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Escrita da História
DOI: http://dx.doi.org/10.20396/resgate.v25i1.8648247
Resumo Abstract
Este artigo tem por objetivo pensar a fotografia This article aims to think about photography
inserida no discurso da arte contemporânea, inserted in the context of contemporary art,
considerando que, embora o fotográfico na con- considering that, although contemporary
temporaneidade tenha vários vieses, é na expe- photography has several biases, it is in the
rimentação dos artistas e seus processos atuais experimentation of artists and their current
que a fotografia se desgarra definitivamente de processes that photography definitely turn
um lugar comum, se alocando no não específi- out from a common place, allocating itself
co, na fragmentação e na multiplicidade de sen- into the non-specific, the fragmentation and
tidos, formas, suportes e relações que a deman- the multiplicity of meanings, forms, supports
da do tempo atual permite e exige. and relations demanded for the present time.
Palavras-chave: Fotografia; Arte contempo- Keywords: Photography; Contemporary art;
rânea; Exposições. Exhibitions.
Resgate - Rev. Interdiscip. Cult., Campinas, v. 25, n. 1 [33], p. 333-378, jan./jun. 2017 – e-ISSN: 2178-3284 333
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I n t r o d u ç ã o
A fotografia não se destina sempre estritamente apenas às representações “terrestres e
humanas” que sempre lhe foram reconhecidas. A foto também pode nos fazer decolar,
fazer o real oscilar em direção ao irrepresentável mais fundamental e mais experimen-
tal, pode nos revelar seu ‘ser-anjo’, esquecido ou oculto com demasiada frequência.
É
incrível como a fotografia e os ter of Photography, em Nova Iorque, e o
debates em torno do seu lugar Centre Georges Pompidou, em Paris, apre-
na escrita da história (da huma- sentaram ao público exposições que
nidade, da ciência e das artes) e dos carregavam tal pergunta,propondo,
papéis que ela ocupa nos discursos por diferentes caminhos, o debate e
contemporâneos, não cessam de re- o pensamento sobre a natureza da
tornar. Por vezes, certas discussões, fotografia hoje. Refiro-me às mostras
que em momentos consideraríamos What is a photograph?(2014), com cura-
superadas, voltam à tona com uma doria de Carol Squiers, e Qu’est-ce que
força surpreendente, tornando difícil la photographie? (2015), com curadoria
se desvencilhar dos temas que acom- de Karolina Ziębińska-Lewandowska
panham o fotográfico desde suas ori- e Clément Chéroux. Essas exposições
gens. No campo da arte, vemos voltar
nos ajudam a pensar em como, de
a ganhar força nesse início do século
mais a mais, o fotográfico se inscreve
XXI, por exemplo, especialmente em
na história e, de certa forma, funda-
exposições de grandes e importantes
menta boa parte da escrita da história
museus de fotografia e de arte moder-
da arte contemporânea, a partir dos
na/contemporânea, a pergunta que
processos e estratégias expressivas
acompanha o fotográfico desde seus
que questionam o meio, desprezam
primórdios: o que é a fotografia?
conservadorismos e enxertam novas
Recentemente, duas grandes institui- formas de uso da fotografia dentro do
ções museológicas, o International Cen- discurso artístico, seja enquanto ferra-
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nhecido até então por suas pinturas 6). Seu trabalho se desenvolve em es-
hiper-realistas, é desenvolvido a partir pecial a partir do uso do erro: exagero
de um incidente no atelier, durante a ou troca de químicas na revelação, uso
pintura de um quadro. Ao perceber de uma iluminação diferente durante
o gotejamento da tinta na imagem o processo de produção da cópia po-
fotográfica em que se baseava para sitiva, movimentos inesperados de câ-
produzir uma de suas telas, ele decide meras durante as tomadas, reposicio-
interferir intencionalmente no álbum namento do filme na câmera etc. Uma
familiar e de viagens. E, em conjun- verdadeira “enciclopédia de erros”
to com a produção das telas, conti- (HAMBOURG apud SQUIERS, 2014,
nuou desenvolvendo esse processo p. 16), que por vezes tem as imagens
de pintura sobre suporte fotográfico ainda trabalhadas pelo artista, com
por mais de duas décadas (SQUIERS, tintas sobre o negativo ou sobre o pró-
2014, p. 18-19). prio papel fotográfico (originalmen-
te, Polke era pintor), resultando num
Imagem 5 - Firenze (16/99), de Gerhard Richter (2000).
conjunto variado e sem estilo/técnica
definidos, extremamente originais. .
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norte americana que produz obras a um resultado final, enquanto série, que
partir de arquivos fotográficos – às vezes apresenta ao espectador fotografias
próprios, mas majoritariamente apro- que vão desde uma paisagem figurati-
priados –, e hibridizados com objetos va emoldurada pela ação da água nos
cantos externos do papel fotográfico,
e elementos cotidianos (velas, bancos
até imagens quase abstratas, visto que
de madeira, pedras, plantas etc.), ou
a camada criada pela atuação da água
submetidos a intervenções digitais ou
causa um quase completo desapareci-
manuais da artista, ganhando quase mento do figurativo paisagístico.
sempre um toque tridimensional e es-
cultórico (Imagem 7). São obras que Letha Wilson aparece na exposição com
não se alocam especificamente, mas suas grandes impressões em alumínio e
transitam no campo da foto- Imagem 7 – Sem título, de Marlo Pascual (2011).
grafia e da escultura, seja pela
força de um objeto concreto
presente, seja pelo alcance tri-
dimensional da materialidade
fotográfica, na maioria das ve-
zes, impressões cromogênicas
e acrílico.
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com uma artesania própria na materia- Imagem 9 - Colorado Purple, de Letha Wilson (2012).
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por tema a fotografia em si, e buscam b) Atração pela luz: Brassaï é apresen-
identificar seus elementos constitutivos tado no sub-bloco com duas imagens
e seu valor, Mulas consegue obter a res- a seguir:
posta mais perspicaz que um fotógrafo Imagem 11 - Borboleta na Lâmpada, de Brassaï (1934).
já pôde dar à questão.
a) Desejo de Ver:
Imagem 10 - No Teatro, de Paul Citroen (1930).
c) Teatro de sombras:
Imagem 12 – Autorretrato, de André Kertész (1927).
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d) Olhar:
Imagem 13 - Olho na Janela, de Nathan Lerner (1943).
a) Gelatina:
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b) Grãos de prata:
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c) Promessas:
Imagem 16 - Caixa de Negativos, de Man Ray (1957).
d) Superfície Sensível:
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a) Insolação:
Imagem 18 - Posição de Leitura para uma Queimadura de Segundo Grau, de Denis Oppenheim (1970).
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b) Câmera Obscura:
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c) Fixação:
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a) Ponto de vista:
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b) Enquadramento:
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c) Profundidade :
Imagem 23 - Zona Óptica, de Jósef Robakowski (1975).
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d) Automatismo:
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e) Surpresas:
Imagem 25 - A Velha Câmera (Segunda Imagem), de Mariusz Hermanowicz (1981).
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Imagem 26 - Não confie seus filmes ao acaso, só um especialista pode obter deles o máximo!, estudo publicitário de Gaston
Karquel (1938).
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c) Alegoria da caverna:
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a) O que resta:
Imagem 29 - A história das Flores II [políptico], de Jan Saudek (1981).
b) Reflexos:
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Imagem 31 – Registro de Jochen Gerz ao lado de sua reprodução fotográfica [documentação de performance] (1972).
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a) Suportes de difusão:
b) Redução do mundo:
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d) Um enigma insolúvel:
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graph? ou Qu’est-ce que la photographie?, tida para os diálogos entre obras pro-
vão de encontro às questões recorren- postos.
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Imagem 38 – Registro e detalhe da obra “Sem título (Homem em Tamanho Natural)”, de Antoni Mikolajczyk (1973).
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Junto com os artistas poloneses e suas -se numa fotografia construída, híbrida,
contaminada... Mas, enquanto levava ao
obras, na maioria conceituais e ob-
limite as possibilidades de transgressão
jetuais, vemos, entre outros nomes, técnica e ficcionalização, essa mesma fo-
Rafael Assef, Jan Saudek, Waldemar tografia nos ajudou a perceber o quanto
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Fonte: Digitalizado pela autora (2014). Fonte: Digitalizado pela autora (2014).
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Entretanto, é a partir dos anos 1990, de Tanto Baqué quanto Entler estão in-
acordo com Baqué, que nos vemos atra- teressados em pensar e debater so-
cados no extremo contemporâneo; situa- bre essa produção plural e múltipla
ção que, para ela, ultrapassa o desgas- que tem o fotográfico como parte ou
tado termo pós-modernismo e nos coloca, essência e que ocupa esse lugar frag-
no que tange ao fotográfico, num lugar mentado, múltiplo e poroso do dis-
marcado pela caducidade e pelo desu- curso da arte contemporânea.
so de determinados questionamentos e
debates em torno da fotografia. Para Dominique Baqué (2007), que
não está interessada em pensar to-
Voltando ao texto de Ronaldo Entler dos os vieses da fotografia contempo-
(2009), vemos que ele converge com a rânea, mas sim esse fotográfico que
autora quando afirma que essa opera-
ocupa o contexto mesmo das artes
ção de mudança no estatuto da arte e da
visuais, a melhor forma foi designá-
fotografia começa a acontecer quando
-lo a partir do termo fotografia plásti-
muitos artistas deixaram de se perguntar ca (la photographie plasticienne). Como
que tipo de arte estavam fazendo e, assim, tantos outros pesquisadores6, Baqué
transitaram indistintamente entre diversas
linguagens, incorporaram técnicas ainda
encontra neste conceito um meio de
mais alheias à tradição artística, como a se-
6 Nesse sentido, é importante resgatar o termo ex-
rigrafia, o xerox ou meios eletrônicos insi- pandido, que fora cunhado por Gene Youngblood, no
pientes, e realizaram experiências hibridas campo do cinema e por Rosalind Krauss, no campo da
escultura, ainda na década de 1970, quando Baqué
que hoje chamamos de performances, ins-
questiona a perda da base escultural e reflete sobre
talações, ações, proposições, e outras tan- o esgarçamento dos limites do que poderia ser vis-
tas coisas difíceis de nomear. É interessante to e considerado como escultura, transformando os
parâmetros e paradigmas no campo da arte contem-
também pensar que a fotografia penetrou porânea desde então. Andreas Müller-Pohle (1985),
efetivamente os espaços da arte de um partindo das ideias de Vilém Flusser – quando ele
propõe, em sua Filosofia da Caixa Preta (1985), para
modo tanto mais evidente quanto menos
os que não desejam ser funcionários de um sistema,
esteve preocupada em responder aos fan- uma ida além do conteúdo programático e técnico
tasmas históricos que interrogavam sobre que a câmera-aparelho-máquina oferece,– , na déca-
da de 1980 utilizou pela primeira vez o termo expan-
sua legitimidade artística. Esse momento dido no campo do fotográfico, delimitando estraté-
se encarregou de exorcizar tais fantasmas gias processuais que faziam uma imagem alocar-se
de uma forma radical: a questão de saber no conceito que ele chamou de fotografia expandida,
utilizado posteriormente na tese de Rubens Fernan-
se a fotografia é ou não uma obra de arte se des (1996). JáTadeu Chiarelli, na década de 1990 uti-
esvazia quando ninguém está preocupado lizou o termo fotografia contaminada para definir essas
obras que passavam por diversas especificidades ar-
em definir se uma obra é ou não fotográfi- tísticas e desviavam-se de uma visão tradicionalista
ca, ou pictórica, ou videográfica etc. da fotografia.
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definir isso que se passa hoje, embora Tanto faz se as imagens presentes nesta
exposição poderiam ser tratadas tam-
reconheça a dificuldade de enquadrar
bém como pintura, design, instalação,
conceitualmente algo que revela-se performance, ou se poderiam ser bem
acolhidas em outras maisons que não a
de mais a mais “leve”, fluido, lábil, [...]
da fotografia. Não precisamos ser conser-
como um tênue fio sem o qual a arte
vadores – sair em defesa do documento,
contemporânea perderia a sua flexibi-
da película, do laboratório, do enquadra-
lidade e sua coerência.[...] Imagem de
mento, da contemplação, do instante de-
mais a mais móvel, rápida, que joga com
cisivo – para reconhecer que há sim uma
os suportes, com as artes e com os des-
história que confere, ainda hoje, um lugar
locamentos de sentidos; imagem meta-
à fotografia. Isso não é pouca coisa. Se não
morfose também, porque hoje mais do
sabemos definir seus limites, a fotografia
que nunca o campo fotográfico revela-se
é, pelo menos, um lugar conceitual cons-
plural, heterogêneo, irrompido, sem que
seja possível unificá-lo, “suavizá-lo” - ex- truído e consolidado no tempo, a partir
ceto por oposições e paradoxos (BAQUÉ, de onde olhamos para uma produção ar-
2007, p. 7)7. tística, mais confortavelmente no caso de
algumas obras, menos confortavelmen-
te, no caso de outras. Seria legítimo, por
E é justamente partindo desta citação
exemplo, pensar Joel Peter Witkin a partir
que encontro meu campo, minha hi- das referências da cenografia, Orlan, a
pótese mais enfática, que vem toman- partir da performance, Duane Michals, a
do corpo durante o desenvolvimento partir do cinema, Vik Muniz, a partir do
desenho, Georges Rousse, a partir da ar-
de minhas pesquisas em museus e
quitetura; e ainda poderíamos recombi-
seus acervos, assim como a partir de nar ao infinito os autores e as linguagens
leituras, aulas e conversas com teóri- aqui presentes... Mas escolhemos olhar
cos e pensadores do campo – ou dos para essas imagens a partir da fotografia,
conceito que ainda ilumina tais experiên-
campos – da fotografia e da arte con-
cias de modo muito produtivo. É possível
temporânea e, especialmente, a partir romper com o purismo ontológico, é pos-
de conversas e da aproximação com sível olhar criticamente para o passado,
sem ter que negar o papel que certas refe-
artistas inseridos profundamente na
rências exercem na produção e na fruição
discussão, a partir do que pensam e das imagens.
produzem. Caminho um pouco no
sentido oposto ao que Ronaldo Entler Prefiro pensar e conduzir o debate –
(2009, p.?) propõe quando diz que e aí resgato as exposições que apre-
7 Tradução livre do francês. sento no início do texto –, a partir de
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seja nos cursos e seminários que minis- tar se fotografia é ou não é arte. Par-
tra, quando trata das questões e carac- tindo de Marcel Duchamp e passando
terísticas de uma imagem evento ou por nomes como El Lissitzky, Kasemir
de um evento da imagem8, seja quan- Maliévitch, Jackson Pollock, Robert
do escreve sobre caminhos e novas te- Rauschenberg e Yves Klein, entre ou-
orias para a fotografia9. Mas também tros artistas, Dubois demonstra que,
me parece que, já na década de 1990, de alguma forma, as obras de arte
quando após dez anos de lançamento produzidas na contemporaneidade
da versão francesa, Dubois apresenta se impregnaram das estratégias e dos
no Brasil a tradução do seu livro O Ato princípios do fotográfico, em especial
Fotográfico (1994), atualizado e acres- desde Duchamp que, assim como to-
cido de ensaios que já escapavam de dos artistas contemporâneos, com
suas discussões ontológicas e semió- sua gama múltipla e complexa de
ticas iniciais sobre a fotografia, o pes- obras, extrai estratégias de renovação
quisador já caminhava numa direção de seus processos criativos, de certa
diferente da tratada aqui, mas que, de epistemologia do fotográfico (DU-
qualquer forma, nos abre caminhos BOIS, 1994, p. 258).
quando discute as relações entre foto- A arte de Duchamp e a fotografia têm
grafia e arte contemporânea, e afirma em comum funcionarem, em seu prin-
o esgotamento de algumas questões cípio constitutivo, não tanto como uma
imagem mimética, analógica, mas, em
impostas à fotografia desde sempre,
primeiro lugar como simples impressão
exemplificando de diversas maneiras de uma presença, como marca, sinal, sin-
e a partir da produção e da lógica cria- toma, como traço físico de um estar-aí
(ou de um ter-estado-aí): uma impressão
tiva de vários artistas, por exemplo, o
que não extrai o seu sentido de si mesma,
quanto se torna sem sentido pergun- mas antes da relação existencial – e mui-
tas vezes opaca – que a une ao que a pro-
8 Em 2016, a partir da Bolsa Estágio Pesquisa no Exte-
rior, concedida pela Fapesp, frequentei os seminários vocou (DUBOIS, 1994, p. 257).
do grupo de pesquisa Lira (Laboratoire International
de Recherche em Arts), dirigido por Dubois, na Unive-
sité Sorbonne Nouvelle – Paris 3, e frequentei a discipli- Assim, naquele momento, Dubois
na La notion d’ événement d’image.Formes et enjeux d’une
esthétique de la plasticité visuelle, ministrada por ele no
(1994, p. 253-254) propõe e defende
segundo semestre (primeiro semestre pelo calendá- a hipótese de que a arte, a partir do
rio escolar francês) do ano.
9 Ver Dubois (2016). século XX, insistirá em marcar-se em
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seus fundamentos pela fotografia, im- sua Filosofia da Caixa Preta (1985) pro-
pregnando-se de suas lógicas formais, põe que o operador construa jogos
conceituais e perceptivas. A arte con- de inteligência com o sistema, supe-
temporânea é, nesta perspectiva, defi- rando-o em sua programação –talvez
nida e marcada pelo ato: de produção. tenham percebido, por caminhos di-
É, portanto, marcada pela questão ferentes, as mesmas transformações
processual, sendo o resultado final, e mutações que vinham ganhando
força no campo da arte e que eram
isto é, a obra em si, apenas um traço
indissociáveis da própria história dos
ou um índice do que é ou do que foi
meios e das especificidades.
um processo, que é artístico e criativo,
mas também existencial. E se temos que definir a fotografia on-
tologicamente em algum momento,
De fato, no capítulo seis do livro, Du-
já sabemos que, apesar de relativa,
bois (1994) está propondo uma refle-
como demonstra claramente a ex-
xão sobre a arte do modernismo e da
posição Qu’est ce que la photographie?,
contemporaneidade, e sobre o papel essa (não) ontologia pode ser melhor
e protagonismo da fotografia nesse compreendida a partir de caracterís-
novo tempo histórico e artístico, mui- ticas fundamentais, como a porosida-
to mais do que uma discussão sobre de, a maleabilidade, a mobilidade e o
fotografia enquanto especificidade, múltiplo. Características “de berço” da
embora mantenha ainda certa preo- fotografia, que conseguimos contem-
cupação com uma discussão ontoló- plar nos jogos imagéticos propostos
gica do meio, hoje já questionada por por Hippolyte Bayard, desde seus au-
ele mesmo e tantos outros pesquisa- torretratos construídos cenicamen-
dores do campo – e questionada tam- te – dentre os quais se destaca Noyé
bém pelos espaços de difusão e expo- (1840), em que ele exacerba a relação
sições aqui analisadas, especialmente entre fotografia, texto escrito e teatra-
pela proposta de Clément Chéroux, lidade ou encenação, e que, segundo
no Centre Georges Pompidou: Qu’est Michel Poivert (2015, p. 45), institui
de maneira inaugural o paradigma te-
ce que la photographie?
atral na fotografia – até suas fotos de
Dubois e Vilém Flusser – quando em esculturas, que propunham diferentes
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