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Resumo: Iremos tratar aqui de Permutações Caóticas dando ênfase à abordagem de Euler para este tema.
Explicitaremos a dedução da fórmula do cálculo do número de desarranjos para n itens e apresentaremos um
método para calcular a probabilidade de ocorrência de uma permutação caótica sem conhecer o número de
ocorrências.
1 Introdução
A brincadeira de “amigo oculto”, muito comum em nossa sociedade, traz consigo uma intrigante
questão que no séc XVIII motivou o célebre matemático Leonhard Euler a empenhar-se em um enge-
nhoso e surpreendente trabalho com o intuito de solucioná-la.
Esta questão conhecida como “O Problema das Cartas mal endereçadas” consiste em descobrir
de quantas formas distintas pode-se colocar n cartas em n envelopes, endereçados a n destinatários
diferentes, de modo que nenhuma das cartas seja colocada no envelope correto.
Voltando ao “amigo oculto”, o problema equivale a investigar de quantas formas diferentes n pessoas
podem sortear aleatoriamente n “papeizinhos” de modo que nenhuma delas sorteie o próprio nome.
Estamos diante de um conhecido problema de Análise Combinatória, as Permutações Caóticas.
Uma vez resolvido este problema iremos estendê-lo ao cálculo da probabilidade de ocorrência de uma
Permutação Caótica, ou seja, investigaremos qual a probabilidade de um sorteio ser bem sucedido na
brincadeira do “amigo oculto”.
150 FAMAT em Revista
Como os rearranjos das duas alternativas pertencem a conjuntos disjuntos, temos que, quando b é
a primeira letra, existem Dn−1 + Dn−2 desarranjos possíveis. Como há n − 1 opções para a primeira
letra, pelo Princípio Multiplicativo de Contagem temos:
Dn = (n − 1)(Dn−1 + Dn−2 ) (2.1)
Obtemos assim, uma fórmula de recorrência que resolve o problema, mas tem o inconveniente de
não fornecer Dn como uma função explícita do número n.
Fazendo n = 3 em (2.1), temos:
D3 = 2(D2 + D1 ) ⇒ D3 = 2D2 + 2D1
Reescrevendo a expressão, obtemos:
D3 = (−D2 + 3D2 ) + 2D1 ⇒ D3 − 3D2 = −D2 + 2D1 ⇒ D3 − 3D2 = −(D2 − 2D1 )
Analogamente, para n = 4 e n = 5, temos:
D3 = 3D2 − 1
D4 = 4D3 + 1 = 4(3D2 − 1) + 1 = 4.3D2 − 4 + 1 = 4.3 − 4 + 1
D5 = 5D4 − 1 = 5(4.3 − 4 + 1) − 1 = 5.4.3 − 5.4 + 5 − 1
Observe que:
1 1 1 1
5.4.3 − 5.4 + 5 − 1 = 5! − + − .
2! 3! 4! 5!
Daí,
1 1 1 1
D5 = 5! − + − .
2! 3! 4! 5!
1 1 1 1 1
D6 = 6D5 + 1 = 6(5.4.3 − 5.4 + 5 − 1) + 1 = 6.5.4.3 − 6.5.4 + 6.5 − 6 + 1 = 6! − + − + .
2! 3! 4! 5! 6!
Vamos mostrar que:
1 1 1 1 1
Dn = n! − + − + · · · + (−1)n , ∀n ≥ 2 (2.4)
2! 3! 4! 5! n!
De fato, para n = 2, tem-se:
1
D2 = 2! = 1, que é claramente verdadeira.
2!
nDn−1 = Dn − (−1)n
Logo,
n 1 1 1 1 1
Dn − (−1) = n(n − 1)! − + − + · · · + (−1)n−1
2! 3! 4! 5! (n − 1)!
1 1 1 1 n−1 1
Dn = n! − + − + · · · + (−1) + (−1)n
2! 3! 4! 5! (n − 1)!
1 1 1 1 n 1
Dn = n! − + − + · · · + (−1) , como queríamos.
2! 3! 4! 5! n!
Lembrando que D1 = 0, finalmente, temos que o número procurado é:
1 1 1 1 1 n 1
Dn = n! 1 − + − + − + · · · + (−1) ∀n ≥ 1 (2.5)
1! 2! 3! 4! 5! n!
Em uma brincadeira de “amigo oculto”, na qual n pessoas escrevem seu nome em um pedaço de papel
e o depositam num recipiente, de onde cada um retira aleatoriamente um dos pedaços de papel. Qual
a probabilidade de ninguém pegar seu próprio nome?
“Se um conjunto ordenado de n itens é permutado aleatoriamente, qual a probabilidade que nenhum
deles volte à sua posição original?”
Como o número total de maneiras dos n itens serem permutados sem que nenhum volte à sua
posição de origem é Dn e o número total de permutações dos n itens é n!, temos que a probabilidade
de ninguém retirar seu próprio nome é dada por:
Dn 1 1 1 1 1
Pn = = − + − + · · · + (−1)n
n! 2! 3! 4! 5! n!
Logo, a resposta do problema do “amigo oculto”, isto é, a probabilidade de nenhuma das n pessoas
retirar o pedaço de papel com seu próprio nome é:
Dn 1 1 1 1 1
Pn = = − + − + · · · + (−1)n
n! 2! 3! 4! 5! n!
A resposta ao problema foi facilmente obtida utilizando-se do fato de conhecermos uma expressão
que calcula o Dn . Suponha então, que essa expressão não fosse conhecida. Vejamos como obter a
resposta nesse caso, pensando nas permutações de uma forma distinta da anterior.
Para facilitar o raciocínio, consideremos um caso particular quando n = 9, ou seja, quando 9
pessoas participam da brincadeira do “amigo oculto”. Podemos dizer, que cada sorteio, define uma
função f do conjunto das 9 pessoas em si mesmo. f (x) = y significa que x deve presentear y. Como
duas pessoas diferentes não podem tirar o mesmo amigo oculto (o sorteio é feito sem reposição), e
todas as 9 pessoas serão presenteadas, f é uma bijeção do conjunto A das 9 pessoas sobre si mesmo,
ou seja, uma permutação desse conjunto. Alguém será amigo oculto de si mesmo quando existir em
A um certo x tal que f (x) = x. Na nomenclatura usual de funções, um tal x é chamado ponto fixo
de f. O problema agora consiste em determinar, dentre o total das 9! permutações dos elementos de
A, quantas são as que têm ponto fixo - correspondentes aos sorteios fracassados - e quantas não têm
ponto fixo - correspondentes aos sorteios que deram certo.
Vamos introduzir uma forma de representar as permutações. Adotando o símbolo a → b para
designar que f (a) = b, e numerando as pessoas de 1 a 9, uma possível permutação é, por exemplo:
Então, podemos concluir que, quando procuramos as permutações que não possuem pontos fixos,
estamos procurando quais as permutações que não apresentam ciclos de tamanho 1.
Dn
Temos que a probabilidade procurada é: Pn = , onde n é o número de pessoas e Dn o número
n!
de permutações do conjunto dessas pessoas, que não têm elementos fixos.
Para n = 1, a única permutação que existe é: 1 → 1, ou, na nossa notação: (1), a qual tem ponto
fixo. É claro então que D1 = 0 e Pn = 0. Para n = 2, as duas permutações são: (1) (2) e (12). Só a
1
segunda é caótica; portanto: D2 = 1 e P2 = . Para n = 3, existem 6 permutações: (1)(2)(3), (1)(23),
2
(2) (13), (3) (12), (123) e (132). Dessas, só as duas últimas não têm ciclos de tamanho 1, isto é, não
1
têm pontos fixos. Logo, D3 = 2 e P3 = .
3
Não podemos contar dessa maneira para o caso n = 9, com um total de mais de 300 mil permuta-
ções. Vamos então fazer um raciocínio mais sutil, para esse caso. Imaginemos todas as permutações
caóticas das 9 pessoas. Fixemos a atenção na pessoa de número 9. Em qualquer das 9! permutações,
essa pessoa tem que estar em algum ciclo de tamanho maior que 1 (lembre-se que não há ponto fixo
numa permutação caótica!). Chamemos então de B9 o número de permutações caóticas (das 9 pessoas)
em que a pessoa 9 está num ciclo de tamanho 2, e de ,C9 o número de permutações caóticas (das 9
pessoas) em que a pessoa 9 está num ciclo de tamanho maior que 2. É claro que D9 = B9 + C9 .
Se tomarmos uma permutação caótica em que 9 esteja num ciclo de tamanho maior que 2 (por
exemplo, (15) (3246) (798)) e suprimirmos o 9, obteremos uma permutação caótica das 8 pessoas
restantes (no exemplo anterior, obteríamos: (15) (3246) (78)); por outro lado, o caminho inverso, ou
seja, “inserir” o 9 nesta permutação caótica das 8 primeiras pessoas, para obter uma permutação caótica
das 9 originais, pode ser feito de 8 maneiras diferentes, como vemos no exemplo dado: (195)(3246)(78),
ou (159)(3246)(78), ou (15)(39246)(78), ou (15)(32946)(78), ou (15)(32496)(78), ou (15)(32469)(78),
ou (15)(3246)(798), ou (15)(3246)(789)). Na realidade, o processo descrito nesse “caminho inverso”
consiste em substituir cada flecha a → b por
a → 9 → b. No exemplo, fizemos isso, sucessivamente, com as flechas 1 → 5, 5 → 1, 3 → 2, 2 → 4,
4 → 6, 6 → 3, 7 → 8, 8 → 7, que são as oito flechas da permutação. Portanto, a conclusão é que
cada permutação caótica de 8 pessoas gera, por esse processo, 8 permutações caóticas de 9 pessoas
nas quais a pessoa 9 está num ciclo de tamanho maior que 2, ou seja: C9 = 8D8 .
Se tomarmos agora uma permutação caótica em que 9 esteja num ciclo de tamanho igual a 2
(por exemplo, (178) (3426) (59)) e “suprimirmos” o 9, obteremos não uma permutação caótica das 8
pessoas restantes, e sim uma permutação das 8 pessoas com um único ponto fixo (no exemplo anterior,
obteríamos: (178) (3426) (5)). Essa pode ser olhada como um ponto fixo (no caso, o 5) justaposto
a uma permutação caótica das outras 7 pessoas. Como existem 8 candidatos a serem o ponto fixo,
conclui-se que cada permutação caótica de 7 pessoas gerará, pelo processo de “acrescentar” o 9 ao
ponto fixo, 8 permutações caóticas de 9 pessoas nas quais 9 está num ciclo de tamanho 2, ou seja:
B9 = 8D7 .
Como D9 = C9 + B9 , segue que: D9 = 8D8 + 8D7 .
Utilizando raciocínio análogo, em uma brincadeira de “amigo oculto” com n pessoas, temos que o
número de permutações caóticas é dado pela seguinte relação de recorrência:
Dn (n − 1)Dn−1 (n − 1)Dn−2
= + ⇒
n! n! n!
(n − 1)Dn−1 (n − 1)Dn−2
⇒ Pn = + ⇒
n(n − 1)! n(n − 1)(n − 2)!
1 1
⇒ Pn = 1 − Pn−1 + Pn−2 ⇒
n n
1 1
⇒ Pn = Pn−1 − Pn−1 + Pn−2 ⇒
n n
1 1
⇒ Pn − Pn−1 =− Pn−1 + Pn−2 ⇒
n n
−1
⇒ Pn − Pn−1 = (Pn−1 − Pn−2 ) .
n
Seja:
dn = Pn − Pn−1 (3.2)
Daí,
−1
dn = dn−1 (3.3)
n
1 1 1
d2 = P2 − P1 = −0= =
2 2 2!
Logo:
1
d2 =
2!
Logo,
−1
d3 =
3!
De (3.3), temos:
−1 −1 −1 1
d4 = d3 = =
4 4 3! 4!
Logo,
1
d4 =
4!
..
.
1
dn = (−1)n (3.4)
n!
1 1
⇒ Pn = (−1)n + (−1)n−1 + dn−2 + Pn−3 ⇒
n! (n − 1)!
1 1 1
⇒ Pn = (−1)n + (−1)n−1 + (−1)n−2 + dn−3 + Pn−4 ⇒
n! (n − 1)! (n − 2)!
..
.
1 1 1
⇒ Pn = (−1)n + (−1)n−1 + (−1)n−2 + · · · + d2 + P1 ⇒
n! (n − 1)! (n − 2)!
1 1 1 1
⇒ Pn = (−1)n + (−1)n−1 + (−1)n−2 + · · · + (−1)2 + 0 ⇒
n! (n − 1)! (n − 2)! 2!
1 1 1 1 1
⇒ Pn = − + − + · · · + (−1)n
2! 3! 4! 5! n!
n Pn
1 0
2 0, 5
3 0, 33333
4 0, 37500
5 0, 36667
6 0, 36806
.. ..
. .
12 0, 36787944
.. ..
. .
24 0, 3678794412
Temos que os valores de Pn crescem (cada vez menos) quando n passa de ímpar para par, e
diminuem (cada vez menos) quando n passa de par para ímpar, sugerindo que Pn deva tender a se
aproximar de um certo valor (entre 0,36667 e 0,36806), ora por excesso, ora por falta.
E esse estranho número 0,367879441..., quem é ele?
1
Surpreendentemente, temos que esse número é . De fato, das séries de potências, temos que:
e
∞
X xn
ex =
n=0
n!
∞
X xn
∴ converge, ∀x ∈ R.
n=0
n!
∞ ∞
X xn X xn
Como converge ∀x ∈ R, então podemos definir uma função f (x) = cujo domínio é
n=0
n! n=0
n!
o intervalo de convergência da série, ou seja, Df = R.
Assim, seja
x2 x3 xn
f (x) = 1 + + + ··· + + ···
2! 3! n!
Derivando termo a termo, temos que:
3x2 nxn−1
f 0 (x) = 1 + x + + ··· + + · · · = f (x)
3! (n − 1)!
⇒ f (x) = f 0 (x)
Logo,
f 0 (x)
= 1.
f (x)
Observe que:
f 0 (x)
= (ln f (x))0
f (x)
Assim,
(ln f (x))0 = 1.
Integrando ambos os termos da igualdade, temos:
Referências Bibliográficas
[1] Carneiro, José Paulo C., O problema do amigo oculto, Revista do Professor de Matemática, nº
28 - Sociedade Brasileira de Matemática, 1995.
[2] Garbi, Gilberto, Uma pequena pérola de Euler, Revista do Professor de Matemática, nº 50 -
Sociedade Brasileira de Matemática, 2002.
[3] Moreira, Carlos Gustavo T.A., Amigo oculto, Revista do Professor de Matemática, nº 15 - Soci-
edade Brasileira de Matemática, 1989.
[4] Morgado, A. C. e outros, Análise Combinatória e Probabilidade, Coleção do Professor de Mate-
mática - Sociedade Brasileira de Matemática, Rio de Janeiro, 1991.
[5] Santos, J. P. O. e outros, Introdução à Análise Combinatória, Editora da UNICAMP, Campinas,
1995.