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Notas de Pesquisa

Escrita da História
DOI: http://dx.doi.org/10.20396/resgate.v25i1.8648247

Não é mais sobre


fotografia, é sobre arte
contemporânea: alguns
apontamentos
It is no longer about photography,
Paula Cabral Tacca
Universidade Estadual de Campinas
it is about contemporary art: some
(Unicamp) notes

Resumo Abstract
Este artigo tem por objetivo pensar a fotografia This article aims to think about photography
inserida no discurso da arte contemporânea, inserted in the context of contemporary art,
considerando que, embora o fotográfico na con- considering that, although contemporary
temporaneidade tenha vários vieses, é na expe- photography has several biases, it is in the
rimentação dos artistas e seus processos atuais experimentation of artists and their current
que a fotografia se desgarra definitivamente de processes that photography definitely turn
um lugar comum, se alocando no não específi- out from a common place, allocating itself
co, na fragmentação e na multiplicidade de sen- into the non-specific, the fragmentation and
tidos, formas, suportes e relações que a deman- the multiplicity of meanings, forms, supports
da do tempo atual permite e exige. and relations demanded for the present time.
Palavras-chave: Fotografia; Arte contempo- Keywords: Photography; Contemporary art;
rânea; Exposições. Exhibitions.

Resgate - Rev. Interdiscip. Cult., Campinas, v. 25, n. 1 [33], p. 333-378, jan./jun. 2017 – e-ISSN: 2178-3284 333
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I n t r o d u ç ã o
A fotografia não se destina sempre estritamente apenas às representações “terrestres e
humanas” que sempre lhe foram reconhecidas. A foto também pode nos fazer decolar,
fazer o real oscilar em direção ao irrepresentável mais fundamental e mais experimen-
tal, pode nos revelar seu ‘ser-anjo’, esquecido ou oculto com demasiada frequência.

Philippe Dubois (1990, p. 268).

É
incrível como a fotografia e os ter of Photography, em Nova Iorque, e o
debates em torno do seu lugar Centre Georges Pompidou, em Paris, apre-
na escrita da história (da huma- sentaram ao público exposições que
nidade, da ciência e das artes) e dos carregavam tal pergunta,propondo,
papéis que ela ocupa nos discursos por diferentes caminhos, o debate e
contemporâneos, não cessam de re- o pensamento sobre a natureza da
tornar. Por vezes, certas discussões, fotografia hoje. Refiro-me às mostras
que em momentos consideraríamos What is a photograph?(2014), com cura-
superadas, voltam à tona com uma doria de Carol Squiers, e Qu’est-ce que
força surpreendente, tornando difícil la photographie? (2015), com curadoria
se desvencilhar dos temas que acom- de Karolina Ziębińska-Lewandowska
panham o fotográfico desde suas ori- e Clément Chéroux. Essas exposições
gens. No campo da arte, vemos voltar
nos ajudam a pensar em como, de
a ganhar força nesse início do século
mais a mais, o fotográfico se inscreve
XXI, por exemplo, especialmente em
na história e, de certa forma, funda-
exposições de grandes e importantes
menta boa parte da escrita da história
museus de fotografia e de arte moder-
da arte contemporânea, a partir dos
na/contemporânea, a pergunta que
processos e estratégias expressivas
acompanha o fotográfico desde seus
que questionam o meio, desprezam
primórdios: o que é a fotografia?
conservadorismos e enxertam novas
Recentemente, duas grandes institui- formas de uso da fotografia dentro do
ções museológicas, o International Cen- discurso artístico, seja enquanto ferra-

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menta de produção ou enquanto es- era do digital, reexaminam criativamente


a fotografia analógica, fazendo com que
sência e fundamento das obras.
ambas: fotografia digital e analógica, a
partir de criações híbridas fluam juntas
em seus processos criativos.1

Dentre as obras apresentadas, majo-


What is a photograph?
ritariamente recentes, temos os tra-
balhos de Lucas Samaras, produções
mais antigas, datadas do final da dé-
A primeira propõe o olhar principal-
cada de 1960 até meados da década
mente para a questão da virada digital,
de 1970 (Imagens 1 a 3).
mas também para a produção de artis-
tas que desafiam o sistema maquínico Samaras é um dos primeiros artistas a
e social estabelecido para a fotografia, fazer uso da polaroide de maneira não
a retirando de um lugar comum de documental e vernacular, inserindo a
registro e documentação. Suportes di- câmera, e seus processos, no discurso
ferenciados, intervenção no suporte – de sua produção que já vinha sendo
seja ele papel ou não –, interferência no construída em suportes diversos tais
processo de feitura (revelação/impres- como o escultural, o pictórico e o per-
são da imagem), associação a outras formático.
especificidades expressivas - pintura,
escultura, por exemplo - ou a objetos e A princípio, usando uma Polaroide
instalações, enfim, um sem número de 360, o artista interferia na superfície
caminhos que a criatividade dos artis- da imagem produzindo pontos e mar-
tas nos permite, enquanto espectado- cas de tinta que encobriam detalhes
res, percorrer. mundanos e banais e as áreas fora
de foco. Essas marcas repetiam ou se
Segundo Carol Squiers (2014, p. 9-10), assemelhavam muitas vezes, aos ele-
esses artistas reinventam e redefinem o mentos que compunham seus objetos
papel da luz, da cor, da composição, da esculturais: cacos de vidro, lâminas de
materialidade e dos temas tratados na barbear, penas, contas...
(“arte da”) fotografia e, confrontados com
uma inesperada revolução fotográfica na 1 Tradução livre da autora a partir do original em inglês.

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Imagem 1 - Box 68 [aberta e fechada], de Lucas Samaras (1968).

Fonte: National Gallery of Australia (2016).

Imagem 2 - Auto Polaroid, de Lucas Samaras (1969-1971).

Fonte: National Gallery of Australia (2016).

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Entretanto, em 1973 a Polaroid Cor- ning, em moda na época: “ela me per-


poration disponibiliza para Samaras mite desenvolver meu happening num
seu novo modelo, a Polaroide SX-70 tempo próprio e apresentá-lo quando
cuja emulsão permanecia maleável pronto, sem riscos de erro”2.
enquanto a imagem se formava, o que
Outro destaque, dentre artistas mais
lhe permitiu manipular o processo de
consolidados no campo da pintura, é
feitura dessa imagem através da pres-
Gerhard Richter, que tem apresenta-
são contra a pele plástica que recobria
das suas fotografias vernaculares pin-
o suporte. Dessa maneira, seu próprio
tadas (Imagens 4 e 5). Pinturas estas
“corpo fotográfico” se tornava mol-
que, por vezes, propõem a relação téc-
dável e transformável, num processo
nica com os óleos sobre tela do artista,
criativo que tinha um resultado carre-
por outras se caracteriza por pincela-
gado de subjetividades e significações
das grossas, que constroem camadas
próprias do artista, que afirma que as
densas de abstração no figurativo fa-
fotografias remetem aos seus medos,
miliar ou de paisagens. .
narcisismos e memórias. Segundo Sa-
maras (apud SQUIERS, 2014, p. 14), a Imagem 4 – 16.03.03, de Gerhard Richter (2003).

Polaroid foi uma alternativa ao happe-


Imagem 3 - Photo-Transformation, de Lucas Samaras
(1973-76).

Fonte: Squiers (2014, p. 164).

O ritmo das obras se dá no diálogo


ente fotografia e pintura, a partir das
sobrecamadas e das transparências/
opacidades que o artista cria na ima-
gem. O processo do Richter, mais co-
Fonte: Squiers (2014, p. 190). 2 Tradução livre da autora.

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nhecido até então por suas pinturas 6). Seu trabalho se desenvolve em es-
hiper-realistas, é desenvolvido a partir pecial a partir do uso do erro: exagero
de um incidente no atelier, durante a ou troca de químicas na revelação, uso
pintura de um quadro. Ao perceber de uma iluminação diferente durante
o gotejamento da tinta na imagem o processo de produção da cópia po-
fotográfica em que se baseava para sitiva, movimentos inesperados de câ-
produzir uma de suas telas, ele decide meras durante as tomadas, reposicio-
interferir intencionalmente no álbum namento do filme na câmera etc. Uma
familiar e de viagens. E, em conjun- verdadeira “enciclopédia de erros”
to com a produção das telas, conti- (HAMBOURG apud SQUIERS, 2014,
nuou desenvolvendo esse processo p. 16), que por vezes tem as imagens
de pintura sobre suporte fotográfico ainda trabalhadas pelo artista, com
por mais de duas décadas (SQUIERS, tintas sobre o negativo ou sobre o pró-
2014, p. 18-19). prio papel fotográfico (originalmen-
te, Polke era pintor), resultando num
Imagem 5 - Firenze (16/99), de Gerhard Richter (2000).
conjunto variado e sem estilo/técnica
definidos, extremamente originais. .

Imagem 6 - Sem título, de Sigmar Polke (1970).

Fonte: Squiers (2014, p. 168).

Fonte: Squiers (2014, p. 138).


Sigmar Polke, também presente na
mostra, apresenta fotografias produ- Artistas mais recentes aparecem tam-
zidas especialmente a partir do total bém com grande força na exposição. É
jogo com as regras do meio (Imagem o caso, por exemplo, de Marlo Pascual,

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norte americana que produz obras a um resultado final, enquanto série, que
partir de arquivos fotográficos – às vezes apresenta ao espectador fotografias
próprios, mas majoritariamente apro- que vão desde uma paisagem figurati-
priados –, e hibridizados com objetos va emoldurada pela ação da água nos
cantos externos do papel fotográfico,
e elementos cotidianos (velas, bancos
até imagens quase abstratas, visto que
de madeira, pedras, plantas etc.), ou
a camada criada pela atuação da água
submetidos a intervenções digitais ou
causa um quase completo desapareci-
manuais da artista, ganhando quase mento do figurativo paisagístico.
sempre um toque tridimensional e es-
cultórico (Imagem 7). São obras que Letha Wilson aparece na exposição com
não se alocam especificamente, mas suas grandes impressões em alumínio e
transitam no campo da foto- Imagem 7 – Sem título, de Marlo Pascual (2011).
grafia e da escultura, seja pela
força de um objeto concreto
presente, seja pelo alcance tri-
dimensional da materialidade
fotográfica, na maioria das ve-
zes, impressões cromogênicas
e acrílico.

Outro destaque na exposição


é Mathew Brandt com sua sé-
rie de lagos e reservatórios, na
qual ele afunda as impressões
fotográficas nas águas que
aparecem representadas na fo-
tografia (Imagem 8). O resulta-
do, em função dos papeis que
utiliza, das cores do próprio
ambiente ou de sua saturação,
e do tempo de imersão da ima-
gem na água, varia muito de
uma imagem a outra, tendo Fonte: Squiers (2014, p. 132).

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Imagem 8 - Mary’s Lake, MT 4, de Matthew Brandt (2012).

Fonte: Squiers (2014, p. 82-83).

com uma artesania própria na materia- Imagem 9 - Colorado Purple, de Letha Wilson (2012).

lidade – alumínio, madeira, concreto e


papel fotográfico – produz obras a par-
tir de recortes, colagens, construções de
instalações, que trazem novamente o
diálogo entre fotografia e escultura ou
entre bidimensional e tridimensional
(Imagem 9).

Junto com estes, muitos outros ar-


tistas (Marco Breuer, Liz Deschenes,
Adam Fuss, Owen Kydd, Floris Neu-
süss, Eileen Quinlan, Jon Rafman,
Mariah Robertson, Alisson Rossiter, Fonte: Squiers (2014, p. 248).

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David Benjamin Sherry, Travess Smal- binet de Photographie do Centro Ge-


ley, Kate Steciw, James Welling, Artie orges Pompidou e atualmente curador
Vierkant e Christopher Willians), por do MoMA de San Francisco, afirma que
diferentes caminhos e modalidades a exposição, a partir de obras, artistas,
expressivas de um trabalho que tem lugares, estratégias e pontos de vista e
como parte, ou essência, a fotogra- de pesquisa diversos, tem por objeti-
fia em suas variadas formas técnicas vo provar que nunca houve, ou haverá,
e processuais, formam um conjunto uma resposta fechada para aqueles que
amplo e diverso de práticas e proces- se deleitam com explicações ipsis litteris
sos contemporâneos que têm como sobre questões de um mundo onde o
cerne a fragmentação, as camadas e a unívoco não tem espaço, que é o mun-
criação de mundos particulares, espe- do da fotografia, isto é, a resposta para
cialmente a partir do diálogo, não só a pergunta O que é a fotografia? não tem
entre especificidades e técnicas artís- resposta de fato; ou melhor, tem tantas
ticas, mas entre a fotografia analógica respostas quanto a capacidade de cria-
e digital, e destas com as artesanias e ção e produção dos artistas no âmbito
interferências subjetivas dos artistas. do fotográfico3.

Qu’est-ce que la photographie? Na exposição, bem como no catálogo, as


obras são dispostas em blocos temáticos
Já na segunda exposição que me pro- que englobam de três a cinco subtemas,
ponho a analisar no presente artigo, alocando uma obra em cada um destes
ou seja Qu’est-ce que la photographie?, sub-blocos. A exceção é Ugo Mulas, que
temos principalmente obras que an- ocupa sozinho o último deles, “Des véri-
tecedem à denominada virada digital, fications”, com uma série homônima de
mas que da mesma forma, respon- fotografias em que analisa e verifica a
dem à célebre questão “O que é a foto- fotografia a partir de suas características
grafia?” a partir de vários lugares, ações temporais, e também a partir daquilo
e pontos de vistas. Trata-se de uma ex- que o maquínico e o mecânico conse-
posição aparentemente didática, mas guem captar no instante fotográfico.
que, na realidade, tem como objetivo
ser uma das ironias mais elaboradas De acordo com Chéroux (2015, p. 140),
que já se viu sobre o assunto. ao realizar essas fotografias, que têm

3 Em entrevista concedida à autora em 27 de setembro de


Clément Cheroux, ex-curador do Ca- 2016, em Paris.

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por tema a fotografia em si, e buscam b) Atração pela luz: Brassaï é apresen-
identificar seus elementos constitutivos tado no sub-bloco com duas imagens
e seu valor, Mulas consegue obter a res- a seguir:
posta mais perspicaz que um fotógrafo Imagem 11 - Borboleta na Lâmpada, de Brassaï (1934).
já pôde dar à questão.

A seguir, arrolo os outros blocos da expo-


sição e seus respectivos subtemas4, para
que o leitor possa melhor perceber esse
percurso proposto pelos curadores da
exposição.

1) Bloco “As vontades”, com os seguintes


sub-blocos:

a) Desejo de Ver:
Imagem 10 - No Teatro, de Paul Citroen (1930).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 37).

c) Teatro de sombras:
Imagem 12 – Autorretrato, de André Kertész (1927).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 35).

4 Tradução livre do francês. Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 41).

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d) Olhar:
Imagem 13 - Olho na Janela, de Nathan Lerner (1943).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 41).

2) Bloco “Os materiais”, com os sub-blocos:

a) Gelatina:

Imagem 14 - Fotografia Gelatina 40, de James Welling (1984).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 47).

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b) Grãos de prata:

Imagem 15 - Quatro Fotogramas de Luz, de Giulio Paolini (1969).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 51-54).

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c) Promessas:
Imagem 16 - Caixa de Negativos, de Man Ray (1957).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 59).

d) Superfície Sensível:

Imagem 17 - Sem título, de Joseph Beuys (1963).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 61).

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3) Bloco “Princípios”, com os sub-blocos:

a) Insolação:

Imagem 18 - Posição de Leitura para uma Queimadura de Segundo Grau, de Denis Oppenheim (1970).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 65).

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b) Câmera Obscura:

Imagem 19 - Câmera Obscura Imagem de Boston, de Abelardo Morel (1998).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 67).

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c) Fixação:

Imagem 20 - O caminhante [tríptico], de Patrick Tosani (1982-83).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 69-71).

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4) Bloco “Práxis”, com os seguintes sub-blocos:

a) Ponto de vista:

Imagem 21 - 5 de abril, Gizé, Egito, de Denis Roche (1981).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 75).

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b) Enquadramento:

Imagem 22 - Saqueado/ Escavado/ Seco/ Preparado, de John Hilliard (1975).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 77).

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c) Profundidade :
Imagem 23 - Zona Óptica, de Jósef Robakowski (1975).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 79).

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d) Automatismo:

Imagem 24 - Passagem entre Duas Tomadas, de Man Ray (1937).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 81).

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e) Surpresas:
Imagem 25 - A Velha Câmera (Segunda Imagem), de Mariusz Hermanowicz (1981).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 87).

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5) Bloco “Alquimia” com os sub-blocos:

a) Uma fase obscura:

Imagem 26 - Não confie seus filmes ao acaso, só um especialista pode obter deles o máximo!, estudo publicitário de Gaston
Karquel (1938).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 97).

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b) A coisa e seu contrário:


Imagem 27 - O Sol e a Lua a partir de um só Negativo [díptico], de Timm Rautert (1972).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 99-101).

c) Alegoria da caverna:

Imagem 28 - Sem título 7987, de Michel Campeau (2005-2010).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 105).

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6) Bloco “Lacuna”, com os sub-blocos:

a) O que resta:
Imagem 29 - A história das Flores II [políptico], de Jan Saudek (1981).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 109-114).

b) Reflexos:

Imagem 30 - Imagem para as mulheres, de Jeff Wall (1979).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 117).

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c) Uma aura a mais:

Imagem 31 – Registro de Jochen Gerz ao lado de sua reprodução fotográfica [documentação de performance] (1972).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 119).

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d) Uma interpretação simbólica:

Imagem 32 - Imagem Cabeça, de Douglas Gordon (2001).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 121).

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7) Bloco “Recursos”, com os sub-blocos:

a) Suportes de difusão:

Imagem 33 - Tríptico #1, de Jean-Louis Garnel (1992).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 125-127).

b) Redução do mundo:

Imagem 34 - As imagens, de Florence Paradeis (1995).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 129).

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c) Chaves para compreender:

Imagem 35 - Caixa de Fósforos, de Man Ray (1960).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 131-133).

d) Um enigma insolúvel:

Imagem 36 - Gabinete fotográfico,de Robert Morris (1963-1975).

Fonte: Cheroux e Ziebinska-Lewandowska (2015, p. 135).

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No catálogo, todos os blocos temá- tes sobre os limites do fazer e pensar


ticos são abertos por uma definição, a fotografia e às rupturas dadas pela
extraída da Grand Larousse de la Langue ação do artista e pela imagem fotográ-
Française (apud CHÉROUX, 2015, p. fica a todo tempo; questões trazidas
30) e cada subtema, com a obra que também no Brasil, por sólidas institu-
apresenta, é acompanhado de uma ições museológicas, como é o caso do
introdução ao artista e à obra em si. Museu de Arte Contemporânea de São
Uma apresentação bastante didática, Paulo (MAC/USP) e do Museu de Arte
que abrange, de forma básica, a histó-
Moderna de São Paulo (MAM/SP).
ria do autor e o processo de produção
da imagem exposta, finalizando com No caso do MAC, uma exposição re-
o ponto de vista do curador. Todos os alizada entre 28 de setembro de 2013
textos são de autoria de Clément Ché- e 3 de maio de 2015, intitulada Fron-
roux, ora mais pedagógico, ora mais teiras Incertas (Imagens 37 e 38), com
sensível, sobre o porque daquela pro- curadoria de Helouise Costa, propôs o
dução ajudar a responder, a partir do debate sobre o apagamento das fron-
lugar em que se aloca, à questão “O teiras entre as artes, as épocas, os ter-
que é a Fotografia?”.
ritórios e os indivíduos produtores de
obras que, de alguma forma, são per-
passadas pelo fotográfico ou consti-
tuídas essencialmente por ele, dando
No Brasil
destaque especial para o conjunto de
produções experimentais polonesas
pertencentes ao acervo do MAC desde
Embora diferentes na concepção, nas
a década de 1970 e exibido pela pri-
proposições e na forma como refletem
e debatem sua pergunta título, ambas meira vez naquela exposição, como

a exposições, ou seja What is a photo- carro chefe da mostra; e ponto de par-

graph? ou Qu’est-ce que la photographie?, tida para os diálogos entre obras pro-
vão de encontro às questões recorren- postos.

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Imagem 37 - Fronteiras Incertas [montagem da exposição].

Fonte: Fotografia elaborada pela autora (2014).

Imagem 38 – Registro e detalhe da obra “Sem título (Homem em Tamanho Natural)”, de Antoni Mikolajczyk (1973).

Fonte: Fotografia elaborada pela autora (2014).

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Junto com os artistas poloneses e suas -se numa fotografia construída, híbrida,
contaminada... Mas, enquanto levava ao
obras, na maioria conceituais e ob-
limite as possibilidades de transgressão
jetuais, vemos, entre outros nomes, técnica e ficcionalização, essa mesma fo-
Rafael Assef, Jan Saudek, Waldemar tografia nos ajudou a perceber o quanto

Cordeiro, Joel-Peter Witkin, Cris Bier- havia de impuro e de imaginário na pró-


pria experiência documental a que se
rembach, Hudnilson Jr., John Coplans, opunha (ENTLER, 2009).
Cristiano Mascaro, Maureen Bisilliat,
Rochelle Costi, Claudia Andujar, Odir- Pelo próprio título, a exposição nos
es Mlászho, Paulo de Andrade, Cássio encaminha à recorrente discussão en-
Vasconcelos, Mário Cravo Neto, Bo- tre documental e ficção; entretanto,
ris Kossoy, Claudia Jaguaribe e Pedro mais do que tudo, a mostra traz à luz
Meyer, numa mescla de trabalhos e a questão fundamental da impossi-
conversas imagéticas que vão desde bilidade contemporânea de definir e
registros cotidianos, sociais e de paisa- enquadrar uma obra de arte não espe-
gens, até daguerreótipos, intervenções cífica, situação que debateremos mais
artísticas, hibridizações/referencia- adiante.
ções variadas, fotocópias e instalações
O Museu de Arte Moderna de São Pau-
mecânicas ou esculturais-fotográficas.
lo também discute esse tema desde
A proposta da exposição coincide com
que a fotografia “dos artistas”, como
a análise de Ronaldo Entler quando,
diria André Rouillé, passou, com maior
por ocasião da exposição A Invenção de
ênfase, a fazer parte de seu acervo e de
um Mundo (Coleção da Maison Europée-
suas exibições temporárias, mais mar-
nne de La Photographi, Paris), realizada
cadamente a partir do final da segun-
em 2009 no Itaú Cultural, sob cura-
da metade da década de 1990.
doria de Eder Chiodetto e Jean-Luc
Monterosso, escreve: Duas mostras chamam atenção nesse
Permanece difícil encontrar uma palavra sentido: a primeira delas, Fotografia/
capaz de agrupar tais experiências, algo não fotografia, de curadoria de Rejane
que nos explique efetivamente aquilo
Cintrão, aconteceu na sala II do MAM
que se chamou de fotografia contempo-
rânea. Esboçaram-se algumas tentativas,
entre fevereiro e março de 2001. Com
sempre insuficientes e provisórias: falou- obras do acervo do Museu, demons-

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trava a diversidade da produção con- Cintrão elaborou sua seleção a partir da


temporânea de fotografia experimen- coleção do MAM, que se encontrava na
tal no Brasil, propondo a reflexão e o época em seu auge de abarcamento de
debate sobre possibilidades expres- obras experimentais, a partir da condu-
sivas que a fotografia, como supor- ção de Tadeu Chiarelli, que entre 1996
te e veículo, apresenta, em especial e 2001 contribuiu consideravelmente
através da produção de artistas “não para a ampliação e atualização do acer-
fotógrafos”5. A iniciativa partiu de um vo fotográfico do museu, levando para
convite à curadora para uma mostra Guadalara artistas como Albano Afon-
coletiva em Guadalajara (América Foto so, Amilcar Packer, Cris Bierrenbach,
Latina, 2000), onde curadores de vá- Dora Longo Bahia, Fabiana Rossarola
rios países da América Latina foram (Imagem 39), Gustavo Rezende, Már-
convidados a mostrar o que vinha sen- cia Xavier, José Luiz de Pellegrin, Rafael
do produzido de mais interessante em Assef, Rochelle Costi, Rosana Paulino
cada país no que tange à fotografia. (Imagem 40), Rosângela Rennó, Sandra
Imagem 39 - Sem Título, de Fabiana Rossarola (1999). Cinto e Vik Muniz – auto-
res das obras que, poste-
riormente, comporiam
a exposição Fotografia/
Não Fotografia, em 2001.
Segundo a curadora, o
objetivo era mostrar a
atualidade da produção
fotográfica brasileira e,
ao mesmo tempo, de-
monstrar sua varieda-
de e riqueza a partir de
obras produzidas por ar-
tistas que nunca foram,
Fonte: Museu de Arte Moderna de São Paulo (2014). necessariamente, fotó-
5 Palavras de Rejane Cintrão, em entrevista concedida à au- grafos.
tora, no dia 22/09/2015, em São Paulo.

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Imagem 40 - Sem título, de Rosana Paulino [bastidores – detalhe] (1997).

Fonte: Museu de Arte Moderna de São Paulo (2014).

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Também na exposição São ou Não São nicas e suportes artísticos (Imagens


Gravuras, apresentada entre os dias 41 e 42). As obras selecionadas pela
21 de junho e 2 de agosto de 2001, no curadoria de Ricardo Resende para a
espaço MAM Villa-Lobos, é colocado exposição intencionam evidenciar a
em debate o apagamento de fron- quebra de limites na arte contempo-
teiras entre as especificidades, téc- rânea e seguem desde uma apresen-
tação escultural, até a apresentação
Imagem 41 – Reprodução da capa do folder da exposição
“São ou não são gravuras”, realizada no espaço MAM Villa de livros objeto, fotocópia, entre ou-
Lobos (2001).
tros. A pesquisa de Ricardo Resende,
no entanto, se passa a partir de uma
sólida coleção já existente no mu-
seu, formada por meio de aquisições
realizadas pelo Clube da Gravura do
MAM.

Imagem 42 - Reprodução da parte interna do folder da


exposição “São ou não são gravuras”, realizada no espaço
MAM Villa Lobos (2001).

Fonte: Digitalizado pela autora (2014). Fonte: Digitalizado pela autora (2014).

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A fotografia e o discurso da arte finíveis, enquanto outras, conseguem


contemporânea ainda manter certo espaço marcado.

Nesse sentido, alguns fotógrafos e al-


Por vias diferentes, todas essas expo- gumas fotografias, ambos contempo-
sições têm em comum, o fato de apre- râneos, têm seu lugar claro e bem de-
sentarem obras que não desejam ser limitado, seja no fotojornalismo, ou
(apenas) fotografia e artistas que não no trabalho de documentação auto-
intencionam ser (apenas) fotógrafos. ral, como faz, por exemplo, Sebastião
Esse é o primeiro ponto importante a Salgado. Essas fotografias podem ser
ser discutido. mais ou menos ortodoxas dentro de
seus propósitos e âmbitos técnicos,
Quando digo que não são “apenas fo- categóricos ou de assunto, ou mais
tografias” e nem “apenas fotógrafos”, claramente construídas expressiva-
não intenciono absolutamente a de- mente – fotografia criativa, como já
fesa de uma fotografia experimental e tratou Lemagny (1984) – ou ainda per-
híbrida, ou construída, em detrimen- tencentes a uma tentativa de registro
to de uma fotografia documental, au- neutro (embora com recortes escolhi-
toral, que aporta excelência técnica e dos), que o fotógrafo determina, opta
de revelação/impressão – embora seja e trabalha para alcançar. Fotógrafos
a primeira que interesse às minhas que, muitas vezes, não estão interes-
pesquisas. sados na plasticidade da mesma for-
ma que os artistas estão, mas por um
Muito menos, pretendo defender a
viés específico, que é o de exploração
superioridade dos artistas em relação
das técnicas e das possibilidades que
aos fotógrafos.
o aparelho e o meio oferecem às suas
Porém, no potente caos do contempo- produções fotográficas. Desejam, por-
râneo no qual nos encontramos, é pre- tanto, produzir fotografias: jornalís-
ciso, ainda dentro de um questiona- ticas, documentais e/ ou artísticas. E
mento sobre o que é a fotografia – ou produzem. Têm seus trabalhos legiti-
a arte, ou a vida ela mesma –, compre- mados no próprio campo e nos mu-
ender que algumas coisas não são de- seus, que desde a criação do primeiro

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departamento de fotografia, inaugu- uníssona. Ela não é isso ou aquilo. Ela é,


rado por Beaumont Newhall, em 1940, como sempre foi, plural, e ligá-la a um
no MoMA de Nova Iorque, acolhem só desses seus muitos lados é, de qual-
as fotografias dos fo- quer forma, reduzi-la
tógrafos, lhes conce- O que quero dizer, com – reduzindo inclusive
dendo, oficialmente, tudo isso, é que a fotografia as possibilidades de
desde aí (já que em contemporânea não é questionamento que
algum momento foi uníssona. Ela não é isso ou o fotográfico sem-
preciso), seu estatuto aquilo. Ela é, como sempre pre nos apresentou,
de arte. E essas pro- foi, plural, e ligá-la a um só desde suas origens.
duções, que seguem desses seus muitos lados Fotografia contem-
da metade do século é, de qualquer forma, porânea é um termo
XX até os nossos dias, reduzi-la – reduzindo muito amplo, e é pre-
são todas fotografias ciso cuidado ao tratar
inclusive as possibilidades
contemporâneas. o assunto. Fotografia
de questionamento que
o fotográfico sempre contemporânea pode
Por outro lado, há ou-
nos apresentou, desde ser muita coisa.
tra exploração, e mais
do que isso, experien- suas origens. Fotografia O que tenho obser-
ciação do fotográfi- contemporânea é um termo vado numa grande
co e da fotografia no muito amplo, e é preciso parte de estudos e
campo da arte – (tam- cuidado ao tratar o assunto. reflexões sobre o fo-
bém) contemporânea Fotografia contemporânea tográfico na contem-
–, a qual não mais é pode ser muita coisa. poraneidade é certo
possível definir e deli- equívoco quanto à
mitar, assim como não é possível defi- compreensão e tratamento do que é,
nir e delimitar o trabalho dos artistas ou melhor, pode ser essa tal fotografia
que produzem obras a partir dessas contemporânea.
experiências.
Em geral, liga-se o termo a toda a
O que quero dizer, com tudo isso, é gama de produção experimental que
que a fotografia contemporânea não é utiliza o meio hibridizado, ou a partir

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da construção de cenas, ou a partir de ca, a fotografia contemporânea é uma


postura. Algo que se desdobra em ações
toda a variedade (im) possível de usos
diversificadas, mas cujo ponto de partida
da fotografia na arte. é a tentativa de se colocar de modo mais
consciente e crítico diante do próprio
A meu ver, o fato que mais importa meio. Alguns recortes são esclarecedores.
quando definimos algo qualquer que Podemos reconhecer nas propostas que
seja como contemporâneo, é essen- assumem uma direção ficcionalizante,
[...] uma experiência fundamental para a
cialmente a época em que ocorre, seu
afirmação dessa postura.
tempo histórico. Contemporaneidade
na história é tudo o que de fato se pas- O trecho traz uma chave fundamental
sou ou se passa num tempo atual ou para começarmos um esboço de com-
recente (um recente histórico, que se preensão ou atenção para essas obras
tenha claro, e não um recente imedia- que envolvem o fotográfico no campo
tista). Isso que começa a acontecer (ou da arte: a ideia e o princípio de “uma pos-
aparecer com mais força) com a arte tura contemporânea”. E desde aí, me in-
a partir dos anos 1960 e 1970 e que teressa pensar também, o termo cunha-
ganha força, dali para frente e cada do por Dominique Baqué (2007, p. 6-13)
vez mais, pode ser chamado de arte para definir essa produção: o extremo
contemporânea hoje, mas daqui a al- contemporâneo. Segundo a autora, os
guns anos estará alocado, historica- anos 1980 marcam a desconstrução de-
mente, com uma nomeação que não finitiva da mitologia modernista de sal-
sabemos ainda qual será, mas que me vaguardar a pureza da arte e autonomia
parece tendenciosa a ser extraída do
das especificidades da contaminação
conceito e da ideia de experimental, já
das mídias, e a fotografia tem papel fun-
que a arte contemporânea é a arte da
damental nesse sentido. Para ela, ainda
experimentação em muitos sentidos.
que “subsistam, aqui ou ali, fotografias
Tomemos o caminho para onde quero ‘puras’, isso não muda nada a avaliação
chegar, retomando o texto de Ronaldo que devemos fazer sobre a situação do
Entler (2009): campo contemporâneo: é quase impos-
sível para uma obra, hoje, reivindicar sua
Com contornos escorregadios, resta apre-
autonomia. [...] Em geral, o heterogêneo
ender que, mais do que um procedimen-
to, uma técnica, uma tendência estilísti- se tornou a regra”.

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Entretanto, é a partir dos anos 1990, de Tanto Baqué quanto Entler estão in-
acordo com Baqué, que nos vemos atra- teressados em pensar e debater so-
cados no extremo contemporâneo; situa- bre essa produção plural e múltipla
ção que, para ela, ultrapassa o desgas- que tem o fotográfico como parte ou
tado termo pós-modernismo e nos coloca, essência e que ocupa esse lugar frag-
no que tange ao fotográfico, num lugar mentado, múltiplo e poroso do dis-
marcado pela caducidade e pelo desu- curso da arte contemporânea.
so de determinados questionamentos e
debates em torno da fotografia. Para Dominique Baqué (2007), que
não está interessada em pensar to-
Voltando ao texto de Ronaldo Entler dos os vieses da fotografia contempo-
(2009), vemos que ele converge com a rânea, mas sim esse fotográfico que
autora quando afirma que essa opera-
ocupa o contexto mesmo das artes
ção de mudança no estatuto da arte e da
visuais, a melhor forma foi designá-
fotografia começa a acontecer quando
-lo a partir do termo fotografia plásti-
muitos artistas deixaram de se perguntar ca (la photographie plasticienne). Como
que tipo de arte estavam fazendo e, assim, tantos outros pesquisadores6, Baqué
transitaram indistintamente entre diversas
linguagens, incorporaram técnicas ainda
encontra neste conceito um meio de
mais alheias à tradição artística, como a se-
6 Nesse sentido, é importante resgatar o termo ex-
rigrafia, o xerox ou meios eletrônicos insi- pandido, que fora cunhado por Gene Youngblood, no
pientes, e realizaram experiências hibridas campo do cinema e por Rosalind Krauss, no campo da
escultura, ainda na década de 1970, quando Baqué
que hoje chamamos de performances, ins-
questiona a perda da base escultural e reflete sobre
talações, ações, proposições, e outras tan- o esgarçamento dos limites do que poderia ser vis-
tas coisas difíceis de nomear.  É interessante to e considerado como escultura, transformando os
parâmetros e paradigmas no campo da arte contem-
também pensar que a fotografia penetrou porânea desde então. Andreas Müller-Pohle (1985),
efetivamente os espaços da arte de um partindo das ideias de Vilém Flusser – quando ele
propõe, em sua Filosofia da Caixa Preta (1985), para
modo tanto mais evidente quanto menos
os que não desejam ser funcionários de um sistema,
esteve preocupada em responder aos fan- uma ida além do conteúdo programático e técnico
tasmas históricos que interrogavam sobre que a câmera-aparelho-máquina oferece,– , na déca-
da de 1980 utilizou pela primeira vez o termo expan-
sua legitimidade artística. Esse momento dido no campo do fotográfico, delimitando estraté-
se encarregou de exorcizar tais fantasmas gias processuais que faziam uma imagem alocar-se
de uma forma radical: a questão de saber no conceito que ele chamou de fotografia expandida,
utilizado posteriormente na tese de Rubens Fernan-
se a fotografia é ou não uma obra de arte se des (1996). JáTadeu Chiarelli, na década de 1990 uti-
esvazia quando ninguém está preocupado lizou o termo fotografia contaminada para definir essas
obras que passavam por diversas especificidades ar-
em definir se uma obra é ou não fotográfi- tísticas e desviavam-se de uma visão tradicionalista
ca, ou pictórica, ou videográfica etc. da fotografia.

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definir isso que se passa hoje, embora Tanto faz se as imagens presentes nesta
exposição poderiam ser tratadas tam-
reconheça a dificuldade de enquadrar
bém como pintura, design, instalação,
conceitualmente algo que revela-se performance, ou se poderiam ser bem
acolhidas em outras  maisons  que não a
de mais a mais “leve”, fluido, lábil, [...]
da fotografia. Não precisamos ser conser-
como um tênue fio sem o qual a arte
vadores – sair em defesa do documento,
contemporânea perderia a sua flexibi-
da película, do laboratório, do enquadra-
lidade e sua coerência.[...] Imagem de
mento, da contemplação, do instante de-
mais a mais móvel, rápida, que joga com
cisivo – para reconhecer que há sim uma
os suportes, com as artes e com os des-
história que confere, ainda hoje, um lugar
locamentos de sentidos; imagem meta-
à fotografia. Isso não é pouca coisa. Se não
morfose também, porque hoje mais do
sabemos definir seus limites, a fotografia
que nunca o campo fotográfico revela-se
é, pelo menos, um lugar conceitual cons-
plural, heterogêneo, irrompido, sem que
seja possível unificá-lo, “suavizá-lo” - ex- truído e consolidado no tempo, a partir

ceto por oposições e paradoxos (BAQUÉ, de onde olhamos para uma produção ar-
2007, p. 7)7. tística, mais confortavelmente no caso de
algumas obras, menos confortavelmen-
te, no caso de outras. Seria legítimo, por
E é justamente partindo desta citação
exemplo, pensar Joel Peter Witkin a partir
que encontro meu campo, minha hi- das referências da cenografia, Orlan, a
pótese mais enfática, que vem toman- partir da performance, Duane Michals, a
do corpo durante o desenvolvimento partir do cinema, Vik Muniz, a partir do
desenho, Georges Rousse, a partir da ar-
de minhas pesquisas em museus e
quitetura; e ainda poderíamos recombi-
seus acervos, assim como a partir de nar ao infinito os autores e as linguagens
leituras, aulas e conversas com teóri- aqui presentes... Mas escolhemos olhar
cos e pensadores do campo – ou dos para essas imagens a partir da fotografia,
conceito que ainda ilumina tais experiên-
campos – da fotografia e da arte con-
cias de modo muito produtivo. É possível
temporânea e, especialmente, a partir romper com o purismo ontológico, é pos-
de conversas e da aproximação com sível olhar criticamente para o passado,
sem ter que negar o papel que certas refe-
artistas inseridos profundamente na
rências exercem na produção e na fruição
discussão, a partir do que pensam e das imagens.
produzem. Caminho um pouco no
sentido oposto ao que Ronaldo Entler Prefiro pensar e conduzir o debate –
(2009, p.?) propõe quando diz que e aí resgato as exposições que apre-
7 Tradução livre do francês. sento no início do texto –, a partir de

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outro ponto de vista e de estudos, que pela fragmentação e pela (des)orde-


é o da arte contemporânea e, mais es- nação no caos da contemporaneidade.
pecificamente, o da fotografia inserida Obras que carregam a marca do gesto,
no discurso da arte contemporânea. O do processo, do construído, do peso de
que quero afirmar é que, com raras ex- uma existência ou de um vazio. Obras
ceções, o conjunto de obras apresenta- que não desejam ser fotográficas, pic-
das nestas exposições, tóricas, esculturais, ou
que se questionam O que essas exposições e a isso ou aquilo. Obras
sobre o que é uma Fo- grande parte das obras que que são múltiplas, po-
tografia ou sobre os as compõem apontam e rosas, escorregadias.
limites do fotográfico, demonstram é, na verdade, E que dentro de uma
apresentam de fato o que poderíamos entender perspectiva mais segu-
uma outra situação, e definir como estratégias da ra, poderão ser analisa-
que não trata mais arte contemporânea. das e compreendidas a
de fotografia; ou se partir de vieses especí-
quisermos dizer de outra forma, trata ficos, passando a ser chamadas, talvez,
também de fotografia, mas vai além. de pintura, escultura e fotografia – en-
tre outras possibilidades –, mas sempre
O que essas exposições e a grande parte acrescidas de adjetivos como expandi-
das obras que as compõem apontam e do, contaminado, híbrido. Isso releva as
demonstram é, na verdade, o que po- tentativas de alocação desse tipo de fo-
deríamos entender e definir como es- tografia num lugar de compreensão se-
tratégias da arte contemporânea. gura e garantida, que são, em primeiro
lugar, consequências das características
Obviamente, não é simples lidar com
e das demandas de um contemporâneo
essa constatação, em especial se espe-
fragmentado e fragmentário e de uma
ramos ancoragem teórica e formal. Fica
postura contemporânea assumida pe-
difícil enfrentar o desafio, se não esta-
los artistas sensíveis às questões urgen-
mos dispostos a encarar um campo que
tes do hoje e do agora.
se atualiza o tempo todo, no desconhe-
cido e no abismo aberto do indefinível. Acredito que Philippe Dubois vem
Obras e artistas marcados pela liquidez, compreendendo bem essas questões,

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seja nos cursos e seminários que minis- tar se fotografia é ou não é arte. Par-
tra, quando trata das questões e carac- tindo de Marcel Duchamp e passando
terísticas de uma imagem evento ou por nomes como El Lissitzky, Kasemir
de um evento da imagem8, seja quan- Maliévitch, Jackson Pollock, Robert
do escreve sobre caminhos e novas te- Rauschenberg e Yves Klein, entre ou-
orias para a fotografia9. Mas também tros artistas, Dubois demonstra que,
me parece que, já na década de 1990, de alguma forma, as obras de arte
quando após dez anos de lançamento produzidas na contemporaneidade
da versão francesa, Dubois apresenta se impregnaram das estratégias e dos
no Brasil a tradução do seu livro O Ato princípios do fotográfico, em especial
Fotográfico (1994), atualizado e acres- desde Duchamp que, assim como to-
cido de ensaios que já escapavam de dos artistas contemporâneos, com
suas discussões ontológicas e semió- sua gama múltipla e complexa de
ticas iniciais sobre a fotografia, o pes- obras, extrai estratégias de renovação
quisador já caminhava numa direção de seus processos criativos, de certa
diferente da tratada aqui, mas que, de epistemologia do fotográfico (DU-
qualquer forma, nos abre caminhos BOIS, 1994, p. 258).
quando discute as relações entre foto- A arte de Duchamp e a fotografia têm
grafia e arte contemporânea, e afirma em comum funcionarem, em seu prin-
o esgotamento de algumas questões cípio constitutivo, não tanto como uma
imagem mimética, analógica, mas, em
impostas à fotografia desde sempre,
primeiro lugar como simples impressão
exemplificando de diversas maneiras de uma presença, como marca, sinal, sin-
e a partir da produção e da lógica cria- toma, como traço físico de um estar-aí
(ou de um ter-estado-aí): uma impressão
tiva de vários artistas, por exemplo, o
que não extrai o seu sentido de si mesma,
quanto se torna sem sentido pergun- mas antes da relação existencial – e mui-
tas vezes opaca – que a une ao que a pro-
8 Em 2016, a partir da Bolsa Estágio Pesquisa no Exte-
rior, concedida pela Fapesp, frequentei os seminários vocou (DUBOIS, 1994, p. 257).
do grupo de pesquisa Lira (Laboratoire International
de Recherche em Arts), dirigido por Dubois, na Unive-
sité Sorbonne Nouvelle – Paris 3, e frequentei a discipli- Assim, naquele momento, Dubois
na La notion d’ événement d’image.Formes et enjeux d’une
esthétique de la plasticité visuelle, ministrada por ele no
(1994, p. 253-254) propõe e defende
segundo semestre (primeiro semestre pelo calendá- a hipótese de que a arte, a partir do
rio escolar francês) do ano.
9 Ver Dubois (2016). século XX, insistirá em marcar-se em

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seus fundamentos pela fotografia, im- sua Filosofia da Caixa Preta (1985) pro-
pregnando-se de suas lógicas formais, põe que o operador construa jogos
conceituais e perceptivas. A arte con- de inteligência com o sistema, supe-
temporânea é, nesta perspectiva, defi- rando-o em sua programação –talvez
nida e marcada pelo ato: de produção. tenham percebido, por caminhos di-
É, portanto, marcada pela questão ferentes, as mesmas transformações
processual, sendo o resultado final, e mutações que vinham ganhando
força no campo da arte e que eram
isto é, a obra em si, apenas um traço
indissociáveis da própria história dos
ou um índice do que é ou do que foi
meios e das especificidades.
um processo, que é artístico e criativo,
mas também existencial. E se temos que definir a fotografia on-
tologicamente em algum momento,
De fato, no capítulo seis do livro, Du-
já sabemos que, apesar de relativa,
bois (1994) está propondo uma refle-
como demonstra claramente a ex-
xão sobre a arte do modernismo e da
posição Qu’est ce que la photographie?,
contemporaneidade, e sobre o papel essa (não) ontologia pode ser melhor
e protagonismo da fotografia nesse compreendida a partir de caracterís-
novo tempo histórico e artístico, mui- ticas fundamentais, como a porosida-
to mais do que uma discussão sobre de, a maleabilidade, a mobilidade e o
fotografia enquanto especificidade, múltiplo. Características “de berço” da
embora mantenha ainda certa preo- fotografia, que conseguimos contem-
cupação com uma discussão ontoló- plar nos jogos imagéticos propostos
gica do meio, hoje já questionada por por Hippolyte Bayard, desde seus au-
ele mesmo e tantos outros pesquisa- torretratos construídos cenicamen-
dores do campo – e questionada tam- te – dentre os quais se destaca Noyé
bém pelos espaços de difusão e expo- (1840), em que ele exacerba a relação
sições aqui analisadas, especialmente entre fotografia, texto escrito e teatra-
pela proposta de Clément Chéroux, lidade ou encenação, e que, segundo
no Centre Georges Pompidou: Qu’est Michel Poivert (2015, p. 45), institui
de maneira inaugural o paradigma te-
ce que la photographie?
atral na fotografia – até suas fotos de
Dubois e Vilém Flusser – quando em esculturas, que propunham diferentes

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ângulos retomando a ideia do tridi- a fragmentação e diálogos entre ima-


mensional no formato bidimensional gens e entre processos, sem preocu-
do suporte fotográfico. par-se com definições específicas e lu-
gares próprios, para além de um não
Essas características fazem com que
lugar mesmo, que é o que caracteriza
Dominique Baqué (2008) identifique
uma grande parte da produção con-
a fotografia como o tênue fio condu-
temporânea desenvolvida por artistas.
tor que permite à arte contemporânea
manter sua flexibilidade e coerência, Não é mais e apenas sobre fotografia
e foram entendidas por Dubois (1994) que estamos falando. Estamos falan-
como princípios norteadores para a do sobre arte contemporânea, suas
renovação e recondução dos cami- estratégias, seus discursos, suas ex-
nhos da arte, incorporados por toda a periências e suas demandas. Nesse
arte a partir de determinado momen- sentido, e considerando as exposições
to histórico. Também permitem que aqui apresentadas, um segundo pas-
as fotografias, assim como as pinturas so, seria, então, discutir esses proces-
e esculturas, continuem existindo em sos e analisar quais são essas estraté-
suas especificidades (desde sempre gias e discursos.
e também na contemporaneidade),
e, fundamentalmente, que ocorra a Entretanto, por agora, e primordialmen-
abertura das modalidades para os en- te, o que nos cabe, de maneira urgente e
trelaçamentos, os deslocamentos de essencial, é justamente fazer a pergunta
sentido, de tempo e de espaço, para no seu inverso: O que não é fotografia?

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