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O adorno acentua ou amplia a impressão que a personalidade produz e atua como uma
irradiação dela. Por isso costuma ser feito de materiais brilhantes e de pedras preciosas
que são “adornos”no sentido mais estrito do que a roupa ou o penteado, os quais não
obstante também “adornam”. Poderíamos falar aqui de uma radioatividade do homem. Ao
redor de cada indivíduo há como que uma auréola resplandecente maior ou menor em
que submerge tudo o que com ele se relaciona. Esta auréola contém inseparavelmente
fundidos elementos corporais e espirituais. Do homem partem influxos perceptíveis que
recaem sobre o ambiente. Estes influxos são de certo modo portadores de um resplendor
espiritual e atuam como símbolo do indivíduo, ainda quando são meramente exteriores e
deles não flui nenhum poder de sugestão ou de importância pessoal. O que emana do
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Assim, se o adorno amplia a esfera do indivíduo com algo transindividual, algo referente
a outros e que é acatado por eles, além de uma estrutura material, deve ter estilo. O
estilo é sempre geral, encaixando os conteúdos da vida e da criação pessoal em formas
compartilhadas por muitos e acessíveis a muitos.
Na obra de arte propriamente dita, o estilo vai nos interessar a depender da peculiaridade
pessoal maior ou menor da vida subjetiva que nela se expresse, pois a obra de arte se
destina à personalidade do contemplador que se encontra por assim dizer, sozinho no
mundo diante dela. Diferentemente, aquilo que chamamos arte industrial, pela sua
própria finalidade utilitária, destina-se a uma pluralidade de pessoas, assumindo uma
forma mais geral e típica; nos seus produtos não se estará expressando uma alma única,
e sim uma maneira se sentir ampla, social e histórica, que seja possível ordenar no
sistema de vida de muitos indivíduos. Seria um erro supor que pelo fato de serem
sempre indivíduos os que se adornam,o adorno tivesse que ser uma obra de arte
individual. Ao contrário, justamente por ter que servir ao indivíduo, não pode ter uma
natureza individual; assim como não podem ser obras de arte individuais os móveis em
que nos sentamos ou os utensílios com que comemos. Todo o conteúdo da vida humana
– ao contrário da obra de arte que se encaixa no geral da vida, sendo ela mesma um
mundo – haverá de rodear o indivíduo com esferas concêntricas cada vez mais amplas
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que a ele se destinem ou que dele partam. A essência da estilização está na dissolução
da marca individual numa generalização que ultrapassa a peculiaridade pessoal, mas que
tem o individual como base ou círculo de irradiação. Graças ao instinto que faz
compreender isso, o adorno sempre foi estilizado de modo relativamente severo.
Além da sua estilização formal, o adorno emprega um meio material para conseguir a sua
finalidade social; este meio consiste no “esplendor” do adorno, em virtude de que seu
portador se converte no centro de um círculo de irradiação que inclui tudo o que esteja
próximo, todo olhar que nele se detenha. O luzir da pedra preciosa parece dirigir-se ao
outro como o brilho do olhar. Nessa radiação está contido o significado social do adorno, o
ser para os demais, a dedicação aos outros, que aumenta a importância do sujeito, que
assim carregada a ele volta. Os raios deste círculo assinalam por um lado a distância que
o adorno põe entre os homens, pois que um deles pode dizer: “eu tenho uma coisa que
tu não tens”. Mas por outro lado, não só permitem que os demais participem do adorno,
como brilham para os demais e só existem realmente para eles. Pela sua matéria, o
adorno implica ao mesmo tempo em distância e conivência. Por isso serve de modo
especial à vaidade que precisa dos demais porém que os deprecia. Nisto reside a
profunda diferença entre a vaidade e o orgulho. Este, cuja satisfação está exclusivamente
em si, costuma desdenhar o adorno em todos os sentidos. Faz-se necessário agregar no
mesmo sentido, a importância do material “autêntico”. O encanto do “autêntico” consiste
em ser algo mais do que a sua aparência imediata, aparência esta que compartilha com
as falsificações.O adorno de material autêntico, verdadeiro, não é como a imitação; tem
raízes num solo mais profundo do que a simples aparência.A imitação nada mais é do que
aquilo que parece ser num dado momento. Assim, o homem “autêntico” é alguém em
quem se pode confiar, mesmo que não esteja ao alcance da vista. O valor do adorno
então, consiste em ser mais do que aparência, e isso não se vê, é antes algo que se
acrescenta à aparência, diferentemente do que acontece com a imitação bem feita. E
como este valor é sempre realizável, como é acatado por todos e possui uma relativa
independência quanto ao tempo, o adorno acaba sendo algo que está acima da
contingência e da pessoa. A bijuteria só vale como adorno pelo serviço momentâneo que
presta ao seu portador.O valor do adorno autêntico vai além; tem suas raízes nas idéias
de todo o círculo social, e ramifica-se nelas. Por isso o encanto e a distinção com que
recobre o seu portador individual se nutre neste solo supraindividual. Seu valor estético
que é um “valor para os outros” se converte pela autenticidade, em símbolo de estima e
se encaixa no sistema geral de valores sociais.
Durante a Idade Média foi editada na França uma ordenação proibindo a todas as pessoas
de determinados estratos sociais o uso de peças de ouro. Este exemplo mostra
claramente a combinação característica do adorno. Nele se reúnem a distinção sociológica
e estética da personalidade, e o “ser para si” e o “ser para os outros” daí resultam
alternativamente como causas e efeitos. Segundo esse edito, a distinção estética, o
direito a cativar e agradar não poderiam ultrapassar o que determinasse a esfera social
do indivíduo. Justamente por isso, ao encanto que em geral é apanágio do adorno, se
acrescenta o valor sociológico de figurar como representante de um grupo e ver-se
“adornado” com toda a importância do mesmo. Ao próprio brilho que, partindo do
indivíduo, determina a ampliação da sua esfera,soma-se o sentido da classe social
simbolizada no adorno. Este aparece aqui como meio de transformar a força ou a
dignidade social numa distinção pessoal.
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em qualquer outro lugar no nosso corpo, que por esse motivo constitui a nossa primeira e
indiscutível propriedade. Estando o corpo enfeitado, no entanto, possuímos mais. Somos,
por assim dizer, senhores de coisas mais extensas e distintas, quando dispomos de um
corpo adornado. Assim faz sentido o fato de que tenha sido o adorno o primeiro objeto de
propriedade privada; porque ele determina aquela ampliação do eu, traça em volta de
nós uma esfera mais extensa que preenchemos com a nossa personalidade e que está
constituída pelo agrado e pela atenção do nosso entorno – meio que não se deteria para
nos olhar se não estivéssemos adornados. O fato de que nas sociedades primitivas a
propriedade primeira das mulheres seja o adorno que essencialmente existe para os
demais, não se acrescentando ao valor nem à significação do eu, mas por via da
aceitação de que o adorno é objeto, revela uma vez mais o seu princípio fundamental.
Para as grandes aspirações da alma e da sociedade que se compenetram e influenciam
reciprocamente – elevação do eu pelo fato de existir para os outros, e elevação da
existência para os demais pelo fato de nos ampliarmos e nos distinguirmos a nós mesmos
– o adorno criou uma síntese própria na forma do estético. Esta forma está em si mesma
acima das diversas aspirações humanas, que nela encontram não só um campo de
convivência tranqüila, mas aquele apoio mútuo que, quando da contenda das suas
manifestações, se ergue como intuição e garantia da sua profunda unidade metafísica.
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1.Proteção e Confiança
Neste tipo então, o que se oculta não são os indivíduos e sim o grupo que eles formam.
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A fragilidade das sociedades secretas está em que os segredos não se sustentam para
sempre, chegando-se mesmo a dizer que um segredo entre dois já não é mais segredo.
Por isso, a proteção oferecida pelas sociedades secretas se bem que absoluta é
temporária; e para objetos de valor social positivo, a sociedade secreta é de fato uma
transição de que, após um certo período desenvolvimento e de reforço, eles já não
precisam. Assim, o segredo pode se assemelhar à mera proteção que se ganha quando,
em vez de combater os obstáculos, nos poupamos disso mediante rodeios; chega o
momento em que emerge outro tipo de proteção, qual seja a força, que é capaz de
vencer os obstáculos e a evitação dos mesmos já não é tão necessária. Nestas condições,
a sociedade secreta é forma social apropriada para conteúdos que ainda se encontram
por assim dizer na infância, estando sujeitos à vulnerabilidade dos primeiros estágios de
desenvolvimento. Novas idéias, novas religiões, novas moralidades e novos pactos
costumam ser frágeis, necessitando de proteção, e por esta razão, se ocultam.
A esse caráter de proteção – que como qualidade exterior existe na sociedade secreta –
se soma a qualidade interna de confiança recíproca entre os membros; uma confiança
muito específica, a confiança na capacidade de guardar silêncio. Segundo o seu conteúdo,
as associações repousam sobre diversas premissas de confiança: confiança na capacidade
nos negócios, na convicção religiosa, na coragem, no amor, no senso de honra ou – como
no caso dos grupos criminais – na ruptura radical com as veleidades morais. Porém logo
que a sociedade se torna secreta, ela acrescenta a todas as formas de confiança
determinadas pelos objetivos da associação, a confiança formal no segredo. Em última
instância, esta confiança vem a ser a fé na personalidade; uma fé que tem caráter mais
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sociológico e abstrato do que qualquer outra, pois sob o seu conceito podem-se colocar
todos os conteúdos da vida comum que se queira. Além disso, acrescente-se que, salvo
exceções, não há outro tipo de confiança que necessite como esta, de renovação
subjetiva tão constante; pois quando se trata de crer na inclinação ou na energia, na
moral ou na inteligência, na honradez ou na discrição de uma pessoa, mais facilmente se
produzem fatos em que esta se possa fundamentar reduzindo ao mínimo as
possibilidades de desengano. Ao contrário, a chance de “falar”, a indiscrição, depende de
uma imprudência momentânea, de uma fragilidade ou excitação ocasional de um estado
de espírito com acento inconsciente.A preservação do segredo é algo instável; as
tentações da traição são muitas; o caminho que vai da discrição à indiscrição muitas
vezes é tão contínuo que a confiança incondicional na discrição implica uma
preponderância incomparável do fator subjetivo. Por esta razão, as sociedades secretas –
cuja forma rudimentar é o segredo compartilhado entre dois e cuja extensão por todos os
lugares e em todos os tempos ainda não foi apropriadamente avaliada, nem sequer do
ponto de vista quantitativo- são uma excelente escola de relação moral entre os homens.
Pois a confiança de um homem em relação a outro possui um valor moral tão elevado
quanto a devida correspondência a essa confiança; e esta ainda é mais meritória e livre,
porque a confiança que se nos outorga contém um uma força por assim dizer
compulsória, e para trai-la é preciso ser positivamente mau. Em contraste, a confiança é
“dada”; não podendo ser solicitada na mesma medida em que se pode exigir que a
honremos ao ser seus depositários.
2.O Silêncio
Em tudo isto, se expressa uma “falta de jeito” específica cuja essência parece consistir na
incapacidade de engendrar uma inervação adequada a determinado fim concreto: o
desajeitado move o braço inteiro quando para o fim desejado bastaria mover dois dedos
ou o corpo inteiro quando um movimento preciso e articulado do braço seria suficiente.
Por isso, no caso a que nos referimos, a associação psicológica intensifica em muito o
perigo da indiscrição e ao mesmo tempo não limita a sua proibição ao seu objetivo
concreto, estendendo-a a toda a função de falar. Se, por outro lado, a ordem secreta dos
Pitagóricos prescrevia vários anos de silêncio aos noviços, provavelmente pretendia mais
do que simplesmente educar para proteger os segredos da ordem – mas não por causa
daquela “falta de jeito”, mas ao contrário, com o objetivo de ampliar esse ensinamento,
levando o adepto não só a calar-se sobre os segredos da associação, mas também a
adquirir auto-controle em assuntos gerais da vida. A ordem objetivava uma rigorosa
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Outro meio de dar uma base sólida à discrição, foi aplicado pela ordem secreta dos
Druidas Gálicos. O conteúdo dos seus segredos estava contido particularmente em cantos
religiosos que todo druida deveria aprender de memória. Mas as coisas eram arranjadas
de tal maneira – especialmente graças à proibição de escrever esses hinos – que era
necessário um tempo extremamente longo que poderia atingir os vinte anos. Essa longa
duração do aprendizado resultava em que, antes de conhecer algo importante, digno de
revelação, produzia-se o hábito gradual da discrição e da habituação ao silêncio. A
tentação de revelar os segredos assim não caía de uma hora para outra sobre o espírito
ainda não disciplinado, o qual ia se preparando progressivamente para resistir a essa
tentação. No entanto a regra que não permitia que os cânticos fossem escritos alcança
uma esfera mais ampla do que a de simples medida protetora do segredo, alcançando
também assim uma relevância sociológica maior. O fato de os ensinamentos se basearem
no trato pessoal, da fonte da aprendizagem consistir exclusivamente na associação e não
em textos escritos objetivos, liga os indivíduos de um modo incomparável com a
comunidade e os faz achar que, desprendidos da substância coletiva perderiam a sua
própria e nunca a encontrariam em outro lugar.
É possível que não tenhamos enfatizado bastante até que ponto nas civilizações mais
antigas, a objetificação do espírito favorece a independência do indivíduo. Enquanto a
vida intelectual se faz determinar pela tradição imediata, pelo ensino individual e,
sobretudo, por normas estabelecidas por autoridades pessoais, o indivíduo permanece
encaixado solidamente no grupo vivo que o rodeia; só no grupo ele encontra a
possibilidade de ter paz interior; todos os canais pelos quais passam os conteúdos da
vida chegam até ele a partir do meio. Mas quando a tarefa da espécie passa a realizar
seus produtos visíveis em coisas duradouras em forma escrita, se interrompe aquela
corrente orgânica antes existente entre o grupo e seus membros individuais; o processo
da vida não liga o indivíduo de maneira contínua e exclusiva ao grupo, podendo ele
nutrir-se de fontes objetivas que não necessariamente se fazem presentes. O fato de que
essa provisão acumulada tenha origem em processos sociais é relativamente irrelevante.
Esses processos são bem remotos, tendo ocorrido em gerações que já não mantêm
sintonia com os sentimentos do indivíduo. Acima de tudo não obstante, está a forma
objetiva dessa provisão que está separada da personalidade subjetiva, abrindo assim
uma fonte suprasocial dependendo a medida e o tipo do seu conteúdo da sua capacidade
de aprender o que está sendo oferecido. Os laços especialmente estreitos que unem os
membros de uma sociedade secreta (de que falaremos depois) têm a sua categoria
afetiva principal na “confiança” o que sugere que quando a sociedade secreta tem como
objetivo principal a comunicação de conteúdos espirituais, é apropriado evitar a fixação
dos mesmos na forma escrita.
3. A Comunicação Escrita
Nossa consciência tem ao seu dispor uma forma peculiar a que podemos chamar “espírito
objetivo”, que consiste em que as leis naturais e os imperativos morais, conceitos e
formas artísticas estão ao dispor de quem quiser e puder apreendê-los, mas são
independentes quanto à sua validade de por quem e quando sejam apreendidos. A
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verdade como fenômeno intelectual é algo bem diferente do seu objeto efêmero:
continua a ser verdade, quer seja conhecida e reconhecida quer não. A lei moral e
jurídica é válida quer seja cumprida quer não. A escrita é um símbolo ou veículo visível
dessa categoria tão importante. Uma vez escrito, o conteúdo intelectual recebe uma
forma objetiva, uma existência em princípio independente do tempo e acessível a um
número ilimitado de reproduções sucessivas e simultâneas na consciência subjetiva, não
dependendo a sua significação ou a sua validade da presença ou da ausência dessas
realizações na alma dos indivíduos. Assim, a escrita é dotada de uma existência objetiva
que por assim dizer abre mão de toda a garantia de permanecer secreta.
A carta mais especificamente está desprotegida contra a indiscrição. Talvez seja por isso
que nos indignemos tanto diante da indiscrição quando se trata de cartas – de modo que
parece ser essa fragilidade que as protege e ao seu segredo. A mistura destes dois
contrastes – a ausência objetiva de qualquer garantia de segredo e a intensificação
subjetiva dessa garantia – faz da carta um fenômeno sociológico específico. A forma de
expressão escrita numa carta é uma objetificação do seu conteúdo que implica por sua
vez por um lado o fato de a carta ser endereçada a uma pessoa específica e por outro a
contrapartida deste fato, ou seja, o caráter pessoal e subjetivo em que o autor da carta
(diferentemente do escritor) se apresenta. É principalmente neste segundo aspecto que a
carta é uma forma única de comunicação. Quando os interlocutores estão no mesmo
lugar, um dá ao outro mais do que o conteúdo das palavras. Quando em presença de
outra pessoa penetramos na esfera dos seus sentimentos que nem sempre cabe em
palavras, porém manifesta em mil matizes de acento e de ritmo, o conteúdo lógico ou
desejado das suas palavras enriquece e se modifica, pois a carta oferece apenas
analogias mínimas. A vantagem e o inconveniente da carta consistem em que ela contém
em princípio só o conteúdo puro, momentâneo, objetivo, da nossa vida ideacional e calar
o que não podemos ou não queremos dizer. Mas a caraterística da carta é ser não
obstante, algo inteiramente subjetivo, momentâneo, unicamente pessoal, de modo algum
só quando é uma explosão de lirismo mas também quando é uma comunicação concreta
e perfeita. Esta objetivação do subjetivo, este desnudar o subjetivo de tudo o que no
momento não se queira revelar acerca da coisa e da própria pessoa, só é possível em
estágios culturais elevados em que os homens dominam a técnica psicológica o bastante
para imprimir forma duradoura aos seus pensamentos e sentimentos momentâneos, e
para considerá-los e recebê-los no entendimento de que eles são momentâneos e
comensuráveis na perspectiva do estado de coisas em questão. Quando um produto
interior assume o caráter de “obra”, esta forma permanente é inteiramente adequada;
mas na carta jaz uma contradição entre o caráter do seu conteúdo e o da sua forma. Só
mediante objetividade e diferenciação se pode produzir, tolerar e utilizar essa
contradição.
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dos desentendimentos.
4. Segredo e Sociação
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5. Hierarquia
O fato de que a sociedade secreta se deva organizar desde a base reflexivamente e por
vontade consciente, oferece um amplo campo de ação ao singular prazer de criação que
produzem semelhantes construções arbitrárias. Todo sistema – a ciência, a conduta, a
sociedade – implica uma manifestação de poder: submete uma matéria alheia ao
pensamento, a uma forma elaborada de pensamento. Se isto é verdadeiro quando se
trata das tentativas de organizar um grupo segundo certos princípios, com maior motivo
poderá dizer-se da sociedade secreta que não cresce, mas é construída, e que pode
contar com menos elementos parciais já formados do que qualquer outro sistema
despótico ou socialista. Ao prazer de planejar e construir, que já em si expressa uma
vontade de poder, soma-se, neste caso, uma incitação específica: a de dispor de um
amplo círculo de seres humanos idealmente submissos, para construir um sistema de
posições e hierarquias. Ocasionalmente tal paixão poderá desprender-se de toda utilidade
e espraiar-se na construção de edifícios hierárquicos totalmente fantásticos, como, por
exemplo, nos “altos graus” da Maçonaria. Como exemplo, indicarei algumas
particularidades da organização da “Ordem dos Mestres Construtores Africanos” que
vigorou na Alemanha e França em meados do século XVIII. Apesar de concebida sob
princípios maçônicos, objetivava a destruição da Franco-maçonaria. A administração
desta sociedade estava a cargo de quinze categorias: Summus Magister, Summi Magistri
Locum Tenens, Prior, Subprior, Magister, etc. Os graus da Ordem eram sete: o Aprendiz
Escocês, o Irmão Escocês,o Mestre Escocês, o Cavaleiro Escocês, o Eques Regii, o Eques
de Secta Consueta, o Eques Silentii Regii, etc.
6. Ritual
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Chama a atenção nos rituais das sociedades secretas não só o rigor com que são
observados, mas sobretudo a ansiedade e o cuidado com que se os mantém secretos,
como se o seu desvelamento fosse tão perigoso quanto o dos fins e atividades da
associação ou o da sua própria existência.
Some-se a isso que, mediante tal formalismo, assim como através da própria organização
hierárquica, a sociedade secreta se converte numa espécie de reflexo do mundo oficial, a
que se contrapõe. É amplamente difundida a norma sociológica segundo a qual os
organismos que surgem em oposição a outros mais amplos, repetem eles mesmos as
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formas das próprias estruturas a que se contrapõem. Só uma estrutura que possa ser
considerada um todo tem poder bastante para manter ligados a si os seus elementos.
Esse tipo de conexão orgânica em virtude da qual a mesma corrente de vida flui
passando por todos os membros do grupo, já é um empréstimo ao todo maior, a cujas
formas os membros estavam adaptados.É viável que a estrutura menor construa esse
todo justamente por imitá-lo nas suas estruturas.
7. Liberdade
Estas últimas reflexões conduzem aos princípios metódicos com base nos quais quero
analisar os traços das sociedades secretas que ainda é preciso examinar.A questão é, em
que medida estas sociedades representam modificações quantitativas essenciais dos
traços típicos que se dão na sociação de modo geral.A fundamentação da sociedade
secreta nos leva a considerar mais uma vez a sua posição no todo complexo das formas
sociológicas.
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outras qualidades, vai determinar a forma dos elementos do grupo ou do próprio grupo.
No entanto, de um ponto de vista histórico, a sociedade secreta é um fenômeno
secundário, por desenvolver-se no seio de uma sociedade já completa em si. Colocando
as coisas de outro modo, a sociedade secreta está tão caracterizada pelo seu segredo,
como outras – ou elas mesmas – se caracterizam pelas suas relações de superioridade ou
de subordinação, pelos seus fins agressivos, ou ainda pelo seu caráter imitativo. Mas o
fato de que se possa formar com tal caráter só é possível à condição de que já exista
uma sociedade. Dentro deste círculo mais amplo, ela se oporá como um círculo mais
restrito; qualquer que seja o objetivo da sociedade, esta oposição tem sempre um
caráter de isolamento. Mesmo a sociedade secreta altruística, que só se propõe a prestar
um certo serviço à totalidade pretendendo desfazer-se uma vez realizado este objetivo,
necessita inexoravelmente recorrer ao isolamento temporal como técnica para a
realização dos seus objetivos.
Já caracterizamos a coesão nas sociedades secretas que utiliza a reclusão contra o meio
que a envolve. Esta função encompassa sinais muitas vezes complicados de
reconhecimento mediante os quais o indivíduo se legitima como membro. Note-se que
antes de que houvesse uma difusão mais geral da escrita, estes sinais eram ainda mais
indispensáveis do que depois, quando os seus outros usos sociológicos se tornaram mais
importantes do que a mera legitimação. No que diz respeito às inscrições das pessoas,
uma associação que tivesse ramos em vários lugares diferentes, só tinha estes sinais
para excluir pessoas não-autorizadas, e para garantir que só certas pessoas pudessem
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O objetivo da reclusão fica bem claro no caso das ordens secretas entre povos da
natureza, especialmente em sociedades tribais africanas. São ordens constituídas só de
homens. O seu objetivo primeiro é marcar a diferenciação entre homens e mulheres.
Seus membros só aparecem mascarados e as mulheres são proibidas de aproximar-se
deles sob severas penalidades. No entanto, às vezes elas descobrem o segredo, no
momento em que se dão conta de que aquelas aparições tenebrosas nada mais são do
que os seus maridos. Quando isto acontece, as ordens perdem o seu significado e se
banalizam. O homem da natureza, com a sua concepção sensual e indiferenciada, não
pode imaginar separação mais perfeita do que a dos que se desejam ocultar, tornando-se
invisíveis. Este é o modo mais elementar e mais radical da ocultação: aquele em que o
segredo não se refere a uma atividade concreta do homem, mas ao homem inteiro.O
grupo não faz algo secreto, sendo a totalidade dos seus membros o que se faz secreto.
Esta forma de sociedade secreta corresponderia à mentalidade primitiva, para a qual a
personalidade como um todo se vê absorvida em cada atividade particular; a mentalidade
primitiva não objetiva uma ação específica nem lhe confere caráter distinto do sujeito
total. Assim se explica por que o isolamento do todo se torna inválido uma vez quebrado
o segredo da máscara e por que então, a associação perde a sua significação interna
junto com os seus meios de manifestação externa.
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A separação de tudo o que esteja fora do círculo é então uma forma sociológica que
simplesmente usa o segredo como técnica para acentuar-se. Esta separação assume um
matiz específico nos múltiplos graus em que se verifica a iniciação nas sociedades
secretas, até que se alcance os seus mistérios mais profundos. A existência destes graus
já foi alumiada quando falamos dos traços sociológicos da sociedade secreta. Via de
regra, se exige do noviço a declaração solene de guardar segredo sobre tudo o que vier a
experimentar, objetivando-se a separação absoluta e formal que essa atitude produz.No
entanto, uma vez que o real conteúdo ou objetivo da sociedade se torna acessível ao
neófito – quer este propósito seja a purificação e a santificação da alma mediante a
consagração de mistérios ou a absoluta supressão de toda barreira moral, como entre os
Assassinos e outros grupos criminais – o isolamento material se dá de modo diferente, de
maneira contínua e relativa. Neste aspecto, o novo membro ainda se encontra próximo ao
estado de não-iniciado, precisando ser posto à prova e educado, até conhecer todos os
objetivos da associação e considerar-se membro da mesma. Com isto,consegue-se ao
mesmo tempo proteger o coração da associação isolando-o do exterior, num grau maior
do que o produzido pelo juramento feito por ocasião do ingresso na ordem. Zela-se
(como no caso dos Druidas de que já falamos) para que o neófito ainda não confirmado
não tenha muito a revelar: no interior do segredo geral que encompassa o grupo como
um todo, estas revelações graduais levam a uma esfera elástica de proteção por assim
dizer, do mais íntimo e essencial da sociedade,(como se isso fosse possível).
[Egoísmo de Grupo]
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[h] Centralização
As sociedades secretas que por qualquer razão não desenvolverem essa autoridade
solidificadora estarão expostas a graves perigos. Os Waldenses, por exemplo,
originalmente não foram uma sociedade secreta; o grupo se tornou secreto no século
XIII, obrigado por pressões externas que os levaram a ocultar-se. Isso tornou impossíveis
as reuniões regulares, levando a que a sua doutrina perdesse a unidade e que se
produzissem vários ramos que passaram a viver e a se desenvolver separadamente,
sendo inclusive hostis entre eles mesmos. A ordem declinou à falta de um elemento
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[A Desindividualização]
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determinado de antemão, tendo para cada um deles um traje estilizado que recobre os
contornos pessoais, fazendo-os desaparecer.
Finalmente esta acentuação uniforme dos traços sociológicos gerais se confirma no perigo
que com ou sem razão, o círculo maior acredita haver nas sociedades secretas. Sempre
que a sociedade maior – sobretudo no campo político – deseja instaurar uma
centralização acentuada, costuma-se coibir as associações, independentemente dos seus
conteúdos e propósitos. Simplesmente por ser unidades, estes grupos competem com o
princípio da centralização que deseja reservar unicamente a si a faculdade de reunir
elementos numa unidade. A preocupação do poder central com as “associações especiais”
perpassa toda a história política -ponto este que é relevante em muitos aspectos para
este estudo. Um exemplo representativo deste tipo de preocupação é a Convenção Suíça
de 1481, segundo a qual não podiam ser celebradas quaisquer alianças entre os dez
Estados confederados. Outro exemplo, são as perseguições de que foram alvo as
associações de aprendizes por parte do despotismo nos séculos XVII e XVIII. Um terceiro
é a tendência do Estado Moderno de despojar comunidades políticas locais dos seus
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direitos. Este perigo das associações particulares para como o todo que as rodeia,
aparece claramente na sociedade secreta. Raramente o homem tem uma atitude serena
e racional diante de pessoas e de coisas desconhecidas ou pouco conhecidas. A sua
atitude consiste em parte em tratar o desconhecido como se este não existisse e por
outro lado, numa ansiosa fantasia que, ao contrário, faz com que se vejam grandes
perigos levando ao terror. Assim, a sociedade secreta parece perigosa meramente em
virtude do segredo. É impossível saber se uma certa associação virá um dia a usar as
suas energias e os seus recursos em princípio legais, com propósitos indesejáveis : daí a
suspeita e o medo que os poderes centrais votam a qualquer forma de associação dos
seus súditos.
Com relação a grupos que têm como princípio a ocultação, a suspeita que recai sobre os
perigos desse segredo ainda é maior. As Sociedades Orangistas que existiram na
Inglaterra no século XIX com objetivo de reprimir o catolicismo, evitavam qualquer
discussão pública trabalhando sempre em segredo, através de relações e
correspondências pessoais. Foi justamente esse comportamento secreto que as fez
parecer perigosas: suspeitou-se de que “homens que evitavam expor-se à opinião
pública, viessem a tentar um golpe de força”. Só por causa do seu segredo, as ordens
secretas se afiguram demasiadamente próximas de uma conspiração contra os poderes
existentes.Mas se trata de uma suspeita exacerbada que em geral as associações
despertam no mundo da política, como bem mostra o exemplo seguinte. As guildas
germânicas mais antigas ofereciam aos seus membros uma proteção legal efetiva, assim
substituindo a proteção que viria do Estado. Por isso, os reis dinamarqueses as
favoreceram, vendo nelas um suporte à ordem pública. Por outro lado, pela mesma
razão, as guildas foram consideradas competidoras diante do Estado e os seus capítulos
franceses condenados como conjurações sediciosas . A sociedade secreta é considerada
uma inimiga do poder central a tal ponto, que se qualifica como tal qualquer associação
política indesejável.
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