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[Wislawa Szymborska]
V
AGRADECIMENTOS
Traduzimos nossa existência pelo que olhamos; traduzimo-nos pelo olhar – e isto
está declarado na forma existencialista como Drummond escreveu o verso do Canção
Amiga: "Preparo uma canção que fale como dois olhos". Na ponta da palavra, há o
porquê falamos. No modo como olhamos para os outros, traduz-se o porquê observamos.
Na ponta de um largo riso, há o porquê do tanto que sonhamos. No efeito que o mundo
lê, há toda causa do porquê somos: para redescobrirmo-nos como um olhar que fala, pelo
que vive.
Há pessoas indispensáveis no processo de vida, de interlocução de cada ser humano,
e comigo não fora diferente e nunca seria, pois essas pessoas mudaram meu olhar para a
vida. Por isso, minha gratidão às pessoas que estão nessa espécie de ponta do porquê, que
é o lugar da inspiração, de onde se tira os motivos que alimentam o espírito, que dão fome
a cada palavra escrita. Minha gratidão e meus agradecimentos não são apenas pela “faca”,
a técnica, ou instrumento que me passaram para uso, nem pelo “queijo” que me deram
para desjejuar, mas pela “fome” humana com que me nutriram todos esses anos.
Agradeço ao mais largo, intenso e amigo humanista bakhtiniano que conheço, Prof.
Dr. Valdemir Miotello, pelo privilégio do trabalho e da orientação e à Profa. Dra. Maria
Isabel de Moura, pela elegância de pensamento e de ser, por ter sido na graduação a
professora que despertou meu interesse por ler artigos de jornais, o que se tornou
imprescindível para esta tese.
Agradeço aos mestres Prof. Dr. João Wanderley Geraldi e Prof. Dr. Augusto Ponzio
por serem inspirações para vida acadêmica e à profissão de professor, de estudante e de
pensador.
Agradeço à Aline Maria Pacífico Manfrim, Lays Pereira e Katia Vanessa Tarantini
Silvestri, pelo compadrio, pela crença nos diálogos, pelo ato sensível com a arte e a
filosofia, pelas leituras compartilhadas, pelas revisões e, sobretudo, pela amizade que
suporta tantas horas, anos, meses e utopias, pois nada de grande se faz sem paixão.
Aos meus irmãos, Altair, Gerusa, Débora, Silvana e Andréia, que não me podaram
o sonho, nem a molecagem, muito menos a poesia da vida. São exemplos de dignidade,
hombridade e liberdade. Carrego vocês em cada linha da minha tese de vida.
Agradeço à Renata Oliveira, João Pedro, Liz Maria, Teresa, João Bosco, Gabriel
Marquesini, Artur Bertoldi e André Filardi, por serem minha inspiração, a partir de cada
um de vocês, busco caminhos para melhorar, ler mais livros e acreditar na educação.
Agradeço a cada um, dos leitores, amigos, alunos, colegas de trabalho (que não
couberam aqui) por serem a ponta do porquê de toda esta tese e de toda minha existência.
VII
[Bakhtin]
VIII
RESUMO
A palavra “Saúde” mudou seus sentidos ao longo, principalmente, do século XX, e seus
contornos estão, hoje, ligados ao conceito de “Qualidade de Vida”. Uma das causas foi as Ciências
Humanas se aproximar das Ciências Médicas e há com isso uma espécie de poder biopolítico
travando diálogo entre as áreas, que indica um espectro que tende a ser humanizador para os
distintos campos do conhecimento. A saúde não é apenas biológica, mas biopsicossocial-
ideológica-discursiva. Acreditando que há nisto, na origem do termo, um início do desvendar e
pistas da fantasmagoria humanista, que passariam por uma análise da chamada crise da
racionalidade, do último século, por seus veios mais íntimos: pelos textos e pela ordem dos
discursos. Aqui vale, nesta tese, pensar como BAKHTIN (1895 -1975) pode contribuir para as
ciências da médicas, mesmo não tendo sequer escrito sobre elas. Uma análise dos discursos de
humanização e textos que circularam pela grande mídia – em especial na Folha de S. Paulo, de
Março de 2013 a Novembro de 2014 - sobre o programa Mais Médicos e o discurso - em Outubro
de 2013 - da presidente da república, Dilma Rousseff sancionando a lei que promulgou o
programa de saúde debatido, será, aqui, ponto de partida para se entender os acontecimentos e
indícios de mudanças ocorridas e ocorrentes na linguagem, nas ideologias, nos sujeitos e
sociedade. Propõe-se, portanto, discutir como os discursos heterogêneos, divergentes e
convergentes da Humanização se interpenetram e são constitutivos um do outro no jogo social na
construção de uma ciência mais humana, do que poderia ser uma humanística bakhtiniana
(tentativa de transformar o instável em estável lógico e matemático); porém o humanismo
bakhtiniano (jogo dialógico e vivo entre a sensibilidade ética e lógica moral) é mais abrangente
que uma ciência, ou mesmo uma tese, portanto defende-se antes de tudo o Humanismo nesta tese.
Para isso, dividiu-se a pesquisa de doutoramento em uma interpretação de três concepções agindo
sobre a força motora do Devir: a do Homem; a do Cronotopo (tempo/espaço); e a da Cultura.
Procurando em dois momentos estabelecer uma análise crítica: em um primeiro, entender os jogos
dialógicos e as tensões que se dão no interior da mudança na palavra “Saúde”. Conquanto haja
um mergulho na importância do pensamento bakhtiniano, principalmente pelo uso da palavra
como signo ideológico. Em um segundo momento, valeu-se dos pressupostos teórico-
metodológicos de cotejamento em GERALDI (2010 e 2012) em quatro estágios: 1) Para perceber
as dimensões materiais do signo – da palavra enquanto signo ideológico; 2) Para verificar seu
reconhecimento social; 3) Para entender sua compreensão em um contexto; e 4) Para interpretar
a compreensão ativa-dialógica dos textos sobre o programa “Mais Médicos”, procurando assim
ler o discurso oficial e os contradiscursos cotidianos que tensionam a mudança do paradigma da
palavra “Saúde” neste início de século XXI. Em suma, em um mundo em que há uma tensão entre
o mecanicismo e o humanismo, esta tese defende a Medicina Humanizada frente à Medicina
puramente tecnicista objetivista e abstrata, isto é, defende a Medicina como reflexão necessária
das Ciências Humanas.
ABSTRACT
The word "Health" changed your senses throughout the XX century and their sense of contours
are linked to the concept of "Quality of Life". One of the causes was the humanities approach
of Medical Sciences and there is thus a kind of biopolitical power locking dialogue between
areas, indicating a spectrum tends to be humanizing to distinct areas of knowledge. Health is not
only biological, but biopsychosocial-ideological-discursive. Believing that there is in the origin
of the term, an early unravel the clues and the humanist phantasmagoria, that would call for an
analysis of the rationality of the crisis, by his closest shafts: texts and speeches. Here it is worth,
in this thesis, think how Bakhtin (1895 -1975) could contribute to the Medical Sciences, even if
it was even written about them. A careful analysis of the discourses of humanization and texts
circulated by the official media - especially in the Folha de S. Paulo, March 2013 to November
2014 - on the program "More Doctors" (in portuguese: “Mais Médicos”) and the speech – in
October 2013 - the President of the Republic, Dilma Rousseff sanctioning the law that enacted
the debated health program, and are starting point for understanding the events and indications
occurred and occurring changes in language, ideologies, in subjects and society. It is proposed,
therefore, to discuss how heterogeneous, divergent and convergent discourses of Humanization
intertwined and are constitutive of each other in the social game in building a more human science,
humanistic Bakhtin called. The doctoral research was divided into an interpretation of three
designs and two times: the man; the chronotope (time / space); and the Culture; looking for, at
first, to understand the dialogic games and tensions that occur within the change within the word
"Health". Primarily through the use of the word as ideological sign. In a second stage, took
advantage of the theoretical and methodological principles of mutual comparison in GERALDI
(2010 and 2012) in four stages: 1) To understand the material dimensions of the sign - the word
as an ideological sign; 2) To check your social recognition; 3) To understand their context; and,
4) To interpret the active-dialogical understanding the texts on the program "More Doctors",
attempting to analyze the official discourse and everyday counter-discourses tensioning changing
the paradigm word "Health", at the beginning of XXI century. In short, in a world that has a
tension between the mechanism and humanism, this thesis advocates the humane medicine front
of purely objective and abstract technicist medicine, that is, advocates medicine as necessary
reflection of the humanities.
RESUMEN
La palabra "Salud" cambió sus direcciones a lo largo de todo el siglo XX, y su sentido, hoy,
están relacionados con el concepto de "calidad de vida". Una de las causas fue el enfoque de
humanidades en las Ciencias Médicas, lo que indica un espectro que tiende a humanizar a los
diferentes campos del saber. La salud no es sólo biológico, sino biopsicosocial-ideológico-
discursiva. Creer que hay que hacer, en el origen del término, un temprano desentrañar las pistas
y la fantasmagoría humanista, lo que exigiría un análisis de la crisis de la racionalidad, del siglo
pasado, por sus ejes más cercanos: textos y discursos. Aquí vale la pena, en esta tesis, piensar
cómo Bakhtin (1895 -1975) podría contribuir a las Ciencias Médicas, sin haber siquiera escrito
sobre ellos. Un análisis cuidadoso de la humanización de discursos y textos difundidos por los
medios oficiales - especialmente en Folha de S. Paulo, marzo 2013 hasta noviembre 2014 - en el
programa “Más Médicos” y discurso - en octubre de 2013 - el Presidente de la República, Dilma
Rousseff sancionar la ley que promulgó el programa de salud debatido, estará aquí el punto de
partida para comprender la ocurrencia de los hechos y de las indicaciones y que se producen los
cambios en el lenguaje, las ideologías, en los sujetos y la sociedad. Se propone, por lo tanto, para
discutir la forma heterogénea, divergente y convergente de los discursos de Humanización
entrelazados y que son constitutivas en el juego social en la construcción de una ciencia más
humana, Humanística, llamada por Bajtín. En un primer momento, para entender los juegos
dialógicos y las tensiones que se producen en el cambio dentro de la palabra "Salud". En un según
momento, se aprovechó de los principios teóricos y metodológicos de comparación mutua en
GERALDI (2010 y 2012) en cuatro etapas: 1) Para entender las dimensiones materiales de la
senãl - la palabra como un signo ideológico; 2) Para comprobar su reconocimiento social; 3) Para
entender su comprensión en un contexto; y 4) Interpretar el entendimiento activo dialógica de
textos sobre el programa “Más Médicos”. En resumen, en un mundo que tiene una tensión entre
el mecanismo y el humanismo, esta tesis defiende el frente medicina humana de la medicina
puramente objetivo y abstracto tecnicicista, es decir, aboga por la medicina como necesaria a la
reflexión de las humanidades.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO....................................................................................................XIII
INTRODUÇÃO............................................................................................................30
3.1 Saúde migrando para Qualidade de Vida: a forma ampliadora do olhar científico
bakhtiniano....................................................................................................................169
3.2 As novas profissções na Saúde na construção do conceito biopsicossocialdiscursivo
de Qualidade de Vida.....................................................................................................180
3.3 Análise do dado (o texto) e a instauração do criado (o biopsicossocialdiscursivo): o
Humanismo bakhtiniano e o Programa “Mais Médicos"...............................................191
REFERÊNCIAS...........................................................................................................233
ANEXO A.....................................................................................................................241
XII
XIII
APRESENTAÇÃO
[Ricardo Reis]
liberdade, a máxima lei, pela renúncia dos discursos e também pela escolha de outros
discursos que priorizem a escuta e a alteridade. Ricardo Reis é o heterônimo mais exato
e amante da cultura e mitos gregos (tão estudados por Nietzsche, admirador dos estoicos,
imprescindíveis na montagem das questões sobre vontade de saber desta tese)1. Nesse
poema Ricardo Reis revela seu estoicismo em todo o seu esplendor: porque tudo se perde
na vida com a morte. Por isso, segundo o poema, devemos aprender a renunciar e ver
nisso um ato nobre de nossa parte. Se renunciarmos, nada vamos perder (nem o “óbolo
último”, as moedas que são usadas para cobrir os olhos dos mortos para pagar a passagem
por Hades, deus dos subterrâneos) quando morrermos e se tudo acabamos por perder,
melhor é renunciarmos já. Ou seja, segundo os estoicos, apenas podemos possuir a nós
próprios, possuir a nobreza simples de nos conhecermos - ao lema grego altivo nosce te
seguinte: “não queiras conhecer nem possuir nada além de ti, pois existe um Outro EU,
além de ti". Torna-se nítido que a renúncia que Ricardo Reis propõe coloca em xeque o
põe o Eu como centro autoritário. Pois o homem contemporâneo, por meio do poema,
1
Tanto Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 – 1900) quanto Paul-Michel Foucault (1926 -1984),
coincidentemente, nascidos em 15 de outubro, são dois pilares das ciências para todo século XX e início
do século XXI, pelas genealogias científicas que propuseram. Nota-se em conceitos como a vontade de
saber, ou vontade de verdade, a forte influência de Nietzsche na formulação do pensar de Foucault, além
de nos cursos no Collège de France sempre fazer referência aos trabalhos do filósofo alemão, os cursos
ocorreram entre os anos de 1977 e 1984, cujo nome de sua cátedra era: História dos sistemas de
pensamento. A importância de ambos pensadores é fundamental, mas, para esta tese, apenas abrimos um
diálogo, pois caberia para estudos avançados em filosofia uma ampliação ainda maior que não coube na
escolha do tema colocado aqui, mas poderá servir muito para estudos a partir dos iniciados e adiantados
pela própria tese. Vale observar que Nietzsche é o responsável pela ruptura necessária com o pensamento
racionalista, mecânico, positivista que vinha tomando conta do século XIX. Foucault vê nele a fecundidade
do que é dito, proposto e o leva adiante fazendo um modo genealógico do saber, em que não se tem verdades
absolutas dentro da História, mas séries de histórias dentro da História. Tudo isto é fulcral para o
pensamento bakhtiniano que iremos mergulhar durante a tese.
2
Sentença de Heráclito de Éfeso (533 a. C - 475 a. C), pré-socrático, cuja teoria do panta rei é uma
consequência de polemos (guerra, conflito), que reina sobre tudo. E por isso Heráclito de Éfeso não é o
filósofo do "tudo flui" mas do "tudo flui enquanto resultado da tensão contínua dos opostos em luta". É
XV
que inaudível ao que quer e cobra o mundo autoritário. Apesar da metáfora de Ricardo
Reis, por ser um poema de morte, ele dialoga com os vivos, com a vida, para abrir os
olhos da cultura que estamos absorvendo, sendo assim, pelo discurso da renúncia extrema
século de XIX e início do XX, que aqui apontamos como época da crise da racionalidade
ação do homem com o seu semelhante, o que chamaremos ora como uma possível
pela condição fatal, estejamos todos morrendo. Neste mundo, vi homens abdicarem da
vida, inclusive meu pai (falecido aos 53 anos, com falência múltipla dos órgãos, segundo
o obituário; cuja forma da morte conversa mais adiante com toda esta tese, pois a
fatores biológicos); vi outros homens e mulheres, abdicarem dos sonhos, das utopias, das
“eu”. Augusto Ponzio propõe a alteridade bakhtiniana como única via de saída para conjurar os perigos
de uma realidade igualada e homogeneizada pela televisão e pelos meios de comunicação, através dos
quais os interesses do capitalismo conjuram para que todos nos vistamos igual, consumamos os mesmos
produtos, nos emocionemos com as mesmas telenovelas, nos identifiquemos com os mesmos mitos. Ponzio
propõe uma semiótica literária que está extremamente ligada à filosofia da linguagem, tal e como a
concebe Bakhtin, e à crítica literária, não porque se aplique à literatura, mas porque a literatura constitui
seu enfoque. Se Bakhtin aprecia no caleidoscópio da literatura o que a linguística do intercâmbio da
mesmice e da comunicação não podem apreciar, ou melhor, as outras vozes que ressoam na palavra de
um mesmo sujeito, Augusto Ponzio utiliza as categorias literárias (dialogia, alteridade, polifonia,
responsabilidade) como categorias filosóficas sobre as quais constrói um novo humanismo: o humanismo
da alteridade”. (Mercedes Arriaga Flórez, 1998, p. 9 -14).
4
“A pesquisa lançada no dia 13 de junho, durante a Rio+20, revelou que a Pegada Ecológica média do
estado de São Paulo é de 3,52 hectares globais por pessoa e de sua capital, a cidade de São Paulo, é de
4,38. Isso significa que, se todas as pessoas do planeta consumissem de forma semelhante aos paulistas,
seriam necessários quase dois planetas para sustentar esse estilo de vida. Se vivessem como os paulistanos,
seriam necessários quase 2,5 planetas. Pegada Ecológica - A Pegada Ecológica é uma metodologia de
contabilidade ambiental que avalia a pressão do consumo das populações humanas sobre os recursos
naturais. Expressa em hectares globais (gha), permite comparar diferentes padrões de consumo e verificar
se estão dentro da capacidade ecológica do planeta.”-
XVII
1,8 hectares/ano, enquanto um paulista consume 3,5 (ha/ano), um paulistano 4,3 (ha/ano)
32% de tudo o que é produzido na terra, ou seja 1/3 do planeta é devorado pelo modo de
vida pode assumir; entretanto é também escolher o que viver, o que olhar, o que escutar,
o que comer, o que ler, o que teorizar, mesmo que os caminhos sejam, aparentemente,
sem escolhas. Mesmo morando na rua de forma indigente por depressão ou desemprego5,
por hipótese e exemplo de uma vida sem escolhas. Assim como a vida é feita de relações,
próprio (é preciso descentralizar o EU, como em uma revolução bakhtiniana proposta por
Augusto Ponzio, 2008, em que tanto o EU quanto o Outro sejam categorias de valor não
http://www.wwf.org.br/informacoes/bliblioteca/?31603/a-pegada-ecolgica-de-so-paulo--estado-e-capital.
Acessado em 21 de janeiro de 2015.
5
Vale ressaltar que teóricos e teorias como Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, veem as cidades
contemporâneas como grandes centros da mais alta violência simbólica já vista na história da humanidade.
A cidade de São Paulo, por exemplo, a quarta cidade mais populosa do mundo, aparece entre as que mais
produzem violências simbólicas, psíquicas e físicas. Onde o número de indigentes é superior a 30 mil
pessoas que não se enquadram em um padrão, fazendo com que “A vida na sociedade líquido-moderna
seja uma versão perniciosa da dança das cadeiras, jogada para valer. O verdadeiro prêmio nessa
competição é a garantia (temporária) de ser excluído das fileiras dos destruídos e evitar ser jogado no
lixo.” (BAUMAN, Z. Vida líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2007, p. 10).
Por isso tudo, falar de violência produzida na cidade de São Paulo é falar também de Saúde, pois a sensação
de impotência em uma megalópole pode ser visível em estudos e análises, pois o cidadão paulistano vive
andando em um fio de navalha entre a indiferença e o anonimato, que ora pode ser positivo, ora pode ser
negativo, porém a manutenção deste jogo faz crescer nele um dos maiores índices de transtormos mentais
da história. A cidade de São Paulo é, hoje, a que apresenta maior número de doentes mentais do mundo
(OMS/2013/2014).
XVIII
indiferentes entre si) para fazer uma análise do nosso momento histórico e do progresso
no mesmo patamar que outros homens em outras culturas, em outros tempos, sob outros
pois já foi lido, dito, ou voltará a ser em outro momento e de outra forma; por isso palavra
É preciso não confundir o relativismo absoluto (uma escolha sem contexto) com o
defesa dela, como todo homem, consciente, vive. Escrever, portanto, é defender com
palavras à vida, é defender um ponto de vista; ponto, este, que está presente na
sujeito morre, morre com ele um certo modo de ver único e ‘irrepetível’. Como
existencialista e bakhtiniano escrevo, esta tese, sabendo que as vidas mais interessantes
o são pelo modo como olham o mundo. Logo, escrever é a liberdade subjetiva passeando
diálogo (e esta é a condição de uma espécie de linguística da escuta, proposta por Ponzio,
2010).
Busco escrever com um olhar que escute e que vislumbre o tempo todo a liberdade
esta é a razão da escrita e da existência do escritor. Sartre (1946, p. 76) diz: “A maior
liberdade que existe é a liberdade de escolher para si a própria lei.” Foucault (1981, p. 83)
complementa dizendo: “de uma liberdade que é tida como condição ontológica da ética.
temporalidade, de Bakhtin. Escrever, portanto, seria pensar a vida como ética no e através
do tempo, na e por meio da Cultura; seria viver a liberdade, mesmo que ao abdicar de seu
tempo capitalista e de sua cultura (reificadora e consumista), para que a lei da vida e do
respeito às liberdades prevaleça, como diálogo, este primado de toda alteridade que vive.
Escrever é ser, plenamente, humano em sua, excelente e mínima, porção singular e alter
Escrevo esta tese como forma de diálogo, como forma de escuta, com as condições
da vida que olho. Com as condições que o Capitalismo dá ao Homem6. Com as condições
que a Natureza tem para dialogar com o Homem. Escrevo uma tese que abdica, em alguns
importante um distanciamento de si, para lançar um olhar objetivo sobre a História que
está sendo, está se construindo. Escrevo uma tese que fale como dois olhos (ANDRADE,
6
No berço do Capitalismo, que é a Europa, há um debate muito intenso nesse início de século XXI que nos
interessa imensamente, justamente, por colocar o Homem frente a frente com a criatura sistêmica e
mecânica, que se move acima da natureza, como um Deus (“um Deus Capitalismo”), como diz Giorgio
Agamben: “Deus não morreu, ele se tornou dinheiro”. Nos coloca em debate sobre as últimas eleições na
Grécia, janeiro de 2015, em que o partido de esquerda radical, Syriza, tomou o poder por voto livre, após a
Grécia passar anos de apuros com a União Europeia (EU), desde 2008, a resposta das ruas e das urnas
parece ser: não aceitamos o “Deus Capitalismo”. E cogita-se (no momento de escrita desta tese) um grande
calote na dívida com a UE e os bancos mundiais. O que seria uma grande resposta, pois o sistema não vive
sem seus consumidores. Há que notar que se exaure o sistema, quando o contradiscurso se torna mais forte
que a opressão puramente mecânica de um Estado-Máquina.
XX
2012)7, que fale de um ponto de vista parcial, físico, político, poético (NERUDA, 1969)8;
do ponto de vista único, limitado e humano que cabe a minha existência e as parcas
experiências.
Escrevo uma tese que é mais uma tentativa de ser chave de acesso à mão da
consciência de muitos outros olhos, do que dizer a absoluta verdade; que, os leitores, a
vejam como porta, não como lei; mas como porta ao aberto e à liberdade ética. Para que,
o leitor, compreenda que abdicar e ser rei de si próprio, não é um mero paradoxo, mas
uma condição de quem escreve e vive. Concomitantemente. Preparo uma tese que se
de Medicina da Universidade de São Paulo) teve o artigo mais comentado e opinado. Nele
uma “Face oculta da medicina” (título do artigo), em que o status vem sendo levado mais
7
“Eu preparo uma canção/em que minha mãe se reconheça, /todas as mães se reconheçam, /e que fale como
dois olhos. //Caminho por uma rua/que passa em muitos países. /Se não me veem, eu vejo/e saúdo velhos
amigos. //Eu distribuo um segredo/como quem ama ou sorri. /No jeito mais natural/dois carinhos se
procuram. //Minha vida, nossas vidas/formam um só diamante. /Aprendi novas palavras/e tornei outras
mais belas. //Eu preparo uma canção que faça acordar os homens/e adormecer as crianças.” (ANDRADE,
Carlos Drummond de. Poesia 1930-62. Edição crítica. GUIMARÃES, Júlio Castañon (org.). São Paulo:
Cosac Naify, 2012.)
8
Em uma antológica entrevista da escritora Clarice Lispector, em 1969, com o Nobel de literatura chileno,
o poeta Pablo Neruda, ela teria perguntado para ele: “Como é que você descreve um ser humano o mais
completo possível?”. E ele teria respondido de forma delicada, reflexiva e extremamente existencialista:
“Político, poético. Físico.” - http://www.revistabula.com/955-clarice-lispector-entrevista-pablo-neruda/
(acessado em 21 de janeiro de 2015).
XXI
relatados por anos dentro dos portões da faculdade pública – temos aqui um grande
dos sistemas ideológicos. O artigo é muito bem escrito (chegando a nos surpreender como
sempre fazem os grandes textos toda vez que os lemos); é muito claro e bem propositivo
para início de análise nesta tese, pois: quer uma resposta de uma formação médica
Sabemos que a sociedade pode até estar satisfeita com a formação técnica
dos médicos, mas é notório como está insatisfeita com a falta de humanização
desses profissionais, cuja prerrogativa é promover saúde, não a mera ausência
de doenças. Tentam preencher essa deficiência pelo currículo formal, mas se
esquecem do currículo oculto –práticas e culturas–, que molda sujeitos do
início ao fim da faculdade. (SCALISA, 2014, s.n.)
notório” (na segunda linha do trecho acima, do artigo de Felipe Scalisa) com a conotação
de que algo está nítido, claro para todos, evidente para todos. Mas que “algo” é esse que
que investigar as camadas desse dizer opaco, e teremos que fazer o cotejamento com
contraste e a tensão entre discursos, entre culturas, entre ideologias presentes no mesmo
XXII
Araraquara (conhecida pelos altos índices de qualidade de vida)9 e São Carlos (capital da
tecnologia, por ter duas grandes universidades públicas). Nascido em família mineira, que
migrou quando tinha 5 anos para Araraquara, por início de separação dos meus pais, logo
notei que os contrastes de cultura entre Minas Gerais e o interior paulista seriam grandes
lições e aprendizados para a vida, pois notei cedo que o homem é um ser de cultura (um
vivente cultural), se alimenta do que está em volta e se adapta segundo sua óptica. Meu
olho fixou-se em traduzir contrastes culturais a cada cidade que migrava, a cada espaço
que conhecia, a cada cotidiano que escutava. Como disse, esta tese é particularmente um
olhar de contraste, assim como fazia Bakhtin em sua obra, pois conseguia avaliar os
valores orgânicos ou artificiais de uma sociedade por meio da análise dos modos de vida.
Bakhtin era um pensador de cultura, pois sabia ter o olhar de contraste, enviesado,
9
Terceira cidade do país em melhor qualidade de vida, Araraquara chegou a um patamar de
desenvolvimento que só será atingido por boa parte dos municípios brasileiros em 2037. Esta é a conclusão
do Índice Firjan de Municípios divulgado pela Fundação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). O estudo
mensura o grau de evolução de três indicadores básicos: emprego e renda, saúde e educação. Com o
resultado obtido na edição 2010 do estudo, a cidade caiu da primeira para terceira posição no ranking
nacional, mas manteve-se no grupo das dez cidades consideradas ‘top’ do País. A redução foi causada por
variações negativas na geração de emprego em 2008, quando a economia local sentia o reflexo da crise nos
Estados Unidos. A diferença da Araraquara de 2007 e 2009 está justamente em seus indicadores. No
período, a cidade quase dobrou o atendimento na rede básica de saúde com a ampliação de programas como
a Saúde da Família — hoje, cerca de 50 mil pessoas são atendidas. -
http://culturalgame.com.br/site/?p=2128 (acessado em 21 de Janeiro de 2015).
XXIII
Foi procurando aguçar o olhar que chego à São Paulo em 2005. E este ano tem alto
valor humanizador no processo de escolha desta tese, já que a mulher (Renata Oliveira)
que se tornaria mãe de meus dois filhos é uma das pessoas que mais movimenta a vida
em prol da saúde humanizadora, em meu lastro de conhecidos. Um pouco por ser ela
Terapeuta Ocupacional de formação pela UFSCar e hoje, desde 2008, ser a coordenadora
responsável pela Saúde Mental da zona leste da capital paulistana (são dois fatores
tese). Chegar em São Paulo, cidade com maior número de pessoas com transtornos
mentais do mundo (segundo a OMS e em artigo publicado na revista PLoS One, em 2012,
apresenta os resultados da pesquisa São Paulo Megacity Mental Health Survey que coloca
em torno de 30% os índices de pessoas com transtorno metal na Grande São Paulo), fez
com que o meu mesmo mecanismo intuitivo que me fez adaptar à cultura do interior,
fizesse com que também entrasse em conflito com a vasta e dinâmica diversidade cultural
São Paulo excita o pensamento sobre o homem e sobre sua materialidade histórica;
grafites gritam em sua capital mundial. São Paulo é uma cidade de atitudes, de decisões,
decisões que se seguiram na minha vida foram todas no bojo de escolher a formação
em São Paulo em 2005, três anos depois de iniciar as pesquisas e leituras de Mikhail
10
Como o tom desta apresentação tem um ar bem memorialista, vale ressaltar as datas de ambas canções,
uma de 1978, ano em que nasci, e outra de 2011, ano em que mais me envolvi com o tema desta tese e com
questionamentos sobre medicina e qualidade de vida na cidade de São Paulo. Não apenas por coincidências,
mas pelo olhar de constraste de uma canção com a outra, de um período cultural demarcado com outros,
pelo que diz o tempo entre ambas as canções e o que nelas não coube e nem caberá, pois o tempo é vivo e
de vidas. Mas temos, prioritariamente, que ficar atentos para o que dizem: uma, pelo estranhamento com a
nova e diferente vida/cidade; outra, pelo estranhamento com a própria vida/cidade.
XXV
-, cujo o tema também fazia um contraste entre culturas a partir da língua e dos seus signos
ideológicos, contudo fazia uma crítica veemente ao eurocentrismo sobre o signo latino
aqui no caso, como algo modificador aos padrões da vida da sociedade contemporânea.
Podendo ser, um dos exemplos, a Terapia Ocupacional, uma profissão muito recente na
história, só surgida após as Guerras Mundiais, como forma de auxílio e recuperação dos
o positivismo e o determinismo para uma sociedade que cuida do humano dos homens e
da sua qualidade de vida. Este é ponto que fará da discussão sobre a Medicina, um amplo
Brasil atual.
Já em 2008 o tema, desta tese, estava definido, embora somente em 2010 abriria o
família, e que naquela época vivia na periferia da zona leste, bairro de Itaquera, e pegava
duas (2) horas de transporte público por dia para dar aulas em um colégio de classe média
XXVI
índices não é sinônimo de melhor ensino, nesse caso). Fiz de minha vida um ato de
quebrados”, os padrões estéticos e éticos, como um caçador conjectura uma narrativa para
explicar a realidade que o cerca (GINZBURG, 1983). E a realidade se mostrou cada dia
mais longos e cheios de trabalho assalariado da minha vida, em que os dias duravam 20
horas e o filho ainda pequeno me esperava chegar em casa para dormir, só depois das 23
horas, e que acordava sem ver o pai em casa. A escolha pelo tema “Qualidade de Vida”
faz total justificativa também neste momento de minha vida, pois as questões mais
transporte (são 4 milhões e 700 mil usuários do metrô/dia) e pagar para viver, sem ter
direito à cidade, em um mundo em que a qualidade de vida está em voga? 2) Não seria o
Homem um ser de cultura (um vivente cultural), por isso um ser político, por isso um ser
padrões, como os que são obesos demais, os velhos demais, os altos demais, os negros,
A decisão do doutoramento passa por estas questões e inquietações, ainda mais por
notar que uma pesquisa se faz de olhar (de política), de escuta (de poética) e também de
mais parcerias e interlocuções de qualidade (de física). A pesquisa teria que ser em São
Carlos, teria de ser com orientação de Valdemir Miotello, e seu viés humanista orgânico,
teria de ser com a base teórica de Mikhail Bakhtin; pois só sob essas ópticas e
que o espírito encontrou uma teoria que valesse a pena para passar os anos, pois a tensão
antidemocrático e a liberdade.
Depois do nascimento de minha filha (Liz Maria), em 2009, a vida tomou caminhos
por renúncias e liberdades importantes nos âmbitos profissional e pessoal, que requereria
caçador fica sempre à espreita da caça, assim é um pesquisador. Pedir demissão mesmo
sendo querido pela escola e os alunos, foi uma dessas renúncias, mesmo tendo dois filhos
pequenos. Era hora de caçar as presas. Precisava colocar à prova alguns valores do mundo
11
A cidade de São Paulo intriga a mente, polui os póros do corpo, instiga o pensamento coletivo e insiste
em transformar o ser social, que é o ser humano, em um ser individualista. Contudo, a forte desumanização
das relações que uma grande cidade capitalista insiste em alimentar de signos a mente, dos que vivem nela,
produziu um efeito contrário em mim: precisava para manter-me minimamente lúcido, buscar na arte o
respiro. A poesia foi o mais puro ar e habitável mundo. Durante os anos de Tese, para me humanizar,
intensamente passei todos os dias escrevendo poesia, buscando poesia em cada olhar. Foram quatro projetos
de livros organizados e finalizados (“No Passo Dela” - 2012, “5 de Outubro” - 2013, “Revolução” - 2014,
apenas um publicado (“O Gosto do Quando” - 2011). Talvez neste mesmo período tenha notado que a
ciência é apenas um veículo da ética e daquilo que não cabem nos livros, pois a vida que não cabe nos
livros. Aquela que é difícil de dar conta em palavras e que é da mais verdadeira poesia e digna das Ciências,
das pesquisas, dos debates. Hoje, ao exercitar uma Tese de doutoramento, noto que tanto a Poesia, quanto
uma Tese, podem não dar conta, definitivamente, do que silencia um olhar humano, independente da classe
social que olha: ao lutar pela vida e pela manutenção da saúde.
XXVIII
teria que escolher uma proposta bem existencialista: o homem é o que vê, lê e sonha para
Volto, em 2011, por quatro (4) meses a morar em São Carlos, para recuperar o ritmo
dos escritos e leituras, mas logo recebo uma proposta desafiadora para coordenar a
Redação da sexta (6ª) escola (Colégio e Curso Poliedro) com maior aprovação em
Medicina no país. Era a chance de voltar à São Paulo e seguir com o projeto de
Humanização que enxergo ser possível fazer pela leitura, correção e diálogo com os textos
dos alunos de diferentes classes sociais, que quer em sua maioria as escolas públicas de
que mais aprova em medicina no país. E a técnica foi bem bakhtiniana, bem miotelliana,
bem humanizadora12: chamamos os alunos pelo nome (como em uma filosofia do ato
12
Machado de Assis tem versos contundentes e humanistas, em que diz: "Palavra puxa palavra, uma ideia
traz outra,/ e assim se faz um livro, um governo,/ ou uma revolução,/ alguns dizem que assim é que a
natureza/ compôs as suas espécies". É da natureza do convívio ter atrás de um texto outro ser humano. Pois
o texto pulsa, o texto fala, o texto cala, o texto reflete como cada ser humano ao se erguer por aquilo que
diz. Ao ler um texto vejo quão há de vibração e energia naquilo que diz e move. Nenhuma palavra é neutra.
Nenhuma palavra é puxada do nada e do sem sentido. Toda palavra emerge da consciência (afinal, o
alimento da consciência é a ideologia, e esta só entra no humano da gente pela linguagem). Nenhuma
escolha é sem álibi, pois toda palavra traz consigo uma revolução em si, é a palavra o lugar da revolução
permanente, o campo concreto do DEVIR intrínseco e humano que nos alimenta e move, nos mobiliza e
instabiliza, nos comove e nos satisfaz. E o DEVIR em carne e vida está no que escrevemos, no que falamos
e no que calamos. Se negamos a natureza de encontrar o humano do texto, negamos o humano a nós
mesmos, pois diminui-se assim o nosso DEVIR. Não melhoramos se não vemos o OUTRO. Pioramos
quando só vemos um objeto a ser lido e compreendido. Ler um texto é conversar com um amigo. É saber
ouvi-lo, como quem brinca e é companheiro nas brincadeiras. Ler texto é buscar a raridade do OUTRO
naquilo que escreveu. E ver que o que mais nos alimenta é a “revolução” que nos livros se manifesta, pois
XXIX
responsabilidade em assinar nossos nomes (dos professores que corrigem os textos) nas
projeto de humanização na correção em redação dentro de uma das escolas de ensino mais
antidemocrático das escolas; mas nada que o trabalho de base bakhtiniana não dê conta e
solução, que incentive o pensamento e manifestação das singularidades. Fica nítido como
falta uma formação humanizadora aos nossos estudantes, pelo modo mecanicista em que
um texto é escrito nas grandes escolas. Falta-nos capital humano, bons leitores, escritores
e comentadores sensíveis ao estilo individual das pessoas, parece que estamos perdendo
esta capacidade em larga escala nas grandes cidades e pior nos grandes centros
veio de diálogos humanos intensos, em seus respectivos espaços e tempos. Ao ler um texto, entendo que o
que o texto quer é diálogo. Ao escrever um texto, sei que o que o texto pode: pode revolucionar o mundo.
Por isso quando leio um texto, busco nele a Revolução que o alimenta, e sempre a encontro, como se fosse
mais forte que eu e maior que minha vida. E aquela é bem maior, melhor e mais forte. Ou seja, texto, para
mim, é diálogo e Revolução permanentes. O modo bakhtiniano de corrigir redações de vestibular se
alimenta de tudo isso.
13
A cidade de São Paulo chama atenção por muitos fatores, talvez o que sempre chama mais atenção, entre
todos, é o modo como se enuncia São Paulo com um adjetivo ou superlativo grudado em seu conceito. Há
sempre um adjetivo de “maior”, “melhor”, “milhões”, “milhares”, “mais”. Desses estão os inúmeros fatores
que fazem da cidade um monstro em números, onde todas as contas ganham status megalomaníacos, pois
se falarmos em população teremos que contar os milhões; se falarmos em homicídios, falamos em milhares;
se falarmos em distribuição de renda, falamos de barbárie histórica; se falarmos de carros, congestionamos
o pensamento com milhões nas ruas; se falarmos de comida e oportunidades, falamos em outros milhões
famintos e desempregados. Para viver em São Paulo é preciso conviver com a megalomania de saber que
na cidade habitam dos mais de 18 milhões de seres humanos. Isto causa estranhamento diário e dá o tom
em muito do contraste cultural que se tem com outras cidades e espaços. Estranhamento que esta tese não
foge de travar diálogos. Este estranhamento é alimento desta tese.
XXX
extóide, com acompanhamento humano, e que favorecesse o diálogo como escuta, que
logo os resultados foram mais eficientes e continuam a aparecer, e hoje é a escola que
mais aprova em Medicina no país todo (os índices de aprovação da escola, hoje, superam
Felipe Scalisa é um dos exemplos sintomáticos de todo trabalho por uma medicina
ser evidentes ao longo do processo. Felipe Scalisa é apenas um exemplo dentre os dois
14
O Curso Poliedro aprova cerca de 60% nas principais escolas públicas de medicina do país, por exemplo
eram apenas 10 aprovações na FMUSP em 2010, em 2014/2015 chegou-se a cerca de 55 aprovações. Mas
isto, muito graças a um projeto humanístico vigoroso em Redação. Chegou-se a 40% da turma de medicina
na UNIFESP e uma média de 1/3,6 alunos da FMUSP saem do Curso Poliedro, depois dessa escalada
humanista. Há um paradoxo nisso, pois a máquina de aprovações e resultados lógicos, agora, alimenta-se
de humanismos em seu modo de ensinar.
XXXI
mesmo ex-aluno como autor do artigo “A face oculta da medicina”, logo nota-se, no
conjunto desta tese, que o processo está em curso dentro de uma sociedade em
Saúde e Sociedade, dentro das universidades diante os métodos e práticas sociais para a
cobram uma humanização dos discursos, da linguagem e das práticas, e que são cada dia
em outros lugares dos sonhos do mundo. São apenas pistas, rastros e estalitos de galhos
no caminho da história?
Parece ser a hora do homem tomar algumas decisões, tomar algumas renúncias para
ato responsável como método de uma ética, proposto por Bakhtin. É preciso médicos que
olhem nos olhos do doente, pois o instrumento de medição da pressão em alguns casos
15
“Um dos mais influentes pensadores marxistas da atualidade, o geógrafo britânico David Harvey
esteve no Brasil em novembro para divulgar o lançamento de seu livro Os limites do capital. Escrita há
mais de trinta anos, a obra ganhou sua primeira versão em português, mas, segundo Harvey, isso
não significa que tenha ficado ultrapassada – pelo contrário. Pioneiro em sua análise geográfica da
dinâmica de acumulação capitalista descrita por Marx, o livro, assim como grande parte da obra
de Harvey, tornou-se mais relevante para entender os efeitos da exploração econômica dos espaços
urbanos e suas consequências para os trabalhadores, ainda mais numa conjuntura marcada pela
eclosão de protestos contra as condições de vida nas cidades, não só no Brasil, mas também na Europa,
América do Norte e África. Nesta entrevista, Harvey faz uma análise dos levantes urbanos que ocorrem em
todo mundo, aponta que não será possível atender às reivindicações por meio de uma reforma do
capitalismo, e defende: é preciso começar a pensar em uma sociedade pós-capitalista” -
http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/das-democracias-totalitarias-ao-possivel-
pos-capitalismo/ (acessado em 21 de Janeiro de 2015).
XXXI
pode ser substituído pelo trato humano, em muitos casos da Atenção Primária da Saúde.
Ou seja, Saúde deixou de ser apenas a cura das doenças. Hoje, Saúde é Qualidade de vida,
Para quem sabe, ao “sol” desta tese, sentaremos e abdicaremos, para sermos reis de
16
“O Humanismo: a necessidade absoluta de outrem forja um novo humanismo. Primeiramente é a
constatação que não se é eu sem outrem. Em decorrência, ser significa tomar posição, agir, responder.
Não se pode negar o chamamento sem perder a singularidade. Privilegiar a alteridade em relação a
identidade é a reviravolta bakhtiniana. Identidade não significa o eu senhor de si. O que sabemos sobre
nós mesmos são palavras que bebemos dos outros. “No fluxo de nossa consciência, a palavra persuasiva
interior é comumente metade nossa, metade de outrem”(BAKHTIN, 2010, p. 145-146). Quanto mais a
alteridade for celebrada como outrem diferente sem para isso criarmos desigualdades, menos a identidade
fixa, imóvel e imutável fará algum sentido. Mais e mais cada sujeito se saberá único, não mais ou menos
humano, mas responsável e único entre únicos. Uma consciência ética fundada numa vivência estética.
Um novo homem é criado e se cria.”(SILVESTRI, 2014, p.49)
30
INTRODUÇÃO
dos pontos fulcrais da teoria bakhtiniana pode dar pistas disso: a palavra vista como signo
ideológico por excelência, pois é um ótimo lugar de indício de novos paradigmas; já que
leva a teoria do signo para além do viés apenas gramatical, estruturalista, já que diz que
a palavra é o indicador mais sensível das transformações sociais (infra e supra estruturais);
entorno criou-se socialmente um território preciso que alimenta as consciências que ali
nos tempos atuais, início do século XXI, tem contornos sociológicos; e qualidade de vida
17
Há uma tensão peligritante nessa mudança de paradigma (entre as palavras), que diz que os modos de
vida do Homem mudaram. E é preciso ficar atento. O conceito de Qualidade de vida vem acompanhado de
opressão também, pois no mundo atual novas doenças e doentes aparecem, como é o caso da depressão,
surgida XX, da vasta gama de transtornos mentais ou mesmo da obesidade aparecendo como doença
nutricional, colocada como a terceira maior doença por desregulação alimentar mais perigosa do Brasil, ao
lado da anemia e desnutrição. Segundo estudos, os fatores causadores da obesidade são: consumismo,
sedentarismos, má alimentação e fatores midiáticos, além da modernização. Esta última seria a passagem
de uma sociedade tradicional, em que predominam relações familiares, particularistas, difusas com grupos
locais estáveis, limitada mobilidade social e pouca diferenciação ocupacional, a uma sociedade moderna,
caracterizada por normas universalistas, pela valorização do desempenho, pela alta mobilidade social, pelo
desenvolvimento do sistema ocupacional, pelo sistema de classes menos rígido, entre outros laços. Há uma
correlação positiva e tensa entre vários aspectos envolvidos na ideia de modernização – econômicos,
sociais, demográficos, culturais e políticos. Torna-se fundamental, portanto, olhar a obesidade e a
depressão, como novidades patológicas, e também pelo viés do quão opressor é ser tratado como doente
em um mundo que cobra Qualidade de Vida. (MONTEIRO C. A, MONDINI L, De Souza AL, POPKIN
B. M. The nutrition transition in Brazil. Euro J Clin Nutr 1995; 49:105-113.)
31
tem diálogos íntimos com a Filosofia da Linguagem. As ideias sobre Humano e Saúde
FERRANO, 2003), que não os analisa apenas biofisiologicamente. Saúde não mais é
somente o estudo da cura de doenças, ou apenas o modelo médico de uma ciência que
meramente investiga o processo de cura; mas, hoje, abre conversas com a Sociologia
(principalmente como age o conceito de ideologia) e até pode e deve ser investigada pelos
estudos linguísticos pelo mesmo viés de materialismos histórico que tomou a sociologia
- nesta tese, com os de Bakhtin-, o que amplia a margem para pesquisas que buscam
explicar porque o câncer pode estar associado à fatores ideológicos e discursivos (como
Esta tese defende, portanto, um novo paradigma para o signo Saúde: como sendo
ideológica de uma palavra pode matar; assim como o machismo (visão ideológica que
oprime a igualde de gênero) mata todo dia, uma concepção de saúde e alimentação pode
matar milhares, ou salvar milhões, por dia. Pois hoje, século XXI, o sujeito é visto, por
saúde/doença social, em suas interações com o meio, e com seus interlocutores; sendo
que seus processos de saúde e adoecimento passam a ser considerados pela sua
vista a Saúde como um signo bakhtiniano por excelência. O homem, quando parceiro do
tempo histórico e quando não faz uma análise puramente anacrônica, consegue adaptar-
32
discursos na grande mídia (em sua maioria do Jornal a Folha de São Paulo, entre os meses
de uma espécie nova de agir humano, na Área da Saúde e nas Ciências Humanas, que
Talvez ele mesmo não quisesse erguer uma ciência ou um método científico, por isso só
menciona e não define). Em outras palavras, Bakhtin não tem uma contribuição direta
com a Área da Saúde, mas tem como pensador das Ciências Humanas e por valorizar as
singularidades, o corpo singular, podemos dizer que tem grande contribuição filosófica e
propriamente dito, pois não se fecha como ciência exata (não se fecha até mesmo como
humanística, mas se abre mais ampla, como uma ética humanista, é uma humanística do
33
ato responsável, portanto um humanismo ético), já que está aberto ao diálogo, ao criado,
Saúde/Qualidade de Vida que esta tese almeja defender frente ao materialismo histórico
saúde/médicas podem ser consideradas ciências humanas apenas por tratar a saúde como
2014, dão conta dos sintomas indiciários de um novo paradigma humanístico ou da crise
da racionalidade?
Para responder tais perguntas, mergulho toda a tese, em cada capítulo, em textos
que mais faziam um contraste de olhares sobre o tema), para cotejar o tema e as questões.
Parece ser o jornal, material periódico publicado, o mais propício material discursivo e
ideológico para uma análise pontual (próxima a um jeito de fazer comentários, apenas
como forma de pintar o cenário, para que o leitor desta tese tenha noção da magnitude da
reflexão necessária, que talvez a tese não dê conta), pois é um texto de arcabouços diários
que refletem o que querem e refratam o que também não fora desejado. A diferença de
um corpo físico que vale por si só como um jornal (que é físico e material palpável) são
gritantes em relação a outros, pois o corpo físico reflete e refrata leituras; mas quando
34
não podem ser abertas ao infinito abstrato, pois um produto ideológico significa diante
seu contexto, sua trajetória, sua memória, sua ação como produto de consumo e bem
material interpretado. Não há como lançar qualquer juízo de valor solto sobre um jornal.
As palavras são escolhidas, selecionadas para aquele tipo de reportagem, aquele tipo de
dizer e aquele tipo de escolha discursiva. Levando em conta, por exemplo, que um
levam a uma complexidade ideológica, política, econômica, jurídica e ética das mais
luta pela venda de produtos, pela informação mais democrática (embora não seja o jornal
liberais e capitalistas), da escolha por uma perspectiva do debate, etc, contudo a que vale
aqui: é a luta ideológica que movimenta o debate da saúde como bem ideológico e
Carta aos médicos cubanos, publicada por um médico leitor no jornal. Portanto, vamos
ler a imagem, a mensagem de cada texto, a cada final de capítulo desta tese, como forma
de cotejamento da realidade.
Para tanto é preciso definir uma metodologia, muito mais que um método. Uma
metodologia que seja pautada em textos e que se revelem pela história no grande tempo
e analisem à pequena temporalidade; que seja uma metodologia que faça conversar as
tensões ideológicas. Mas como fazer isto de forma precisa e qualitativa, sem ser muito
2014), buscando indícios, pistas, rastros e palavras de uma forte tendência que se
ideológicos. Vamos encontrar com a teoria do historiador italiano Carlo Ginzburg (1983)
Discursos.
Vale dizer, portanto, que a História se faz com vozes que delinearam, claramente, aos
nascidos no século XX, uma distinção entre o oficial (jornais, revistas, livros, grandes
entretanto trouxe também novas concepções sobre a saúde, trazendo para as ciências o
ambiente, os ciclos de vida, as interlocuções, como primordiais para uma prática clínica
36
que englobe a saúde do homem18. Aqui, há uma espécie de território virgem, intocado,
das ciências da saúde em diálogo com a filosofia de Bakhtin que parece ter encontros: o
atividades humanas e interação verbal). Propomos, aqui, forçarmos este encontro, este
desafio, abrindo um diálogo, colocando as ciências médicas como uma reflexão das
ciências humanas.
(englobando a teoria de Bakhtin que vê a palavra como arena mínima da luta de classe e
a linha de Análise do Discurso dentro da Linguística daria conta, nesta tese, também dos
aspectos ideológicos, por isso fica mais pertinente trabalhar em torno de um neologismo
todos os aspectos ideológicos do signo estudado); que entende o homem de forma integral
e humana (SUS), um ser bioético19; que conceba a noção de corpo como finito, porém
18
Os debates entre a saúde do Homem e o Mercado são muito intensos e quase todos eles estão relacionados
a dicotomia entre objetivismo e humanismo, por exemplo, a disputa sobre partos humanizados e as cesáreas
no Brasil está ganhando dimensões outrora irreais, já que o parto por cesárea é mais rápido e mais rentável,
porém muito mais opressor, na grande maioria dos casos. Fica a natureza refém da cultura: “A indústria da
cesárea brasileira com 52% dos partos feitos por cesarianas - enquanto o índice recomendado pela OMS
é de 15% -, o Brasil é o país recordista desse tipo de parto no mundo. Na rede privada, o índice sobe para
83%, chegando a mais de 90% em algumas maternidades. A intervenção deixou de ser um recurso para
salvar vidas e passou, na prática, a ser regra. Uma pesquisa feita pela Fiocruz ("Trajetória das mulheres
na definição pelo parto cesáreo") acompanhou 437 mães que deram à luz no Rio, na saúde suplementar.
No início do pré-natal, 70% delas não tinham a cesárea como preferência. Mas 90% acabaram tendo seus
filhos e filhas assim — em 92% dos casos, a cirurgia foi realizada antes de a mulher entrar em trabalho
de parto.” - http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/04/140411_cesareas_principal_mdb_rb
(Acessado em 02 de Fevereiro de 2015)
19
A bioética parece fazer a ponte entre o saber científico e o saber humanista, pois revela o conflito entre
a Natureza e a Cultura. Por ser uma ciência nova que se aprofundou após a Segunda Guerra Mundial, por
37
podendo ser cuidado por uma saúde preventiva; que não descarte os estudos psicanalíticos
sobre a saúde mental do cidadão20; que revigore o entendimento do homem pelo próprio
homem, pela necessidade das relações sociais e pela qualidade a que elas são pautadas; e
principalmente que compreenda que os discursos são de natureza ideológica, portanto são
artificiais na História e são orgânicos na Cultura, e que o Homem é objeto real de análise
linguística, por meio de seus discursos e interações com o meio, o tempo, a cultura, o
Outro e com o Devir21, ou seja, que compreenda o homem por sua natureza dialógica
mostrar que houve uma mudança nos valores sociais a partir de então, além de uma negação dos avanços
desordenados da ciência, ainda mais repensar a insuficiência da ética, procurando garantir a liberdade e os
direitos humanos e ainda conter a ação desordenada do homem sobre o meio ambiente. Nasce mais
recentemente da bioética, ramos do biodireito. Mostrando que a tensão no mundo contemporâneo hoje é
intensa entre o mecanicismo e humanismo, mais uma vez.
20
“A evidência científica trazida do campo da medicina do comportamento demonstrou a existência de
uma relação fundamental entre saúde mental e física – por exemplo, que a depressão pressagia a
ocorrência de perturbação cardíaca. As pesquisas mostram que existem duas vias principais pelas quais a
saúde física e a mental influenciam-se mutuamente. Uma dessas vias são os sistemas fisiológicos, como o
funcionamento neuroendócrino e imunitário. Os estados afetivos angustiados e deprimidos, por exemplo,
desencadeiam uma cascata de mudanças adversas no funcionamento endócrino e imunitário e criam uma
maior susceptibilidade a toda uma série de doenças físicas. Outra via é o comportamento saudável, que
diz respeito a, por exemplo, regime alimentar, exercício, práticas sexuais, uso de tabaco e observância de
tratamentos médicos. O comportamento de uma pessoa em matéria de saúde depende muito da sua saúde
mental. Por exemplo, indícios recentes vieram mostrar que os jovens com problemas psiquiátricos, como
a depressão e o abuso de substâncias, têm mais probabilidades de se tornarem fumadores e ter um
comportamento sexual de alto risco.” (The World Health Report 2001. Mental Health: New Understanding,
New Hope. Direção-geral da Saúde, Lisboa, 2002)
21
Considerar o ser humano em suas interações com o meio, atualmente, é levar em conta a relação quase
simbiótica que se atingiu com a tecnologia, promovendo possibilidades diferentes para o devir. A geração
Y, denominação dada aos nascidos em uma época que os smartphones, pagers, laptops e tablets são
instrumentos corriqueiros, acaba por influenciar as práticas médicas, já que se cria a dependência de
tecnologia para se fazer um diagnóstico simples. Estamos em um momento histórico que não podemos
negar o papel da tecnologia informacional criando uma nova cultura, muitas vezes doentia como é o caso
na nomofobia (novo transtorno mental por dependência de celular, problema que pode estar ligado a outros
transtornos, como ansiedade e depressão). Embora a nomofobia seja um exemplo de dependência entre
tecnologia no ambiente de grande modernização que vivemos, ainda assim é preciso analisar outros
aspectos sociais do transtorno como diz o trecho da reportagem no portal do portal Psique, Ciência e Vida:
“há pessoas que não conseguem ficar sem o celular nem por um instante. Essas pessoas entram num estado
de profunda ansiedade e angústia quando se veem sem o aparelho, quando ficam sem créditos ou com a
38
Sobre a metodologia
Antiga vamos descobrir que o corpo, a história e a fala foram legadas como objetos de
divina. Cuja descoberta de valores representa um decisivo legado a que somos herdeiros.
De fato, para os gregos, diversas esferas de atividade estavam neles apoiadas. Médicos,
eram considerados, entre outros, como inscritos nessa vasta área do conhecimento
nome importante para a medicina, aos gregos, foi Hipócrates, no século V a. C., que
argumentava que somente pela observação e registro cuidadosos de cada sintoma seria
enquanto uma entidade, permanecesse inatingível (vale ressaltar que mais adiante vamos
Coloca-se aí a falibilidade do médico sob ataque desde aquela época, a qual Ginzburg
bateria no fim. A necessidade de estar conectado ultrapassa todos os limites. Uma pesquisa feita no The
Royal Post, na Inglaterra, mostrou que 58% dos britânicos e 48% das britânicas sofrem de nomofobia. O
nome vem do inglês no + mobile + fobia, ou seja, "fobia de permanecer sem conexão móvel", que inclui
internet e celular. Essas pessoas não saem de casa sem o celular, mantêm o telefone ligado 24 horas por
dia e sentem ansiedade quando o esquecem em casa. Antes de dormir, programam o telefone com o número
do médico, do psicólogo e dos hospitais registrados em ordem por uma numeração específica, para o caso
de ser necessário. Elas apenas precisariam apertar a tecla correspondente ao atendimento e logo
encontrariam a providência desejada. Elas ainda se sentem rejeitadas quando ninguém lhes telefona ou
quando percebem que os amigos recebem mais ligações do que elas. Quando ficam sem bateria ou fora da
área de cobertura, se sentem ansiosas, angustiadas e inseguras.” -
http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/63/artigo212065-1.asp. (acessado em 21 de Janeiro de
2015)
39
metodológico semelhante entre o historiador (no nosso caso, do linguista) com o médico:
O fato de que esse embate ainda persistia deve-se, talvez, a que as relações
entre doutor e paciente (especialmente a incapacidade deste último de checar
ou controlar as habilidades do primeiro) não sofreram, em certos aspectos,
nenhuma alteração desde os tempos de Hipócrates. O que, sim, mudou nestes
últimos dois mil e quinhentos anos foi o modo como esse debate passou a ser
conduzido, concomitantemente com mudanças em conceitos como “rigor” e
“ciência”. Aqui, obviamente, a virada se deve à emergência de um novo
paradigma científico, baseado (e a ela sobrevivendo) na física galeliana.
Mesmo que a física moderna relute em se auto definir como galeliana (ainda
que não rejeitando Galileu), é inegável que a importância de Galileu para a
ciência em geral, tanto do ponto de vista epistemológico quanto simbólico,
permanece inatacável (Feyerabend apud GINZBURG, 1983). Agora torna-se
claro que nenhuma dessas disciplinas – nem mesmo a medicina – as quais
descrevemos como conjecturais poderia adequar-se aos critérios de inferência
científica essenciais à abordagem de Galileu. Elas estavam, acima de tudo,
relacionadas ao qualitativo, com a singularidade, com o caso ou a situação ou
o documento enquanto individualidade, o que significa que sempre haveria um
elemento de acaso em seus resultados: necessitamos apenas pensar a
importância da conjectura (termo cuja origem latina repousa em adivinhação)
para a medicina ou para a filologia, sem falar das práticas advinhatórias. A
ciência galileana era completamente diferente; poderia ter adotado o dito
escolástico individuum est ineffabile (nada podemos dizer acerca do
indivíduo). O fato de utilizar a matemática e o método experimental implicou
a necessidade de mensurar e repetir os fenômenos, enquanto que uma
abordagem individualizada teria inviabilizado estes últimos procedimentos e
permitido o primeiro apenas em parte. Isso tudo explica porque os
historiadores nunca conseguiram desenvolver um método galileano. (...) a
história é como a medicina, que usa as classificações de doenças para analisar
a enfermidade específica de um determinado paciente. E como o médico, o
conhecimento do historiador (linguista) é indireto, baseado em signos e
fragmentos de evidências, conjectural. (GINZBURG, 1983, p. 104 -105).
um médico como declara Ginzburg (1983), contudo há uma metodologia que parece ter
2012) e com paradigma indiciário de Carlo Ginzburg, além de usar conceitos bakhtiniano
(2011) que observam o signo verbal, como material histórico e ideológico por excelência.
40
ciências humanas somente no final do século retrasado. E aponta que suas raízes eram
muito mais antigas (em Hipócrates, século V a.C., por exemplo). Esta abordagem só
Holmes” (1983), logo em sua epígrafe já indica que as ciências humanas se fazem de
O que o italiano quis dizer com esta sentença torna-se claro nos parágrafos seguintes, pois
discretamente na esfera das ciências sociais” logo ao final do século XIX. Surge como
uma espécie de exame, muito mais que uma teoria, pois parece indicar caminhos além
“do estéril racionalismo e irracionalismo”, que tomou conta das ciências e pesquisas,
22
Quando inicio esta tese dizendo que ela não pretende respeitar as regras da ABNT, não estou afirmando
que as regras de citação, datas e formatação não serão respeitados, mas estou dizendo do modo como a tese
se erguerá, por implícitos será maior que os explícitos em algumas passagens, propositalmente. Quero uma
tese bakhtiniana, que dê pistas do Humanismo Ético de Bakhtin e não um método lógico e matemático, ou
um axioma. Penso que um livro bom é aquele que é capaz de transportar o leitor para além do livro, capaz
de fazê-lo pensar e viver a própria vida. Quando Ginzburg diz pela epígrafe que “Deus se esconde nos
detalhes” logo sabemos que é uma grande metáfora, que diz que por mais que juntemos coisas materiais,
palavras, signos ideológicos para explicar a realidade, sempre nos faltará o “real do real”, que se oculta nos
detalhes. Escrever uma tese para mim é mais que erguer uma teoria ou defende-la, é procurar aceitar a
impotência que tem o poder da escrita, esta ferramenta imperfeita. Não gostaria de escrever uma tese que
dissesse a verdade, mas que apenas desse a chance para revelar-se os segredos do mundo material e histórico
capaz de ser captado pela Linguística. Neste sentido, esta tese não respeita as regras da ABNT (como
símbolo de burocracia academicista). Esta tese é só um passo, o caminho é maior.
41
Galileu (1564 – 1642) e Descartes (1596 -1650). Para Ginzburg foi importante analisar o
pormenores, como lóbulos de orelhas ou detalhes dos dedos e unhas e formato das mãos,
que eram sistêmicos em cada pintor -, o “Método de Freud”, médico psicanalista, por ter
lido os métodos de Morelli antes de publicar sua principal obra, “A Interpretação dos
Sonhos” (1905), teria dito o seguinte sobre Morelli: “A meu ver, esse seu método de
Holmes” - personagem criado pelo escritor graduado em medicina Sir Arthur Conan
Doyle, que usava formas investigativas fora do padrão, com alta perspicácia e análise de
faz uma ressalva grandiloquente que defende a aproximação entre as ciências humanas e
Medicina, contudo, era a ciência a seu próprio modo. Parece haver duas
razões básicas para a ausência de exatidão na medicina. Em primeiro lugar, as
descrições de enfermidades específicas, adequadas e sua classificação teórica,
não se mostravam necessariamente adequadas na prática, uma vez que a
doença poderia se manifestar diferentemente em cada paciente. Em segundo
lugar, o conhecimento de uma doença sempre permaneceu indireto ou
conjectural. Os segredos do corpo vivo sempre estiveram, por definição, fora
do alcance. Uma vez morto, obviamente, poderia ser dissecado, mas como
fazer a transição do cadáver, irreversivelmente transformado pela morte, para
as características do indivíduo vivo (FOUCAULT 1973 e 1977b, p. 192 -193
apud GINZBURG). A incapacidade de quantificar resulta da impossibilidade
de eliminar o qualitativo, o individual, e a impossibilidade de eliminação do
individual, por sua vez, resulta do fato de o olho humano ser muito mais
sensível às diferenças, mesmo as mais sutis, entre seres humanos do que entre
pedras ou folhas. As discussões sobre a “inexatidão” da medicina promoveram
as primitivas formulações daquilo que viria a ser o problema epistemológico
central nas ciências humanas. (GINZBURG, 1983, p. 115-116).
42
O que se faz muito interessante, pois Ginzburg aproxima a Medicina das Ciências
caso um caso, cada sujeito uma identidade, e cada identidade uma alteridade científica,
indícios, das pistas, dos rastros que tanto perseguem os caçadores desde tempos remotos.
Por um detalhe ou “pegada ainda úmida no solo”, um caçador é capaz de montar uma
adquiridos pela experiência e pela tradição oral. Mas tudo isso só é possível pela
sagacidade do caçador. E sagazmente Ginzburg traz duas questões e nos presenteia com
alcançar resultados significativos, mesmo em uma posição científica frágil, como a das
ciências humanas? Porque trabalha com a palavra como signo vivo, sensível, espelho
tempo grande; porque encara a palavra como indício, como centelha de conjecturas,
43
própria palavra, como arena mínima da luta material e imaterial de classes; porque analisa
porque trabalha no limite da heterocientificidade e não reduz seu objeto a “coisa morta”;
Toda palavra enquanto signo ideológico é composta tanto por uma parte
verbal quanto por um horizonte extraverbal. Assim, a situação extra verbal não
é uma realidade que atua mecanicamente, enquanto uma força externa e alheia,
sobre a palavra. Porque a palavra é também constituída de situações
extraverbais, o pesquisador precisa compreender elementos do meio social
mais amplo e imediato que parecem constituir a enunciação. Ao contar com
situações extraverbais para compreender o texto, o pesquisador traz,
consequentemente, vários outros textos que compõem esses horizontes sociais
para contrapor ao enunciado.
A compreensão dos enunciados será maior na medida em que o pesquisador
conseguir “ampliar os contextos”, ou seja, fazer emergir “mais vozes do que
aquelas que são evidentes na superfície discursiva” não para encontrar a “fonte
do dizer”, mas para fazer dialogarem textos, “diferentes vozes”, afirma
(Geraldi, 2012, p. 29-33 apud DIAS, 2014). Esse estudioso da linguagem
entende esse passo como o ato do pesquisador em “cotejar textos com outros
textos”. Dar contextos a um texto é, segundo pensador, “cotejá-lo com outros
textos”. Quanto mais “cotejamentos” maior a profundidade de compreensão.
Com isso, o pesquisador retoma alguns nós interpretativos que compõem a
cadeia infinita da comunicação entre enunciados, encontrando “enunciados a
que o texto responde, a que se contrapõe, com que concorda, com quem
polemiza, que vozes estão aí sem que se explicitem porque houve
esquecimento da origem” (GERALDI, 2012, p.33 apud DIAS, 2014, p. 46).
empregar: pelo cotejamento de textos para ter maior profundidade de compreensão dos
discursos e da realidade (GERALDI, 2012). Por isso nos vale o trabalho do Círculo de
Bakhtin, como indica Geraldi, usado como norte metodológico, pois estudava-se a
linguagem e não apenas a língua (já no início do século XX), o que acaba sendo uma
dialógico e suas interações sociais, “em que todo dizer e todo dito dialogam com o
assumir esta posição e postura frente à ciência, é preciso correr o risco por um bom
motivo, pois é preciso assumir a posição dialógica que ventila os poros da perspicácia; e
que inclui não definir de antemão os pontos de chegada de uma pesquisa e seus resultados;
que inclui não definir de antemão os limites do objeto; o que inclui não descartar os
23
O “desconhecido” para Nietszche, que se auto-denomina um filósofo trágico, está justamente na condição
da própria filosofia, em estudar o aberto, não o aberto abstrato, mas o inimaginável do grande tempo, o
aberto do tempo da renovação e da utopia. Esta ideia fixa no Devir não é só no filosófo trágico que aparece,
mas em toda a construção do pensamento bakhtiniano. Portanto, “o desconhecido” parece como grande
força motora nos humanistas.
45
tratamento de questões que não lhe dizem respeito (ainda que nada no mundo
humano esteja isolado), assumindo como próprio o que é próprio de outros
campos (por exemplo, usar categorias sociológicas na análise da linguagem
não é fazer sociologia, mas se aproximar da linguagem com ferramentas
fornecidas por outras áreas do conhecimento, o que permite iluminar pontos
escuros, focar algo ainda não visto, etc.). (...) Um método é um conjunto de
princípios de descobertas que, seguidos com rigor, levam a descobertas
surpreendentes. Descartes, seguindo seu método, descobriu coisas
interessantes, mas se outro pesquisador seguir as mesmas regras somente
descobrirá o que Descartes já descobrira: será preciso, para fazer descobertas
surpreendentes, desobedecer ao método metodicamente diante outros objetos
sobre os quais se debruça o pesquisador. Fazer isso é dispor de uma
metodologia: um modo particular, às vezes somente explicável a posteriori na
dialética da exposição, quando se ordenam o que pode ter sido descoberto
desordenadamente. Dispor de uma metodologia é dispor de princípios, que
precisam ser aliados à intrepidez, à astúcia, à argúcia e à perspicácia. Dispor
de um método é ter corrimãos definidos a caminhada para se descobrir o que
previamente se conhecia, sem expor-se ao desconhecido. (GERALDI, 2012, p.
24)
antigos e dos que não perderam o “faro” para analisar a realidade. Os caçadores antigos
tinham uma posição dialógica sobre o pesquisado, pois não sabiam o que viria e nem que
animal estava à espreita de suas cabanas, cavernas, casas. Por isso era preciso astúcia,
pesquisador deve assumir a mesma postura dialógica para com a caça, para o que busca,
para o que imagina e o que nem foi capaz de imaginar ainda, pois o novo e desconhecido
galhos, estercos, penas e tufos de pelos, odores, marcas na lama, filetes de saliva” (os
de uma iminente luta de classes, ideologias em disputa e as mais sutis e ínfimas metáforas
46
das transformações sociais que ainda não tiveram tempo de se revelar. Ambos, caçador e
O polo metonímico – da parte pelo todo – não pode excluir o polo metafórico – do
pesquisador pede a inclusão da metonímia, para analisar a parte, e pede o diálogo com a
metáfora, para conjecturar sobre o todo. Pois quem estuda a linguagem não está
enunciado completo, total, para cotejá-lo com outros enunciados fazendo emergirem
mais vozes para uma penetração mais profunda no discurso, sem silenciar a voz que fala
mais vozes do que aquelas que são evidentes na superfície discursiva, por isso o papel
central tanto da metonímia quanto da metáfora. Pois como diria Geraldi (2012): “o
desvendar os sentidos”.
Vamos a Bakhtin:
precisa de um objeto empírico presente como a materialidade dos textos do jornal a Folha
de S. Paulo (de março de 2013 a novembro de 2014) sob o tema do programa “Mais
no dia 22 de outubro de 2013 (vale ressaltar, aqui, que o discurso da presidente não foi
de nenhuma forma publicado no jornal a Folha de São Paulo). Por isso são a fonte de
lugar construído por interações entre “palavras alheias” e “palavras próprias” (PONZIO,
2010) até que se reestabeleça ou se esqueça a origem da palavra, por apropriação na fala
de quem toma a palavra. As palavras só são reconhecidas pelo uso da abstração dos
reconhecimento depende, por exemplo, como a palavra “Saúde” está sendo empregada
48
Liga-se ao segundo ponto (2) o terceiro (3), pois o significado depende de sua
que busca as origens da formação médica dentro da História, desde Hipócrates (século V
a.C) até as concepções de medicina que estão nos discursos da presidente Dilma Rousseff,
preciso uma contextualização do enunciado, pois é essencial já que ela é capaz de refletir
a realidade extraverbal do próprio enunciado. Como se o verbal atingisse o real, mas isso
autonomia reflexiva sobre o dado, gerando o criado; que implica na não submissão à
uma prática de saúde biopolítica estão em constante tensão com as concepções de saúde
24
Biopolítica, na concepção de Foucault, parte das análises genealógicas que se complementam com o
mapeamento do poder disciplinar e, em seguida, com o biopoder. Para Foucault, a constituição do Estado
49
seja, o juízo de valor de uma pesquisa aparece ao ponto que a atividade dialógica pensa e
Ao selecionar texto da Folha de São Paulo, das setecentas e oitenta e três (783)
ocorrências, no período de vinte (20) meses, o que ficou mais evidente foi justamente a
briga ideológica em torno Programa “Mais Médicos”, porém para fazer a análise o
para buscar neles o que mais se evidenciava: a realidade discursiva, oculta ou às claras.
Não há critério nenhum na seleção dos textos, pois a busca seria por ver o que a mídia
diz, não em quantidade, mas em temas, modos e chamadas para o assunto em torno das
disputas de um signo ideológico como “Saúde”. Foi nesta forma aleatória que encontrei
a obviedade de que o signo “Saúde” tornara-se ideológico nas mãos de uma disputa de
classes, ficou nítido que muito mais que, simplesmente, “Qualidade de vida” estão em
disputa as forças de poder político, principalmente exercido pela grande mídia brasileira,
espelhada na Folha de São Paulo. A razão de retirar os textos da Folha está justamente
por ela representar de forma tácita a democracia de discursos na grande mídia brasileira,
mas o que há na realidade é claro uso nas mídias em prol do poder econômico. A Folha
moderno, com a gênese e o desenvolvimento das novas relações de produção capitalistas, leva à instauração
da anátomo-política disciplinar e da biopolítica normativa enquanto procedimentos institucionais de
modelagem do indivíduo e de gestão da coletividade; em outras palavras, de formatação do indivíduo e de
administração da população. Podendo assim, ser o conceito de “Qualidade de Vida” um dispositivo
discursivo biopolítico de opressão do Homem, ou um instrumento de normatização do Humano do Homem,
o qual o biopsicossocialdiscursivo tenta criar uma tensão e negar ao ponto de garantir não uma simples
normatização, mas uma singularização da saúde de cada indivíduo.
50
de São Paulo exerce o jogo sujo do quarto poder, o poder ideológico, para manutenção da
Status Quo. Os chamados “barões da mídia” estão profundamente atrelados aos “barões”
do poder de outrora, o que coloca em xeque o papel da mídia oficial, que é a do governo,
Em meio a tudo isso, nota-se que há uma força humanizadora das ciências
conjecturais (GINZBURG, 1983) na obra de Bakhtin, porém o teórico russo não defendeu
nenhuma tese (a da humanística, por exemplo, porque não tinha a pretensão de fazer um
método científico a ser seguido) claramente em qualquer volume de sua obra já publicada.
Contudo, vejo, aqui, uma tese voraz, iminente, passível e detectável em seus estudos e
meus objetivos caminham ao encontro dela, embora seja o Humanismo ético mais
daqueles que estão humanizando (talvez como face biopolítica de controle) o trato clínico
25
“Pela primeira vez, os que estão no governo não são os mesmos que dominam os meios de comunicação
e por isso há informação sobre corrupção. Pela primeira vez, os corruptores estão pagando. Antes, só alguns
intermediários eram acusados de corrupção” disse em entrevista o fotógrafo brasileiro, mundialmente
reconhecido por suas fotografias em que busca revelar os modos de vida e da dignidade dos homens, mesmo
que esta falte em muitos casos, Sebastião Salgado sobre o momento de vasta divulgação de corrupção pelas
grandes mídias, as quais estão profundamente envolvidas em esquemas ilícitos.
(http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/03/sebastiao-salgado-pela-1a-vez-os-que-estao-no-governo-
nao-sao-os-mesmos-que-dominam-os-meios-de-comunicacao/) – Acessado em 04 de abril de 2015.
26
Ao concluir da tese ficou nítido como a minha caça foi toda centrada na Humanística. Imaginava eu
encontrar uma espécie bem definida e bem acabada de método, mas não foi o que encontrei, pois a ética
humana de grandes pensadores, como Bakhtin, não se limita em destacar um método, uma ciência, uma
linha filosófica, mas em colocar à prova o próprio humano do Homem, seu ego, seu individualismo, sua
cegueira teórica e seu mal índice de leitura da realidade, quando não consegue ver que há o lúdico, a poesia,
a sensibilidade, o trágico, a flama, o sangue, além do suor, da iluminação e da lógica. Caçei a Humanística,
mas, ao final, encontrei o Humanismo. Ficou a tese ao prazer do inacabado, ou como parte do que dois
olhos são capazes de ler da realidade, pelo limite, pela impotência e pela humanidade digna de aceitar os
limites que só outros olhos são capazes de dar ao nosso olhar.
51
filosófico (rompendo o método galileano) com o eixo cotidiano e prático das ações na
como o médico e, também novas profissões no século XX, que é o trabalho do terapeuta
humanismo filosófico nascente captado pelos discursos e textos na grande mídia sobre a
temática do programa “Mais Médicos”, que envolvam o tema e envolvam práticas que
ocupacional27, ou de outros profissionais, que pode indicar caminhos para uma ciência
que aborda com mais eficácia as relações humanas materialistas sócio interacionistas:
27
A profissão Terapia Ocupacional surge, oficialmente, em 1917 com a fundação da Sociedade
Nacional para a Promoção da Terapia Ocupacional (National Society for Promotion of Occupational
Therapy – NSPOT) que foi, posteriormente, renomeada para Associação Americana de Terapia
Ocupacional (American Occupational Therapy Association – AOTA). O contexto do seu nascimento é
marcado pela guerra e pelo fato de as mulheres assumirem novos papéis dentro da sociedade. A idéia de
criar uma profissão ligada à reabilitação (naquele momento muito atrelado ao feminino) visava “expandir
o contingente de trabalho em tempos de escassez de mão-de-obra e, simultaneamente, aplacar a pressão
crescente das mulheres para serem incluídas nos esforços de guerra” (Vogel, 2002). É importante ressaltar
que a profissão nasce atrelada à idéia de que era necessária a criação de um profissional que oferecesse
formas de ocupação aos convalescentes e a desse aos pacientes o benefício terapêutico da atividade
(HAMLIN apud VOGEL, 2002). Nasce uma profissão que acredita que a ocupação é algo inerente à
natureza humana e que poder estar ativo traz benefícios terapêuticos. Defino, portanto, que a Terapia
Ocupacional é a profissão da área da saúde que se ocupa do fazer humano. Quando digo profissão, defino
que é um campo de atuação e de produção de conhecimento e não uma técnica; quando digo área da saúde,
considero a saúde vista de maneira integral, inclusive nos aspectos que se interseccionam com a educação
e com a chamada área social; quando digo fazer humano, refiro-me a todo tipo de construção objetiva e
relacional que o homem faz durante sua história de vida. A partir desta definição, entende-se que a Terapia
Ocupacional tem como ponto estrutural o que chamamos de “fazer humano”, e que este ponto norteia nossas
ações para a compreensão de que a inserção social deste homem se dá através do fazer (potencialidade
funcional e relacional).
52
biopolíticos.
motivados e motivadores pelo olhar de contraste a que um pensador de cultura deve ter.
Sendo que as bases metodológicas devem passar por três tópicos bakhtinianos: “não
Dessa forma, importa realmente construir uma leitura histórica da sociedade nos
seus aspectos mais amplos – que seja em dois recortes, citados anteriormente na
outro horizontal, a pequena temporalidade, que analise o trabalho prático e cotidiano dos
discursos sobre o programa “Mais Médicos” em uma grande mídia brasileira. Pois uma
vez que a base material esteja implantada no grupo organizado é que vamos nos
das formas concretas da comunicação social organizada entendendo-se que o signo faz
parte de um sistema de comunicação social organizada e que não tem existência fora desse
Porém vale ressaltar que surgiu, então, uma necessidade de afunilar a leitura da
Uma análise dos discursos de humanização e textos que circularam pela grande
mídia (no nosso caso a Folha de S. Paulo) sobre temas relevantes de saúde e formação
mudanças ocorridas e ocorrentes na linguagem, mas que também podem revelar o que o
tempo grande esconde. Fica proposto, portanto, discutir como os discursos heterogêneos,
outro no jogo social na construção de uma ciência mais humana, de uma possível chamada
Por ser a realidade é realmente opaca, mas o que nos permite decifrá-la é o olhar
arguto, como o de Bakhtin, Geraldi e Ginzburg, que olham paras os indícios como pistas
movimento ao “desconhecido” ou, simplesmente, como indica esta tese, está rumo a uma
amplo, pois trabalha uma ética e não um método), em que a escuta da palavra outra é o
[Manoel de Barros]
56
Nada de grande advém do que não é verdadeiro, disse Tzvetan Todorov e isto se aplica
contribuiu para uma reelaboração do pensar linguístico, mas também para um refletir
científico e filosófico fecundo e humanizador. Fez-nos, com isso, pensar o tempo todo o
humano do Homem28. Fez o Homem centro dialógico das Ciências. Trouxe-nos à luz a
28
O teórico que melhor trabalhou o conceito é Edgar Morin, ao deixar claro que a ideia de se atribuir ao
gênero homo a forma de sapiens não foi pouco sábia e ética. Pois ser Homo implica ser demens: em
manifestar uma afetividade extrema, convulsiva, com paixões, cóleras, gritos, mudanças brutais de humor,
em carregar consigo uma fonte permanente de delírio, de loucura que é a fonte desmedida da criação. Sem
a desrazão o homem é objeto mecânico e não humano. Por isso, quando enuncio humano do Homem, estou
falando com Morin (1997), sobre a definição dele de Homo sapiens-demens e muito com Nietzsche e sua
filosofia trágica, que diz que a flama, a vontade, o fogo das paixões também são objetos das ciências, e
negar isso é relegar às ciências humanas apenas o caráter mecanicista. É como se o sério apaga-se o riso. É
como se a rigidez apaga-se a liberdade. É como se o siso apaga-se o lúdico. Não definir o Homem, portanto,
é importante para continuarmos buscando as melhores formas de dar dignidade a cada ser. Defini-lo seria
um regresso anterior ao que conceituou Nietzsche e seria ficar abaixo do que conceitua Morin.
57
em especial, para esta tese, a palavra como signo ideológico. Por isso, entender a
tornou-se um dos pilares filosóficos mais revigorantes e salutares para a própria ciência,
e Bakhtin ainda nos leva além, já que é pela língua que a singularidade se manifesta mais
de Michel Foucault (1984) foram cruciais, promotoras e de uma importância visceral para
a montagem daquilo que hoje chamamos com sabor “ciência da linguagem”, mas
Foucault (2000, p. 45), o homem é uma invenção recente, isto é, seu status de ser pensante
humanística bakhtiniana.
58
Esse homem, recente, que pensa sobre si mesmo surge quando a cultura ocidental
economia política e na filologia como invenção recente desses saberes, não estando,
portanto, mais no final de um ciclo ordenado como o modelo último e perfeito” (Ibidem).
Não obstante, ele é dado à experiência, e é pensado como um objeto a ser descoberto e
desvendado, como um objeto que tem um corpo físico com estrutura e funcionamento
que devem ser explorados. A linguagem fará parte dessa busca por entender qual homem
é esse, que se constitui também pela fala. Enquanto um ser que trabalha produzindo
bakhtiniana.
O que vem causando uma crise científica são as nuances de uma fantasmagoria
humanista (talvez iniciada por Nietzsche, em “Para Além do Bem e do Mal”, escrito entre
1885 e 1886), que encontra em teóricos dos últimos três séculos razões para existir em
dois eixos), lidos nesta tese, assim: em um discurso de humanização da área da saúde30;
29
Análise dos Discursos (no plural, como cobra GERALDI, 2012), pelo cotejamento, pode ser mais
humana e aberta aos jogos discursivos em disputa a cada uso do signo verbal. É pela capacidade de
ubiquidade social da palavra que ela se torna mais neutra, e podendo desempenhar o personagem no papel
de “indicador social mais sensível” pronto para aflorar nossa memória, seja de passado, presente e futuro.
30
O Discurso de Humanização nas ciências médicas vem ganhando terreno e a cada dia e a cada fato
discursivo mais vemos uma preocupação com o trato médico (clínico assistencial) e os profissionais de
saúde com o tema no Brasil, seguindo uma tendência que aparece ser de escala mundial. “Humanização na
59
área de saúde compara-se talvez em termos de grandeza a água potável para o planeta. (...) A medicina
vem sofrendo avanços importantíssimos ao longo das décadas, principalmente nas últimas, os profissionais
estão cada vez mais qualificados do ponto de vista técnica e a tecnologia vem avançando cada vez mais
em benefícios do diagnóstico mais preciso e rápido. Porém, estes mesmos profissionais, de modo geral, do
ponto de vista humano se afastaram por demais dos pacientes, o que favorece a abertura de uma lacuna
imensa na relação profissional da saúde-paciente. (...) Até mesmo nos próprios Hospitais de ensino onde
esta arte deveria ser ensinada, a relação humana ainda está muito distante de onde deveria estar. Chamar
o paciente pelo nome e não pelo número do seu leito ou pela sua doença, conhecer seus familiares e suas
condições de vida, informar como está sua vida após a alta, fazer com que o paciente saiba qual é sua
doença e como ela evoluirá, são atitudes, entre outras, que precisamos resgatar.” (Fagundes Neto, Ulysses
e Ferrano, José Roberto. Prefácio. In: A Face Humana da Medicina – do modelo biomédico ao modelo
biopsicossocial/Mario Alfredo De Marco (org.). São Paulo: Casa do psicólogo, 2003.) Há que se refletir a
partir desta citação se o modo discursivo de chamar o “paciente” por “paciente” já não é um ato
desumanizador?! Uma revolução bakhtiniana para as ciências da saúde requer maior empenho e atenção
aos traços individuais que englobam a “integralidade” do ser humano. Por exemplo, o simples fato
discursivo de chamar o doente pelo nome, já o individualiza e humaniza a relação médica e doente. Ainda
mais, para Bakhtin não há sujeito paciente, mesmo que em silêncio, o sujeito sempre está em uma atividade
responsiva, sempre a construir compreensão e respostas às compreensões. Há estudos comprovados de
indivíduos que saíram do coma e lembram-se de conversas e relações afetuosas durante o coma (exemplo
dado pelo filme “Fale com ela”, de Pedro Almodóvar. Espanha, 2002) . Isto é um forte sintoma de que o
indivíduo está em contínua responsividade ativa.
31
Podemos apontar alguns nomes, como: Jacques Rancière é um filósofo ligado à filosofia política
instigante, por produzir as teorias do Dissenso e do Desentendimento; Edgar Morin, como pensador ilustra
uma inusitada denominação para o homem contemporâneo, a do Homo sapiens-demens; Michel Foucault,
ao rediscutir as relações de poder, o biopoder e seu revitalizador ensaio sobre a História da Loucura na
idade clássica; Ludwig Wittgenstein, por pensar a ética como resultante das relações de linguagem;
Benedetto Saraceno, por divulgar a reabilitação psicossocial, que humanizou a atenção ao doente mental;
Emerson Merhy, por suas discussões sobre o trabalho (o cuidado) e o trabalhador (o cuidador) do SUS;
C. Dejours, por desenvolver a psicodinâmica do trabalho.
32
Bakhtin não teoriza sobre o pensamento médico e prática médica, porém sua filosofia da linguagem vai
direto ao ponto nevrálgico: o humano e os modos como o homem se manifesta pelo signo verbal de forma
dialógica. Segundo Augusto Ponzio (1998), o pensamento bakhtiniano é revolucionário por inserir no
60
linhas, duas cronotopias, que servem para colocar em embate intenso e voraz: 1) o
entre os dois?
sobre o CRONOTOPO atual das ciências) que abre caminhos para o jogo dialógico, entre
cidades excludentes, passando pelos novos modos de vida dos emergentes, chegando à
escassez irônica de recursos de luxo para “os mais que ricos”, herdeiros que ganham mais
mundo a compreensão teórica com bases em um “Humanismo da Alteridade”, que valoriza a alteridade, a
diferença, o fazer através da partilha do sensível (Rancière). Vejo influências de outros teóricos na
concepção e construção deste “Homem Biopsicossocialdiscursivo” que defendo como um fruto da
revolução bakhtiniana, como Foucault, Nietzsche, Freud, Derrida, e até no físico Albert Einstein. “Se
Newton enxergou tão longe porque subiu nos ombros de gigantes, Einstein não fez diferente, nutriu-se da
física de Kepler e Newton para superá-los. Sendo esta última, a física newtoniana, a que terá sido o
principal obstáculo para a desconstrução teórica do século XX: o obstáculo do mito da racionalidade;
pois a física newtoniana esteve desde o início vinculada à ascensão da racionalidade, já que nos séculos
XVII e XVIII o pensamento empírico concebia o global como uma perfeita máquina mecânica, totalmente
explicada por matemática exata. R. Descartes no campo da filosofia transparece este espírito racionalista
através do método do pensamento analítico. Quando surgem no século XX a teoria da relatividade de
Einstein e a teoria quântica com Heisenberg o global ganha valores relativos e probabilísticos. Atomiza-
se as relações a critérios cronotópicos, de tempo e espaço, e de escalas subatômicas, de interconexões que
não podem ser entendidas isoladamente, dependendo assim das interações e jogos sociais como processo
de existência e funcionamento. Por isso A. Einstein, ao lado de Nietzsche, Bakhtin, Derrida, Foucault e
Morin, também contribui para o declínio da racionalidade.” (OLIVEIRA, 2006, p. 78)
33
Abrem-se aqui algumas questões: alguns dizem que a crise da razão começa, para Husserl, por exemplo,
quase que concomitante ao seu nascimento moderno. O positivismo como a crise da ciência e da cultura,
pois segundo ele a ciência é fundamentada no mundo da vida. Ao se distanciar do mundo da vida inicia sua
decadência. Husserl denuncia a crise da civilização desde Descartes, interpretando-a. Como uma crise das
ciências europeias. Critica o método cartesiano e seu maior inimigo é o positivismo. Situa essa crise não
nos fundamentos teoréticos, mas no fracasso das ciências na compreensão do “homem”. A origem da crise
é a convicção de que ―a verdade do mundo apenas se encontra no que é enunciável no sistema de
proposições da ciência objetiva, ou seja, no objetivismo. O Objetivismo, diz Husserl, coloca de lado as
questões decisivas para uma autêntica humanidade. Com isso a ciência perde importância para a vida e o
mundo! (SILVESTRI, 2014)
61
científica afeta não só o modo de pensar o mundo, mas também o modo de viver no
embates de classes sociais no interior de cada signo ideológico é manter a ciência afastada
da crise35. Manter a crise distante da ciência é papel de uma linguística preocupada com
Como poderia algo nascer de seu oposto? Por exemplo, a verdade, do erro?
Ou a vontade de verdade, da vontade do engano? Ou a ação não egoísta, do
egoísmo? Ou a pura, solar contemplação do sábio, da concupiscência? Tal
gênese é impossível: quem sonha com ela é um parvo, e mesmo pior que isso:
as coisas de supremo valor têm de ter uma outra origem, uma origem própria
– desse mundo perecível, aliciante, enganoso, mesquinho, desse emaranhado
de ilusão e apetite, é impossível deduzi-las! Pelo contrário, é no seio do ser, no
imperecível, no Deus escondido, na ‘coisa em si’ – é ali que tem de estar seu
fundamento, ou em nenhuma outra parte!” – Esse modo de julgar constitui o
típico preconceito pelo qual se reconhecem os metafísicos de todos os tempos;
esse modo de estimativas de valor está por trás de todas as suas proceduras
lógicas; a partir dessa sua “crença”, eles se atarefaram em torno de seu “saber”,
em torno de algo que, no final, é solenemente batizado como “verdade”.
(NIETZSCHE, 2014, p. 302)
34
PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI/ Thomas Piketty; tradução Monica Baumgarten de Bolle.
– 1. ed. – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
35
Há estudos sobre a Determinação Social da Saúde muito avançados, nas últimas décadas, que fazem a
análise dos diferentes tratamentos dentro da área médica para as distintas classes sociais. Revelam os
estudos que a natureza da política ainda é de luta de classes, afetando as relações sociais. A saúde depende
do acesso ao produto da civilização e esse acesso se dá para cada grupo, de diferentes formas, na
dependência de como se organiza a vida em cada sociedade. Essa é a essência da idéia da determinação
social da saúde e da doença: a forma como se organiza produção da vida em sociedade determina diferentes
formas de viver, adoecer e morrer, para os diferentes grupos sociais. Há uma luta, portanto, em torno do
capital pelo acesso a saúde e é ele que determina o acesso à saúde. O litígio está armado: entre o Humanismo
e o Capitalismo. E esta é uma crise que precisa ser enfrentada.
62
XX tentaram afastar, pelo o que a história registrou, por puro preconceito, quaisquer
manifestações humanistas, ou inexatas, das ciências naturais, técnicas e médicas, por isso
Rancière (1996) surge aí com um ponto de vista polêmico, já que sua teoria em torno do
humanização na área da saúde, que ronda a atualidade abre diálogos com a teoria de
pela própria divisão, embora para Bakhtin é totalmente possível o pressuposto da tensão.
movendo no conceito mundo sensível. Pois não há muitos objetos do mundo exterior que
pelo racional, o signo torna-se arena de lutas, porque todo signo está sujeito ao confronto;
Notemos mais em meio aos conceitos, que as ciências não podem deixar escapar às
Mas como a linguagem pode revelar esse jogo dialógico do racional com o sensível? A
linguagem é esse jogo duplo, ou melhor, jogo múltiplo; é ela uma espécie de razão
sensível ou sensibilidade racional, pois brota de uma lógica sentida pelo humano a cada
racionalidade (no Capítulo Segundo) por seus veios mais íntimos: os textos e os
discursos, portanto, passa pela linguística. Bakhtin já nos havia indicado o caminho: “O
texto é a realidade imediata (a realidade do pensamento e das vivências) (...). Onde não
36
Fernando Pessoa com seus heterônimos já havia transcendido o certo/errado mecanicista com seu “eu”
múltiplo póstumo aos dialéticos mecanicistas e contemporâneo a Bakhtin, Einstein e Freud. A literatura de
Fernando Pessoa traz a razão sensível para o interior das ciências, basta saber sentir com o que em nós
pensa: “o que em mim sente está pensando.” (CAEIRO, Alberto, 1914). Há na heteronímia de Fernando
Pessoa uma dialogia permanente, pois há sempre a busca pelo Outro em relação a si mesmo. Há uma
incompletude permanente, pois é diálogo em movimento. Coisas de uma invenção do “ homem recente”,
que Foucault nos legou em teoria.
64
ponto, que esta tese se embebe, pois é a linguística: a ciência capaz de dialogar em
primeira instância com os discursos latentes, vivos e em atividade, já que analisa textos e
É o texto: a manifestação histórica mais humana; é o registro nos tempos dos modos
uma em cada instante, cada uma descobriu o sopro e a respiração em seu respectivo
claro que não há história sem língua, como não há texto (escrito ou oral) sem contexto,
não há signo ideológico sem território preciso ou, interação verbal sem grupo socialmente
organizado.
Contudo, em meio à história e à língua, o único ser que vive em diálogo com ambas
é o ser humano. Aristóteles foi mais além, dizendo: “Único entre todos os animais, o
invenção do alfabeto tenha sido e continue sendo uma das maiores criações da
humanidade, não é o alfabeto que simplesmente coloca o homem como único; mas, sim,
distintivos grupos sociais e disputas ideológicas pelo valor dos signos). Entretanto, não
se nega que a invenção da escrita surgiu para afirmar a posição de destaque do Homo
sapiens na escala evolutiva dentre os seres vivos. Podendo o ser humano, então, ver-se
heterogêneas em regiões (a) diversas com apenas uma centelha triboluminescente: o signo
verbal. No topo da escala evolutiva e com os textos em mãos, o homem segue criando as
duas irmãs gêmeas - história e língua - muitas vezes confundidas, porém sempre distintas
e complementares.
O que o homem faz com a língua e com a história é o que o diferencia. É o que o
como biofísico concretiza o existir, porém o que o faz dessemelhante é, por ironia, o
Bakhtin entra no embate por uma ciência mais humana, acreditando que é pelo viés
humanos (aqui vale nesta tese, pensar como Bakhtin pode contribuir para as ciências
médicas), e nos leva a pensar o “como” seria salutar a inversão do modus operandi
científico (em que os humanos andam sendo tratados como objetos, às vezes pelo sistema
político, outras vezes pelos profissionais da saúde, embora nem todos os profissionais
tratem os seres humanos como objetos) para um modo que recebam tratamentos mais
em apenas corpo biofísico; ocultando sua psique (consciência) e suas relações sociais
37
“O idealismo e o psicologismo esquecem que a própria compreensão não pode se manifestar senão
através de um material semiótico (por exemplo, o discurso interior), que o signo se opõe ao signo, que a
própria consciência só pode surgir e se afirmar como realidade mediante a encarnação material em signos.
66
A saúde não está apenas ligada à biologia, mas ao biopsicossocial de cada indivíduo. O
sujeito é visto através da sua saúde social, em suas interações com o meio, e com seus
interlocutores; sendo que sua saúde e sua doença estão relacionadas à sua integralidade
ideológica. Sendo a saúde detectável como um signo das ciências humanas, da filosofia
da linguagem, da linguística.
Parece que discutir “saúde” como signo ideológico pode contribuir para a discussão
e construção de uma ciência mais humana, como uma posição político-ideológica que
acredito ser fundamental para este nosso mundo contemporâneo. Mikhail Bakhtin
contribui muito para a construção de uma mudança de atitude científica, pelo viés da
humanística (como ciência) e um humanismo (como ética), logo no seu nascedouro que,
para ele, é diálogo, o uso do signo verbal em cronotopos distintos em que se encontram o
isso o modo como o discurso é proferido diz muito do ambiente político que passa um
país, ou mesmo de uma situação em que os jogos de poder estão em debate. Assim está
cubano em seu discurso e não o vice-presidente da república, que só será saudado depois
dizer esta inversão no cerimonial? Diz sobre a situação política, as disputas que se
acirraram sobre o tema Saúde nos últimos meses, principalmente em cima do Programa
“Mais Médicos”. O médico saudado é o Juan Delgado, o mesmo que fora vaiado e
ultrajado dias antes por médicas brasileiras no aeroporto de Fortaleza. Talvez queria a
respeitosa de dizer que o poder no mudo está na dignidade com que tratamo-nos e não na
forma brutal em que dirigimos nossos gestos como forma apenas de “birra de classe”.
Brasil de hoje, temos que ler com atenção alguns textos da Folha de São Paulo (jornal
conservador), para que possamos observar melhor o que está em jogo, quais as vozes
68
estão em litígio, quais mudanças sociais a palavra pode vir a evidenciar. Chamamos os
exemplos de textos, que serão comentados a cada final de tópico de cada capítulo, de
exemplos das pequenas temporalidades, pois são amostras textuais que evidenciam
discursos ideológicos claros no lastro daquilo que Bakhtin chama, atualidade material e
38
Geraldi afirma que a compreensão dos enunciados será maior na medida em que o pesquisador conseguir
“ampliar os contextos”, ou seja, fazer emergir “mais vozes” do que aquelas que são evidentes, na superfície
discursiva, não para encontrar a “fonte do dizer”, mas para fazer dialogarem textos, diferentes vozes.
Cotejar texto com texto é dar contextos a um texto (GERALDI, 2012, p. 29 -30). Por isso, a cada final de
tópico dentro de cada capítulo há um exemplo de materialidade discursiva, que chamei de exemplo da
pequena temporalidade, entendido como lugar em que, segundo Bakhtin, é o lugar da “atualidade, do
passado imediato e o futuro previsível (desejado)” (BAKHTIN, 2013, p. 409). Os textos de exemplos da
pequena temporalidade vão dar o cotejamento necessário para a compreensão das disputas ideológicas
sobre o tema “Mais Médicos” e ao todo da tese.
69
Há dois fortes pilares ideológicos e três vozes (discursivas) em que o texto de Felipe
(discurso estrutural), que se estabelece entre jogos tensos e entre tensões ideológicas do
a manutenção do status (que seria um código de conduta de determinada cultura para seu
Homem. Sendo que os dois eixos centrais em disputa são: 1) o de uma medicina
Brasil, acaba sendo um celeiro de uma nova elite justamente por ser a profissão médica a
outras fontes estruturais históricas e mais profundas. Esse discurso aparece pela tensão,
a corrupção do mundo...” (os grifos são meus). O título de Felipe Scalisa dialoga com
essa tradição, chamando-a de “face (tradição) oculta”, que é uma denúncia muito clara
dos pilares de uma sociedade, ao tentar o tempo todo, pelo discurso, formular e reconhecer
suas ideologias, o que leva uma parte dos estudantes de medicina não notar que estão no
reflexão a adotar a meritocracia como algo divino: “Ainda assim, há severa resistência
entre os alunos da faculdade a aceitar críticas ao que eles reproduzem. Certamente, a vida
Conseguir absorver críticas, nesses casos, é um ato de coragem.” Felipe Scalisa é sagaz
ao ponto de dar dicas e saídas nesse trecho, porém o importante é o jogo tensivo dos
discursos e das ideologias para analisarmos o porquê desse texto como análise.
conjunto social organizado para convívio comum, que, com isto, esbarra no limite da
ideologias, como nos trechos: “É de interesse de todos e merece o olhar coletivo para a
sua construção...” e “Ficou ainda mais claro, enfim, que a faculdade precisa da ajuda da
sociedade civil para conseguir se espelhar em ética (...) A sociedade deve dizer que tipo
de médico quer ver sair dessas instituições.” Vale dizer que tais discursos estão inseridos
pode esquecer que a sociedade cobra cura das doenças, eficácia no tratamento médico, o
que no país acabada sendo um fator problematizador ora por causa da “dupla porta”
(apesar do SUS atender mais de 100 milhões de pessoas, hoje são mais de 30 milhões
entrando pela porta privada dos planos de saúde em hospitais públicos e privados), ora
por efeito desta causa, pois os conglomerados clínicos e médicos usufruem da “dupla
porta” para tornar mais rentável a sua profissão do que já é, segundo os índices do
que não deveria sair da pauta de qualquer instituição que mexa com vidas e gestão
humanas: a Saúde do Homem. As respostas ao texto publicado no jornal são dados que
merecem luz e investigação, pois podem indicar esse jogo tensivo das partes: comunidade
civil e comunidade acadêmica. Entretanto, o que fica mais evidente é que cada discurso
não fica isolado, pois em baixo de cada palavra há camadas de sentido que cada grupo
desfecho não poderia ser outro: a cultura da faculdade prejudica nossa formação humana.
E estamos falando de educação médica(...)” e “Sabemos que a sociedade pode até estar
satisfeita com a formação técnica dos médicos, mas é notório como está insatisfeita com
mera ausência de doenças. Tentam preencher essa deficiência pelo currículo formal, mas
se esquecem do currículo oculto –práticas e culturas-, que molda sujeitos do início ao fim
73
tecnicista e que é humanista, pois logo se vê que o que está em debate entre os discursos
dar “nome aos bois” e resolver o problema, a dor, no caso) e; 2) a formação humana
portanto. A gama de discursos em seu interior deve ser desfiada de seu novelo ou nó,
contudo para melhor índice de leitura de uma teoria humanística nos coube localizar,
da formação médica), justamente para servir de linha para uma tessitura mais homogênea
como tese, embora a potencialidade de exploração de um texto não se exaure nele mesmo,
dialogia, além de ser enroscado, emaranhado, ao tempo que fora escrito, ao seu
materialismo histórico, social e discursivo. Um texto nunca é um fio só, ilhado, isolado,
cotejamento de vozes, polifonias e outros discursos, pelo embate (vamos ver mais adiante,
a cada final de capítulo, como, porquê e o quê os textos cotejados indicam). Todavia, fica
74
evidente no contraste dos três discursos - Sociedade, Tradição e Formação Médica – que
o embate fixa-se sobre uma fantasmagoria heterocientífica, sobre um espectro que ronda
sua mensagem direta aos padrões de valores morais e na busca por uma ética que a
Scalisa é o pensar o Homem, como centro nevrálgico das ciências e não como objeto de
uma sociedade que oculta, por acordos mornos e tácitos que promovem o contra-processo
ou seja, mata o jogo e as tensões discursivas que tanto Bakhtin defendeu. Vale lembrar,
que para Bakhtin diálogo é utopia, pois não se fecha, pois está provisoriamente acabado,
O texto de Felipe Scalisa indica tensões em curso, como vimos, no mínimo três
objetivista abstrato). Sendo que elas apontam a mudança de paradigma do signo “Saúde”
para “Qualidade de vida” pela denúncia estampada entre os discursos com vestimenta,
Tradição e de Formação acadêmica, mas que ocultam a nudez do ser, do ente, do Homem
contemporâneo colocado como objeto de investigação anatômica e não como ente vivo e
[Moacyr SCLIAR]
São signos complementares, ora são sinônimos, ora são paradoxais: “Saúde” e
“Qualidade de Vida” são conceitos que estão a partir da segunda metade do século XX
mais conhecida, diz que há implicações legais, sociais e econômicas dos estados de saúde
Organização Mundial de Saúde (OMS), criada em 1948, diz que saúde é um estado de
completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausência de doenças (definição
muito próxima aos conceitos biopolíticos de Foucault). Segundo Bakhtin, um signo não
existe apenas como parte de uma realidade, mas ele também promove reflexos e refrações
dessa realidade e de outras, por isso o signo verbal é uma realização da realidade e da
interação das consciências, que estão em um ambiente externo material bem demarcado
pelo tempo, pelo espaço e pelos produtos ideológicos que alimentam as vidas, portanto
um signo só nasce no contexto propício e propiciador. E este contexto foi o que conduziu
ao Segunda Guerra Mundial (1945), pois trouxe novas formas de cuidados com o humano
do homem, dentre eles o cuidado com aquilo que se definia como “Saúde”.
social” veio a calhar naquele momento histórico anterior a Guerra Fria. Foi também
mérito da OMS tratar “saúde mental” como conceito atrelado à saúde, agora não mais
76
OMS muito se vê de idealismo e metas inatingíveis para cada homem em seu contexto e
ambiente diverso dos outros. Por isso, muito recentemente na história, cerca de meio
século, houve uma redefinição do conceito, ou seja, houve uma espécie de “migração” do
valor ideológico do conceito trabalhado anteriormente citado, para um que diz que saúde
acontece:
nutricionista, terapeuta ocupacional, psicólogo, passando pelo educador físico até chegar
ao médico (“bem como as capacidades físicas”); além de uma postura nova em relação
ao que se entendia (até meados do século XX) como “completo bem-estar”, agora muito
índices da vida, das relações, das condições e da singularidade do ser dentro de um tempo
(século XI), em italiano salute, que derivam do latim salus (salutis), com o significado
século XI, advém de sanitas (sanitatis), designando no latim sanus: “são, o que está com
77
concepção não só positiva (talvez por influência de Augusto Comte, pensador positivista
do século XIX) da vida como também sanitarista. Saúde, portanto, pelo radical
mas também por uma mudança de postura do saber científico que via nos fatores externos
e materiais uma forte influência no conceito, ali começava a migrar o conceito do campo
biofísico para um campo mais biopsicossocial, estudado apenas quatro séculos depois.
nota-se que diferentes pensadores, dos clássicos aos modernos, já se incomodavam com
homem na sua autonomia dentro das atividades que pode e deve exercer em sua realidade
de vida, portanto, apresenta-se como algo não tão positivista assim. Uma conclusão
78
parece evidente: a saúde ao migrar para o conceito de qualidade de vida nos últimos anos,
aspecto fatal próprio e de falibilidade humana. Tal mudança de postura advém de uma
mudando até mesmo a palavra e seu valor, como indicador mais sensível não só das
transformações sociais, mas também como indicador sensível de uma visão do homem
sobre ele mesmo. Parece ser a linguística uma ciência capaz de detectar os efeitos e causas
da briga por termos, da ordem do discurso, do dialogismo inerente em cada palavra como
um tempo e outro, seja no grande tempo, pensado através dos séculos em filosofia e
ciência, seja na pequena temporalidade, pensada pelo empirismo das relações dos
sociais (esta tese acrescenta justamente neste ponto: o “discursivo”); não se identifica
com a simples ausência de doença, mas com a plena eficiência de todas as funções:
orgânicas e culturais, físicas e relacionais. Embora, enquanto a saúde da alma sempre foi
objeto de pesquisa da filosofia, não valeu o mesmo peso ou foco à saúde do corpo. Com
reconsideração da saúde como bem-estar geral ligada a uma política do Estado Social que
insere a saúde entre os direitos humanos39, o que faz com que ela se apresente como
39
O ano de 1948 é muito significativo para a História do mundo contemporâneo, pois ao final da Segunda
Grande Guerra Mundial (1939 -1945) as ciências, o pensamento filosófico, as sociedades, as políticas e a
ética tiveram que ser repensadas. Duas datas importantes surgem em 1948: 7 de abril, conhecida hoje como
o dia mundial da Saúde, fora instaurada a Organização Mundial da Saúde, que trouxe bases da Medicina
79
biopolítica, que chega a propor uma série de problemas éticos, teóricos e sanitários. Pois
uma vez que o conceito de saúde deve ser entendido não só em sentido físico, mas
saúde com a filosofia, entre política e ciência, pois ela hoje é estatística, antropológica,
do Reino Unido, cuja é conhecida pelo seu caráter público e abrangente no tratamento de todos os seres
humanos, independentemente de suas raças, credos, origens econômicas; e 10 de dezembro, data da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Muito da base a OMS influenciou a escrita da Declaração
Universal, principalmente, nos cuidados com a Saúde de todos como um benefício para a Democracia. A
Saúde como direito ganhou mais força a partir, portanto, do ano de 1948.
40
Houve um distanciamento no último século XX entre a Medicina Curativa da Preventiva. A medicina
tem evoluído técnico, humana e tecnologicamente. Se antigamente o foco era identificar a doença e tratá-
la, usando para isso as tecnologias mais sofisticadas, nos dias de hoje pesquisas comprovam que a
prevenção é o melhor caminho para a qualidade de vida. É a medicina preventiva que se encarrega de propor
medidas de prevenção de doenças e promoção da saúde. Portanto, a educação visando à prevenção continua
sendo a melhor forma de alcançar e manter uma vida saudável. Hoje é fundamental recorrer ao seu médico
não apenas quando se sente mal, mas sim para conhecer melhor o seu organismo, para aprender a cuidar
dele, para detectar precocemente eventuais anomalias e para, em última análise, viver melhor. Isto fica claro
na reportagem com o médico Antônio Carlos Lopes: “O corpo humano é uma engrenagem complexa, tudo
está interligado. Quando surge um problema não basta apenas olhar o detalhe, é preciso conhecer o corpo
todo. É assim que o clínico geral vê o nosso organismo: um trabalho cheio de desafios que exige do
profissional dedicação e muito conhecimento. Ele segue os mesmos passos de um detetive: estuda, observa,
investiga. Ou seja, vai atrás de pistas para desvendar os mistérios da medicina para tratar os pacientes e
prevenir doenças. A tecnologia é importante, mas não é o principal. Para o doutor Antônio Carlos Lopes,
o mais importante é a competência do médico, que deve saber avaliar os exames de forma correta. “A
tecnologia avançada vem a ser um perigo na mão de um médico incompetente porque ele passa a tratar o
exame e não o doente. Existem os exames a serem solicitados para ajudar nos diagnósticos, quantificar o
diagnóstico, mas não qualificar o diagnóstico. Tem que ser um diagnóstico clínico”, diz. Além disso,
Antônio Carlos ressalta que também trabalha para prevenir as doenças, e não só diagnosticá-las: “A
medicina não é só curativa, ela é preventiva”. (http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2013/02/medicina-
nao-e-so-curativa-e-preventiva-diz-antonio-carlos-lopes.html) – Acessado em 29 de janeiro de 2015.
80
Discurso de Humanização da área da Saúde - esta forma revigorante que trata o “paciente”
por indivíduo singular, não mais como homem passivo e apenas ouvinte na atividade
clínica –; está também o discurso mercadológico dos medicamentos, dos planos de saúde
valor se tornou quase que imediatos para a história. O fluxo exorbitante de informações
e de tecnologias de nossa época globalizada e neoliberal faz com que o conceito de saúde
saúde rompe fronteiras entre norte e sul, ou entre ocidente e oriente, pois trabalha questões
medir a sua qualidade em viver41. Neste contexto macro, que valoriza, paradoxalmente, a
41
Em janeiro de 2013, o ministro de finanças do Japão, Taro Aso, chegou a dizer que os mais velhos
“deveriam apressar-se a morrer”, em uma declaração extremamente anti-ética, pois desconsidera a força de
labor intelectual dos mais velhos e apenas valoriza a força de trabalho manual e gerador de capital. Muito
se colocou em pauta sobre a declaração de Taro Aso, inclusive questões de ortotanásia (escolha de morte
natural sem que aparelhos retardam a chegada da morte). Contudo, fica claro, que no mundo em que
vivemos, mais uma vez, o que está em jogo é a tensão entre o humanismo e o mecanicismo objetivista.
82
O caráter de hoje termos uma saúde preventiva e constante tensão com a saúde
incentiva ações políticas, de pensamento a longo prazo, mas não coíbe por completo
ciências que qualquer descuido leva à morte, como qualquer campo que envolva
outros mais salutares, preservando assim vidas, mesmo estando distante da linha de
frente das ciências médicas. O que houve? Para que o curativo e o preventivo se
tornassem as faces de uma mesma moeda em prol da Saúde como Qualidade de Vida?
irrompe no meio social. No percurso do modo curativo para o preventivo muito do que
humano acaba por sofrer novas medições, trazendo para o estatuto da saúde, por
quanto nas “do Espírito” (BAKHTIN, 2011). A convergência das duas se deu no
primeira vez pelo Círculo de Bakhtin, pelos livros Freudismo (1927) e Marxismo e
intenso diálogo na natureza das ciências, se dá pela formulação dos signos como
Ficou como marca importante a relação mútua entre a linguagem e o ser humano,
em que se a linguagem se movimenta pelo signo verbal e por discursos demarcados, logo
de um conceito caro para a área da saúde nos últimos 30 anos que é o de “saúde mental”42,
logo aparece com frequência nos programas de governo das grandes cidades, como a
metrópole paulistana, que hoje tem uma das maiores redes públicas de assistência à
doença mental, por ser também uma das maiores cidades do mundo com índices
42
A Saúde Mental é a área da medicina que mais cresce em casos, pois a depressão, “doença do século
XX”, logo se tornará a doença que mais afeta os seres humanos no século XXI. “A questão da Saúde
Mental em nosso país está mais uma vez colocada em discussão. Desta vez a partir da recente publicação
do livro Cidadania e Loucura — Políticas de Saúde Mental no Brasil, reunindo trabalhos de alguns dos
nossos melhores pensadores no assunto. A idéia original da coletânea foi fazer um mapeamento do estado
atual da discussão sobre a questão, as práticas terapêuticas voltadas para o campo da loucura e os
processos sociais que determinam a emergência da chamada doença mental. No momento em que a
sociedade brasileira se encontra mobilizada na construção de um novo contrato social, através da
Constituinte, a leitura desse livro é obrigatória; o lugar destinado ao chamado doente mental expressa, de
uma forma contundente, como a sociedade brasileira é excludente, rígida e hierarquizada, porque são
grupos sociais marginalizados os alvos preferenciais dos aparatos de controle, rotulações e reclusão. A
loucura tem sido uma companheira inseparável do homem ao longo de todo o seu trajeto conhecido pela
história. As referências a loucos são encontradas desde o Velho Testamento aos estudos etnográficos das
sociedades chamadas primitivas. Não existe cultura que deixe de ser sensível àquilo que escapa a sua
norma, definindo incessantemente as fronteiras entre a loucura e a normalidade, voltando seu olhar para
a presença dos "loucos" no convívio com as pessoas "normais" e produzindo estratégias para enfrentar os
produtos dessa divisão. Como já foi demonstrado no clássico História da Loucura, de Michel Foucault, a
partir do século XIX a tarefa de vigiar a fronteira entre a razão e a loucura e montar guarda na sua
cancela, foi destinada à Medicina.” FREITAS, Fernando. CIDADANIA E LOUCURA — Origens das
políticas de Saúde Mental no Brasil. Costa, Nilson do Rosário e Tundis, Silvério (org.), Petrópolis,
Abrasco/Vozes, 1987.
84
emoções dentro de um amplo espectro de variações sem contudo perder o valor do real e
do precioso. É ser capaz de ser sujeito de suas próprias ações sem perder a noção de tempo
e espaço. É buscar viver a vida na sua plenitude máxima, respeitando o legal (leis
contratuais) e o Outro.
Logo se pensa nos fatores causadores de doença mental atualmente, já que dentro
sanitarismo, pois são temas do mesmo discurso. O que faz com que a política seja assunto
ambiente sócio relacional dos habitantes de uma pequena ou grande e tumultuada cidade.
E ao dialogarem, saúde e política, saúde e sociologia, logo aparece grudado aos estudos
à noção, cada vez mais, de “Qualidade de Vida”. Não há como falar de noção de saúde
político e filosófico poderoso, ou simplesmente, biopolítico. O que acaba por nos valer
ressaltar o significado em voga sobre o que é “Qualidade de vida” – já que seria o método
utilizado para medir as condições de vida de um ser humano, seja o bem espiritual, físico,
dos aspectos religiosos, portanto o conceito de qualidade de vida está ligado a uma visão
85
estatística, muito influente a partir do século XIX. O conceito “Estatística” vem da palavra
alemã “Stat”, que quer dizer “Estado”; seria, portanto, pelo radical da palavra, uma forma
Que está também intimamente ligado à “Qualidade de Vida”, já que o IDH é uma medida
natalidade (medições biopolíticas, pelo jeito). São, com isso, maneiras de avaliar e medir
o bem-estar de uma população. Lembrando que o Estado de bem-estar social foi à política
econômica de países, na primeira metade do século XX, que via o Estado como agente,
Leviatã vivo e onipresente, que é o agente regulamentador de toda vida e saúde social,
três conceitos intimamente vinculados e são lados de uma mesma moeda capitalista – o
muito audível nos textos da realidade brasileira do século XXI: o da Saúde por
texto cotejado (TEXTO 1) que dialoga com o de Barjas Negri (TEXTO 2), e que o
discurso científico, da formação médica, entra em conflito com o discurso das demandas
87
Governos de Fernando Henrique Cardoso – PSDB - e Luís Inácio Lula da Silva - PT).
Porém, há algo mais material e concreto para ser analisado, pois em um discurso do
jornal Folha de S. Paulo (FSP), podemos ver a opinião isolada de um cidadão, como
podemos ver a visão da linha editorial do periódico; podemos ver a opinião de um homem
polifonia são imensas; entretanto é pautada por uma linha editorial conservadora do jornal
de maior circulação no país, o que vale ressaltar que as tradições culturas e grafocêntricas
no Brasil ainda são oligárquicas e defendem uma manutenção do poder por parte dos
donos da informação, por isso ao ler a FSP sempre será com um olhar analítico de
linguística – aquele que não apenas lê signos verbais, mas ideologias, vozes discursivas
e disputadas políticas no interior de cada enunciado. É bem realidade que os temas são
variados na FSP, como requer a democracia a que o Brasil vive hoje, e um deles nos
mas em debate desde junho do mesmo ano. Sobre o tema muitos discursos se deflagraram
estrangeiros, em sua maioria cubanos; o da, chamada, Direita com o da, chamada,
com o discurso da “medicina como carreira” com maior rentabilidade no país; o discurso
largas avaliações, dentre elas a nossa: avaliar como marcas textuais, sintomas dentro dos
88
de maior circulação do país e revelar em seu discurso de forma audível suas diferenças e
predileções por uma perspectiva mais ligada ao Programa de Saúde da Família (PSF); e
claro os pontos de discórdia entre uma classe partidária e outra, contudo deixam mais
Públicas, não só no Brasil, mas em todo país que busca o Bem-Estar Social apoiado em
humano.
dos dois programas. Mas deixa claro sua predileção por “Mais Médicos de Saúde da
Família”, logo no título, e impõe estatísticas e dados ao longo do texto, que comprovam
com quem ou o que está confrontando (o Governo Federal). Neste ínterim o que valeria
ressaltar é a natureza do debate democrático que se abre com textos assim, pois coloca
em xeque uma discussão sobre a qualidade e quantidade de valores que devem ser
colocados em jogo dentro de um debate sobre o signo “saúde” e seu lastro em torno do
Pelo cotejamento de apenas dois textos (TEXTO 1 e TEXTO 2, que são exemplos
toda a tensão dos discursos, sejam partidaristas, sejam técnicos, sejam acadêmicos, sejam
abstrato, de outro. São duas forças poderosas que afetam o debate nas mídias e na
sociedade. Se pensarmos nestas duas forças, vamos ver que elas são os dois motores
cotidiana, uma que dispersa energia e outra que produz energia. Fazendo movimentos
língua e nas vidas humanas em diversas culturas. Há um discurso oficial, hoje, muito
que pede ponderação com o humano do Homem, pedindo reflexão sobre os caminhos que
reificando as relações. O fio tensionado entre as duas ideologias aparece tanto no texto
(2) de Barjas Negri quanto no texto (1) de Felipe Saclisa (por enquanto, só nos dois textos,
mas fica evidente no contraste causado pelo discurso de Dilma Rousseff em 22 de outubro
de 2013, que está transcrito no Capítulo Terceiro desta tese), pois ambos são passos
poderosas que movimentam o mundo, muito próximas ao que Bakhtin, em 1929, definiu
como Objetivismo abstrato e Subjetivismo individualista, para fazer uma crítica aos
momento histórico, Bakhtin tenha se dado conta da fissura no paradigma racionalista (no
Capítulo Segundo desta tese) e abertura para uma humanística ou para um humanismo
bahhtiniano, que seja a relação entre técnica e trato humano, e não apenas a supressão de
uma pela outra. Toda esta discussão teórica não apenas diz sobre as relações científicas,
políticas e sociais em voga. Bakhtin usava a teoria para falar de vida, e usou a vida para
pensar também em teorias. Uma não exclui a outra. Estão em intensa relação como duas
Humanismo bakhtiniano.
43
O conceito de omnilateralidade é de grande importância para a reflexão em torno do problema
da educação em Marx e para a humanística bakhtiniana. Ele se refere a uma formação humana oposta à
formação unilateral provocada pelo trabalho alienado, pela divisão social do trabalho, pela reificação, pelas
relações burguesas estranhadas, enfim. Esse conceito não foi precisamente definido por Marx, todavia em
sua obra há suficientes indicações para que seja compreendido como uma ruptura ampla e radical com o
homem limitado da sociedade capitalista. A unilateralidade burguesa se revela de diversas formas: de início
a partir da própria separação em classes sociais antagônicas, base segundo a qual se desenvolvem modos
diferentes de apropriação e explicação do real; revela-se ainda por meio do desenvolvimento dos indivíduos
em direções específicas; pela especialização da formação; pelo quase exclusivo desenvolvimento no plano
intelectual ou no plano manual; pela internalização de valores burgueses relacionados à competitividade,
ao individualismo, egoísmo, etc. Um exemplo de visão omnilateral é o texto, “Consumo, logo existo”, de
Frei Betto, em que no último parágrafo o sistema capitalista é colocado em xeque: “vou com frequência a
livrarias de shoppings. Ao passar diante das lojas e contemplar os veneráveis objetos de consumo,
vendedores se acercam indagando se necessito algo. “Não, obrigado. Estou apenas fazendo um passeio
socrático”, respondo. Olham-me intrigados. Então explico: Sócrates era um filósofo grego que viveu
séculos antes de Cristo. Também gostava de passear pelas ruas comerciais de Atenas. E, assediado por
vendedores como vocês, respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para
ser feliz.” (BETTO, Frei - http://triplov.com/frei_betto/consumo.html). Acessado em 02 novembro de
2014.
91
feita pode valer mais que suas respostas, pois nela o gérmen de futuro está latente, já que
abre caminhos e possiblidades muito mais que as respostas, fruto de forças do Devir
futuro, o inesperado a ser criado. Na resposta está o dado, o esperado, o material, não
previsível. É preciso olhar para as chamadas “ciências inexatas” e notar que o paradoxo
é seu centro, a “exatidão” está no interior da busca da “inexatidão” (até está na formação
das palavras). Portanto, a resposta deve gerar perguntas novas, pois é assim que o
separar tanto ciências humanas das ciências exatas; as ciências do espírito das ciências
(nascidas somente no final do século XIX e início do XX), é ainda insipiente ou não
Mikhail Bakhtin, ainda há territórios virgens, intocados, para análise das ciências da
linguagem, dita linguística, em suas análises da ordem dos discursos. Assim como para o
nosso trabalho também caminha por um terreno virgem; por isso é preciso moderação e
olhar atento, já que estudar os discursos, as vozes, que permeiam e constituem a área da
saúde e o programa “Mais Médicos” estão todos ligados ao humano do homem, à sua
existência biopsicossocial-discursiva.
Espírito”, a qual boa parte dos teóricos participaram no século XIX, principalmente
muitos outros teóricos de grande expressão não acataram tão bem e refutaram um
momento dialoga com a tese de Wilhelm Dilthey (1833 – 1911), pensador alemão que
esteve no centro dos debates sobre o estatuto das ciências humanas e sociais, e que foi
às ciências da natureza.
de ciência que permeia os campos de todas as ciências. Heterociência, que sempre deve
aparecer como o lugar do pensador, que é o lugar mais livre que o do cientista, para que
Foi, portanto, papel dos filósofos no final do século XIX e durante todo o processo de
vigoroso, para tanto passou pelos caminhos que encontrou dentro das ciências humanas,
à filosofia da linguagem. E, portanto, nesta tese, acaba sendo desafio questionar os limites
na realidade.
Muito as ciências progrediram nos últimos anos, ainda mais nas últimas décadas, e
ciências humanas como o último, o século XX. Há aproximados 100 anos os discípulos
44
Sabe-se que há uma fonte de estudos de Bakhtin em Kierkegaard e Kant, e um forte diálogo e crítica à
Humboldt, Dilthey e Freud; embora a influência de Nietzsche e, menos ainda, de Sartre apareça em seus
trabalhos e escritos, vale pensar como tais pensadores são trilhas teóricas que podem se aproximar de
Bakhtin para pensarmos a fissura no paradigma racionalista. Em que Nietzsche aparece com destaque, pois
além de se intitular um filósofo trágico foi um dos primeiros a pensar a crise da razão e na tensão dialética
entre duas ideologias (uma apolínea, racional, que valoriza o objetivismo; e outra, dionisíaca, sensível, que
valoriza a subjetividade). Estas duas linhas de pensamento estão muito presentes na formulação do
Objetivismo Abstrato e do Subjetivismo Individualista que lemos no Marxismo e Filosofia da Linguagem,
de 1929.
94
Linguística Geral. Livro tão lido quanto questionado pela escolha do método e do objeto
mínimo de análise: o fonema. O viés estruturalista ao qual o livro demonstra, muito mais
por uma visão dos discípulos do que pelo próprio Saussure, fez com que a Análise do
Althusser45. A linha francesa deu contornos diferentes para a Linguística, pois mergulhou
no estudo daquilo que mais interessa as ciências humanas: a aproximação com o homem,
como animal político, e não somente como agente estruturador, lógico, matemático e
humano ainda estariam obscuras para a linguística se não houvesse a entrada dos
ocidente na década de 70, sobre o papel das Ciências Humanas; sobre o objeto mínimo
sobre o enunciado concebido como aquele que só tem sua completude na interação, na
Mas muito mais a história dos homens se fez nítida, com vozes, que delinearam
falaremos na conclusão da tese), uma distinção entre o oficial e o cotidiano, entre o dito
45
Louis Althusser (1918 -1990) com seus conceitos de aparelhos ideológicos do estado influenciou a
formação de seus ilustres alunos franceses, principalmente os mais importantes para os estudos da
linguística do século XX: Michel Pêcheux e Michel Foucault, pois pensavam, a partir de Althusser, de
forma marxista a realidade material e histórica dos discursos.
95
cruciais de toda tensão da tese), característica da unicidade evêntica do ser sem álibi da
filosofia bakhtiniana. Aqui está o mais latente conflito da chamada humanística. O século
trouxe também novas concepções sobre a saúde, trazendo para as ciências o conceito de
os ciclos de vida, as interlocuções, como primordiais para uma prática clínica que englobe
a saúde do homem. O território virgem, intocado, das ciências da saúde em diálogo com
verbais).
voz hegemônica do capital; de outro a voz de uma sociedade de direitos; de outro a voz
outro a voz da prática dos profissionais da saúde; de outro a voz da cultura discursiva que
ou das ruas cotidianas; e de outro, a voz perene da grande temporalidade – a que quer
transcender a pequena temporalidade, como parte de uma reflexão maior que, embora,
é, não começa das teorizações de hoje, nem nelas se esgota. Considerar o homem é
o dado e o criado, mas também sob a dialogia que se abre no que é dado e por aquilo que
é criado (que vamos ao longo da tese demonstrando o que é o dado e o que é o criado,
embora o criado ficará bem explícito no capítulo terceiro, ao fazer uma análise simples
que permitam uma análise do conceito de saúde, contudo, também, que abra uma larga
observação sobre a razão de haver uma espécie de migração discursiva para “Qualidade
de Vida”. Sob o dado, sob um enunciado, uma palavra, pode haver inúmeras atividades
humanas e atividades discursivas que permitem uma análise do signo verbal como
sintoma de mudança ou mesmo como dado de estabilidade. Mas também, sobre o criado,
pois,
filosofia bakhtiniana é também agir sobre o dado e ao mesmo tempo viver sobre o criado,
e por outra óptica, é viver sob o dado e agir no criado. Na área da saúde o surgimento do
biopsicossocial tornou-se quase hegemônico no século XX, já que fez a história da clínica
olhar para a saúde do homem por aspectos sociológicos, que por sua vez influência o
enfermagem. Todos são dados criados pela dinâmica a que os séculos caminharam e que
abriu perspectivas com força no século XX, que no entanto, nos faz observar que
direcionava: “o objeto real é o homem social (inserido na sociedade), que fala e exprime
a si mesmo por outros meios.” (BAKHTIN, 2011, p. 319), isto tudo, sem deixar de lado
verdadeira, faz com que sobre o dado haja um criado, ou seja, haja uma tese a ser
interrogada à luz das ciências, dos textos e da própria noção de temporalidade, que
de forma integral e humana pelo Sistema Único de Saúde (SUS); que conceba a noção de
corpo como finito, porém podendo ser cuidado por uma saúde preventiva; que não
entendimento do homem pelo próprio homem, pela necessidade das relações sociais e
pela qualidade a que elas são pautadas; e principalmente que compreenda que os discursos
são de natureza ideológica, portanto são artificiais na história e são orgânicos na cultura,
e que o homem é objeto real de análise linguística, por meio de seus discursos e interações
com o meio, o tempo, a cultura, o Outro e com o Devir, ou seja, que compreenda o homem
por sua natureza dialógica também na concepção daquilo que se convencionou chamar
de Saúde.
98
Não há saúde sem dialogismo, como não há homem sem território preciso
socialmente organizado e que dele não surjam às interações e mais variadas atividades
humanas para a manutenção da vida, seja dado pelo nome “saúde” ou mais recentemente
Há 191 anos o Brasil viveu sua primeira grande mudança política. Deixou de
ser uma colônia para se transformar em um país independente. Hoje, nosso
Grito do Ipiranga é o grito para acelerar o ciclo de mudanças que, nos últimos
anos, tem feito o Brasil avançar. O povo quer, o Brasil pode e o governo está
preparado para avançar nesta marcha.
2013 tem sido um ano de intensos desafios políticos e econômicos aqui e
no resto do mundo. Apesar da delicada conjuntura internacional, nossa
economia continua firme e superando desafios. Acabamos de dar uma prova
contundente. No segundo trimestre fomos uma das economias que mais
cresceu no mundo. Superamos os maiores países ricos, entre eles os Estados
Unidos e a Alemanha. Ultrapassamos a maioria dos emergentes e deixamos
para trás países que vinham se destacando, como o México e a Coreia do Sul.
O melhor é que crescemos em todos os setores, e a indústria e os
investimentos mostraram franca recuperação. Falharam mais uma vez os que
apostavam em aumento do desemprego, inflação alta e crescimento negativo.
Nosso tripé de sustentação continua sendo a garantia do emprego, a inflação
contida e a retomada gradual do crescimento.
(...)
Minhas amigas e meus amigos,
Já que o signo não pode se dissociar do tema, pois forma e tema do signo ideológico
só poderão ser desmembrados abstratamente; logo todo signo ideológico vê-se marcado
pelo horizonte social de sua época e de seu grupo social. Nas palavras de Bakhtin: “Todo
- guarda não só o horizonte de vozes, mas também marcas dos grupos sociais e vozes
próprio como nação; há logo no início a forte presença do discurso econômico, cercado
ou melhora dos índices de emprego (“O melhor é que crescemos em todos os setores, e a
gradual do crescimento.”) – tudo isso faz parte de um discurso de viés econômico mas
também trabalhista, e que demarca o homem como ser jurídico, como aquele que vive
sob as leis que lhe asseguram emprego e dignidade; há um discurso sobre a dignidade
100
programa “Mais Médicos”, mas muito mais forte é o caráter humanitário que alimenta o
longínquos, periféricos e que por escolhas de status econômicos de uma certa parcela da
classe médica não são tratados. A explicação mais óbvia é de questões ideológicas e
grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal (média de 4 médicos
por 1 mil habitantes) para a própria periferia da capital de São Paulo (que precisa de mais
de 1mil médicos do programa “Mais Médicos”) ou de estados como o Piauí, que tem o
coloca em debate o uso de uma medicina humanizada contra uma medicina apenas
equipada e técnica: “O Brasil tem feito e precisa fazer mais investimentos em hospitais e
equipamentos, porém a falta de médicos é a queixa mais forte da população pobre. Muita
morte pode ser evitada, muita dor, diminuída, e muita fila, reduzida nos hospitais, apenas
com a presença atenta e dedicada de um médico em um posto de saúde.” (Os grifos são
meus). O “porém”, como partícula adversativa, separando as duas orações iniciais coloca
o debate em seu lugar em voga: de um lado o fazer da medicina que acredita que a
e; de outro rebate o discurso que cobra equipamentos e hospitais, que são investimentos
muito mais dispendiosos. O conflito está aceso e armado entre essas duas orações. Um
conflito que se estende entre classes, entre discursos, entre técnicas de formação médica,
aparece como advérbio, para dar ênfase ao discurso de humanização frente ao técnico. O
advérbio serve para acentuar a tensão entre os discursos, entre as ideologias, e fazer da
101
materialidade do dizer uma centelha que provoca o fogo nos debates. A materialidade de
um texto reflete e refrata a materialidade histórica dos jogos sociais, por isso não dá para
políticos que deterioram a visão sobre o ser humano, pois quando o humano do homem
está em foco científico, a ética dos trabalhos deve prevalecer. As ciências humanas dentro
mais de uma visão ideológica salutar, distante das amarras de poder em que algumas
“Mais Médicos”, mas há muito mais no grande tempo do signo saúde que se revelam
hospital de uma grande metrópole do mundo. Tratar saúde é cuidar do ser humano.
Mesmo que o corpo físico, objeto de estudos em anatomia sirva à saúde, ou para ciências
“coisa viva” e não apenas da “coisa morta”. É isso o que a Linguística não deixou
escapar: seu poder conjectural de fazer perguntas, muita mais do que fazer uma exegese
das respostas.
Alteridade) e Bakhtin formulam suas teorias. E parece ser esta a relação mais densa a que
No mito do minotauro Quíron, filho de Cronos e da ninfa Filira, foi adotado por
Apolo – Deus do Razão -, que lhe ensinou todos os seus conhecimentos: artes, música,
poesia, ética, filosofia, artes divinatórias e profecias, terapias curativas e ciência. Quando
Quíron tornou-se adulto, era conhecido como um grande sábio, profeta, médico e mestre
por transmitir seus conhecimentos a todos que desejassem aprender. Ele era o ‘centauro
chefe’ e o preceptor máximo. Ele tinha o poder de cura nas mãos, e o que não conseguia
curar, ninguém mais conseguia. Mas um dia, foi ferido em uma festa pela flecha de
Hércules, que havia sido banhada no sangue da Hidra (monstro com várias cabeças de
maiores paradoxos da mitologia que acompanha a história do homem: pois aquele que a
todos curava, não poderia curar a si mesmo. A admiração por Quíron, na mitologia, vem
pelo caráter humanitário e persistente de dar cura aos que precisam, mesmo que não
tivesse o mesmo êxito para a sua própria cura. Quíron tornou-se símbolo da medicina, na
etimologia seu nome quer dizer “aquele que trabalha e age com as mãos” - ou seja,
vigorosamente, é um dos pilares de toda obra filosófica de Bakhtin, pois a cura que o
médico busca é para o Outro, mesmo que para si não sirva, o profissional de saúde deve
reconhecer a dor do outro para poder cuidar, mas também se deve afastar da dor que não
alteridade (PONZIO, 2008), em Bakhtin, que trata de um ato responsável não indiferente
ao outro, traz muito dessa perspectiva que o cuidado com o outrem pede. Seja na medicina
ou nas ciências humanas é cada vez mais a pretensão da ética científica, que precisa
colocar o homem como centro das ciências, uma abordagem mais humanizadora, pois são
o homem tem em relação ao Outro, já que temos uma necessidade estética absoluta do
Outro, uma necessidade de acabamento estético pela visão, pelo excedente de visão do
Outro (BAKHTIN, 2011), o que acaba nos gerando uma vigorosa necessidade ética
também da alteridade mais imediata ou distante que só o Outro nos dá. Ética e estética
estão “indissociadas”, pois ambas são valores adquiridos do mundo exterior, são
ideologias do mundo externo, como bens materiais e simbólicos de uma época. Não é à
toa que a palavra ética está no interior da palavra estética – Est [ética], já que ambas
trabalham na consciência dos homens. Quíron é essa analogia do homem com seu igual,
em finitude mortal; com seu dessemelhante em vida e escolhas dentro dela; é um dos
cura os cuidados, os antídotos para os Outros; mas por maldição, danação, ou natureza
105
mítica qualquer, não obtém para si; só consegue para o Outro. Esta ideia casa com a
concepção bakhtiniana de que a diferença do/com outro nos promove como singularidade,
nos identifica, porque nos distingue em partes. Mas chegar a uma concepção clínica, de
as faces individuais sejam consideradas relevantes é uma atividade também, por que não
atualidade, nas mídias interativas, levam quase todas para um descuido humano, uma
objetificação desnecessária que trata o paciente como algo passivo. Entretanto, um,
chamado, “paciente” é alguém vivo, com histórias, com memória, com laços familiares e
sociais, como todo homem enquanto ser cultural (todavia, vale fazer uma ressalva, pois
aquele que está doente é chamando de “paciente” porque a doença não é um ato voluntário
da pessoa – a pessoa não quer ficar doente, comumente). Sendo pois equivocado tratar o
“paciente” como alguém que não sente e vive, pois ao fazer isso seria ocultar a sanidade
dos processos terapêuticos e clínicos, o bom uso da saúde como sinônimo de qualidade
de vida. A história da clínica diz muito deste processo a que passamos e chegamos, e um
dos maiores nomes da filosofia a pensar tal processo é do francês Michel Foucault.
É importante ressaltar, logo neste ponto da tese, que Foucault (em toda sua obra,
também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama
‘disciplina’” (FOUCAULT, 1987, p. 161). Parece ser esta a sentença que nos faltava para
termo, pois se propôs, pelo que lemos em sua vasta obra, um panorama sobre a Clínica,
sobre o homem do século XX, que seria uma espécie de justaposição das culturas e
Lendo Foucault, vem uma visão mais pormenorizada sobre sua obra a partir de suas
o assujeitamento de forma muito clara, porém não o fez assim tão simplesmente, apenas
observássemos o modo como as Ciências caminham e para iluminar onde teríamos que
trilhar, se quiséssemos o humano em seu lugar de direito, que é o centro das ciências. Por
isso os estudos sobre a Clínica são todos ligados aos poderes disciplinares, e uma
é impossível o ter assujeitamento. Mas, não, pois além de decretar algo subjugado ao jogo
social é algo que aponta também um corpo sofisticado que escolhe e filtra para si o que
perante o poder disciplinar. Portanto, o sujeito emerge quando usa a língua, para
assepsia da história e a ordem como deusa das relações. Mas isto faz parte de um
ruína, da melhor forma, por dentro. Porém não podemos negar que o pensador francês
produziu sistemas filosóficos que viam o poder disciplinar tomar conta das atividades
humanas: “O poder disciplinar olha para o futuro, para o momento em que a coisa
funcionará sozinha e em que a vigilância poderá não ser mais que virtual, em que a
manifesta. O sujeito está em jogo entre o que preexiste e o que faz daquilo que existe. A
força desasujeitadora do indivíduo está nisso: na forma como ele filtra, dialoga, escuta,
produz texto diante às condições de produção cultural, o que é uma armadilha, pode ser
também sua liberdade. Aparece aí a ideia de corpo subjetivado que não há querer em
indivíduo fosse algo que existe em todas as relações de poder, que preexiste às relações
indivíduo é o resultado de algo que lhe é anterior e que é esse o mecanismo, todos esses
psicologizado, porque foi normalizado, é por causa disso que apareceu algo como o
indivíduo, a propósito do qual se pode falar, se pode elaborar discursos, se pode tentar
fundar ciências. Ou seja, as Ciências surgem do indivíduo, que articula o corpo com o
espaço e o tempo.
conviver, modificar, por isso logo damos de encontro com o discurso do capitalismo,
como forma disciplinadora, como forma sistêmica de ação do indivíduo com a vida, com
indivíduo, ao longo da história, deu a ele autonomia perante a própria história. Na Idade
Média o homem que não pertencia a certas castas sociais não tinha autonomia de vida,
toda de Foucault é feita, portanto de um paradoxo que envolve o ser humano: pois
Contudo, o que caberia pensar aqui é como as ciências da saúde podem ser
influenciadas pela ciência que tem o humano do homem como centro. Qual a contribuição
às ciências humanas Foucault traz, que possa ajudar a construir relações de poder dentro
da área de saúde de forma mais salutar? A resposta do teórico, discípulo de uma tradição
francesa pós-maio de 68, aponta para o sujeito jurídico em confronto com o sujeito
Foucault é bem claro, nesta passagem, sobre o paradoxo que cerca o indivíduo em
histórica, desde os Iluministas, pois neles o poder do direito ganhou campo e hoje tanto
de classes fazem parte de uma grande e sofisticada trama de fios ideológicos e discursivos
que tecem a palavra, como signo ideológico, como signo histórico, como signo
sociológico, como signo científico, como signo filosófico. Por isso ao analisar as razões
da aproximação do signo “saúde” de uma palavra que hoje parece seu sinônimo imediato
ciências, dentro dos textos, como objeto de análise do próprio homem, como objeto
material da história seja como ilusão, mas também como realidade. Tratar “saúde” como
superior das ciências, como ciência supervisora e que traz as relações para o chão, para o
orgânico, para a finitude das coisas finitas, e para a utopia das coisas infinitas, pois
trabalha o homem no seu tempo de vida, mas também vê o homem além do seu tempo. O
vigor bakhtiniano trabalha este pequeno tempo e o grande tempo de forma concomitante
em todas as obras do Círculo, já que entende que ciência é esta espécie de limite, mas a
filosofia é um deslimite das ações científicas. É a cobrança ética sobre as formas morais.
cabe a ciência da linguagem estudar como esses poderes se exercem pelos jogos de
Capitalismo. Cabe também a ciência da linguagem olhar para o enunciado como objeto
ali bem cultural e saber científico acumulados. Um texto nunca é apenas um objeto
humano, é bem ideológico de uma época, é o bem concreto das ações subjetivas e
A contrapalavra é uma resposta dada a uma palavra anterior (Dilma Rousseff está
teoricamente, já que o ato responsivo a que o ser humano faz desde seu nascimento
Bakhtin fizeram isso). O saber filosófico que se prima em estudos, leituras de outras
culturas, outros tempos, e modos de pensar, faz surgir no humano do homem uma
113
categoria ímpar de pensador, não mais o pensador que naturalmente pensa, mas o que usa
o seu senso crítico natural para observar como os jogos de poder são artificiais, são
invenções históricas, discursivas e ideológicas. Porém, por mais que sejam artificiais, são
reais, materiais e são alimento das consciências e das formas de subjetividade humana
também. O pensar do filósofo se distingue, ao lado da linguística, dos outros que são
italiana, da Universidade da Calábria, Nuccio Ordine Diamante, para seus alunos: “Dois
peixes jovens encontram-se casualmente com um peixe mais velho que nada na direção
contrária. Este cumprimenta-os com a cabeça e lhes diz: ‘Bom dia, rapazes, como está a
água?’. Os dois peixes jovens nadam mais um pouco; depois um olha para o outro e
pergunta: "Que diabos é água?". A intenção, desta parábola, é ilustrar o papel e a função
da cultura.
Parece que em uma metáfora simples e ordinária pode-se dizer que o linguista ao
lado do filósofo ou pensador de cultura, deve saber que é “peixe” e está na “água”,
diferentemente dos outros “peixes” que não se dão conta que estão na “água”. Se a “água”
como artificiais e de ordem ideológica, porém os outros distintos peixes que convivem
no mesmo meio ambiente, ainda não. Uma forma de observar a existência da “água”, das
Conselho Federal de Medicina, que chamou a medida provisória que criaria o programa
claro litígio entre os interesses públicos e o privado; entre um Governo Federal e uma
pois coloca em questão o conceito do que é saúde, do que é qualidade de vida. E quando
ideologias estão se movimentando sob o texto, longe do texto, sobre o texto e além da
movimento do que é material e histórico, como dado, para um outro patamar histórico de
futuro, como criado; movendo a cultura e movendo o cronotopo, portanto, o Homem que
Mais uma vez duas ideologias se enfrentam no discurso: “A presidente insistiu que
"o conhecimento profissional, o contato humano, a boa orientação, são atitudes que estão
neste trecho. Dilma Rousseff em sua fala deixa transparecer a relação à que o Homem se
encontra entre as duas ideologias. Deixa transparecer que o que vale mais não é a
“máquina de última geração” é o “contato humano (...) acima de tudo”. Há muita coisa
em jogo nesta fala, muito mais em gastos financeiros (é muito mais caro montar um
do que se poderia mensurar em uma leitura de texto. Contudo, as duas ideologias que
brigam e se atraem estão cada vez mais nítidas pelo cotejamento dos textos. A voz
tecnicista objetivista abstrata aparece implícita na fala da presidente, pois é para ela que
115
vem deixando muito às claras uma espécie de disputa muito mais que política, que por
vida, que por discursos, mas uma disputa ética, de valores, de relações sociais, que é o
mais alto grau de materialismo histórico e existencial que um ser humano pode ter: sua
relação de vida com outras vidas, de preservação e cuidados com os Outros em sociedade.
O Humanismo da Alteridade reconhece esse gesto pelo Outro como um largo campo do
todos.
preciso observar mais detalhes nas trilhas, farejar melhor o cenário e tomar a conclusão
“A produção de ideias, de
representações, da consciência,
está, de início, diretamente
entrelaçada com a atividade
material e com o intercâmbio
material dos homens, como a
linguagem da vida real.”
[MARX E ENGELS]
Cronotopia (tempo/espaço) de cada contexto depende dos dois olhos e de uma terceira
força, que é a da singularidade de cada homem, do click único, como agente do meio e da
materialidade histórica.
interdependentes, precisam uma da outra (Bakhtin -1895 a 1975 - talvez por influências
elaboração sofisticada do conceito cronotópico). Isto faz o movimento das culturas, dos
costumes, dos hábitos, pois é a relação do homem com o espaço e o tempo de cada
interpretação do ser humano sobre a vida, como em uma fotografia que registra o instante
encontrar três pilares em cada uma delas, por exemplo na cronotopia: a) o tempo; b) o
(considerado o “Olho do século XX”, com suas fotos em preto e branco que só usam a
luz natural)46 e, o renomado brasileiro, Sebastião Salgado, que diz em suas palestras pelo
mundo que: “Um fotógrafo não apenas fotografa com uma lente, ou uma máquina, mas
fotografa com sua história, sua ética, sua memória pessoal”47. É inegável o talento dos
uma das mãos é um objeto intermediário entre o olhar e o mundo, entre a ética própria e
a vida, entre um olhar oblíquo e a realidade. Um fotógrafo com uma câmera fotográfica
46
Henri Cartier-Bresson (1908-2004) é considerado o pai do fotojornalismo mundial, o que se configura
como algo muito revelador de como o mundo é descrito, registrado e narrado, pois pela imagem de uma
fotografia muito se pode dizer, denunciar e registrar no século XX. Mas há uma característica muito peculiar
como Cartier-Bresson fotografava pelas lentes de sua ética. Pois ele era um exímio caçador, já que buscava
o “instante decisivo” e para um bom fotógrafo como para um bom caçador, talvez a palavra que mais se
confunde com o da arte a que mais se dedicou, seja a mesma repetida por ele: “Observar, observar,
observar”. “É pelos olhos que compreendo”, disse o fotógrafo.
47
Sebastião Salgado é doutor em economia e trabalhou em agências de notícia internacionais ao lado de
Henri Cartier-Bresson. Um outro caçador do “instante decisivo”, mas com características bem marxistas e
muito ligado à forma de denunciar os abusos do homem contra o próprio homem e a natureza. A obra de
Sebastião Salgado é inspiradora para toda esta tese, pois parece fazer ele através de fotografias, de um olhar
que expõe contrastes e culturas, de um modo de arte e denúncia, um dizer que declara que o Homem é um
vivente cultural, que se adapta ao local em que vive, produz e reproduz muito do que tem e recebe de
cultura. Assim são seus trabalhos mais famosos como Gênesis (2011), Terra (1997) ou África (2010). Todo
o sua vida e obra podem ser vistos no documentário “O Sal da Terra” com direção de Win Wenders e
Juliano Ribeiro Salgado. Brasil/ França, 2014.
119
dinamicidade do mundo que nenhuma arte ou ciência dá conta por completo, embora
tente e pode por interpretação e registro fazer uma leitura. Foi assim que Bakhtin pensou
sentido morre). Uma fotografia é o mais latente diálogo entre a pequena temporalidade e
o grande tempo.
nota-se que houve uma mudança por efeito da nova técnica de registros, mas também em
sua causa. Em meados do século XIX, o advento da máquina fotográfica irá influenciar
socialistas também fizeram os pintores, como Gustave Courbet (1819 -1877), procurarem
retratar a vida dos oprimidos, a vida campesina, dos quebradores de pedras, nos
burguês da estética artística anterior. O século XIX é conhecido como um século de crises
Embora, Rancière (1999) tenha tratado e venha tratando do tema em inúmeros livros
sobre o dissenso na política, há uma crise da razão na raiz da filosofia localizada no final
artística muito caminhamos pela redefinição da arte e do conhecimento humano, por isso
interessa olhar como a invenção da fotografia e seu breve trajeto influencia e são
Nietzsche (1844 -1900) para representar a crítica à razão, a crise de paradigma filosófico
“O homem é um ente que deve ser ultrapassado”, disse ele; e o que propõe
é ultrapassar incessantemente o ser de conjuntura, que somos num dado
momento, a fim de buscar estados mais completos de humanização (...)
Nietzsche ensina a combater a complacência, a mornidão das posições
adquiridas, que o comodismo intitula moral, ou outra coisa bem soante (...)
Talvez se possa dizer, com efeito, que a partir do século XVIII e até o
nosso, ela (a filosofia racionalista) cuidou mais da natureza do espírito e das
condições de seu funcionamento que do seu caráter de aspecto da atividade
humana total. Doutro lado, analisou de preferência tudo que condiciona o
comportamento e dele resulta; raras vezes desceu às suas raízes vivas.
Semelhante tarefa coube não raro à arte, cuja importância como forma de
conhecimento não decresceu no mundo moderno, como se poderia pensar à
primeira vista. A acuidade psicológica, por exemplo, não se confunde com a
competência dos especialistas, e deve ser buscada menos neles do que em obras
com as de Dostoievski, Proust, Pirandello ou Kafka; e não é de estranhar que
o maior psicólogo do nosso tempo, Freud, seja uma espécie de ponte entre o
mundo da arte e o da ciência; entre os processos positivos de análise e intuição
estética. (CÂNDIDO, 2014, p. 419-421)
aspecto da atividade humana total”, não ocultando o trabalho que a arte tem na
Lembrando Ginzburg (1983) que diz que é papel do linguista como o do médico fazer
uma “ciência conjectural”, que investiga o vivo, o movimento, as pistas, os rastros, e não
Nietzsche, pelo que diz CÂNDIDO (2014), faz é dizer que a filosofia precisaria de um
caminho mais vivo, sem recusar a arte; caminho este, o tempo todo, trilhado por Bakhtin,
Não se pode desconsiderar dizer que a arte é um aspecto vivo e que deve ser
121
profundamente investigado pelos filósofos, pelas linguistas, pelos médicos, para total
compreensão do humano do homem – “Quem interpreta mal uma obra de arte, interpreta
mal a si mesmo” (Freud, 2013). Nesta brecha que a filosofia deu no final do século XIX,
com a teoria de Bakhtin, seria uma ponte de entendimento entre o fazer técnico e o fazer
O que leva dizer que o simples migrar da palavra “Saúde” para “Qualidade de Vida”
se alimenta também dessa brecha vista por Nietzsche, desse olhar de oblíquo de Sebastião
Salgado, desse olhar de contraste de Bakhtin, dessa crise de paradigma, dessa crise de
racionalidade, a que o mundo se viu no final do século XIX e pôde olhar nos olhos da
própria morte nas guerras mundiais (de 1914 a 1945). A crise prevista por Nietzsche,
antes do século XX começar, aponta um humanismo que precisaria beber dos aspectos
48
"Dostoievski conhece a fundo a alma humana, sabe que o universo humano é constituído de seres cuja
característica mais marcante é a diversidade de personalidades, pontos de vista, posições ideológicas,
religiosas, antirreligiosas, nobreza, vilanias, gostos, manias, taras, fraquezas, excentricidades, brandura,
violência, timidez, exibicionismo, enfim, sabe que o ser humano é esse amálgama de vicissitudes que o
tornam irredutível a definições exatas. Dessa consciência da diversidade de caracteres dos seres humanos
como constituintes de um vasto universo social em formação decorrem as múltiplas vozes que o
representam, razão por que Dostoievski aguça ao máximo o seu ouvido, ausculta as vozes desse universo
social como um diálogo sem fim, no qual vozes do passado se cruzam com vozes do presente e fazem seus
ecos se propagarem no sentido do Futuro." (Paulo Bezerra, na apresentação do "Problemas da Poética de
Dostoievski" de Bakhtin. 2010, p. XI)
122
vivos da vida, nota-se isso quando o pensador alemão diz, de forma categórica, por meio
livros, das ciências e da filosofia: “Para que serve um livro que não for capaz de nos
transportar além dos livros” (NIETZSCHE, 2014, p. 423). Assim, fotografia e cronotopia
Parecendo que estamos, como diz Geraldi (2007) ao citar Placer, condenados a significar:
filosofia deveriam beber dessa fonte, que diz que a vida é mais importante e que toda
ciência serve para a vida. Assim vale olharmos para a teoria de Bakhtin, sempre como
uma interpretação e nunca como uma verdade absoluta, já morta por Nietzsche ao dizer
que Deus estava já morto, frente ao que as propostas científicas e filosóficas apontavam,
como possiblidades e não mais por determinismos. Sendo que as possibilidades estão
tempo, a atualidade iminente e a história – mas por dar carga concreta e caráter único para
cada enunciado. Por este viés, toda palavra é um signo renovável desde a pequena
temporalidade pelo grande tempo, pois uma palavra enunciada pode trazer memórias à
123
tona, e mesmo uma palavra nova, um neologismo, conserva e conversa com os tempos e
espaços que habita, habitou e habitará. Toda palavra é relacional, pois depende do seu
tempo e do seu espaço, mas depende muito mais dos seus ouvintes, interlocutores, que
são obra da condição ontológica de tempo e espaço. Assim, neste contexto armado e
mais força vital quando utilizado como preceito do SUS, do Sistema Único de Saúde do
Brasil, como Lei Orgânica da Saúde (Lei Federal 8080/1990), já que quando tornado
preceito ou lei, antes fora pensado e discutido. Uma palavra não surge do nada e em nada
ela não pode virar. É uma palavra que integra outras leis (Direitos Humanos pela ONU,
O conceito de integralidade está ligado a uma ideia de alta eficácia nos serviços de
Considerando que o SUS engloba 100% dos Sistema de Saúde brasileiro, apesar de 20%
ser privado, criando as chamadas “duplas portas” em hospitais públicos como o Hospital
das Clínicas em São Paulo. A integralidade é, portanto, um princípio básico que significa
assistência ao usuário. Em tudo o que o usuário da rede precisar, desde a garantia de boas
124
condições de vida, ser acolhido nas Unidades de Saúde, ter seus problemas resolvidos e
operacional, já que precisa ser absorvida por uma ordem de gestores. Trabalhadores,
usuários, tornando-a presente na vida cotidiana dos serviços de saúde, seja no hospital,
integralidade é uma linha de produção de cuidado, uma rede que tem por objetivo a
incorporada como algo inerente aos serviços de saúde. As linhas de cuidado significam
uma assistência que se produz por fluxos contínuos entre os serviços, com o acesso
assegurado e tranquilo do usuário, a toda rede assistencial. Para isso ocorrer de forma
salutar, há que se ter uma mudança de atitude do profissional em relação ao usuário, que
vai além do seu conhecimento técnico: pois está ligada à forma como o profissional
percebe o usuário, e isto tem a ver com a sua subjetividade. A subjetividade é a forma
singular com que as pessoas significam a realidade e interagem com ela. Por conseguinte,
o significado que os profissionais dão aos usuários e ao trabalho em saúde vai definir em
trabalho em equipe, em rede, já que o conceito de integralidade é uma diretriz que traz
125
lugar privilegiado, por se tratar de atenção básica, que, por princípio deve atender a grande
maioria da população, por ter grande capilaridade junto à comunidade e contar com o
como o Brasil. Os desafios são grandes, ainda mais por saber que integralidade é a
serviço, e suas origens são do Movimento de Reforma Sanitária brasileira nas décadas de
1970 e 1980, em plena ditadura militar. Contudo, o que mais valeria apontar, neste ponto
Qualidade de Vida. Em um patamar mais contundente, podemos dizer que saúde ganha
126
contornos de atitude política, atitude social, atitude humana e atitude profissional, pois
saúde é a integração e integralidade entre as partes, o conjunto das partes do Estado é hoje
também o conjunto das partes do Ser. Vale a analogia clássica aqui, advinda dos tempos
do liberalismos político econômico, que coloca o Ser como integrante do Estado, portanto
o Estado como responsável pelo nascimento do Ser e por seus cuidados até a morte. As
garantias dessa integração Ser/Estado ainda estão sendo legisladas e montadas, mas já é
uma Saúde como aparato legal, jurídico e de direito do Ser. Em outra dimensão, a Saúde
não é lei abstrata, mas lei da vida, lei humana, lei ética, lei cada vez mais concreta a partir
XVIII).
cronotopia contemporânea nos traz desafios ainda maiores: enquanto o sistema político
econômico pede uma reificação do homem (ao entender o homem como número e gerador
assalariado), o conceito de saúde precisa ficar cada vez mais singular, humanizador,
priorize o usuário da rede, que seja tratado como humano, tratado pelo nome e sobrenome
e não apenas por número, ou apenas denominado de “paciente”, não como aquele que
está apenas esperando a cura, mas na tensão de também procurar saber os modos de
fora do lastro programado, de estudos sobre o Mais Médicos, arquitetado pela gestão do
Ministro Alexandre Padilha em julho de 2013; traz o litígio discursivo entre os discursos
mídia brasileira, neste caso da Folha de S. Paulo, confrontar desde tempos remotos os
discursos oficiais do Governo com o discurso dos Conselhos, sem uma maior abertura
para as vozes da classe civil. O litígio formado pela Folha de S. Paulo se estende como já
que vimos registros (são exemplos, TEXTO 2 ou TEXTO 4 dos exemplos da pequena
política faz parte da disputa do signo, no seu interior e no seu entorno de significações e
signo verbal há uma arena cada vez mais pautada em estatísticas, em quantidades, mas
também em qualidades e cuidados humanos. Migrar o signo ideológico para outro não é
mas é toda simples e mecânica. Em que o Governo está em direto confronto com os
oposição entre duas linhas de pensamento político traz também uma contribuição
das mídias oficiais serve para promover a venda da informação e do jornal. Entretanto,
não podemos negar que há duas fontes ideológicas no texto que são fortes e dentro delas
como ponto central o funcionamento do SUS – sistema único de saúde – em meio aos
discursos dos Conselhos de Medicina, do Governo e das pesquisas estatísticas. Mais uma
vez nota-se que os índices, as estatísticas, os dados, as pesquisas, domam boa parte do
que se pensa hoje como conceito de “Saúde”. Não é irrelevante pensarmos a influência
das ciências exatas, dos cálculos das demandas da sociedade, sobre a reconfiguração de
um conceito, ou palavra, como é na casa o do termo “Saúde”. Por isso, não basta ter um
texto, um enunciado, uma visão, pois um texto só ganha vida em contato com outros
textos, pelo cotejamento entre discursos (GERALDI, 2012), entre textos, entre contextos,
um território preciso, que é necessário para que uma palavra tenha significado (1),
130
sensibilidade e ética. Talvez esteja no modo como um fotógrafo caça o “instante decisivo”
ao olhar para o humano do homem, usando a técnica, que esteja se configurando o que se
poderia chamar de Humanística bakhtiniana. E ela está viva na nossa frente agora.
complexo. Em que a população seria o “novo corpo: corpo múltiplo, corpo com inúmeras
compreender e conhecer melhor esse corpo, é preciso não apenas descrevê-lo e quantificá-
prevendo seu futuro por meio do passado. E há aí a produção de múltiplos saberes, como
espécie humana entra em jogo nas estratégias políticas de um Estado. “O homem”, diz
ele, “durante muito tempo, permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivo e, além
disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal, em cuja política, sua
vida de ser vivo está em questão” (FOUCAULT, 1988, p.188). É pelo fato de encarregar-
se da vida, mais do que a ameaça da morte, que o poder pode apropriar-se dos processos
causar a morte ou de deixar viver tão característico desse poder, é agora substituído por
“um poder que gera a vida e a faz se ordenar em função de seus reclamos”. Segundo o
teórico francês, o século XVIII marca o processo de entrada da vida na história, isto é, a
entrada dos fenômenos próprios à vida humana na ordem do saber e nos cálculos do
poder. Assim sendo, os processos relacionados à vida humana começam a ser levados em
O homem ocidental aprende pouco a pouco o que é ser uma espécie viva
num mundo vivo, ter um corpo, condições de existência, probabilidade de vida,
saúde individual e coletiva, forças que se podem modificar, e um espaço em
que se pode reparti-las de modo ótimo. Pela primeira vez na história, sem
dúvida, o biológico reflete-se no político; o fato de viver não é mais esse
sustentáculo inacessível que só emerge de tempos em tempos, no acaso da
morte e de sua fatalidade: cai, em parte, no campo de controle do saber e de
intervenção do poder. (Ibidem)
poderá explicar, e mais consolidado também, o que por si só é uma afirmação do biopoder
que tanto se dedicou Foucault. Valeria olhar o dualismo sobre o signo “saúde” a que
estamos tão tutorados e ligados do nascimento à morte. Cabe aqui fazer uma leitura do
cenário; cabe separar a cronotopia de nosso tempo para uma análise, que seja feita a partir
da pequena temporalidade.
esperado, estão discursos que mexem com a qualidade de vida como se fosse um paralelo
133
por acaso, mas por disputas internas dentro do signo verbal e muito mais por disputas
externas, materiais e históricas. Saúde ampliou-se em conceito durante todo o século XX,
porém no Brasil a necessidade pareceu mais política do que científica, por um sistema
governamental que ficou muito evidente nas últimas décadas do século XX, com a
Médicos”). Valeria observar como o cenário mundial se comportou nos últimos anos,
Reino Unido, que são considerados países desenvolvidos, embora haja casos de uma falha
médicos pífia (1,9 médicos por 1mil/habitantes) em comparação com países como Cuba
(6,7 médicos por 1mil/habitantes), Rússia (4,3 médicos por 1mil/habitantes), Uruguai (3,7
médicos por 1mil/habitantes). A explicação para a baixa qualidade dos serviços de saúde
público a partir de Richard Nixon (presidente dos EUA entre 1969 e 1974), o que acabou
não tem plano de saúde e não tem sistema público de saúde. Para ser tratado naquele país,
foi debatido por vários livros e dentro da política de vários governos como o de George
W. Bush, Clinton ou Obama, mas no documentário SICKO – SOS Saúde, o arroubo fica
mais evidente49. Já que o comparativo se faz entre países com sistema público de saúde
com maior expectativa de vida, maior taxa de natalidade, melhores cuidados com os seres
humanos, como são os casos de Canadá, Reino Unido, França e a contestada nação
cidadãos comuns, somos levados a entender como milhões de vidas são destruídas por
lógica de que, se você quer permanecer saudável nos Estados Unidos, é bom não ficar
doente (biopolítica). Claro viés ideológico tomou conta do signo saúde em países e
49
SICKO – SOS Saúde, de 2007, do premiado diretor Michel Moore. O olhar de contraste que causa o
documentário é muito pertinente para pensarmos os processos de tratamento de Saúde no mundo todo.
Reino Unido, França, Cuba, Canadá e EUA têm seus sistemas de Saúde vasculhados, e fica nítido no filme
como o processo de objetificação do Homem pelo Capitalismo transformas vidas em mercadorias de cartéis
de Saúde, principalmente nos EUA. Cuba, Reino Unido, Canadá e França aparecem como contrapontos ao
sistema de saúde estadunidense. Em um mundo globalizado, o problema local estadunidense acaba sendo
um problema global. O olhar do pensador de cultura logo fica armado frente aos contrastes que sustentam
certos sistemas, políticas, hegemonias e ideologias. Fica evidenciado que o sistema EUA de saúde não é
critério de boa conduta para os outros países do mundo que pensam em uma medicina humanizada.
135
sistema econômicos, dos quais os EUA não são exemplo para nenhum tipo de discurso
Constituições da maioridade dos países democráticos, como o Brasil, Canadá, Cuba e até
mesmo os EUA. País, este, que usou da grande depressão pós-guerra para descuidar dos
Saúde, em que todos teriam direito a um tratamento digno de cuidados com a vida (não
se pode esquecer que esta iniciativa impactou positivamente na montagem dos Direitos
estadunidense nas ditaduras militares na América Latina, que incluiu o Brasil, não foram
tão devastadores e retificadores como na dinâmica do país de Nixon, porém cabe ressaltar
que em um viés histórico o Brasil apenas instituiu seu Sistema Único de Saúde (SUS) na
dados do Conselho Nacional de Saúde e da OMS, é tido como um dos maiores sistemas
públicos de saúde do mundo. Todos esses dados sobre política, escolhas econômicas e
discursivas fazem do signo saúde no Brasil uma arena viva de embates de lutas de grupos,
classes, conselhos, congressos e conceitos. Não há como olhar para o conceito de saúde
sem observar que há disputas na pequena temporalidade e no grande tempo, sendo assim
2013 pelo Governo Federal – gestão da presidenta Dilma Rousseff - para suprir a carência
de médicos nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades do país. O
programa pretende levar 15 mil médicos para as áreas onde faltam profissionais. O
Porém, faz parte de uma política que no mundo dá muito certo em países
desenvolvidos, já que no Reino Unido 37% dos médicos são importados e no Brasil,
apenas 1,7% são médicos estrangeiros. Antes da chegada dos profissionais estrangeiros,
o Brasil possuía 388.015 médicos, correspondendo a 2 médicos para cada mil habitantes.
distribuição desigual de médicos por região, sendo que 22 estados possuem um índice
população inferior a 50 mil habitantes, que somam 90% das cidades brasileiras. Enquanto
o Distrito Federal e os estados de São Paulo e Rio de Janeiro possuem taxas bem acima
da média nacional – 4,09, 3,62 e 2,64 médicos por mil habitantes, respectivamente –, os
estados do Maranhão, Pará e Amapá sequer têm um médico a cada 100 mil habitantes,
com taxas de 0,71, 0,84 e 0,95 respectivamente. A exemplo disso, a OPAS (Organização
médicos, em curto prazo, para comunidades afastadas e de criar, em médio prazo, novas
assim como o número de residências médicas. De acordo com o órgão, países que têm os
O SUS – Sistema Único de Saúde - surge no esteio das políticas nacionais que
apareceram com muita eficiência, em comparativo aos EUA e outras políticas nacionais
de saúde, pois colocam o ser humano como parte de um coletivo, de uma família, de uma
comunidade e por outro lado dando atenção e modos curativos para os que precisam.
Portanto, surgem duas linhas dentro do SUS desde a meada da década de 90 do século
passado que merecem destaque, pois irão entrar em confronto com o programa “Mais
mais biopolitizado, do sistema público de saúde no Brasil, algo que muito se assemelha
ao que Bakhtin (2012, p. 311) chamaria de Humanística, que seria uma tendência
As duas vertentes são: a Atenção Básica à Saúde – que trata do primeiro nível de
entrada” do sistema de saúde. A população tem acesso a especialidades básicas, que são:
que a atenção básica é capaz de resolver cerca de 80% das necessidades e problemas de
saúde (dados da cartilha do SUS); e o Programa Saúde da Família, que é uma estratégia
50
É importante fazer uma análise do número de médicos, incluindo generalistas e médicos especialistas
para cada 1.000 habitantes que estão dispostos pelos mundo – ver anexo, o mapa mundial da distribuição
de médicos. Interessanse ver que médicos são definidos como aqueles que estudam, diagnosticam, tratam
e prevenem doenças, lesões e outros problemas físicos e mentais de seres humanos através da aplicação da
medicina moderna. Eles também planejam, monitoram e avaliam os planos de cuidados e tratamento dos
outros prestadores de cuidados de saúde. A OMS estima que menos de 23 trabalhadores da saúde (médicos
apenas, enfermeiros e parteiras) por 10.000 seria insuficiente para satisfazer as necessidades de cobertura
de cuidados de saúde primários. Fonte: http://www.indexmundi.com/. - Acessado em 21 de janeiro de 2015.
138
âmbito do SUS, dispondo de recursos específicos para seu custeio. É responsável pela
atenção básica em saúde de uma área determinada. Cada equipe (médico, enfermeiro e
podendo solucionar 80% dos casos em saúde das pessoas sob sua responsabilidade (dados
no caso da atenção básica – ou sejam preventivos – no caso do PSF – são limites de uma
discussão necessária do que se configura como o conceito de saúde no Brasil de hoje, que
a cada discurso fica forte uma tendência ao cuidado sociológico, estatístico e de menção
da qualidade de vida.
O embate ideológico fica cada vez mais claro no interior dos textos. Com o
cotejamento dos textos apresentados aqui e meramente comentados, logo temos já uma
Sistema Público de Saúde no Brasil. Chega um momento que parecem circular apenas a
esfera política partidária, entre esquerda e direita, ou Partido dos Trabalhadores (PT) e
federal; porém são embates que traduzem bem os conflitos no interior do signo “Saúde”
sendo levado para um outro patamar, além de político, que abarca influenciando as
medidas de cada grupo, cada vertente, cada partido, cada visão ideológica. Nota-se que o
embate é mais complexo que as notas oficiais deixam transparecer. A guerrilha está
armada. Os jogos de poder estão latentes em cada palavra do jornal, entre um “boicotar”
atribuído aos conselhos de medicina, como atitude ineficaz, e um “apenas mero paliativo”
A contundência de um pensar linguístico faz com que tomemos um texto como uma
seu interior, polifonia, mas revela em um só tempo, o do texto, uma conversa com a
realidade material e com as discussões que quer silenciar ou aflorar. Há uma forte carga
debates, valores, políticas e litígios jurídicos, como mostra o próprio editorial da Folha
segundo Bakhtin:
abordagem, na escolha do título que refletem o que querem e refratam o que também não
fora desejado. A diferença de um corpo físico que vale por si só com um jornal (que é
físico e material palpável) são gritantes, pois o corpo físico reflete leituras, mas quando
relativismo absoluto, pois um produto ideológico significa diante seu contexto, sua
141
trajetória, sua memória, sua ação como produto de consumo e bem material interpretado.
Não há como lançar qualquer juízo de valor solto sobre um jornal. As palavras são
escolhidas, selecionadas para aquele tipo de reportagem, aquele tipo de dizer e aquele tipo
qualquer outro artigo escrito dentro de um periódico, pois carrega a mensagem, voz da
uma complexidade ideológica, política, econômica, jurídica e ética das mais sofisticadas,
Das várias lutas do interior de um periódico estão à luta pela venda de produtos,
pela informação mais democrática, da escolha por uma perspectiva do debate, etc,
contudo a que vale aqui: é a luta ideológica que movimenta o debate da saúde como bem
resolveriam o problema nacional, mas apontando que a médio prazo há de se formar mais
insipiente de médicos, além de, a longo prazo, cuidar e programar uma formação sólida
coletiva e da família. Coloca-se, aqui, em paralelo dois discursos: o de uma classe que
opera desfalcando a ética dos cuidados da saúde; e o de uma preocupação com o tempo
de cuidado com a vida de uma população que envelhece em média 3,7 anos a cada
pesquisa censitária, feita a cada duas décadas, sobre a expectativa de vida e a qualidade
em torno de si, capital, política, discursos oficiais e oficiosos. De outro uma medida
paliativa que visa à quebra do monopólio deste grupo ideológico, mas por meio de um
de jogos ideológicos entre a sociedade civil, as vozes polifônicas dos jornais, o poder
estudos de uma Filosofia Linguística, que com uma visão panorâmica acompanha os
ao longo do século XX. Mas o que a Linguística ou mesmo a Filosofia Linguística tem a
Saúde/Qualidade de vida?
51
Embora seja ainda muito polêmica a definição de pós-moderno para a Filosofia e para as Ciências Sociais,
é um termo que apareceu com muito naturalidade nas Artes e na Literatura, por considerar a obra de arte
como um objeto interagente com o expectador, fazendo com que o expectador se questione, se incomode,
se ponha em interação com a arte que o faz se questionar. Nota-se que a definição de pós-moderno quebra
o paradigma mecanicista abstrato ou do puro objetivismo abstrato, e coloca o homem em questão constante.
Trazendo para a Arte novamente o caráter de questionar na pequena temporalidade a revelação do tempo
grande. As ciências pós-modernas têm muito de conjectural, assim como a arte pós-moderna suscita os
pensamentos nas galerias ou mesmo pelos gratittis do muros cotidianos.
144
Este capítulo servirá para desfazer alguns equívocos e preconceitos com a teoria de
Saussure, não todos, pois Bakhtin leu muito de Saussure e foi capaz de apontar o erro do
linguista francês. Contudo, três textos novos e anotações de Saussure, mostram que ele
tinha total noção da escolha estruturalista que estava fazendo, fazendo com que nós
no século XX, a partir do muito daquilo que nos legaram russo e o francês.
linguagem, muito mais que nos conduzir a uma exegese de uma monologia teórica, que
nos leve a salvação que é a perdição do caminho científico unilateral. Está a Filosofia da
(muito próximo ao que queria Nietzsche, ou quer Ginzburg, por exemplo). Mas ver as
mesmo). Contudo, por mais que o fazer científico aparente ser provisório é
também teóricos da Análise do Discurso). Sendo este fazer científico tão necessário à
“...nós, os humanos, (pois) não podemos crescer, viver e envelhecer sem instituir um
tempo, sem fragmentar, pautar e contabilizar seu devir e seu passar, não sabemos deixar
transcorrer nossa vida sem nomear, sequenciar, ordenar e esclarecer” (PLACER, 2001, p.
82). Tanto é da natureza humana catalogar o que se passa, quanto da visada ética buscar
especial caso neste artigo, vistos como diferenciados pensadores e filósofos da linguística.
Ao fazerem ao longo de suas vidas reavaliações de suas teorias, ou pela busca constante
por interlocutores ímpares, como fez Bakhtin ao dialogar com Freud (no Freudismo, em
1927) e Einstein (para estabelecer o conceito de cronotopia), ainda nas primeiras duas
décadas do século XX; ou fez Saussure para levantar os conceitos em torno do signo ao
dialogar com a filologia do século XIX, e instituir o que chamam de Linguística, até hoje.
Poucos tiveram uma visão como a de Ferdinand Saussure já no início do século XX,
por suas conferências que geraram o “Curso de Linguística Geral” (CLG). Poucos
momento, que é a escolha de Saussure para estabelecer critérios mais estruturais para a
linguística, para posteriormente seguir aos estudos da parole, que foi entendida como
século XX iriam dialogar frequentemente com o que Saussure nos deixou como legado
Linguística do século XX, para agora pensarmos o binômio Saúde /Qualidade de vida. O
desconhecido por descobrir. Está aí a primeira falha do francês, detectada pelos outros
Para entender a visão privilegiada de Saussure é preciso um olhar breve sobre três
e
o Curso de Linguística Geral os Escritos de Linguística Geral52. Nos três textos
de produção de cada texto, já que o segundo (CLG) é escrito por três de seus discípulos,
e não todo pelo próprio Saussure. Isto já quebraria alguns preconceitos acerca da
Para mim, quando se trata de linguística, isto é acrescido pelo fato de que
toda teoria clara, quanto mais clara for, mais inexprimível em linguística ela se
torna, porque acredito que não exista um só termo nesta ciência que seja
fundado sobre uma ideia clara e que assim, entre o começo e o fim de uma
frase, somos cinco ou seis vezes tentados a refazê-las” (SAUSSURE, 2011, p.
11)
Pois Saussure sabiamente via sua teoria como ainda, mesmo que revista, provisória. Aí
está também seu erro. Encontramos um Saussure cheio também de incertezas, contrário
52
Os Escritos de Linguística Geral, trazendo o pensamento saussuriano como foi deixado por ele mesmo.
A edição foi organizada por Simon Bouquet, a partir da descoberta, em 1996, de novos manuscritos
saussurianos, em hotel da família de Saussure, em Genebra.
147
questionando os caminhos e em crise pelas trilhas tomadas por sua linguística. Fazendo-
da teoria bakhtiniana também reforçam essa tese, porém há conceitos primordiais para os
pensadores da linguagem no século XX, apesar de não, para muitos, nos deixar uma
metodologia como os estruturalistas sempre o querem nos fazer acreditar. Talvez por isso
o legado bakhtiniano nos seja mais caro e valioso, por nos fazer mover sobre os valores
científicos da linguística, nos dando uma visão exotópica, uma perspectiva histórica.
Rompendo assim aquela visão do ensino de linguística monolítica, assim como fez
Mas via Saussure um campo promissor para seus estudos futuros. Por isso numa
perspectiva ampla, podemos ver a importância dos dois: o último se dedica a língua como
diferentes, não há como fazer paralelos, a não ser os já feitos pelo próprio russo no
método científico exatóide, que sozinho não contribui em nada para pensarmos o conceito
Ambos pensadores são importantes, ainda mais em uma perspectiva histórica, pela
força de suas teorias, nos levando a uma contundente filosofia linguística. Tanto Saussure
quanto Bakhtin se preocuparam com a natureza do signo linguístico. É bem verdade que
o segundo dialoga com o primeiro, e faz de sua teoria sobre o signo ideológico uma
língua, afasta-se de estudos sobre o sujeito, a história e a fala. O que Bakhtin viria
que mais adiante a Análise do Discurso iria valorizar, e definir como objeto de seus
Análise do Discurso se define pela sua proposta das novas maneiras de ler,
colocando o dito em relação ao não dito, ao dito em outro lugar,
problematizando as leituras de arquivo, expondo o olhar leitor à opacidade do
texto”. Já o discurso é o lugar de observação do contato entre a língua e a
ideologia, sendo a materialidade específica da ideologia o discurso e a
materialidade específica do discurso, a língua. (ORLANDI, 1987, p.87).
Obviamente nem Saussure, nem Bakhtin são os pais da Análise do Discurso (AD),
reveladora, pois ambos eram ocupados em mover o fazer linguístico, este fazer científico
caminhos para os cientistas é que difere, sejam, como exemplos, a Análise do Discurso,
150
a lexicologia, ou a linguística aplicada. Por isso tanto para Saussure quanto Bakhtin o
pensar linguagem em filosofia linguística está além das próprias teorias que formularam,
Saussure:
Bakhtin entra no embate por uma ciência mais humana, e Saussure por uma Ciência
sem verdades absolutas, pautando a língua como sistema, sendo o signo arbitrário,
acreditando que é pelo viés da Filosofia da Linguagem (ou pela Filosofia Linguística) que
poderíamos encontrar rumos mais intrinsecamente humanos, e nos leva a pensar o “como”
seria salutar a inversão do modus operandi científico (em que os humanos andam sendo
tratados como objetos) para um modo que recebam tratamentos mais humanos ao homem,
relações sociais (jogos ideológicos embebidos de signos verbais e arbitrários, os quais são
151
armas da causa e da crise da racionalidade: pensavam no valor científico, muito além dos
apenas estruturais; pensavam nos ideológicos, muito além dos materiais; pensavam no
“Qualidade de Vida.”
53
“O idealismo e o psicologismo esquecem que a própria compreensão não pode se manifestar senão através
de um material semiótico (por exemplo, o discurso interior), que o signo se opõe ao signo, que a própria
consciência só pode surgir e se afirmar como realidade mediante a encarnação material em signos. Afinal,
compreender um signo consiste em aproximar o signo apreendido de outros já conhecidos; em outros
termos, a compreensão é uma resposta a um signo por meio de signos [em uma cadeia ideológica]. (...) Essa
cadeia ideológica estende-se de consciência individual em consciência individual, ligando umas às outras.
Os signos só emergem, decididamente, do progresso de interação entre uma consciência individual e uma
outra. E a própria consciência individual está repleta de signos. A consciência só se torna consciência
quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no processo de
interação social. (...) A consciência individual é um fato sócio ideológico. (...) Os signos são o alimento da
consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da
consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos
a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto
significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico não
esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem.” (BAKHTIN, 1929, p. 32-
35)
152
caráter da interação médica com os seus clientes em estado grave, ou mesmo precisando
a seguir é muito relevante: "A população não pediu mais médicos. O governo inventou
isso, depois de um gerenciamento incompetente, vem colocar a culpa dizendo que faltam
Queremos ir, mas falta estrutura. É impossível trabalhar se falta agulha, medicamento. É
um sofrimento muito grande" (os grifos são meus). A carga de ataque do texto pelo uso
população não pede mais médicos, nem que os médicos têm culpa se falta estrutura, mas
cenário de disputa política se tornou muito notório ao andar das análises dos textos sobre
o tema “Mais Médicos”, durante 20 meses, ainda mais prova que a natureza da cultura de
do governo quanto dos órgãos responsáveis pela medicina no país. Há o tempo todo em
saúde pelo SUS; a elitização de alguns campos da medicina destina à especialistas e certas
classes sociais; a “dupla porta” (possibilidade de atendimento tanto pelo SUS quanto pelo
plano privado) nos hospitais dos grandes centros urbanos; e a imensa tensão entre os
grupos de poder político, ideológico ou financeiro do país que deixam a saúde do cidadão
luta de classes parece reverberar mais alto nas falas do entrevistado. Há claro debate de
classes. Se a Psicologia do Corpo Social deve ser estudada por dois pontos importantes,
sendo eles: o conteúdo, dos temas que se atualizam em um dado momento histórico, de
tomam forma, são ventilados na mídia, comentados em redes sociais, se realizam, são
periódico envolvido (consideramos isso, mas não esqueçamos que tudo está em disputa
dentro de um texto até as vírgulas, não-ditos e palavras retiradas do texto na versão final,
a que não tivemos acesso). Podemos ver uma clara escolha pelo discurso do dissenso, do
encontrar uma forte marca da visão classista médica sobre atitude do Governo por meio
voz que vem das ruas, deflagrada pelos pedidos nas, chamadas, Jornadas de junho de
2013, que fez surgir com mais rapidez o programa “Mais Médicos”, mas também há uma
voz que trava as ruas e as mudanças sociais que o país necessita, e esta vem de elites
corpo social estuda essas vozes que se digladiam, se reformulam, nas consciências como
material ideológico, como material de hábitos de vida, como capital cultural enraizado
em certas elites, classes e memória sobre alguns signos de palavras como “povo”, “classe
média”, ou mesmo a própria “medicina”. Para Bakhtin, em toda a sua teoria, se o signo é
material ideológico e alimento das consciências, então o ser humano é um ser cultural por
agremiações, congressos e com isso acaba por refletir e refratar muito do que o meio sócio
cultural constrói para que ele reproduza. A marca na fala do presidente do Conselho
classe, de uma visão que não caminha para a humanização da saúde, que não defende
uma postura a curto prazo de ações pontuais e temporais em regiões longínquas para sanar
O viés das ciências humanas é tratar o humano, assim como o viés da saúde deveria
ser também o humano. Olhar o pensamento bakhtiniano nesta vertente, é olhar ao que se
pode defender como conceito de vida, ou seja, deve-se defender a vida como dádiva e
unicidade evêntica do ser sem álibi, em seu ato responsável, seja por ter escolhido a
pois vive cuidando do sertão. Para tanto é preciso uma medicina e um Conselho de
ideológica e ética, levando ao que Bakhtin chama de ato responsável não indiferente
(BAKHTIN, 2012).
Está mais que na hora, de cada palavra, em cada espaço social, se tornar um ato de
(...) não existe (...) um lugar da grande Recusa – alma da revolta, foco de
todas as rebeliões, lei pura do revolucionário. Mas sim resistências no plural,
que são casos únicos: possíveis, necessárias, improváveis, espontâneas,
selvagens, solitárias, planejadas, arrastadas, violentas, irreconciliáveis, prontas
ao compromisso, interessadas ou fadadas ao sacrifício; por definição, não
podem existir a não ser no campo estratégico das relações de poder. [...] As
resistências não se reduzem a uns poucos princípios heterogêneos; mas não é
por isso que sejam ilusão, ou promessa necessariamente desrespeitada. Elas
156
são o outro termo nas relações de poder; inscrevem-se nestas relações como o
interlocutor irredutível. (FOUCAULT, 1988, p. 134)
Fonte de resistências (no plural) é expressão, como signo ideológico, que pode
seu conteúdo é o caminho para notar que “Saúde” é muito mais que biológica, mas um
signo vivo, mais amplo até, que o sentido dado atualmente ao conceito de “Qualidade de
Linguística, que deve se fazer pela análise de um olhar de contrastes, por meio do
trouxeram à tona o corpo da caça aos olhos do pesquisador. Temos definitivamente uma
“A palavra é um fenômeno
ideológico por excelência. A
realidade toda da palavra é
absorvida por sua função de signo.
A palavra não comporta nada que
não esteja ligado a essa função,
nada que não tenha sido gerado por
ela. A palavra é o modo mais puro
e sensível de relação social.”
[BAKHTIN]
Ao longo do trabalho, aqui, vai ficando evidente que o objetivo da tese poderia ser
defender a teoria bakhtiniana como uma chave para uma nova ciência – a Humanística.
Mas não o é. Pois chegarmos a uma nova ciência é ferir a ética bakhtiniana, pois é escolher
estruturalistas com a Linguística. Porém, meu interesse é deixar evidente que os signos
(dizendo de uma forma mais direta), e que o “Mais Médico”, é o corpus escolhido para
mostrar as tensões em torno de cada signo verbal e ideológico. Caberia, portanto, rever o
título da tese, deixando as “contribuições bakhtinianas” (do título original54) e tirar a parte
Bakhtiniana: uma ciência para o humano? Contudo, não é só isso, pois isolaria apenas
Saúde e a Qualidade de Vida, que por mais que não tenha sido Bakhtin o inventor e
54
Da Saúde à Qualidade de Vida – Contribuições Bakhtinianas.
158
preconizador, é um lugar promissor e ainda fecundo de análises. Há, portanto, algo maior
acontecendo, maior que a teoria bakhtiniana dê conta, pois é algo da vida, da dialogia
viva das relações sociais e de poder, além também do biopolítico de Foucault. É algo
vivo do que teórico, fechado em que um modelo biofísico que não dá mais conta.
dos textos, para elucidar por que temos que investigar o signo “Saúde” mais próximo de
“Qualidade de Vida” e ver quais são as pistas, rastros, pegadas úmidas, odores do
espectro, e estalitos de galhos que a fantasmagoria deixou, e que nos trouxeram até um
primeiro momento (embora Ginzburg ateste como sendo galileano), não só como
abordagem filosófica, mas como visão do corpo, da vida e da saúde. O corpo visto como
manutenção da vida. Sendo saúde “o silêncio do corpo” (concepção do século XVI), pois
máquina que range, trepida, e faz barulho precisa de conserto. Analogamente, o corpo
que tossia, estava ofegante e lento estava doente. O racionalismo científico de Galileu a
Homem, já que o tratava pelo funcionamento do corpo e da sanidade (esta, muitas vezes,
era medida por ordens discursivas, por exemplo: a concepção religiosa e cultural, que
podia matar, excluir ou salvar o indivíduo). Entretanto, o que não se considerava até o
século XIX, cientificamente, era a possibilidade do meio, dos bens simbólicos e materiais,
159
importância das “Ciências do Espírito” (Dilthey apud BAKHTIN, 2011) e mais tarde
para o tratamento de doenças e curas, durante séculos, seja nas teorias dos humores ou
das Deficiências Físicas, desde Hipócrates até a teoria sádica de Procusto, o modo do
cuidado do homem com o seu semelhante passou por um paradigma lógico e muito
racional. E o que mais contribuiu, historicamente, para esta forte vertente fora o filósofo
inalienável do homem, pois seria-lhe inata sua razão, sua capacidade de pensar (em uma
diferenciava o homem dos outros animais ganhou força e reflexos após Descartes, já que
a razão fazia tal distinção, mas a Astrofísica em Galileu e a Física Mecânica em Newton,
Ficou legada a existência ao segundo plano, e as forças que a alimentam, como forças
Vale ressaltar que durante muitos séculos havia dois tipos de Ciência: a Física e a
Metafísica; o que promoveu uma visão cultural turva sobre o próprio ser humano. Tudo
160
o que não era quantificável e palpável era Metafísico, portanto das Ciências Metafísicas,
como a Filosofia, Artes, Política, etc. E pelo outro lado, aquilo que mais tarde viria a se
tornar Ciências Exatas e da Natureza eram Ciências Físicas, como Matemática, Física,
etc. Porém, fica o próprio corpo humano como lugar de incógnita para os teóricos por
longo anos, pois se a parte física do homem era mecânica, como então estudar a Biologia?
Se no aspecto anatômico podemos ver a Física, como estudar doenças que afetavam o
durante os séculos foram variadas, mas quase todas caiam em explicações ideológicas de
determinados homens”.
A resposta viria mais adiante, no século XVIII, com a contribuição forte de uma
nova ciência exata – a Estatística. Porém, a Estatística, lembrando mais uma vez que a
palavra deriva da alemã “Stat” (“Estado”), trouxe contornos muito mais sociológicos do
que numéricos para a história da filosofia. Pois, assim o homem era calculado por
contingentes; com isso começaram a ser levados em conta aspectos sociais, culturais,
O século XIX, em que Karl Marx, observara a dicotomia entre classes e a luta entre
elas como motor da história, fez com que a Estatística definitivamente entrasse como
Humanas, além de outros campos do saber. A recente história das Ciências, ditas
trouxeram revelações para todas as ciências. Hoje, a visão de mundo, que temos hoje,
conota que os fatores de relações sociais podem levar o indivíduo a ter uma vida mais ou
menos saudável.
161
advento de uma visão sobre a existência não mais como efeito da essência, como
interpretou-se em Descartes, mas como algo que precede a essência. Esta inversão de
paradigma e que mudou de forma brutal a óptica do mundo. Podemos chamar essa
Filosofia.
Mudar o paradigma que colocava a essência predecessora da existência para uma visão
existencialista, popularizada, em Sartre, já no século XX, que invertia dizendo que era a
“existência que precedia a essência”. Chegamos a um ponto em que muito sob os signos
influenciou. E boa parte desses sintomas e mudanças vieram do modo de pensar a vida
com o advento das Ciências Humanas como Ciência relevante. A inversão de paradigma
veio para contribuir, pois a “essência” era adquirida ao longo das interações, das
materiais e sociais, que são adquiridos na existência. O que em toda obra bakhtiniana
aparece muito forte, já que a “ideologia é alimento da consciência”, sendo assim, tudo o
que é adquirido pelo homem é o material externo que lhe serve de combustível interno,
vivente cultural.
em Bakhtin, não é diferente, pois a visão que se configurou com uma análise marxista da
162
métodos freudianos em Freudismo (1927), são todas de base material histórico e sócio-
tira o homem do lugar divino e o coloca em um lugar mundano (causado por feridas
narcísicas, que vamos tratar na conclusão, pois parecem ser elas uma evidência forte da
Sociologia para a área da Saúde, pois ambas agora partem seus processos investigativos
desenvolve, sofre e é finito, materialmente ele existe ou existiu. Mas o que o corpo é,
pesquisas, já que, para Bakhtin, o material adquirido pelo homem por meio de sua
outrora deu lugar a um modelo que considera as relações da existência material com
biopsicossocial. Vale ressaltar que a política apesar de “supra ciência”, por Aristóteles, e
a economia, como promotora das lutas de classes, para Marx, entram como ciências
capitalista, de sanitarismo e educação para medir a qualidade de vida dos cidadãos. Nota-
gerando índices e interpretações. Nota-se, além, que saúde é cercada por ciências tanto
naturais, quanto humanas, o que nos dá, em suma, uma visão mais abrangente de que o
corpo não é apenas físico, mas também sígnico. Um corpo em um laboratório de anatomia
Se o corpo é signo, sendo físico; então, sendo signo, é ideológico (estamos aqui,
saúde para qualidade de vida traz essa nova embocadura ainda não respondida. Saúde
natural, mas também sob a natureza do tempo estudado pelas “Ciências do Espírito”, das
Ciências Humanas, das Ciências da Linguagem? Sim, pois saúde é ideológica. Saúde não
é uma abstração da ideia, é ideológica porque é real, material histórico, corpo físico;
porque se constrói nas relações da vida, nas atividades humanas, nos diálogos que homem
tem com a estrutura capitalista, com as faltas na infraestrutura, com os programas político-
“Mais Médicos”, e com a própria definição de saúde que migrou de curativa para
preventiva, de médica para biopsicossocial, mais ainda mais por ser a saúde cada vez
biopsicossocialdiscursiva.
fórum (organizado pelo jornal Folha de S. Paulo) entre entidades e profissionais da Saúde,
envolvidos e o recorte temático, são sempre únicos, por serem evênticos. O gênero notícia
relativiza-se pelo suporte físico do periódico – jornal Folha de S. Paulo -, pelo conteúdo
composicional, pela temática sobre a realidade e pelas escolhas das palavras da redatora
falta de organização, dizem especialistas” (os grifos são meus) até o último parágrafo,
que compara os homens aos outros animais, para deixar claro que o sistema político,
homem. Se voltarmos para a definição da palavra, como signo ideológico por excelência,
logo nota-se que a saúde física de um indivíduo, em sua singularidade ontológica (física
do ser humano, seja o que comer, vestir, exercitar, comprar, viver (aqui a caça mostra os
seu corpo físico e de sua potencialidade de consciência enquanto indivíduo vivo. A saúde
abre caminho para um debate, para preocupações, para ocupações dos próximos anos,
mas também afasta o leitor do conteúdo mais importante: a defesa da vida e sua
manutenção pelos cuidados que mais necessita quando for preciso. Entre Ministro da
em intensidade tão carnal e voraz que a dialogia do signo saúde ganha vida a cada
patamar abstrato formas concretas de salvar vidas. Por isso, é preciso olhar a palavra não
167
como signo abstrato apenas, mas como signo vivo, concreto, tangível, dialógico, real.
que os jogos de poder, que as escolhas discursivas, são de base ideológica, assim como o
homem, pois são o produto da consciência dos homens e que suas escolhas são pautadas
no que ele recebe de material histórico, cultural, e pela sua memória de futuro, que
subjetiva/interiorizada, mas como possibilidade real de existir, de vir a ser. Seria para
Bakhtin a saúde o símbolo do corpo grotesco, feito de carne e osso, sangue e suor,
perpétuo e pétreo à consciência dos homens. Pois é, ela, feita de material sócio-físico-
biológico-cultural-ideológico-discursivo.
Aos olhos do caçador, podemos dizer que a Humanística bakhtiniana está solta e
foi encontrada, mas talvez tenhamos caçado algo pelo método, sem notar que a
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.”
55
A metalinguagem de um poema faz da linguagem um mecanismo de renovação e reflexão da tessitura da
própria linguagem (isto fica nítido no poema de João Cabral pelo ritmo quebrado, pelas silepses, pelas
metáforas, pela pontuação que induz a uma leitura cheia de "pedras-vírgulas" pelo caminho do poema).
Escrever é tecer, é emaranhar fios ideológicos, "fios de sol de gritos de galo", centelhas sígnicas do
pensamento e do dizer humanos. No poema ("Tecendo a manhã") João Cabral de Melo Neto metaforiza o
homem como galo. Afinal o último não grita, canta; metaforiza-se o homem também em aranha, pois é o
homem que tece o texto-teia. É o poeta que apanha os fios de sol. O que há no poema é uma Gaia Ciência,
tratada por Nietzsche, e nos escritos do José Miguel Wisnik (“Poesia expressa. No tempo da pressa”), como
a ciência da sensibilidade, que entende o homem racional, mas também pertencente ao mundo instintivo e
cercado da Natureza. Entretanto, o homem também aparece como humano, pois só ele é capaz de fabricar
tenda, toldo, tela e criar linguagem sofisticada ao ponto do neologismo "entretendendo" - um entendimento
de todos, em que entrem todos. Esses materiais são artefatos bem humanos, advindos do engenho do
homem. O poema é uma metáfora óbvia do nascer do dia. Mas o que torna o poema esplendoroso é imaginar
que o que faz a manhã nascer são os “fios de sol” que saem dos bicos dos galos, que antes do dia raiar,
acordam a vizinhança com seus cantos e cantos-respostas de outros cantos de galo. Sim, é uma imagem
surrealista magnífica! Fechar os olhos e imaginar que de cada galo vem um raio de sol; e que depois de
dado, solta-se e plana solto para unir-se com outros fios de sol, "gritos de galo", formando uma "tela tênue"
"livre de armação", que unida forma-se um balão iluminado de fogo, chamado sol. Esta "luz balão", é a
manhã brotando. É o emaranhado de fios da teia-sol. É a própria tessitura de palavras no poema iluminado-
sol. É o futuro-sol feito de união, pois um galo/homem sozinho não tece uma manhã, sempre precisará de
outros galos/homens. Em último nível, o poema é uma metáfora da própria tessitura de um poema, seriam
as palavras "fios" que se unem a outros tantos "fios de sol dos gritos de galo" montando um texto, e a "luz-
169
Vale dizer, nesta tese, que Bakhtin era um pensador da Cultura (GERALDI, 2007).
Mais que um filósofo da linguagem, mais que um linguista; pois se dedicou a não só
analisar a noção de valor nas Ciências da Linguagem do século XX, mas com questões
de Filosofia Moral (Para uma Filosofia do Ato Responsável), com questões da psicanálise
Bakhtin, o faz como um dos pensadores mais importantes sobre a Cultura contemporânea,
por notar três importantes pontos: 1) a cultura é trama de fios de linguagem com nó no
balão" seria o entendimento do poema, a revolução que a palavra pode trazer ao pensamento. Sendo assim,
um "metapoema" com sua poética metalinguagem. Como se coubesse ao leitor, tecer o amanhã, ou mesmo,
como se ele pudesse empinar o sol de um novo dia, a cada leitura que faz da vida, por meio da literatura
cabralina. Por isso o poema é a epígrafe para o Capítulo sobre Cultura desta tese. Pois uma Cultura sempre
precisará de seus fios ideoógicos para tecer o amanhã.
170
são categorias autônomas que se encontram de forma diferente em cada grupo humano
dialogia em cada palavra do mundo; 3) por ser a Cultura uma trama ideológica e a
criado, de dialogia, cuja fonte é um perpetum móbile presente nas entranhas da vida. Mas
Ciências Humanas) o pensador de cultura russo diz que é “bem mais fácil estudar (o dado)
que o criado” (2011, p. 326), por considerar o papel da Ciência moderna muito aquém do
que poderia ser se estudasse o criado, e o que o criado traz de interpretação. Diz mais
qualquer disciplina nas ciências humanas” (Idem, p. 319). O que coloca como ponto
do movimento do pensamento para que não perca no dado o que há de novo e criado.
Bakhtin com isso institui um novo método científico, pautado na experiência evêntica do
estudo:
171
Há três elementos nas Ciência, então: 1) o ser, o observador, com sua experiência
que a língua é texto dado; e 3) o devir, que é a memória de futuro, o novo criado pela
dialogia da vida, o grande tempo, que é o infinito e o inimaginado agindo sobre a pequena
2011) o fazer científico é uma investigação que abarca o ser, a cronotopia e o devir.
tempos, mais se aproxima da questão filosófica a ser estudada, pois deve olhar os tempos
linguagem e arcabouços sociais passados os tempos, não mais é denominado apenas como
ser social, ou animal social, já que das interações sociais adquire valores, hábitos,
costumes, língua, gestos. O animal social é um ser cultural, pois observa o passado e a
sofisticação das estruturas culturais com quem recebe o dado, mas cria o novo. Parece
que em Bakhtin o pêndulo da História não para, é ritmado do pelo agente histórico que é
o homem, cuja formação do ser é uma formação livre. O que determina o Homem não é
seu passado apenas, mas aquilo que sonha, que faz do futuro e movimenta o presente. A
Cultura como um bem ideológico. Assim até mesmo o conceito de Saúde é ideológico,
de tempos em tempos muda, por isso de tempos em tempos deve ser chamado de bem
discursivo e linguístico, pois é fruto da arena das lutas de classe ou arenas das disputas
políticas.
Vale dizer algo extremamente relevante sobre o conceito de cultura, para Bakhtin:
o indivíduo é um ser livre, por ter uma formação livre, entretanto sua consciência é
conceito aberto, ou seja, furado, esburacado, pelos raios de vida. O homem, como ser
cultural, fabrica seu próprio perpétuo devir por meio da linguagem. “O indivíduo não tem
apenas meio e ambiente, tem também horizonte próprio” (BAKHTIN, 2011, p.394).
Entretanto, ele não é isolado, um ser adâmico, mas sim social e dependente do outro, da
173
alteridade, em que existe “para o outro e com do outro” buscando a cada encontro um
biface: todo enunciado exige, para que se realize, a presença simultânea de um locutor e
do ser humano pela linguagem em movimento e não por uma linguagem estanque, morta,
petrificada. Dessa forma, mesmo que, para a construção de um estudo linguístico, seja
necessário partir de um enunciado concreto, é importante que seja ele considerado “como
incessante é o mesmo que o da vida social da história, seja no grande tempo ou na pequena
temporalidade.
TENDÊNCIAS/DEBATES
A vinda de médicos cubanos ao Brasil é irregular?
Caros colegas de Cuba, é correto que nós médicos brasileiros lutemos por
carreira de Estado, melhor estrutura de trabalho e mais financiamento para a
saúde. É compreensível que muitos optemos por viver em grandes centros
urbanos, e não em áreas rurais sem os mesmos atrativos. É aceitável que parte
de nós não deseje transitar nas periferias inseguras e sem saneamento. O que
não é justo é tentar impedir que vocês e outros colegas brasileiros que podem
e desejam cuidar dessas pessoas façam isso. Essa postura nos diminui como
corporação, causa vergonha e enfraquece nossas bandeiras junto à sociedade.
Será bom ver o alívio que mães ribeirinhas ou das favelas sentirão ao vê-
los prescrever antibiótico a seus filhos após diagnosticar uma pneumonia. O
mesmo vale para gastroenterites, crises de asma e tantos diagnósticos para os
quais bastam o médico e seu estetoscópio.
O mais recente argumento contra sua vinda ao nosso país é o fato de que
estariam sendo explorados. Falou-se até em trabalho escravo. A Organização
Pan-americana de Saúde (Opas) com um século de experiência, seria cúmplice,
já que assinou termo de cooperação com o governo brasileiro.
Destoa muito, o texto do médico David Oliveira de Souza, pelo cotejamento com
os outros textos analisados (TEXTOS 2, 3, 4 e 8) até aqui. Destoa pelo tom elegante, não
mudou e o estilo do autor dá uma carga mais tênue ao dizer e ao conteúdo. Destoa pela
deixam faltar frente uma carta pessoal de um leitor do jornal, dirigida a seus leitores e
plano a disputa partidário, política, meritocrática, elitista, para colocar em primeiro plano
sobre a formação acadêmica dos médicos brasileiros frente a uma tendência mundial –
pelo cotejamento, a tensão do signo enquanto arena de luta de classes, arena de embate
vida”. O que há no texto 9 é algo novo, propositivo, frente a outros textos que priorizam
julgar, dar juízo de valor e pouco oferecem de futuro, de devir, de construção. A carta
dirigida aos cubanos, do ativista dos médicos sem fronteiras, David Oliveira, aponta um
governos serão mais pressionados pelas populações” (os grifos são meus), parece
acreditar que as sociedades vão se movendo e se ajeitando, sob e além dos embates,
disputa entre os discursos cotidianos e os discursos oficiais, os que mais se movem são
os primeiros e são eles que os oficiais devem seguir para não perder o poder, na tentativa
mencionada, carta aos médicos cubanos, com algo facilmente superável quando se quer
curar, cuidar, ajudar outro ser humano: “Para os que ainda não falam o português com
também terá problemas. Vai precisar aprender que quando alguém diz que está com a
testa ‘xuxando’ tem, na verdade, uma dor de cabeça que pulsa. Ou ainda que um peito
‘afulviando’ nada mais é do que azia. O útero é chamado de ‘dona do corpo’. A dor em
pontada é uma dor ‘abiudando’ (derivado de abelha)”. Este trecho mostra como prova
mais direta e mais dinâmica e se adapta entre os interlocutores (entre quem fala e quem
ouve).
Por isso a palavra reflete e refrata a cultura de um ser, não apenas a Cultura oficial,
como costume adquirido socialmente e como parte da ideologia oficial adquirida pelo
indivíduo sobre a Cultura oficial que recebe. Por isso dá para afirmar que o homem é um
vivente cultural por que sua condição de vida a dialogia pura. A tensão entre o oficial e o
cotidiano alimentam a palavra de cargas ideológicas, fazendo dela ponte, mas também
arena mínima de lutas de classes, da luta entre uma verdade e uma mentira. A tensão entre
em sua enunciação. A “Carta aos médicos cubanos” é uma ponte trafegável por
enunciados que representam cada lado da disputa política, do embate entre medicina
russo:
foi estabilizada não pelos próprios indivíduos que viviam na época, mas pela cadeia de
Uma Cultura se distingue pelo contraste no tempo contido nos olhos. Mas também se
distingue pela forma como aborda os cidadãos de sua época, de seu espaço, em seus
modos de linguagem e ações entre as linguagens. A “Carta aos médicos cubanos” destoa
Medicina (TEXTO 8), que diz exaustivamente que falta equipamento e infraestrutura para
o agir médico. Que há falta de equipamentos no Brasil não se nega, porém apenas ficar
preso aos discursos assim, como do Conselho Federal de Medicina, retratados ao longo
desta tese, faz com que se reduza muito os mais amplos aspectos em debate: a formação
deve se ater com precisão. Pois, por contraste e cotejamento de textos (GERALDI, 2012)
que há embates ideológicos, luta de classes, e visões díspares no interior de cada texto,
Governo, ou de parcelas de população. Não é interessante nesse ponto tomar partido sobre
as visões ou julgar qual está certa ou errada, entretanto é crucial notar que há um
de saúde no Brasil. Há interesses em jogo no amplo mercado dos planos de saúde e das
clínicas médicas brasileiras, e isto já não se pode negar e ocultar. Há interesses da mídia
entre um pensamento que trata Saúde como mercadoria, e outro que trata Saúde como
Qualidade de vida. O médico humanizado parece alimentar os dois campos, mas é muito
mais imprescindível na segunda visão, como destoa a exímia “Carta aos médicos
Se existe contraste de cultura serve para que possamos entender a nossa própria
cultura, olhando para o vertical de nós mesmos, então é preciso olhar na arena mínima
ideológica destes contrastes: a palavra. Olhar a razão e os fatores que fizeram migrar
profundos do homem que a enuncia. Tudo questão de dialogismo, motor das culturas e
Por fim, a “Carta aos médicos cubanos” destoa de tudo e dos discursos tecnicistas
em si. Contudo, nenhum signo está solto no ar, fora da realidade, do materialismo
o signo saúde aos olhos do homem contemporâneo, assim são as formas de trabalho que
uma gradação histórica e teórica evidente que mostra que o homem deve olhar para os
objetos da vida e as mercadorias, com signos de valor humano estabelecidos por trocas.
Sendo que, dentro destas trocas, surgiu um novo modo de agir sobre o signo “Saúde”;
com base em um legado que prioriza a reabilitação do ser humano pós-guerra. Neste
182
contexto, a palavra de ordem no século XX foi reabilitação social da Saúde. Não assusta,
mundo posterior a Marx, em que as palavras são ponta ideológica e dita de um iceberg
Ocupacional dentro do que é sabido e não-dito, ou seja, dentro da História. Uma profissão
surge das interações e intempéries de seu tempo. Um conceito aparece pela primeira vez
no mundo antigo. Não obstante, Foucault ainda levanta perguntas como: as próprias
diagnóstico. Uma crise de saúde de um indivíduo, hoje, pode ser vista com algo mais
faz extremamente necessárias, quando observa-se um indivíduo não somente por seu
aspecto biológico, mas também relacional com o meio, as pessoas, as condições de vida,
a crise no homem lhe é natural, do ponto de vista, onto e etimológico. A palavra “Crise”
vem de “Krisis”, que quer dizer pensar, ponderar - é uma condição social e biológica do
circulam, ali dialogam, ali encontram material para o vir a ser e o que é (não se pode
esquecer o que diz Foucault no Capítulo Segundo desta tese, que “o homem é uma
invenção recente”). Importante ressaltar que a ideia de crise, aqui, tem tanto sentido
positivo quanto pejorativo; como ponto de partida para entendimento do conceito de ser
Depressão e suicídio
Publicado na Folha de S. Paulo. Em 27 de março de 2014. Coluna Pensata.
Por Luiz Caversan
A agência que controla a comercialização de medicamentos nos Estados
Unidos, a FDA, tomou uma importante decisão esta semana: determinou que
as embalagens de antidepressivos ostentem um alerta para o risco de o usuário
desse tipo de remédio cometer suicídio.
185
depressivos e forças mercadológicas, instaurou uma busca constante por saúde por meio
187
signo saúde há uma batalha intensa entre mercado capitalista e humanização dos
tratamentos, que aparece cada vez mais voraz com o passar do tempo e o fortalecimento
das industriais farmacêuticas ao longo das últimas décadas, principalmente nos EUA e
Saúde, como algo ainda vinculado ao modelo biomédico, biofísico, em que diz que tudo
pode ser tratado com química em todos os casos. A Coluna PENSATA, de 27 de março
de 2014, escrita pelo jornalista Luiz Carvesan traz duas de vozes e discursos bem claros:
cima do indivíduo com o problema de depressão, para que não ocorra o pensamento em
suicídio ou a tentativa. O profissional pode ser tanto um médico, clínico geral até
são fundamentais.
panaceia (espécie de placebo que curaria todos os males de forma geral) até ao uso da
escuta na cura de doenças, chegando a dizer que o médico psicanalista deve ser um tanto
quanto filósofo para ajudar a curar o doente. O pensador francês constrói habilmente um
como já vimos de Ginzburg (1983), em primeiro lugar por que o mito da panaceia não
começa a mudar de sentido por fim do século XVII, segundo Foucault. Em cada tema
mundo da cura, no século XVIII, por exemplo, permanece em grande parte nesse espaço
(...) a maior parte da prática médica não está nas mãos dos médicos. Ainda
existe, ao final do século XVIII, todo um corpus técnico da cura que nem os
médicos nem a medicina nunca controlaram, por pertencer totalmente a
empíricos fiéis a suas receitas, números e símbolos. Os protestos dos doutores
não deixaram de aumentar até o final da era clássica; em 1772, um médico de
Lyon publica um texto significativo, L’Anarchie médicinale: “a maior parte da
medicina prática está nas mãos das pessoas fora do seio da arte; as curandeiras,
as damas de misericórdia, os charlatões, os magos, os vendedores de roupa
usada, os hospitaleiros, os monges, os religiosos, os droguistas, os ervatários,
os cirurgiões, os farmacêuticos, tratam maior número de doentes e dão mais
remédios do que os médicos.” (Idem, p. 306 -307)
O que leva Foucault a dizer que o papel da cura, como aquilo que combate um
sintoma determinado só virá ao fim da era clássica (século XVIII) e irá instaurar um
No entanto, foi a era clássica que deu à noção de cura seu pleno sentido.
Velha ideia, sem dúvida, mas que agora vai assumir toda sua amplitude pelo
fato de vir substituir a panaceia. Esta deveria suprimir toda doença (isto é,
todos os efeitos de toda doença possível), enquanto a cura vai suprimir toda a
doença (isto é, o conjunto daquilo que existe na doença determinante
189
determinada. (...) Portanto, ao mesmo tempo que uma prática, toda cura é uma
reflexão espontânea sobre si mesma, sobre a doença e sobre o relacionamento
que se estabelece entre ambas. O resultado disso não é mais, simplesmente,
uma constatação, mas uma experiência; e a teoria médica ganha vida numa
tentativa. Algo, que logo se tornará o domínio clínico, começa a manifestar-se.
Domínio onde a relação constante e recíproca entre teoria e prática se vê
desdobrada num confronto imediato entre médico e paciente. (Ibidem)
A busca de uma cura para todo mal, além de idealista é desproporcional a uma
ciência humanista, pois com o tempo foi ganhando contornos absolutos e depois inexatos,
justamente pelas pesquisas se tornarem mais exatas. A relação médico e doente mudou
desde o início, mas sempre esteve no fio tenso entre o tecnicismo e o humanismo. Olhar
as causas de depressão no mundo atual é olhar para as condições de vida dos homens,
seja pelo viés estatístico, seja pelo viés genético, seja pelo viés sociológico; o que deixa
claro que é preciso olhar a complexidade da relação médico e doente não apenas com
assertivas, mas com mais dúvidas. O desemprego é realmente um fator de risco para
depressão no mundo capitalista hoje? Não resta dúvidas que pode potencializar no
vigente, de que ser adulto deve ser um ser que produz capital para consumir e ser feliz.
Mas pensar a doença da depressão é também falar das cobranças que se tem sobre
existenciais, além dos aspectos que sustentam um corpo vivo, os biológicos. Contudo, o
além dos aspectos discursivos. Talvez por isso, valeria ler o que Foucault diz sobre a
conquanto se observasse a construção da própria medicina ao longo dos séculos até chegar
nesta concepção que trata Saúde como Qualidade de vida. Em que o elemento não só
É preciso ser filósofo para poder curar os doentes da alma, pois como a
origem dessas doenças não passa de um desejo violento de uma coisa que o
doente considera um bem, é dever do médico provar-lhe, com sólidas razões,
que aquilo por ele desejado é um bem aparente e um mal real, a fim de que ele
corrija seu erro. (Idem, p. 392)
No caso de ser um debate de uma técnica da linguagem, em que a loucura busca razão
por falar com si mesma, logo encontra-se que o chão, o território seguro, é o fator
sociológico de interação, em que o verbal reflete e refrata o real e social. Lembrando que
com isso muito das técnicas de cura de doenças contemporâneas como a depressão vieram
2012, p. 337). O que virá, por exemplo Freud a fazer é propor um diálogo que fora
esquecido desde os tempos clássicos, pois irá propor um “diálogo com o desatino”, pois
como doença diagnosticada no e do século XX, é um fato sociológico por sua causa e
do Capitalismo. Não há como ocultar que o desatino de nossa realidade é muito mais
material histórico do que biológico, mostrando que ter saúde não só é ter qualidade de
vida, mas saber que os contornos dela são biopsicossocialdiscursivos, pois a saúde não se
mede somente por questões biológicas e sociais, mas por quetões políticas e de luta de
Agora que descobrimos a caça, a sensação que se tem é que a caça esteve o tempo
todo com o caçador, veio a certeza de que ela vive à solta e não pode ser presa, pois
perderia seu ponto irracional, louco e criador, que são as fontes do humano do homem,
ou seja, veio a dúvida se o caçado não era uma ilusão. A humanística era a caça, mas o
que ficou evidente foi o humanismo, pois a primeira é apenas uma ciência, um método,
cessa de se ampliar e caminhar sem que tenhamos como aprisioná-lo, pois é ele nosso
álibi, nossa utopia e o dono de nosso diálogo com o que queremos de ciência.
192
ouvidos atentos nas conversas orais e cotidianas que dão corpo aos mitos como Quíron,
ou mesmo com a mão no lápis como se se estivesse com o dedo no gatilho para delinear
1983), que monta narrativas complexas e as transmite por oralidade sobre as aventuras
que teve e sobre as pistas que viu. Porém há diferenças entre a caça de cada um deles:
56
Dostoievski, no conto “Sonho de um homem ridículo”, apresenta todas as características de uma obra-
prima da literatura que vasculha a alma humana, pois narra a vida de um homem prestes a cometer suicídio
já com o dedo no gatilho, mas adormece inexplicavelmente e tem um delírio, um sonho, em que a realidade
entrara no sonho e o sonho era um mergulho no tempo grande e se misturara com a pequena temporalidade.
Como se o sonho fosse a cronotopia e a dialogia mais puras. Dostoievski é inspiração e objeto de
investigação de toda obra bakhtiniana, não por acaso. Neste conto o sonho é experiência, como se o ser
vivente cultural vivencia-se pelo consciente tudo aquilo que o corpo inerte não responde, mas permaneceria
a mente em diálogo com a realidade. Com em “um sonho dentro do sonho”, como diz um verso da canção
“Um Sonho” da banda Nação Zumbi/2014. Nota-se que sonho é experiência e a experiência é um sonho.
Assim é a consciência materialidade da vida e a vida materialização das consciências. Esse devir simbiótico
entre vida e sonhos, consciência e realidade, é matéria-prima de toda a obra bakhtiniana.
193
Quando se caça as origens ou as causas, e estas não podem ser repetidas, não há
alternativas que senão inferi-las de seus efeitos (é como dizer que nossa caça teve prole,
se expandiu e não podemos mais contê-la). Não há como buscar, simplesmente, a origem
filosofia linguística, pois os sentidos são renovados a cada utilização e a dialogia do signo
dos discursos oficiais e dos cotidianos, justamente pela palavra ser de uma ubiquidade
social astronômica e mágica. A palavra não pode ser neutra, pois seus efeitos não o são.
do pensador russo, pois está ligado a um só tema: a unidade de uma ideia por vir (em
pontos de vista. O que deu origem aos conceitos como exotopia, extralocalização,
excedente de visão, que dizem respeito a colocar-se fora em relação a todos os momentos
que pode ser representada sua unidade irrealizável, deixando o ponto de vista próprio do
bakhtiniana, faz com que se observe um discurso ou uma ideologia apenas analisados
criado. Por isso analisar, por simples comparativo, os textos, ou a mudança do signo
Saúde para Qualidade de Vida, (o dado) fez com que descobríssemos o movimento do
Quais são os efeitos no dado do que está sendo criado? O que o programa “Mais
Médicos” traz de dizeres, discursos, vozes quando é escolhido para ser enunciado como
proposta de um governo frente aos pedidos de uma sociedade democrática por direitos à
saúde? Que universo discursivo e simbólico age em torno do criado a ponto de ser
O dado no discurso de Dilma Rousseff dirá com quem conversa, que dialogicidade
aponta, que signicidade revela, que contextualizações coopera, que Devir movimenta que
palavra57, arena mínima das lutas sociais, nesse elemento cronotópico em que as imagens
se espelham, nesse lugar de memória por onde viajam as consciências, nesse espaço
encontrar o mais vivo dos humanismos dentro das ciências, pois onde se lê a palavra, se
justamente no que temos de mais humano: o pensar com a palavra; o interagir pela vida,
com a palavra. Mas a humanística por ser uma ciência nova não dará conta, por certo, de
todos os jogos de vida no interior de um texto, por isso um dado diz, mas não revela o seu
segredo que tanto gera o criado de forma ininterrupta e viva ao longo dos tempos e eras.
1 Primeiro eu quero cumprimentar o Juan (médico cubano que fora recebido com ovos e
xingamentos por médicas cearenses no aeroporto, em setembro de 2013), não apenas pelo fato
dele ter sofrido um imenso constrangimento quando chegou ao Brasil, o que, do ponto de vista
pessoal e em nome do governo e, eu tenho certeza, do povo brasileiro, eu peço nossas desculpas
5 a ele. Mas também pelo fato de nós estarmos aqui hoje e eu queria cumprimentar cada um dos
médicos e das médicas aqui presentes. Eles representam, eu conversei com eles antes, eles
representam muito bem a grande nação latino-americana. Por isso que, quando nós nos
olhamos, é como se nós víssemos os brasileiros representados em cada um deles como eu vejo
todos os latino-americanos, os argentinos, eu vejo os salvadorenhos, eu vejo os cubanos, eu vejo
10 os venezuelanos, eu vi bolivianos, equatorianos. Então, eu queria saudar primeiro esses médicos
57
O que há nos capítulos 1 e 2, explicitamente, da obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, de Mikhail
Bakhtin (Volochínov), é um dos mais belos mergulhos na alma das ciências humanas, pois o objeto de
estudos escolhido é a palavra, como centelha que se acende em contato com outra consciência embebida
de líquido flamejante, o contato entre duas consciências na interação humana é sempre triboluminescente,
de atrito e faíscas; como arena mínima fluídica da luta de classes; como flama de signo ideológico por
excelência, como ponte de fogo na interação material entre uma consciência e outra. “A palavra é o
fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da palavra é absorvida por sua função de signo. A
palavra não comporta nada que não esteja ligado a essa função, nada que não tenha sido gerado por ela. A
palavra é o modo mais puro e sensível de relação social.” (BAKHTIN, 2009, p. 36).
196
que vieram de longe para ajudar o Brasil a ter uma política de saúde que levasse esse serviço
essencial a todos os brasileiros.
Queria também saudar os médicos brasileiros e saudar do fundo do coração esses
médicos, porque eles representam... Eles representam uma parte generosa e competente do
15 nosso país. Portanto, hoje, nesse momento que eu trago aqui a minha assinatura para sancionar
o Programa Mais Médicos, eu começo cumprimentando aquele profissional que todas as pessoas
principalmente quando estão fragilizadas por uma doença, elas procuram e que precisam do
carinho da atenção do atendimento da mão amiga, do conselho, e esperam por ele. Eu queria
dizer a todos vocês que uma das profissões mais generosas do mundo é a profissão do médico,
20 essa capacidade de atender, confortar, de dar conselhos e de virar quase uma pessoa da família
quando vive muito perto de nós. A todos vocês então que são o centro desse Programa Mais
Médicos, médicos brasileiros e médicos formados fora do Brasil, médicos de outras partes do
mundo, mas médicos latino-americanos também, queria dizer a todos vocês uma palavra muito
simples. Muito Obrigada.
25 Cumprimento o nosso querido vice-presidente da República Michel Temer, o presidente
do Senado Federal, senador Renan Calheiros, presidente da Câmara dos Deputados, Deputado
Henrique Eduardo Alves. Queria cumprimentar os ministros de estado que participaram dessa
grande iniciativa e ação que é o Programa Mais Médicos. Cumprimentar primeiro o ministro
Alexandre Padilha e sua equipe, a ministra Gleisi Hoffmann da Casa Civil que coordenou esse
30 processo que envolve vários ministérios, o ministro Aloizio Mercadante da Educação. Queria
cumprimentar a ministra Ideli Salvatti das Relações Institucionais que deu o seu suporte para o
trânsito desse processo no Congresso Nacional. Cumprimentar também o ministro Celso Amorim
e, ao cumprimentá-lo, dirijo meus cumprimentos aos comandantes da Aeronáutica, do Exército
e da Marinha que nos ajudaram e nos ajudaram de forma muito efetiva na implantação desse
35 programa. Queria cumprimentar também o ministro das Relações Exteriores, ministro
Figueiredo, que foi essencial na articulação da vinda dos médicos de fora para o Brasil. Queria
cumprimentar em nome deles, todo o ministério.
Dirigir um cumprimento ao Tadeu Filippelli, governador em exercício do Distrito Federal,
e ao governador do Acre, meu companheiro Tião Viana. Queria cumprimentar e agradecer os
40 senhores relatores da Medida Provisória 621 senador Mozarildo Cavalcanti e o deputado Rogério
Carvalho que foi o relator também dessa matéria e a quem eu agradeço. Cumprimentar o
deputado Francisco Escórcio e o senador João Alberto Souza, respectivamente, presidente da
comissão e vice-presidente que analisou a Medida Provisória. Cumprimentar todos os senadores
aqui presentes, José Pimentel, líder do governo no Congresso Nacional, Ana Rita, senadora
45 Ângela Portela, senador Antônio Carlos Valadares, senador Benedito de Lira, senador Eduardo
Amorim, senador Eduardo Suplicy, senador Eunício Oliveira, senador Humberto Costa, senador
João Ribeiro, senador Jorge Viana, senador Romero Jucá, senador Valdir Raupp, senador
Vicentinho Alves e senador Wellington Dias.
Queria cumprimentar as senhoras e os senhores deputados ao cumprimentar o líder do
50 governo, na Câmara Federal, o nosso querido Arlindo Chinaglia, queria também cumprimentar o
prefeito Fortunati de Porto Alegre e cumprimentar o prefeito de Granja, Romeu Aldigueri e,
através dos dois, eu cumprimento todos os prefeitos que, eu tenho a certeza, são os grandes
beneficiários dessa medida dos Mais Médicos mesmo porque são eles que estão mais próximos
à população do nosso país de norte a sul e de leste a oeste. Queria cumprimentar também e
55 agradecer as senhoras e os senhores reitores, a cada um deles pela sua dedicação, seu apoio,
para que esse programa se tornasse realidade. Cumprimentar os secretários estaduais e os
secretários municipais de saúde que serão nossos grandes parceiros, coordenados e liderados
pelos prefeitos. Cumprimentar os nossos jornalistas e jornalistas... e as jornalistas, os nossos
fotógrafos e os nossos cinegrafistas.
60 Meus amigos aqui presente... presentes, hoje faz cento e vinte dias que eu me dirigi ao
Brasil através duma rede de televisão para externar os cinco pactos que os governadores de
todos os estados junto com os prefeitos das capitais, junto com as lideranças e a representação
dos poderes do legislativo, do Congresso Nacional, e de todos os poderes, juntamente com os
movimentos sociais, tínhamos formulado. Eram cinco pactos que nós formulamos. Esses pactos,
65 eles respondiam às demandas dos movimentos de junho e convergiam com aquilo que o governo
197
considerava que era as grandes questões que precisavam urgentemente de atenção do governo
e do país. Essas propostas, elas tinham a previsão de ações concretas e eu queria primeiro dizer
pra vocês que nesses exatos quatro meses o que nós propomos vem se tornando
progressivamente realidade e isso para nós é algo muito importante porque significa que
70 compromisso assumido tem de ser compromisso cumprido. E eu vou começar fazendo um
rápido, muito curto balanço dos pactos para chegar no pacto da saúde. O pacto pela
responsabilidade fiscal e por extensão com a estabilidade macroeconômica é a mãe dos outros
pactos, porque sem isso não há viabilidade para se exercer e se executar os demais pactos.
Nestes quatro meses, ficou claro que a compromisso do governo com a robustez
75 macroeconômica, com os indicadores da nossa economia, mostraram que o Brasil passa essa
crise com uma situação especial: nós mantemos a inflação sob controle, o desemprego se
encontra num dos níveis mais baixos e o orçamento fiscal está completamente sob controle e
equilibrado.
Nós propusemos também um pacto pela reforma política. Esse pacto pela reforma
80 política, ele visava tornar mais aberta e transparente a atuação de todos os entes políticos,
partidos e instituições, o próprio governo, enfim, todas as instituições. Algumas dessas medidas
vêm sendo debatidas dentro do Congresso Nacional. Eu e o governo temos uma convicção de
que é uma imposição dos tempos atuais, portanto é inexorável o aprimoramento de nossas
regras de representatividade política, de uso transparente do dinheiro público e de combate à
85 corrupção. Eu vou continuar a defender uma ampla reforma política que aprimore... que
aprimore as regras da representação e se faça por meio da mais ampla representação popular.
Esse então é o segundo pacto.
Os outros três pactos que eu propus à nação dizem respeito à qualidade dos serviços
públicos e eu tenho orgulho de dizer hoje que eles estão todos sendo bem encaminhados. O
90 pacto pela mobilidade urbana, por exemplo, com mais investimentos em transporte coletivo, nas
grandes e nas médias cidades brasileiras, está avançando. E nas peque... e nos pequenos
municípios também. Nós destinamos cinquenta bilhões, além dos noventa bilhões que já
tínhamos aplicado, para investir em metrô, para fazer integração, a integração dos diferentes
modais, VLT; BRT; quando é o caso, barcas; quando é o caso, transporte fluvial; e também,
95 quando for o caso, as nossas exigências implicam em bilhete único de transporte. Esse pacto está
bem encaminhado e eu acredito que várias cidades já têm acesso aos recursos para melhorar a
mobilidade urbana e melhorar o transporte público.
Quanto ao pacto pela educação, é importante dizer que ontem, nós..., que ontem não,
que nós aprovamos há uns meses atrás a lei que destinou 75% dos royalties do Governo Federal
100 para a educação e 25% para a saúde. Daqui pra frente, os royalties da área do pré-sal serão
destinados integralmente, sejam eles devidos ao governo federal, ao estado ou aos municípios.
E aí é muito importante dizer que o daqui pra frente é que aconteceu ontem. Ontem, nós
licitamos o Campo de Libra, talvez o maior campo de petróleo em explora... em processo de
exploração do mundo no momento atual. Este campo, ele vai permitir de fato os grandes
105 recursos para a saúde e para a educação. No caso da educação, o Fundo Social do Pré-sal destina,
para ser distribuído entre essas duas áreas, em torno de mais de trezentos bilhões de reais. Isso
é algo absolutamente significativo pro Brasil, mesmo porque é bom lembrar que com este
modelo de partilha, a União os estados e os municípios ficam com 85% das receitas, se você
considerar também a Petrobrás. É bom explicar que nesses 85%, 75% é da União, 10%
110 corresponde à parte da Petrobrás. Portanto, aqueles que falam em privatização no mínimo
desconhecem essas contas. Além disso, esse valor é importante porque mostra de fato que o
passaporte pro nosso futuro, é transformar essa riqueza perecível, finita, que é o petróleo, numa
riqueza infinita, que é dar educação de qualidade pro povo brasileiro.
Eu tenho certeza que esse é um processo vitorioso. O Brasil ontem mostrou que sabe o
115 que quer e mostrou também que foi construído um dos maiores consórcios de empresas para
explorar o pré-sal. E é sempre bom lembrar que esse Campo de Libra é um dos. Se a gente
considerar que este ano de 2013 nós produzimos dois milhões e cem mil barris-dia, esse campo
no seu pico produzirá um milhão e quatrocentos mil barris-dia, ou seja, 67% de tudo que nós
produzimos hoje. Então é uma honra que o Congresso Nacional tenha aprovado e eu tenha
120 sancionado esses recursos para a educação, porque é de fato recurso do óleo excedente que
198
constitui o maior volume de dinheiro para a educação. Os royalties agregam valor a isso. Entre
um e outro, pra vocês terem uma ideia, existe uma diferença significativa: enquanto o óleo
excedente, porque nós recebemos em excedente em óleo, o óleo tirado de lá, nós temos uma
parte dele, nós comercializaremos esse óleo, teremos a mesma, o acesso à mesma riqueza que
125 as empresas têm, garantindo às empresas um lucro muito significativo. Mas o que eu quero dizer
é que mudou o modelo. Antes você recebia um valor fixo, agora você recebe petróleo. E petróleo
é petróleo. E nós vamos transformar petróleo em educação, em livros, em conhecimento.
Essa alquimia foi feita, e eu agradeço ao Congresso Nacional, essa alquimia de
transformar petróleo em livros, em professores, em mais educação pro nosso país, eu agradeço,
130 porque ela sempre é feita com vontade política.
Bom, o pacto que nós hoje..., que nós hoje aqui estamos tornando cada vez mais, mais
realidade é o pacto pela melhoria da qualidade da saúde pública, por meio do aumento primeiro
e prioritariamente por meio do aumento do número de médicos..., do número de médicos. Da
formação também, como mostrou o ministro Mercadante, de novos profissionais qualificados,
135 do aumento também da especialização dos nossos médicos, porque hoje uma das coisas que me
preocupam muito é que no Brasil faltam pediatras e quando falta pediatras, falta atendimento
às crianças. Então, é urgente melhorar a formação de médicos especialistas e olhar também
aquilo que é a demanda do país.
Eu queria dizer pra vocês que nós tornamos, começamos cada vez mais a implantar esse
140 pacto pela saúde pública com o Mais Médicos. Esse programa que se transformou em lei, que o
Congresso Nacional aprovou e que eu sanciono é um programa que eu considero dos mais
importantes do meu governo e eu quero manifestar aqui publicamente o meu agradecimento à
Câmara e ao Senado que mais uma vez demonstraram sua sensibilidade aos grandes problemas
nacionais e também uma capacidade de compartilhar decisões que são cruciais, que são
145 importantes pro país com o Executivo.
Esse pacto, então, expresso nos Mais Médicos é também pra mim uma etapa pra gente
continuar combatendo a exclusão, a exclusão que transforma o acesso ao médico numa forma
de repartir uma parte ou, ou segregar uma parte da população, não lhe dando condições de ter
acesso a serviço público essencial. E também esse programa é o nosso compromisso com o
150 acesso a serviços públicos, no caso da edu... da saúde, um serviço público essencial.
Nós demos grandes passos no Brasil pra reduzir a desigualdade e reduzir a distribuição
de renda que era uma distribuição de renda que alijava o nosso povo dos ganhos do
desenvolvimento econômico. É fato que desde o início do governo Lula nós demos passos
significativos para reduzir a pobreza e acabar com a miséria no Brasil. Neste momento em que
155 nós comemoramos dez anos do Bolsa Família, nós podemos dizer que esses passos foram
significativos. Todos os cadastrados no nosso cadastro único, que levantou todos aqueles que
viviam abaixo da linha da pobreza, recebem hoje uma renda suficiente para que a gente afirme
que desde 2011 nós tiramos os últimos 22 mil 58, 22 milhões que ainda estavam na pobreza.
Agora, nós temos certeza que esse 22 milhões, além daqueles outros que nós ainda não
160 atingimos, porque não estão no cadastro único, mas todos aqueles que saíram da miséria e da
pobreza extrema têm um desejo. Esse desejo é ter acesso cada vez a melhores serviços, a
serviços com mais qualidade, a produtos com mais qualidade, a saúde de mais qualidade,
sobretudo ter acesso a médicos. E nós sempre soubemos que quando a gente cria participação
e democracia, todo mundo vai exigir mais participação e mais democracia, quando a gente
165 amplia a inclusão social, as pessoas vão querer mais inclusão social. Por isso que a gente sempre
afirmou que o fim da miséria no Brasil é apenas um começo. E é por ser um começo que esse
Programa Mais Médicos tem tanta importância no meu governo. Todas as pesquisas de opinião,
todas as análises técnicas das universidades mostram que o maior anseio da população brasileira
58
Equívoco, logo em seguida corrigido para “milhões”.
199
é ter acesso a um atendimento médico e que esse atendimento médico fosse humano, que o
170 médico pegasse a pessoa, auscultasse, tratasse. E essa reivindicação é a reivindicação que nós
vemos por trás do Programa Mais Médicos. O Programa Mais Médicos, assim, é essa
compreensão profunda de que o fim da miséria é apenas um começo.
Nós sabemos que devemos atender a todos os brasileiros, mas devemos ter um
compromisso, sobretudo, com as populações mais pobres e mais fragilizadas do nosso país. E
175 sabemos, também, é bom que se diga isso e se reafirme, como é entranhada e resistente a
desigualdade no acesso ao serviço de saúde, entranhada e resistente. Por isso é preciso atacá-la
com muita energia e absoluta prioridade. E é isso que faz e que exige a determinação e o
compromisso que é o que caracteriza o Mais Médicos.
Sabe, Padilha, não é coragem não, é dever, porque quando é o dever, não pode haver
180 nada entre a gente e o objetivo que seja intransponível e é isso que nós hoje estamos transpondo,
essa distância que há e essa diferença que há no acesso à saúde pública e aos médicos em nosso
país.
Nós sabemos que a desigualdade começa, por exemplo, na oferta insuficiente de
médico nas periferias das grandes cidades. Padilha aqui relatou vários bairros de Salvador, um
185 dos, o quarto maior estado em população do nosso país. Nós sabemos também que aparece nos
estados da região norte e nordeste, o nosso prefeito de Granja se referiu a isso, aparece nas
periferias das cidades de estados, considerando os demais, razoavelmente ricos, como é o caso
lá na prefeitura de Porto Alegre que o prefeito Fortunati já relatou e nos municípios do interior,
como foi dito aqui pelo prefeito de Granja, nos municípios fronteiriços do nosso país, para as
190 populações indígenas, pros quilombolas, enfim, pra todas as populações excluídas do nosso país.
Agora nós queremos que eles tenham médicos é isso e disso que se trata. Eu quero dizer pra
vocês que também é importante lembrar o pro... o efeito que a ausência de médicos nos postos
de saúde produz nas UPAs, produz nos hospitais, o que significa em aumento de filas, em
aumento de custo para o próprio país. Não se trata pura e simplesmente de atender a questão
195 da desigualdade. Se trata, sobretudo, de atender a desigualdade, mas se trata também de
estruturar essa grande conquista brasileira que é o Sistema Único de Saúde. Porque o Sistema
Único de Saúde é algo que nós conquistamos, e é interessante que tenhamos feito isso
juntamente quando conquistamos a democracia. Não é de graça que isso ocorreu. Então,
resolver a questão dos Mais Médicos é de fato reconhecer a importância do Sistema Único de
200 Saúde e dar a ele, dar a ele cada vez mais força e coluna vertebral de sustentação.
Mais médicos nos postos de saúde, mais médicos na atenção básica vai significar sempre
menos doença e é essa a equação política fundamental. Mais médicos, menos doença.
E eu queria dizer pra vocês que o Mais Médicos veio efetivamente para mudar esse
quadro de distribuição desigual do acesso ao médico. Nós pretendemos que em torno de mil e
205 trezentos médicos. Nós pretendemos não, nós afirmamos que cerca de mil e trezentos médicos
já estão nos postos de saúde. No fim desse mês é que nós pretendemos atingir três mil e
quinhentos profissionais, o que vai implicar no atendimento a mais, a mais doze milhões de
brasileiros. E isso é o começo, nós vamos aumentar mês a mês este número. Até o final do ano a
nossa meta é atender vinte e três milhões de brasileiros.
210 E até abril do ano de 2014 nós pretendemos ter em torno de treze mil médicos aqui no
Brasil participando do programa, entre médicos brasileiros e médicos formados no exterior. Com
isso nós chegaremos em abril a garantir cerca de quarenta e seis milhões de brasileiras e
brasileiros com atendimento médico de qualidade nos municípios do nosso Brasil a fora.
O ministro Mercadante já disse que o Mais Médicos também implica numa visão da
215 importância dos médicos jovens e das médicas..., dos futuros médicos jovens e das futuras
médicas jovens serem formados e terem a oportunidade de se formar.
Eu queria dizer que nós também sabemos que o Mais Médicos é composto de várias,
várias ações, entre elas essa de formação de jovens médicos, de ampliação da residência, mas
também nós estamos ampliando a infraestrutura do nosso país. Estamos ampliando a
220 infraestrutura e tudo isso está sendo feito em parceria com os municípios. Essa infraestrutura na
qual nós estamos investindo mais de, quase treze bilhões de reais em postos de saúde e
equipamentos, nós estamos construindo em torno de mil e cem UPAs vinte e quatro horas e dez
mil e seiscentos postos de saúde, além dos onze mil que estão sendo ampliados e reformados.
200
59
Equívoco, logo em seguida corrigido para “médica”.
201
“Quando acreditamos
apaixonadamente em algo que
ainda não existe, nós o criamos. O
inexistente é o que não desejamos o
suficiente.”
[Franz KAFKA]
Há, portanto, uma potente linha de pensamento sobre as ciências, uma inauguração
de visão filosófica em Mikhail Bakhtin, que poderia ser chamada de Humanística, que foi
feita de maneira voraz e com grande fôlego em seus escritos, principalmente em dois
textos poderosos da filosofia linguística bakhtiniana, que para erguer esta tese foram
Torna-se natural depois de ler toda a obra bakhtiniana e do Círculo apontar as pistas,
muito mais que métodos; em erguer dialogias e utopias, muito mais que totalitarismos e
absolutismos.
por termos que se instaurou pela denominação da primeira mulher presidente do Brasil já
do passado) no dia em que sanciona a lei do Programa “Mais Médicos”, aponta uma
pública no Brasil. Os médicos estrangeiros são saudados, para logo depois serem
jogo de cena e de domínio com o auditório, bem pertinente aos discursos abertos e orais.
Nas linhas 17 a 19). A presidenta enfatiza a palavra e chama a classe médica de uma “das
mais generosas” (linha 17), em clara oposição às críticas feitas a eles (como vimos pelo
cotejamento de textos ao longo da tese, por exemplo TEXTO 2 e TEXTO 7), os médicos,
com o público humaniza o tom da conversa, pois traz o ouvinte para perto do locutor, já
que em ambos há, a partir deste momento, um lastro comum: o trato humano da saúde.
203
nação para dar lugar à cidadã brasileira que reconhece na profissão do médico a
Medida Provisória que deu possibilidade de existência ao Programa Mais Médicos como
e muito dependente da grande mídia como formuladora da opinião dos cidadãos, ainda
carecem de um retorno da classe civil que seja inspirador e modificador das amarras e
programa “Mais Médicos” desde a instauração dos cinco pactos para o Brasil, em
o pacto da reforma fiscal como prioridade (linha 58), pois seria ele o que daria
sustentação econômica para os outros (4) quatro pactos; em seguida o da reforma política
(linha 72), como sendo este o da garantida da democracia; na sequência o terceiro, o pacto
204
da mobilidade urbana (linha 80), respondendo as cobranças das vozes que vieram das ruas
nas chamadas Jornadas de Junho (linha 60), que culminaram em protestos e revogação da
tarifa de ônibus e metrôs na cidade de São Paulo60; como quarto pacto trabalhado estava
60
Nas ruas de São Paulo viu-se deflagrar uma exemplar arena de lutas ideológicas, discursos de vertentes
antagônicas na mesma avenida (discursos fascistas e discursos comunistas, discursos de direita e discursos
de esquerda, discursos democráticos e discursos integralistas). Os ecos das manifestações ainda reverberam
pelas mesas, mídias, ruas, vielas e escolas brasileiras, porém para tentarmos entender o processo que
estamos vivendo, foram fatos discursivos entre 7 dias do mês de junho de 2013 que promoveram o mais
claro fato linguístico dos últimos vinte anos na política democrática brasileira, desde “Os Caras Pintadas”
em 1992. De 13 a 20 de junho foram vistos os mais heteróclitos manifestos partidários, apartidários e anti-
partidários. O dia 13 de Junho demarcou para a sociedade paulistana e brasileira, que usufrui direta e
indiretamente das redes sociais, um claro contraste de discurso com a grande mídia, já que enquanto
manifestantes eram duramente violentados nas imediações da Avenida Paulista em meio a gritos de “Sem
Violência”, aquilo que era dito e considerado, pela mídia oficial, deturpava o ato como sendo mais um
manifesto juvenil, sem causas. Contudo, as redes sociais e os celulares fizeram o papel primordial
polifônico – dando voz aos que eram oprimidos no ato –, montando assim um mosaico democrático e
dissensual nunca observado tão às claras e em tempo real na história recente brasileira. O ato do dia 13 de
junho fora chamado pelo Movimento Passe Livre (MPL), pedindo a revogação do aumento da tarifa do
transporte público na cidade de São Paulo. O caráter político do manifesto ganhou dimensões ao alcance
do tamanho do território de umas das nações mais extensas do mundo, entretanto trouxe consigo vozes que
outrora não se ouviam, mais por apagamento da grande mídia do que pela própria história. O ato do dia 13
trouxe à tona inúmeras discussões políticas, democráticas e nacionalistas, o que acabou por chamar a
atenção de toda a população brasileira para os problemas de ordem pública (Educação, Saúde, Transporte
etc.). Viu-se no dia 13 a grande mídia tendo os olhos feridos, por tiros de borracha dados pela polícia militar
do Estado de São Paulo. A população brasileira viu a maneira turva e desfocada que um único veículo de
comunicação pode dar para a realidade; viu que as outras mídias – “Mídia Ninja”, as páginas em redes
socais e celulares – poderiam dar uma versão mais real dos fatos, já que a realidade é polifônica e nunca
monológica e parcial. Temos no dia 13 um exemplo de opressão de vozes, opressão policial e ruptura do
discurso único e oficioso da mídia, o que irá corroborar para o ato do dia 20, como resposta. A
contrarresposta à mídia foi dada pela população no ato mais democrático do mês de junho, ocorrido no dia
17, porém no dia 20 já com a revogação consentida por parte dos governos do Estado e da Prefeitura, muitos
que vieram às ruas foram contratados, dando assim ao ato um carácter não tão orgânico como o do dia 17
de junho. Era nítido, pelos gritos de ordem e lemas nas ruas que o público das manifestações mudou em
dias – no dia 13 eram pessoas questionando o transporte público e a sua falta de qualidade; no dia 17 eram
cidadãos cobrando democracia e fim da opressão do Estado, além de responder veementemente à
monologia midiática dos últimos anos; já no dia 20 eram partidos políticos (de Direita e de Esquerda) e
uma pequena parte de anarquistas. O que tornou o dia 20 uma data a ser estudada, pois estava ali uma forte
vertente que confundia apartidarismo com anti-partidarismo; e também o forte apagamento da história, já
que os partidos políticos de esquerda, que tanto fazem parte da nossa trajetória, foram obrigados a baixar
suas bandeiras. Os desejos e anseios de uma população foram traduzidos como um desejo único anti-
partidarista, o que acabou por silenciar as vozes apartidaristas e partidarista, que tanto vigoraram nos
últimos dias de nossa história. Em meio a tudo isto, uma imagem metafórica chamou a atenção: enquanto
205
o da Educação, o qual foi amplamente festejado por destinar os recursos do PIB nacional
em quase 10% à educação, como diz a presidente em diálogo direto com a memória de
futuro: “esse valor é importante porque mostra de fato que o passaporte pro nosso futuro,
é transformar essa riqueza perecível, finita, que é o petróleo, numa riqueza infinita, que é
dar educação de qualidade pro povo brasileiro” (os grifos são meus); e como o último e
quinto pacto, o da Saúde,(que aparecerá a partir da linha 125), virá como carro-chefe do
discurso, como tema principal, da resposta gerada pelo Governo Federal aos desafios de
No chamado “quinto pacto” a preocupação com a saúde é evidente, mais ainda com
números, qualificação, estatísticas, tanto da formação médica (linhas 125, 126 e 198),
Qualidade de Vida nas palavras do governo, por ser tratada como dado estatístico,
A Qualidade de Vida trabalha em duas direções claras: uma, voltada para as estatísticas;
outra voltada para o cuidado humano, “porque hoje uma das coisas que me preocupam
muito é que no Brasil faltam pediatras e quando falta pediatras, falta atendimento às
aquilo que é a demanda do país.” (linhas 127 -128). Vale aqui ressaltar que tal
os da Esquerda caminhavam na via direita da Avenida Paulista, os da Direita, na via da esquerda, o que por
si só já evidenciava o paradoxo que é o animal político, desde a Grécia ao Brasil atual, já que o ser político
não só se manifesta em palavras e ideologias, mas também em apagamentos e ressurreições históricas
(ouviu-se muitos gritos fascistas e, por outro lado, palavras de ordem comunistas).
206
século XIX) para dentro do sanitarismo, dando assim contornos de uma saúde que sairia
do âmbito médico apenas para algo chamado de biopsicossocial (no século XX). Isto é, a
Contudo, mais adiante (linha 150) a ideia que se trabalha no discurso é uma resposta
ao homem legal, jurídico, pautado em uma lei, ou medida provisória, que institui o
Programa “Mais Médico” como lei federal, como resposta a este homem jurídico que se
XVIII. Toda resposta do Estado ao Homem deve passar pelo cidadão, como pertencente
ao Estado. Interessante notar que (na linha 149) é detectada a participação política dentro
A fala da presidente traz à tona a potência do diálogo e dos embates para a formação de
uma democracia mais sólida e de inclusões, chegando a dizer que os movimentos de junho
de 2013 foram resultados de uma maior política de inclusões. O que acaba gerando outras
demandas, pois uma população de saltou de dois (2) milhões de estudantes universitários
em 2001, para sete (7) milhões em 2013, logo traz novas demandas e novas cobranças,
novos e importantes mecanismos de inclusão, pois se não lhes for garantidos direitos
básicos, como educação, saúde e transporte de qualidade, logo teremos uma nova classe
social chamada precariado (o que muitos chamam de classe média C), em que tudo é
precário, a universidade onde estudam, o transporte que utilizam e plano de saúde que
lhes é ofertado.
voz do cidadão legal, a voz do sujeito estatístico e a voz do indivíduo contingente, que é
aquele que aparentemente é invisível aos olhos da maioria, mas aparece muito claramente
contra a exclusão é planetária, globalizada, com um discurso forte, voz poderosa da carta
do cidadão outrora excluído, não só pelo programa de saúde do governo federal pensando
em qualidade de vida, mas pelo programa bolsa família, que segundo os dados ditos (linha
160) conseguiu tirar 22 milhões de seres humanos da miséria (os que tinham ganhos
menores a ¼ de salário mínimo per capita por família). A voz de um discurso de saúde
não é uníssona, sem ecos, sem ruídos, mas uma voz emaranhada por discursos que
Não há como negar nos nossos tempos do termo Saúde, como signo ideológico que conota
Qualidade de Vida (o que faz, ironicamente, que direitos básicos, se tornassem prestígio
para a Presidente. Resultado das tensões sobre os signos verbais e as disputas políticas).
Pautado ainda muito na voz das estatísticas, a fala de Dilma Rousseff traz nuances
importantes de duas vozes: “Todas as pesquisas de opinião, todas as análises técnicas das
atendimento médico e que esse atendimento médico fosse humano, que o médico pegasse
a pessoa, auscultasse, tratasse. E essa reivindicação é a reivindicação que nós vemos por
compreensão profunda de que o fim da miséria é apenas um começo.” (Nas linhas 180-
185). Primeiro, a voz da opinião pública levantada por pesquisa, portanto por estatística;
qualitativa, a Saúde sempre foi um dado real que se corporifica no ser humano. Por isso,
não dá para observar números sem cuidar do ser humano a que o número traduz. Ou seja,
por mais que a linha de raciocínio seja ou esbarre no fator econômico, o caráter fortemente
humanístico prevalece na área da saúde, ainda mais quando se pensa no signo ideológico
Qualidade de Vida – como estatísticas, dados, medições do quão o ser humano vive em
condições de vida plena e bem relacionado com o meio ao qual convive e habita. Portanto,
vida tem um grande valor humanizador, humanístico, pelas vozes que ressoam do
discurso (entre as linhas 187 e 217), em que o trato humano aparece como dever do Estado
preocupação com as camadas do povo, com a saúde dele, com as vidas em questão, que
Nós sabemos que devemos atender a todos os brasileiros, mas devemos ter um
compromisso, sobretudo, com as populações mais pobres e mais fragilizadas
do nosso país. E sabemos, também, é bom que se diga isso e se reafirme, como
é entranhada e resistente a desigualdade no acesso ao serviço de saúde,
entranhada e resistente. Por isso é preciso atacá-la com muita energia e
absoluta prioridade. E é isso que faz e que exige a determinação e o
compromisso que é o que caracteriza o Mais Médicos.
Sabe, Padilha, não é coragem não, é dever, porque quando é o dever, não
pode haver nada entre a gente e o objetivo que seja intransponível e é isso que
nós hoje estamos transpondo, essa distância que há e essa diferença que há no
acesso à saúde pública e aos médicos em nosso país.
Nós sabemos que a desigualdade começa, por exemplo, na oferta
insuficiente de médico nas periferias das grandes cidades. Padilha aqui relatou
vários bairros de Salvador, um dos, o quarto maior estado em população do
nosso país. Nós sabemos também que aparece nos estados da região norte e
nordeste, o nosso prefeito de Granja se referiu a isso, aparece nas periferias das
cidades de estados, considerando os demais, razoavelmente ricos, como é o
caso lá na prefeitura de Porto Alegre que o prefeito Fortunati já relatou e nos
municípios do interior, como foi dito aqui pelo prefeito de Granja, nos
209
Torna-se nítido como há um forte discurso pautado nas relações da vida, de saúde,
dever, pois são representantes legais de um público democrático, quando eleitos por voto
direto, quando eleitos em um período histórico que coloca o ser humano em um patamar
psicológicas e discursivas. O que Dilma discurso é um dever que todo governante deve
ter com seus eleitores e cidadãos. Em um primeiro momento, não faz mais que seu dever.
no tempo grande, como exercício do Devir, pois quando se faz isso, nota-se que um
discurso não surge ou surgiu do nada, ou à toa; mas vem das disputas ideológicas
reificador, em que pessoas são cada vez mais egoístas e vivem em meio a uma
210
“modernidade líquida” (BAUMAN, 2001)61; mas por outro lado, há um discurso também
61
Lemos o mundo com os olhos que temos, porém nossos olhos podem mudar o que vemos e o que vemos
pode passar a ser diferente daquilo que outrora acreditávamos. Na última semana de aulas em 2012, uma
aluna, candidata à medicina USP, trouxe-me a convicção de que Zygmunt Bauman em "Modernidade
Líquida", defendia, no capítulo 1 - "Emancipação", uma sociedade regrada, totalitária, hegemônica, segura,
que daria as possibilidades ao sujeito de se tornar cidadão, justamente, por ser a sociedade totalitária, em si
mesma, o símbolo maior do ápice civilizatório, pois nela temos a possibilidade de vivermos bem, com
qualidade, podendo ascender socialmente por méritos individuais e que apaga, em nós, o desconforto da
indecisão, da dúvida. Qual a justificativa? De que tudo é medido, já previamente pensado e testado, sendo
que nós, seres humanos, não teríamos a inóspita tarefa de duvidar mais. Assim seria para nós mais fácil,
justo e bom seguir regras. Que humanos seres seríamos se apenas seguíssemos as regras?! Somos, com
isso, meros cativos ao sistema e felizes por pertencermos a ele?! Indignei-me com Bauman, por ter causado
tal interpretação. Embora soubesse que não eram dele aquelas palavras, principalmente de um sociólogo
polonês. Indignei-me com os olhos que leram aquilo e reproduziram tal dizer: de que são os homens felizes
na sociedade em que vivemos, na Europeia por exemplo (na qual a xenofobia, a crise financeira, o
desemprego e as intolerâncias já afastariam qualquer tipo de ser, ela, a fonte inspiradora de uma sociedade
exemplar sem "dúvidas"). Bauman usa desse argumento [de que a indecisão é desconfortável ao sujeito
pós-moderno] para justamente desconstruí-lo. Chega a dizer que a base de tudo aquilo que chama de Sólido,
é justamente o sujeito que sequer se torna cidadão, que é o estágio mínimo para que o indivíduo se torne
um indivíduo de fato [liberto e consciente de todos os seus papéis como cidadão, sujeito agente histórico e
indivíduo consciente de suas armas na sociedade líquida]. Mas, nada como a ilustração que Bauman traz
para quebrar o argumento daquilo que é sólido, os regimes totalitários, hegemônicos que nos enganam, nos
ludibriam, nos deixam confortáveis em nossas casas, "chafurdando" na lama de discursos. Bauman escolhe
a metáfora do líquido justamente para distinguir do que é sólido, do que é totalitário. E sabemos a partir de
Marx, no Manifesto de 1848: "Tudo o que é sólido se desmancha no ar." Valeria ouvir Saramago, escritor
português, também nestas horas, por sua ironia: "Vivemos um tempo de verdades múltiplas. As absolutas
morreram. Só a mentira é Global." Bauman e Saramago sabem que a mentira que se tornou global tem a
mesma casa: os discursos monológicos e hegemônicos, tratados como verdade absoluta e sólida, totalitária
e ditatorial. Sabemos que toda monologia apaga as diferenças, oblitera vozes, caça pensamentos e tolhe
autonomias. Marx, Bauman e Saramago são três dos sabem que o sólido como verdade se desmancha no ar
do tempo que oxigena as vidas. Indo mais adiante, segundo Bauman e também segundo Platão, pelo "Mito
da Caverna", há muito perigo nisso: o dos porcos não se verem, e nem sequer vislumbrarem, como seria ter
a forma humana ou ver o que há além das sombras nas paredes da Caverna e no porquê da falta de cores
delas. O de não sonharem em ter a dúvida. O perigo é o de não sentirem o desconforto da dúvida os mover,
mas apenas os instintos. Por isso Bauman traz a Odisseia como ilustração, e mostra como agem os "porcos",
ou melhor, como age uma sociedade apolítica quando surge o fator libertador [que neste caso se ilustrará
na figura de Odisseu]: Numa versão apócrifa da Odisseia ("Odysseus und die Schweine: das Unbehagen
an der Kulitur"), Lion Feuchtwanger propôs que os marinheiros enfeitiçados por Circe e transformados
em porcos gostaram de sua nova condição e resistiram desesperadamente aos esforços de Ulisses para
quebrar o encanto e trazê-los de volta à forma humana. Quando informados por Ulisses de que ele tinha
encontrado as ervas mágicas capazes de desfazer a maldição e de que logo seriam humanos novamente,
fugiram numa velocidade que seu zeloso salvador não pôde acompanhar. Ulisses conseguiu afinal prender
211
de vida (em uma perspectiva biopolítica). Em análise simplória, pode-se chegar a esses
como as mais evidentes no nosso mundo, porém não se pode esquecer que são disputas
dar concretude e respostas às “vozes das ruas” (Jornadas de Junho de 2013). Mas não
nos iludamos com o que é feito, pois os jogos políticos e econômicos estão cada vez mais
afastados da grande população, é preciso que o sujeito jurídico de cada cidadão esteja
atento e cada dia mais consciente dos jogos de poder que cada signo verbal traz à tona;
por isso, pensar saúde como qualidade de vida é uma trilha para um fazer político mais
qualidade de relações, passa a cuidar do outro mais imediato, pois é no cuidado que o
outro recebe que ele passa com maior educação, gentileza e respeito ao que outro espera.
Em uma conta simples podemos usar uma analogia, já que o acúmulo de riquezas cresce
um dos suínos; esfregada com a erva maravilhosa, a pele eriçada deu lugar a Elpenoros - um marinheiro,
como insiste Feuchtwanger, em todos os sentidos mediano e comum, exatamente "como todos os outros,
sem se destacar por sua força ou por sua esperteza”. O "libertado" Elpenoros não ficou nada grato por
sua liberdade, e furiosamente atacou seu "libertador": Então voltaste, tratante, intrometido? Queres
novamente nos aborrecer e importunar, queres novamente expor nossos corpos ao perigo e forçar nossos
corações sempre a novas decisões? Eu estava tão feliz, eu podia chafurdar na lama e aquecer-me ao sol,
eu podia comer e beber, grunhir e guinchar, e estava livre de meditações e dúvidas: "O que devo fazer,
isto ou aquilo?" Por que vieste? Para jogar-me outra vez na vida odiosa que eu levava antes? (BAUMAN,
2001, p. 25). Aos meus olhos a vida odiosa e humana é bem melhor justamente pelo desconforto que temos
em relação ao mundo, aos Outros e a nós mesmos. Por isso evoluímos, por isso erguemo-nos humanos:
pela dúvida! Em suma, Bauman, sabe que o que dá liquidez à sociedade é a dúvida e não seu contrário.
Portanto, há uma Humanística bakhtiniana em Bauman.
212
horizontal. Sendo assim, quanto mais um sujeito acumula riquezas, mais sobe na vertical,
individual (ou mesmo da taxação das heranças, como cobra Thomas Piketty no livro de
não-ficção mais vendido no ano de 2014, O Capital no século XXI)62, embora possa ser
para muitos, mas a distribuição de cuidados com a população mais carente. Pois ao cuidar
também. Assim são os dados dos países mais desenvolvidos, escandinavos, por exemplo,
qualidade. A saída dos países escandinavos foi simples, espalha-se qualidade, educação
de vida, e por isso os melhores índices de IDH são nórdicos, ora a Noruega em primeiro,
62
Piketty está questionando a mesma crise de paradigma das ciências, da Saúde até a Qualidade de Vida,
ao escrever sobre economia e desigualdades no seu “O capital no século XXI”: “De um ponto de vista
estritamente teórico, pode haver outras forças que aumentem o grau de igualdade. É possível, por exemplo,
supor que as tecnologias de produção tendem a exigir uma capacitação crescente do trabalhador, de tal
modo que a participação do trabalho na renda deveria aumentar (enquanto a do capital deveria diminuir),
algo que poderíamos chamar de “hipótese do capital humano crescente”. Ou seja, o progresso da
racionalidade tecnológica deveria conduzir automaticamente ao triunfo do capital humano sobre o capital
financeiro e imobiliário, dos executivos mais habilidosos sobre os acionistas, da competência sobre o
nepotismo. Se assim fosse, a desigualdade se tornaria, por natureza, mais meritocrática e menos estática
(embora não necessariamente mais baixa) ao longo da história: a racionalidade econômica, nesse caso,
levaria à racionalidade democrática. Outra crença otimista muito difundida na atualidade é a ideia de que
o aumento da expectativa de vida faria com que a “luta de classes” fosse substituída pelas “lutas de
gerações” – uma forma de conflito muito menos polarizada e aguerrida do que os conflitos de classe, pois,
afinal, todos seremos jovens e velhos em algum momento de nossas vidas. Esse inexorável fato biológico
supostamente leva a crer que a acumulação e a distribuição da riqueza não mais conduziriam a um
confronto implacável entre as dinastias de herdeiros e as dinastias dos que nada possuem além da sua
força de trabalho, mas sim a uma lógica de poupança do ciclo da vida: as pessoas constroem seu
patrimônio durante a juventude para que possam manter determinado padrão de vida na velhice. O
progresso da medicina, aliado à melhorias da qualidade de vida, muitos argumentam, teria transformado
por completo a própria natureza do capital.” (PIKETTY, 2014, p. 28)
213
programa quer atingir, 23 milhões de brasileiros, ao vislumbre de ter até o final do ano de
2014 cerca de 13 mil médicos no Programa Mais Médicos. Contudo, uma voz que
precisava ser respondida e levantada na fala da presidente seria a da classe médica, a das
críticas da classe médica (TEXTO 2, 4 e 7), outrora chamada de “elitista” por parte da
população, da imprensa e até mesmo por parte do governo. Passar pelo período atual do
Brasil de hoje, anos de governo FHC – Fernando Henrique Cardoso -, LULA – Luiz
democráticos estão ainda se consolidando, desde 1994), sem tocar no litígio discursivo
deixar para trás um arcabouço riquíssimo de disputas políticas advindas de raízes culturais
detrimento do médico que escolheu a profissão por status econômico e político (segundo
classes. Hoje, no Brasil, regiões como o sudeste têm um número exorbitante de médicos
sudeste; além de um forte histórico político oligárquico na região mais populosa do país.
Mas tudo isso pode ser mudado com vontade política e conscientização da população e
dos novos profissionais da saúde, assim parece ser o intuito, segundo a fala da presidente
ao sancionar a lei do Programa “Mais Médicos”, das novas medidas governamentais que
63
“Medicina é a carreira de ensino superior com o melhor desempenho trabalhista e com maior escassez
de profissionais, revelou estudo do Ipea (Instituto de Política Econômica Aplicada). Um ranking criado
pelo instituto considerando quatro variáveis salários, jornada de trabalho, cobertura previdenciária e taxa
de ocupação mostrou que os médicos têm o melhor resultado global. Considerando dados de 48 profissões
de todo o país, medicina é a carreira que oferece o maior salário médio (R$ 6.940,12) e a maior taxa de
ocupação (91,8% dos profissionais estão trabalhando). Além disso, possui a décima maior cobertura
previdenciária: 90,7% dos trabalhadores tem algum plano de aposentadoria, seja público ou privado. O
bom desempenho da categoria nesses três critérios compensou o posicionamento ruim no ranking de
jornada de trabalho. Dos 48 grupos de profissionais analisados, o de médico é o quarto que mais trabalha.
Sua jornada média semanal é de 42,03 horas. De acordo com Marcelo Neri, ministro interino da Secretaria
de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e presidente do Ipea, os números revelam que há
uma escassez de médicos no país.” (Folha de São Paulo, julho de 2013) – Acessado em 21 de janeiro de
2015.
215
se preocupam com a Saúde como Qualidade de Vida contingencial, e não mais classista
ou elitista.
presente, e até mesmo do devir, do futuro. Assim Mikhail Bakhtin nos legou um modo de
constantes cronotopias e é preciso colocar o humano do homem como centro, pois é dele
o nosso sustento em acreditar que é pelo diálogo, como utopia alcançável; pela palavra
com signo da consciência; e pela ciência, como interpretação humana, que podemos
tornar a saúde muito mais cheia de qualidade de vida, por ser ela fruto orgânico, genético,
vida.
como revolução, como devir, como utopia, como símbolo da potencialidade humana em
cuidar da vida; é escolher o olhar de contraste para revelar as opressões e negá-las a cada
64
Tornou-se pertinente, ao longo do paralelo metafórico que se fez do pesquisador ser uma espécie de
caçador das origens, que mostrar qual a importância de se estar frente a frente com o objeto de pesquisa é
fundamental, não apenas manipulando o corpus, mas em relação com ele, deixando o dado se dialogizar
216
como criado, deixando a novidade agir no devir. Há contudo, um poema de Paulo Leminski muito
pertinente e que diz: "eu/quando olho nos olhos/sei quando uma pessoa/está por dentro/ou está por fora/
quem está por fora/não segura/um olhar que demora". Estes versos reafirmam uma prática do dia a dia que
diz muito sobre as pessoas: o que o olhar delas sustenta. No Brasil, se muito olhamos nos olhos das pessoas,
com uma demora maior, logo encontramos uma cordialidade já miscigenada com o modo de falar e de ser
que sustenta o brasileiro (que penso ser uma característica muito positiva, exemplar ao mundo em conflitos
religiosos e políticos). Embora, haja também uma aparente falta de senso crítico, de leitura da realidade
política, da cultura do debate, que poderiam contribuir para questionar se o olho no olho é um lugar de
respeito, de tolerância e construção de qualidade de vida; mas isto, temo, que venha se perdendo. É preciso
o olho no olho com o Devir. É preciso ouvir as razões do outro e para ver o que se cria de novidade do
encontro de alteridades. Vendo quem está por dentro ou quem está por fora. Por isso olhar do pesquisador,
como o do caçador, deve intimidar a ponto de paralisar ou estabilizar o corpus de análise, mesmo sendo ele
um signo dialógico (ideológico e em movimento), o nosso olhar tem que se demorar, com vontade de
entendimento, de ausculta e de revolução. Parafraseando Frida Kahlo (artista plástica mexicana): "onde não
puderes ‘revolucionar’. Não te demores". O caçador, enquanto pesquisador, deve estar disposto a mudar de
vida e de postura a partir da nova descoberta ou dos reais perigos que a caça traz para sua sobrevivência. O
Homem frente a Qualidade de Vida está em crise, olho no olho, e se movendo para um Humanismo que
precisa responder ao olhar ferino do mundo mecânico objetivista e reificador, que o quer produtivo,
eficiente ou morto. É preciso ficar atento, pois a caça pode virar o caçador.
217
[Mário Jorge]
218
CONCLUSÃO
Chegamos ao ponto final, olho no olho com a caça que buscávamos, fica nítido que
crontópica é a língua, que dialógica é a palavra (PONZIO, 2013, p.42), que utópico é o
humano do homem, por isso a caça não pode ser mais presa: pois temos diante nossos
Disse na introdução desta tese que toda trajetória culminava na revelação que está por
trás da expressão “é notório” (na segunda linha do trecho do artigo publicado por Felipe
que algo está nítido, claro para todos, evidente para todos. Mas será que ficou tão claro
assim depois de escolher uma forma conjectural de análise, baseada em Ginzburg (1983),
(2011)?
Bakhtin, as imagens só se revelam no tempo grande, por isso podemos partir da análise
partir da materialidade dos textos (foram 10 TEXTOS, no total, retirados da Folha de São
Paulo, até chegarmos ao discurso da presidente Dilma Rousseff) por meio de cotejamento
de comentários entre eles, para que se revelasse o contexto mais amplo e as disputas mais
219
densas. Contudo, ficou evidenciado que há dois pilares em debate intenso: primeiro, o
sistema formador de seres humanos; segundo, os seres humanos formadores dos sistemas
ideológicos; mas no meio dos dois estão as duas forças ideológicas que movimentam a
Mas para encontrá-las com suas marcas e evidências tivemos que buscar uma pista
interpretativa, para que pudéssemos sair à caça do que “é notório”. E esta expressão foi
apenas uma peça pequena no cenário do que buscávamos como sendo a Humanística (mas
erroneamente), para que o todo se revelasse nas disputas em jogo, texto por texto,
exemplo por exemplo, nas ideologias. Havia dizeres opacos em todos os textos (nos
exemplos da pequena temporalidade) que deram conta, pois serviram de cotejo para que
a disputa entre duas ideologias ficasse clara: de um lado, a postura de mundo mecânico,
havia a declarada tensão entre essas duas ideologias, que nos deixam brilhar aos olhos a
faísca do Humanismo ético bakhtiniano, que é aquele que entende Qualidade de vida
Outro, como uma forma de amor próprio, pois nessa ética o EU é um Outro/EU, e não
A disputa entre as duas ideologias faz o humanismo da alteridade surgir como busca
utópica, contudo é preciso que este humanismo lute pela infuncionalidade dentro de um
sistema que oprime, que coloca o capital como objetivo único, funcional e divino, quando
que encontra função somente naquilo que é produtivo; porém é hora de olhar para “o
produtividade65. Afinal, “o poeta deve compreender que sua poesia tem culpa pela prosa
65
Para falar sobre infuncionalidade é preciso fazer uma nota de rodapé mais larga, e que seja movida por
pura licença poética:"a linguagem não é alguma coisa de imóvel, fornecida de uma vez por todas, e
rigorosamente determinada em suas “regras” e em suas “exceções” gramaticais. Ela é um produto da
vida social, a qual não é fixa e nem petrificada: a linguagem encontra-se em um perpétuo devir e seu
desenvolvimento segue a evolução da vida social. A progressão da linguagem se concretiza na relação
social de comunicação que cada homem mantém com seus semelhantes." – (Volochínov. In: “Estrutura do
Enunciado”, de V.N. Volochínov - 1930). O Perpétuo Devir funciona “de único para único”. Assim, de
único para único, que Bakhtin revolucionou mais uma vez boa parte do pensamento científico. Para mim,
o homem é aquilo que escolhe (ato responsável e vivo no presente, como a escolha de cada palavra) e sonha
(aquilo que o futuro determina). E que Jacques Derrida vaticinou em uma frase:"Herdeiro não é alguém
que apenas recebe, mas alguém que escolhe". Ou no verso: "Nenhuma árvore explica os seus frutos,
embora goste que lhos comam." (Miguel Torga). Tanto Torga quanto Derrida parecem inverter um conta
comum da sociedade capitalista, já que nela parece valer o resultado ou a função das coisas. Para Torga,
como para Bakhtin, como para Geraldi, Miotello e Ponzio o que parece importar é o processo tanto quanto
a finalidade ou a funcionalidade, tanto quanto a INFUNCIONALIDADE. Basta inverter uma conta. Um
simples resultado seria, resultado infuncional: O que determina o homem é seu futuro (Geraldi - adaptado),
como o que explica a existência da árvore é a natureza de seu fruto (Sócrates- adaptado). Como se o que
fosse importante é a própria importância que se dá ao que é importante. Como o que torna algo importante
é o quanto de sonho há nele. Sendo assim, todo ser humano é importante, e torna-se mais quando damos
chance aos sonhos! Bakhtin é uma inversão da ciência atual – racionalista, mecânica e ainda atual. Bakhtin
não nega a lógica, apenas a desinventa. Como Manoel de Barros que “Desinventa” o nosso pensamento e
faz a gente carregar água na peneira como um menino: “Tenho um livro sobre águas e meninos./ Gostei
mais de um menino/que carregava água na peneira./ A mãe disse que carregar água na peneira/era o
221
Não há como afastar para um pensador de cultura, por exemplo, a medicina das
ciências das humanas, pois são, ambas, uma reflexão necessária para a oxigenação do
corpo vivo que são todos os campos científicos perante à filosofia. Se voltarmos à
expressão “é notório” do texto de Scalisa, notamos que ela não só conversa com pontos
profissional, mas fez valer e ressaltar que o ponto nevrálgico de todo o trabalho é o olhar
mesmo tempo grande ou pequena temporalidade, cuja tensão foi matéria de estudos de
Heráclito (o filósofo do "tudo flui enquanto resultado da tensão contínua dos opostos em
luta") e é da Filosofia Política de Rancière, que diz que: “A instituição política é idêntica
mesmo que roubar um vento e sair/ correndo com ele para mostrar aos irmãos./ A mãe disse que era o
mesmo que catar espinhos na água/ O mesmo que criar peixes no bolso./ O menino era ligado em
despropósitos./ Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos./ A mãe reparou que o
menino/gostava mais do vazio/do que do cheio./ Falava que os vazios são maiores/e até infinitos./ Com o
tempo aquele menino/que era cismado e esquisito/ porque gostava de carregar água na peneira/ Com o
tempo descobriu que escrever seria/o mesmo que carregar água na peneira./ No escrever o menino viu/
que era capaz de ser/noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo./ O menino aprendeu a usar as palavras./
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras./ E começou a fazer peraltagens./ Foi capaz de
interromper o vôo de um pássaro/ botando ponto final na frase./ Foi capaz de modificar a tarde botando
uma chuva nela./ O menino fazia prodígios./Até fez uma pedra dar flor!/ A mãe reparava o menino com
ternura./ A mãe falou:/ Meu filho você vai ser poeta./ Você vai carregar água na peneira a vida toda./ Você
vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.”
(Poema de Manoel de Barros - Retirado do livro: Exercícios de ser criança). Manoel de Barros é um
desinventor. Inverte como num hipérbato os discursos hegemônicos e capitalistas. Inverte a óptica do olhar
o mundo. Inverte o fluxo lúdico-seriedade, ou os sonhos-realidade. Constrói o fluxo duplo daqui para lá de
lá pra cá. Desinventa a poesia - faz uma “metapoesia”, ao falar de onde nasce o poeta; - faz uma
metalinguagem, ao falar do que se constrói os poemas; faz uma metalinguística, ao falar que a linguagem
do olhar deve ser inversa ao olhar comum e prosaico. [Des]inventa e promove poesia. Bakhtin é isso: uma
desinvenção poética, como a de Manoel de Barros! Pois era único ao falar "de único pra único"! Ao fazer
da filosofia, uma obra cheia de INFUNCIONALIDADE.
222
verdade escondida por trás de suas aparências. Ela é a própria política.” (1999, p. 32)
Por um lado, não há segredo na teoria bakhtiniana, pois são duas ideologias em tensão
latente, que fazem da palavra cronotopia, da língua dialogia e do humano do homem uma
de Bakhtin e todo a nossa pesquisa, portanto, não há como negar que a palavra, nesta tese,
contraste como requer uma filosofia para o ato responsável (2010), que responda que
66
O entendimento de “utopia” deve ser próximo a algo como meta a ser buscada eticamente, que ainda não
fora alcançada, mas que se caminha para que ela aconteça. Muito da Filosofia da Linguagem de Bakhtin
tem na utopia o seu motor, seu humanismo ético. Por exemplo, o diálogo era uma categoria utópica para
Bakhtin, ainda mais, dentro do regime totalitário de Stalin, a que o pensador russo fora oprimido de
conversar com os amigos e por isso perdera todos os seus colegas de debate do Círculo de Bakhtin. Mas
isso não quer dizer que é uma categoria utópica por ser abstrata, ou impossível de ser alcançada, pois em
certas situações há que se ter utopias para mover a realidade, como uma filosofia de um ato responsável,
em que se valoriza o ato, como passo singular de cada um e que não pode ser substituído em seu dever de
responder, de ter o ato responsável. Contudo, a melhor definição de utopia foi registrada pelo escritor
uruguaio Eduardo Galeano: "A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois
passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.
Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar". O humano do Homem
sempre foi a utopia de toda a filosofia da cultura de Mikhail Bakhtin, promovendo o que chamo de
Humanismo ético bakhtiniano e merece uma defesa de tese de doutoramento, e muitos outros estudos e por
inaugurar uma linguística da escuta e não apenas da fala.
223
quando a palavra migra seu valor social, sua signicidade, muda também sua
“Qualidade de vida”.
entendimento do ser humano como um ser vivente cultural, o ser que em relação dialoga
com densidade linguística, que ao nascer vai, por interação, tendo consciência e material
sígnico; que ao crescer vai, por diálogos, sendo complementado pelo olhar do Outro (pela
alteridade); que ao falar vai, por interlocuções, sendo provocado a fazer perguntas sobre
Como resistir frente ao que são os discursos da sociedade consumista? Lembro de uma
conversa como meu irmão mais velho (Altair), que conclui bem a ideia trabalhada de que
dele, frente aos meus 35 anos contando uma passagem de sua vida em que apanhara na
infância de nosso pai. Havia ali no modo de contar um ato de resistência, que ele talvez
hegemônicos. Somos os dois únicos irmãos homens, por isso o diálogo tem características
mais confessionais e ancestrais. Sentado à minha frente contara que indo visitar nossa
avó, Helena, na fazenda, em uma manhã de fim de semana avistou um teiú (lagarto típico
da vegetação do serrado mineiro), e logo ficou curioso para caçar o animal, ver onde ele
iria, em que toca moraria, que alimento estava buscando, que rastros deixaria. Coisa típica
úmidas de um animal à espreita. Este mesmo caçador que, segundo Ginzburg (1983), deu
224
origem às nossas narrativas, podendo ser o primeiro que deu nascimento à filosofia e à
poesia, pois tanto uma quanto a outra se originaram de tradições orais, de modos de narrar
e registrar os caminhos (assim nasceu a Mitologia Clássica narrada por poetas como
Homero ou Virgílio). Há, portanto, no caçador uma fonte originária do pesquisador, cuja
argúcia não pode faltar para investigar os rastros, segundo Geraldi (2012). Quando meu
irmão deu prosseguimento a narrativa, fiquei interessado no modo como ele narrava,
como se as marcas do dia estivessem 45 anos depois ainda nele. Aquele dia ficou marcado
e seus instintos de criança caçadora e curiosa estavam aflorados, pois perseguiu o lagarto
até a toca e o esperou por mais de (9) nove horas sair do buraco, para emboscá-lo e
Obviamente que o tempo que para ele era diversão e adrenalina, para os adultos era
angústia e desespero por notícias do menino de 8 anos que desaparecera. Ao final do dia,
com o lagarto amarrado no cordão ao voltar para casa e ele já sabia que receberia uma
punição severa e violenta. Pois foi. Apanhou de forma brutal de nosso pai. A surra está
em sua memória há mais de 45 anos. E os valores daquele dia ficarão por mais duas ou
três gerações.
Mas por que ele me contara esta história e o qual a razão dela fazer parte desta
cotidiano são vitais para oxigenação do corpo social, ainda mais as narrativas. E naquela
história de irmão para irmão, há algo que não é banal. Talvez porque uma surra não se
esquece; mas havia mais ali no conteúdo, havia um porquê. Pois meu irmão sabia que eu
sempre em relação ao Outro, não se pode desistir ao que se escolhe para ser, como em
uma Filosofia do Ato Responsável (BAKHTIN, 2010), nem renunciar aos efeitos de seus
porquês.
225
Ao longo da vida, Altair sempre foi bom em capturar animais, passa ainda hoje as
manhãs caçando pássaros, vira e mexe aparece com um pardal selvagem recolhido pelas
mãos só para mostrar o seu feito de “menino de 8 anos” que não se perde com o tempo.
Quando me contou essa história eu já sabia o que tinha a dizer: cada ser humano é uma
fortaleza de resistência para a vida e de si próprio e para o diálogo com as vidas de cada
um, a que convive. Aquilo era puramente bakhtiniano no entendimento profundo. Por que
leio assim? Porque sobre meu olhar de contraste uso lentes definitivamente bakhtinianas
mais plena utopia e resistência que Círculo de Bakhtin poderia nos ter legado, como se
fosse uma resistência de “menino-caçador” que sabe que seu feitio é caçar o devir, o que
ainda não cabe em nomes, ou um espectro do Devir, como fez Marx, em 1848, no
do objeto estudado, pelo olhar humano; 3) Não há como dissociar um texto de seu
específico contexto para que seu significado tenha tempo de renovação e tempo de
um ser vivente cultural que por meio de relações adquire valores, estética e ética, e que
O que seria essa proposição nova que sugiro apenas na conclusão e que chamo de
ferida narcísica? O que é a quinta ferida narcísica trazida pela Humanística bakhtiniana
226
e não pelo Humanismo ético? As explicações passam por Bakhtin, pelos conceitos de
encarnação material em signos” (BAKHTIN, 2009, p. 34). Basta esta sentença de Bakhtin
no Marxismo e Filosofia da Linguagem para notar que o pensador russo, como vimos ao
narcísica. Contudo, o caminho para que Bakhtin trouxesse à tona uma revolução passou
por inverter uma conta cartesiana, o axioma filosófico do cogito ergo sum, que colocava
germinação real das interações da vida (da segunda), ou seja, Bakhtin afirma que pensar
expressão “ferida narcísica” foi usada por Freud (1905) para indicar as perdas que o
Ego/EU humano sofrera com alguns adventos científicos, que quebraram assim algumas
ideias, outrora vistas como absolutas. Segundo Freud, foram quatro feridas: a) Copérnico
que retira o homem do planeta que era o centro do universo (consequentemente, retira o
Darwin que retira do homem o caráter divino, pois ele descende dos primatas, pela
evolução biológica das espécies; c) Marx que retira um único homem do centro da
História, mostrando que a História não tem centro, pois ela existe na boca de quem a conta
e não mais apenas pela boca de uma elite, uma monarquia, um império, um rei, ou
burguesia; d) o próprio Freud faz uma ferida no ego narcísico do homem, ao dizer que
este não é dono nem da própria consciência, “da própria casa”. As quatro feridas
trouxeram a ideia cartesiana de Homem, que faz apologia apenas ao EU, para se quebrar
no chão da realidade. Ficou nítido como o EU era uma categoria filosófica fajuta, já que
o homem não se faz sozinho, se faz de relações sociais, de relações de poder, de tomada
de tentativas e erros, de observações e acertos. A tábula rasa hoje sabemos não é tão rasa
228
porém não são eles dotados de conhecimento, atributo apenas do homem com consciência
formados a partir das interações com os signos materiais e ideológicos. A carne do corpo
Por exemplo, hipoteticamente, um garoto nascido no Brasil levado logo nos meses iniciais
de vida para a Suécia, sem seus familiares, sem contato nenhum com a cultura e os hábitos
perspectivas culturais do local sueco em que for criado. Mostrando que o meio lhe
possibilita as leituras futuras de um ser, mas não as determina por completo. Não há como
chegar a desastrosa conclusão que diziam os naturalistas, do século XIX, que o meio
determina o ser, pois o ser não é feito de determinismos apenas, mas de possibilidades. A
indivíduo. O ser é único, indiviso, mas também é cultural, social e produto das interações.
O grande paradoxo que é o ser humano, é também sua grande salvação. Puro dialogismo.
água interminável e sempre perene da consciência. De onde o homem, cuja sede sacia e
molha o seu amplo universo de palavras. Não há palavra sem consciência, como não há
O cogito cartesiano sofre com Bakhtin uma quinta ferida narcísica: o homem não é
dono da primeira palavra do mundo, não é um ser adâmico hipotético a cada vez que fala.
consciências; ele fala por palavras alheias e as torna próprias (ou minhas próprias/alheias)
por uma interação bem real, ‘encarnada’ e sutil, que vive perene e morre heroica em um
anonimato fatal da condição humana em si. Ferida narcísica grave, pois confirma o
alteridade que ‘encarna’ os signos e que constrói a consciência dos homens. A palavra da
tempo.
Por isso a alteridade nos identifica e a diferença nos altera do nascimento à morte, da
carne aos signos. A consciência é nossa salvação em vida, mas também nosso mais amplo
discursos, como quis Bakhtin, em toda a sua obra, colocando o humano do homem no
centro das Ciências (Humanismo ético bakhtiniano), por meio daquilo que mais tarde
Ao final do trabalho, fica mais claro, que ao longo da pesquisa tornou-se importante
olhar o passado como inacabado e ver que uma palavra quando agrega ao seu sentido
outros significados, muito mais que um símbolo físico se moveu, mas se movimentaram
Família, do Programa Mais Médicos, dos debates acalorados sobre Qualidade de vida, da
reflexão das ciências humanas, pois a saúde deixou há tempos de ser um signo biofísico,
permanente entre a visão, puramente, mecânica e o humanismo, que precisa sempre rever
67
Estima-se, que as doenças mais incapacitantes do século XXI sejam as tratadas pela Saúde Metal. Por
exemplo, a depressão é hoje a terceira maior, atrás apenas de alcoolismo e doenças respiratórias. Mas para
linhas da Medicina Oriental, por exemplo, as doenças respiratórias estão relacionadas com a tristeza,
portanto poderão ser incluídas como Doenças Mentais nos próximos anos. Tudo começa por encarar a falta
de tratamento como um dos mais importantes problemas de saúde mental de hoje. Descrevendo
inicialmente a magnitude e o ônus das perturbações mentais e comportamentais. O capítulo mostra que são
comuns, afetando 20% -25% de todas as pessoas, em dado momento, durante a sua vida. São também
universais, afetando todos os países e sociedades, bem como indivíduos de todas as idades. Estas
perturbações têm um pronunciado impacte econômico, direto e indireto, nas sociedades, incluindo o custo
dos serviços. É tremendo o impacte negativo sobre a qualidade de vida dos indivíduos e famílias. Há
estimativas de que, em 2000, as perturbações mentais e neurológicas foram responsáveis por 12% do total
de anos de vida ajustados por incapacitação (AVAI) perdidos, por todas as doenças e lesões. Prevê-se que,
até 2020, o peso dessas doenças terá crescido para 15%. E, no entanto, apenas uma pequena minoria das
pessoas atualmente afetadas recebem tratamento. Ou seja, em 2020, estima-se que as Doenças Mentais
sejam o principal agente incapacitador dos seres humanos, e sendo a depressão a maior dentre elas.
Contudo, torna-se nítido que o homem deve lutar contra as forças de um capitalismo mecânico e reificador,
por meio de uma resistência consciente, que aponte a qualidade de vida como centro das ciências e um
cuidado humano, demasiado humano, como pilar de resistência.
231
seus limites em um mundo cada vez mais construtor de patologias. O homem diante a
discursivas a melhor forma de curar suas feridas e as dos outros. Mas tudo isso é questão
do eterno retorno. Ou melhor, tudo é questão do tempo grande, aquele que não cabe em
palavras de uma vida, mas podem falar como fizeram meus dois olhos tendo uma ideia
inexata, como ciência livre à reflexão das ciências humanas, uma ciência que seja um agir
humano ético, em defesa da vida e dos direitos, mesmo que o mundo máquina ande
objetificadora frente ao humanismo subjetivista que luta pela manutenção da vida pelo
lema heraclitiano do “saber viver e deixar morrer, e deixar viver e saber morrer”.
o novo agir como promotor de mais uma crise na racionalidade científica? Muito mais
iniciado por Bakhtin, a partir de Nietzsche, em sua forma genealógica de romper com a
das ciências, ou passando por Foucault, que bebe da fonte genealógica de Nietzsche para
falar que estamos no “oco da noite”, em que o humanismo ético bakhtiniano já existe
232
dentro da crise da racionalidade, basta trabalhá-la, do que promover mais uma crise de
racionalidade:
Creio que é preciso ter a modéstia de dizer que, por um lado, o momento
em que se vive não é esse momento único, fundamental ou irruptivo da história,
a partir do qual tudo se realiza ou tudo recomeça; é preciso ter a modéstia de
se dizer ao mesmo tempo que – mesmo sem essa solenidade – o momento em
que se vive é muito interessante e precisa ser analisado, decomposto, e que de
fato saibamos nos colocar a questão: o que é a atualidade? (...) A tarefa da
filosofia é dizer o que é a atualidade, dizer o que somos esse “nós hoje”. Mas
se permitindo a facilidade um pouco dramática e teatral de afirmar que esse
momento em que vivemos é, no oco da noite, aquele da maior perdição ou, ao
contrário, aquele em que o sol triunfa. Não, é um dia como os outros, ou
melhor, é um dia que jamais é realmente como os outros. (Michel Foucault,
1983, p. 45)
por tratar a saúde como um signo ideológico próximo ao conceito de qualidade de vida?
As ciências da saúde são uma reflexão necessária das ciências humanas e por isso
tratamento de uma mulher negra ser tão distante de o tratamento de um homem branco
no Brasil, se não for questões ideológicas, políticas, de luta de classes e por isso
Cronotopo e a Cultura pelo que há de inexatidão nas ciências, mas também pelo que há
março de 2013 a Novembro de 2014, dão conta dos sintomas indiciários de um novo
outros textos, por isso o cotejamento dos discursos com outros discursos nos dão o cenário
noite” o vertical de si fica evidente, pois a vida está em perigo, ou por um novo paradigma
de relações de vida, ou por uma maior crise da racionalidade. Embora, o que esteja
ocorrendo tornou-se declaradamente uma revolução humanística que precisa ser levada
Ou nas palavras de Bakhtin, (2011, p. 410): “Não existe a primeira nem a última
palavra, e não há limites para o contexto(...). Não existe nada absolutamente morto: cada
Em suma, esta Tese, apenas diz que: Saúde é uma palavra inventada ao longo da
História para o Homem entender o porquê vive, e com isto adquire Ética, se complexifica,
Qualidade de Vida do Outro, como se fosse a sua própria, como o bem mais precioso.
234
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241
SCALISA, Felipe. A Face oculta da medicina. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 de
novembro de 2014. Caderno de Opinião, p. 3. TEXTO 1.
NEGRI, Barjas. Mais médicos (de saúde da família). Folha de São Paulo, São Paulo, 23
de Fevereiro de 2014. Caderno de Opinião, p. 3. TEXTO 2.
FOLHA, São Paulo. Dilma rebate críticas e diz que importação de médicos é medida de
curto prazo. Folha de São Paulo, São Paulo, 08 de setembro de 2013, Folha Poder, p. 5.
TEXTO 4.
NUBLAT, Johanna. Setor privado tem 4 vezes mais médicos do que a rede pública. Folha
de São Paulo, Brasília, 01 de dezembro de 2011. Caderno Poder, p. 12. TEXTO 5.
FOLHA, São Paulo. Guerrilha Médica. Editorial da Folha de São Paulo, São Paulo, 20
de setembro de 2013. Editorial, p. 1. TEXTO 6.
SOUZA, David Oliveira. A vinda de médicos cubanos ao Brasil é irregular? / Carta aos
médicos cubanos. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 de agosto de 2013, Caderno de
Opiniões/Debates, p. 02. TEXTO 9.
ANEXO A
Mapa sobre a distribuição desigual de médicos por região no Brasil. Fonte. IBGE/2012.
243
Ma