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ARBOLEYA, Valdinei1;
BRINGMANN, Danieli2
RESUMO: O presente trabalho busca uma reflexão a cerca dos resultados alcançados
no desenvolvimento de um projeto de estímulo à formação da prática de leitura com
crianças com idade entre 3 e 5 anos, no Centro Municipal de Educação Infantil Nona
Gema na cidade de Toledo PR. Ao observar as brincadeiras livres das crianças,
percebeu-se que os super-heróis dominavam temas e sentidos do brincar perfazendo-se
nos gestos, nas falas e na idéia de dominação e poder que marcam a trajetória desses
personagens na TV, estando ainda muito presentes na argumentação e nas atividades
dirigidas realizadas em sala, incluindo aqui os momentos destinados à leitura.
Considerando tal situação frente à necessidade de criar estratégias de promoção da
prática de leitura como uma atividade tão instigante e desafiadora quanto os trejeitos
dos super-heróis, buscou-se estabelecer um projeto de ensino e literatura que abrangesse
a realidade sociocultural dessas crianças envolvendo suas famílias na prática educativa e
despertando o interesse pela leitura. Neste sentido, parte-se do principio de que um
programa de incentivo à leitura deve considerar a dinâmica da realidade sociocultural,
não limitando seu papel motivador à distribuição de livros e a tépidos momentos de
contação, mas instigando a imaginação, a curiosidade e a interação com a obra literária.
Pautados nessa idéia, buscou-se despertar o interesse pela literatura através da prática de
contação de histórias utilizando-se de personagens clássicos que povoam o imaginário
infantil e de personagens contemporâneos, super-heróis dos desenhos animados e filmes
como estimuladores da leitura, envolvendo ainda a família como agente metodológico.
Sabe-se que estes personagens estão opostos à dinâmica de literatura e leitura do
trabalho pedagógico por serem ícones da indústria cultural, contudo, dada à influência e
o fascínio que exercem, podem servir como agentes estimuladores da leitura inseridos
numa proposta pedagógica. A relação entre estes personagens busca oferecer um novo
olhar sobre a literatura considerando um público literário e ouvinte ainda em formação,
com grande predomínio do pensamento mágico e do elemento maravilhoso
1
Educador do Centro Municipal de Educação Infantil Nona Gema – Toledo PR. Bacharel em Ciências
Sociais e licenciado em Sociologia pela UNIOESTE. Pós-graduado em Arte Educação e metodologias do
Ensino pela Faculdade Pe. João Bagozzi. vjarboleya@hotmail.com
2
Educadora do Centro Municipal de educação Infantil Nona Gema – Toledo PR. Licenciada em Normal
Superior pela Faculdade Sul Brasil – FASUL; Pós-graduada em Arte Educação e metodologias do Ensino
pela faculdade Pe. João Bagozzi.danibrink@ibest.com.br
necessitando aproximar-se do pensamento sistematizado sem perder a intimidade com o
mundo lúdico que os cerca, aprendendo assim a importância da prática de leitura.
PALAVRAS-CHAVE: literatura infantil, contação, personagens, imaginação.
INTRODUÇÃO
A arte literária se configura como uma produção intelectual que transcorreu
séculos passando por metamorfoses que reelaboraram seu conteúdo estético e
ideológico até os dias de hoje. A história nos remonta a uma arte que nasceu marcada
pela oralidade e aos poucos foi ocupando novos sentidos na vida dos povos, fato que, de
acordo com Busatto (2006: 86-87), deveu-se tanto à mudanças culturais, sociais e
econômicas gestadas pela história, quanto pelo empenho de narradores orais enquanto
sujeitos capazes de se adaptar a diversidade de públicos e situações, agregando ouvintes
encantados com a empatia mnemônica e a narrativa situacional que levavam.
Desde seu surgimento a obra de arte literária foi se renovando e se
sedimentando, ganhando aspectos de erudição, de popularidade, de regionalismo entre
outros gerando literaturas secionadas. Essas marcas literárias adicionadas à narrativa
foram intensificadas quando a oralidade deixou de ser material organizacional
suficientemente válido em função do advento da escrita como fenômeno apoteótico de
registro histórico: “a descoberta da tecnologia escrita provocou impactos sobre os
homens e sobre as civilizações de onde surgiram” (BUSATTO, 2006: 88).
A distinção de gêneros literários é resultado desse processo histórico de
descobertas e inovações que o próprio homem fez a respeito da língua enquanto código
verbal que propicia uma oralidade mais comprometida com padrões eruditos da língua e
que, por seu próprio espaço acabou por gerar divisões do que hoje chamamos de
literatura oral, religiosa, de cordel, romântica, academicista, infantil entre outras
subdivisões de abrangência real.
Entre todos estes gêneros, nos deteremos aqui, principalmente a constituição da
literatura infantil como gênero singular tornado modo de representação de idéias e
valores para crianças e adultos de uma forma geral, sobretudo, por se tratar de um
gênero utilizado pelas ciências da educação como veículo de relvada importância na
construção do sujeito cognitivo, pois é a partir das histórias infantis que as crianças
entram em contato com os conhecimentos historicamente acumulados, com a escrita e
com a oralidade de um povo.
Outro aspecto de relevância metodológica reside no fato de que a abordagem
dada a este projeto é a forma com qual a literatura oral, convencionada no contexto
pedagógico como ‘contação de histórias’, passou a ser utilizada como instrumento de
incentivo a leitura. Contar histórias hoje em dia não é apenas um recurso cultural
divulgado por grupos da cultura popular, é também uma atividade pedagógica que não
se caracterizar apenas pela habilidade artística e comunicacional de quem conta, mas
também de se inserir no contexto de uma cultura letrada, que se apropria da escrita
como meio instigador e registrador da história. “A narração oral está ligada ao contexto
pedagógico, e não é raro encontrar a solicitação de um contador de história para
dinamizar o processo de leitura.” (BUSATTO, 2006: 30)
Neste caso é conveniente ressaltar que o conto narrado pode funcionar como
estímulo para o estudo de diferentes áreas do saber, para o desenvolvimento de
habilidades cognitivas e, sobretudo, para o endossamento da diversidade cultural através
da narrativa histórica que apresenta à criança a oportunidade de conhecer um dado povo
ou cultura através do olhar poético que o escritor (e o contador) lança sobre a realidade
desse povo. (BUSATTO, 2003). Esta abordagem se deve principalmente ao fato de que
a criança reproduz a obra literária através de sua prática cotidiana e das intenções e
atividades que o professor estimula no trabalho pedagógico, mas uma história infantil
não é, ou quase nunca é escrita por crianças, é uma obra dirigida a este público, mas é
de “invenção e intenção do adulto” (MEIRELES, 1984: 29). Daí procede à necessidade
de se atentar para a inserção de juízos de valores e a conformação de padrões culturais
no cotidiano infantil. Assim como, reconhecer a necessidade de se criar uma rede de
estímulo e agenciamento da prática literária desde a infância observando a realidade
sociocultural da criança onde se insere a prática educativa. O professor deve buscar a
promoção desta prática utilizando-se de mecanismos que despertem a atenção da
criança e a sua sensibilidade mágica. É o que procuramos apresentar de forma mais
reflexiva e não tanto metodológica nas discussões que seguem e que, são frutos das
observações e registros durante a realização do projeto.
DESENVOLVIMENTO
A obra de arte literária não é apenas uma criação voltada para o lazer nem
tampouco um mecanismo pedagógico de origem escolar, é uma arte e uma forma de
lidar e de representar o mundo real, seja através da descrição tensa desse real
transformada em narrativa com personagens fictícios, seja pela criação de personagens
animados pela consciência encantadora do escritor, elementos maravilhosos que nascem
e se refazem pela leitura do real transformado em encantamento. Essa característica
essencial da obra infantil se constitui como um elo do real para o imaginário e deste
para o real que age no sentido de cooptar dados da realidade discutidos a luz dos
conflitos da prosa. Por esse motivo não existe nenhuma possibilidade de ausentar a
literatura infantil da influência de padrões e formas de interpretação do mundo e das
relações sociais.
∗
As idéias relativas ao desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo tem por base as concepções
teóricas de Theodor Adorno, neste trabalho debatidas a luz da obra: PUCCI, Bruno. Adorno: O poder
educativo do pensamento crítico. Petrópolis, RJ. Ed. Vozes, 1999.
Tal realidade coloca o educador diante da necessidade de se tornar também ele
um agente crítico e reflexivo trilhando caminhos alternativos. Nesta intenção, buscou-se
propostas metodológicas capazes de aproveitar o aspecto positivo de cada fator e de
despertar o interesse e o prazer pela leitura, encontrando na prática tradicional da
contação de histórias um caminho possível que unisse esses dois pólos favorecendo o
desenvolvimento da linguagem oral, escrita, da imaginação e do prazer pela leitura.
Desenvolver o interesse e o hábito pela leitura é um processo constante que
deve ser iniciado desde as primeiras fases da infância, ainda em casa, aperfeiçoado pela
escola e continuado por toda a vida. No caso específico da educação infantil, para onde
focamos nossa análise, a condição básica de formação de hábitos literários e o
desenvolvimento da linguagem oral e escrita podem ser expressos por aquilo que
Bamberguerd (2000: 71) chama de ‘atmosfera literária” que é encontrada em casa e
aperfeiçoada em outros ambientes e instituições. Assim, as instituições de ensino de
uma forma geral, buscam conhecer e desenvolver na criança as formas cultas e as
competências da leitura e da escrita que ela já deve possuir sob a forma sensorial – uma
leitura sensorial – desde o ambiente familiar. É nesse processo que a literatura infantil e
a narrativa oral se tornam ferramentas fundamentais capazes de transformar o sujeito
ouvinte em sujeito ativo. Para Bakhtin (1992) o contato com a narrativa gera situações e
sensações que nos impulsionam à reflexão e à identificação com personagens, fatos e
conflitos de maneira positiva, gerando uma forma de conhecimento produtivo,
cognitivo, ético e estético.
O desenvolvimento da linguagem oral e escrita é fundamental para a formação
de um bom leitor, porém, devem-se considerar outras estratégias como mecanismos
agenciadores na construção de hábitos literários e no tocante a este aspecto reside a
intenção da prática da contação de histórias e projetos de literatura, que no contexto da
Educação Infantil devem ser articulados como práticas dinamizadas e entrelaçadas a
outros eixos do conhecimento. Em outras palavras, não podem se limitar à distribuição
de livros e a tépidos momentos de contação, mas considerar a realidade sociocultural,
suas carências e subprodutos e partindo delas, propor atividades referentes à leitura
iconográfica e escrita instigando a imaginação, a curiosidade e a interação com a obra
literária em seus múltiplos aspectos.
O panorama elementar focado nesta abordagem toma por pressuposto
fundamental a viabilidade de formação cognitiva, sensorial, motora e cultural da criança
através da prática de contação de histórias, agenciando por via desta prática novas
perspectivas metodológicas que despertem a imaginação e o interesse pela literatura. As
diferentes formas de contação de histórias, considerando aqui esta prática milenar
revista e ampliada segundo a natureza pedagógica, as necessidades vivenciadas no
processo de ensino aprendizagem, procura utilizar os personagens que povoam o
imaginário infantil como veículos instigadores capazes de colocar a criança em contato
com a obra viva, que é a personagem contadora. Um personagem narrador, portanto,
não se constitui apenas como um ser distante e irreal para a criança, mas alguém com
quem ela pode se relacionar e interagir usando sua habilidade de entrar no mundo da
personagem e estar com ela nesse ambiente encantado e, a partir da experiência
proporcionada pela narrativa, trazê-la para a sua realidade vivida, propondo trocas
simbólicas de resoluções de problemas. Esta condição de experimentação recíproca
pode ser caracterizada pelo o que Benjamin apresenta como o prolongamento da
narrativa, momento em a narração aberta permite ao ouvinte viajar pelo fantástico, pelo
maravilhoso, pela reticência: “o narrador colhe o que narra na experiência, própria ou
relatada. E transforma isso outra vez em experiência dos que ouvem sua história.”
(BENJAMIM, 1983: 60).
Nesse sentido, a constituição de um personagem narrador é algo capaz de nos
conduzir a reflexividade, isto é, de gerar o que Bakhtin (1992) denominou como a
habilidade de refletir e se identificar com a narração. Assim, buscamos apresentar a
personagem em tempo real – considerando o conceito de realidade como a possibilidade
de materialização e não de transformação do encantado em realidade social – como
contadora e agenciadora de reflexões possibilitadas a partir da narrativa de outras
histórias, com outros personagens e conflitos.
No tocante a este aspecto convém salientar que não existe aqui a intenção de
desvirtualizar a prática da contação de história de sua característica original, mas de
reforçar a criatividade da narrativa oral através de um personagem contador figurativo
que no momento de sua narração não tem a intenção de personificar a história narrada e
a sua própria história, ao contrário, busca se apropriar dos elementos do teatro com
moderação e bom senso para criar imagens verbais, sonoras e corporais.
A contação de histórias considera a diferença fundamental entre narrar e
representar como via de sua existência singular, enquanto a representação de histórias
põe o personagem na condição de elemento da narrativa, a contação de histórias cria
mecanismos descritivos para que o ouvinte chegue a este personagem por meio da
história narrada:
Iniciada a narrativa começam a surgir os primeiros indícios de representação:
o corpo de um personagem, a voz de outro. A linguagem teatral é um recurso
didático rico, mas tem elementos distintos daqueles da narrativa. No teatro
usamos o gesto exato de cada personagem, sua voz, seu pensamento, de tal
maneira que ele se apresente inteiro para quem esteja assistindo. Na narrativa
este personagem será concebido pelo ouvinte através dos elementos
oferecidos pelo narrador (BUSATTO, 2003: 74).
CONCLUSÃO
Procurou-se no decurso deste trabalho, criar uma seqüência que pudesse tanto
despertar a imaginação criadora da criança quanto o seu interesse pela leitura.
Compreendendo que tal ação não depende exclusivamente do trabalho do educador, mas
que faz parte de um processo de formação de leitores buscou-se aproximar a família no
desenvolvimento das ações, colocando-a também na posição de contadora, de
estimuladora, pretendendo com isso ampliar as possibilidades de sucesso dos
procedimentos adotados. É notório destacar que, durante o andamento das atividades,
pôde-se perceber um interesse maior pela contação de histórias, e pela própria história
representada como livro. Um fator considerável é o fato, experimentado durante as
atividades, de que a capacidade de associação das crianças se ampliou, não apenas com
relação à observação de situações cotidianas e de objetos que lembrassem os
personagens e as histórias, mas construindo relações e comparações no plano da
linguagem oral, iconográfica e escrita, ao associarem, por exemplo, a grafia de seus
nomes aos das personagens e às histórias listadas durante o desenvolvimento das ações.
No tocante a este aspecto, merece destaque a interação entre as turmas no
desenvolvimento de ações encadeadas para toda a instituição e de atividades
compartilhadas entre as turmas.
No tocante à importância da literatura para a vida social, cultural, afetiva e
cognitiva da criança reside o particular universal de que a literatura possui a força de
antecipar experiências, possibilitando à criança vivenciar situações ou refletir sobre elas
como uma personagem em ação. A literatura se faz presente na formação do homem,
para Zilbermam (1990) ela pode inclusive atuar como um meio de reorganização da
vida interior e exterior a partir do momento em que aciona a fantasia e suscita um
posicionamento intelectual pela capacidade que o texto possui de representar o mundo,
ainda que seja sob uma ótica da invenção, produzindo capacidades de reconhecimento
em quem lê ou ouve a narrativa. A utilização das personagens contemporâneas como
agenciadores da leitura foram de grande valia na formação da opinião da criança a cerca
da prática de leitura.
O desenvolvimento do projeto favoreceu uma ampliação significativa na
capacidade de concentração, imaginação e criação entre as crianças, percebidas em
momentos distintos da rotina diária, desde as brincadeiras livres, às atividades dirigidas
e também na interação com o meio e no próprio relacionamento das crianças consigo
mesmas.
A prática de contação de histórias se configura como um recurso constante no
cotidiano pedagógico, muitas vezes utilizado muito mais como um momento de lazer do
que como um recurso metodológico. As personagens elencadas por meio da contação
constituem-se, em sua grande maioria, de personagens clássicas que convivem ao lado
de heróis da televisão através das outras atividades diárias da criança, muitas vezes,
tomando o lugar das primeiras muito antes que o esperado, isto é, se constituindo como
únicos personagens do universo mágico da criança.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BAMBERGUERD, Richard. Como incentivar o hábito da leitura. 7. Ed. São Paulo:
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BENJAMIM, Walter. O Narrador. In: Os Pensadores. 2. Ed. São Paulo: Abril Cultural,
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