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Tiago Abdalla Teixeira Neto

EXEGESE E TEOLOGIA DO SALMO 25

Monografia apresentada ao Prof. Dr.


Carlos Osvaldo Pinto em cumprimento
parcial dos requisitos da matéria de
Teologia Bíblica da Literatura Hínica.

CURSO DE MESTRADO EM TEOLOGIA

SEMINÁRIO BÍBLICO PALAVRA DA VIDA

Atibaia

2010
SUMÁRIO

Páginas

1. INTRODUÇÃO GERAL ................................................................................................... 2

2. SALMO 25: UMA ANÁLISE INTRODUTÓRIA ............................................................ 3

2.1. Autoria ........................................................................................................................ 3

2.2. O Sitz im Leben do Salmista e a Relação de sua Canção com o Culto ....................... 6

2.3. O Gattung do Salmo e sua Estrutura Literária ........................................................... 8

3. ANÁLISE EXEGÉTICA DO SALMO 25 ....................................................................... 12

3.1. Tradução do Texto .................................................................................................... 12

3.2. Mensagem do Salmo 25 ........................................................................................... 13

3.3. Esboço e Análise Exegética do Salmo 25 ................................................................ 14

4. TEOLOGIA DO SALMO 25 ........................................................................................... 45

4.1. A Imanência Pessoal de Deus ................................................................................... 45

4.2. Deus como o Juiz Justo ............................................................................................ 46

4.3. Deus como o Suserano Fiel ...................................................................................... 47

4.4. Deus como Perdoador Gracioso ............................................................................... 48

5. IMPLICAÇÕES PRÁTICAS DA EXEGESE E TEOLOGIA DO SALMO 25 .............. 49

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 54

1
1. INTRODUÇÃO GERAL

O estudo do livro dos Salmos revela de forma especial o relacionamento pessoal


responsivo de Israel para com o seu Deus. Não se trata de um envolvimento mecânico pré-
estabelecido, mas de uma profunda reflexão da comunidade hebraica sobre o próprio Deus,
que se interessa não apenas pela cura, mas também, pelos sofrimentos e aflições de Seu povo.1

Diante das ações salvíficas de Yahweh, Israel não permaneceu emudecido, mas se
dirigiu a Ele, louvando-o, consultando-o e expondo seu lamento pelos males que enfrentava.
A razão para isso, foi bem definida por von Rad: “É que Javé não havia escolhido para si o
seu povo como objeto mudo da sua vontade histórica, mas para o diálogo”.2 Tal diálogo se
deu de forma poeticamente bela e artística, como um dom de Deus, que elevava o impacto das
declarações dos salmistas e comunicava mais efetivamente os seus pensamentos do que uma
dissertação escrita de forma maçante.3

Na busca por uma melhor compreensão de tal relação na adoração israelita, em


situações concretas da vida de indivíduos e da nação, o presente estudo se propõe a examinar
e explicar, de forma exegética e teológica, a canção de lamento e confiança desenvolvida no
Salmo 25. A fim de alcançar este propósito, primeiramente, serão analisadas as questões
introdutórias que cercaram o escrito, como autoria, o Sitz in Lebem, o tipo de Salmo, sua
estrutura literária e relação com culto. Depois, seguir-se-á uma análise exegética detalhada do
Salmo, quanto a sua mensagem, esboço exegético e estudo literário-gramatical. O penúltimo
capítulo abordará a teologia que emana do texto e, então, ao final, se dará destaque às
implicações que a teologia do texto sagrado traz para a comunidade cristã.

1 Craig C. BROYLES, Psalms, p. 32.


2 Gerhard VON RAD, Teologia do Antigo Testamento, p. 345.
3 Leland RYKEN, Words of delight: a literary introduction to the Bible, p. 187-188.

2
2. SALMO 25: UMA ANÁLISE INTRODUTÓRIA

A compreensão de qualquer obra literária requer o conhecimento de certos aspectos


introdutórios, para uma correta interpretação da mesma. Este capítulo, portanto, visa observar
questões como a autoria do Salmo 25, o contexto de vida experimentado pelo salmista no
momento de sua escrita, a estrutura e o gattung do Salmo, além de sua relação com a adoração
comunitária hebraica.4

2.1. Autoria

As palavras iniciais do Salmo trazem a expressão  (“Salmo de [para]


Davi”). O significado de tal sobrescrito tem sido fonte de constante discussão. VanGemeren
observa que os cabeçalhos dos salmos na LXX diferem do Texto Massorético (TM), gerando
problemas no estudo da autoria deles, o que se deve, possivelmente, aos diferentes usos
litúrgicos dos Salmos em Judá e na diáspora.5 Por exemplo, enquanto a LXX acrescenta o
título (“para [ou de] Davi”) em textos como Salmo 33, 43, 71, 91, 93-99, 104 e
137, o TM não apresenta tais sobrescritos. Já, o TM traz a expressão  nos Salmos 122 e
124, a qual está ausente na LXX.

Essa diferença de tradições é usada por Artur Weiser para defender a adição dos
cabeçalhos contendo , como um processo que começou no primeiro templo e que se
estendeu durante o período pós-exílico até o século III a.C.6 Weiser argumenta que a
expressão, originalmente, era usada no culto do templo de Salomão, como uma direção do uso
do salmo na adoração pública “para Davi”, isto é, para a leitura pública desempenhada pelos
monarcas da dinastia davídica que desempenhavam o papel de seu antecessor no culto e que
eram recipientes das promessas feitas a Davi e da “graça da realeza” (cf. “misericórdias de
Davi” em Sl 18.50; 20.9; Jr 30.9, 21).7 Com o passar dos anos, no período pós-exílico, a
expressão já não indicava mais uma direção de seu uso cultual, mas sim, aqueles salmos cuja

4 O desenvolvimento da análise dos gattungen e do Sitz in Lebem cutual se devem ao renomado estudioso do
Antigo Testamento, Hermann Gunkel. Ver Hermann GUNKEL, The psalms: a form-critical introduction.
5 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5 p.

19.
6 Artur WEISER, The Psalms: a commentary, p. 96-99.
7 Ibid, p. 96. Cf. Derek KIDNER, Salmos: introdução e comentário, p. 47-48.

3
origem era datada do período cúltico real pré-exílico. Assim, o termo era uma referência aos
salmos da “tradição de Davi” do primeiro templo.8 Isso polemizava contra os samaritanos e
validava Jerusalém como local de adoração do povo judeu.9

O fato real, reconhecido até mesmo por críticos como Robert Alter, é que a grande
problemática repousa na definição do uso semântico da preposição .10 Este termo hebraico
pode ser traduzido de diversos modos como “para”, “de”, “concernente a”, “em relação a” ou
“dedicado a”.11 As possibilidades de entendimento do termo foram resumidas, razoavelmente,
na obra de LaSor, Hubbard e Bush:

(1) “de autoria de Davi”, cuja musicalidade é bem atestada (1 Sm 16.17-23;


18.20; 1 Sm 1.17-27; 3.33s.; 23.1-7; Am 6.5); (2) “em favor de Davi” (Sl 20,
numa oração pelo rei davídico na véspera da batalha), ou (3) “pertencente a
Davi”, parte de uma coleção real, talvez, incluindo composições de Davi.12

Além das possíveis compreensões assinaladas acima, pode-se acrescentar o sentido


de “dedicado a” Davi ou ao rei davídico (como a dedicação de um livro),13 “ao estilo de” ou
“segundo o padrão” de Davi.14 Claus Westermann observa que os salmos davídicos contém,
predominantemente, salmos pessoais, especialmente lamentos.15

Não há espaço neste trabalho para a discussão sobre a credibilidade dos títulos dos
Salmos fomentada pela crítica bíblica.16 Este autor parte do pressuposto de que eles são
historicamente confiáveis, não produto de escribas judeus de um período posterior ao
canônico. 17 A grande dificuldade recai sobre o sentido do termo do sobrescrito. Há salmos
com indicadores claros de que foram compostos durante a vida do rei (3, 7, 18, 34, 51, 52, 54,
56, 57, 59, 60, 63 e 142), não deixando dúvida quanto a sua autoria.18 Todavia, isso significa

8 Artur WEISER, The Psalms: a commentary, p. 96-98.


9 Ibid. p. 98-99.
10 Robert ALTER, “Salmos”. In: Robert ALTER, Frank KERMODE, Guia literário da Bíblia, p. 264.
11 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 510-517.

Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5, p.
19.
12 William S. LASOR, David A. HUBBARD, Frederic W. BUSH, Introdução ao Antigo Testamento, p. 481.
13 Craig C. BROYLES, Psalms, p. 28.
14 Robert ALTER, Op cit., p. 264; Carlos Osvaldo PINTO, Foco e desenvolvimento do Antigo Testamento, p.

455.
15 Claus WESTERMANN, Handbook to the Old Testament, p. 214.
16 Ver James Luther MAYS, Psalms, p. 11-14; Craig C. BROYLES, Psalms, p. 29-31; Artur WEISER, Op cit.,

p. 96-99.
17 Para uma argumentação e fundamentação completas e claras em prol da legitimidade e confiabilidade dos

sobrescritos dos Salmos, ver Gleason ARCHER, Merece confiança o antigo Testamento?, p. 390-397; Carlos
Osvaldo PINTO, Op. cit., p. 455; H. C. LEUPOLD, Expositions of the Psalms, p. 5-7.
18 Derek KIDNER, Salmos: introdução e comentário, p. 57-61; Carlos Osvaldo PINTO, 
 , p. 6; Roland K.
HARRISON, Introduction to the Old Testament. p. 977-978.
4
que todos os salmos com a expressão  têm Davi como o seu compositor? Alguns
comentaristas defendem que sim,19 mas este escritor não está totalmente convencido do fato.
As razões são as seguintes: (1) as várias possibilidades do uso sintático da preposição , como
“de”, “para”, “com respeito a” “em favor de”;20 (2) a similaridade de gattungen deste grupo de
salmos, em que a maioria são lamentos do indivíduo, pode indicar uma coleção de salmos
conforme o estilo davídico, não necessariamente que todos sejam de sua autoria (cf. Sl 3 - 7;
9; 11 – 13; 16 – 17; 35 – 36; 38 – 40; passim);21 (3) há salmos que parecem ser uma oração
em favor do rei, feita por um de seus súditos (cf. Sl 20).22

Portanto, a não ser que haja uma clara especificação histórica do próprio salmo de
que este fora escrito por Davi ou uma indicação neotestamentária da autoria davídica (cf. Mc
12.36 com 110.1; At 4.24-25 com Sl 2.1-2; At 1.20 com Sl 69; At 2.25-28 com Sl 16), não se
pode argumentar com segurança que o importante músico e compositor de Israel, Davi, é o
autor dele, mesmo contendo a expressão . Como R. K Harrison argumenta, a expressão
se deve, provavelmente, ao importante papel que o monarca desempenhou para o
desenvolvimento da poesia e musicalidade hebraica e, possivelmente, indique que o salmo foi
inspirado por Davi, escrito conforme o seu estilo ou dedicado ao governante de Israel.23

O Salmo 25 não possui tal referência histórica em seu sobrescrito nem uma indicação
de revelação posterior quanto a sua autoria. Vangemeren, Kidner e Leupold assumem a
autoria davídica para o salmo, devido às suas pressuposições de que a expressão  é um
genitivo autoral.24 Já autores mais críticos, datam o salmo da época do exílio25 ou do final do
reino de Judá e próxima da destruição de Jerusalém, como faz Samuel L. Terrien. Ele vê o
clamor final, no verso 22, para que Yahweh redima Israel de suas tribulações, como um

19 Thomas CONSTABLE, Notes on Psalms, p. 1-3; Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E.
GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5, p. 33-34; Derek KIDNER, Salmos: introdução e
comentário, p. 46-48.
20 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 510-517; J.

W. GESENIUS, Hebrew and English lexicon of the Old Testament including the biblical Chaldee, p. 322-323;
_______________, Gesenius’ Hebrew grammar, p. 218, 278. É importante observar que Gesenius,
diferentemente do BDB, reconhece apenas a possibilidade do uso do genitivo autoral na expressão .
21 Claus WESTERMANN, Handbook to the Old Testament, p. 214; F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, Op.

cit., p. 513.
22 William S. LASOR, David A. HUBBARD, BUSH, Frederic W. BUSH, Introdução ao Antigo Testamento, p.

481.
23 Ver a argumentação em Roland K. HARRISON, Op. cit., p. 982-983.
24 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 33-34, 226; Derek KIDNER, Salmos: introdução e comentário, p. 46-48, 134; H. C. LEUPOLD, Expositions
of the Psalms, p. 5-7, 223.
25 Craig C. BROYLES, Psalms, p. 133; James Luther MAYS, Psalms, p. 125.

5
desejo semelhante ao do profeta Jeremias diante da agonia do cerco babilônico e exílio (cf. Jr
31.11) e atribui o salmo a um autor de círculo profético do início do século VI a.C.26

A terminologia geral do salmo dificulta a indicação de um autor específico e até a


determinação de uma data própria. As sugestões tanto da autoria davídica quanto de um
escritor de qualquer outro período da história de Israel são plausíveis. Desde que Davi foi o
responsável pelo estabelecimento de levitas com a função de conduzir o povo em sua
adoração pública (cf. 1 Cr 6.31-37; 23.5; 25.1ss) e tal padrão fora mantido mesmo em tempos
pós-exílicos (cf. Ed 3.10-11; Ne 7.44),27 a probabilidade é que o autor tenha vivido dentro de
tal espaço de tempo, não antes. Pois, apesar de ser um lamento individual, ele visa o louvor
comunitário, como as expressões plurais e didáticas encontradas nos versos 3, 8-10, 12-14,
além do rogo para que Deus redima Israel de suas aflições, indicam. Um músico levita, como
os da família de Asafe, Hemã ou Jedutum, parece ser uma suposição provável para a autoria28
tanto quanto o próprio Davi.

2.2. O Sitz im Leben do Salmista e a Relação de sua Canção com o Culto

A situação de vida que marcou a escrita do Salmo 25 é difícil de delinear. A maioria


dos comentaristas concorda que a situação de pecado, inimigos e sofrimentos são descritos de
forma muito geral.29 O salmista expressa este lamento ou oração de confiança30 num momento
de tribulação real, causada pelos seus inimigos (cf. vv. 2-3, 17-19), durante o qual confia
esperançosamente no cuidado e direção de Deus (vv. 4-5, 12-15, 20-21). Apesar de não
relacionar, diretamente, as suas aflições com o pecado pessoal, há uma forte sugestão de que o
salmista percebe a disciplina divina por trás de tal sofrimento e clama pelo perdão de Deus,
com base em Sua compaixão e amor leal (!yedfsAxáw hæwhºy !yemAxar-rokºz - v. 6) e em Seu
próprio caráter (!:mi$-}a(×am:l - v. 11).

26 Samuel L. TERRIEN, The Psalms: strophic structure and theological commentary, p. 257-258.
27 Roland K. HARRISON, Introduction to the Old Testament. p. 979.
28 Ibid. p. 83.
29 Ver James Luther MAYS, Psalms, p. 125-126; Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E.
GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5, p. 226; Artur WEISER, The Psalms: a commentary, p.
238; Derek KIDNER, Salmos: introdução e comentário, p. 134; H. C. LEUPOLD, Expositions of the Psalms, p.
223.
30 Ver Claus WESTERMANN, Handbook to the Old Testament, p. 219.

6
O compositor do salmo não vê, todavia, a disciplina como motivo para o desespero
(vv. 3, 20), mas como uma oportunidade de ser guiado e instruído por Yawheh, 31 pois mesmo
com seus erros, ele teme ao Senhor (v. 12, 14), é humilde diante dEle ({yiwænA( – v. 9) e guarda

a Sua aliança e os Seus preceitos (wyftod"(ºw wotyir:b y"r:cïn:l - v. 10).32

Além disso, é necessário atentar para o fato de que o salmo é a voz de um indivíduo
“cujas tribulações e esperanças são aquelas de todo o povo. Isto leva o indivíduo a orar em
solidariedade com todo o povo e a congregação a orar na unidade de uma identidade
individual”.33 Assim, o salmo fora composto, a fim de que a esperança do salmista, em meio
ao sofrimento, impelisse e reforçasse a confiança em Yahweh de todos os que cumprem os
Seus preceitos e aliança e O temem (vv. 10, 12). A menção à herança da terra como dádiva
divina reforça este aspecto mais amplo da comunidade que o autor tem em vista (v. 13).34
Como destacou VanGemeren: “As adversidades, as quais o salmista detalha nos vv. 15-21,
são de uma natureza tão geral que funcionam como um lamento comunitário”.35 Isso liga o
salmo com o contexto cúltico, como destacou Artur Weiser, ainda que não haja a necessidade
de se postular o seu uso num festival de renovação da aliança como ele o faz.36 A observação
de Craig Broyles é pertinente e ressalta o uso cúltico do salmo:

A questão retórica, “Quem, pois, é o homem que teme ao SENHOR?” (v.


12), possivelmente implique na presença de uma audiência durante a
execução do salmo. Porque combina tanto petição em favor do orador
individual quanto instrução a um grupo, ele pode funcionar como
representativo ou litúrgico.37

Ao final do salmo, quando o escritor reivindica para Israel aquilo que pediu para si
mesmo (v. 22), ele transforma uma petição pessoal em hino para a congregação inteira. 38 É
provável que a escrita do salmo se dê num momento de tragédia nacional e que a dor do
salmista seja aquela experimentada por toda a nação, ou simultânea a ela.

31 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,
p. 226.
32 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.

SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 214-219.


33 James Luther MAYS, Psalms, p. 125.
34 Idem. Ibid.
35 Willem A. VANGEMEREN, Op. cit., p. 226.
36 Ver Artur WEISER, The Psalms: a commentary, p. 238.
37 Craig C. BROYLES, Psalms, p. 133.
38 Derek KIDNER, Salmos: introdução e comentário, p. 134.

7
O momento exato da história individual e nacional é impossível de se datar. A
menção aos pecados e transgressões da juventude (ya(f$:pU yarU(ºn tw)o=ax – v. 7) sugere
um autor em idade senil.39 Talvez, um idoso rei Davi que sofria, juntamente com a nação, por
pecados passados e presentes, a disciplina divina.40 Ou, quiçá, um profeta levita que clama
pela salvação divina, diante de momentos tempestuosos experimentados em sua história
pessoal e na história de Judá, durante o período pré-exílico ou próximo à queda de
Jerusalém.41 Qualquer uma dessas possibilidades é adequada, mas se constitui apenas em
conjectura.42

2.3. O Gattung do Salmo e sua Estrutura Literária

A análise da forma do Salmo 25 aponta para um Lamento do Indivíduo (LI),43 ainda


que um pouco desalinhado com a estrutura padrão.44 Tal desalinhamento não deve
surpreender o exegeta, pois, “não há um único [salmo] idêntico ao outro. As partes
constituintes de um salmo variam na proporção em que cada um, dos aproximadamente
setenta lamentos pessoais, é uma produção individual”.45

O lamento do Salmo 25 apresenta a seguinte estrutura:

1. O apelo inicial em que o salmista reconhece sua dependência de Yahweh e roga


para que o livre da vergonha diante de seus inimigos - vv. 1-3
2. Uma petição para que Yahweh conceda orientação e perdão de seus pecados -
vv. 4-7
3. A expressão de confiança de que Yahweh cuidará dele, protegerá e lhe dará
direção, pois o salmista é humilde, guarda a aliança e teme ao Senhor – vv. 8-14
4. A petição final para que Deus olhe para a sua situação e o liberte de suas
tribulações, estendendo seu pedido a toda a nação (composto de duas estrofes) –
vv. 15-22

39 Geoffrey GROGAN, Psalms, p. 77.


40 Eugene Merril data tanto a revolta de Absalão quanto o castigo do censo nos anos finais do reino de Davi (Ver
Eugene MERRIL, História de Israel no Antigo Testamento, p. 283-284, 289-290). Ainda assim, relacionar estes
eventos com o salmo é apenas uma sugestão especulativa deste escritor.
41 Terrien propõe a escrita do salmo no período próximo à queda de Jerusalém, c.a. 587 a.C. Ver Samuel L.

TERRIEN, The Psalms: strophic structure and theological commentary, p. 287-288.


42 Idem. Ibid.
43 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 226. James Luther MAYS, Psalms, p. 125.


44 Ver Carlos Osvaldo PINTO,   , p. 21-23; William S. LASOR, David A. HUBBARD, Frederic W.
BUSH, Introdução ao Antigo Testamento, p. 473-474.
45 Claus WESTERMANN, Handbook to the Old Testament, p. 217.

8
Diante do gattung acima apresentado, percebe-se que há uma ênfase na expressão de
confiança do indivíduo, enquanto o lamento propriamente dito, como uma descrição mais
extensa sobre a crise experimentada pelo salmista, não aparece no texto.46 Dentro da estrofe
que contém a confissão de confiança (vv. 8-15), destaca-se a influência sapiencial,
característica dos salmos didáticos.47 Tanto o destaque à instrução e à orientação quanto ao
“temor do senhor” revelam traços sapienciais (cf. Sl 19.9; 34. 7, 9, 11; 112).48 Schöckel e
Carniti destacam termos comuns da literatura de sabedoria como o verbo no Hifil
(“guiar”, “apontar”) e o substantivo  (“caminho”, “conduta”) (vv. 4, 5, 8, 9, 12), o
termo paralelo  (“vereda”) (vv. 4, 10), o verbo no Piel (“ensinar”) (vv. 4, 5, 9) e o
Hifil de  (vv. 4, 14).49

O Salmo 25 está organizado de forma acróstica, na qual o alfabeto hebraico forma o


arcabouço estrutural do texto. Poucas irregularidades podem ser vistas na seqüência alfabética
como os versos 18 e 19 que começam ambos com a letra , a ausência das letras  e , e o
último versículo começando com a letra .50 Tais traços irregulares são comuns em salmos
acrósticos, exceto no Salmo 119.51 Na verdade, algumas destas anomalias revelam relações
literárias entre o Salmo 25 e 34, pois, ambos não possuem o  e acrescentam o  ao final do
texto, após o . Tais traços literários, além das mesmas características sapienciais (cf. 25.12-

15 e 34.11-17) e ênfases em termos idênticos (como a yi$:pán em 25.1 com 34.3; e os {yiwænA(

em 25.9 com 34.2) indicam que ambos formam um par literário singular.52

Este escritor segue a proposta perspicaz de Terrien53 e Schildenberger54 que dividem


o salmo em cinco estrofes. Tal divisão encontra base no número simétrico de dísticos/trísticos
das estrofes, o qual não deve não deve ser acidental. As estrofes I (1-3) e II (4-7) são
refletidas em IV (15-18) e V (19-21), enquanto a estrofe III (9-14) se subdivide em duas (8-10

46 Tal fato é perfeitamente compreensível como atesta Claus WESTERMANN, Handbook to the Old Testament,
p. 217.
47 Ver a explanação dos Salmos de Sabedoria em Carlos Osvaldo PINTO,   , p. 30.
48 Craig C. BROYLES, Psalms, p. 133.
49 Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário. p. 399.
50 Consultar o texto em K. ELLINGER, W. RUDOLPH. Biblia Hebraica Stuttgartensia. 5 ed. Stuttgart:
Deutsche Bibelgesellschaft, 1997.
51 Geoffrey GROGAN, Psalms, p. 30.
52Les D. MALONEY, “Intertextual links: part of the poetic artistry within the book 1 acrostic psalms”. In:

Restoration Quarterly, v.49, no. 1, 2007, p. 17-18.


53 Samuel L. TERRIEN, The Psalms: strophic structure and theological commentary, p. 253.
54 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.

SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 214-218.


9
e 12-14),55 tendo o verso 11, a descrição do clamor pelo perdão de Deus, como o centro da
estrofe e do salmo todo.56 As estrofes I e V possuem três dísticos/trísticos, as II e IV têm
quatro, enquanto as duas subestrofes da III possuem três cada uma.

A invocação final do verso 22 em prol da nação israelita se coaduna perfeitamente


com outras expressões comunitárias do salmo (“todo o que espera em ti” – v. 3; “pecadores” –
v. 8; “humildes” – v. 9; “o homem que teme Yahweh”), e por isto deve ser parte integrante do
texto. Ela liga o rogo e confiança individuais do salmista em Yahweh como perdoador,
orientador e protetor ao rogo e confiança que se espera de toda a nação neste mesmo Deus.57

Uma proposta de esboço exegético sobre tal estrutura literária segue abaixo:

I. Apelo Inicial: O salmista expressa sua confiança em Yahweh e clama por


livramento dos inimigos como alguém que espera em Deus (vv. 1-3).

II. Petição: O salmista roga por orientação e instrução na lei de Yahweh e pelo
perdão de seus pecados em apelo à fidelidade e amor leal divinos (vv. 4-7).

III. A expressão de Confiança: O salmista reconhece que Yahweh é um Guia Fiel e


Gracioso que orienta pecadores humildes e tementes a Deus pelos Seus justos
caminhos, lhes concede prosperidade e permanência na terra Prometida e um
relacionamento íntimo com Ele, portanto, suplica pelo perdão divino como
um pecador desejoso de Sua comunhão e orientação (vv. 8-14).

IV. Petição Final (Parte 1): Em meio às aflições e sofrimentos crescentes, o


salmista clama, continuamente, pela libertação e perdão de Yahweh (vv. 15-
18).

V. Petição Final (Parte 2): Em meio à oposição crescente e ódio intenso, o


salmista se apega à sua íntegra retidão e confiança em Yahweh, a fim de
pedir a Deus que o salve de seus inimigos bem como resgate Israel de suas
aflições (vv. 19-22).

55 Samuel L. TERRIEN, The Psalms: strophic structure and theological commentary, p. 253.
56 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.
SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 216.
57 James Luther MAYS, Psalms, p. 125-126; Johannes SCHILDENBERGER, Op. cit. 218.

10
O Salmo 25 apresenta muitos paralelismos sinônimos (e.g. 25.1-2a, 2b, 3, 4, 9, 14 et
al) e sintéticos (e.g. 25.5b, 6, 8, 11, et al). Poucos paralelismos antitéticos aparecem no texto
(25.3, 7a). A análise exegética abaixo estudará as suas ocorrências e funções dentro do salmo.

11
3. ANÁLISE EXEGÉTICA DO SALMO 25

Este capítulo tenciona analisar exegeticamente a passagem do Salmo 25, observando


questões literárias e gramaticais peculiares desta, além de uma proposta de tradução do texto
hebraico, de sua mensagem principal e de seu esboço exegético.

3.1. Tradução do Texto

Salmo 25
Davídico.
1
A Ti, Yahweh, elevo a minha alma!
2
Em Ti confio, ó meu Deus!
Que eu não seja envergonhado,
Nem riam de mim os meus inimigos.
3
Certamente, todos os que esperam em Ti não serão envergonhados!
Envergonhados serão os que, sem motivo, agem deslealmente.
4
Faze-me conhecer os teus caminhos,
Ensina-me as tuas veredas.
5
Guia-me pela Tua verdade e me ensina,
Porque tu és o Deus da minha salvação.
Em Ti espero o dia todo.
6
Lembra das Tuas misericórdias e da Tua graça fiel, Yahweh,
Porque elas são desde a antiguidade.
7
Dos pecados da minha juventude e das minhas rebeldias, não Te lembres!
Conforme a tua graça fiel, lembra-te de mim,
Por causa da Tua bondade, ó Yahweh.
8
Bom e Reto é Yahweh,
Por isso, orienta os pecadores pelo caminho!
9
Ele guia os humildes pelo justo preceito
E os ensina no Seu caminho.
10
Todas as veredas de Yahweh são graça e fidelidade
Para os que guardam a Sua aliança e os Seus estatutos.

12
11
Por causa do Teu nome, Yahweh,
Perdoa a minha iniqüidade porque ela é grande!
12
Quem, pois, é o homem que teme a Yahweh?
Ele o dirigirá no caminho que deve escolher.
13
Ele viverá em feliz prosperidade
E a sua descendência herdará a Terra.
14
A intimidade com Yahweh é para os que o temem
Aos quais Ele dá a conhecer a Sua aliança.
15
Os meus olhos estão, continuamente, voltados para Yahweh,
Pois, só Ele liberta os meus pés da armadilha.
16
Volta-te para mim e demonstra misericórdia,
Porque estou isolado e aflito!
17
Aumentam as angústias do meu coração
Liberta-me das minhas aflições!
18
Atenta para a minha aflição e sofrimento
E perdoa todos os meus pecados!
19
Atenta para os meus inimigos porque se tornam numerosos
E com um ódio perverso e violento me odeiam.
20
Guarda a minha vida e liberta-me,
Não permitas que eu seja envergonhado!
Porque em Ti me refugio.
21
Que a integridade e a retidão me preservem,
Pois, em Ti espero.
22
Ó Deus, redime Israel de todas as suas angústias!

3.2. Mensagem do Salmo 25

A confiança e a esperança do salmista em Yahweh como o Guia Fiel e Gracioso de pecadores


humildes e tementes a Ele, levam-no a clamar por perdão de seus pecados, libertação e
preservação das aflições causadas pelos inimigos e orientação na obediência de Seus justos
preceitos.

13
3.3. Esboço e Análise Exegética do Salmo 25

I. Apelo Inicial: O salmista expressa sua confiança em Yahweh e clama por


livramento dos inimigos como alguém que espera em Deus (vv. 1-3).

O salmista inicia a oração reconhecendo sua completa dependência da ajuda e


proteção divinas. Ele se dirige a Yahweh (hfwhºy), em um discurso direto (!yel")) e, usando

linguagem poética, diz que eleva a sua alma ao Senhor ()×f>e) yÛi$:pan) (v. 1). O verso 1, “A Ti,

Yahweh, elevo a minha alma” ()×f>e) yÛi$:pan hfwhºy !yel")), apresenta um paralelismo com a

primeira linha do verso 2, “Ó meu Deus, em ti confio” (yiT:x+


a fb !:B yaholE)). Tal construção
oferece uma orientação na interpretação da expressão )×f>e) yÛi$:pan (“elevo a minha alma”),

pois a mesma tem seu correspondente sinônimo em yiT:xa+fb !:B (“em ti confio”).

Interessantemente, o Salmo 143.8, também, traz a mesma construção e idéia, em que y×i$:pán

yit)Ûf&æn (“a ti elevo a minha alma”)58 é paralela a yiT:x+


a fb !:B (“em Ti confio”).59

A abertura da poesia, então, ressalta a atmosfera de confiança do fiel em seu Deus.60


Toda a sua vida (yi$:pán)61 é oferecida a Yahweh, pois, apenas Ele é reconhecido como capaz

de ajudar o salmista em seus momentos de dificuldade.62 A confiança em Deus é expressão de


fidelidade a Ele (cf. xa+fb em Sl 86.2) e liberta o indivíduo do temor dos homens (cf. Pv 29.25;

Sl 56.4, 11). O que o leva a clamar para que Deus não permita que ele seja envergonhado
(hf$wob")-la)) nem que os seus inimigos festejem (Uc:la(ya -la)) por sua vergonha (v. 2b). A

súplica do salmista para que Deus o livre da vergonha, ecoa a súplica piedosa nos Salmos (cf.
$Ob em Sl 31.1[2],17[18]). Tal vergonha inclui desprezo e humilhação públicos (cf. Sl 35.4;
83.17[18]) e é, geralmente, invocada ou direcionada àqueles que são ímpios ou correm atrás

58 Apesar da diferença no tempo verbal, do Imperfeito em 25.1 para o Perfeito em 143.8, o verbo é o mesmo e
seu sentido é semelhante, pois, indica uma ação, em andamento, praticada pelo salmista (Ver Carlos Osvaldo
PINTO, Fundamentos para Exegese do Antigo Testamento, p. 58, 62-63).
59 O Salmo 143.8 possui dois dísticos que formam uma construção alternada, onde as primeiras linhas de cada

dístico correspondem uma à outra, bem como as duas últimas linhas. (Sobre a alternação de paralelismo, ver Roy
B. ZUCK, A interpretação bíblica, p. 161).
60 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 227
61 Aqui há uma sinédoque da parte pelo todo, em que o termo “alma” representa a vida do salmista como um

todo. A expressão , também, pode significar “vida” como é o caso neste texto (Ver Luis Alonso SCHÖKEL,
Dicionário bíblico hebraico-português, p. 443).
62 James Luther MAYS, Psalms, p. 124-125.

14
de ídolos (cf. Sl 6.10; 35.4; 83.17; 97.9; 109.28; 119.78; Is 20.5; 42.17; 44.9, 11).63 Isso faria
com que os inimigos “se alegrassem” ou “festejassem” () com o seu estado de desgraça.64

A razão teológica para a confiança do salmista em Deus é apresentada no verso 3 e


sua afirmação é tão certa quanto enfática (cf. uso de  em Jz 9.49b; Is 26.12)65. Não há
dúvida para ele de que todos os que esperam em Yahweh, de modo algum, sofrerão a
vergonha pública. A espera no Senhor “enfatiza a dependência em Deus por qualquer
mudança nas circunstâncias do orador”.66 Esta ação envolve aguardar a salvação divina (Sl
130.5; cf. Gn 49.18; Is 25.9), especialmente, em momentos de adversidade e angústia (Sl
40.1), na certeza de que Yahweh é Bom para os que nEle esperam (cf. Lm 3.25). Assim, o
clamor do salmista não é um pedido para que Deus intervenha em sua situação de modo
especial e distinto, mas, conforme a habitual intervenção dEle em prol daqueles que são fiéis à
Sua aliança (cf. Sl 37.34).67

A premissa anterior de que os esperançosos em Yahweh jamais serão humilhados,


traz um corolário natural, na parte final do verso 3, e que está de acordo com a Aliança
Deuteronômica: “serão envergonhados os que, sem motivo, agem traiçoeiramente”. O verbo
 (“ser infiel”; “agir traiçoeiramente”) é usado para retratar a traição de diversas formas,
desde o aspecto religioso (Sl 119.158; Jr 9.2; 3.20; Ml 2.11, 15), matrimonial (Pv 23.28; Jr
3.20; Ml 2.14) ou político (Jz 9.23).68 Mas, há um outro aspecto que recebe ênfase no presente
texto, a traição no âmbito social, em que os {yid:gOB agem de forma perversa (Is 21.2; Is

24.16; 33.1), enganosa (Pv 11.3, 6; Jr 12.1) e injusta (Pv 11.3, 6) contra o próximo.

Tal atitude ímpia é direcionada contra os fiéis (cf. Jr 12.6), aqueles que esperam em
Yahweh (cf. Sl 25.3) e, certamente, os {yid:gOB caracterizam-se como sendo os próprios

inimigos do salmista no verso 2 (yabºyo)). Assim, o uso do termo no Salmo 25.3 ressalta a

nuance sócio-religiosa do caráter de tais pessoas, pois, sua prática injusta contra os piedosos,

63 Ver John N. Oswalt, “$Ob”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 162-163.
64 Este verbo possui, geralmente, um aspecto positivo da alegria pela bênção ou salvação de Deus. Apenas neste

Salmo o termo apresenta uma conotação negativa da perspectiva ético-religiosa (Cf. 1 Sm 2.1; Sl 9.2; Sl 5.11; Sl
68.3).
65 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 169.
66 Craig C. BROYLES, Psalms, p. 133.
67 Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 122; Artur WEISER, The Psalms: a commentary, p.

239.
68 Louis GOLDBERG, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 148-149.


15
que clamam por ajuda, decorre da infidelidade ao próprio Yahweh69 e de um coração ímpio
(cf. Jr 12.1 e 6).70 A impiedade dos {yid:gOB é agravada pela falta de motivos ({fqy"r; cf. Sl 7.4)

para as suas ações perversas.71

II. Petição: O salmista roga por orientação e instrução na lei de Yahweh e pelo
perdão de seus pecados em apelo à fidelidade e amor leal divinos (vv. 4-7)

Cercado por inimigos, o salmista não deseja simplesmente a libertação de seu


infortúnio, mas, principalmente, conhecer a Deus e Sua vontade. Num dístico que apresenta
um paralelismo sinônimo direto, o fiel clama a Deus para que o faça conhecer de forma
experimental (yén"(yidOh), não simplesmente como conceituação teórica (cf. verbo  em Nm

12.6; 1 Sm 2.12; 3.7; Jr 9.24),72 os caminhos de Yahweh (!yekfr:D) e o ensine (yén×"d:Ml


a ) nas
veredas divinas (!yetOx:ro)) (v. 4). Há um ensino que não se adquire por meio de professores

humanos, nem por meio de compilação de informações ou pelo simples trabalho da razão,
mas, provém de Deus como o único capaz de dar sentido à existência humana e se adquire em
dependência dEle.73 O salmista “está consciente de que não pode existir nenhum andar nos
caminhos divinos, sem a graciosa ajuda dEle e sem Sua graça e misericórdia”.74

Os caminhos () de Deus são muito mais elevados que os caminhos humanos
(Is 55.9)75 e além de qualquer reprovação (cf. Jó 36.22-23; Sl 18.30[31]), pois são justos e
retos (Dt 32.4; Ez 18.25, 29). 76 Andar nos caminhos divinos implica em se afastar da
perversidade e viver em comunhão profunda com Yahweh (2 Sm 22.22; Sl 18.21 [22]; Is
58.2), ouvindo à lei divina e praticando-a (cf. Sl 119.3, 27, 32, 33; Is 42.24). Tal caminho de
justiça (Jr 5.5) possibilita o desfrute das bênçãos divinas (Sl 81.12-14). O termo  quando
relacionado a Deus, numa construção genitiva, é usado praticamente com sinônimo da lei de
Yahweh (Is 2.3) e aponta para um andar na verdade e fiel à aliança (Sl 28.17-18 [18-19]; Is

69 Artur WEISER, The Psalms: a commentary, p. 239.


70 O termo é, praticamente, um sinônimo de , como pode ser visto em Pv 2.22; 21.18; Jr 12.1.
71 Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 122.
72 P. R. GILCHRIST, J. P. LEWIS, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE,

(orgs.). Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 597-598.


73 James Luther MAYS, Psalms, p. 126.
74 Artur WEISER, Op. cit., p. 239.
75 A expressão  em Is 55.8-9, não indica o curso de ação divino, desenvolvendo os seus propósitos, mas sim,

Sua conduta justa em oposição ao “caminho” do ímpio em 55.7.


76 Luis Alonso SCHÖKEL, Dicionário bíblico hebraico-português, p. 162.

16
3.12). Portanto, a súplica do salmista é por uma “vida consistente com as expectativas de
Deus, conforme estipuladas em Sua lei”.77

O andar nos caminhos divinos requer um espírito submisso à Sua instrução, como
indicam os verbos imperativos78 do verso 5: “guia-me (yén"kyir:dah) ... ensina-me (yén"d:Ml
a )”.79 A
orientação de Deus () aos fiéis é declarada nas Escrituras quando Ele guia os cativos de
volta para a terra prometida (cf. Sl 107.17), mas, tal direção divina se dá, principalmente, na
instrução espiritual de Seu povo pelos Seus “caminhos” (Is 48.17) e pela obediência aos Seus
mandamentos (Sl 119.35).80

A orientação pela qual o salmista clama se concretiza “na tua verdade” (!eTimA)b
a ),
isto é, a auto-revelação fiel e verdadeira de Deus, pela qual Ele dá a conhecer o Seu ser, Sua
vontade e Seus propósitos (cf. 1 Rs 17.24; 1 Rs 22.16; 2 Cr 9.5; Sl 26.3; Dn 9.13; 10.21).81
Tal verdade revela Deus como o Salvador (yi(:$éy) daqueles que nEle esperam (v. 3), entre os

quais se encontra o salmista (yityiUiq) (v. 5 bc). Esta postura ecoa pelo cânon hebraico na

mesma esperança de Miquéias demonstrou em Deus como o seu Salvador (yi(:$éy), diante do

caos que imperava em Israel (Mq 7.7). A salvação oferecida por Deus abarca a salvação de
males físicos e temporários por meio da proteção e orientação de Seu povo (cf. Sl 69.13; 79.9;
Is 45.8; Mq 7.7; Hc 3.13, 18).

A esperança do autor é persistente, constante e incansável,82 durante o dia todo


({woYah-lfK), e caminha lado a lado com a obediência ao seu Deus-Salvador.83 Tal esperança “é

o poder da emoção que faz da espera uma certeza de que o futuro se tornará presente”.84

77 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,
p. 228.
78 Estes imperativos são usados no sentido de petição/desejo do inferior para o superior (Ver PINTO, Carlos

Osvaldo, Fundamentos para Exegese do Antigo Testamento, p. 73, 12.2).


79 Id. Ibid.
80 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 202.
81 Geralmente, o aparecimento da preposição  juntamente com o substantivo  indica a palavra divina que é

a “verdade” ou a palavra “fiel”, não sendo comum o sentido da “fidelidade” para com a aliança (cf. 1 Rs 17.24;
Sl 26.3; Dn 9.13; 10.21). Além disso, as expressões “teus caminhos” e “tuas veredas” (v. 4) reforçam o sentido
de “tua verdade” (v. 5a).
82 H. C. LEUPOLD, Expositions of the Psalms, p. 223; Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p.

122; John CALVIN, Commentary on the Psalms, p. 394.


83 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 228.
84 Samuel L. TERRIEN, The Psalms: strophic structure and theological commentary, p. 255.

17
O dístico do verso 6 inicia com um clamor para que Deus se lembre (rokºz) do

suplicante, o que se repetirá por mais duas vezes no verso seguinte (cf.  no v. 7). Este uso
do verbo relembra o Êxodo, quando Yahweh se “lembrou” da aliança com Israel e o salvou,
quando este clamava ao Senhor pela libertação da escravidão imposta pelos egípcios (cf. Êx
2.23-24; 6.5-6).85 A “lembrança” divina é um antropomorfismo, indicando não um
esquecimento anterior, mas “uma superintendência dos eventos em direção à sua desejada, ou
prometida, conclusão”.86 O conteúdo da lembrança são duas atributos divinos que circundam
a aliança com o Seu povo, as Suas misericórdias (!yemAxar) e o Seu amor leal (!yedfsAx).87 Nesta

justaposição, a primeira palavra assume a posição de termo governante.88 Ambas justapostas


expressam a atitude de forte compaixão e amor leal de Deus para com o Seu povo que se
concretiza na concessão do perdão e na condescendente salvação de indivíduos ou de toda a
comunidade do das tribulações que o cercam (cf. Sl 51.1[3]; 40.11 [12]; Sl 69.16[17]; 103.4;
Is 63.7).

O primeiro termo () descreve a emoção misericordiosa, do superior para o


inferior, cujo lócus são as “vísceras” ou “entranhas”, uma maneira comum entre os semitas de
se referir a tal sentimento, provavelmente devido ao fenômeno fisiológico ligado à forte
emoção.89 A compaixão divina de Yahweh para com os seus fiéis é comparada ao sentimento
de profundo amor paternal (Is 63.15; cf. Sl 103.13-14) e sempre está orientada a uma ação
específica, seja abençoadora (cf. Dt 13.17) ou libertadora (Sl 79.8; Ne 9.28).90

O segundo vocábulo () expressa tanto a fidelidade quanto a graça de Deus no


contexto de Seu compromisso com os patriarcas e a nação de Israel (cf. Lm 3.22; Os 2.19-20,
23; Mq 7.20; Os 2.21).91 O amor leal () de Deus para com Israel espera reciprocidade,
isto é, uma grata devoção de Seu povo que reconhece o profundo amor gracioso do Senhor

85 Tiago Abdalla Teixeira NETO, A influência da perspectiva histórico-teológica deuteronômica em 1 Samuel 1


e 2, p. 30.
86 Robert P. GORDON, 1 & 2 Samuel: a commentary, p. 76.
87 Apesar da tradução no singular, a expressão  é plural no texto.
88 H. J. STOEBE, “”. In: Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, Theological lexicon of the Old Testament, v.

2, p. 453.
89 H. J. STOEBE, “”. In: Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, Theological lexicon of the Old Testament,

v. 3, p. 1226-1227.
90 Ibid. p. 1227.
91 Ralph L. SMITH, Teologia do Antigo Testamento: história, método e mensagem. p. 187-189; Geoffrey

GROGAN, Psalms, p. 77.


18
que os resgatou (Êx 20.6; Dt 5.10).92 Ainda assim, o  divino extrapola a aliança em si,
descrevendo uma atitude de extrema misericórdia que se origina, antes de tudo, no próprio
Deus, em favor de alguém inferior e que, por conseqüência, cria um elo e provoca uma
resposta de graça no beneficiário.93

Portanto, no verso 6, o salmista clama pelas imensas compaixão e graça divinas


reveladas desde a antiguidade (hfM×"h {flO("m), na criação (145.9) em sua relação com os

patriarcas (Mq 7.20) e na salvação poderosa de Israel do Egito (Êx 15.13), pois, são
intrínsecas ao Seu caráter desde a eternidade (Sl 103.17- {flO(ø-da(ºw {flO("m; cf. Êx 34.6).94

Deste modo, “o adorador encara sua própria preocupação dentro das mais amplas dimensões
possíveis e as considera como sendo mais profundamente relacionadas à vontade salvadora de
Deus e Sua obra redentora”.95

Uma das evidências da compaixão e amor leal divinos é sua prontidão em perdoar os
pecados do Seu povo (Êx 34.6-7 -  e ; cf. Sl 51.1[3]; 103.3-4),96 por isso, o salmista

clama para que Deus não se “lembre” (rÛoKºzT


i -la)) dos seus “pecados da juventude” (yarU(ºn
tw)o=ax) nem de suas “transgressões” (ya(f$P: ) (v. 7).

O verbo “lembrar” () é usado várias vezes no Antigo Testamento como uma
metonímia de causa97 para descrever o efeito do castigo divino sobre o Seu povo por seus
pecados e aparece como termo paralelo para o verbo “castigar” (): “... Yahweh se
lembrará das suas injustiças e castigará os pecados deles” (Os 9.9; cf. Os 8.13; Jr 14.10).98
Portanto, quando Deus diz que não se lembrará mais dos pecados de Israel significa que Ele
os perdoará por seus erros (Is 43.25). Este é o clamor do salmista por sua vida individual (v.
7).

92 H. J. STOEBE, “”. In: Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, Theological lexicon of the Old Testament, v.
2, p. 458-459.
93 Ralph L. SMITH, Op. cit., p. 187.
94 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 228.
95 WEISER, The Psalms: a commentary, p. 239.
96 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 228.
97 Ver Carlos Osvaldo PINTO,   , p. 15.
98 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 270.

19
Os “pecados” (tw)o=ax) são os desvios do homem dos caminhos da vontade revelada

de Deus (cf. verbo  em Pv 19.2; Pv 8.36)99 que são confessados pelo compositor como
cometidos quando era mais novo, não restritamente em sua juventude (cf. 1 Sm 2.17; 2 Sm
18.5).100 As “minhas transgressões” (ya(f$P
: ) apontam para atitudes de rebelião como a de um
adolescente para com seus pais (Is 1.2) ou a de alguém que se rebela e trai o seu superior
numa aliança (2 Rs 1.1; 3.5, 7).101

O salmista, portanto, não esconde de si nem de Deus sua condição de pecador, cujos
pecados pesados e inumeráveis, só podem ser perdoados pelo  divino (cf. Êx 34.7; Sl
51.1[3]). É desta “graça comprometida” () que o salmista pede para que Deus se

“lembre”, em contraposição aos seus pecados (2x usa o verbo ). Aqui, o comentário de
João Calvino foi grandemente perspicaz:

Quando é dito que Deus se lembra de nós conforme a sua misericórdia, nos é
dado a entender tacitamente que há duas formas de lembranças que são
completamente opostas: uma em que ele visita pecadores em sua ira, e a
outra, quando ele, novamente, manifesta seu favor para aqueles aos quais
parecia não se importar.102

Além da “graça comprometida” de Yahweh, o salmista sabe que na “bondade” dEle


(!:bU+) há base (}a(am:l) para clamar pelo perdão de suas transgressões. Esta bondade se

materializa no ato condescendente, e inclusive perdoador, de salvar Seu povo desprezado e


carente de ajuda (Is 63.7; Jr 31.14; Zc 9.16-17; cf. Sl 145.7), sendo derramada sobre aqueles
que o temem e nEle se refugiam (Sl 31.19).103

III. A expressão de Confiança: O salmista reconhece que Yahweh é um Guia Fiel e


Gracioso que orienta pecadores humildes e tementes a Ele pelos Seus justos
caminhos, lhes concede prosperidade e permanência na terra Prometida e um
relacionamento íntimo com Ele, portanto, suplica pelo perdão divino como um
pecador desejoso de Sua comunhão e orientação – vv. 8-14.

99 Elmer B. SMICK, “”.In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 450-453. James LIMBURG, Psalms, p. 80.
Ralph L. SMITH, Teologia do Antigo Testamento: história, método e mensagem. p. 268. F. BROWN, S.
DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 306-307.
100 Geoffrey GROGAN, Psalms, p. 77.
101 James LIMBURG, Psalms, p. 80.
102 John CALVIN, Commentary on the Psalms, p. 397.
103 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 375.

20
A. O salmista expressa sua confiança em Yahweh como o Guia Gracioso e
Fiel de pecadores humildes em Seus justos preceitos – vv. 8-10.

A terceira estrofe contém a expressão de confiança em Yahweh. Ela exalta o caráter


do Deus de Israel e Sua prontidão em orientar, perdoar e abençoar os pecadores que guardam
a Sua aliança e temem o Seu nome. Dois traços do caráter sublime de Yahweh são
mencionados de imediato: Ele é Bom (bO+) e Reto (rf$æy) (v. 8). Ambos os adjetivos

aparecem unidos em outras passagens, geralmente, indicando a bondade e retidão morais que
Deus revela em Sua lei e espera que os homens as pratiquem como aquilo que é “bom” e
“reto” aos Seus olhos (Dt 6.18; 12.28; 1 Sm 12.23; 2 Cr 14.2; Ne 9.13; Sl 125.4).

A bondade de Deus aponta para a Sua ajuda graciosa ou favorecimento (Sl 86.17)
que Ele concede aos que nEle esperam (cf. Lm 3.25).104 O caráter bondoso de Yahweh está
associado a todos os Seus atributos e ações ligados à aliança de “amor”, “perdão” e
“fidelidade” que Ele derrama sobre os seus (cf. Sl 23.6; 86.5; 100.5; 107.1; 118.1). Assim
como Yahweh é “Bom”, Ele é livre para conceder Sua bondade especialmente sobre aqueles
que são puros de coração e objetos de Sua graça comprometida (Sl 73.1; 125.4). O piedoso,
então, louva a bondade de Deus, pois, tem visto e provado que Ele é Bom e aguarda o
cumprimento de Sua promessa (cf. Sl 52.9; 106.1; 107.1; 118.1).105

A qualidade de retidão divina aponta para a Sua justiça moral (Sl 64.10; cf. 11.17),
em contraste com a impiedade praticada pelos homens (Sl 107.42). Por ser perfeitamente Reto
(Dt 32.4; Sl 92.15[16]), Deus é quem estabelece o padrão do que é reto e justo para o Seu
povo e a humanidade (Êx 15.26; Dt 6.18; 12.25; 1 Rs 11.38) e revela a Israel os seus retos
mandamentos (Sl 19.8).106

Estes dois atributos estão relacionados à conclusão ou conseqüência (}"K-la()107

natural da ação de Yaweh que é “orientar os pecadores pelo caminho” (|erfDaB {yi)f=ax herOy)

(v. 8b).

104 Luis Alonso SCHÖKEL, Dicionário bíblico hebraico-português, p. 256-257.


105 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,
p. 233.
106 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 449.
107 Estes dois termos hebraicos funcionam como uma locução conjuntiva conclusiva, como o seu uso em outros

textos aponta (cf. Gn 2.24; 10.9; Êx 20.11; Sl 18.49[50]; Jr 31.3). Ver Luis Alonso SCHÖKEL, Op cit., p. 495,
E-1.
21
Javé, na sua bondade e retidão, demonstra o caminho certo ao pecador
“transviado”. Dum lado, é a bondade, a misericórdia e a compaixão para
com o pecador que move Javé para mostrar o caminho; do outro lado, é a sua
retidão que não suporta alguém andar por caminhos tortos.108

Como um pai cuidadoso e sábio orienta seu filho mediante mandamentos e


instruções (cf. Pv 4.4, 11; 5.13), Yahweh orienta (herOy) os pecadores ({yi)f=x
a ), entre os quais
se encontra o salmista (cf. v.7), pelo caminho que é bom (v. 8; cf. 1 Rs 8.36), pois é o próprio
caminho de Yahweh (v. 9 - woK:raD), o qual se traduz na experiência da graça e fidelidade do

Senhor (v. 10). “As perfeições divinas são reveladas por causa dos pecadores(!) ... O Senhor é
o Professor-Mestre que, num modo gracioso e reto, ensina aos pecadores os seus
caminhos”.109

A súplica do salmista no verso 5, para que Deus o guiasse (yén"kyir:dah) e o ensinasse

(yén"d:Ml
a ), agora se torna um fato concreto na sua boca, pois Yahweh “guia (|"r:dáy) os humildes
pelo justo preceito e ensina (d"Malyiw) os humildes no Seu caminho” (v. 9).110 Os humildes

({yéwænA() que são mencionados duas vezes neste verso são os sofredores, pobres e aflitos cuja

confiança e busca está no Senhor (Sl 10.12-14, 17-18; 22.26[27]; 69.32[33]; 34.2; Is 29.19; Is
11.4). Eles são humildes de espírito e demonstram quebrantamento de coração (Pv 16.19; Is
61.1). Eles compõem uma combinação de sofrimento e fraqueza com piedade e dependência
de Yahweh. 111 Por isso, Deus age em prol deles e os salva (Sl 76.10; 147.6). O favor de Deus
para com estes {yéwænA( é descrito no verso 9 mediante Suas ações de “guiar” ( - Hifil) e

“ensinar” (- Piel).

Dentro do paralelismo sinônimo direto que se encontra no texto, a expressão “justo


preceito” (+fP:$m
i ) e “Seu caminho” (woK:rD
a ) são termos paralelos que esclarecem um ao outro.
Assim, pode-se afirmar que o “caminho” de Yahweh é o Seu “justo preceito”. A palavra
+fP:$m
i apresenta um campo semântico muito amplo para a tradução ao português. Ela indica

108 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.
SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 217.
109 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 229.
110 Id. Ibid. Contra a proposta de Jussivo em NET BIBLE, Psalms, Chapter 25, t.n. (textual note) 13.
111 R. MARTIN-ACHARD, “”. In: Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, Theological lexicon of the Old

Testament, v. 2, p. 931-934.
22
o direito do governo Soberano de Yahweh112 e Sua “justiça” expressa na preocupação para
com a lei e ordem em Sua criação (cf. Sl 89.14 [15]; 99.4; 111.7; 33.5; 37.28; Jr 9.24).113
Como Rei Supremo, o Deus de Israel promulga “ordenança(s) justa(s)” ou “lei justa” a Seu
povo (Dt 33.10; 19.106, 108; Is 42.4; Jr 8.7).114 Este parece ser o melhor sentido de +fP:$m
i no
Salmo 25.9, já que forma um paralelismo com o “Seu caminho”, o qual é proposto e exigido
de Seu povo por Ele. Jeremias 5.4-5 apresenta o mesmo paralelo e ajuda no esclarecimento de
+fP:$m
i :

Mas eu pensei: são apenas os pobres que são insensatos,


pois não sabem o caminho () do SENHOR,
o direito (+fP:$im) do seu Deus.
Irei aos grandes e falarei com eles;
porque eles sabem o caminho () do SENHOR,
o direito (+fP:$im) do seu Deus;
mas estes, de comum acordo, quebraram o jugo e romperam as algemas.

Portanto, Yahweh em Sua bondade e retidão, guia os pecadores humildes115 pelo seu
caminho, que nada mais é do que a pratica da justiça revelada e requerida em Sua lei, na
relação vertical com Deus e no relacionamento horizontal, uns com os outros.116

Depois de repetir a palavra “caminho” (), agora o autor usa um termo paralelo,

“veredas” (twox:rf)) (v. 10a; cf. v.4), mas o desenvolvimento da idéia iniciado no verso 8

continua. As “veredas de Yahweh” (hæwhºy twox:rf) - v. 10a) são o mesmo “caminho” de seu

“justo preceito” no qual Ele guia e instrui pecadores aflitos e dependentes dEle.117 Nestas
veredas, Deus demonstra Seu caráter de “amor e fidelidade” (temE)åw desØex), dois termos que

quando aparecem juntos indicam o amor misericordioso e compromisso fiel de Deus para com

112 Robert D. CULVER, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 1605.
113 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 235.
114 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 1048.
115 Certamente, há uma relação textual sinônima entre os {yi)=
f ax do verso 8 e os {yéwænA( do verso 9, pois a ambos
Deus guia e orienta em Seu caminho. Ver Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 123; NET
BIBLE, Psalms, Chapter 25, t.n. 14.
116 Robert D. CULVER, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 1605.


117 H. C. LEUPOLD, Expositions of the Psalms, p. 225.

23
os seus, expressos em salvação (Sl 40.10[11]; Sl 115.1ss.) e cuidado protetor (40.11[12]; cf.
Gn 32.10).118

Não é apenas uma questão biológica que caracteriza o povo do pacto (cf. Rm 9.6-8;
11.1-6), de modo que a experiência da graça e fidelidade de Deus se concretiza na vida dos
“que guardam a Sua aliança e os seus estatutos” (wy×ftod"(ºw wotyir:b y"r:cïn:l) (v. 10b). A ação de

“guardar” () aparece com os dois termos ( e ) em outros textos do AT. Em

Deuteronômio 33.9, na bênção de Moisés, a tribo de Levi é louvada por ter guardado () a

aliança () de Deus, quando se colocou ao lado de Moisés e de Yahweh contra todo o
povo que havia se prostituído frente ao bezerro de ouro (cf. Êx 32.25ss.).119 No Salmo 119.2 e
22, os que guardam () os estatutos () divinos são aqueles que possuem um
compromisso integral com Deus (“o buscam de todo o coração”). Assim, o desfrute da benção
de Deus nos caminhos que Ele traça para o Seu povo se dá num andar fiel à aliança e íntegro
na obediência aos seus mandamentos.120

Os dois termos “aliança” e “estatutos” funcionam numa relação de hendíade, em que


um único conceito básico é expresso por dois termos coordenados,121 lendo-se a frase “Sua
aliança e Seus estatutos” como “os estatutos da Sua aliança”.122 A aliança à qual o salmista faz
referência é a Aliança Sinaítica, realizada entre Yahweh e Israel (Êx 19.5; 24.7, 8; 34.10-11,
27-28; Lv 26.9, 15, 25, 44-45), renovada nas planícies de Moabe (Dt 28.69; 29.20), cujo
fundamento são os atos salvíficos de Deus na libertação de Israel do Egito (Êx 20.1ss) e o Seu
pacto com os patriarcas (Dt 29.12-14).123 Deus exige obediência do Seu povo a esta aliança e
garante Seu amor leal aos que a observam fielmente.124

B. Com base no caráter Gracioso e Fiel de Yahweh, o salmista suplica pelo


perdão divino sobre as suas grandes iniqüidades - v. 11.

118 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, Op. cit., p. 54; Willem A. VANGEMEREN, Op. cit., p. 235.
119 Thomas L. CONSTABLE, Notes on Deuteronomy, p.108.
120 H. C. LEUPOLD, Expositions of the Psalms, p. 225.
121 Roy B. ZUCK, A interpretação bíblica, p. 177.
122 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 230.
123 Elber B. SMICK, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 214-218; F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS,


The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 186-187. Para um estudo mais detalhado sobre o

termo , ver Ralph L. SMITH, Teologia do Antigo Testamento: história, método e mensagem. p. 132-154.
Sobre a forma dos tratados antigos que evidenciam a formulação do Pacto Sinaítico, ver K.A. KITCHEN,
Ancient Orient and Old Testament, p. 90-98.
124 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 186-187.

24
No verso 11, chega-se ao centro não apenas da terceira estrofe, como do cântico
todo, em que se explode a confissão do pecado e a súplica pelo perdão divino. 125 Sem
condições em si mesmo de alcançar o perdão divino, o salmista clama para que Yahweh lhe
conceda graça com base em Seu próprio nome (hfwhºy !:mi$-}a(×am:l).126 A expressão “Por causa

do Teu nome” (!:mi$-}a(×am:l) evoca a expressão anterior “Por causa da Tua bondade” (!:bU+

}a(am:l) no verso 7.127 As duas expressões funcionam como fundamento para súplica de perdão
de pecados. O nome () de Yahweh aponta para a Sua existência, caráter e reputação128 e
assinala a revelação de Sua glória na Criação e Redenção (Sl 8.1; 124.8; Êx 19.5-6).129 Foi
com base em Seu nome que Yahweh salvou e confirmou Sua aliança com Israel (Êx 3.14ss;
6.2-8).130 “A teologia da aliança está inserida na teologia do nome (v. 11a), a qual une palavra
e ação. O Deus que chama a si mesmo de Yahweh (causativo) é aquele que cria, renova,
vivifica e traz a concretização”.131

Quando fez passar a Sua glória perante Moisés, Yahweh revelou Seu nome da
seguinte forma: “Yahweh, Yahweh Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em
misericórdia e fidelidade ... que perdoa a iniqüidade [], a transgressão e o pecado, ainda
que não inocenta o culpado ...” (Êx 34.6-7; cf. Sl 25.11). É com base nesta revelação do
caráter compassivo e fiel, que se manifesta no perdão de pecados que o salmista faz o apelo a
Yahweh: “Perdoa a minha iniqüidade [] pois, ela é enorme” (25.11b).132 Ele personaliza a
súplica coletiva: “Assiste-nos, ó Deus e Salvador nosso, pela glória do teu nome; livra-nos e
perdoa-nos os pecados, por amor do teu nome” (Sl 79.9; cf. Jr 14.7). Percebe-se, logo, que
perdoar “é o ato gratuito que honra o nome de Deus”.133

125 Samuel L. TERRIEN, The Psalms: strophic structure and theological commentary, p. 255; James LIMBURG,
Psalms, p. 255.
126 Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário. p. 403.
127 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 230.

128 Hermann J. AUSTEL, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 1578-1579; Alonso SCHÖKEL, Cecília


CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário. p. 403.
129 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 107.
130 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.

SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 217.


131 Samuel L. TERRIEN, The Psalms: strophic structure and theological commentary, p. 255; James LIMBURG,

Psalms, p. 256.
132 H. C. LEUPOLD, Expositions of the Psalms, p. 225.
133 Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário. p. 403.

25
A leitura de  no imperativo, como súplica do inferior para o superior, é
gramaticalmente plausível134 e rende o melhor sentido do texto: “Perdoa a minha iniqüidade”.
Este verbo hebraico () se destaca por ser usado apenas em referência a Deus como o
praticante da ação de “perdoar”135 e retrata a extrema misericórdia de Yahweh em momentos
de profunda idolatria ou terrível incredulidade praticadas por Israel contra o Suserano da
Aliança (cf. Êx 34.9; Nm 14.19-20).136 Devido à Sua compaixão, Yahweh tem completa
disposição em perdoar o pecador, quando este se converte de seus maus caminhos e se volta
para Ele (cf. em Is 55.7; Jr 36.3).

Após confessar os “pecados” (tw)o=ax) e “minhas transgressões” (ya(f$P


: ) (v. 7), o
compositor lança mão de outro termo comum para designar a falha em cumprir os
mandamentos divinos: “minha iniqüidade” () (v. 11b; cf. Êx 34.7). Este termo pode
designar tanto a culpa por um pecado cometido (cf. Lv 5.1, 17; Ez 36.31) quanto a própria
ação pecaminosa e faltosa contra a aliança com Yahweh (Lv 16.21; Sl 107.17).137 O que
surpreende é o espírito humilde e sincero diante do Senhor que leva o salmista a declarar que
sua iniqüidade “é grande” ()U×h-bar). “Ainda que o pecado seja grande, o perdão de Deus é

maior (Sl 103.3-12; Mq 7.18-20; 1 Jo 2.12)”.138

C. O salmista expressa a confiança de que Yahweh guia os que o temem,


como também, lhes concede prosperidade, herança e intimidade com Ele
– vv. 12-14.

A segunda parte da estrofe começa com uma pergunta: hÕfwhºy )Ø"rºy $yi)fhø hØez-yim

(lit. “Quem é este homem que teme a Yahweh?” – v. 12). A expressão hØez-yim é fortemente

134 
O verbo , na segunda parte do verso 11, encontra-se no tempo Perfeito, mas é acompanhado por um 
conversivo (fT:xalfsw) e, ainda que não haja um verbo precedente no tempo futuro ou no imperativo, a cláusula
causal anterior (cf. v. 11a - }a(×m
a :l), possibilita o emprego do verbo no sentido futuro ou imperativo, conforme
demonstra W. Gesenius. Ver W. GESENIUS, Gesenius’ Hebrew grammar, p. 236, 124.6.d.1. O próprio Salmo
125.11 é usado como exemplo por Gesenius, na mudança do sentido temporal do Perfeito. Cf. a interessante
argumentação de João Calvino em John CALVIN, Commentary on the Psalms, p. 400-401.
135 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.

SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 217.



136 Walter C. KAISER, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.1044.


137 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 730-731.
138 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 230.
26
idiomática139 e se dá em seu uso enfático, imprimindo força e direção para a frase e a trazendo
para uma relação próxima com aquele que fala (cf. Jó 38.2; Sl 24.8; Jr 50.44; Lm 3.37).140
Aqui, o pronome demonstrativo hØez possui uma função quase adverbial e deveria ser lido

como “Quem, então, é o homem que teme ao Senhor?”.141

O “temor de Yahweh” (cf. hÕfwhºy )Ø"rºy) é uma expressão típica de religiosidade

hebraica, no Antigo Testamento, seja descrita pelo verbo  (“temer”, “reverenciar”) ou pelo

substantivo  (“temente” “medo”). Ela envolve especialmente um sentimento de


reverente consideração por Deus,142 temperado com assombro e temor do juízo divino sobre a
desobediência (cf. Êx 18.21; Dt 4.10; 25.18; Js 24.14 Sl 112.1; Jr 5.22).143 O temor de
Yahweh, o Deus de Israel, é requerido da parte dEle (Êx 20.20; Dt 6.13; Js 4.24; 1Sm 12.24;
Jó 6.14; Ps 33.8; 34.9; Pr 23.17; Ec 5.7)144 como elemento essencial da religião yahwista (Sl
34.11; Jr 2.19; cf. Ec 12.13). De forma prática, o “temor de Yawheh” se reproduz em
obediência e prazer nos mandamentos divinos (Dt 31.11-12; Sl 112.1; Ec 12.13), aborrecendo
e evitando o mal (Pv 8.13; Pv 16.6), afastando-se da idolatria (Dt 6.13-14) e praticando o que
é justo diante de Yahweh (2 Sm 23.3).145

O temor do Senhor é o “segredo” para uma vida sábia e bem-sucedida na Terra


Prometida (Pv 1.7; 9.7; 14.27; Sl 110.10; 128.1, 4).146 Pois, aos que o temem, Yahweh
concede suprimento das necessidades (Sl 34.9), proteção e segurança (Sl 4.7; Pv 14.26),
livramento (Sl 85.9), saúde e refrigério físicos (Pv 3.8), prosperidade e honra (Pv 22.4; 23.17-

139 Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 124.


140 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 261;
Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J. SALVADOR,
Atualidades Bíblicas, p. 217; Carlos Osvaldo PINTO, Fundamentos para Exegese do Antigo Testamento, p. 33.
Este autor discorda da proposta de Schockel e Carniti de que a expressão hez-yim “pede a identificação de uma
personagem” (Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário. p. 403).
O próprio uso de tal expressão no Salmo 25.12 revela a falácia desta afirmação, além de outros textos que
claramente não requerem a identificação de nenhuma personagem, pois funcionam como uma pergunta retórica
cuja resposta é negativa. Ver Jó 38.2; Jr 50.44; Lm 3.37.
141 W. GESENIUS, Gesenius’ Hebrew grammar, p. 228.; F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, Op. cit., p. 261;

Willem A. VANGEMEREN, Op. cit., p. 231.


142 Andrew BOWLING, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 656-657.


143 W. L. WALKER, “Fear”. In: James ORR, The international Standard Bible encyclopedia. (Versão

eletrônica); BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 431.
144 W. L. WALKER, Op. cit. (Versão eletrônica).
145 Andrew BOWLING, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 655-657; BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS,


The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 431.
146 James LIMBURG, Psalms, p. 81; Artur WEISER, The Psalms: a commentary, p. 240-241.

27
18).147 Porém, maior do que todas estas bênçãos físicas são as espirituais, que incluem o
perdão divino (Sl 130.4), a comunhão íntima com Yahweh (Sl 25.14)148 e, como indica o
versículo em análise, a certeza de Sua orientação no caminho correto a escolher (|erØed:B UNèerOy

r×fx:béy - Sl 25.12).

Novamente, a temática de Yahweh como aquele que orienta os seres humanos pelo
caminho é destacada pelo salmista. O mesmo verbo  (v. 12 - UNerOy; v. 8 - herOy) e a

mesma expressão “no/pelo caminho” (v. 12 - |ered:B; v. 8 - |erfDaB) se repetem nos versos 8 e

12. A diferença consiste no objeto da orientação do Senhor, enquanto no verso 8 são os


“pecadores” ({yi)f=x
a ), no versículo 12 é o “homem que teme a Yahweh” (hfwhºy )"rºy $yi)fh).
Todavia, da perspectiva do desenvolvimento da oração no Salmo 25, os “pecadores humildes”
(vv. 8-9) e “o homem que teme a Yahweh” (v. 12) são a mesma classe de pessoas que pela
graça de Deus aprendem a obedecê-lo e honrá-lo.149 O Deus de Israel é, assim, retratado como
o “Professor e Líder do homem, instruindo-o no conhecimento moral e guiando-o pelo
caminho das ações morais”.150 Uma vez mais, o “caminho” retrata conduta religiosa e ética
humanas à luz da revelação divina (cf. Jó 34.21; Pv 5.21; Jr 32.19).

A construção da frase rfxb


: éy |ered:B UNerOy (v. 12) não deixa claro quem é o sujeito do
verbo , se Yahweh ou “o homem que teme ao Senhor”. Alguns estudiosos têm proposto a
leitura de que Yahweh orienta o temente no caminho que o próprio Yahweh escolhera.151 Até
o léxico de Brown, Driver e Briggs (BDB) indica que a escolha do caminho é feita por
Deus.152

Mas, esta não é a única leitura possível e, ao ver deste autor, nem a preferível. Como
sinalizou o próprio BDB, as escolhas de caminho em outros textos são descritas como opções
humanas, seja na prática do que é errado (Pv 3.31; Is 66.3) ou na obediência aos preceitos
divinos (Sl 119.30).153 Assim, vários comentaristas tem optado pelo “homem que teme a
Yahweh” como o sujeito da ação de escolher: “Mas aqui, novamente, parece bem óbvio que o

147 David MERKH, Teologia da formação espiritual, p. 25-26.


148 W. L. WALKER, “Fear”. In: James ORR, The international Standard Bible encyclopedia. (Versão eletrônica)
149 John CALVIN, Commentary on the Psalms, p. 402-403.
150 Artur WEISER, Op. cit., p. 241.
151 Ver a proposta de Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible

commentary, v. 5, p. 231; Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 124.


152 BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 104, 2.a.
153 Ver Id. Ibid., 1.b.

28
„caminho‟ referido é o caminho da conduta, o caminho de guardar os mandamentos do
Senhor. Por isso, as versões traduzem: „o caminho que ele deve escolher‟” (Grifo próprio).154

Em meu julgamento, a palavra ‘escolher’ refere-se antes a cada indivíduo;


como se isso estivesse sendo dito: Providos com a nossa inclinação de temer
a Deus, Ele não será ausente em Seu dever, mas sempre nos dirigirá pelo
Espírito de sabedoria a escolher o caminho correto. Quando somos
chamados a adotar algum curso particular na vida, nós nos encontramos
entre dois caminhos e não sabemos qual deles seguir; mais ainda, em quase
todos os nossos afazeres somos mantidos em suspense e dúvida, até que
Deus apareça para nos mostrar o caminho.155 (Grifo do autor).

A própria construção da frase mostra que há uma quebra de sujeito entre a ação de
“orientar” (UNerOy) e “escolher” (rfx:béy), pois, não há um  conjuntivo que ligue um verbo ao

outro como uma seqüencia de ações praticadas pelo mesmo sujeito. Portanto, ao homem cabe
a escolha do caminho apontado por Yahweh, a escolha da vida e da benção na Terra
Prometida (cf.  em Dt 30.19), como o verso 13 mostrará.156

A primeira parte do versículo 13 apresenta: }yÕilfT bwØo+:B O$:pán (lit. “a sua alma se

hospedará no bem”). Muito provavelmente, o termo O$:pán com o sufixo pronominal

possessivo na terceira pessoa funciona como pronome pessoal,157 em que se usa tal construção
perifrástica para indicar o próprio individuo que teme ao Senhor.158 A tradução do termo,
então, seria “ele” ou “ele mesmo”159 e isso se adéqua bem ao paralelismo que o termo forma
com “os seus descendentes” (wo(:ráz) na segunda parte do verso.160

O devoto “se hospeda no bem” (}yilfT bwo+:B) (v. 13a). O verbo  que tem o sentido

básico de “passar a noite”, “alojar-se”, ou “hospedar-se” (cf. Gn 19.2; 28.11; Jz 19.13; 2 Sm


12.16; Jó 24.7),161 é usado de forma metafórica no texto como uma indicação de permanência

154 H. C. LEUPOLD, Expositions of the Psalms, p. 225. Ver o apoio para este leitura em Luis Alonso
SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário. p. 403; Johannes
SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J. SALVADOR,
Atualidades Bíblicas, p. 217.
155 John CALVIN, Commentary on the Psalms, p. 402.
156 Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário. p. 403.
157 W. GESENIUS, Hebrew and English lexicon of the Old Testament including the biblical Chaldee, p. 437.
158 Hans Walter WOLFF, Antropologia do Antigo Testamento, p. 52-56. Ver o uso pronominal de  em Gn

12.3; 19.9; Nm 23.10; Sl 54.6; Is 51.23; et al.


159 Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 124; Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank

E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5, p. 231.


160 Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário. p. 403.
161 Luis Alonso SCHÖKEL, Dicionário bíblico hebraico-português, p. 343; W. GESENIUS, Hebrew and

English lexicon of the Old Testament including the biblical Chaldee, p. 329-330.
29
do justo no “bem”. Certamente, a idéia de repouso ou descanso, também está presente (cf.
Almeida Revista e Atualizada [ARA]; ver Pv 19.23; 91.1),162 mas a ênfase está na
continuidade e durabilidade do homem que teme ao Senhor dentro de um estado próspero,
como alguém que “vive” ou “mora” dentro desta condição (cf. o mesmo uso metafórico em Jó
41.22[14]; Sl 49.12; Is 1.21).163 Por isso, a Nova Versão Internacional (NVI) oferece a melhor
tradução: “Viverá [ou desfrutará permanentemente de] em prosperidade”.

O “bem” (bwo+) ao qual o texto se refere, certamente, é o bem físico e

psicológico/espiritual.164 O bwo+ que Deus concede a Israel é sinônimo de suprimento das

necessidades (Gn 50.20; Sl 107.9; 128.2), prosperidade material, paz e segurança (cf. Dt
10.13; 30.9; 1 Rs 10.7; Jó 36.11; Sl 122.9; Ec 7.14).165 O “bem” definia o próprio estado de
felicidade, sendo um sinônimo para “feliz” (cf. 2 Cr 7.10; Pv 15.15; Ec 6.3).166 Assim, o
“bem” no qual o devoto vive é tanto um aspecto de prosperidade material que o permite gozar
dos prazeres legítimos da vida (Ec 5.18; cf. Sl 107.9) quanto o próprio sentimento de alegria e
felicidade no coração (Jó 21.25; Sl 106.5).167

A benção de Deus é derramada não somente sobre o homem que teme a Yahweh,
mas inclusive sobre os seus descendentes (wo(r
: áz), aqueles que levam adiante o seu nome e sua
memória (cf. 1 Sm 24.21; Is 48.19). A extensão da graça de Deus a estes evoca as afirmações
mosaicas de que Yahweh demonstra a Sua graça leal até mil gerações daqueles que o amam e
guardam os seus mandamentos (Êx 20.6; Dt 5.10). A expressão “herdará a terra” (jer×)
f $aryiy)
remonta a uma temática constante no Antigo Testamento, o da promessa de Deus feitas aos
patriarcas de que daria aos seus descendentes a terra de Canaã como herança (cf. Gn 15.7-8,
18-21), a qual foi renovada e efetuada com a própria nação de Israel, a partir de Sua libertação

162 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.
SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 217; Walter C. KAISER, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L.
ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.). Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 780-
781.
163 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 533; Walter

C. KAISER, “”. Op. cit., p. 780-781; Artur WEISER, The Psalms: a commentary, p. 241.
164 Luis Alonso SCHÖKEL, Dicionário bíblico hebraico-português, p. 257.
165 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, Op. cit., p. 375; Andrew BOWLING, “”. In: Laird R. HARRIS,

Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.). Op. cit., p. 565-566.


166 Andrew BOWLING, Op. cit., p. 565-566.
167 Joseph A. ALEXANDER, Op. cit., p. 124; Johannes SCHILDENBERGER, Op. cit., p. 217.

30
do Egito (Lv 20.24; Dt 1.8; 6.10; 34.4).168 “A posse e habitação numa terra entregada era o
final da libertação e estava vinculada à aliança”.169

A dádiva de herdar a terra trazia consigo todas as bênçãos implícitas nela e


prometidas ao Antigo Israel.170 O que incluía uma vida de prosperidade agrícola e econômica
(Dt 8.6-10; 11.9-12; 26.9), um local seguro e tranqüilo para o povo habitar (Dt 25.19) e onde
Israel poderia desenvolver uma identidade geográfica e nacional (Dt 12.1; 1 Cr 28.8; 2 Cr
20.7). A terra, portanto, era uma dádiva encantadora que pertencia a Yahweh e era concedida
em arrendamento a Israel (cf. Lv 25.23),171 mas, apenas permaneceriam nela aqueles que
esperassem em Deus e praticassem a justiça (Sl 37.9, 29), atitudes evidentes do “temor de
Yahweh”. A falta deste temor e a desobediência aos Seus mandamentos culminariam no
desarraigamento de Israel da terra da herança (cf. Dt 28.58, 63; 30.17-18).172

O clímax da vida bem-aventurada concedida “àqueles que temem” a Yahweh


(wyf)"ryil) é apresentada no verso 14.173 A primeira parte do dístico afirma: “O relacionamento

íntimo com o Senhor é para os que o temem” (wyf)r


" yil hæwhºy dwos). A palavra inicial (dwos)
possui um leque amplo de sentidos. Ela pode indicar o “conselho” que é dado na orientação
da execução de um determinado projeto (Pv 15.22) ou uma “assembléia pública” (Gn 49.6
paral. ; Sl 89.7; 111.1 paral. ).174 Mas geralmente, ela se refere a conselhos ou
planejamento realizados num círculo íntimo e particular de pessoas (Sl 64.2[3]; 83.3[4]) e,
portanto, é usada como sinônimo de “segredo” (Jó 15.8; Pv 11.13; 20.19; 25.9; Am 3.7)175 ou,
em outros momentos como “amizade” ou “relacionamento íntimo” (Jó 19.19; 29.4; Pv
3.32).176

Quando dwos está relacionada a Yawheh, refere-se ao “segredo” ou “conselho” que

Ele revela aos seus servos ou em Seu concílio celestial (Jó 15.8; Am 3.7; Jr 23.18, 22).177

168 H. C. LEUPOLD, Expositions of the Psalms, p. 225.


169 Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário. p. 403.
170 Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 124.
171 Walter C. KAISER, Teologia do Antigo Testamento, p. 131-132.
172 J. E. HARTLEY, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 672-673.


173 H. C. LEUPOLD, Op. cit., p. 225.
174 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 691.
175 R. D. PATTERSON, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 1031-1032.


176 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 691.
177 James Luther MAYS, Psalms, p. 126-127; Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 124;

31
Mas, também, é uma referência à Sua “amizade” ou “relacionamento íntimo” (Jó 29.4) que é
dispensado aos justos (Pv 3.32). Ainda que inclua a primeira idéia, o “relacionamento íntimo”
parece ser o sentido principal do Salmo 25.14, pois, dwos encontra-se em paralelo ao termo

“aliança” que ocorre no segundo dístico, a qual expressa um compromisso de fidelidade e


amor mútuos, cujo pleno cumprimento se dá em íntima amizade (dwos) entre Deus e o Seu

povo.178

Mas, contrário à toda racional compreensão, este temor de Deus é, ao mesmo


tempo, acompanhado da „amizade de Deus‟, de uma vida vivida pelo homem
piedoso em íntima comunhão pessoal com Deus; e é nesta vida que o temor
de Deus encontra sua realização.179 (Grifo próprio).

A fim de que esta comunhão profunda entre Deus e Seu povo se concretize, “Ele lhes
dá a conhecer a Sua aliança” ({×f(yidOh:l wotyir:bU). O uso do verbo  no Hifil (“dar a

conhecer”, “fazer conhecer”) aparece no modo infinitivo, sendo usado no sentido do gerúndio
do português e indicando o meio pelo qual Deus torna possível a intimidade àqueles que o
temem, isto é, “fazendo-os conhecer a Sua aliança”.180 Tal conhecimento inclui as exigências
ou preceitos revelados na aliança, mas, também, os benefícios dela no desfrute da graça e
fidelidade de Yahweh para com os seus (v. 10; cf. Dt 30.19-20).

A aliança, como observado por Schökel e Carniti, é o objeto e o meio da instrução:


“Deus se faz mestre do homem, de seu povo, dando-lhe a aliança com suas estipulações;
assim, ensina-lhe seus caminhos, aqueles que ele segue e os que ele há de seguir. Graças à
aliança, o homem sabe o que deve fazer, como ele há de comportar-se com Deus”.181

Joseph Alexander oferece um resumo acertado do ensino do verso 14:

O significado do verso como um todo parece ser que Jeová condescende em


manter uma relação familiar com aqueles que o temem e entra numa relação
de aliança com eles, com o propósito de fazê-los saber tudo o que eles
precisam para o Seu serviço e para o próprio benefício deles.182

IV. Petição Final (Parte 1): Em meio às aflições e sofrimentos crescentes, o salmista
clama, continuamente, pela libertação e perdão de Yahweh – vv. 15-18.

178 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.
SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 217; Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução,
introdução e comentário. p. 403.
179 Artur WEISER, The Psalms: a commentary, p. 240.
180 Ver este uso do Infinitivo hebraico em Carlos Osvaldo PINTO, Fundamentos para Exegese do Antigo

Testamento, p. 83, 17.7.


181 Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário. p. 400.
182 Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 124.

32
Diante da confiança verbalmente expressa em Deus como o guia e amigo daqueles
que dEle dependem e nEle esperam (vv. 8-9, 12-14), o salmista exercita de forma prática esta
dependência, voltando os seus olhos para Yahweh (hÕfwhºy-le) dyimfT yany"() (v. 15).183 Os

olhos voltados para Yahweh expressam a relação de um servo perante o seu senhor, em que
aquele aguarda com submissa expectativa a demonstração de graça do último (cf. Sl 123.1-3;
cf. Sl 145.15).184 Tal figura traz o sentido conotativo de depositar a confiança e buscar refúgio
em Deus (Sl 141.8), em lugar da vã confiança na força humana (Lm 4.17).185

O salmista não é vacilante em sua esperança no Senhor, mas permanece


continuamente (dyimfT) neste estado de espírito: “Quanto a mim, esperarei sempre (dyimfT) e

te louvarei mais e mais” (Sl 71.14[15]). “Fixando seus olhos firmemente no Senhor ... ele
deve esperar, continuamente, em cada instante de tempo que restará à sua disposição nesta
terra”.186

O motivo ou explicação para a sua confiança em Yahweh se encontra na segunda


parte do versículo: “Porque Ele livra os meus pés da armadilha” (yfl:gr
a te$er"m )ycOy-)Uh)
(v. 15b).187 Ainda que o sentido básico da palavra  é “sair” ou “fazer sair”, ela possui uma
nuance de redenção ou livramento, seja de situações objetivas como o cárcere ou a
escravidão, ou de uma condição psicológica como a aflição (cf. Sl 68.6[7]; Sl 107.28; 142.7).
Este vocabulário libertador remonta à grande redenção de Israel do Egito originada no atos
salvadores de Yahweh (Êx 20.2; Dt 9.26, 29; Sl 136.10-11).188 Assim, o salmista se vê dentro
da história da redenção e pede que Yaweh o “livre” da armadilha que lhe fizeram (v. 15).189

O vocábulo te$er indica a “rede” que é montada por um caçador na tentativa da

captura de algum animal (cf. Pv 1.17), mas é aqui usada num sentido figurado, para uma
situação de prejuízo e destruição que os inimigos do salmista, de forma perversa, lhe

183 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.
SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 217.
184 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 232.
185 Artur WEISER, The Psalms: a commentary, p. 241; Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Op. cit., p.

403; Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 124.


186 Samuel L. TERRIEN, The Psalms: strophic structure and theological commentary, p. 256.
187 O uso da conjunção  é de introdução a uma oração explicativa (Ver Carlos Osvaldo PINTO, Fundamentos

para a exegese do Antigo Testamento, p. 139-140).


188 Paul R. GILCHRIST, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 643-644.


189 James Luther MAYS, Psalms, p. 127; H. C. LEUPOLD, Exposition of the Psalms, p. 226.

33
causaram (cf. Sl 31.4 [5]ss.; Sl 35.7; Sl 140.5; Pv 29.5).190 O compositor “com os pés travados
não pode se mover”,191 então, reconhece que apenas Yahweh é capaz de “tirá-lo” daquela
situação.

Com os olhos postos em Deus, agora, o devoto pede para que Yahweh volte a sua
face para ele (yal")-h¢n:P)192 e demonstre sua graça (yén"Nx
f ) (v. 16a): “Ao olhar fixo do orante
deve corresponder o rosto voltado de Deus”.193 Os dois verbos ( e ) aparecem
relacionados em textos que descrevem condescendência graciosa de Deus para o Seu povo ou
o indivíduo fiel, em situações difíceis, seja no livramento de uma opressão de inimigos
estrangeiros (2 Rs 13.23; cf. v. 22) ou na proteção de adversários pessoais soberbos e
violentos (Sl 86.16[17]; Sl 119.132-134). O verbo  é logicamente um antropomorfismo,
em que Deus é descrito como virando Sua face na direção do oprimido ou de seus fiéis e
agindo em seu favor ou conforme as suas súplicas (Sl 69.16[17]; cf; Lv 26.9; 1 Rs 8.28).
Portanto, o BDB indica este uso figurado do verbo como “atentar graciosamente”194: “atendeu
à oração do desamparado e não lhe desdenhou as preces” (Sl 102.[17]18).

O verbo  é, praticamente, um sinônimo de  já que, também, indica a postura


divina em vista das calamidades de seu povo, como a aflição (cf. Sl 31.9[10]), ou concedendo
bênçãos imerecidas por parte deste, como filhos, prosperidade e paz (cf. Gn 33.5, 11; Nm
6.25-27). A LXX traduz o vocábulo hebraico com os verbos  (“ter piedade ou
compaixão”) ou  (“demonstrar misericórdia ou solidariedade”).195

Uma leitura adequada da seqüência verbal é proposta por Calvino: “Assim sendo,
parece-me que as palavras poderiam ser explicadas deste modo: „Tenha consideração por
mim, a fim de demonstrar a sua misericórdia para comigo‟” (Grifo do autor).196

Como apelo à compaixão de Yahweh, o compositor apresenta a causa para a sua


súplica: “porque estou só e aflito” (yénf) yinf(ºw dyixæy-yiK) (v. 16b).197 O adjetivo “só” (dyixæy) é

190 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 440.
191 Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário, p. 403.
192 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.

SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 217-218.


193 Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Op. cit., p. 403
194 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 815.


195 Edwin YAMAUCHI, “”.In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (Orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 494-495.


196 John CALVIN, Commentary on the Psalms, p. 406.

34
usado no masculino para indicar o “filho único” (Pv 4.3; Jr 6.26; Am 8.10; Zc 12.10), como
Isaque na história patriarcal (Gn 22.2, 12, 16). Mas aqui no verso 16, bem como no Salmo
68.6[7] aponta para alguém solitário, separado do convívio comunitário, sem o apoio de
outros.198

O yinf( é um termo que descreve pessoas de condição econômica desfavorável, pobres

(paral. ), que eram trabalhadores assalariados com praticamente nenhum recurso dentro
de Israel (Dt 24.14-15) e a quem o povo deveria dar esmolas e permitir pegar as espigas
caídas no campo (Lv 19.10; Dt 15.11).199 Ao mesmo tempo, o termo descreve pessoas
oprimidas em geral, como em Isaías 3.14-15 em que o yinf( não é apenas o pobre, mas

inclusive, alguém oprimido pelas autoridades da nação. O adjetivo aponta, também, para
pessoas aflitas em razão de enfermidade física (Sl 88.15[16]) ou devido ao exílio (Is 51.21).
Tal aflição física se une à dependência espiritual de Deus, num espírito contrito (Is 66.2), em
confiança em Yahweh (Sl 14.6) e em gritos de socorro a Ele (Sl 34.6[7]; 69.29 [30]).200

Deus, então, se compadece e defende a causa destes oprimidos (Sl 140.12; Is 49.13),
os salva (Sl 35.10) e lhes concede o Seu favor (Sl 72.2, 4).201 O salmista, portanto, ao invocar
a ajuda de Yahweh, age com a mesma dependência que os outros “aflitos” e sabe que pode
contar com o Deus que julga a causa dos oprimidos (Sl 25.16). Abandonado pela comunidade
e oprimido pelos inimigos ao redor, ele aguarda ansiosamente pela face do Senhor.

O autor do Salmo 25 continua a falar de sua condição desoladora. O Texto


Massorético apresenta a leitura: “As angústias do meu coração aumentam” (yibfb:l tworfc
Ubyix:rih) (v. 17a).202 Muitos estudiosos do AT propõem uma tradução alternativa “Alivia-me
as tribulações do coração” (cf. 25.17a - ARA), lendo  em sua forma imperativa no

197 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.
SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 218.
198 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, Op. cit., p. 403.
199 Leonard J. COPPES, “”.In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 1145.


200 Leonard J. COPPES, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 1146.


201 Id. Ibid.
202 Este autor entende que o sentido iterativo do tempo Perfeito é o que mais se adéqua ao texto, especialmente

pela intensidade com a qual o salmista retrata o agravamento de seu sofrimento. Ver Carlos Osvaldo PINTO,
Fundamentos para Exegese do Antigo Testamento, p. 58, 3.1.
35
singular.203 Todavia, não há base sólida para tal proposta, desde que a LXX (
) e a Vulgata Latina (tribulationes cordis mei multiplicatae
sunt) apóiam a leitura do verbo  (“aumentar”, “alargar”) na 3ª. Pessoa do plural como
uma referência às “angústias” (tworfc). 204

Estas “angústias” são sentimentos internos, pois, provêm do “coração” (bfb"l) do

compositor, mas são conseqüência natural da opressão externa que ele experimenta por parte
de seus inimigos e do isolamento da comunidade (vv. 3, 16; cf.  em 1 Sm 26.24). O
“coração” aqui aponta para “o homem interior”, “compreendendo a mente, afeições e
vontade”, mas com ênfase especial no centro das paixões e emoções (cf. 1 Rs 8.38; Sl
73.21).205

Se, anteriormente, o salmista pedira para que Deus o “livrasse” (verbo  no Hifil)
da armadilha (v. 15b), agora, roga para que Yahweh o “livre” (Verbo  no Hifil) das suas
“aflições”206 (yatOqUc:Mim) (v. 17b). Este último termo é paralelo a “minhas angústias” que

ocorre na primeira parte do verso. Ambos aparecem juntos em outros trechos do Antigo
Testamento, sempre denotando uma situação externa atribulada que produz angústia na alma
do sofredor e clamor por livramento da parte de Yahweh (cf. Jó 15.24; Sl 107.6, 13, 19, 28).
Somente Yahweh pode salvar Seu povo da adversidade e é a Ele que o compositor roga por
ajuda.

O salmista deixa a ordem acróstica, não começando o versículo com o qop esperado
e usa a letra seguinte, o r#v, repetidamente, no início dos versos 18 e 19. Não há base
qualquer para a proposta reconstrução do texto207 ou para suposição de um erro de copista,208
mas, pode-se supor que outros textos canônicos tenham influenciado na escolha de  como
o verbo ligado às tribulações e sofrimentos do autor (cf. Sl 9.13[14]; 10.14; 31.7[8]; 119.32;
203 Ver os comentários de Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s
Bible commentary, v. 5, p. 233; Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e
comentário, p. 398; Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”,
In: J. SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 218; NET BIBLE, Psalms, Chapter 25, t.c. (textual critic) 29.
204Ver H. C. LEUPOLD, Expositions of the Psalms, p. 226-227. Ele argumenta que tal forma do verbo hebraico

é plausível na sintaxe do texto.


205 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 523-524.
206 W. GESENIUS, Hebrew and English lexicon of the Old Testament including the biblical Chaldee, p. 385.
207 Na nota crítica da BHS (Biblia Hebraica Stuttgartensia), Ellinger e Rudolph propõem o verbo no imperativo

 (“Atende!”).
208 Ver tal apontamento em Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e

comentário, p. 398.
36
Lm 1.9).209 O pedido inicial, portanto, se lê “Olha para a minha aflição e o meu sofrimento”
(yilfmA(wá yéyºnf( h"):r) (v. 18a). O vocábulo  é praticamente um sinônimo do verbo  (cf.

v. 16), e indica, então, uma consideração favorável de Yahweh pelo suplicante (Gn 29.31-32;
Sl 138.6; 9.13[14]; Is 38.5)210 que se traduz em ação libertadora (Êx 4.31).211

As duas palavras “aflição” () e “sofrimento” ()212 ocorrem juntas, também,

em Deuteronômio 26.7 e apontam para o sofrimento e “opressão” () que os hebreus

sofreram no Egito, quando Deus, então, atentou () para a aflição de Seu povo.213 Elas são,
praticamente, um sinônimo para as “angústias” e “aflições” do verso 17. José experimentara
“aflição” () em sua estada no Egito, pois sofrera () com o trabalho escravo, com as
calúnias que recebeu ou com os anos que estivera na prisão (cf. Gn 41.51-52). O salmista
repisa as pegadas dos seus antepassados e assim como em suas histórias, espera que Deus
atente para a sua condição.

No início do salmo, o fiel declara “elevar” () sua alma a Yahweh como expressão
de dependência e com este mesmo verbo hebraico clama para que o Senhor “perdoe” todos os
seus pecados (ytw)o=x
a -lfk:l )f&ºw) (v. 18b). Uma vez mais, o salmista demonstra

sensibilidade e geme debaixo do peso de “todos” os seus pecados. Apesar de não haver uma
partícula causal demonstrando a relação direta entre o seu sofrimento e os seus pecados, tal
correlação fica clara pela súplica de perdão dentro do contexto do rogo pelo alívio das
tribulações (cf. vv. 16-18).214

O suplicante “lastima a sua culpa (11) sensível à separação entre ele e Deus (cf.
Volta-te para mim, 16; perdoa, 18), que é o problema mais profundo dos versículos 16-18”.215
O verbo  indica o ato divino de “erguer e levar embora” os pecados dos homens. Uma
ação tão característica de Yahweh que pode ser definida como um atributo Seu (Nm 14.18) e
cuja capacidade de perdão é incomparável (Mq 7.18). Aquele que experimenta do perdão

209 Id. Ibid.


210 Robert D. CULVER, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 1383-1384; F. BROWN, S. DRIVER, C.
BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 906-907.
211 W. GESENIUS, Op. cit., p. 587.
212 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 777, 765.
213 Alonso SCHÖKEL, Dicionário bíblico hebraico-português, p. 506, 509.
214 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 232.
215 Derek KIDNER, Salmos: introdução e comentário, p. 136.

37
divino tem os seus pecados cobertos, de modo que já não se pode mais apontar para eles (Sl
32.1).216 É por tal bem-aventurança que o salmista anseia a sabe que apenas Deus pode
concedê-la.217

V. Petição Final (Parte 2): Em meio à oposição crescente e ódio intenso, o salmista
se apega à sua íntegra retidão e confiança em Yahweh, a fim de pedir a Deus
que o liberte de seus inimigos bem como resgate Israel de suas aflições – vv. 19-
22.

No início da última estrofe do Salmo, o piedoso “solicita a proteção da vida contra as


perseguições odiosas dos seus tão numerosos quanto violentos adversários”.218 Após pedir
para que Deus olhe para o seu sofrimento, isto é, a sua condição externa e interna opressiva e
aflitiva, agora roga para que Deus olhe ao redor, para os seus inimigos: “Atenta para os meus
inimigos porque se tornam numerosos” (UBfr-yiK yabºyO)-h"):r) (v. 19). No verso 2, ele já os

mencionara e, certamente, são uma das fontes principais de seu sofrimento.

Assim como “aumentam” (Ubyix:rih) as angústias do coração do suplicante (v. 17), da

mesma forma “se tornam numerosos” (UBfr) os seus inimigos (v. 19).219 Aqui o verbo 
aponta não para a grandeza de poder ou atributo dos adversários do salmista (cf. Sl 38.19[20]
o verbo é paral. a “vigorosos” e “poderosos”), mas para o aumento numérico deles (cf. Sl 3.1;
Gn 6.1).220

A segunda parte do versículo 19, “e com um ódio perverso e violento me odeiam”


(ta)nº i&ºw yénU)¢n:& sfmfx), mostra a conexão estreita entre a inimizade e o ódio: “os meus

inimigos [yabºyo)]... os que sem causa me odeiam [ya)nº o&]” (Sl 38.19[20]). O termo “odiar”

() expressa “uma atitude emocional diante de pessoas e coisas que são combatidas,
detestadas, desprezadas e com as quais não se deseja ter nenhum contato ou relacionamento ...

216 Walter C. KAISER, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 1004.
217 H. C. LEUPOLD, Expositions of the Psalms, p. 226.
218 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.

SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 218.


219 Ambos os verbos são usados no sentido Iterativo do Perfeito. Ver Carlos Osvaldo PINTO, Fundamentos para

Exegese do Antigo Testamento, p. 58, 3.1. Cf. A observação de que o Perfeito aponta para os inimigos como algo
que o salmista enfrenta há um longo tempo em Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 125.
220 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 912.

38
As pessoas odiadas e as que se odeiam são vistas como adversárias ou inimigas”.221 O Antigo
Testamento, geralmente, apresenta o ódio como “a animosidade, a má vontade e a aversão que
os homens têm pelos seus semelhantes”.222 O uso do verbo  com o substantivo de mesma
raiz h)ºni& tem como propósito enfatizar a grandeza ou perversidade do ódio sentido pelos

inimigos do salmista, podendo ser traduzido como “odeiam-me com um grande ódio” ou
“com um ódio perverso” (cf. 2 Sm 13.15; Sl 139.22).223

O adjetivo sfmfx que acompanha o substantivo h)ºni& ressalta “as idéias da injustiça

e crueldade”.224 Ela aponta, geralmente, para uma atitude violenta e opressora tanto por meio
de ações (Ez 45.9; Jl 3.19; Hb 1.3) quanto por palavras (Sl 140.11; Pv 10.6, 11). sfmfx está

associada com o orgulho (Sl 73.6), a falsidade (Êx 23.1; Sl 27.12; Is 53.9), a injustiça (Ez
45.9) e o assassinato (Jz 9.24).225 A atitude “violenta” se caracteriza pela “diminuição dos
direitos e espaço de vida do outro como uma violação do dever para com o próximo e abarca
a completa extensão do comportamento antissocial ... em oposição à justiça e ao direito” (cf.
Am 3.10). 226 Diante de tal sentimento por parte de seus inimigos, que é profundamente odioso
e assassino, e perante o aumento contínuo deles, o salmista não tem outra opção, senão clamar
a Deus para que guarde a sua vida e o salve, como faz no verso seguinte (cf. v. 20).227

O versículo 20 apresenta a súplica do salmista para que Deus o proteja e o livre da


situação de perigo e opressão na qual se encontra: “Guarda a minha vida e livra-me!”
(yénÕ"lyiCahwº yi$:pán hfr:mf$) (v. 20).228 O substantivo  neste texto aponta para a idéia de

“vida”, como ocorre no verso 1,229 pois sempre que alguém pede pela  sua ou de outros,
está pedindo pela vida (Js 2.13; 2 Rs 1.13; Et 7.3).230 Tal sentido é claramente exposto em

221 G. VAN GRONINGEN “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 1484.
222 Id. Ibid.
223 E. JENNI “”. In: Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, Theological lexicon of the Old Testament, v. 3, p.

1278.
224 Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 125.
225 Alonso SCHÖKEL, Dicionário bíblico hebraico-português, p. 230-231.
226 H. J. STOEBE, “sfmfx”. In: Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, Theological lexicon of the Old Testament,

v. 1, p. 439.
227 John CALVIN, Commentary on the Psalms, p. 408.
228 Tanto a NVI como a Bíblia de Jerusalém (BJ) apóiam a leitura de  como “vida”.
229 Ver comentário do v. 1.
230 Hans Walter WOLFF, Antropologia do Antigo Testamento, p. 45-49.

39
Salmo 33.19: “para livrar-lhes a alma [{f$:pán] da morte, e, no tempo da fome, conservar-lhes

a vida [{ftOYax:l]” (Sl 33.19).231

Em outros textos dos Salmos, fala-se sobre Deus “guardando” (ramf$) ou “livrando”

(lacfn) a “vida” () dos piedosos (cf. Sl 33.19; 56.14; 97.10).232 Interessantemente, enquanto

no presente texto há o rogo pela proteção e livramento, no Salmo 97.10, aparece a afirmação
de que Yahweh “guarda [ramf$] a alma [] dos seus santos, livra-os [lacfn] da mão dos

ímpios”.

O primeiro verbo que ocorre no imperativo de súplica, ramf$, aponta para o desejo do

salmista de ter a sua vida protegida, sustentada e cuidada por Yahweh (cf. Gn 28.15, 20; Jó
29.2; Sl 34.20; 37.28), pois, vê nisso uma promessa e benção de Deus ao Seu povo (v. 20b; cf.
Nm 6.24; Sl 12.17; Pv 3.26).233 O outro verbo lacfn ressalta o anseio de que Deus o “puxe para

fora” da situação opressiva em que está (cf. Gn 31.9, 16).234 Muitas vezes, este termo hebraico
ressalta o “livramento” do mal intentado por algum inimigo como o livramento de José por
Rubén, quando seus irmãos planejavam matá-lo (Gn 37.21-22), ou das filhas de Jetro por
Moisés, diante dos pastores que foram buscar água no poço em Midiã (Êx 2.19). É este
mesmo livramento físico das mãos dos opositores que o povo Deus, de forma individual ou
coletiva, roga a Yahweh (Gn 32.11 [12]; Êx 6.6; Ed 8.31; Sl 7.1-2). E como parte da história
da salvação, o salmista personaliza tal oração e intercede pela sua libertação.

O salmista, então, repete o seu clamor para que Deus não permita que ele seja
envergonhado e humilhado diante de seus inimigos ($wob")-la) - cf. v. 2; Sl 35.4;

83.17[18]).235 A razão que apresenta para o seu pedido é porque ele tem se abrigado ou
refugiado em Yahweh (|fb yityisfx-yiK) (v. 20b).

O verbo  (“esconder-se em”, “refugiar-se”) é um termo bem vívido para ilustrar

a confiança e busca por segurança do compositor em seu Deus. O termo derivado  
indica o local onde as pessoas se abrigam de uma tempestade (Jó 24.8; Is 4.6; 25.4) ou os

231 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 659-660.
232 Id. Ibid.
233 G. SAUER, “ramf$”. In: Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, Op. cit., v. 3, p. 1381-1382.

234 Milton C. FISHER, “lacfn”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 991-992.


235 Cf. comentário do v. 2.

40
montes como um lugar de “refúgio” numa situação de perigo (104.18).236 O próprio verbo é
usado na parábola de Jotão para indicar o refúgio ou proteção do sol que pode se achar à
sombra de uma árvore (Jz 9.15)237 e, também, é associado com o rochedo na busca por
segurança (2 Sm 22.3). O próprio Yahweh é este Rochedo em que o piedoso pode se refugiar
ou o Escudo no qual pode se proteger (cf. Sl 18.31; Pv 30.5).238 É porque ele busca se refugiar
em Deus, diante dos perigos que o cercam, que o salmista roga ao Senhor a proteção e a
libertação de seu Sitz im Leben opressor e perturbador, como em outros Salmos de lamento
(cf. Sl 16.1; 31.1; 71.1).239 A sua esperança consiste em que “O SENHOR resgata a alma dos
seus servos, e dos que nele confiam () nenhum será condenado” (Sl 34.22).

Então, exclama: “Que a integridade e a retidão me preservem!” (yénUr:Céy re$oyæw-{oT)

(v. 21). O primeiro substantivo é usado, preponderantemente, na literatura hínica e sapiencial.


Ele pode indicar inocência ou ingenuidade, como ocorre com Abimeleque que tomou Sara por
esposa, sem saber que a mesma já tinha Abraão como seu marido ou os homens de Israel que
seguiram Absalão sem ter noção de seu plano maquiavélico (cf. Gn 20.5-6; 2 Sm 15.11).240
Mas aqui, bem como em boa parte da literatura dos Salmos e de Sabedoria, aponta para uma
atitude íntegra, completamente leal a Deus, por parte do indivíduo. Tal integridade é tanto
uma atitude ou disposição interior,241 como a expressão “integridade de coração” indica (cf. 1
Rs 9.4; Sl 78.72; 101.2), quanto uma conduta prática que manifesta honra e obediência a
Yahweh, oposta a um andar perverso (Jó 4.6; Sl 26.1, 11; Pv 10.29; 13.6; 19.1).

O segundo substantivo possui a mesma raiz verbal do adjetivo com o qual o salmista
afirmara que Yahweh é Reto () no verso 8. Agora, ele menciona a sua própria retidão que

é, basicamente, um sinônimo de “integridade” e com esta se liga pela conjunção . Um “viver


em retidão” significa andar nos justos juízos revelados por Deus e reflete uma reverência
profunda por Yahweh (cf. Sl 119.7; Pv 14.2)

236 Donald J WISEMAN, “”.In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 504.
237 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 340.
238 Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 125.


239 E. GERSTENBERGER, “”. In: Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, Theological lexicon of the Old

Testament, v. 2, p. 464-465.
240 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, Op. cit., p. 1070
241 K. KOCH, “”.In: Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, Theological lexicon of the Old Testament, v. 3,

p. 1425-1426.
41
No texto de 1 Reis 9.4, os dois termos “integridade” ({oT) e “retidão” (re$oy)

aparecem, paralelamente, ao falar sobre a “integridade e retidão de coração” de Davi ( -{ft:B

e$oy:bU bfb"l).242 Em Provérbios 2.7, os “retos” ({yirf$ºy) são aqueles que caminham em de
forma “íntegra” ({oT). Pode-se, portanto, ver as duas palavras, no Salmo 25.21, numa relação

de hendíade, expressando um único conceito, o da “íntegra retidão”.243

Vários comentaristas propõem que a “integridade” e a “retidão” são qualidades


divinas personificadas como mensageiros de Yahweh que protegem o fiel de seus inimigos.244
Defende-se tal idéia, dizendo que alguém cujo senso de pecado é tão forte não poderia apoiar
em seus próprios méritos para reivindicar a proteção divina.245 O grande problema é que os
dois termos hebraicos nunca são usados em referência a Deus, mas, sempre, em relação a
seres humanos que agem em “integridade” ou “sinceridade” e “retidão” (Gn 20.5-6; 2 Sm
15.11; 1 Rs 9.4; Jó 4.6; 6.25; 21.23; 33.23; Sl 7.8; 41.12[13]; Pv 2.13; 4.11; 14.2; 17.26;
passim). Ainda que consciente de seus erros, o fiel pode afirmar que tem andado humildade
com integridade e retidão diante de Yahweh e, por isso, clama pela proteção (racfn) divina,

como fazem outros salmistas (cf. 7.8; 26.1, 11). 246 Calvino apresenta uma excelente resposta e
confirma o entendimento de que tais qualidades pertencem ao salmista:

Davi protesta que a retidão de seu comportamento diante dos homens fora de
tal forma, que a perseguição de seus inimigos era completamente sem razão
e injusta; e estando consciente de que não os ofendera, ele clama a Deus
como o defensor de sua inocência. Mas como reconhecera, em três diferentes
partes, que havia sido visitado com aflição justamente, pode parecer estranho
que agora ele se glorie em sua integridade. Esta aparente inconsistência já
tem sido explicada em outro lugar, onde nós mostramos que os santos, a
respeito de si mesmos, sempre vêm à presença de Deus com humildade,

242 Id. Ibid.


243 Roy B. ZUCK, A intepretação bíblica, p. 177.
244 Artur WEISER, The Psalms: a commentary, p. 241; Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos:

tradução, introdução e comentário, p. 404; Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 125.


245 Ver o comentário de Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Op. cit., p. 404. A argumentação de

Schöckel e Carniti é muito débil. Carecendo de apoio textual para mostrar que ambos os termos do verso 22 são
mensageiros e qualidades divinas, citam textos que usam outros termos hebraicos com tal função, como é o caso
de “graça” (desØex) e “fidelidade” (temE)) nos Salmos 23.6, 40.11[12] e 61.8. O uso de “graça” e “fidelidade” como
qualidades divinas não provam, de forma alguma, que a “retidão” e a “integridade” o sejam. Na verdade, ambos
o termos são usados em relação ao fiel, não a Yahweh (vide comentário).
246 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 232; Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.
SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 218.
42
implorando seu perdão; mas, isso não os impede de colocar diante de Deus a
bondade de sua causa e a justiça de suas reivindicações.247

O verbo racfn é usado para falar daqueles que cuidam de uma plantação ou árvore,

mediante proteção e manutenção (Jó 27.18; Pv 27.18; Is 27.3).248 Outros textos das Escrituras
falam sobre Deus guardando os que nEle confiam do perigo e preservando suas vidas (Dt
32.10; Sl 31.23; Pv 22.12; Is 26.3).249 É tal proteção e preservação divina que o salmista
clama a Deus, pois tem andado em uma retidão íntegra e porque espera nEle (!y×ityéUiq yiK).

Novamente, a temática da esperança reaparece no texto (cf. vv. 3, 5) e, uma vez


mais, o salmista se descreve como alguém que espera em Yahweh (v. 21b; cf. v. 5).250 A sua
esperança em Deus é a razão pela qual roga ao Senhor para protegê-lo de seus inimigos e
preservá-lo em meio às adversidades, já que Yahweh é Bom para os que nEle esperam (Lm
3.25) e estes “não serão envergonhados” (Sl 25.3). “Esperar é aceitar o tempo – e a sabedoria
– dEle ... no fim do Salmo esta esperança não foi realizada, mas continua-se a esperar”,251
pois, é “uma confiante expectativa do cumprimento de suas promessas”.252

No verso final, o salmista expande o clamor individual pelas suas aflições e


sofrimentos para o clamor público em favor das tribulações da comunidade de fé da qual faz
parte: “Ó Deus, redime Israel de todas as suas angústias!” (loKim l")fr:&éy-te) {yiholE) h"d:P

wyftOr×fc). Este último versículo não segue a estrutura acróstica do Salmos, já que aparece após
a última letra do alfabeto hebraico e com a letra  em seu início. Tal artifício literário não
implica numa adição posterior desconectada ou inapropriada, mas sim, num efeito
propositado de juntar o lamento pessoal com o coletivo e possibilitar ao fiel em Israel de se
apropriar da oração como sua, também.253 Aqui, há uma característica comum entre este

247 John CALVIN, Commentary on the Psalms, p. 409.


248 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 665.
249 Walter C. KAISER, “racfn”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 993.


250 Este autor entende que a palavra yhwh não ocorre no texto original como proposto pela BHS, já que conta

apenas com o apoio da LXX contra todo o TM.


251 Derek KIDNER, Salmos: introdução e comentário, p. 136.
252 Joseph A. ALEXANDER, Commentary on Psalms, p. 125.
253 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 232-233.
43
salmo e o 34, em que ambos acrescentam um verso após a seqüência acróstica iniciado com o
verbo hfdP
f .254

Com uma apropriada reflexão posterior, o escritor recorda que não é a única
pessoa numa situação difícil. Muitos do povo de Deus estão em semelhante
angústia. Altruisticamente, ele lembra de todos eles: “Redime Israel, ó
Senhor, de todas as suas tribulações”. Isto, certamente, não é um apêndice
trivial, nem uma adição solta ou inapropriada. Nós nunca devemos nos
tornar tão imersos em nossos próprios problemas a ponto de esquecer as
necessidades de todos os santos de Deus.255

O verbo hfdP
f contém o sentido básico de “conseguir a transferência de propriedade
de uma pessoa para outra mediante pagamento de uma quantia ou de um substituto
equivalente”.256 Este foi um vocábulo que marcou a libertação de Israel do Egito, da terra da
escravidão, como se Deus estivesse comprando a nação do Faraó para si (cf. Dt 7.13; 13.6;
1Cr 17.21; Mq 6.4).257 Assim, como fizera no passado, o salmista pede que Deus o faça no
presente, não mencionando a tribulação específica pela qual a nação passa, mas gemendo e
chorando junto com o seu povo, roga para que Deus tire a nação do seu estado de
sofrimento,258 pois, crê que “O SENHOR resgata a alma dos seus servos, e dos que nele
confiam nenhum será condenado” (Sl 34.22).

O vocábulo  liga as aflições individuais do salmista, mencionadas no verso 17,


com aquelas vivenciadas por todo o Israel no verso 22. O salmo conclui com um lamento
comunitário, sem uma resposta concreta, mas, na expectativa (vv. 3, 5, 21) de que Yahweh
resgatará o fiel de seu estado calamitoso bem como a nação de sua dor e aflição.

254 Les D. MALONEY, “Intertextual links: part of the poetic artistry within the book 1 acrostic psalms”. In:
Restoration Quarterly, v.49, no. 1, 2007, p. 18; Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução,
introdução e comentário, p. 404.
255 H. C. LEUPOLD, Expositions of the Psalms, p. 226.
256 William B. COKER, “hfdfP”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 1200.


257 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 804.
258 O uso da preposição  indica o movimento para fora de um estado de existência, neste caso, o sofrimento. W.

GESENIUS, Gesenius’ Hebrew grammar, p. 275. 2.a.


44
4. TEOLOGIA DO SALMO 25

A análise exegética realizada acima possibilita o desenvolvimento da teologia do


Salmo 25. O texto apresenta uma riqueza de conceitos que contribuem grandemente para uma
perspectiva adequada do Ser divino. Claramente, percebe-se que Deus é Pessoalmente
Imanente, Justo Juiz, Suserano Fiel e Perdoador Gracioso.

4.1. A Imanência Pessoal de Deus

Quando se fala de imanência divina, faz-se referência à Sua presença e atividade


dentro da criação, entre a humanidade259 e, de forma especial, entre o Seu povo.260 Deus está
próximo e ativo. Tal atributo divino é perceptível já no verso 1. O vocativo “Yahweh” ou
“meu Deus” mostram que o salmista se achega ao Senhor de Israel de forma natural e pode
confiar sua vida a Ele, crendo que Deus está pessoalmente envolvido com sua história (Sl
25.1). Yahweh não deu, simplesmente, corda no mundo e o entregou ao seu próprio destino,
mas age dentro dele, determinando o fim dos ímpios e dos piedosos (v. 3).

Nisso tudo Javé participava diretamente ... para Israel e para sua fé na
causalidade universal de Javé era impossível compreender um fato tão
elementar sem relacioná-lo com a maneira de Javé dirigir todas as coisas. Na
realidade, se atribuía ao próprio Javé, diretamente, um evento desencadeador
desses, prejudicial ou benéfico, provocado por uma ação. Em última análise,
era ele quem conduzia esse evento para o seu alvo.261

O clamor do compositor ao Senhor para que “se volte” ou “olhe” para as condições
opressivas em que vivia (vv. 16, 18-19), ainda que de forma antropomórfica, ressalta o Seu
caráter eminentemente pessoal e a Sua proximidade do salmista. Tal proximidade do
transcendente só é possível àqueles que o temem, que desfrutam não apenas de um contato
pessoal, mas de uma íntima amizade (v.14).262 As ações de Deus em guiar e ensinar pecadores
humildes em Seus caminhos (v. 8-9), os quais são os seus próprios preceitos (v. 9; cf. Sl
119.3, 27, 32, 33; Is 42.24), mostram que Yahweh se faz conhecido aos homens e está

259 Franklin FERREIRA, Alan MYATT, Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o
contexto atual, p. 214.
260 Carlos Osvaldo PINTO, Foco e desenvolvimento do Antigo Testamento, p. 93.
261 Gerhard VON RAD, Teologia do Antigo Testamento, p. 374.
262 H. C. LEUPOLD, Expositions of the Psalms, p. 225; Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos:

tradução, introdução e comentário, p. 403-404.


45
pessoalmente interessado em que Eles se apropriem de tal conhecimento. Confiante em tal
realidade, o suplicante roga para que Deus o ajude a compreender Sua auto-revelação (vv. 4-
5).

4.2. Deus como o Juiz Justo

A Preservação da ordem e o julgamento das causas do povo era responsabilidade


principal dos reis no Oriente Antigo (cf. 1 Rs 3.16ss). Com esta imagem em mente, o livro de
Salmos retrata Deus como o Juiz Régio universal que preserva a ordem deste mundo e
executa a Sua justiça nele (cf. Sl 33.5; 97.2; 113.7; 146.7-9).263 Yahweh, o Juiz justo,
“protegia os indivíduos justos na comunidade do concerto dos homens maus que se opunham
e procuravam destruir os servos do Senhor [...] Confrontado por tais inimigos hostis e
aparentemente invencíveis, os justos apresentaram sua causa a Deus”.264 Tal clamor por
julgamento “era um produto da aliança, uma convicção de que o Senhor justo protegeria seu
povo e puniria os que desdenhassem o seu culto ou sua lei”.265 No Salmo 25, percebe-se,
claramente, esta dinâmica em que o justo suplicante roga pela proteção e libertação do juiz
divino contra os ímpios que se opõem a ele.

A apresentação da petição pelo fiel inclui o clamor para que Deus não permita que
ele seja envergonhado nem zombado pelos seus inimigos (v. 2, 20), que Ele atente para o
crescimento numérico de seus adversários e o ódio perverso com que o perseguem (v. 19), e
para a aflição e solidão que eles têm lhe causado (vv. 16-18). O fiel suplica por proteção e
libertação de tudo isso (vv. 2, 16-18, 20). Reivindica andar em íntegra retidão (v. 21) e afirma
esperar e confiar apenas em Yahweh (vv. 2, 5, 15, 20-21).

Ainda que não haja a resposta da oração no Salmo, o caráter justo e bondoso de
Yahweh como juiz é nítido. O Senhor é Bom e Reto para com aqueles que humildemente se
submetem aos Seus justos preceitos, demonstrando a eles graça e fidelidade (vv. 8-10). A
confiança do piedoso de que será vindicado e preservado porque espera em Yahweh (v. 21),
revela que ele crê na justiça de Deus contra aqueles que injustamente lhe armam armadilhas
(v. 15). Da mesma forma, o caráter reto de Yahweh como juiz é evidente quando o salmista
diz que aqueles que nEle esperam serão guardados do desprezo público, ao passo que a

263 Robert CHISHOLM, Jr., “Uma Teologia dos Salmos”. In: Roy B. ZUCK, Teologia do Antigo Testamento, p.
244-245.
264 Ibid. p. 250-251.
265 William S. LASOR, David A. HUBBARD, Frederic W. BUSH, Introdução ao Antigo Testamento, p. 483.

46
humilhação pública virá sobre os que agem de forma desleal e perversa dentro da comunidade
(v. 3).266

4.3. Deus como o Suserano Fiel

No livro de Salmos, Yahweh é retratado como o Suserano, ou Senhor, da Aliança


com Israel. Foi Ele quem separou Abraão e sua família para serem Seu povo e que libertou
Israel do Egito, conduzindo-o para a Terra Prometida (Sl 95.6; 105.24, 42-45; 149.2).267
Como Criador e Redentor de Israel, Yahweh tinha direitos de autoridade e propriedade sobre
o Seu povo (Sl 149.2; cf. 114.1-2), por outro lado, Israel podia “clamar por socorro em suas
dificuldades”.268

Tal realidade leva o salmista a clamar pela ajuda de seu Soberano, ao mesmo tempo
em que reconhece a fidelidade de Yahweh em cumprir os acordos da aliança. A palavra
central que aponta para a fidelidade divina é o termo hebraico , que aparece três vezes no
Salmo 25 (vv. 6, 7, 10) e, conforme desenvolvido na parte exegética, expressa tanto a
fidelidade quanto a graça de Deus no contexto de Seu compromisso com os patriarcas e a
nação de Israel (cf. Lm 3.22; Os 2.19-20, 23; Mq 7.20; Os 2.21).269 O salmista reconhece que
a fidelidade divina é desde a antiguidade (v. 6), isto é, desde a criação (145.9) e desde o
relacionamento com os pais (Mq 7.20), pois, é intrínseca ao Seu caráter “de eternidade a
eternidade” (Sl 103.17- {flO(ø-da(ºw {flO("m; cf. Êx 34.6).270

Quando  acompanha o termo temE), como ocorre no verso 10 (temE)åw desØex), a
frase pode muito bem ser considerada uma hendíade, como “graça fiel”, referindo-se à
constância e fidelidade de Deus em amor, prometida ao Seu povo da aliança no Sinai.271 É
dentro de tal contexto de aliança que o salmista fala da fidelidade divina, pois, é manifesta
“aos que guardam os mandamentos da aliança” (v. 10). Como Deus Fiel, o suplicante sabe
que o Yahweh o livrará das armadilhas do inimigo (v. 15) e não permitirá que ele seja

266 Louis GOLDBERG, “”. In: Laird R. HARRIS, Gleason L. ARCHER, Jr., Bruce K. WALTKE, (orgs.).
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 148.
267 Carlos Osvaldo PINTO, Foco e desenvolvimento do Antigo Testamento, p. 490.
268 Ibid. p. 490-491.
269 Ralph L. SMITH, Teologia do Antigo Testamento: história, método e mensagem. p. 187-189; Geoffrey

GROGAN, Psalms, p. 77; Robert CHISHOLM, Jr., “Uma Teologia dos Salmos”. In: Roy B. ZUCK, Teologia do
Antigo Testamento, p. 271.
270 Willem A. VANGEMEREN, “Psalms”. In: Frank E. GAEBELEIN, The expositor’s Bible commentary, v. 5,

p. 228.
271 Ibid. p. 235.

47
humilhado (v. 3). A fidelidade divina impulsiona o salmista a confiar plenamente em Yahweh
(v. 2), entregando sua vida em Suas mãos (v. 1) e fazendo do Deus de Israel o Seu refúgio em
meios às tempestades da vida (v. 20).

4.4. Deus como Perdoador Gracioso

Interessantemente, o  divino aparece como a base para o rogo do salmista pelo
perdão de Yahweh, ao pedir a Deus que não se lembre dele conforme os seus pecados ou
transgressões, mas segundo a Sua graça comprometida ou amor leal (v. 7). Aqui o suplicante
reforça a teologia encontrada no Antigo Testamento que afirma o caráter gracioso e perdoador
de Yahweh com base em seu “amor leal” (cf. Êx 34.7; Sl 51.1[3]; 103.8-11).272

Juntamente, com  outros dois atributos de Deus explicam a Sua capacidade e
prontidão em perdoar o pecador arrependido. Um deles é a bondade (bU+) de Deus que se

materializa em atos condescendentes e perdoadores para com o Seu povo (v. 7; Is 63.7; Zc
9.16-17; cf. Sl 145.7).273 Esta bondade divina possibilita não somente o perdão, como a
reabilitação do pecador no caminho correto (v. 8).274 O segundo atributo é a compaixão de
Yahweh (), um sentimento profundamente misericordioso e de forte amor paternal para
com Israel e os indivíduos fiéis da comunidade (Is 63.15; cf. Sl 103.13-14), que os livra de
catástrofes resultantes de seus pecados e lhes concede perdão (Lm 3.22).

A concessão do perdão é algo tão característico de Deus que o salmista pede para que
Ele o perdoe por causa de Seu nome, ou com base em Seu caráter, de antemão revelado como
compassivo e gracioso (v. 11; cf. Êx 34.6-7; Sl 79.9; cf. Jr 14.7). Como observaram Schöckel
e Carniti, perdoar “é o ato gratuito que honra o nome de Deus”.275 Somente Yahweh pode
“erguer e levar embora” () os pecados do salmista, e não apenas alguns, mas
absolutamente todos eles (v. 18; cf. Mq 7.18).

272 Robert CHISHOLM, Jr., “Uma Teologia dos Salmos”. In: Roy B. ZUCK, Teologia do Antigo Testamento, p.
271.
273 F. BROWN, S. DRIVER, C. BRIGGS, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English lexicon, p. 375.
274 Johannes SCHILDENBERGER, “A estrutura temática e estrófica dos Salmos Alfabéticos”, In: J.

SALVADOR, Atualidades Bíblicas, p. 217.


275 Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário. p. 403.

48
5. IMPLICAÇÕES PRÁTICAS DA EXEGESE E TEOLOGIA DO SALMO 25

Como parte da Escritura “inspirada por Deus”, o texto do Salmo 25 é útil para o
ensino, repreensão, correção e para a educação na justiça de todos os homens e mulheres de
Deus que vivem debaixo da Nova Aliança (2 Tm 3.16-17; cf. Rm 15.4). Este último capítulo
visa, portanto, mostrar como o ensino extraído por meio da exegese e teologia do Salmo 25
traz implicações para o povo de Deus dos dias de hoje.

5.1. A Confiança e Dependência de Deus em Meio às Provas

Primeiramente, o texto encoraja a uma busca e dependência constante de Deus em


meio às provas e dificuldades que a vida apresenta. O salmista recorre a Deus porque sabe que
ele é pessoal e acessível (Sl 25.1-2, 15-19). Da mesma forma, aqueles que fazem parte da
comunidade do Novo Pacto possuem um acesso livre a Deus por meio de Cristo Jesus (Ef
3.11-12) e podem se achegar a Ele a fim de receberem misericórdia e graça “para socorro em
ocasião oportuna” (Hb 4.16). A esperança do cristão deve estar em Deus e na Sua salvação,
do mesmo modo que o salmista (Sl 25.5), não na ajuda de homens, em suas riquezas ou nas
circunstâncias ao redor. Tal esperança do fiel, no Novo Testamento, provém da certeza de que
é amado por Deus em Cristo (Rm 5.5),276 que nenhuma circunstância pode separá-lo deste
amor (Rm 8.35ss.), mas todas elas cooperam para o seu bem (Rm 8.28) e, no final,
redundarão em glória ao Deus, cuja sabedoria é insondável na consecução da Sua história
redentora (Rm 11.33-36).

Portanto, em meio às provas, o crente é exortado a orar (Tg 5.13), assim como a
igreja primitiva que, diante da oposição e perseguição crescentes, ergueu confiantemente seus
olhos aos céus e clamou pela ajuda do Soberano Criador que guia todo o curso da história na
realização de Seus propósitos (At 4.23-30). A espera contínua e durante todo o dia (Sl 25.5,
15) deve manter o crente em oração e dependência incessante de Deus (1 Ts 5.17), confiando
no “Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação” (2 Co 1.3). Como afirmou Calvino:

E, indubitavelmente, é próprio da fé sempre olhar para Deus, até nas


circunstâncias de maior prova, e pacientemente esperar pela ajuda que Ele

276 Luis Alonso SCHÖKEL, Cecília CARNITI, Salmos: tradução, introdução e comentário. p. 404.
49
promete. Que as recordações das bênçãos divinas possam nutrir e sustentar
nossa esperança...277

5.2. A Esperança e Confiança no Juízo Divino

A segunda implicação perceptível no texto é que Deus é o justo Juiz, que vê todas as
coisas e que executará justiça no Seu tempo devido. O salmista estava cercado por inimigos
que desejavam ver sua humilhação pública (Sl 25.2), e para isso armavam armadilhas,
motivados por um ódio violento contra ele (25.15, 19). Ele não recorreu à ajuda humana nem
pagou a seus inimigos “na mesma moeda”, mas recorreu a Deus e confiou que Ele tiraria seus
pés da armadilha e o libertaria da opressão que sofria (25.3, 15, 19-20).

Cristãos, também, sofrem oposição de um mundo que os odeia (cf. 1 Jo 3.13, 15),
assim como odiou e rejeitou o seu Mestre (Jo 15.18). Em lugar de revidarem esta oposição ou
se desesperarem como se o mundo estivesse entregue à própria sorte, devem, todavia, confiar
suas vidas ao Fiel Criador (1 Pe 4.19) e deixar com Ele a vingança e a ira (Rm 12.19-20). A
confiança no Pai que está nos céus e que derrama sua chuva sobre justos e injustos deve levar
a comunidade da Nova Aliança a pagar o mal de seus opositores com o bem divino (Mt 5.43-
48). A ira humana não produz a justiça de Deus (Tg 1.20), portanto, assim como os mártires
do livro de Apocalipse, o cristão confia no Deus soberano, santo e verdadeiro que há de julgar
com justiça a todos, em Seu próprio tempo (Ap 6.9-10; 16.5-7).

A ira de Deus não é nem um processo de causa e efeito (conforme alguns


estudiosos argumentam) nem uma explosão de temperamento apaixonado,
arbitrário e vingativo; mas seu santo e intransigente antagonismo diante do
mal, com o qual ele se recusa a negociar. Um dia, seu julgamento virá. E
Jesus é o nosso libertador desse terrível acontecimento.278

Em sua carta, Tiago promove alento aos camponeses cristãos pobres que eram
oprimidos por seus senhores, sem receber seu salário devido e vivendo quase ao ponto da
morte (Tg 5.4, 6). Ele os chama à paciência e esperança em meio ao sofrimento presente,
tendo em vista a expectativa da volta de Cristo, que julgará os que praticam o mal e salvará os
que nele esperam (Tg 5.7-8). O Criador de céus e terras não está surdo ao clamor dos
sofredores (Tg 5.4) e fará vingança no tempo certo (Rm 12.19-20). A confiança do cristão
diante de oposição e opressão deve estar em Deus, não permitindo que a ira domine seu
coração, mas se alimentando com a esperança de que um dia Cristo enxugará todas as suas
lágrimas (Ap 21.3-4) e dará a cada um conforme as suas obras (Pv 24.29).

277 John CALVIN, Commentary on the Psalms, p. 394.


278 John STOTT, Cristianismo autêntico, p. 36-37.
50
5.3. A Certeza da Disponibilidade da Orientação Divina

Outra implicação importante do Salmo 25 é que Deus se mostra disposto e desejoso


de guiar pecadores humildes em seus justos preceitos. O Senhor não apenas faz reivindicações
e, depois, questiona seus filhos se estes obedeceram, mas Ele os guia pelo caminho da
obediência e proporciona as condições necessárias para cumprirem os seus requisitos. O
salmista clama pela ajuda divina e orientação de Yahweh na vereda de Sua auto-revelação (Sl
25.4-5) porque crê que Deus é tão Bom e Reto a ponto de guiar pecadores pelo caminho e
ensinar os humildes em seus mandamentos (25.8-9).

O crente, dos dias atuais, desfruta de orientação da parte de Deus, especialmente


mediante o ministério do Espírito Santo, pois, Ele é o Conselheiro que ensina os discípulos de
Cristo sobre todas as coisas e os guia a toda verdade (Jo 14.26; 16.13-14). Tal verdade se
encontra no evangelho de Cristo, já que o Espírito testemunha de Cristo (Jo 15.26) e Cristo
proclamou o logos divino (Jo 17.8, 14), que é a própria verdade na qual os discípulos são
santificados pelo Espírito Santo (Jo 17.17, 19).279 São as Escrituras que testemunham do
Evangelho de Cristo (Jo 5.39) e elas contêm tudo o que o crente precisa para praticar as boas
obras requeridas por Deus (2 Tm 3.16-17).

Na carta aos Romanos, o apóstolo Paulo afirma que o Espírito Santo guia aqueles
que são filhos de Deus (Rm 8.14) e os ajuda em seus momentos de sofrimento (Rm 8.26-27).
Diante disto, a igreja “deve orar para que o Espírito Santo traga às nossas vidas não apenas o
poder e a misericórdia de Deus, mas, também, o sermos ensinados pelo caminho que devemos
andar mediante o conhecimento dos caminhos de Deus para nós”.280 Em meio ao sofrimento, a
comunidade cristã é chamada a rogar, com fé, por sabedoria a Deus para lidar com as
provações da forma que Ele espera e, assim, crescer no caráter que Ele deseja produzir em
Seu povo (Tg 1.5-8; cf. vv. 2-4).

5.4. A Confissão Humilde e Confiante no Perdão Divino

O salmista demonstra uma forte consciência de seus pecados e suplica, em três


momentos distintos do Salmo (Sl 25.7, 11, 18), pela graça perdoadora de Yahweh, pois, sabia
“que não poderia esperar desfrutar do favor divino, sem que fosse, primeiro, reconciliado com

279 Frank PACK, O Evangelho segundo João, p. 271-272.


280 James Luther MAYS, Psalms, p. 127.
51
Deus pelo recebimento de um livre perdão”.281 Em seu momento de aflição, ele se encontra
profundamente sensível ao pecado e reconhece que Deus é “compassivo” e “gracioso” para
perdoar os pecados de Seu povo (Sl 25.7, 11). “Lembre-se, realmente, de mim, não conforme
a ira da qual sou digno, porém, conforme a Tua misericórdia que é digna de Ti ... não pelos
meus méritos, mas pela Tua bondade, ó Senhor”.282

A confissão de pecados que se encontra no centro do Salmo 25.11, “Por causa do


Teu nome, Yahweh, Perdoa a minha iniqüidade porque ela é grande!”, mostra que as aflições
do salmista têm o propósito didático de conduzi-lo à confissão e reconciliá-lo com Deus. Da
mesma forma, Deus lida com o seu povo da Nova Aliança, como Calvino observou:

E, ainda que o Senhor tenha vários fins em vista, ao trazer o Seu povo
debaixo da cruz, todavia, nós devemos aderir, firmemente, ao princípio de
que, na mesma freqüência que Deus nos aflige, somos chamados a humilhar
nossos próprios corações e humildemente buscarmos a reconciliação com
Ele.283

O autor de Hebreus afirma que Deus disciplina e castiga Seu povo por meio das
dificuldades da vida, a fim de fazê-los participantes de Sua santidade e conduzi-los a frutos de
justiça e paz (Hb 12.4-11), o que o leva a exortá-los: “Façam caminhos retos para os seus pés,
para que o manco não se desvie, antes, seja curado” (Hb 12.13). Tal linguagem é, claramente,
um chamado ao arrependimento dos caminhos tortuosos, errados (cf. Pv 4.26-27).284 Os
momentos de dificuldade, então, devem promover a auto-reflexão cristã e avaliação sobre
pecados que podem estar paralisando a jornada espiritual (cf. Hb 12.12), os quais Deus
espera que confessemos diante dEle (cf. Tg 5.15-16).

A confiança na “graça comprometida” divina, também, deve conduzir o fiel da Nova


Aliança a se lançar no perdão certo de Deus. Deus promete perdoar aqueles que confessam
seus pecados e justificá-los de toda injustiça com base na obra de Cristo oferecida pelos
crentes na cruz (1 Jo 1.9). A graça de Deus foi manifesta de uma forma muito mais gloriosa
por meio de Cristo (Jo 1.14, 17) e é devido a tal riqueza em graça que o cristão recebe o
perdão de seus pecados (Ef 1.7).

A perspectiva da glória de Deus em Cristo lança sobre os membros da comunidade


cristã uma profunda consciência de sua pecaminosidade (cf. Lc 5.8-10) e, ao mesmo tempo,

281 John CALVIN, Commentary on the Psalms, p. 407.


282 Saint AUGUSTIN, Exposition on the book of Psalms, p. 153.
283 John CALVIN, Op. cit, p. 407-408.
284 Donald GUTHRIE, Hebreus: introdução e comentário, p. 240.

52
da grandiosa glória de Sua graça (1 Tm 1.15-16), conduzindo-os a uma atitude constante de
humilde confissão diante de Deus. Os crentes, portanto, são chamados a chorarem por seus
pecados e se humilharem diante de Deus, a fim de receberem o Seu perdão e misericórdia (Tg
4.6-10; cf . Lc 18.14).285 Esta é a chave para a exaltada bem-aventurança da comunhão com
Deus (Tg 4.10; cf. Sl 25.14) e a alegria só é desfrutada por aqueles que se lançam nas infinitas
misericórdias divinas:

Como é feliz aquele que tem suas transgressões perdoadas e seus pecados
apagados. Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa em quem
não há hipocrisia. (Sl 32.1-2, NVI).

285 Douglas J. MOO, Tiago: introdução e comentário, p. 149-150.


53
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