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AS CIDADES E OS OLHOS – Páginas 97

Vadeado o rio, transposto o vale, o viajante encontra-se, subitamente,

diante da cidade de Moriana, com as portas de alabastro transparentes à luz do

sol, as colunas de coral que sustentam frontões incrustados de serpentina, as

aldeias inteiramente de vidro como aquários em que nadam as sombras de

dançarinas com adornos prateados sob os lampadários em forma de medusa.

Se não é a sua primeira viagem, o viajante já sabe que cidades como esta têm

um avesso: basta percorrer um semicírculo e ver-se-á face obscura de Moriana,

uma ampla lâmina enferrujada, pedaços de pano, eixos hirtos de pregos, tubos

negros de fuligem, montes de potes de vidro, muros escuros com escritas

desbotadas, caixilhos de cadeiras despalhadas, cordas que servem apenas para

se enforcar numa trave podre.

Em toda a sua extensão, a cidade parece continuar a multiplicar o seu

repertório de imagens: no entanto, não tem espessor, consiste somente de um

lado de fora e de um avesso, como uma folha de papel, com uma figura aqui e

outra ali, que não podem se separar nem se encarar

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