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Resenha

[AUERBACH, Erich. Figura. Trad. Modesto Carone. São Paulo, Ed. Ática, 1997 p. 13-64 ]

[Edson José da Silva]

Erich Auerbach nasceu em Berlim em 1892, de origem judia, ele foi um dos grandes expoentes da tradição filológica
alemã, tendo que abandonar o país à época da ascensão do Nacional Socialismo, morou também na Turquia onde
escreveu sua obra mais conhecida Mimesis, também foi catedrático nos EUA onde morreu em 1957. A importância de
Erich Auerbach é indiscutível para critica da literatura ocidental só para ilustrar essa realidade, temos as palavras de
Modesto Carone, tradutor da obra em questão, que o qualifica como Mestre da critica literária e da literatura comparada.
No dizer de José Alexandre Barbosa, o trabalho de Eric Auerbach esta ligado com uma tendência de retomar,
repensar os textos clássicos, canônicos da literatura ocidental, dentro de um contexto histórico-cultural de crise no
mundo ocidental, principalmente na primeira metade do século XX, período de acontecimentos como Crise do
Capitalismo, Primeira e Segunda Guerra Mundial, Ascensão de regimes totalitários e etc. Os estudos de Auerbach,
dentro desta perspectiva, se une a outros textos como Literatura Européia e Idade Média (1948), de Ernest Robert
Curtis; A Tradição Clássica (1949), de Gilberth Highet; Paideia (1933), de Werner Jaeger.
O seu estudo sobre Figura é uma de suas obras mais conhecidas e versa sobre está questão desde seus
desenvolvimentos semânticos, passando pelo contexto histórico em que ela se insere, da Antiguidade até o Medievo, seu
uso pelos Padres da Igreja, até o uso da ideia de interpretação figural para a abra seminal de Dante, a Comédia. O texto
tem o excelente poder de síntese que caracteriza a dicção do autor, que se mostra portador de uma enorme erudição,
própria de um grande filólogo, um vasto e profundo conhecimento de textos e escritores diversos.
Num primeiro momento, intitulado De Terêncio a Quintiniano, o autor busca uma investigação semântica do termo.
Após atribuir a Terêncio, no século IV de nossa Era o primeiro a usar este significante Figura, o autor expõe como três
grandes homens do conhecimento tratavam o tema. Primeiramente, Auerbach aponta como Varrão usa o termo em
termos gramaticais, flexionando-o. Depois aponta o sentido filosófico que Lucrécio fornece ao termo, através de sua
patente inclinação à filosofia atomista. Cícero, que dá um significado de amplitude do termo no sentido de forma,
usando-o em diveros contextos e dando a contribuição de tornar a palavra corrente em círculos cultos. Vitrúvio também
é citado por Auerbach quando atribui ao significante um sentido técnico, específica da arquitetura. Por fim, Quintiliano,
contrapõe ao termo Figura, o termo Tropo, para afirmar que a primeira define uma prática discursiva que se desvia do
uso normal dos termos, em contraposição a este última, que define uma linguagem “sem figura”.
No segundo momento do texto, Figura na profecia fenomenal dos Padres da Igreja, o critico alemão mostra como a
interpretação figural da história está arraigada na tradição do Medievo, desde de Tertuliano para quem o termo figura é
tratado por tendência ao realismo, fazendo uso do termo associado a Preenchimento, onde as figuras históricas são
interpretadas espiritualmente (spirituliter interpretari), pois são a umbra ou imago de uma verdade histórica, como
veritas termo usado para designar o preenchimento. Esse realismo vai perpassar toda a ideia de Figura na Idade Média e
será um lugar comum entre os Pais da Igreja e uma das principais característica de um interpretação figural que se volta
para uma realidade histórica concreta, diferente de outros tipos de interpretação como a alegoria ou a interpretação
simbólica. Embora Auerbach aponte como muito importante a tentativa de espiritualização e alegoria nos trabalhos de
Ovidio, é possível dizer que a batalha discursiva é ganha por uma tendência historicista e concreta, através da síntese
proporcionada por Santo Agostinho que embora guarde um certo viés idealista, no sentido de que ele mantém a
característica de transpor acontecimentos concretos para o plano do eterno, e essa tendência de contrapor os textos do
Velho Testamento e do Evangelho dentro desta relação entre Figura e Preenchimento esta muito presente nas
interpretações
No texto Jesus e Javé – Os nomes divinos, Harold Bloom chama atenção para o Evangelho como um releitura e
reescrita do Velho Testamento, como uma apropriação de uma nova cultura, o Cristianismo, sobre uma antiga cultura
presente nas Antigas Escrituras, sintetizando e flexionando o texto primeiro a um novo prisma; Auerbach reflete sobre
isso quando cita a doutrina de Paulo, que contrapõe a Graça, que representava a nova cosmovisão proposta pelo
Cristianismo, a Lei, que ilustrava os paradigmas antigos presentes no Velho Testamento. A interptretaçao figural da
história era um imperioso sintoma dos novo tempo cristão.
Na outra seção de Figuras, chamado Origem e análise da interpretação figural, Auerbach, com a mesma clara
linguagem que o caracteriza, busca um separação da ideia de interpretação figural de outros dois tipos de interpretação,
a alegórica e a simbólica; primeiramente a interpretação alegórica é, assim como a figural, representam uma coisa no
lugar de outra e a intepretação figural é alegórica no senti mais amplo, no entanto esta última é comumente usado para
representar virtudes, instituição, paixão e etc, e não está ligada, como a figural, a uma história concreta; fato esse que
também separa a interpretação figural da interpretação simbólica, já que está última está sempre ligada a um sentido
mágico e não histórico.
Um dos motivos para o enraizamento e irradiação da interpretação figural é o contexto histórico, onde este tipo de
procedimento parece ser característico de um mundo em transição de um novo paradigma, que buscava uma síntese
entre as tradições antigas, presentes numa religião surgida dessas mesma tradição mas que tinha a necessidade de
transformar e preservar essas últimas.
Na última seção A Arte figural na Idade Média, Auerbach levanta uma reflexão do ponto de vista estético pensando
que no Medievo o objeto estético é uma figura para uma realidade preenchida por Deus, ou se quisermos por em termos
platônico, do Ser.
Depois de elucidar de forma bastante convincente as questões ligadas a noção de interpretação figural, por fim,
Auerbach lança mão de suas reflexões obre um objeto estético definido, a obra seminal de Dante. É analisando três
personagens principal da Divina Comédia que o critico judeu aponta a interpretação figural como uma característica na
obra citada, são os personagem Catão, Vírgilio e Beatriz que são retratadas na obra de maneira nem alegóricas nem
tampouco simbólica ou teológica, pois para Auerbach, Dante é o poeta mundano por natureza, veja-se o que critico
comenta sobre Virgilio: “na obra Virgílio, na Divina Comédia, é o Virgílio histórico, mas, por outro lado, também não
o é; pois o Virgílio histórico é apenas uma figura da verdade preenchida que o poema revela, e este preenchimento eis
real, mais importante que a figura.” (p. 60). Depois Auerbach deixa explicito sua filiação as idéias hegelianas da
história como autotélica.
Por fim, num último parágrafo magistral no sentido de elucidativo, Auerbach mostra novamente seu poder de
síntese, mostrando com poucas palavras uma conclusão e uma analise do corpo do texto que talvez nenhuma resenha
sobre seu texto conseguiria e que nós colocamos aqui como uma maneira remediar nossos possíveis hiatos presentes
nesta resenha:

Nosso propósito foi mostrar como, a partir da base do seu desenvolvimento semântico, uma palavra pode evoluir
dentro de uma situação histórica e dar nascimento a estruturas que serão efetivas durante muitos séculos. A situação
histórica que levou são Paulo a pregar entre os gentios desenvolveu a interpretação figural e preparou- a para a
influência que iria exercer na antiguidade tardia e na Idade Média.

Palavras-chaves: [Erich Auerbach, Figura, Critica Literária, Divina Comédia, Idade Média,]

Textos Citados

BARBOSA, José Alexandre. A Biblioteca Imaginária. São Paulo: Ateliê, 1996


BLOOM, Harold. Jesus e Javé – Os nomes divinos. Trad. José Roberto O’Shea. Rio de
Janeiro; Objetiva, 2006.

Fichamento

De Terêncio a Quintiniano
 Auerbach aponta a raiz etimológica do termo Figura e define seu significado como
forma plástica, apontando também o comediante romano Terêncio como um dos
primeiros a usar o termo, eu sua obra Eunuchus (317).
 Ainda refletindo sobre a palavra, o crítico chama atenção a ideia de novidade e
variação presente na palavra. Durante o período da helenização, nos últimos séculos
antes de cristo, três autores se preocupam bastante como o termo: Lucrécio, Cícero e
Varrão; sendo que estes dois primeiros têm uma essencial importância à construção
do significado do termo.
 Varrão é considerado menos original no que toca ao uso do termo; para ele, Figura,
significava não um conceito estreito de forma plástica, e sim trazia a noção de
“aparência externa” ou “contorno”, o desenvolvimento do termo não era muito
saliente. Porém este gramático tem um papel muito importante no campo gramatical,
sendo o primeiro a empregar o termo no sentido de uma forma gramatical, flexionada
ou derivada.
 No dizer de Auerbach, Lucrécio deu a contribuição mais brilhante ao termo.
Influenciado pela filosofia de Democritico e Epicuro, Lucrécio aplica ao termo Figura
um sentido filosófico, bastante original, livre e significativo. E neste autor, figura
passa a ser empregada no sentido de “visão de sonho”, de “fantasia” e etc. Buscando a
influencia dos atomistas gregos Lucrécio considera os portadores de formatos
(“formas, figurae) diversos e estão em constante movimento no vazio, combinado ou
repelindo os outros, sendo o universo uma dança de figuras.
 Já em Cícero há um uso bastante flexível da palavra, usando-a em diversos contextos
sejam políticos, filosóficos, jurídica ou propagandística; ainda em Cícero, o termo
Figura é uma propriedade inerente às coisas perceptíveis, no entanto, o termo não é
usado no sentido de cópia ou imagem e sim tem um sentido totalizante do termo no
sentido de forma. Cícero é o responsável pelo uso do termo em contextos cultos, como
também atribui a Figura o significado de um termo técnico usado na retórica,
substituindo o termo schemata, porém o uso do termo não abrange ainda a noção de
“figuras de discurso”.
 Os poetas se interessaram pelos diversos matizes de significados presentes no termo
entre modelo e cópia, nas formas variáveis e na semelhança ilusória, como exemplos,
Auerbach cita Catulo, Propércio, Virgilio e principalmente Ovídio, para quem a ideia
de figura é móvel, cambiante, multiforme, ilusória.
 Pelo arquiteto Vitrúvio o termo é usado de uma maneira bem direcionada a sua área,
sendo Figura a forma plástica e arquitetônica, a reprodução de certa forma, o plano
arquitetônico de modo geral.
 Em Quintiliano há uma distinção entre o termo tropo e figura. Sendo o primeiro um
conceito restrito, referindo-se ao uso das palavras e frases num sentido não literal,
simples, “sem figuras”; ao passo que figura é usada para identificar uma forma de
discurso que se desvia do uso normal e mais obvio dos termos.

Figura na profecia fenomenal dos Padres da Igreja

 Tertuliano, através de uma patente tendência ao realismo, faz uso do termo Figura
associado ao termo Preenchimento, onde as figuras históricas são interpretadas
espiritualmente (spirituliter interpretari), pois são a umbra ou imago de uma verdade
histórica, como veritas termo usado para designar o preenchimento. Toma-se o
exemplo de Moisés e Cristo, sendo os dois fatos históricos e reais, porém a figura de
Moisés, no Velho Testamento, é uma imagem de Cristo, que nesse caso é um
preenchimento; no entanto, Moisés não se torna menos carnal que Cristo já que ambos
estão dentro de uma concretude histórica.
 Orígenes, em contraposição a Tertuliano, buscou uma tendência marcadamente
alegórica e ética, procurando um viés de “espiritualização” do caráter histórico; no
entanto, a tendência de historicização ganha esta batalha sobre a interpretação dos
textos bíblicos no Medievo.
 Santo Agostinho busca o sentido da prefiguração em suas interpretações; onde o
Velho Testamento era formado por pura profecia fenomenal no sentido que
prefigurava imagens, personagens, acontecimentos presentes no Novo Testamento, no
entanto, Santo Agostinho se mantém fiel a concretude histórica dos acontecimentos
narrados nos dois livros. A questão entre preenchimento e figura é tratada por Santo
Agostinho como mais claramente em Agostinho, o confronto entre os “dois pólos, o
da figura e o do preenchimento, é às vezes substituído por um desenvolvimento em
três estágios: a Lei ou a história dos judeus como uma figura profética do surgimento
de Cristo; a encarnação como preenchimento desta figura e ao mesmo tempo como
uma nova promessa do fim do mundo e do Juízo Final”.
 Em Santo Agostinho há uma clara interpretação figural da história, por outro lado,
mantém a característica essencialmente idealista de transpor acontecimentos concretos
para o plano do eterno. “Em todos os livros santos é preciso olhar que coisas lá
revelam-se eternas”.
 A ideia de encarnação do Verbo conduz Agostinho para uma leitura do caráter eterno
das figuras, pois Deus atravessa todos os tempos.
 A influência de Santo Agostinho através da interpretação figural da história se espraia
a partir do século IV. Onde se enraíza e irradia visão básica do Velho Testamento
como uma prefiguração (porém histórica e concreta) do Novo Testamento. Criando
uma oposição entre Figura e Veritas.
 Depois desse esmiuçar da transformação do significante Figura pelos Padres da Igreja,
Auerbach volta sua investigação semântica para o fato de como esse mesmo
significante era transformado até nutrir do significado que lhe reconhecido.

Origem e análise da interpretação figural

 A interpretação figural é uma clara tendência entre os Padres da Igreja, evidentemente


permeando a relação entre os textos do Velho Testamento (por exemplo, Moisés) com
o Evangelho (Cristo).
 No Medievo, mundo Cristão, via-se o Velho Testamento como sombra de coisas
futuras, um reflexo da luta de Paulo da graça (que representava o novo paradigma,
cristão) contra a lei das Velhas Escrituras.
 Nesta altura do texto, depois de demonstrar a importância da interpretação figural,
Auerbach passa a distinguir este tipo de interpretação e também a aprofundar suas
reflexões sobre o temo.
 Auerbach nota que este tipo de interpretação marca um diálogo entre dois “lugares”:
“A interpretação figural estabelece uma conexão entre dois acontecimentosou duas
pessoas, em que o primeiro significa não apenas a si mesmo mas também ao segundo,
enquanto o segundo abrange ou preenche o primeiro” (p.46)
 O autor, ainda aprofundando suas reflexões, faz uma clara ligação entre as concepções
de Alegoria e gura já que: Como na interpretação figural uma coisa está no lugar
deoutra, já que em ambas “ uma coisa representa e significa a outra, a interpretação
figural é ‘alegórica’ no sentido mais amplo”.
 No entanto, há uma comum diferença entre a Figura e Alegoria, já que a primeira está
intimamente ligada a ideia de representar uma historicidade concreta, enquanto a
última comumente representa virtudes (sabedoria, p. ex.), instituição (Estado), paixão
(ódio, por exemplo)
 A interpretação alegórica estava diretamente ligada aos círculos intelectualizados e
teve pouca influência entre os novos convertidos ao Cristianismo.
 Auerbach reserva um parágrafo a um outro tipo de interpretação que guarda alguma
semelhança com a Figural que é a interpretação simbólica; já que ambas buscam
interpretar a vida de uma forma integral (esta tendência já estava presente em Vico).
Mas há uma diferencia essencial entre elas: a interpretação simbólica busca o mágico,
a interpretação figural, busca a história.
 Enfim, a interpretação figural da história representa muito bem um contexto histórico
em que havia uma transformação da cultura ocidental, quando o Cristianismo aparece
como um novo sistema cultural.

A Arte figural na Idade Média

 A interpretação figural da história possui uma ampla difusão na cultura do Medievo,


que se caracteriza certamente pela sua mistura de espiritualidade e senso de realidade.
Até o século XVIII a interpretação figural era corrente na Europa.
 Do ponto de vista estético, a questão da interpretação figural está relacionada com a
noção de como um objeto estético é a figura de um preenchimento ainda inatingível na
realidade, ou ainda como a arte era vista como figura para uma realidade preenchida
por Deus.
 Auebach faz essa relação entre alegoria-paganismo de um lado, figura-cristianismo de
outro. “Grosso modo, podese dizer que o método figural na Europa remete às
influências cristãs, enquanto o método alegórico deriva de antigas fontes pagãs, e
também que o primeiro se aplica sobretudo ao material cristão, enquanto o outro, ao
material mais antigo.” (p. 54) No entanto, o autor deixa claro que essas simplificações
não dão conta de toda uma totalidade das dinâmicas presente no entrecruzamento de
culturas durante um período de cerca de mil anos.
 Nesta altura, Auerbach cita parte da Divina Comédia, onde Dante, faz de Catão uma
figura e não uma alegoria, já que o romano não se tornou uma metáfora para um
modelo de justiça. Ainda citando Dante, Auerbach chama atenção para a personagem
de Virgilio, apontando outra vez a figura e não a alegoria. Assim, “Virgílio, na Divina
Comédia, é o Virgílio histórico, mas, por outro lado, também não o é; pois o Virgílio
histórico é apenas uma figura da verdade preenchida que o poema revela, e este
preenchimento eis real, mais importante que a figura.” (p. 60). Afinal, como o titulo
de um trabalho do critico alemão Dante é o poeta do mundo terreno, levando como
base as ideais de Hegel.
 Escreve Auebach sobre Dante: “O que ele vê e aprende nos três reinos é a realidade
verdadeira, concreta, na qual afigura terrena possui contida e interpretada; ao ver a
verdade preenchida ainda vivo, ele próprio salva-se, ao mesmo tempo que se torna
capaz deze ao mundo o que vira e de guiá-lo para o caminho certo” (p. 61)
 Outra personagem da Comédia comentada por Auerbach através do prima da
interpretação figural é Beatriz, que representa uma pessoa histórica, a mesma Beatriz
por quem Dante era apaixonado que por sua vez era a figura de um revelação para o
poeta, um preenchimento de um verdade divina e não uma alegoria uma metáfora
teologia, por exemplo.
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