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PERFIL DO INVESTIGADOR E ENQUADRAMENTO DA SUA ATIVIDADE

O investigador como actor em rede - vocação para a pesquisa – imagem social do investigador –
compreensão pública da ciência - cultura científica – ensino das ciências – formação para a
pesquisa/carreira de investigador - enquadramento institucional da pesquisa/políticas de ciência –
valores, deveres e direitos do investigador/ethos da ciência e da investigação – história da
ciência/inovação-revolução científica – paradigmas de ciência e investigação

1. A investigação como vocação

Do latim vocatio, que significa chamar, chamamento, ser chamado, a investigação é em


primeiro lugar uma vocação, que se pode tornar numa profissão. Um profissional da investigação
dificilmente passa da mediania quando o seu trabalho não resulta de uma paixão pelo
conhecimento. Mais do que um modo de “ganhar a vida” numa profissão e enquadrado numa
instituição, a pesquisa torna-se numa dimensão da vida pessoal, em equilíbrio ou conflito com
outras dimensões da existência, como a amizade, o amor, a família, a dimensão lúdica, etc. Nos
relatos de vida dos investigadores encontramos tanto a descrição do modo como os múltiplos
aspectos da vida coexistem, como relatos de tensão conflitual, quando a pesquisa tende a tornar-
se central e dominante, ou até, no limite, exclusiva e absorvente.

2. A imagem social do investigador

Ao longo da história, o investigador – tanto o filósofo como o cientista – foi visto como uma
personagem vivendo num mundo distante do habitual, pouco compreensível para o cidadão
comum. Versão laica do sagrado, como representante de poderes extraordinários e das mais
elevadas criações do espírito humano, ou diabolizado como “génio do mal” na origem de poderes
destruidores (como a “bomba atómica”), ele acaba por ser visto como excepcional, positiva ou
negativamente. No entanto, habitualmente o investigador não se distingue por qualquer
comportamento anómalo ou excêntrico, o que não impede a persistência das lendas associadas
a uma proverbial distracção face às exigências mais banais da vida quotidiana – uma das mais
célebres, atribuída por Diógenes Laércio a Tales – filósofo e astrónomo – conta como este,
olhando para o céu fascinado por compreender os mistérios do Universo, cai num poço e é alvo
do riso de uma mulher da Trácia que passava. Os tempos modernos trouxeram uma visão do
pesquisa e dos intelectuais mais próxima da sociedade, e uma relação com o saber mais
comprometida com as exigências sociais, que de algum modo a Enciclopédia iluminista
simbolizou, e a Wikipedia tentou prolongar na atualidade (apesar dos problemas ligados à
verificação da credibilidade dos seus conteúdos, que não a recomendam para uma investigação
rigorosa, o seu projeto está ligado a um ideal de acesso universal ao conhecimento). Conciliar a
credibilidade e a acessibilidade é uma exigência difícil que as democracias, como a de Cabo Verde,
têm que colocar no seu horizonte, tornando-se, como refere Edgar Morin, democracias
cognitivas.

Seria importante averiguar qual é a percepção que a sociedade cabo-verdiana tem dos
investigadores, assim como a da percepção tida pelos seus pares da comunidade científica e
académica.

3. Investigação e ensino: complementaridade ou antagonismo?

Na origem da vocação para a investigação está a vontade de compreender o mundo e de


transmitir este saber. A figura do investigador e do professor aparecem assim ligadas, desde o
mais remoto passado ao presente, ainda que a transmissão do saber não se reduza ao ensino –
os livros escritos pelo pesquisador, por exemplo, podem ser tão (ou mais) importantes na difusão
do conhecimento do que as suas aulas. As conferências têm em geral uma maior profundidade e,
tanto estas como os livros, têm um público muito mais alargado do que o dos alunos do
docente/investigador. Contudo, a relação entre as duas atividades não é pacífica: enquanto para
uns é útil ligar as duas funções – alguns investigadores dizem que na preparação das aulas ou no
decorrer destas e no debate com os alunos lhes surgem ideias que podem ser desenvolvidas em
ulteriores pesquisas, outros dizem que o tempo dedicado ao ensino reduz um tempo precioso
para dedicar à pesquisa. Em termos institucionais, há autores que sustentam a vantagem de
separar as duas funções - ensino e pesquisa – porque as exigentes ocupações da docência
limitariam uma investigação que, para atingir a excelência, deveria exigir dedicação exclusiva e,
inversamente, os professores dedicados à pesquisa não conseguem cumprir as exigências do
ensino, por falta de tempo para, por exemplo, preparação das aulas, atendimento de alunos,
orientação de trabalhos, avaliação, etc.
No caso de Cabo Verde, embora esteja prevista a carreira de investigador, na prática há uma
acumulação das funções de pesquisa e ensino, em parte por não haver recursos para ter
investigadores “a tempo inteiro”, por exemplo, nas instituições de ensino superior. Uma tarefa a
a ser programada seria a de considerar uma efetivação dessa carreira.

4. Competição e cooperação

No mundo atual a competição abrange todas as áreas, com destaque para a da economia, e os
países, empresas ou escolas visam tornar-se competitivas, tal como as instituições dedicadas à
investigação. Tanto as instituições como os investigadores têm que apresentar resultados,
visando ama “performance” cada vez maior. Estes resultados devem ser avaliados por pares e
publicados. Os critérios de avaliação vão-se alterando: começando por ser quantitativos, ou seja,
considerando o número de publicações, passaram a considerar antes o número de vezes que as
publicações são citadas, o seu impacto académico A uma investigação desinteressada, visando a
procura do saber, contrapõe-se a investigação aplicada, que culmina numa descoberta seguida
de um registo de patente. Os grandes projetos que caracterizam a “big science” implicam a
formação de equipas e a colaboração entre os seus membros. Inversamente, a competição tende
a conduzir a não partilhar o conhecimento, o mesmo acontecendo entre investigadores,
instituições e Nações.
Cabo Verde tem interesse em, ao nível dos investigadores, das instituições de ensino e
pesquisa, das empresas e do Estado, integrar redes de partilha do conhecimento científico. Fala-
se muito de inserção na economia global, mas também se devia visar uma inserção nas redes da
ciência global, ou seja, de internacionalizar tanto a economia como a ciência e a investigação.

5. O investigador como continuador e inovador

Uma visão romântica da investigação compara-a a uma caça ao tesouro, que seria comparável
á procura do conhecimento. Na realidade, o tempo passado na Biblioteca ou no Laboratório está
habitualmente mais perto da rotina do que do entusiamo, ou mais perto de tarefas programadas
do que da descoberta. Se, como notou o historiador e filósofo das ciência Thomas Khun, o
progresso da ciência se deve à inovação, à descoberta ou, no limite, às revoluções, isto é, às fases
nas quais todos os nossos quadros mentais se alteram e a visão do Universo muda radicalmente
– como aconteceu com a revolução copernicana em Astronomia ou a darwiniana em Biologia,
estas fases revolucionárias são a excepção e não a regra na história da ciência e na vida do
investigador.

Os métodos, procedimentos, conceitos e teorias estão estabelecidos, e o investigador move-se


nesse quadro codificado, no âmbito do que Khun designa como ciência normal, quando a pesquisa
se desenvolve no âmbito de um paradigma ou teoria consensualmente aceite pela comunidade
científica. Porém esta estabilidade fica abalada quando se verificam anomalias – factos que não
encontram explicação e não se enquadram no paradigma de ciência vigente. Este entra em crise,
passando a ciência a ser extraordinária, exterior ao paradigma científico estabelecido. Desta
situação de crise resulta uma rotura, uma revolução na ciência que conduz a um novo paradigma.

Esta perspetiva não é unânime, continuando a haver quem considere o progresso da ciência
como um crescimento contínuo, cumulativo, linear, e não como sujeito a revoluções,
descontínuo, ou, pelo contrário, na esteira de Karl Popper, havendo os que consideram a história
da ciência como uma revolução permanente, sem estabilidade, continuidade, ou “normalidade”.
Na motivação e formação para a pesquisa, estas duas vertentes deveriam ser consideradas, sem
que o formando caia na desilusão quando perde uma visão romântica da investigação, ou fique
desmotivado devido às práticas rotineiras da pesquisa. Com formação em Química e mantendo
um compromisso de rigor no ensino das ciências, da sua história e filosofia, Isabelle Stenghers
convida-nos a ver no devir das ciências uma história de aventuras. O despertar de vocações
científicas poderia ser potenciado se o ensino e investigação deixasse de seguir o modelo
positivista, para adoptar estas novas perspetivas. Isto poderia ser um desafio colocado ao ensino
e às políticas de ciência e pesquisa em Cabo Verde.

6. Ethos do investigador e compreensão pública da ciência


Outra viragem no modo de compreender a ciência e a pesquisa consiste em deixar de
concebe-las como uma sucessão de cálculos e fórmulas desencarnadas: a ciência interage com a
sociedade, a história, a cultura, e os valores. Os science studies (estudos sociais de ciência)
trouxeram à luz as dimensões sociais e culturais da ciência e da investigação, a sua difusão e
compreensão pública (public understanding of science) tornou-se num objetivo das políticas de
ciência. A ideia de que a ciência só interessa às comunidades científicas ou académicas, mas não
à sociedade, ainda persiste atualmente, apesar de ser incorreta e anacrónica. O esforço para
promover uma cultura científica em Cabo Verde, ao contrário, por exemplo, da cultura literária
ou musical, é quase inexistente. Enquanto se tende a pensar, corretamente, que a arte deve
interessar a todos, a ciência e a investigação científica, erradamente, são vistas numa dimensão
corporativa, um interesse de grupo, objeto de disciplinas separadas da formação estética, ética,
ou para a cidadania. A sociologia, história e filosofia da ciência, assim como o ethos mertoniano
(a ideia de uma dimensão ética da ciência, desenvolvida pelo sociólogo e filósofo da ciência Robert
Merton) contrariam este isolamento da ciência. Colocar esta perspetiva na agenda das políticas
de ciência, cultura, ensino, investigação, e construção de currículos académicos constitui um
projeto a merecer investimento pessoal dos investigadores, e institucional das escolas e do
governo em Cabo Verde.

7. Carreira de investigador e critérios de avaliação da produção científica

Podemos propor um critério de avaliação que permita selecionar os candidatos a carreira de


investigação e o seu enquadramento nela. A mais habitual hierarquização da carreira classifica os
investigadores segundo graus paralelos aos da carreira de ensino (refere-se aqui a carreira
universitária, porque é aquela onde, para além do ensino, a pesquisa deve ter um lugar central):
haverá assim investigadores assistentes, auxiliares, associados e, em vez dos titulares ou
catedráticos, coordenadores de investigação.
Adotando ou não estes graus, é preciso ter um critério o mais objetivo possível para avaliar as
competências do investigador, podendo assim enquadrá-lo na carreira. Sugerem-se três níveis:

Nível 1 – Entrada na carreira – para entrar na carreira de investigação, o candidato deve poder
apresentar uma participação significativa em atividades de pesquisa, documentadas através de
publicações, comunicações em congressos ou outros tipos de encontros com relevância na sua
área de conhecimento, ou ainda outros tipos de pesquisa com resultados documentados.
Preferencialmente, devem frequentar programas de pós-graduação, mestrado ou doutoramento.

Nível 2 – Investigador integrado / no quadro da carreira – deve ter linhas próprias de investigação
e produzir um conhecimento original na sua área de pesquisa, e deve estar ligado à formação de
investigadores

Nível 3 – Investigador avançado ou coordenador de investigação – além dos requisitos dos níveis
1 e 2, deve ter um reconhecimento da comunidade de investigação nacional e internacional na
sua área de pesquisa, pertencer a redes internacionais de pesquisa, escrever livros ou capítulos
em obras coletivas no seu domínio de pesquisa, integrar Comissões Científicas de Congressos ou
publicações de referência, integrar Centros de Investigação nacionais e internacionais,
dirigir/coordenar equipas e projetos de investigação de âmbito nacional e internacional.

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