Este texto situa a história do trabalho de campo na Antropologia, retratando especificamente o período em que esta ultrapassa o paradigma evolucionista, momento no qual o trabalho de campo torna-se mais importante para a pesquisa antropológica. Abrindo espaço a um método de pesquisa novo e experimental, a observação participante possibilitava um deslocamento e entendimento maior da sociedade estudada, sendo feito através da presença e convivência com modos de vida distintos, um outro sistema de valores. Experimental, na medida em que, no momento da pesquisa, sua observação participante se ajustaria às dinâmicas que desenrolam dentro do objeto pesquisado. Dessa forma, o etnólogo não tinha total controle da experiência que não era apenas observada, mas vivida pelo observador. O controle da experiência, poderia ser feito através da comparação entre uma sociedade e outra e, como dito acima, através da convivência com o mundo social estudado. Dessa forma, a pesquisa antropológica estaria limitada pela própria dinâmica social, já que não cabe ao antropólogo alterar sua experiência, que vale lembrar, é uma experiência vivida, não uma experiência manipulada. O autor chama essa virada metodológica de “Revolução Funcionalista”, que surge em um contexto na qual a antropologia apenas catalogava fatos soltos de uma sociedade, de forma descontextualizada, em outros termos, apenas colecionava fatos e os organizava historicamente. O trabalho de campo no contexto da emergência do funcionalismo, permitiu que o pesquisador se deslocasse de seu gabinete e fosse ter contato direto com o objeto pesquisado, dessa forma, permitindo observar os fatos em seu contexto dentro da sociedade observada, e perceber essa teia de ações sociais como parte de um sistema, de uma estrutura coerente consigo mesma. Tal revolução permitiu com que a antropologia social se tornasse um autêntico ponto de vista, a consolidando como disciplina. A antropologia tem, portanto, como atividade a interpretação das diferenças no contexto de um sistema integrado, coerente. Muito além de experimentar e observar outras formas de vida e visões de mundo, a tarefa fundamental é localizar aquilo que é substancial na vida do outro, aquilo que torna a sociedade um conjunto coerente. O trabalho de campo tem, por fim, objetivo localizar o fundamento desta coerência interna na sociedade observada. Essa observação direta, peculiar da Antropologia, faz com que coloque-se em discussão alguns paradoxos e problemáticas. O autor cita o caráter constantemente renovador da disciplina em relação às experiências empíricas de cada paradigma antropológico ao longo da história. Ao invés de ampliar paradigmas já estabelecidos, de permanecer presa a metodologias estabelecidas, busca-se valorizar a perspectiva pessoal e autêntica do pesquisador no momento do trabalho de campo. Fazendo com que o próprio antropólogo repense a Antropologia, bem como os métodos utilizados por outros pesquisadores. Este processo constitui um exercício elementar no desenvolvimento da disciplina, além disso, afirma o caráter epistemológico experimental da observação participante. Essa peculiaridade epistemológica tem como resultado uma disciplina que constantemente está repensando seus conceitos e teorias. De modo que o pesquisador tem a possibilidade de testar os conceitos utilizados por outros pesquisadores, além de trazer, conjuntamente, o ponto de vista dos grupos sociais. Esse constante exercício, permite novas abordagens teóricas, além de inovações nos meios de interpretação utilizados. Seguindo o raciocínio do constante exercício de questionamento das teorias e definições, o autor exemplifica a forma como a dúvida em torno dos conceitos básicos foi essencial na ampliação da observação e entendimento do outro. O primeiro sendo a religião, que no sentido clássico, compreendia a crença em seres espirituais, mas que para a escola que se seguiu, com Durkheim e Mauss a religiosidade seria algo muito mais complexa e ampla. A religiosidade seria uma relação entre o ser humano e sociedade, mediada pelos Deuses, que seriam uma representação da própria sociedade como um todo. Dessa forma, a religiosidade constitui um fato social que pode ser observado dentro da própria sociedade, de modo que as formas elementares da vida religiosa reproduziriam, de forma abstrata, as formas mais elementares da vida social; O segundo seria o parentesco, se o parentesco não é representado por substâncias básicas como o “sangue”, seriam aspectos da própria vida social, como a linguagem ? O processo de socialização ? Essas constantes mudanças e questionamentos fazem que a antropologia possua um histórico pluralista, elementar no estudo do fenômeno humano. Trata-se, no entanto de um pluralismo metodológico, não político. A antropologia ao mesmo tempo em que possui como consenso a respeitabilidade por outras formas de sociedade, possui uma multiplicidade na busca por dados e na reflexão, em outros termos, ela não se limita a nenhuma doutrina vigente. Além disso, desenvolveu-se em conjunto com os aprendizados em outras sociedades, culturas e civilizações, voltando ao início do texto, ao ressaltar, mais uma vez, a importância dos trabalhos de campo na antropologia, entendendo as visões de mundo do outro como coerentes e racionais. E através desse exercício, que colocou em pé de igualdade as pequenas visões de mundo presentes nos grupos sociais, sujeitos a todo tipo de violência e exploração, e a “grande tradição democrática”, que tem como premissa a compreensão e tolerância a outras visões de mundo. A Antropologia, portanto, tem como ponto de partida o “outro”, ou melhor, o exercício de alteridade. No qual, como diz o autor, “ a intermediação do conhecimento produzido é realizada pelo próprio nativo em relação direta com o investigador” (grifo meu). Trata-se então do entendimento de que o Nativo possui lições que o observador pode não compreender ou perceber, e que o “Outro” possui uma lógica e coerência que faz parte do fazer antropológico descobrir. E é aqui, finalmente que se constitui a importância do trabalho de campo no seio da antropologia, primeiramente no questionamento do fazer da própria disciplina; no contato direto com o “outro” como uma experiência pessoal e autêntica, que põe o antropólogo em um constante exercício de dúvida epistemológica; e, por fim, no próprio desenvolvimento da disciplina, que se dá em conjunto com o “Outro”, e nas implicações desse desenvolvimento, como uma relativização capaz de colocar a cultura do outro em um diálogo justo com outras culturas, além do exercício de captar uma racionalidade e coerência presente na visão de mundo do outro. Exercício este, uma obrigação do antropólogo em localizar e decifrar.