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INTRODUÇÃO
Definido o verbo como palavra que exprime ação ou estado, não se conclui daí que esta significação se deva
conter toda somente no verbo. Para que isto fosse possível, seria necessário possuir nosso idioma uma
contextura morfológica extremamente complexa. Muitos verbos requerem o acréscimo de um termo que lhes
complete o sentido.
Chama-se transitivo o verbo cujo sentido se completa com um substantivo usado sem preposição ou
ocasionalmente com a preposição a .O termo que integra o sentido do verbo transitivo tem o nome de objeto
direto ou acusativo e toma a partícula a quando denote ente animado e convenha por essa forma tornar bem
clara a função objetiva do substantivo.Verbos que não admitem acusativo chamam-se intransitivos. E o termo
regido de preposição, com que se completa o sentido de verbos intransitivos, dá-se de ordinário o nome de
objeto indireto.
Para ele, a lexeologia, como podemos verificar na citação acima, é que principiaria a
classificação dos verbos em transitivos e intransitivos. E apenas a informação acerca do tipo de
complemento (direto, indireto e, concomitantemente, direto e indireto), solicitado pelo verbo, é que
se inseriria no quadro da sintaxe. Assim, a informação lexical do verbo determinaria o tipo de
relação da frase. Percebemos, nesse caso, que a transitividade, para Said Ali, encontra-se no nível
da forma.
O PREDICADO VERBAL tem como núcleo, isto é, como elemento principal da declaração que se faz do
sujeito, um verbo SIGNIFICATIVO. VERBOS SIGNIFICATIVOS são aqueles que trazem uma idéia nova ao
sujeito. Podem ser INTRANSITIVOS: Sobe a névoa...A sombra desce... (Da Costa e Silva) ; e TRANSITIVO:
Ele não me agradece, / nem eu lhe dou tempo. (Fernanda Botelho). (Cunha & Cintra, 1985: 132).
1. VERBOS TRANSITIVOS DIRETOS. Nestas orações de Agustina Bessa Luís: Vou ver o doente.
(OM,206.) Ela invejava os homens.(OM, 207.) a ação expressa por vou ver e invejava transmite-se a outros
elementos (o doente e os homens) diretamente, ou seja, sem o auxílio de preposição. São, por isso, chamados
VERBOS TRANSITIVOS DIRETOS, e o termo da oração que lhes integra o sentido recebe o nome de
OBJETO DIRETO.
2. VERBOS TRANSITIVOS INDIRETOS. Nestes exemplos: Da janela da cozinha, as mulheres assistiam à
cena. (R . de Queirós, TR, 15) Perdoem ao pobre tolo. (C. dos Anjos, DR, 235) a ação por assistiam e
perdoem transita para outros elementos da oração (a cena e o pobre tolo) indiretamente, isto é, por meio da
preposição a .Tais verbos são, por conseguinte, TRANSITIVOS INDIRETOS . O termo da oração que
completa o sentido de um verbo TRANSITIVO INDIRETO denomina-se OBJETO INDIRETO.
3. VERBOS SIMULTANEAMENTE TRANSITIVOS DIRETOS E INDIRETOS. Nestes exemplos: O sucesso
do seu gesto não deu paz ao Lomba. (M. Torga, NCM, 51.) Apenas lhe aconselho prudência (C. de Oliveira,
CD, 94.) a ação expressa por deu e aconselho transita para outros elementos da oração, a um tempo, direta e
indireta. Por outras palavras: estes verbos requerem simultaneamente OBJETO DIRETO e INDIRETO para
completar-lhe o sentido. (Cunha & Cintra, 1985: 132-33)
Ao longo do capítulo relacionado à transitividade verbal, esse assunto vai estar no nível da
frase. Há nessa idéia a concepção de sintagma, a qual contempla o verbo e seus integrantes diretos
e indiretos com a presença ou não de uma preposição. Contudo, chama-nos atenção a observação
que os autores fazem quando afirmam que a análise da transitividade verbal deve ser feita de acordo
com o texto, e não isoladamente (Cunha & Cintra, 1985: 134):
A análise da transitividade verbal é feita de acordo com o texto e não isoladamente. O mesmo verbo pode estar
empregado ora intransitivamente ora transitivamente; ora com objeto direto, ora com objeto indireto.
Comparem-se estes exemplos:
Perdoai sempre [ = intransitivo]
Perdoai as ofensas [ = transitivo direto]
Perdoai aos inimigos [ = transitivo indireto]
Perdoai as ofensas aos inimigos [ = transitivo direto e indireto]
Percebemos, então, que Cinta e Cunha (1985) já começam a ver a transitividade verbal não
só no nível da sintaxe, mas dentro de uma situação que pode mudar de acordo com o uso, pois já a
transferem para o nível do discurso. No entanto, eles não discutem tal situação, deixando-a em
aberto no capítulo.
A transitividade de um verbo só pode ser efetivamente determinada num dado contexto. Observa nas orações
seguintes como um mesmo verbo pode apresentar transitividade diferente de acordo com o contexto em que
ocorre: (1) A chuva passou. (intransitivo) (2) Nos últimos segundos, o corredor queniano passou seu
concorrente norte-americano. (transitivo direto) (3) Tenho de passar esta boa novidade a meus colegas.
(transitivo direto e indireto) (Infante, 2001: 443)
1. Verbo intransitivo – É aquele que não precisa de complemento, pois sua significação já é completa. O
sentido do verbo não transita do sujeito para o complemento. (grifo nosso) (1) Crescem vendas de
apartamentos novos. (Folha da Tarde)
2. Verbo transitivo – Trata-se de um verbo que precisa de um termo que lhe complete o significado. Esse termo
chama-se objeto. Chama-se transitivo porque o seu sentido transita, passa do verbo para o objeto. (grifo nosso)
(2) Caruaru acende 30 mil fogueiras. (jornal do Comércio, Recife) (Faraco & Moura, 200:441-42)
1
Interessa-nos, nesta pesquisa, apenas o verbo ser ou não transitivo.
Apesar de os autores situarem a transitividade levando em consideração a função semântico-
pragmática, bem como a ordenação dos componentes na oração (a sintaxe), não há no capítulo
nenhuma abertura para discutir o assunto a partir dessa visão. O que existe são exemplos
formulados para atender às regras já preestabelecidas pela norma culta.
Para Said Ali (1927), a transitividade é um fato relativo à natureza das formas, e se situa no capítulo que
estuda os vocábulos (lexeologia). Por outro, Cunha e Cintra (1985) situam a transitividade verbal no capítulo
referente a sintaxe justamente porque um novo conceito aparece em sentido de integrar a formações relativas à
forma com às relativas à combinatória. (Francisco Dias, 1999: 180)
Após apresentar essas duas posições, o autor faz a seguinte indagação: “como identificamos
a transitividade num enunciado?”. Como foram vistas duas visões diferentes sobre transitividade,
ele esclarece que tais visões não parecem indicar uma diferença significativa, haja vista que “elas
adquirem relevância na medida que são determinados para definição de transitividade enquanto fato
lingüístico, no quadro das reflexões gramaticais em língua Portuguesa” ( Francisco Dias, 1999: 181)
Além dessas duas posições das gramáticas escolares, ele faz uma análise crítica sobre
transitividade da forma em que ela aparece na visão formalista de Mário Perini, como vemos
abaixo:
Perini (1995) radicaliza uma das posições sobre a transitividade apontadas até agora. No seu entender, a
transitividade é uma questão de regência, no sentido de que um constituinte determina em parte a forma de
outro constituinte. A base do tratamento da transitividade está na idéia de que o verbo tem propriedade de
estipular os traços da estrutura em que ocorre. A transitividade seria portanto uma propriedade dos verbos
enquanto o item lexical. (Francisco Dias 1999: 181)
3.2 Perini
Perini (1995) trabalha a transitividade verbal a partir de uma visão de regência. Segundo ele,
os verbos fazem exigências quanto a existência de alguns termos na oração. Alguns exigem objeto
direto ou indireto; outros aceitam livremente a presença ou ausência desses termos. Para ele, a base
da transitividade está no fato de que o verbo tem caráter de determinar os traços da estrutura na qual
ocorre. A transitividade seria, pois, uma característica dos verbos enquanto item lexical. Francisco
Dias (1999: 181) faz um comentário acerca dessa idéia:
Seguindo esse raciocínio, Perini disthngue dois tipos de informação sobre os itens lexicais: a informação
particularizada, relativa ao contexto em que o item ocorre na estrutura em um uso específico, vale dizer, num
enunchado específico e a informação generalizada, relativa ao contexto em que o item pode ocorrer na
estrutura, independente do seu aparecimento num enunciado específico. A informação generalizada é fornecida
para o item “em estado de dicionário”, num estágio anterior ao seu aparecimento no enunciado. A informação
particularizada serviria para avaliarmos se a nossa descrição tem base nos fatos.
Em outros verbos, como é o caso do verbo comer, o autor propõe que sejam marcados com
o traço [L-OD]3 , tendo em vista que podemos encontrar:
2
Entende-se “exige objeto direto”.
3
Entende-se “livre ocorrência de objeto direto”
(5) Quem sabe, faz ao vivo. (Fausto Silva, apresentador de TV)
(6) ... eu comecei a chorar e era tanto choro ... eu chorando ... morrendo com a dor ... aí quando a minha amiga
chega ... a que tava lá embaixo ... que foi ... foi ... espantada ... toda preocupada ... “e agora o que a gente
faz?”...(Informante do terceiro grau , narrativa de experiência pessoal, 1998:53)
(7) Quem quer faz, quem não quer manda. (ditado popular)
Se o autor afirma que o verbo fazer sempre aparece com objeto direto, e explica que a
transitividade é uma questão de regência, que tem a ver com a sintaxe, com a estrutura da sentença,
como se explicaria esse verbo em (5) (6) e (7)? Se a transitividade não é uma questão de contexto,
como se justificaria a não existência de objeto direto nessas sentenças?
Se a exigência de objeto direto para o verbo fazer é categórica, como afirma Perini, não se
constataria a ocorrência de fazer como em (5), (6) e (7). Tentamos mostrar que a transitividade não
é uma questão só de sintaxe, mas também de semântica e, sobretudo, discursiva. É o contexto de
ocorrência que norteia a classificação de um dado verbo como + ou – transitivo. Em termos mais
precisos, a determinação da transitividade de uma oração é sensível ao contexto discursivo
imediato.
(8)...durante a semana tenho corrido aí na praia...eu corro dois dias e três dias eu faço exercícios
parado...localizados mesmo. (Informante do terceiro grau, descrição de local, 1998:117)
(9)... o que que os jovens faz:: que num é de acordo ... e eles não vê esses contrastes que geralmente existe na
adolescência e já mais ou menos adulto ... (Informante do terceiro grau , narrativa de experiência pessoal,
1998: 73)
(8) (9)
PARÂMETROS
Participantes +1 -1
Cinese +1 +1
Aspecto -1 -1
Ponctualidade do -1 -1
verbo
Intencionalidade do +1 +1
sujeito
Polaridade da +1 +1
oração
Modalidade da +1 +1
oração
Agentividade do +1 +1
sujeito
Afetamento do +1 -1
objeto
Individuação do +1 -1
objeto
Total de pontos 08 05
Ao fazer a aplicação dos traços de transitividade do verbo fazer em (8), verificamos que
este apresenta na oração um alto grau de transitividade, pois obteve oito pontos. Isso implica dizer
que o propósito comunicativo do falante foi atingido, ou seja, ele estruturou todo o seu discurso
para alcançar seu alvo comunicativo. No caso mostrar ao seu interlocutor que faz exercícios parado
e localizado e com isso, talvez, justificar a sua boa forma.
Em (9), apesar de termos o mesmo verbo, observamos que a oração apresentou um grau de
transitividade menor em relação à anterior, apenas cinco pontos. Isso demonstra que o falante
estrutura a sua informação, tem claro o seu alvo discursivo, mas não pretende atingi-lo de imediato.
Assim, ratificamos a idéia de que a transitividade não é uma questão só de sintaxe, mas também de
semântica e, acima de tudo, do contexto. É a situação de ocorrência que norteia a classificação de
um dado verbo como + ou – transitivo, bem como a determinação da transitividade de uma oração é
sensível ao contexto discursivo imediato.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como pudemos observar, o estudo sobre transitividade, nesta pesquisa, foi centrado nos
trabalhos já desenvolvidos com base no paradigma da Lingüística Funcional Contemporânea, bem
como em conceitos também trabalhados por gramáticos tradicionais, autores de livros didáticos e
lingüistas. Partindo do princípio de que esse paradigma tem por objetivo estudar a língua em seu
contexto de uso, através de textos falados e escritos, produzidos em situações reais de comunicação,
estudamos o assunto com base nas pesquisas realizadas por Hopper & Thompson(1980).
Contudo, para chegarmos a fazer análise de textos reais, procuramos observar qual a visão
que alguns gramáticos tradicionais, autores de livros didáticos e lingüistas têm sobre o assunto.
Verificamos que estes vêem a transitividade verbal apenas como um processo sintático, exceção
feita a Said Ali, que a vê como um processo da lexeologia, ou seja, do vocábulo, e a Francisco Dias
que estuda o assunto levando em consideração o enunciado. Apesar de Cunha & Cintra, gramáticos
tradicionais, bem como de os autores de livros didáticos, aqui estudados, já citarem que a
transitividade do verbo deverá levar em conta o contexto, não há uma exploração contextualizada
sobre o assunto, e, assim, deixam sempre o tema em aberto no capítulo.
A partir da análise feita por Perini, que conceitua a transitividade através da regência,
discutimos a visão de transitividade, baseando-nos em estudos já desenvolvidos por Hopper &
Thompson. Estes propõem um conceito de transitividade como universal discursivo, e não como a
transferência de uma ação de um agente para um paciente, centrado só no verbo, e sim no contexto.
Tomando por base os verbos estudados por Perini (o verbo fazer, principalmente), centramos a
nossa análise.
Verificamos que ao trabalhar a transitividade levando em consideração os traços [EX-OD]2
e [L-OD]3, tendo-a apenas como uma questão sintática, Perini não se mostra certo, pois ao analisar
orações com o verbo fazer, que segundo o lingüista [EX-OD]2, percebemos que esse traço, em
determinadas situações, não enquadraria a oração como totalmente transitiva, como foi o caso em
(5), (6), (7) e (9).
Observamos, então, que a marcação de “exigência” ou “livre” do objeto “direto”, sugerida
por Perini, não funciona quando nos deparamos em outros usos reais. Analisamos, assim, as
sentenças discursivas a partir do grau de transitividade, que manifestam segundo Hopper &
Thompson que, como vimos, associam o universal lingüístico transitividade a uma função
discursiva, em que o maior ou menor grau de transitividade da oração reflete como o falante
estrutura o seu discurso para atingir seus alvos comunicativos.
Considerando que a alta transitividade se liga ao propósito comunicativo do falante e que
esta permanece no plano da figura; e a baixa transitividade, ao que é discutido e ampliado nesse
propósito, estando no plano de fundo, constatamos que ao fazer a aplicação dos dez parâmetros de
transitividade, o verbo fazer em (8) apresentou um alto grau de transitividade; já em (9), um baixo
grau. Tal constatação demonstra que o falante estrutura a sua informação para atingir de imediato,
ou não, seu alvo discursivo, e intensifica o argumento de H&T de que a transitividade é escalar, não
categórica. É, antes de tudo, não só uma questão de sintaxe, mas também de semântica e, sobretudo,
discursiva.
REFERÊNCIA BOBLIOGRÁFICA