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Uso abusivo de álcool - cuidados de enfermagem em rede

Homem busca UBS com queixa de fadiga nos últimos sete meses.

Publicado em 24 de Dezembro de 2012

Autores Milena Hohmann Antonacci, Jandro Moraes Cortes

Editores Anaclaudia Fassa e Luiz Augusto Facchini

Editores Associados Teila Ceolin, Adriana Roese, Deisi Cardoso Soares, Luciana de Rezende
Pinto, Bárbara Heather Lutz

Paciente

M.L.C.C.

45 anos

Marceneiro

Anamnese

Queixa principal

Fadiga nos últimos sete meses, a qual tem prejudicado seu desempenho no trabalho.

Histórico do problema atual

M.L.C.C. afirma que adormece com facilidade, mas acorda inúmeras vezes durante a noite,
sentindo-se cansado pela manhã, o que, muitas vezes, o impede de ir trabalhar. Conta que sua
esposa o deixou há alguns meses, pois se queixava do hábito de beber entre 6 a 12 cervejas
por dia, além de algumas doses de cachaça. Segundo a ex-esposa, por causa da bebida, não
conseguia mais ir trabalhar assiduamente e, deste modo, não tinha possibilidades de sustentar
a casa, devido às suas ausências no emprego. Os sintomas relatados foram agravados, após a
saída da esposa e dos filhos de casa. Relata que agora precisa de mais álcool do que antes para
sentir-se relaxado, e ainda conta que teve vários “blackouts ”, bem como refere que se distrai
com facilidade e, num destes episódios cortou-se em uma das máquinas que trabalhava.
Admite ainda que muitas vezes, para não sentir tremores, a primeira coisa que faz pela manhã
é tomar um gole de cerveja ou cachaça. Tentou parar de beber algumas vezes sem sucesso.

Revisão de sistemas

Tórax: Dificuldade de respirar ao esforço físico


Abdome: Refere pirose frequentemente.
Sistema genitourinário: Impotência sexual.
Coluna vertebral e extremidades (sistema locomotor): refere tremores finos ao acordar.
Sistema nervoso: tonturas e blackouts
Exame psíquico e avaliação das condições emocionais:
- Afeto: congruente.
- Senso-percepção: sem alterações.
- Memória: amnésia anterógrada.
- Orientação: orientado, autopsiquicamente e alopsiquicamente.
- Consciência: lúcido.
- Pensamento: produção lógica, com fio associativo preservado, de conteúdo adequado.
- Linguagem: sua fala tem ritmo e tom normais.
- Inteligência: aparentemente inserido à média clínica.
- Atenção: hipotenaz e hipovigil.
- Conduta ou conação: hipobulia relacionada ao trabalho, insônia.
Senso percepção: sem alterações

Histórico

História social

Relações familiares prejudicadas, possui vínculos fortes com os filhos. Considera-se ateu.
Jogava futebol uma vez por semana com amigos do bairro, todavia cessou esta atividade há 2
meses. Laço social empobrecido de forma geral.

Antecedentes pessoais

Ingere bebidas alcoólicas desde a adolescência, no entanto o consumo só passou a ser um


problema há cerca de um ano, a seu ver, quando começou a ter brigas com a esposa pelo fato
de não conseguir ir trabalhar.

Medicações em uso

Não faz uso de medicações de uso contínuo, refere apenas que toma ácido acetilsalicílico em
episódio de cefaleia, bem como o uso de chás nos episódios de dispepsias.

Antecedentes familiares

Mãe falecida decorrente de cirrose.

Exame Físico

Estado geral regular; mucosas uniformemente coradas, anictérico e acianótico.

Sinais Vitais:
PA: 125x85 mmHg;
FC: 78 bpm;
FR: 25 mrpm;
Tax: 37,3º C.

Tórax:
Eupneico, ausculta cardíaca normofonética em 2T; ausculta pulmonar: presença de murmúrios
vesiculares.

Abdomem:
Ruídos hidroaéreos presentes e diminuídos, flácido, distendido e doloroso a palpação, sem dor
a descompressão brusca (sinal de blumberg negativo).

Questão 1
Considerando o caso apresentado, assinale as
alternativas corretas quanto ao acolhimento ao usuário
de álcool na Atenção Primária à Saúde (APS).
Identificar possíveis problemas clínicos associados ao uso do álcool.

Traçar junto ao usuário um projeto terapêutico.

Discutir o caso com a equipe a fim de levantar a necessidade de possíveis


interconsultas.

Valorizar todas as informações fornecidas pelo usuário e não fazer julgamentos de


valor.

Identificar que trata-se de uma problemática de alta complexidade a qual necessita


ser encaminhada imediatamente ao serviço especializado de referência.

60 / 100 acerto
Deve-se identificar possíveis problemas clínicos associados ao uso do álcool, tais como:
hipertensão, esofagites, gastrites, cirrose, neuropatia periférica, hipovitaminose, anemia,
entre outros. O profissional deve traçar junto ao usuário um projeto terapêutico com
objetivos reais a serem alcançados, com estabelecimento de contrato terapêutico e o
planejamento do próximo atendimento. O caso deve ser discutido com a equipe a fim de
levantar a necessidade de possíveis interconsultas com outros profissionais. A
assistência a usuários de álcool deve ser oferecida privilegiando os cuidados em
dispositivos extra-hospitalares, articulando a Atenção Primária à Saúde aos serviços
especializados – CAPSad – de modo a estabelecer uma atenção compartilhada. Esta
deve ocorrer em ambiente comunitário, de forma integrada à cultura local, e às redes de
cuidados, articulando, em seu território de atuação, os serviços e iniciativas que possam
atender às múltiplas necessidades dos usuários com ênfase na reabilitação e reinserção
social (BRASIL, 2004).

Saiba mais
Nos serviços de saúde, o enfermeiro deverá estar atento às possibilidades de detectar
precocemente o uso de álcool e outras drogas, a fim de reduzir os possíveis danos,
devendo sensibilizar o usuário a buscar alternativas de tratamento, conforme preconiza a
política de saúde (GONÇALVES; TAVARES, 2007, p. 588), uma vez que o
diagnóstico e o tratamento precoces da dependência ao álcool têm papel fundamental no
prognóstico deste transtorno. Acredita-se que, aproximadamente, 20% dos usuários
tratados na APS bebem em um nível considerado de alto risco, pelo menos fazendo uso
abusivo do álcool. Para tanto, é necessário que o profissional acolha o usuário sem
julgamentos, e que possa estabelecer um vínculo que o permita articular juntamente
com o usuário um Plano Terapêutico Individual (PTI) direcionado à dependência, bem
como às doenças clínicas decorrentes da dependência (BRASIL, 2004).

Para ajudar a identificar casos suspeitos de problemas de uso abusivo de álcool na


comunidade, alguns questionários práticos foram desenvolvidos, os quais podem ser
aplicados pelos ACS. O mais simples deles é conhecido como CAGE (sigla em inglês,
que se refere a palavras das perguntas que são formuladas).

O questionário consiste em quatro perguntas:

1. Você já tentou diminuir ou cortar (Cut down) a bebida?


2. Você já ficou incomodado ou irritado (Annoyed) com outros porque criticaram seu
jeito de beber?
3. Você já se sentiu culpado (Guilty) por causa do seu jeito de beber?
4. Você já teve que beber para aliviar os nervos ou reduzir os efeitos de uma ressaca
(Eye-opener)?
Se pelo menos uma resposta a essas perguntas for afirmativa há suspeita de problemas
com o álcool. Duas ou mais respostas afirmativas é indicativo de problemas com o
álcool (MAYFIELD; MCLEOD; HALL, 1974; SANTOS et al., 2013).

Questão 2

Assinale as alternativas corretas sobre o plano


terapêutico que deverá ser pactuado entre o enfermeiro
e M.L.C.C.
Entrar em contato imediatamente com o hospital psiquiátrico para providenciar
uma internação, mesmo que M.L.C.C. não esteja disposto a se internar.

Mapear as redes de suporte social que podem auxiliar no processo de reabilitação


psicossocial.

Entrar em contato com o CAPS ad de referência, a fim de construir um plano


terapêutico compartilhado entre as unidades.

Orientar a parar imediatamente com a bebida, iniciando assim o período de


abstinência.
100 / 100 acerto
Pessoas que ingerem bebida alcoólica de forma excessiva, quando diminuem o consumo
ou se abstêm completamente, podem apresentar um conjunto de sintomas e sinais,
denominados Síndrome de Abstinência do Álcool (SAA). A atenção ao usuário deve ser
preferencialmente no território, uma vez que a atenção hospitalar no Brasil, componente
de um modelo iatrogênico, ultrapassado e excludente de oferta de cuidados, não
contempla as necessidades da maioria dos indivíduos que têm poucos problemas com o
álcool. Assim, cabe ao enfermeiro discutir as possibilidades terapêuticas com os demais
profissionais da equipe multidisciplinar, com o usuário e família, de modo a
encontrarem juntos uma saída para a problemática. Pactuar com pessoas que tenham um
laço social fortalecido com o usuário, a fim de proporcionar uma desintoxicação
domiciliar, com a supervisão profissional.
Fonte: Laranjeira (2000) e BRASIL (2011)

Saiba mais
Uma série de fatores influenciam o aparecimento e a evolução da Síndrome de
Abstinência do Álcool (SAA), entre eles: a vulnerabilidade genética, o gênero, o padrão
de consumo de álcool, as características individuais biológicas e psicológicas e os
fatores socioculturais. Os sinais e sintomas mais comuns da SAA são: agitação,
ansiedade, alterações de humor (irritabilidade, disforia), tremores, náuseas, vômitos,
taquicardia e hipertensão arterial (LARANJEIRA, 2000).
Com relação ao cardápio terapêutico ofertado à atenção em saúde mental, a partir da Lei
Federal 10.216/2001, a “Lei da Reforma Psiquiátrica” que redireciona a assistência em
saúde mental, o tratamento ao usuário de saúde mental deve se dar preferencialmente
em serviços comunitários, utilizando uma rede de atenção que inclui serviços sanitários
ou não (BRASIL, 2011).
Com relação à internação involuntária, esta deve ser realizada apenas quando existe
situação de risco iminente para o paciente ou para terceiros. Esse tipo de internação só
pode ocorrer mediante determinação da equipe, mas isso não basta: precisa ser
comunicada ao Ministério Público, que a submeterá a um órgão de revisão (uma
comissão multidisciplinar), para assegurar ao paciente o direito ao contraditório e para
verificar a real necessidade da medida (DELGADO, 2012). Dessa forma, a primeira
opção de tratamento são os serviços de atenção comunitária.
Nos casos em que há a necessidade de internação conta-se com os leitos para
desintoxicação nos hospitais gerais. Não é indicado o encaminhamento ao hospital
psiquiátrico, pois acredita-se que este carrega características que levam à cronificação e
iatrogenia, não sendo, portanto, entendido como um local de cuidado em saúde.

Questão 3

A partir da anamnese, exames físico e mental


realizados pelo enfermeiro, é possível traçar o (s)
seguinte(s) diagnóstico(s) de enfermagem:
Padrão de sexualidade ineficaz relacionado ao autoconceito e ao abuso de álcool

Risco para violência relacionado ao comportamento impulsivo

Isolamento social relacionado ao afastamento da família e amigos

Padrão de sono perturbado relacionado à irritabilidade e ansiedade

Risco para autolesão relacionado à desorientação

Enfrentamento familiar ineficaz relacionado ao rompimento conjugal e afastamento


de filhos

83 / 100 acerto
O diagnóstico de enfermagem, segundo Nanda (2008), permite uma linguagem
padronizada, facilitando uma melhor comunicação entre os profissionais, no que se
refere às evidências clínicas do cuidado.

Com relação ao diagnóstico de enfermagem traçado:

- O padrão de sono encontra-se disfuncional, pois o usuário acorda inúmeras vezes


durante a noite, não conseguindo ir trabalhar no outro dia, o que reflete sua ansiedade;
- O enfrentamento familiar não está adequado pelo fato de não superar a saída de casa
da esposa e dos filhos, piorando seu estado clínico após a saída dos mesmos;
- Apresenta risco para autolesão devido aos “blackouts” que tem apresentado;
- A impotência sexual pode ser causada pelo uso de álcool (KAPLAN;
SADOCK,1990), resultando em um déficit no padrão de relação sexual do casal;
- Não há indícios clínicos no caso apresentado que tenham relação com violência
intrafamiliar;
- O isolamento social relacionado ao afastamento da esposa e filhos do convívio
familiar. Note: este diagnóstico está intimamente relacionado com o “enfrentamento
familiar ineficaz relacionado ao rompimento conjugal e afastamento de filhos”.
Fonte: NANDA, 2008

Questão 4

M.L.C.C. “admite ainda que muitas vezes para não


sentir tremores, a primeira coisa que faz pela manhã é
tomar um gole de cerveja ou cachaça. Tentou parar de
beber algumas vezes sem sucesso”. Esta estratégia
utilizada por M.L.C.C. constitui-se em redução de
danos. Quanto à redução de danos é correto afirmar
que:
Orientar a frequentar bares e lugares que ofereçam água às pessoas que bebem
álcool, pois ela hidrata e atenua os efeitos do álcool.

Não dirigir após beber e não pegar carona com quem bebeu.

Aconselhar a parar de consumir as bebidas em pequenos goles pela manhã, para


conduzi-lo a uma abstinência total de imediato.

Enfatizar a importância de alimentar-se antes e durante o consumo de álcool.

100 / 100 acerto


O fato de o usuário tomar pequenos goles de cerveja ao acordar, configura-se em uma
técnica de redução de danos praticada por muitos usuários de álcool, que tem por
finalidade evitar a síndrome de abstinência. Logo, o enfermeiro não pode aconselhá-lo a
parar com esta estratégia, pois neste momento ela o ajuda a sentir-se melhor. Considera-
se ainda a abstinência total uma medida drástica, sendo um modelo teórico insuficiente
para dar conta da problemática da dependência química de forma geral (OLIVEIRA,
2010). Não dirigir após beber e não pegar carona com quem bebeu constitui-se em uma
estratégia de redução de danos.

Saiba mais
A Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA) define redução de danos
como políticas e programas que tentam principalmente reduzir, para os usuários de
drogas, suas famílias e comunidades, as consequências negativas relacionadas à saúde, a
aspectos sociais e econômicos decorrentes de substâncias que alteram o temperamento.
Um dos problemas mais importantes do consumo prejudicial do álcool é a incidência de
acidentes de trânsito envolvendo os usuários. O consumo de álcool, mesmo que em
pequenas quantidades, diminui a coordenação motora e os reflexos do Sistema Nervoso
Central. Vários estudos indicam que grande parte dos acidentes é provocada por
motoristas que estavam alcoolizados. Mesmo que a pessoa preste muita atenção e tome
todo o cuidado, seu organismo estará funcionando com os reflexos retardados, ou seja,
sua reação para brecar ou desviar o carro vai ser mais lenta (ABREU; LIMA; ALVES,
2006; BRASIL, 2004).

Questão 5

Quanto às ações de educação em saúde que podem ser


realizadas pelo enfermeiro, em relação ao consumo
abusivo de álcool no contexto da APS, é correto
afirmar que:
As ações precisam permear tanto a consulta de enfermagem, como também demais
estratégias do tipo palestras.

Na consulta de enfermagem, a educação em saúde deve abordar aspectos de


autocuidado, comprometimentos orgânicos e estratégias de redução de danos.

O enfermeiro pode atuar na formação de Agentes Redutores de Danos e Riscos


(ARDR).

O enfermeiro contratualiza com o usuário “o seu papel de paciente” no processo de


reabilitação, e prescreve os cuidados de enfermagem de acordo com os protocolos
estabelecidos na UBS.

100 / 100 acerto


A educação em saúde pode ser entendida como um conjunto de saberes e fazeres, que
podem ser empregados pelo enfermeiro na APS, com vistas à prevenção de doenças e
agravos e promoção da saúde. As ações realizadas precisam permear tanto a consulta de
enfermagem, como também demais estratégias do tipo palestras, em espaços
comunitários, como igrejas, escolas e associações comunitárias. No que se refere ao
contexto dos apelos midiáticos para o uso de álcool, se faz necessário se faz que o
enfermeiro problematize essas questões com os jovens, no sentido de oportunizar um
espaço de escuta ativa, diminuindo ansiedades e dúvidas em relação ao álcool e seu
contexto de consumo.
Durante a consulta de enfermagem, a educação em saúde é privilegiada pelo enfermeiro
abordando aspectos de autocuidado, comprometimentos orgânicos decorrentes do abuso
do consumo de álcool, ensinando estratégias de redução de danos como o consumo de
água e alimentação leve, e discutindo os mecanismos adaptativos que possam ser
efetivos nesta problemática.
O enfermeiro estabelece um contrato de co-responsabilização com o usuário, o tornando
agente do processo educativo, enfocando desta forma, na sua autonomia no processo de
reabilitação. O usuário desta maneira, sai da posição de paciente e passa a ser agente
participativo do processo educativo e de cuidado. Sendo que as prescrições destes
cuidados, além de serem orientados pelos protocolos, precisam atender a realidade do
sujeito, num processo de construção entre enfermeiro/paciente.
Não existe uma fórmula, como uma receita, para a prevenção do uso abusivo de álcool.
Todavia sabe-se que uma estrutura familiar disposta ao diálogo, constitui-se como um
fator de proteção ao uso abusivo de álcool e outras drogas (SILVA, 2007).

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