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TORRE MALAKOFF

1
Apresentação

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Entre os meses de agosto e novembro de 2015, o festival Outros
Críticos Convidam levou à Torre Malakoff, no bairro do Recife,
uma série de debates e apresentações musicais que buscaram
dialogar diversos temas relacionados à música contemporânea
produzida no país.

Participaram dos debates os músicos Benjamim Taubkin,


Fernando Catatau, Ná Ozzetti, Kiko Dinucci, Romulo Fróes,
Juliano Holanda, Ricardo Maia Jr., o professor da UFPE Paulo
Marcondes Soares, além dos jornalistas Paulo Marcondes e
Marina Suassuna, e do compositor e jornalista Germano Rabello.
Após cada debate, o público pôde conferir shows de Ex-Exus
(PE), Kalouv (PE), Passo Torto e Ná Ozzetti (SP) e Juliano
Holanda (PE).

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Como resultado desses 4 meses de festival, foi produzido um
minidocumentário de 17 minutos com o registro dos debates
e apresentações, além de depoimentos de Antonio Gutierrez
(Festival Rec-beat), Evandro Q (produtor), Alice Coutinho
(compositora), entre outros. Muito mais que o registro do
festival, a tentativa da edição do minidoc foi o de construir uma
narrativa crítica que pudesse pôr em diálogo os diferentes temas
abordados em todos os debates. O vídeo é dirigido por Hugo
Coutinho (Jacaré Vídeo) e editado por Bersa Mendes.

Além desse registro, produzimos um catálogo crítico com textos


inéditos de jornalistas e pesquisadores que participaram da
mediação dos debates. Esses artigos juntam-se aos áudios dos
debates captados durante o festival, às fotografias de Camila van
der Linden e a algumas bootlegs ao vivo dos shows realizados.

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A 2ª edição do festival foi realizada pelo Outros Críticos e pela
Sambada Comunicação e Cultura, com incentivo do Funcultura –
Governo do Estado de Pernambuco.

Recife, 22 de março de 2016.

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Ex-Exus
PORQUE SOMOS E NÃO SOMOS TROPICALISTAS . 07

renato Contente . o tropicalismo está presente . 19

Kalouv
A música como fetiche . 25

rodrigo édipo . {Imanência} . 38

Passo Torto e Ná Ozzetti


A canção depois do fim . 45

paulo marcondes . Se melhorar, estraga . 56

germano rabello . esse bagúio loko chamado canção . 61

Juliano Holanda
Solo, trio e orquestra: a práxis do músico contemporâneo . 65

marina suassuna . Como a indústria se relaciona com a rotina do músico contemporâneo . 77

mini-documentário . 81

6
.

edição 01 - Porque somos e não somos tropicalistas

texto 01 . renato Contente . o tropicalismo está presente

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“Eu fico irritado com
aquela história 'do ovo ou
da galinha?’. Onde é que o
Tropicalismo nasceu? Foi
em Pernambuco, na Bahia?
Pernambuco foi traído.
Aquela coisa do rancor
pernambucano. Eu não
gosto desse papo. Então,
vou tentar fazer uma fala
que incomode, que seja
Tropicalista.”

Paulo Marcondes Soares

8 Ouvir debate no
“Se a gente for fazer
esse percurso do mangue,
da tropicália e da
antropofagia a gente
pode chegar a coisas bem
anteriores, experiências
estéticas, artísticas. Isso
é uma coisa contínua da
produção cultural e
artística.”

Ricardo Maia Jr.

9 Ouvir debate no
. .... .. . .. .

ouça “!XÔ!”

Ex-Exus

. . .

Ricardo Maia Jr.

Amaro Mendonça

João Marcelo Ferraz

Arthur soares

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18
O tropicalismo está presente

Otropicalismoestápresente
por renato contente

19
Ma
turado na segunda A partir dos acordes dissonantes do
metade dos anos 1960, LP Tropicalia ou Panis et circensis
dentro de uma agitação (1968), assim como em cerca de
cultural vertiginosa 20 discos assinados pelos artistas
que envolvia diversas linguagens participantes do “álbum-manifesto”,
artísticas, o tropicalismo reconfigurava o movimento solidificou um ideário
o "orgulho nacional" pregado pela imagético, comportamental e musical
ditadura militar ao friccionar os símbolos que continua a impactar não apenas a
hiperbólicos de Brasil exportados ao produção de cultura atual, mas também
exterior e as contradições de uma nação noções como as de “popstar”, “ídolo” e
marcada por mazelas sociais. Se ganhou “juventude”. Como costuma ocorrer a
corpo a partir de um ponto questionador acontecimentos artísticos legitimados
comum a trabalhos das artes visuais, do pela indústria cultural, o tropicalismo
teatro e do cinema, foi na música que o foi revestido de certa aura mítica que,
“ismo" antropofágico encontrou seu canal neste caso, o solidificou como a grande
de escoamento mais potente. - ou ao menos a mais pop - referência de
transgressão estética da cultura brasileira
contemporânea.

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O sociólogo da arte Paulo Marcondes Qualquer tentativa de se imortalizar um
Soares enxerga o tropicalismo como tipo de manifestação cultural, seja ela qual
um espaço de experimentações que for, será a sua morte, sua fetichização”,
gerou um campo de tensões capaz de defendeu o pesquisador.
provocar um descentramento potente
na cultura. No entanto, acredita que Para o crítico musical Pedro Alexandre
mensurar o seu impacto sobre a produção Sanches, autor de Tropicalismo –
cultural de hoje é vagar num mar de Decadência bonita do samba (2000), o
especulações sem importância. “No meu movimento, em sua carga ideológica e
modo de ver, mais substantivo nesse musical, é deglutido pelas novas gerações
sentido é procurar entender como e de maneira mais vigorosa hoje do que
em que condições formas artísticas de em décadas anteriores. “É fácil ver em
descentramento poético podem provocar detalhes variados a devoção à Tropicália
modos de inovação no cenário mais por parte de artistas novos tão distintos
amplo e multifacetado da cultura e, como Mallu Magalhães, Jaloo, Johnny
evidentemente, no mais específico dessa Hooker, Emicida, Criolo, Ava Rocha,
ou daquela expressão artística. Cultura Liniker etc. etc. etc. Se o conceito de
é um fluxo, não se retém numa forma. ‘ídolo’ está falido, tanto para tropicalistas

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velhos como para novos, acredito que movimento - que passou a integrar a
é na seara do comportamento que o cultura de consumo -, como também as
movimento de 50 anos atrás ainda dá as terem utilizado como estratégias para
cartas na cultura brasileira”, pontuou. friccionar o contexto cultural massificado
De acordo com Pedro, a devoção aos no qual eles foram absorvidos. “A
tropicalistas de primeira hora é inevitável, sociedade brasileira se insere atualmente
mas defende uma maior relativização, no contexto global de sociedades
tanto para os pensadores da cultura, capitalistas. Encontramo-nos bem
quanto para os artistas novos. “Sempre integrados a uma cultura de consumo
acreditei que estar consciente das arregimentada à lógica do espetáculo
contradições dos nossos mitos é uma massivo. Nesse sentido, podemos dizer
forma de amá-los, nunca de desrespeitar que o tropicalismo anteviu a tragédia.
seus legados”, opinou o jornalista. Ao contrário do que muito se acusava
em relação ao tropicalismo, que
Paulo Marcondes chama a atenção para supostamente teria aderido acriticamente
a tragédia anunciada do tropicalismo. ao mercado, podemos dizer que o
Isto é, o fato de os tropicalistas não só movimento foi uma das mais radicais
terem consciência das contradições do propostas de entrar nas estruturas e,

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simbolicamente, explodir com elas atitude nesse processo: o super-8, o
naquele contexto. Os versos de Torquato udigrudi, as publicações de ‘Flor do Mal’,
Neto em canções com Caetano Veloso e ‘Bondinho’, entre outras, as músicas
Gilberto Gil são bem emblemáticos nesse de Jards Macalé e Waly Salomão para
sentido. Assim como a ironia cortante em Gal e tantas outras manifestações são
Tom Zé”, exemplificou. emblemáticas desse período de virada
para os anos 1970. Talvez nunca, como
Como Paulo Marcondes ressalta, as até então, houvesse tanta propriedade
tendências pós-tropicalistas coincidem na reivindicação do ‘experimental’ feita
com o período de maior endurecimento por Hélio Oiticica”, situou o docente.
do regime militar, implantado em 1964. “Por outro lado, claro, ao menos na
Depois do AI-5, o chamado “golpe dentro música, surgia uma expansão de mercado
do golpe”, em dezembro de 1968, a sem precedentes na consolidação da
repressão cada vez mais violenta do produção fonográfica no Brasil – da
estado demandou novas posturas da MPB às tendências mais acentuadas do
contracultura nacional. “Deste ponto, mainstream, mas, também, do rock
uma aura de marginalismo contracultural e suas produções alternativas. Tudo
passou a exercer o caráter de uma nova isso para dizer que, de lá para cá, em

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termos específicos do experimentalismo lado, me parece mais tropicalista do que
nas artes, muitas são as expressões de nunca, no sentido de uma revolução de
radicalidade, inclusive, em procedimentos costumes que está mais que evidente,
incorporados ao mercado”, completou. num levante das chamadas minorias
que também não poderia estar mais
Na perspectiva de Pedro Alexandre, evidente e potente. É impossível não
o tropicalismo continua a ser um pensar na trilogia mulher-negro-gay
elemento para se refletir sobre a cultura, formada por Gal-Gil-Caetano quando a
a sociedade e a política do país, mas gente vê as passeatas de mulheres pelas
com as devidas contextualizações que ruas, o orgulho negro cada dia mais
a complexidade dos novos tempos forte, a expansão do comportamento
exige. Nesse sentido, para o jornalista, homossexual assumido e sem vergonha
a centralidade política do movimento já de ser feliz... Nesse sentido, que é o da
não existe há bastante tempo, em termos cultura, o projeto tropicalista demorou,
de discussão sobre esquerda, direita e em mas venceu”, avaliou.
cima do muro. “A sociedade, por outro

24
. .

edição 02 - A música como fetiche

texto 02 . rodrigo édipo . {Imanência}

25
“Eu, como músico, sinto uma
conexão quase mística.
Quando você fala em
feitiço. Quando a gente
está mais dentro da música
é o momento que a gente
mais se perde de si. Se mistura
no emaranhado de sons e
ritmos.”

Bruno Saraiva

26 Ouvir debate no
“Nesse primeiro contato,
quando você percebe o
feitiço da música, é quando
você está procurando a
sua identidade. Quando
adolescente.”

Túlio Albuquerque

27 Ouvir debate no
“Hoje em dia todo
mundo é voltado para
consumismo, grana e
mercado, e eu acho que
a arte em si, vai além
disso. Ela é uma
união mesmo.”

Fernando Catatau

28 Ouvir debate no
Kalouv
. .... .. . .. .

ouça “durango” e “deus é uma

viagem”, ao vivo no festival.

. . . . . .

rennar pires part. fernando catatau

saulo mesquita

bruno saraiva

basílio queiroz
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tulio albuquerque
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37
{ I m a n ê n c i a }

por Rodrigo édipo

38
(...)
.1

(...)

Vamos lubrificar nossas máquinas... música é o


futuro! Qual é mesmo o nome do instrumento
que você criou?

Por conta desse circo de horror que minha vida O {Imanência} virou uma febre, a solução
se transformou eu decidi escrever esse manifesto milenar criada por nossos ancestrais permitia
cosmopolítico para que as futuras gerações que as árvores reverberassem sons de cura a
saibam o que os livros de história, a partir das partir da conexão com outras tecnologias. Após
suas ideologias sociais, com certeza não vão uma necessidade pontual da gestão pública
contar. Ou vão contar errado. branca, passou a ser controlada pelo poder
público (de interesses privados) e virou o mais
novo e inovador “patrimônio da cidade”. Ícones
foram criados. Assumo que a responsabilidade
foi toda minha, por ganância eu aceitei um

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contrato milionário, um grande erro. Fiquei danosa que a leptospirose. Após morrer e não
famoso. Virei mercadoria. Virei espetáculo. gostar nem um pouco do que vi do outro lado,
O som que criamos circulou por milhares de resolvi dar um basta.
telas. Antes fosse nas mãos dos artistas. As telas
estavam nos shoppings, nas grandes avenidas, no (...)
comércio, no bolso de cada cidadão conectado
no wifi. O que era sagrado, virou ilusão e foi
Saiba sempre quem são seus inimigos.
profanado em menos de um mês. Foi aí que
entendi na prática que o espetáculo é algo
grandioso, inacessível e indiscutível. Já não era Rasguei o contrato com o demônio e passei
mais eu ali. Camisas, bottons, espaços vipis. a ser perseguido noite e dia pelas ruas da
Homens, muitos homens. Escolhi todos a dedo. cidade. Eu já sabia que meus dias de liberdade
Minha imagem sempre atrelada aos ratos era estavam contados, mas eu estava me sentindo
o que mais me incomodava, mas era o preço. mais livre do que nunca. Criamos um coletivo
Inclusive soube hoje que aquela minha estátua indígena ecoanarquista e fomos para o front
matando um roedor gigante foi depredada por em busca de uma ecologia libertária através do
jovens da favela. Pois é, a doença da fama me {Imanência}, uma de nossas missões era levar
pegou de jeito e — posso garantir — ela é mais o som para patamares nunca antes alcançados
e, através de uma paisagem sonora mais

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silenciosa e conectada com Deus, transformar .2
radicalmente a conexão entre o homem e a
natureza. Primeiro foram as árvores, depois os Outra gente.
rios e cachoeiras, os humanos vieram logo na
sequência. Solucionávamos qualquer tipo de
Há 3 anos eu não sei onde estou e a sede é
problema, as águas ficaram mais limpas, o ar
grande. Vivo exilado em uma espécie de sítio,
mais puro, os espaços mais verdes e o respeito
num lugar seco, sem outros humanos por perto
às tradições e a identidade dos povos foram
e com um chip implantado na sola do meu pé
fortalecidos. Ouvi dizer até que cegos voltaram
desde o dia que cheguei. Durmo em um colchão
a enxergar e cadeirantes voltaram a andar. Disso
que transformei em uma rede e não como há
eu não tenho certeza, mas só sei que de popstar
três dias. Eu não sei qual é o plano deles, nem
corrupto e sonhador, abracei o banditismo e
sei mais quem são eles, mas acho que esse é o
virei o inimigo público nº1.
começo do fim. Desde que me capturaram de
forma muito desrespeitosa em meio a um ritual
com meu povo, hoje é o dia mais difícil de
engolir e está me fazendo lembrar a primeira vez
que adentrei naquele maldito gabinete. O sorriso
estava estampado no meu rosto e eu realmente

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acreditava que minha vida ia dar uma guinada denunciavam uma esquizofrenia paranóica que,
pra melhor. de certo, tinha acontecido há poucos minutos.
Eu entendo, ratos são mesmo mamíferos
(...) polêmicos e nunca haverá uma gestão pública
que resista sem enlouquecer a uma infestação
de roedores por toda a cidade como a que
Era tardinha, bati na porta e entrei com a pior
estávamos vivendo.
das intenções. A cadeira do Prefeito estava vazia,
na mesa papéis riscados, canetas espalhadas
no chão e marcas pretas de café por todo A sensação de pisar descalço numa ninhada de
canto. O cenário era de horror, todas as telas filhotes de ratos enquanto atravessa a principal
(de diferentes tamanhos) estavam conectadas via da cidade não era muito legal, muito menos
e exibindo apenas uma única imagem, em ter que usar guarda-chuva, mesmo num Sol de
preto e branco, de um rato asqueroso e com 45 graus, para aparar a queda de ratos vivos
um sorriso cínico. Cabeças de roedores feitos do alto dos prédios de 70 andares que, naquela
em cerâmica também faziam a composição do época, continuavam a infestar a cidade. E o rio?
espaço, elas estavam no chão, nas mesas e até A água era de cor preta e tinha virado piscina
penduradas em cordas vindas do teto. Os rastros pros roedores. Para um caburé feito eu, morador
de barro espatifados em todas as paredes da sala do mato, os animais não me assustam muito, até

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porque eu sou eles. Mas pro homem branco, esse todo mundo é índio, menos os que não são. Ele
mesmo que desrespeitou a todos nós, inclusive gargalhou, me deu três tapinhas nas costas e
a ele mesmo, uma invasão roedora como essa provavelmente não entendeu o recado.
era motivo de sobra para um surto psicótico
irremediável. (...)

Quer dizer que chegou o feiticeiro que vai me


ajudar a resolver os problemas do povo!
.3
A arrogância e o cinismo mesmo em uma
situação de fragilidade filosófica como essa me
Que música é essa?
deu ânsia de vômito. Enguiei, dei um sorriso
e pedi com toda a gentileza que o Sr. Prefeito
prestasse atenção no som. Mas antes ele me É baseada no Jongo, uma dança brasileira de
olhou da cabeça aos pés e perguntou se eu era origem africana.
mesmo índio. O assessor de pele negra e dentes
reluzentes baixou os olhos em um lapso de Gostei da mistura. Vai estourar!
vergonha. Eu respondi sorrindo que no Brasil

43
(sorri)

Já era noite. Peguei o ônibus e voltei para casa.


Não contei a ninguém. O plano parecia mesmo
perfeito...

Fim

44
.. .

edição 03 - A canção depois do fim

texto 03 . paulo marcondes . Se melhorar, estraga

Texto 04 . germano rabello . esse bagúio loko chamado canção

45
“Eu acho que o único lugar
do mundo que talvez se
esteja discutindo a morte
da canção é no Brasil. Não
sei se nos Estados Unidos, na
Inglaterra, estão pensando
nisso. Isso é interessante,
demonstra a importância
da canção na cultura
brasileira.”

Romulo Fróes

46 Ouvir debate no
“Eu, como intérprete,
pra mim não tem o
tempo de cada canção.
Ou ela vai me dizer,
ou não vai me dizer.
Então, pode ser uma
coisa do século passado,
uma canção que
vai me tocar. ”

Ná Ozzetti

47 Ouvir debate no
“Se não for o Chico
Buarque, se não for o Tom
Jobim, eles vão repudiar.
Estão parados no tempo.
Tem essa expectativa
mesmo. Se aparecer um mc
Brinquedo, como eles vão
lidar? mc Brinquedo é um
furacão. Eu vou falar que
o cara é inferior ao Tom
Jobim? E diferente, só.”

Kiko Dinucci

48 Ouvir debate no
PassoTorto & NáOzzetti

. .... .. . .. . . . .

ouça os discos “thiago frança”, ná ozzetti

“passo elétrico” e “passo torto”. rodrigo campos

kiko dinucci

romulo fróes
49
marcelo cabral
50
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53
54
55
Se melhorar, estraga

Otropicalismoestápresente
por paulo marcondes

56
No
final do mês de outubro muito importante durante a troca de ideias e que
aconteceu na Torre serve como norte para este artigo. “Enquanto
Malakov o 3º encontro eles matam a música, nós lançamos 50 discos
promovido pela revista por ano”, se referindo ao esquisito texto do
Outros Críticos, no Recife. Como de praxe, a acadêmico Vladimir Safatle, na Folha de S.
noite teria um debate com um tema definido e Paulo, que falava que o Brasil não produzia nada
a apresentação de um grupo, no caso, o Passo musicalmente relevante há anos e que de fato, a
Torto ao lado de Ná Ozzetti. O assunto para gente vivia a pior crise da música nacional. Ora,
a discussão era pertinente: “a canção depois do será?
fim”, e isso ergueu um questionamento, afinal
de contas, a canção morreu, como interpretaram O Brasil nunca esteve em um momento tão
na famosa entrevista de Chico Buarque para a fértil de sua produção musical como hoje e
Folha de S. Paulo? Neste texto pretendo seguir inúmeros fatores contribuíram para isso, como
um caminho um pouco diferente do tema, já o maior acesso ao computador, à internet, às
que para todos os participantes do Outros redes sociais, a uma produção caseira e com
Críticos convidam, a canção só morrerá quando isso, a não depêndencia da grande mídia para
a humanidade deixar de existir. Kiko Dinucci, a divulgação dos materiais e de uma quantia
guitarrista do Passo Torto, disse uma frase enorme de dinheiro para a gravação em grandes

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estúdios. Hoje, por exemplo, a resenha de um dizendo apenas do meio independente. É claro
blog feita por um estudante ou desempregado, que hoje as coisas estão dispersas e espalhadas,
que não ganha absolutamente nada para não existe mais a centralização de nada, afinal
escrever, às vezes vale mais para a banda do que de contas, é a internet, é a informação rápida,
o review dos grandes veículos de comunicação e é uma geração inteira de músicos e artistas que
talvez seja nesse ponto que a música esteja morta conseguem produzir muito em locais longínquos
para essa gente. um do outro, fazendo com que mais pessoas
ouçam músicas, cada uma com um gênero
A informação atualmente está em vários espaços específico, em alguns casos; mas por outro lado,
ao mesmo tempo, em inúmeros sites, blogs e isso também cria algo que não existia num
principalmente na rua, local em que muitos passado nem tão recente, que é a comunicação
hoje esquecem de estar. É a frase do Emicida direta entre artista e público.
resumindo todo um pensamento: “caminho
pelas calçadas, sempre, e nunca te vi”. Ou Se alguém duvidar do que digo, sobre estarmos
a do Black Alien “eu tive lá, e não te vi lá”. em um momento muito bom para a música
Enquanto muitos gravam, produzem, compõem nacional, eu desafio para um exercício simples.
e fazem shows, em um momento extremamente Abra o Bandcamp e no campo de busca,
efervescente da cena musical brasileira, e isso pesquise por “Brazil”. Coloque para ordenar

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pela ordem de lançamento dos discos e vocês materiais apenas deste ano.
verão uma infinidade de materiais que foram
disponibilizados na plataforma na últimas Para ilustrar, consigo pensar em alguns discos
semanas, meses, anos e isso apenas os que estão extremamentes relevantes para o Brasil e
em um site específico, fora Soundcloud, os lançados apenas no ano de 2015. RÁ!, o segundo
serviços pagos de streaming e os que lançam no álbum do Ogi que mostra um talentoso artista,
Youtube. O que quero dizer é que uma pesquisa estudioso da rima e excelente contador de
muito preguiçosa e simples, levaria a pessoa a histórias; a vida adolescente gravada dentro de
um amontoado de discos e singles nacionais. um cômodo de Fábio de Carvalho no disco
Arrisco dizer que é impossível não existir sequer Tudo em Vão; Trovões a Me Atingir de Jair
uma faixa que seja boa em meio a tanto material, Naves, um álbum que muda um pouco o rumo
lembrando que o bom ou ruim, quase sempre, é da carreira do músico e sugere um respiro no tão
carregado de pessoalidade. maltratado rock nacional; Fortaleza, do Cidadão
Instigado, o álbum mais difícil do grupo,
Caso queira ver um pouco do que saiu neste mais sério e menos ‘divertido’ que UHUUU!;
ano, proponho outra atividade. Abra o site as músicas de uma das revelações de 2015, o
Hominis Canidae e na barra lateral esquerda, gorduratrans, dupla formada por dois amigos do
clique em 2015 e veja mais de 340 opções de subúrbio carioca que levam a expressão “rock de

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quarto” ao extremo; o canto e o piano de Sofia qualidade no país, como se tem agora e nem a
Freire em seu début, Garimpo, enfim, inúmeros quantidade de músicos dispostos a gravarem e
lançamentos que me fazem questionar se de fato se expressarem por meio da música, lançando
nós vivemos o pior momento da música no país seus projetos em Bandcamps, Soundclouds,
e se o Chico Science ou o mundo livre s/a foram Facebooks e outras tantas ferramentas. A canção
os últimos grandes artistas daqui. não vai acabar. E quando o momento fértil que
vivemos no país, no que diz respeito à música,
Desde que o debate da Outros Críticos for o fim, por favor, que seja o apocalipse para
aconteceu, perguntei-me sobre o fim da música. todo o sempre.
O da canção, que era o proposto pelo debate
de início, acredito que Luiz Tatit define muito
bem a situação quando diz em seu artigo
“Cancionistas Invisíveis”: “Onde houve língua
e vida comunitária, houve canção. Enquanto
houver seres falantes, haverá cancionistas
convertendo suas falas em canto”. O estado
atual da música nacional? Se melhorar, estraga.
Nunca tivemos tanto acesso a variadas obras de

60
esse bagúio loko chamado canção

por Germano rabello

61
O
que você imagina como canção tal- melódica dentro do rap). Essa conversa e o debate
vez seja diferente do que eu imagino. que se seguiu me fez pensar bastante sobre o que
Talvez por ter tanto a ver com afetivi- eu reconheço como canção.
dade, com o tempo. Com nossas fre-
quências, a rádio invisível que vibra na cabeça de Uma unidade de significado que envolve a junção
cada um. Mas estou escutando música. Você tam- de letra, ritmo e melodia, é basicamente assim que
bém? eu definiria. Mas penso que, indo além, canção é
o que consegue se diferenciar, me alcançar, me to-
Recife, Torre Malakoff, 2015. Rolou um debate car, tornar evidente seu significado. Canção é mais
bem interessante sobre o tema “A canção depois (e menos) do que a gravação de uma música: é o
do fim”, com a presença de Ná Ozzetti, Kiko Di- que você consegue reter da música no seu cérebro.
nucci, Rômulo Fróes, mais este que vos escreve Dá pra cantarolar tomando banho – metáfora po-
e Paulo Marcondes do Alt Newspaper (nós dois derosa da intimidade e pessoalidade. Ao mesmo
como mediadores do debate). Antes, nós mediado- tempo, tô aqui escutando Robertinho do Recife
res tivemos uma ótima conversa para trocar expe- (“Seja o meu céu”) e pensando o quanto esse solo
riências e perspectivas. Paulo sendo de São Paulo, de guitarra parece expandir os limites da canção.
eu de Recife. Ele acostumado a escutar rap, eu lou- Numa gravação, tudo é significado: a voz, os ins-
co por melodia. Mas existem pontos de interseção, trumentos, a mixagem. Todos os elementos devem
em tudo, tons de cor entre as cores (o disco do ra- comunicar algo.
pper paulistano Ogi sendo exemplo de exploração

62
O que nos leva às nossas frequências internas. Se lo não é canção, e nem me interessa generalizar a
um Chico Buarque, com certa lucidez, fala sobre esse ponto. Mas é bem honesto afirmar que aqui-
o fim de uma era da canção, ele fala do interno e lo não faz sentido pra mim. Como eu falei antes,
do externo. Da sua frequência estética: sente que canção é unidade de significado.
algo gradualmente radical aconteceu. A canção
nunca mais foi mais aquela, porque responde inti- Uma parte importante desse debate tem a ver com
mamente aos tempos em que vive. Se eu, com 35 percepções, é subjetivo. Nem é preciso ser “ecléti-
anos, estranho certas tendências da música atual, co” a ponto de desrespeitar minha estética, nem é
que dirá as pessoas da geração de Chico. A discor- preciso invalidar a tua estética, por outro lado. Há
dância é sempre salutar, e a diversidade é linda. ainda muito a ser experimentado dentro do que é
considerado canção tradicional, até mesmo na voz
Um amigo meu me provocou para um debate. e violão: existe a sua lógica interna, que é infinita
Ele jogou uma música, acho que era do Carcass, e suas estruturas dentro da estrutura, para quem
algo bem mais pesado do que eu costumo ouvir, pode ver. Seus mistérios. E existirão outros forma-
metal extremo, e perguntou se aquilo era canção. tos, se sobrepondo e convivendo (às vezes com al-
A resposta sincera: pra mim parecia apenas uma gumas rusgas).
massa sonora indiferenciada. Ouvidos mais trei-
nados conseguiriam perceber nuances. Canção é As tendências mais modernas convivem com ten-
conseguir perceber essas nuances: se eu não con- dências retrô e as coisas novas podem surgir de
sigo, não preciso dizer categoricamente que aqui- pessoas aparentemente conservadoras. É surpreen-

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dente, quando a gente analisa a história da arte,
que muita gente criou o novo pensando que estava
fazendo o tradicional. E que muita gente surfando
as últimas tendências só conseguiu fazer mais do
mesmo. Todos nós pertencemos. Tudo é música e
tudo é cíclico.

64
. . . .

edição 04 - Solo, trio e orquestra: a práxis do músico contemporâneo

texto 05 . marina suassuna

Como a indústria se relaciona com a rotina do músico contemporâneo

65
“Os editais, de certa forma,
acabaram cumprindo o
mesmo papel da gravadora,
no fim das contas. Acho que
a grande saída é você fazer
a sua música independente
de qualquer coisa. Criar seu
nicho, seu espaço.”

Juliano Holanda

66 Ouvir debate no
“A gente tem que construir
coisas no mundo. É a única
saída que a gente tem,
especialmente no momento
em que a gente vive agora.
Não temos propostas lindas
que batem à nossa porta.”

Benjamim Taubkin

67 Ouvir debate no
. .... .. . .. . . . . . . .

ouça “ouriço” e “partilha”, juliano holanda part. benjamim taubkin

ao vivo no festival. walter areia

isadora melo

tom rocha

68 Juliano Holanda
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75
76
Como a indústria se
relaciona com a rotina
do músico contemporâneo

por MARINA SUASSUNA

77
Na
da soa tão familiar a um mú- o encontro suscitou reflexões ainda mais abran-
sico contemporâneo do que gentes, uma delas acerca da configuração que o
transitar por diferentes prá- mercado da música incorporou nos últimos anos
ticas no mercado da música, e de que maneira ele vem influenciando as novas
desde a formação em diferentes projetos até a práticas.
maneira como cada formato influencia na pro-
dução e na circulação de cada trabalho. A fragmentação do mercado, no qual as gravado-
ras perderam a influência, estaria, de certa for-
O debate “Solo, trio, orquestra: a práxis do mú- ma, favorecendo um fluxo de produção e circu-
sico contemporâneo”, que encerrou a segunda lação mais diversificado? Faz sentido pensar na
temporada do festival Outros Críticos Convi- liberdade do músico contemporâneo como um
dam, em novembro de 2015, foi uma oportuni- sintoma do desprendimento em relação à indús-
dade de compreender o assunto pela perspectiva tria? Sobre isso, Benjamin Taubkin pontuou: "Eu
dos músicos Juliano Holanda (PE) e Benjamim não vejo toda essa liberdade. Grande parte dos
Taubkin (SP). Em suas respectivas trajetórias artistas estão usando mal o potencial da liberda-
musicais, ambos vêm exercitando, de maneira de que teriam. Hoje em dia, há trabalhos sendo
criativa, a capacidade de ampliar seu campo de escolhidos por editais em que o artista teria li-
atuação. berdade pra fazer sua criação. Porém, ele chama
alguém da indústria ou um selo para dar um aval
Para além das experiências pessoais de cada um, ao que ele está fazendo. Ele não tem coragem

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ou o edital não permite que ele vá até o final do Pensar na indústria como algo traiçoeiro se tor-
processo. Se pegarmos a música brasileira dos nou comum nos últimos 30 anos. Foi nesse pe-
anos 1950 e 1960, talvez existia mais diversidade ríodo, especificamente por volta dos anos 1980,
do que existe hoje. Vejo trabalhos urbanos muito que, na perspectiva do músico paulista, a indús-
parecidos em termos de procedimentos, sonori- tria do disco se tornou um "modelo de como ati-
dade, poética, ao ponto de não saber diferenciá rar no próprio pé e fracassar, de como ter tudo
-los. As pessoas ficaram com receio dessa liberda- na mão e jogar tudo fora."
de. Elas não estão bancando essa liberdade."
Por outro lado, ele ratifica: "Mas nem sempre foi
Se a legitimação da indústria é vista com des- esse fiasco. Havia um espaço de inteligência, nes-
confiança nos dias de hoje, por outro lado, foi sa indústria, que se perdeu. Já parou pra pensar
graças a ela que a música popular brasileira se sobre o milagre que é a musica brasileira? Que
consolidou. Também foi a indústria que tornou outra música popular no século 20 teve tão alta
possível o conceito de disco, se apropriando das qualidade e foi gravada, registrada e popular?
transformações das tecnologias de gravação e Chico, Caetano e Gil são populares até hoje por-
possibilitando a circulação da música no mun- que foram artistas da grande indústria. Naquela
do antes do advento da internet. "Por isso temos época, a indústria trabalhou para essa música,
tanto fascínio pelo vinil", observa Taubkin. fez com o que essa música chegasse às pessoas.
De repente, virou isso de 'agora estamos livres'.
Tem que ter um pouco de critério, se nao você
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se perde."

Para Juliano Holanda, nunca existiu uma indús-


tria da música: "O que existe na verdade é uma
indústria de produção em série. Uma indústria
de produtores. Os editais acabaram cumprindo
o mesmo papel das gravadoras. Cria-se essa ilu-
são. A grande saída é fazer a sua música inde-
pendente de qualquer coisa, encontrar seu nicho.
O edital tem que ser um plus. As pessoas acham
que o edital é a única saída. É como o cara que
estuda pra concurso, acha que se não fizer con-
curso, nunca vai arrumar emprego."

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MINI-DOCUMENTÁRIO

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Curadoria e edição do catálogo: Carlos Gomes
Coordenação Geral e Produção Executiva: Paloma Granjeiro
Assistente de Produção: Renata Farias
Direção de Palco: Marcílio Moura
Assessoria de imprensa: Corujas
Projeto Gráfico: Fernanda Maia
Fotografia: Camila van der Linden
Direção e edição de vídeo: Hugo Coutinho
Câmera: João Tavares
Edição e finalização de vídeo: Bersa Mendes
Intérprete de Libras: Jaqueline Martins
Voluntário: Danilo Galindo
Mediadores: Renato Contente, Rodrigo Édipo, Paulo Marcondes,
Germano Rabello e Marina Suassuna.
Debatedores: Paulo M. Soares, Fernando Catatau e Benjamim Taubkin
82 Agradecimentos: Equipe da Torre Malakoff
Incentivo:

realização:

outros críticos

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