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Doutora em Gestão Urbana – Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professora do Departamento de Serviço Social da
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-mail: sandrascheffer@uol.com.br.
**
Doutora em Ciência Política (UFSCAR). Docente titular no Programa Pós-Graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. Professora Colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná /
UFPR (PUCPR). E-mail: skauchakje@gmail.com
is, a system of subjective relations which spread on the material revealing the
dialectic relation between the subject and the object.
Keywords: Spatial production. Housing policy. Regressive-progressive method
Submetido em 04/02/2018. Aceito em 19/04/2018
espacial e a relação com a habitação; num se- admite sua reprodução como meio e condição
gundo uma apresentação do método regressivo- para a realização de reprodução da sociedade.
-progressivo formulado por Lefebvre, para, num No capitalismo, este processo é orientado pelas
terceiro momento, se demonstrar sinteticamente necessidades de expansão do capital. Remete,
a aplicação do referido método sobre a produção portanto, à dinâmica da acumulação, fonte de
espacial no município de Ponta Grossa, pela contradições e conflitos reproduzidos no espaço
especificidade da produção de conjuntos habi- e a partir dele. A reprodução se concretizaria,
tacionais para famílias de baixa renda. As argu- segundo Lefebvre (2006), num espaço concreto,
mentações são expostas durante a apresentação condição fundamental à acumulação ampliada do
dos momentos que compõem a aplicação do capital de forma assegurada pelo Estado.
método para então se direcionarem as inferências Lefebvre (2013) discute sobre o termo
apresentadas na conclusão. “produção do espaço”, relacionando o espaço à
reprodução das relações capitalistas em todas
A habitação como elemento da produção as suas manifestações de conflitos e contradi-
do espaço ções. O termo reprodução é trabalhado como
eixo analítico, pois é um processo complexo que
Sociedade e espaço estabelecem uma desarticula, altera e aumenta as contradições,
relação dialética em que um se realiza no outro dissimulando os reais conflitos da realidade.
e através do outro. Manifesta-se uma prática A forma espacial reflete e se transforma
social que se concretiza espacialmente, onde a num fator social pelos valores designados aos
sociedade se apodera do mundo enquanto apro- espaços, que vão se moldando às necessidades
priação do espaço em um tempo determinado, ou de produção, circulação, consumo e informação
seja, necessário à sua reprodução num momento de cada momento histórico.
histórico definido (CARLOS, 2014). Para Lefebvre (2008), o tempo é um ele-
Na lógica presente no movimento da socie- mento fundamental para a análise da produção
dade, emergem dois processos: o de produção e e reprodução espacial. Tem propriedades que se
o de reprodução. Esses, por sua vez, vinculam- vinculam ao espaço, pois é também uma merca-
-se à concepção de espaço enquanto produto doria que se vende e se compra. Neste sentido,
social e histórico. um consumidor, ao adquirir alguns “lócus”, não
Produção denota a criação de algo pelos adquire só um espaço povoado ou não, dotado de
homens e para os homens, na qual possa reco- prestígio e hierarquia social. Ele também adquire
nhecer sua própria trajetória de formação humana uma distância, que não apenas vincula a habita-
(LEFEBVRE, 2008). Carlos (2014) também afirma ção aos lugares, mas também adquire um em-
que produção se vincula à produção do homem prego de tempo, com práticas correspondentes.
para ter condições de vida em sociedade e por A relação entre espaço e tempo se expres-
esta é determinado. sa por meio da ação humana no cotidiano, pela
A produção do espaço seria um meio de prática socioespacial no plano da reprodução
reprodução da vida social. A produção da subje- das relações sociais.
tividade do homem, concomitante à construção Tempo e espaço são duas categorias inse-
do mundo objetivo, transparece na medida em paráveis e nelas estão expressos os conteúdos
que homem e sociedade produzem as suas con- do processo de reprodução social. Portanto, o
dições de existência, acarretando a produção de espaço possui uma perspectiva histórica e apare-
um espaço necessário à sua materialização e, ce no seu movimento de produção e reprodução
ao formar uma consciência acerca do processo enquanto materialização das relações sociais
em curso, reproduzindo suas representações e (CARLOS, 2011; 2014).
significados. Portanto, subjetivação e objetivação O espaço urbano é socialmente constru-
estão em um processo dialético e indissociável. ído (LEFEVBRE 2001; 2006; 2008; CARLOS,
O reproduzir constitui o movimento cons- 2014), mas é também e sobretudo o espaço da
tante de transformação e admite a continuidade realização do capital, uma vez que, no modo de
do processo, tornando-o diretamente relaciona- produção capitalista e na sociedade, tem assumi-
do à dinâmica da vida social. O ato de produzir do uma espécie de realidade própria no mesmo
processo global que a mercadoria, o dinheiro e sua produção como na reprodução, regulando-
o capital. -o e direcionando-o. No Brasil, os instrumentos
Destaca Lefebvre (2008) que o espaço ur- urbanísticos municipais possuem parâmetros
bano e a habitação estão em simbiose, pois são advindos da política urbana e do Estatuto da
objetos de interesse generalizado que encontram Cidade, que através de suas diretrizes conduzem
uma unidade no Estado, com predominância à elaboração de tais parâmetros.
deste ou daquele interesse. Para definir a localização de construção
Desse modo, os empreendimentos habi- destes empreendimentos, vários agentes so-
tacionais com recursos públicos vão sendo im- ciais operam em um contexto de diversidade de
plementados para satisfazer à necessidade de interesses e definição de lógicas de ocupação
moradia e dos setores construtivos. Por outro socioespacial. A atuação destes agentes sociais
lado, geram impactos espacialmente, alterando é complexa, resultando da dinâmica da acumu-
toda forma natural antes existente. Lefebvre con- lação de capital e das necessidades que se al-
sidera que o espaço natural (físico) vem sendo teram na reprodução das relações de produção
moldado. É o ponto de origem e a base do pro- (CORRÊA, 2000).
cesso social de produção do espaço, mas não Nesse sentido, os empreendimentos habi-
desaparece, pois continua como pano de fundo tacionais são resultado de um processo de pro-
das alterações que ocorreram, e “persiste como dução do espaço, que articula diversos agentes
camada ou sedimento do espaço histórico, su- interessados em valorizar seu capital no processo
porte de espaços de representação” (LEFEBVRE, produtivo.
2006, p.47). Assim, os instrumentos urbanísticos cons-
O crescimento das cidades altera os cená- tituem uma política do espaço e, portanto, são
rios, com as construções e com todas as redes políticos. Lefebvre (2008) afirma que o “espaço é
de serviços urbanos que se fazem necessárias político”, complementa ao defender que o espaço
à implantação das unidades habitacionais, as é ideológico e estratégico, e ainda questiona o
quais carecem de equipamentos sociais, tais motivo pelo qual assim se constitui, tendo em vista
como áreas de lazer, escolas, acesso à saúde, que é também produto social, ou seja, relaciona
bem como linhas de circulação que conectam a a produção de coisas e do espaço às relações
outras áreas que atendam às suas necessida- sociais que a constituem, e justamente nestas
des de trabalho, consumo, entre outras. Além relações estão os agentes e seus interesses.
disso, modifica os cenários, na medida em que A implantação dos empreendimentos al-
os empreendimentos habitacionais necessitam tera o perfil socioespacial das cidades, além de
de interlocução interna e com outros espaços, amplificar o crescimento para áreas até então
ou seja, de mobilidade. não ocupadas por moradias, pois a definição do
O papel fundamental do Estado na imple- público-alvo acaba por definir a lógica da pro-
mentação de políticas sociais que possam tornar dução espacial urbana, gerando espaços com
efetivo o direito social e fundamental à moradia características socioeconômicas semelhantes e
se expressa através de programas vinculados à suscitando espaços de segregação socioespacial
política social de habitação. Os programas habi- urbana (CORRÊA, 2000). Assim, a implantação
tacionais devem ser construídos em consonância de programas habitacionais que atendem a cer-
com os ditames da legislação federal, estadual tas demandas, tendo como um dos principais
e municipal, ou seja, conforme o previsto no pla- critérios a renda salarial, irá acarretar um perfil
nejamento urbano, o qual se ampara num leque semelhante de usuários no que se refere ao po-
de mecanismos e instrumentos que conduzem der aquisitivo, criando-se bairros padronizados,
à sua operacionalização. tanto populares quanto elitizados. Isto define uma
A proposta da cidade é sintetizada no pla- lógica imobiliária relacionada à oferta e demanda
no urbanístico, prevendo-se os resultados que em consonância com os agentes que operam e
se pretende alcançar, as ações propostas e os moldam o espaço.
instrumentos que serão utilizados. Assim, os ins- Uma das formas de a cidade expressar a
trumentos urbanísticos são ferramentas legais segregação está na distribuição das moradias no
para o Estado interceder no espaço, tanto na espaço urbano, gerando diversidades de padrões
uma data que será o marco temporal (MARTINS, Aplicação do método sobre a produção
1996; FREHSE, 2012). espacial no município de Ponta Grossa
Busca-se alcançar nesta etapa a complexi-
dade vertical da vida social, ou seja, identificar no Com base no método regressivo-progres-
tempo as relações sociais que se desdobram em sivo de Henri Lefebvre, delineou-se a produção
espacialidades e temporalidades desencontradas espacial urbana pelo viés dos programas de ha-
e coexistentes. As duas complexidades - a hori- bitação para famílias de baixa renda no município
zontal e a vertical - se entrecruzam, atuando uma de Ponta Grossa, Paraná, o que possibilitou des-
sobre a outra (LEFEVBRE, 1978). As relações vendar fundamentos, processos e contradições
vão apresentando as suas conexões, que não sociais que justificam a configuração espacial
são contemporâneas. Destacam-se elementos urbana.
remanescentes de épocas específicas e que se De acordo com os três momentos que estru-
reproduzem no presente. turam o método, apresentam-se alguns elementos
O momento histórico-genético é o terceiro investigados e interpretados.
momento do método dialético de Lefebvre, fase
também conhecida como regressivo-progressi- Momento Descritivo: o espaço habitacional
vo (ORTIGOZA, 2010) ou histórico-progressivo em Ponta Grossa segundo a legislação
(FREHSE, 2012). Neste momento, o pesquisador O momento descritivo foi construído a partir
faz o reencontro com o presente de forma mais de informações sobre a configuração espacial
esclarecida, compreendida e explicada. de Ponta Grossa. Para tanto, foi utilizado como
Nesta fase final do método, recuperam-se base o Plano Diretor Municipal de 2006, a Lei
as temporalidades desencontradas e coexisten- de Zoneamento e Uso e Ocupação do Solo de
tes, sem entendê-las como uma sucessão de 1999, como também o Plano Local de Habitação
etapas históricas. Deve-se apresentar as mo- de Interesse Social - PLHIS de 2011, para iden-
dificações que ocorreram, bem como as con- tificação das características da configuração do
tradições emergentes, as rupturas, os conflitos, espaço habitacional. Estes documentos definem
traçando as reflexões finais sobre o problema um espaço concebido, ou seja, uma representa-
pesquisado. Martins (1996) afirma que sobrevém ção do espaço.
uma volta à superfície fenomênica da realidade Ponta Grossa, segundo o IPARDES (2004),
social, esclarecendo o percebido pelo concebido é um munícipio paranaense que opera como
teoricamente e definindo as condições e possi- ponto de confluência das relações do Sul/Sudeste
bilidades do vivido. brasileiro e da penetração para o interior do
O potencial do método para desvendar Estado. Une o norte e o oeste paranaense ao
empírica e teoricamente o objeto de pesquisa Porto de Paranaguá, passando pela aglomeração
consiste em uma base de orientação teórico- metropolitana de Curitiba.
-metodológica, pois busca encontrar não somente É uma cidade caracterizada como centro
a coexistência de relações sociais, que têm datas urbano de médio porte, com elevado grau de
diferenciadas, mas também as possiblidades de centralidade e de polarização na região (PONTA
modificação do problema investigado. Estudam- GROSSA, 2006). Classificada pela REGIC –
se as particularidades do presente a partir dos Rede de Influência das Cidades (IBGE, 2008)
legados do passado, assim como indicam-se como capital regional C, ou seja, possui influên-
características futuras. Desse modo, o conheci- cia no âmbito regional, servindo como polo para
mento vai sendo construído sob um rol de infor- várias atividades por uma grande quantidade de
mações interligadas, em que o real existe num municípios circunvizinhos.
movimento ininterrupto que vincula passado, Na malha urbana, as características mais
presente e futuro. predominantes com relação ao uso e ocupação
do solo urbano, segundo o Plano Diretor de 2006,
encontram-se: o crescimento da malha para as di-
reções noroeste (Norte do Paraná), norte (Castro)
e leste (vale do Cará-Cará); o adensamento na
A partir de 2009, o munícipio passou a rece- Para a construção dos conjuntos habita-
ber recursos federais, através do Programa Minha cionais, houve a necessidade de alteração do
Casa Minha Vida - PMCMV. Foram 19 conjuntos perímetro de rural para urbano para 10 empreen-
implementados entre 2009 e 2014, edificados por dimentos. Outros 5 estavam em áreas urbanas,
6 empresas construtoras. Nenhum está situado porém com finalidade rural, isto é, realizavam
em área apta para programas habitacionais em atividades agrícolas; e 2 conjuntos possuíam área
vazios urbanos. Apesar de previsto no PLHIS em ambos os perímetros, porém com finalidade
de Ponta Grossa como estratégia de política rural. Somente o Residencial Esplendore estava
pública habitacional, os vazios urbanos não são em área urbana não edificada, sem finalidade
utilizados como política de inclusão urbanística. rural. No Quadro 1 consta a especificação do
Com relação às áreas não loteadas, nelas foram perímetro anterior e da finalidade anterior.
construídos 7 conjuntos.
QUADRO 1: Perímetro e finalidade anterior da área dos conjuntos Minha Casa Minha Vida
Perímetro Finalidade
Nome Empreendimento
anterior anterior
01 Residencial Califórnia I Urbana Rural
02 Residencial Califórnia II Urbana/rural Rural
03 Residencial América Urbana Rural
04 Residencial Esplendore Urbana Urbana
05 Conjunto Habitacional Jardim Amália I Urbana Rural
06 Conjunto Habitacional Jardim Amália II Urbana Rural
07 Conjunto Habitacional Jardim Boreal Urbana/rural Rural
08 Conjunto Habitacional Jardim Gralha Azul Rural Rural
09 Residencial Jardim Panamá Rural Rural
10 Conjunto Habitacional Porto Seguro Rural Rural
11 Residencial Athenas Rural Rural
12 Residencial Jardim Costa Rica I Rural Rural
13 Residencial Jardim Costa Rica II Rural Rural
14 Residencial Jardim Costa Rica III Rural Rural
15 Residencial Londres Rural Rural
16 Residencial Roma Rural Rural
17 Residencial Jardim Itapoá Rural Rural
18 Residencial Recanto Verde Urbana Rural
19 Residencial Buenos Ayres Rural Rural
Fonte: Divisão de Projetos Técnicos – PROLAR (2016). Dados organizados pela autora
A implantação dos conjuntos habitacionais adaptações no limite, alterando a área para ur-
foi remodelando a configuração espacial do mu- bana, e entre estas as referentes à implantação
nicípio, tanto na ampliação do perímetro urbano dos conjuntos habitacionais.
como alterando a finalidade funcional da área. A construção em áreas definidas anterior-
A Lei nº 9865 de 2009, que vigora sobre a mente como rurais é permitida na legislação do
divisão territorial do município de Ponta Grossa PMCMV, desde que sejam consideradas área de
para fins de organização política, define e clas- expansão urbana e observem o respectivo Plano
sifica espacialmente as áreas municipais, demar- Diretor. No caso de Ponta Grossa, as áreas foram
cando o perímetro urbano do rural. Anteriormente aprovadas pelos órgãos municipais, ampliando
e posteriormente a esta lei, inúmeras leis e decre- a área do perímetro urbano.
tos foram instituídos com o propósito de realizar
sempre estão sintonizadas com os aspectos 1950 foram no sentido de expandi-lo. A Tabela 1
técnicos definidos pelo planejamento urbano e demonstra quantitativamente este crescimento.
ocupação do solo.
A demanda por alterações parte do poder Tabela 1: Área dos perímetros urbanos e crescimento
público, em atendimento aos interesses públicos relativo em Ponta Grossa, de 1950 a 2010
e privados que necessitam modificar a finalidade Crescimento
de uma área para concretizar o uso espacial de Ano Área (Km²)
relativo (%)
determinada área. No Gráfico 1 fica evidente 1950 22,4
que nos anos de 2004, 2008 e entre 2009 e 2013 1960 50,3 124,5
ocorreram um maior número de alterações, de- 1970 90,2 79,3
monstrando maior movimentação dos agentes 1980 149,3 65,5
envolvidos. Como discutido por Lefebvre (2008),
1990 150,3 0,6
o espaço não é neutro, ele é político, marcado por
2000 200,3 33,3
posicionamentos de agentes que vão moldando
2010 243,1 21,4
sua configuração. Portanto, um instrumento polí-
tico intencionalmente manuseado e que, através Fonte: De 1950 a 2000 - NASCIMENTO; MATIAS (2011).
da sua legislação, vai definindo os agentes que A década de 2010 foi calculada pelo Qgis com base em
regulamentações que alteraram o perímetro. Dados
modificam a representação do espaço em prol
organizados pela autora
de seus interesses.
Este descompasso temporal e espacial
entre a proposta de 2006 do Plano Diretor e Lei Este acréscimo na expansão urbana de-
de Zoneamento de 1999 gerou divergências entre corre do processo sócio-histórico do município
o recomendado e o aplicado, pois, consideran- e locacional. Como um município de entron-
do que a produção do espaço urbano é deter- camento rodoferroviário, a expansão ocorreu
minada pelo uso e ocupação do solo, tem-se acompanhando grandes vias de deslocamento
que o previsto pelo Plano Diretor de 2006 ficou rodoviário e ferroviário, formando espigões de
subestimado, permanecendo a primazia para a desenvolvimento local.
Lei de 1999 e suas alterações subsequentes. O Para demonstrar espacialmente o percurso
município apresenta esta contradição, visto que histórico das ações habitacionais, apresenta-se
possui um Plano Diretor adequado à legislação na Figura 1 os empreendimentos habitacionais,
federal, porém não tem eficácia, enquanto que de 1952 a 2016, em Ponta Grossa, qualificando-
utiliza uma lei de zoneamento defasada, embora -os por ano de entrega e companhia de habitação
manipulável. que operou no município.
O controle do espaço através da legislação
do uso e ocupação do solo e do zoneamento de-
termina setores que demarcam interesses sobre
as áreas. Neste sentido, o zoneamento reitera
uma segregação programada, pois é apoiada pelo
poder público, ratificando as estratégias dos agen-
tes influenciadores sobre o espaço concebido.
O ordenamento do uso e ocupação do solo
através da lei de zoneamento contribui com a
movimentação do mercado de terras, como tam-
bém com a definição de áreas com forte homo-
geneidade social, ao determinar espacialmente a
localização dos empreendimentos habitacionais.
Quanto à divisão territorial do município
de Ponta Grossa, esta passou por constantes
alterações que foram redefinindo o processo de
produção do espaço. As modificações que ocor-
reram nos limites do perímetro urbano a partir de
Figura 1: Distribuição espacial dos empreendimentos habitacionais realizados por companhias de habitação
em Ponta Grossa
Os conjuntos habitacionais foram resulta- terras havia algum tipo de edificação (residencial,
do, condição e meio de um dos elementos que comercial, de prestação de serviços etc.), ao
compõem o processo de produção do espaço. passo que 60,12% eram compostas por glebas
Isto transcorreu durante décadas com maior e lotes desocupados” (NASCIMENTO; MATIAS,
movimentação em alguns períodos, articulan- 2011, p.84).
do diversos agentes no processo produtivo: o Na década de 1970, apesar de o perímetro
poder público, o setor privado e os moradores, urbano ter evoluído 79,3%, somente um conjunto
cada um defendendo seus interesses, gerando habitacional foi entregue no ano de 1979, loca-
contradições, mas também sintonia em prol de lizado na borda periférica, ampliando a malha
seus objetivos. Assim, o espaço urbano foi sen- urbana. Este hiato temporal decorreu do fim das
do produzido através da produção de relações atividades da COHAB-PG e o início das atividades
sociais e da mercadoria. da COHAPAR.
O processo da reprodução do espaço não
abrange só o recente, mas contém juntamente o
remoto. A Figura 2 evidencia características que
reiteram o passado e outras que se diferenciam.
Quando se situa a implementação dos pro-
gramas por década, tem-se que a localização
dos primeiros empreendimentos da década de
1950 ficaram vinculados à proximidade do local
de trabalho das categorias militares e ferroviários,
como também se localizavam nos eixos de de-
senvolvimento da época - Uvaranas e Oficinas.
Na década de 1960, a localização dos 4
empreendimentos foi dispersa no espaço urbano,
mas todos foram implantados na borda periférica,
ampliando a malha urbana. Essa década foi o
período em que o perímetro urbano mais evo-
luiu, com 124,5% (vide Tabela 1) de aumento em
relação à década anterior. Isto não indica que o
espaço estava ocupado, pois “apenas 29,4% das
rebater sobre a implantação dos empreendimen- Um elemento que se diferencia dos demais
tos do MCMV na década posterior. períodos e se destaca na década de 2010 é o
Na década de 2010, o crescimento do pe- direcionamento normativo que o PMCMV propor-
rímetro urbano foi de 21,4% e 20 conjuntos ha- ciona para as construtoras, pois estas têm, entre
bitacionais foram implementados, dos quais 11 as suas competências, a definição do terreno
vinculados ao PMCMV ampliaram o perímetro para aprovação da CAIXA e anuência do governo
urbano. Os outros 9 conjuntos com recursos do municipal. No caso de Ponta Grossa, esta com-
MCMV e FNHIS foram construídos em áreas não petência retomou com a lógica de expansão do
loteadas da expansão urbana das décadas de perímetro urbano, por meio da construção dos
1980 e 1990. Apesar de ter ocorrido a expansão conjuntos habitacionais.
urbana, isto não significa que estas áreas eram Como síntese deste percurso entre as dé-
utilizadas para fins urbanos. Conforme especifi- cadas de 1950 a 2016, tem-se características
cado anteriormente, dos conjuntos do PMCMV, que se reiteram historicamente e outras que se
somente um era do perímetro urbano e estava diferenciam espacialmente sobre a localização
ocioso, ao passo que os outros 18 conjuntos fo- dos empreendimentos habitacionais.
ram provenientes do perímetro rural ou estavam
no perímetro urbano com finalidade agrícola.
Tabela 4: Síntese das características espaciais da construção dos empreendimentos habitacionais entre
1952 e 2016 em relação ao crescimento do perímetro
Em área de Em áreas não loteadas
Próximo Crescimento relativo do
ampliação advindas da expansão
Década local de perímetro urbano em relação
do perímetro do perímetro urbano de
trabalho a década anterior (%)
urbano períodos anteriores
1950 02
1960 4 124,5
1970 1 79,3
1980 8 3 65,5
1990 1 30 0,6
2000 1 18 33,3
2010 11 9 21,4
Total 02 26 60 --
Fonte: Organizado pela autora com dados da pesquisa e os relativos ao crescimento do perímetro urbano: de 1960 a
2000 (NASCIMENTO, MATIAS, 2011) e 2010, calculado pelo Qgis
de transporte, dos equipamentos e dos serviços como elemento constituinte do espaço urbano,
públicos. mas destaca-se o presente através do PMCMV
Por outro lado, a produção espacial nas sobre o espaço local.
bordas periféricas incide diretamente sobre os A perspectiva da reprodução do mundo ca-
custos para estender a infraestrutura urbana, pitalista sobre a produção do espaço via política
serviços públicos e equipamentos urbanos, apro- habitacional leva a um entendimento do espaço
fundando a segregação socioespacial de uma como produto da ação de diversos agentes so-
população com renda salarial baixa. ciais em prol de seus interesses, conduzida pela
As ações voltadas para a área habitacional generalização da mercadoria. Assim, o espaço
em Ponta Grossa, no seu percurso histórico, interpenetra toda a sociedade, que necessita
demonstram a influência que tiveram sobre a usá-lo para a efetivação da vida, contudo, na
expansão urbana periférica, ocorrendo momentos sociedade capitalista, a lógica do valor de troca
em que os programas ampliaram a malha urbana transforma o espaço em uma mercadoria e de-
e outros em que se utilizou de áreas não lotea- fine os limites e as condições de sua utilização
das advindas de períodos históricos anteriores. e apropriação.
Ambas as formas produziram novas vilas nas Por sua vez, o valor de uso fica subordinado
periferias distantes da área central, favorecendo à lógica do valor de troca. No uso, ficam manifes-
o crescimento horizontal espraiado da cidade. tos os trajetos, os percursos que fazem parte da
Com o processo de resgate histórico, com- vida na prática espacial. Na troca, se expressa
preendeu-se que formas espaciais que são dadas a valorização da apropriação mercadológica. E
num determinado momento podem englobar re- os espaços vão se redefinindo pelas estratégias
flexos do passado ou de outras formas espaciais do mercado e “marcam a passagem do processo
que se modificaram e vêm se transformando, por de consumo no espaço para o de consumo do
via de um constante movimento que se estabe- espaço” (CARLOS, 2004, p.11).
lece pelo intermédio das ações do homem na Neste contexto, se manifestam as dife-
prática socioespacial. rentes formas de apropriação da terra, as quais
A transformação gradual do uso da terra foi trazem em seu cerne a constante contradição: a
abarcando áreas de uso anteriormente agrícola, produção espacial ocorre socialmente, porém, a
produzindo como consequência a ampliação do apropriação é privada (CARLOS, 2014).
perímetro urbano, a intensificação da especu- Com relação aos empreendimentos do
lação imobiliária e o encarecimento dos inves- Programa Minha Casa Minha Vida com recursos
timentos do poder público local em estender a do FAR, vários agentes sociais foram envolvidos.
rede de infraestrutura e equipamentos urbanos. Foi possível inferir que a produção dos conjuntos
Com uma legislação estagnada temporal- habitacionais no espaço local foi conduzida por
mente e ajustada interessadamente, a política uma política concebida federalmente, que propi-
urbana municipal estimulou a (re)construção do ciou como agente protagonista as construtoras,
ambiente urbano, por meio da (re)ordenação as quais tinham a possibilidade de escolher as
da ocupação do solo da forma habitual ao pro- áreas para a construção dos conjuntos conforme
duzir uma cidade dispersa, penetrada por áreas a melhor possibilidade mercantil.
não loteadas retidas para estimular a finalidade O governo subnacional, através dos mu-
especulativa. nicípios, desempenhou uma posição subsidiária
na implementação do PMCMV para a gestão do
Momento Histórico-progressivo: MCMV espaço local. Przeworsky (1995) coloca que a
como expressão do novo e do velho da autonomia estatal pode ser verificada quando o
política habitacional Estado tem capacidade institucional de escolher
seus próprios objetivos e de concretizá-los mes-
Neste momento, regressa-se ao presente mo diante de interesses conflitantes. No caso do
considerando a complexidade horizontal e verti- MCMV, os municípios possuem autonomia diante
cal, na qual se processam elementos do presente da possibilidade de aprovação ou não dos em-
e passado, que interagem e se entrecruzam nas preendimentos, o que impacta sobre a produção
estruturas temporais da política habitacional, espacial, não obstante também sofram pressão
dos outros agentes envolvidos para a concreti- o setor empresarial construtivo e imobiliário, ao
zação das ações que possibilitam a implantação passo que os municípios, dentro de sua função
dos conjuntos habitacionais. executiva, se adaptam para receber os recursos
Desse modo, os governantes municipais e legitimar-se perante a população.
têm uma autonomia relativa, haja vista sua ca- O PMCMV injetou elevados recursos para a
pacidade institucional para escolher a forma da produção habitacional nos espaços locais, porém
produção espacial, ainda que passem por cons- não ocorreu vinculação com o Plano Local de
trangimentos. Segundo Przeworsky (1995), os Habitação de Interesse Social como instrumento
constrangimentos podem ocorrer por decorrência de planejamento municipal previsto pelo Plano
da oferta, institucionais e econômicos, afetando Nacional de Habitação de 2009. Também não
a autonomia estatal, já que o estado não é coeso adveio nas normativas uma relação com a polí-
numa racionalidade universalista, ao contrário, é ticas de solo redistributivas previstas no Estatuto
permeado por interesses particularistas de atores da Cidade e no Plano Diretor Participativo.
particulares. Isto se reflete diretamente sobre a No caso de Ponta Grossa, a questão fun-
expansão da cidade, que vai adquirindo formas, diária foi determinante para a consecução do
conforme os condicionantes mercadológicos. programa no município e para a característica
As políticas públicas da habitação susten- de expansão periférica, entretanto, destaca-se
tam uma direção concebida sobre a produção que, após o início de sua implantação, o preço
e reprodução do espaço urbano, como também do m² do terreno sofreu uma elevação acentuada.
demostram ambiguidade diante do próprio con- Dessa forma, os empreendimentos foram
cebido. O PMCMV, instalado numa conjuntura produtos viabilizados a partir da dinâmica do
federativa, apresenta esta discrepância concebi- mercado como também condição e meio para va-
da, pois, por um lado, a Constituição de 1988, o lorização do m² da terra em todo espaço urbano.
Estatuto da Cidade e o PlanHab 2009 delegaram No Gráfico 2 é possível observar o va-
aos municípios a competência de implementar lor da média anual do m² do terreno em Ponta
os instrumentos de política urbana referente à Grossa em relação ao IPC - Índice de Preços ao
função social da cidade e ao uso e controle do Consumidor e o IGP-M - Índice Geral de Preços
solo; por outro lado, o MCMV institui, entre as - Mercado da Fundação Getúlio Vargas - FGV.
competências, a definição espacial dos empre- Estes índices medem o preço de componentes
endimentos para as construtoras, estimulando que indicam o preço da inflação.
Fica evidente que o preço médio do m² do produção do espaço urbano. São nesses espaços
terreno em Ponta Grossa evoluiu conforme a que as diferenças socioespaciais se fazem notar.
inflação até o ano de 2008. A partir de 2009, o O processo de produção do espaço ficou
valor do m² expande ano a ano, crescendo muito expresso na expansão urbana, a qual gerou um
acima dos índices de inflação. ciclo de reprodução social e espacial. Ao de-
A variação do preço do terreno entre 2004 marcar mais espaço, repercutiu a dinâmica de
e 2015 foi de 236,52%, enquanto que da inflação acumulação e concentração do capital na cidade,
acumulada pelo IPC foi de 66,99% e do IGP-M foi ao mesmo tempo que concentrou espacialmen-
de 75,66%. Ao se considerar somente o período te pessoas como força de trabalho e mercado
pós-contratação e implementação de PMCMV, ou consumidor.
seja, entre 2009 e 2015, tem-se uma valorização Logo, a habitação como uma necessidade
de 159,81% do m² do terreno. Isto decorreu da e um direito repercute na vivência humana e seu
lógica mercadológica entre oferta e demanda, espaço reflete e condiciona as diversas estraté-
isto é, quanto mais demanda por áreas, maior o gias geradas pelos diferentes agentes sociais.
acréscimo no valor da oferta visto haver interes- Ficou evidente que o presente apresenta re-
sados na aquisição. lações que não são contemporâneas, que possui
Esta valorização incidiu diretamente sobre conexões com o passado, com a forma de gerir
os terrenos de maneira geral, o que não indica, as normativas municipais, se adequando aos dita-
contudo, que o valor da área dos empreendi- mes federais e privados, como também de pros-
mentos MCMV foram valorizados, até porque o seguir com uma urbanização segregacionista.
valor da área é determinado pelas normativas do
programa para a região, e os agentes imobiliá- Conclusão
rios e da construção civil conseguiram imóveis
conforme o indicado nas normativas. Porém, O lócus analisado nesta pesquisa permitiu
em sua maioria, trata-se de áreas rurais ou com demonstrar que histórica e progressivamente a
finalidade rural, que confrontavam com a área terra no espaço urbano encontra-se na condição
urbana, formando um cinturão de novos conjuntos de mercadoria, onde produção e reprodução do
em bordas periféricas na configuração espacial do espaço recriam condições para a reprodução do
espaço urbano de Ponta Grossa. Por outro lado, capital e da sociedade
a materialização desses empreendimentos tem Os agentes envolvidos na política habita-
contribuído para agravar a especulação imobiliá- cional se mesclam aos agentes da produção do
ria, pois mesmo cada novo conjunto habitacional espaço urbano, ou seja, empreendedores cons-
estando situado em áreas afastadas, eleva-se o trutivos, imobiliários, bancos e o Estado acabam
preço do solo no seu entorno. orientando suas estratégias de acumulação na
Em Ponta Grossa, a definição periférica jun- produção da mercadoria-espaço, na perspecti-
tamente com modelos construtivos padronizados va mercantil e de reprodução das relações de
e repetitivos e a segregação socioespacial através produção.
dos programas habitacionais de interesse social No caso do PMCMV, o desenho das nor-
são características de semelhança no percurso mativas foi fator determinante para a produção e
histórico, o que define elementos de continuidade reprodução do espaço local. Em Ponta Grossa,
dos períodos anteriores. Portanto, a produção as características de implementação do progra-
de habitações para a população de baixa renda ma se alinharam com as legislações nacionais.
e gerar lucro proporciona rebatimento espacial. Com relação à produção espacial dos conjuntos
De acordo com a espacialização dos con- habitacionais, verificou-se que estes ampliam a
juntos na área urbana, os moradores dos con- lógica da periferização e o crescimento horizontal
juntos têm um melhor padrão construtivo habi- espraiado da área urbana, sendo que os novos
tacional, mas encontram dificuldades na relação conjuntos, muitas vezes, não estão próximos a
espaço tempo para sanar as suas necessidades bairros já instalados, portanto ocupam uma po-
(educação, saúde, trabalho, consumo, ativida- sição menos integrada à malha urbana.
des culturais, lazer etc.), situação advinda da Esses empreendimentos foram modifi-
cando a configuração do espaço local e a sua