You are on page 1of 34

MUNDO CAIPIRA,

CULTURA NACIONAL:
ALMEIDA JÚNIOR
BIOGRAFIA
Biografia

- Em 1850, nasce em Itu, interior de São Paulo, José


Ferraz de Almeida Júnior

- Artista precoce.

- Aos 19 anos, com a ajuda (financeira) de padre Miguel


Correa Pacheco, Almeida Júnior embarca para o Rio de
Janeiro, a fim de completar seus estudos.

- Em 1869, já se encontrava inscrito na Academia


Imperial de Belas Artes. Foi aluno de Jules Le Chevrel,
Victor Meirelles e, possivelmente, Pedro Américo.
Biografia

- Diversas crônicas relatam que seu jeito simplório e


linguajar matuto causavam espanto aos membros da
Academia.

Nas palavras de Gastão Pereira da Silva:

“Era o mais autêntico e genuíno representante do tradicional tipo paulista.


Mas sem nenhum traquejo de homem de cidade. Falava como os
primitivos provincianos e tal qual estes vestia-se, andava, retraía-se. Mas
isso não impediria que fizesse um curso brilhantíssimo, durante o qual
recebeu diversas premiações em desenho figurado, pintura histórica e
modelo vivo, inclusive, em 1874, a grande medalha de ouro com o quadro
Ressurreição do Senhor.”
Biografia

- Após concluir o curso, Almeida Júnior opta por não


concorrer ao prêmio de viagem à Europa. Retorna a Itu e
abrie ateliê nessa cidade, passando a trabalhar como
retratista e professor de desenho.
- Em 1876, durante uma viagem ao interior paulista, D.
Pedro II, impressionado com seu trabalho, oferece
pessoalmente a Almeida Júnior o custeio de uma viagem a
Europa, para aperfeiçoar seus estudos.
- Em novembro de 1877, Almeida Júnior parte para a
França e, no mês seguinte, matricula-se na École National
Supérieure des Beaux-Arts.
- Almeida Júnior permanece em Paris até 1882.
Biografia

- De volta ao Brasil, no seu último período, Almeida Júnior


substituiu progressivamente os temas bíblicos e históricos
pelas obras de temática regionalista, justamente as que lhe
granjeariam no futuro sua posição de precursor do Realismo
na história da arte brasileira.

- Em pinturas como Caipira Picando Fumo (1893),


Amolação Interrompida (1894) e O Violeiro (1899), o
artista revela seu desejo de aproximar-se do cotidiano do
homem do interior, distanciando-se das fórmulas
generalistas da pintura acadêmica e aproximando-se cada
vez mais da abordagem pictórica naturalista de desenho.
O SOL NO MEIO DO
CAMINHO
Almeida Jr.
“Caipira Picando
Fumo” - (Estudo)
1893
Almeida Jr.
“Caipira Picando
Fumo” (trabalho
final) - 1893
O sol no meio do caminho,
por Rodrigo Naves

“O sol forte não parece incomodar o homem sentado nos


degraus da casa. Uma tarefa singela concentra toda sua
atenção: picar fumo, atender a um pequeno vício. Não se
trata propriamente de trabalho. E sua concentração
corresponde ao aspecto caprichoso da atividade. Absorto,
suas feições não revelam a tensão de quem necessita
alcançar um objetivo preciso. Basta se deixar levar pelos
movimentos conhecidos das mãos. O alheamento reduz
sua presença física e torna-o menos suscetível ao calor,
em proveito de um momento de intimidade, de quem se
vê entregue ao ritmo errante das divagações. Ao fundo, a
porta entre aberta e a sombra do interior da habitação
reforçam a atitude ensimesmada do caipira, como se o
abrigo físico da casa ecoasse a proteção evocada pelo
recolhimento psicológico, numa quase figuração do que
costumamos chamar ‘interioridade’.”
O sol no meio do caminho,
por Rodrigo Naves

“(...) Apenas essa intimidade protetora separa de maneira


mais acentuada o caipira do ambiente em que se encontra e
o resguarda da indiferenciação que permeia toda a tela. A luz
forte e os tons muito aproximados tendem a romper
ameaçadoramente a distância entre todos os elementos do
quadro. Cultura e natureza, homem e coisas têm traços
demais em comum, e quase poderiam estar um no lugar do
outro. O chão do terreiro se transporta com pouquíssimas
nuances para a parede de pau-a-pique. E entre terra e terra
as separações são também muito rústicas: degraus toscos e
carcomidos pelo tempo,apoiados em estacas precárias, um
madeirame que já deixa para trás as marcas do trabalho
humano e retorna à condição natural.”
O sol no meio do caminho,
por Rodrigo Naves

“(...) Fisicamente, também o homem se distancia pouco


desse meio rude. A roupa simples está gasta como aquilo
que o cerca. A camisa branca — cortada pobremente, sem
botões, em lugar de realçar a figura humana, torna mais
forte a luz do sol, que age sem piedade sobre seu corpo. As
palhas de milho espalhadas pelo chão têm um tom
semelhante ao da camisa e ajudam — em sua dispersão —
a reforçar a precariedade da vestimenta. As calças,
sobretudo a perna direita, têm manchas de terra.”
O sol no meio do caminho,
por Rodrigo Naves

“(...) Nada se afasta definitivamente do chão. As partes


descobertas do corpo do caipira também têm um tom
próximo ao da terra. Crestada pelo sol, sua pele revela a
aspereza da vida passada compulsoriamente junto à
natureza. As mãos e, sobretudo, os pés sofreram no
contato constante com o meio, e se deformaram,adquirindo
um aspecto erodido e arredondado dos elementos
submetidos longamente à força dos elementos. Nesta tela
o homem sofre o meio, em vez de determiná-lo.”
O sol no meio do caminho,
por Rodrigo Naves

“(...) O sol é o grande personagem deste ‘Caipira picando


fumo’. O homem que se ajeita meio a gosto na porta da
casa pode até conviver bem com ele. Mas não está a sua
altura. O cismar que o protege também o impede de agir
e o que domina o quadro é a exterioridade majestosa da
luz e do calor que parecem apenas tolerar a presença
daquilo que ainda não foi reduzido a eles. Essa ênfase no
meio natural põe esta obra de Almeida Júnior em contato
com uma série de manifestações culturais daquele
período, como o naturalismo e o determinismo biológico.”
O sol no meio do caminho,
por Rodrigo Naves

“(...) O realismo de Almeida Junior é comparável ao de


Courbet, em quase todas suas telas regionalistas — que
não se reduzem a uma única fase de sua produção —
enfatizam essa relação complexa com o meio. Como
mostram Apertando o lombilho (1895), Cozinha caipira
(1895), mas também Derrubador brasileiro (1879),
Caipiras negaceando (1888), Saudade (1899), Nhá
Chica (1895), Amolação interrompida (1894) e mesmo
Violeiro (1899).”
Apertando o Lombilho, 1895
Cozinha Caipira, 1895
O sol no meio do caminho,
por Rodrigo Naves

“Monteiro ao falar de Almeida Júnior diz: “Exerce entre nós


a missão de Courbet na França. Pinta, não o homem, mas
um homem — o filho da terra, e cria com isso a pintura
nacional em contraposição à internacional dominante”. E
um pouco adiante: “Nunca foi senão Almeida Junior no
indivíduo; paulista na espécie; brasileiro no gênero”. Como
se vê, tratava-se quase de um desdobramento biológico,
em que da semente chegava-se à flor (arte), passando
pela planta (o povo, a história).”

Rodrigo Naves
JECA TATU DE
MONTEIRO LOBATO
Jeca Tatu de Monteiro Lobato,
por Roberto Bitencourt

- A partir do século XIX, a produção literária brasileira não


poupou esforços em buscar as origens, as características e
o sentido da formação nacional que ainda dava os seus
primeiros passos como coletividade e território
juridicamente soberanos.
Jeca Tatu de Monteiro Lobato,
por Roberto Bitencourt

- No processo de construção de uma visão de Brasil e dos


brasileiros, a primeira a obter repercussão foi, no seio do
campo literário, o Romantismo Indianista, de José de
Alencar, que converteu a figura do índio em símbolo do
povo brasileiro.

- Influenciado pela concepção do estado de natureza


humano, a imagem do índio desenhada por Alencar tinha
em vista consagrar uma pretensa bondade do brasileiro e
evidenciar as raízes do país, em marcante posição
antilusitana.
Jeca Tatu de Monteiro Lobato,
por Roberto Bitencourt

Romantismo Indianista,
de José de Alencar
JECA TATU
A “VELHA PRAGA”
Jeca Tatu
a “velha praga”
Jeca Tatu – a “velha praga”

- Lançado ao público em 1914, em artigo publicado no


jornal ‘O Estado de S. Paulo’ intitulado "Velha praga", o
personagem revela a ótica pela qual Lobato enxergava o
trabalhador rural: um sujeito obscurecido pela preguiça e
inapto à civilização. As lentes do então fazendeiro do
interior paulista identificavam em “Jeca Tatu” uma síntese
das mazelas nacionais.
Jeca Tatu – a “velha praga”

- O personagem lobatiano – um caboclo, mestiço, de barba


rala – caía nas graças do público letrado precisamente por
proporcionar a identificação da maioria que compunha a
população brasileira, integrada por trabalhadores rurais,
com o atraso e a inferioridade do país em relação às nações
hegemônicas, "civilizadas". Com efeito, a versão originária
do "Jeca" traduzia, significativamente, a percepção das
elites sobre o povo brasileiro.
Jeca Tatu – a “velha praga”

- No curso das décadas de 1910 a 1940, Lobato refina a


caracterização do "Jeca Tatu", submetendo o personagem a
três metamorfoses: na primeira, "Jeca" se encontra doente
e desassistido pelo Estado; na segunda transformação
sofrida pelo personagem, "Jeca" consiste em uma
representação do Brasil agrário e rural, subdesenvolvido,
em total descompasso com a tessitura urbano-industrial
que tipificava os países que comandavam o cenário político
e econômico internacional; por fim, em sua última
metamorfose, o "Jeca" é convertido em "Zé Brasil",
arquétipo literário do trabalhador explorado e de um país
submetido à espoliação internacional.
Jeca Tatu – a “velha praga”

- Conforme Lobato redimia o seu "Jeca Tatu" – em um


processo de transferência da responsabilidade pelas
mazelas nacionais, que se dirigiu do conservador e
unilateral enfoque racial para o sistema capitalista
internacional, passando pelo descaso e pela alienação das
elites em relação ao país e ao seu povo –, a recepção do
público letrado ao "Jeca" diminuía, na exata razão em que o
escritor problematizava as hierárquicas e espoliativas
relações sociais cristalizadas no Brasil.
Jeca Tatu – a “velha praga”

- Lobato, no processo de construção e de re-elaboração da


identidade do brasileiro por meio do carismático
personagem "Jeca Tatu", evidencia a alienação que
aludimos. Torna-se, de certo modo, sua vítima, porque a
face do "Jeca", e de sua representação simbólica do Brasil e
dos brasileiros, que ainda em nossos dias tende a
predominar, é a do "Jeca" renitentemente avesso à
civilização.

You might also like