brasil e Cuba, 1967-1972).
São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2004.
tatyana de amaral maia et al. 235
número de
artistas
ocorrências
Chico Buarque 35
Geraldovandré 22
Caetano Veloso 18
Gilberto Gil 15
Glauber Rocha 13
Milton Nascimento 10
Oduvaldoviana Filho 10
Edu Lobo 08
18
NAPOLITANO, Marcos. “Seguindo a canção”: engajamento político e indústria cultural na
MPB (1959-1969). São Paulo: Annablume/Fapesp, 2001b; SOUZA, Miliandre. Do teatro militante à
música engajada: a experiência do CPC da UNE (1958-1964). São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2007. (Coleção História do Povo Brasileiro.)
19
Para o caso da censura de “Calabar, o elogio da traição”, ver HERMETO, Miriam. A dramaturgia
buarqueana e a censura dos anos 1970: dois movimentos de uma trajetória que se fez entre estra-
tégias e táticas. In: ABREU, Luciano Aronne de; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org.). Autoritarismo
e cultura política. Porto Alegre/Rio de Janeiro: EDIPUCRS/FGV, 2013. p. 65-90.
tatyana de amaral maia et al. 237
de 1984. O Brasil estava prestes a virar mais uma página da nossa história
encerrando o regime militar”. 20 Como o uso da canção é o de “ilustração
de um tempo”, ela pode não ser tomada apenas como produto cultural de
uma época, mas como premonição.
Outras interpretações foram também identificadas. São isoladas e,
nesse sentido, secundárias; por isso, não puderam ser apreendidas pela
tipologia desse texto. Por exemplo, o tropicalismo é apontado, em um dos
livros, como parte da Revolução Cultural; outro livro menciona a relação
de competitividade entre os tropicalistas e a “música de protesto” nos fes-
tivais; outro afirma que a “canção de protesto” evoluiu da bossa nova. Cabe
ressaltar, no entanto, que é nessas abordagens isoladas e minoritárias que
se pode identificar um trabalho em viés diferente com a temática da arte
engajada, menos relacionada unicamente ao dever de memória ou calcada
na lembrança voluntária de um passado recente.
De maneira geral, observamos que as referências à arte engajada nos
livros didáticos não aparentam ser calcadas em pesquisa, mas em mobi-
lização de memória dos fatos de um passado recente. O destaque de uma
certa dimensão política (político-ideológica) desse conceito parece-nos
estar ligada, em primeiro lugar, à permanência de uma narrativa de caráter
político nos livros didáticos (e no saber histórico escolar, de maneira ge-
ral). Mas também à dimensão de dever de memória que a disciplina escolar
apresenta. Dar voz aos que foram silenciados pelos processos históricos,
lembrando a ação de sujeitos históricos que não estavam no poder – e, no
caso dos estudos sobre a Ditadura Militar, que lutavam contra o arbítrio
– vem sendo uma das funções atribuídas à História como disciplina esco-
lar. No caso das interpretações sobre a arte engajada nos livros didáticos,
parece que esse dever de memória é exercido com base, essencialmente, na
memória dos autores e da equipe editorial que os produzem.
20
COSTA, Luís César Amad; MELLO, Leonel Itausiu A., op. cit., p. 301.
238 (re)construindo o passado
21
CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
22
Munakata analisa a produção industrial dos livros didáticos, apontando o conjunto de sujeitos
envolvidos na produção dessas publicações, o que diminui o peso do papel dos autores no produto
final. De maneira geral, podemos mencionar como fundamentais na dinâmica de produção do
conteúdo dos livros didáticos: revisores, ilustradores, iconógrafos, copydesks, leitores críticos,
coordenadores editoriais, entre outros. Nesse texto, adiante, esses sujeitos serão tratados como
“parceiros”. MUNAKATA, Kazumi. Livro didático: produção e leituras. In: ABREU, Márcia (Org.).
Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado de Letras, 2000. v. 1.
tatyana de amaral maia et al. 239
23
Para uma síntese das interpretações a respeito do Golpe de 1964, ver, dentre outros, FICO,
Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de História, São
Paulo, 2004, v. 24, n. 47. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbh/v24n47/a03v2447.pdf>.
Acessado em: 02 mai. 2016.
24
CAMPOS, Raymundo. História do Brasil. Ensino Médio. São Paulo: Atual, 1983.
25
CAMPOS, Raymundo. História do Brasil. Ensino Fundamental. São Paulo: Atual, 1991. v. 2.
26
ALVES, Kátia Corrêa Peixoto; BELISÁRIO, Regina Célia de Moura Gomide. História. Ensino
Fundamental. 2. ed. Belo Horizonte: Vigília, 1990. v. 4; História. Ensino Fundamental. Nova
edição ampliada. Belo Horizonte: Vigília, 1991. v. 4; História: Os Rumos da Humanidade. 8ª série.
Belo Horizonte: Vigília, 1994; Nas Trilhas da História. Ensino Fundamental. Belo Horizonte:
Dimensão, 1999. v. 4.
240 (re)construindo o passado
27
RIBEIRO, Vanise; VALADARES, Virgínia Trindade; MARTINS, Sebastião. História: Assim
Caminha a Humanidade. 8ª série. Belo Horizonte: Editora do Brasil, 1993; RIBEIRO, Vanise. Brasil:
Encontros com a história. São Paulo: Editora Brasil, 1994. v. 4; RIBEIRO, Vanise; ANASTASIA,
Carla. Brasil: Encontros com a História. Ensino Fundamental. São Paulo: Editora do Brasil, 1996.
v. 4; Brasil: Encontros com a História. Ensino Fundamental. São Paulo: Editora do Brasil, 1999.
v. 4; RIBEIRO, Vanise; TRINDADE, Virginia; MARTINS, Sebastião. História: Assim Caminha a
Humanidade. São Paulo: Editora do Brasil, 1999. v. 4.
tatyana de amaral maia et al. 241
28
COTRIM, Gilberto. História e Consciência do Brasil. Ensino Médio. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1995; História e reflexão. Ensino Fundamental. São Paulo: Saraiva, 1996. v. 4; História Global: Brasil
e Geral. Ensino Médio – Volume Único. São Paulo: Saraiva, 1997. História Global: Brasil e Geral.
Ensino Médio – Volume Único. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998; História Global: Brasil e Geral. Ensino
Médio – Volume Único. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999; Saber e Fazer História: História Geral e do
Brasil. 8ª série. São Paulo: Saraiva, 2000; História: Brasil e Geral. Ensino Médio – Volume Único.
São Paulo: Saraiva, 2000; Saber e Fazer História: História Geral e do Brasil. Mundo Contemporâneo
e Brasil República. 8ª série. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
29
PILETTI, Nelson; ARRUDA, José Jobson de A. Toda a História: História Geral e História do
Brasil. 3. ed. Ensino Médio. São Paulo: Ática, 1995; Toda a História: História Geral e História do
Brasil. 7. ed. Ensino Médio. São Paulo: Ática, 1997.
242 (re)construindo o passado
30
PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino. História e Vida. 8ª série. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991;
História e Vida. 8ª série. 2. ed. São Paulo: Ática, 1997; PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino;
História e Vida. 8ª série. 3. ed. São Paulo: Ática, 2000.
31
PILETTI, Nelson. História do Brasil. Ensino Médio e vestibulares. São Paulo: Ática, 1982;
PILETTI, Nelson. História e Vida: Brasil da independência aos dias atuais. 2. ed. São Paulo: Ática,
1990. v. 2; PILETTI, Nelson. História do Brasil: Da Pré-História do Brasil aos Dias Atuais. 13. ed.
São Paulo: Ática, 1991; PILETTI, Nelson. História do Brasil: Da Pré-História do Brasil aos Dias
Atuais. 15. ed. São Paulo: Ática, 1993; PILETTI, Nelson. História do Brasil: Da Pré-História do
Brasil aos Dias Atuais. Ensino Médio. 18. ed. São Paulo: Ática, 1996.
32
FICO, 2004; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. 1964: temporalidade e interpretações. In:
REIS, Daniel Aarão Reis; RIDENTE, Marcelo; SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. O golpe e a ditadura
tatyana de amaral maia et al. 243
34
GUIMARÃES, Manuel L. L. S., op. cit., p. 92.
tatyana de amaral maia et al. 245
35
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
36
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp,1996.
37
RICOEUR, Paul. La mémoire, l’histoire, l’oubli. Paris: Seuil, 2000.
246 (re)construindo o passado
38
RICOEUR, Paul, op. cit., p. 505.
39
Ibidem, p. 650.
40
GAGNEBIN, Jeanne-Marie. Lembrar, Escrever, Esquecer. São Paulo: Ed. 34, 2006. p. 54.
tatyana de amaral maia et al. 247
Ricoeur nos adverte, desse modo, que é necessário propor uma política
da memória equilibrada, pois o que se vê hoje é um espetáculo inquietante,
que nos apresenta, de um lado, o excesso de memória e, de outro, o ex-
cesso de esquecimento. Partindo do pressuposto de que não se tem nada
melhor do que a memória para se assegurar de que alguma coisa ocorreu,
o filósofo em questão distingue que a ambição da memória seria a fideli-
dade, enquanto que a ambição da história seria a verdade – não havendo
entre essas duas ambições uma verdade sem fidelidade e uma fidelidade
sem verdade. Há certas situações em que há um maior entrecruzamento
entre história e memória, como nos casos específicos analisados, da arte
engajada e do Golpe de 1964, interpretados pelos livros didáticos de história.
Tais reflexões teóricas nos levam a concluir que a preocupação, pre-
sente nos livros analisados em nosso trabalho, com a “verdade do passado”,
deve ser acrescida da busca de um presente que possa ser também ver-
dadeiro. Afinal trata-se, antes de tudo, de repensar a oposição simplista
entre passado e presente.
Ricoeur mostra que há certas dificuldades em relação à perspectiva
temporal curta, uma vez que o historiador escreve com a sua memória e
a de outros em presença:41 há existência de vivos no momento da explo-
ração dos documentos. Essa história questionaria o adágio: “em história
tratam os quase exclusivamente de mortos de outrora”.42 Nesse sentido,
ele considera que a história do tempo presente precisa delimitar um fim,
para que haja os mortos. Mesmo que o presente seja entendido como
sendo um período flexível, no qual há lembranças de vivos, é necessário
um sentido de fim, de uma data de término para se instaurar um corte
entre o passado e o presente, pois, para o filósofo em questão, não existiria
história até os dias atuais. Sem esse corte, não seria possível delimitar o
41
RICOEUR, Paul. Remarques d’un philosophe. ÉcrireL’Histoire du Temps Present. Paris: Seuil, 1991.
lugar dos mortos, a fim de liberar o lugar dos vivos. Mesmo com ele, aliás,
os lugares ainda podem ser confundidos.
Para o autor, o distanciamento entre história e memória se aprofunda
na fase explicativa do trabalho do historiador, em que é explorada a ques-
tão “por quê?”. O conhecimento histórico tenta fazer a articulação entre
eventos, estruturas e conjunturas, bem como a distribuição dos objetos
pertinentes da história sobre múltiplos planos (econômico, social, político,
cultural, religioso). Afirma Ricoeur que “a história não é somente mais
vasta que a memória, mas também seu tempo é folheado”.43 Tendo em vista
as questões discutidas, o filósofo afirma que essa competição não pode ser
decidida somente no plano epistemológico. O autor adverte que a Shoah,
por exemplo, é um obstáculo ao testemunho, à explicação, ao julgamento
e ao perdão, fazendo vacilar o empreendimento historiográfico. Como é
possível compreender, explicar, aceitar acontecimentos horrendos sofridos
pela humanidade? São esses acontecimentos assim, difíceis de explicar,
que colocam à prova a nossa capacidade de escuta e de compreensão. Aqui,
pois, está em jogo a memória que impede explicações, narrativas e repre-
sentações pelos traumas causados pelos acontecimentos.
Para que haja algum tipo de reconciliação e/ou reelaboração do presente
para com o passado é preciso o trabalho, o labor, um retoque ou conserto,
uma recomposição. O importante é trabalhar, laborar, elaborar, atuar de
maneira dinâmica com a colaboração. Assim o trabalho de rememoração
se coloca contra a compulsão de repetição. Importante considerar, então,
que os livros didáticos analisados contribuem para esse difícil exercício
de rememoração desse passado-presente doloroso da história do Brasil.
A partir das reflexões desse filósofo, compreendemos a memória como
a presença do ausente, como uma ponte essencial de ligação e inter-rela-
ção entre o passado e o presente. É por essa razão que a memória deve
ser considerada como matriz da história, pois ela é a guardiã da relação
43
RICOEUR, Paul, op. cit., 2000, p. 647.
tatyana de amaral maia et al. 249
considerações finais
Pode parecer desnecessário voltar a essa discussão – sobre história e me-
mória, saber histórico e saber histórico escolar – que ocupa pesquisadores
da área de ensino de História há algum tempo. Entretanto, acreditamos
que nossa pesquisa pode trazer quatro conclusões que são contribuições
para o debate.
Primeiro, ela aponta para o fato de que o cuidado com a pesquisa histó-
rica na redação de textos didáticos – que vem sendo grande, sobretudo em
tempos de PNLD – parece diminuir quando se trata de abordagens didáticas
relativas à história do tempo presente. Os livros didáticos parecem ceder,
nesse caso, à tentação da memória em detrimento da história.
Segundo, no caso específico da Ditadura Militar, que foi analisado, há
também uma questão que diz respeito a esse passado-presente traumático,
doloroso e sensível. A operação do dever de memória torna-se, ao que parece,
mais incisiva, visto que se pretende fazer justiça àqueles que não teriam
44
DOSSE, François. História e Ciências Sociais. São Paulo: EDUSC, 2004.
45
RICOEUR, Paul, op. cit., 2000.
250 (re)construindo o passado
46
ABEL, O.; CASTELLI-GATTINARA E.; LORIGA, S.; ULLERN-WEITE I. (orgs.). La juste
mémoire, Lectures autour de Paul Ricœur. Genebra: Labor et Fides, 2006; BAUSSANT, Michèle
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tatyana de amaral maia et al. 251
47
GAGNEBIN, op.cit., 2006.
48
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252 (re)construindo o passado
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Ática, 1991.
PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino. História e Vida. 8ª série. 3. ed. São Paulo:
Ática, 2000.
RIBEIRO, Vanise. Brasil: Encontros com a história. São Paulo: Editora Brasil,
1994. v. 4.
258 (re)construindo o passado
______. Brasil: Encontros com a História. Ensino Fundamental. São Paulo: Editora
do Brasil, 1999. v. 4.
SANTOS, Maria Januaria Vilela. História do Brasil. 6ª série. 16. ed. São Paulo:
Ática, 1984.
SCHMIDT, Mario. Nova História Crítica do Brasil. 2º Grau. 3. ed. São Paulo: Nova
Geração, 1994.
______. História Crítica do Brasil. 2º Grau. São Paulo: Nova Geração, 1998.
TEIXEIRA, Francisco M. P. História do Brasil. 6ª série. São Paulo: Editora Ática, 1980.
os passados dolorosos
no ensino de história:
trauma, memória e direitos humanos1
1
Este artigo é parte das reflexões realizadas no meu pós-doutorado em História na Universidade do
Porto, financiado pelo Programa de Bolsas de Pós-Doutorado no Exterior, Capes, Brasil (2014-2015).
2
Professora adjunta do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Pós-Doutorado em História
na Universidade do Porto, Portugal (2014) e na Universidade Federal Fluminense (2012). Doutora
em História pela UERJ (2010).
3
O parecer de Rodrigo Janot foi amplamente divulgado pelos principais jornais do país: “O
Globo”, edição online, acesso em 29/08/2014: <http://oglobo.globo.com/brasil/procurador-geral-
-da-parecer-favoravel-revisao-da-lei-da-anistia-13762881>; “A Folha de São Paulo”, edição online,
acesso em 29/08/2014: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/08/1507661-procurador-ge-
ral-pede-punicao-por-crimes-da-ditadura.shtml>; “O Estado de São Paulo”, edição online, acesso
em 29/08/2014: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,procurador-geral-da-republica-
-defende-em-parecer-rever-lei-da-anistia,1551255>.
260 (re)construindo o passado
4
O Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH – Pacto de São José
da Costa Rica) em novembro de 1992 e, nesse quadro, é obrigado a cumprir as decisões da referida
Corte. Até a presente data, o Estado brasileiro pouco fez no cumprimento desta sentença, o que
originou a ADPF promovida pelo partido PSOL.
5
Os familiares das vítimas da ditadura, os ex-perseguidos políticos, grupos de Direitos Humanos
e pesquisadores demonstram os limites do processo de justiça de transição adotado no Brasil. O
tatyana de amaral maia et al. 261
pleno acesso à informação e a revisão da Lei da Anistia, ambos considerados pelos pesquisadores
necessários para a promoção da justiça e punição dos culpados, ainda são temas nevrálgicos
tratados de forma reticente pelos sucessivos governos do período democrático. Ver: TELES, J.
Os herdeiros da memória: A luta dos familiares de mortos e desaparecidos políticos por verdade
e justiça no Brasil. 2005. Dissertação (Mestrado em História) – FFLCH, USP. São Paulo, 2005.
6
ROSITO, João Baptista Alvares. Anistia política, reparação econômica e justiça de transi-
ção: um estudo etnográfico das medidas brasileiras compensatórias por violações de Direitos
Humanos à época da ditadura militar. In: III REUNIÃO DO GRUPO DE ESTUDOS SOBRE
INTERNACIONALIZAÇÃO DE DIREITOS E JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO, 2010, São Paulo. Anais...
USP, 2010. pp.1-27, p. 4. Disponível em: <https://idejust.files.wordpress.com/2010/04/ii-idejus-
t-rosito.pdf>. Acesso em: 10/08/2015.
262 (re)construindo o passado
7
TELES, Janaína Almeida. A abertura dos arquivos da ditadura militar e a luta dos familiares
de mortos e desaparecidos políticos no Brasil. Comunicação oral no evento: Direito, Censura e
Imprensa após a vigência da Constituição Federal de 1988. Universidade 9 de Julho (Uninove), 7 de
fevereiro de 2006. pp. 1-2, disponível em <http://diversitas.fflch.usp.br/files/a%20abertura%20
dos%20arquivos%20da%20ditadura.pdf>. Acesso em: 08 set. 2015.
8
MEZAROBBA, Glenda. Do que se fala quando se diz Justiça de Transição? Revista Brasileira de
informação bibliográfica em Ciências Sociais. São Paulo: Ed. Hucitec, n. 67, 2009, pp. 111-122. p. 113
9
Os passados dolorosos são aqueles que ainda geram conflitos no presente, que não passam, de
difícil reconciliação coletiva, sensíveis apesar de passados, altamente disputados pelas batalhas
de memória, alvos de disputas políticas, éticas e morais. Esses passados deixam marcas que
dificultam a reconciliação nacional. O conceito de passados dolorosos deste capítulo segue os
apontamentos de Elizabeth Jelin e Tzvetan Todorov. JELIN, Elizabeth. Los Trabajos de la memória.
Buenos Aires: Ed. sigloveintiuno, 2002; TODOROV, Tzvetan. Los abusos de la memória. Barcelona:
Ediciones Paidós Ibérica, 2000.
10
MEZAROBBA, Glenda. 2009. op. cit., pp. 111-122.
tatyana de amaral maia et al. 263
11
CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Os arquivos e o acesso à verdade. In: SANTOS, Cecília
MacDowell (org.). Desarquivando a ditadura. Memória e Justiça no Brasil. São Paulo: Ed. Hucitec,
2009. pp. 424-443, p. 425.
12
PADRÓS, Enrique Serra. Ditadura brasileira: verdade, memória e... Justiça? Historiae: revista
de história da Universidade Federal do Rio Grande, v. 3, p. 65, 2012. p. 6.
264 (re)construindo o passado
13
Vários pesquisadores insistem que desde a Lei da Anistia prevaleceu a adoção de uma intencio-
nal política de esquecimento no Brasil. Ver: GRECO, Heloisa Amélia. A dimensão trágica da luta
da Anistia. In: SANTOS, Cecília et al. Desarquivando a ditadura: memória e justiça no Brasil. São
Paulo: Ed. Hucitec, 2009, pp. 524-540, p. 528; TELES, Janaína Almeida. Entre o luto e a melanco-
lia: a luta dos familiares de mortos e desaparecidos políticos no Brasil. In: SANTOS, Cecília et al.
Desarquivando a ditadura: memória e justiça no Brasil. São Paulo: Ed. Hucitec, 2009, pp. 151-178.
14
A primeira versão da Base Nacional Comum Curricular foi apresentada em 16 de setembro de
2015 e esteve disponível no site do MEC para apreciação e participação da sociedade em geral até
tatyana de amaral maia et al. 265
15 de março de 2016. . O documento prevê que 60% dos conteúdos ministrados sejam unificados
e tem na interdisciplinaridade uma das suas principais diretrizes. A proposta preliminar da
BNCC coloca a introdução dos Direitos Humanos como tema transversal obrigatório nas salas
de aulas. No que se refere à justiça de transição no Brasil, a temática é ausente da lista de con-
teúdos da educação básica. O mais próximo dessa temática é o item CCHI9FOA137 (“Conhecer
e compreender o processo de abertura política como resultado de demandas da sociedade civil
organizada, por meio do estudo das condições sociais no campo, das propostas de reformulação
da educação e dos movimentos culturais urbanos”, p. 259). Essa abordagem, no entanto, apaga
os conflitos do processo, uma vez que não opera com o papel do Estado, de condutor de uma
“transição negociada” que não atendeu sequer suficientemente às demandas da sociedade civil
organizada. Ver: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/conhecaDisciplina?discipli-
na=AC_CIH&tipoEnsino=TE_EM>, acesso em: 09 out. 2015.
15
O projeto tem como um dos seus pontos mais polêmicos a alteração da organização curricular
com a possibilidade de perda da autonomia das disciplinas, diluindo-as em quatro grandes áreas
do conhecimento: linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas.
266 (re)construindo o passado
16
GRECO, Heloísa, op. cit., pp. 524-540.
17
MEZAROBBA, Glenda, op. cit., 2009, p. 111.
tatyana de amaral maia et al. 267
18
BRITO, Alexandra Barahona. Introdução. In: BRITO, Alexandra Barahoma; ENRIQUEZ-
GONZALEZ, Carmen; FERNANDEZ, Paloma Aguilar. Política da memória: verdade e justiça na
transição para a Democracia. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2004. p. 12.
19
FICO, Carlos. Brasil: a transição inconclusa. In: FICO, Carlos; ARAÚJO, Maria Paula; GRIN,
Mônica. Violência na História: memória, trauma e reparação. Rio de Janeiro: Ponteio, 2012.
268 (re)construindo o passado
Inicia-se, então, como afirma Jelin, uma batalha pelas memórias entre
aqueles que desejam o esquecimento, argumentando sobre a necessidade
de reorganizar as instituições e construir uma reconciliação a partir de
um projeto de futuro que desconsidere o passado; aqueles que pretendem
igualar as ações violentas e sistemáticas do Estado e dos grupos opositores,
ainda insistindo na no valor da atitude daqueles que cumpriram o seu de-
ver a favor da “ordem”; e as vítimas sobreviventes, familiares das vítimas
e grupos de defesa dos direitos humanos, que exigem que as memórias
subterrâneas sejam amplamente reconhecidas e os responsáveis sejam
punidos pela justiça.22 No Brasil, como propõe Mezarobba, apenas setores
20
POLLAK, Michel. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 2,
n. 3, pp-3-15, p. 4, 1989.
21
JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memória. Buenos Aires: Ed. Siglo XXI, 2002. p. 42-43,
tradução livre.
22
Idem, p. 4.-5
tatyana de amaral maia et al. 269
23
VASCONCELOS, Daniela. Autoritarismo, direitos humanos e redemocratização: uma análise
comparativa da justiça de transição no Brasil e na Argentina. Revista Andina de Estudios Políticos,
v. III, n° 1, 2013. pp. 134-165, p. 156.
270 (re)construindo o passado
24
JELIN, Elizabeth, op. cit., p. 61.
25
MEZAROBBA, Glenda. O preço do esquecimento: as reparações pagas às vítimas do regime militar.
2007. 470f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007. p. 11; BRITO, Alexandra Barahona. Verdade, Justiça,
memória e democratização no cone sul na América Latina. In: BRITO, Alexandra, GONZÁLEZ-
ENRÍQUEZ, Carmen; FERNÁNDEZ, Paloma Aguilar. Política da memória: verdade e justiça de
transição para a Democracia. Lisboa: Ed. Imprensa de Ciências Sociais/Universidade de Lisboa,
2004. pp. 155-194; PADRÓS, Enrique Serra. Ditadura brasileira: verdade, memória e... justiça?
Historiae, Rio Grande, 3 (3), 2012. pp. 65-84.
tatyana de amaral maia et al. 271
26
Só em 2011 foi criada a Comissão Nacional da Verdade, CNV, pela Presidente da República,
Dilma Rousseff, As atividades da Comissão foram iniciadas em maio de 2012. No final de 2014, a
CNV apresentou seu relatório final à Presidência da República. c. Ver: www.cnv.gov.br (acesso
em 1º de setembro de 2015).
27
MEZAROBBA, G., op. cit., 2007, p. 15; GRECO, H. Dimensões fundacionais da Luta pela
Anistia. 2003. 559 fl.Tese (Doutorado em História). Departamento de História, UFMG, Belo
Horizonte.2003. p. 25.
28
MEZAROBBA, op. cit., 2007, p. 14.
272 (re)construindo o passado
29
LAFER, Celso. Justiça, História e Memória: reflexões sobre a Comissão da Verdade. In: FICO,
Carlos; ARAÚJO, Maria Paula; GRIN, Mônica (org.). Violência na História: memória, trauma e
reparação. Rio de Janeiro: Ponteio, 2012. pp. 9-22. Ver também o documentário produzido pela
TV Senado, “Em busca da Verdade”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=BUi-
FjNBP77Y>. Acesso em: 10 out. 2015.
30
GRECO, Heloísa Amelia. A dimensão trágica da luta pela anistia. In: SANTOS, Cecília Macdowell;
TELES, Edson; TELES, Janaína. Desarquivando a ditadura. Memória e justiça no Brasil. São Paulo:
Ed. Hucitec, 2009. pp. 524-540, p. 537.
tatyana de amaral maia et al. 273
31
LAFER, Celso, op. cit.
32
MEZAROBBA, Glenda. Anistia de 1979: o que restou da lei forjada pelo arbítrio? In: SANTOS,
Cecília Macdowell; TELES, Edson; TELES, Janaína. Desarquivando a ditadura. Memória e justiça
no Brasil. São Paulo: Ed. Hucitec, 2009. pp. 372-385, p. 382.
33
GRECO, Heloísa Amélia. A dimensão trágica da luta pela anistia. In: SANTOS, Cecília Macdowell;
TELES, Edson; TELES, Janaína. Desarquivando a ditadura. Memória e justiça no Brasil. São Paulo:
Ed. Hucitec, 2009. pp. 524-540, p.536.
274 (re)construindo o passado
34
MACIEL, Carla. Relatório mostra que mortes por ação policial em SP quase dobraram em 2014.
Reportagem publicada pela Agência Brasil em 29/01/2015. Disponível em: <http://agenciabrasil.
ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2015-01/relatorio-mostra-que-mortes-por-acao-policial-
-no-rj-quase-dobraram>. Acesso em: 09 out. 2015.
276 (re)construindo o passado
35
GOODSON, Ivor. A construção social do currículo. Lisboa: Educa, 1997; NÓVOA, Antônio. Formação
de professores e trabalho pedagógico. Lisboa: Educa, 2002; SILVA, Tadeu Tomaz. Documentos de
identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autentica, 1999.
36
MONTEIRO, Ana Maria. A história ensinada: algumas configurações do saber histórico escolar.
História e Ensino, Londrina, v. 09, pp. 37-62, outubro de 2003.
37
GOODSON, Ivor, op. cit., p. 27.
tatyana de amaral maia et al. 277
38
SILVA, Tadeu, op. cit., p. 15.
39
Sobre a pesquisa, em que metade dos entrevistados afirma que bandido bom é bandido
morto, ver a reportagem publicada no site G1, em 05 de outubro de 2015: <http://g1.globo.com/
sao-paulo/noticia/2015/10/para-metade-do-pais-bandido-bom-e-bandido-morto-diz-datafolha.
html>. Acesso: 13 out. 2015.
40
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso: 05 out. 2015.
278 (re)construindo o passado
41
UNESCO. Plano de ação. Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos. Unesco,
Brasília, 2012. Publicado originalmente em 2006. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/
images/0014/001478/147853por.pdf>. Acesso em: 1º de junho de 2015. O Programa Mundial
buscou aprimorar as ações do período de 1995-2004, a Década das Nações Unidas para Educação
em Direitos Humanos, cuja ação foi considerada limitada pela própria ONU, p. 4.
42
Idem, p. 5.
280 (re)construindo o passado
43
PADRÓS, Enrique Serra, op. cit., p. 80.
44
Sobre a discussão acerca das limitações do ensino em Direitos Humanos e seu caráter eminen-
temente retórico, ver: ESTEVÃO, Carlos Alberto Vilar. Democracia, justiça e direitos humanos:
´pontos cegos` do discurso humanista na era dos mercados. Revista Portuguesa de Educação, v. 26,
p. 179-201, 2013.
tatyana de amaral maia et al. 281
47
FROTA, Matheus. Políticas públicas internacionais e nacionais em Educação em Direitos Humanos:
configuração e função social no contexto da crise estrutural do capital. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Universidade Estadual de Maringá, 2014.
48
BENEVIDES, Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos: de que se trata?. Palestra de
abertura do Seminário de Educação em Direitos Humanos, em São Paulo, 18/02/2000. Disponível
em: <http://hottopos.com/convenit6/victoria.htm>. Acesso em: 20 ago. 2014.
tatyana de amaral maia et al. 283
49
Na discussão proposta originalmente por Elizabeth Jelin, a relação entre “nós” e o “Outro” está
relacionada ao uso e abuso das memórias. O abuso das memórias ocorreria pela singularização
das experiências vividas, encerrando-as nos indivíduos que sofreram o horror, concebendo a
memória como um fim em si mesma. Jelin propõe repensar a relação “nós” e o “Outro” na ten-
tativa de superar essa memória literal, incluindo o interlocutor na discussão e produzindo uma
memória exemplar. Neste capítulo, nos apropriamos e deslocamos essa discussão propondo que
essa relação de um “nós” que inclui, ao invés de separar rigidamente “nós” e o “Outro”, pode
sensibilizar os indivíduos, pelo sentimento de pertencimento a uma mesma comunidade, para o
respeito aos direitos humanos, considerados um valor inegociável (JELIN, Elizabeth, op. cit., p. 59).
284 (re)construindo o passado
referências
BRASIL. Ministério da Educação/Secretaria de Articulação com os Sistemas
de Ensino. Plano Nacional de Educação. Brasilia: MEC, 2014.
FICO, Carlos. Brasil: a transição inconclusa. In: FICO, Carlos; ARAÚJO, Maria
Paula; GRIN, Mônica. Violência na História: memória, trauma e reparação. Rio
de Janeiro: Ponteio, 2012.
JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memória. Buenos Aires: Ed. Siglo XXI, 2002.
MACIEL, Carla. Relatório mostra que mortes por ação policial em SP quase dobraram
em 2014. Reportagem publicada pela Agência Brasil em 29/01/2015. Disponível
em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2015-01/rela-
torio-mostra-que-mortes-por-acao-policial-no-rj-quase-dobraram>. Acesso
em: 09/10/2015.
MEZAROBBA, Glenda. Anistia de 1979: o que restou da lei forjada pelo arbítrio?
In: SANTOS, Cecília Macdowell; TELES, Edson; TELES, Janaína. Desarquivando
a ditadura. Memória e justiça no Brasil. São Paulo: Ed. Hucitec, 2009. pp. 372-385.
http://livrariaedipucrs.pucrs.br/
tipografia Gandhi Sans
número de páginas 292
ano 2016