Professional Documents
Culture Documents
Porquê perverso?
Depende muito. Em Itália, a Liga Norte, que agora é só Liga, atinge mais as
áreas de desindustrialização. Em França, a Front National é mais forte no norte.
Aliás, na zona de Lille, nos anos 90, deu-se um fenómeno curioso: à queda do
Partido Comunista correspondeu uma subida idêntica da Front National, ou
seja, houve uma transferência de votos directa. Parece absurdo, mas porque os
quadros das pessoas, às vezes, também não são adequados à realidade. Uma
das coisas que observamos é que é cada vez mais difícil as estruturas
interpretativas adequarem-se à realidade, porque a realidade é muito rápida.
Marx tinha essa noção, de que a tal realidade do capitalismo, pela sua natureza
subversiva, revolucionária, estava sempre a mudar, que resulta nestes
fenómenos, as guerras comerciais a que assistimos. Em quem é que Trump
pega, quais são os países com que acaba por ter problemas? São aqueles que
têm maiores excedentes comerciais com os Estados Unidos: a China, o México e
a Alemanha, não por esta ordem.
É subjectivo?
Acaba por ir contra, mas não em tudo. A China é fortemente identitária, mas
aposta na globalização. Como os Estados Unidos apostaram no passado. E
Portugal é um caso curioso, há uma componente económica fortíssima na
questão da expansão e dos Descobrimentos. Na Idade Média, a economia
baseava-se na agricultura, que num país como Portugal era paupérrima.
Quando passamos os Pirenéus temos uma gigantesca planície europeia, até à
Rússia, de terras baixas, fertilíssimas e com rios navegáveis. Aqui terras boas só
a Lezíria do Tejo, Sado e baixo Mondego, o resto é paus e pedras, uma
agricultura é dificílima. Lembro-me de, na minha infância e adolescência, ler os
jornais e as grandes questões de homicídios em Portugal serem ou os crimes
passionais ou as disputas de terras e águas. Ou seja, este país, que nos finais do
século XIV consegue defender-se de Castela, escapar da hegemonia castelhana,
para resolver o seu problema de recursos, que não tem, tem de sair para o mar
Atlântico. E globaliza, somos pioneiros nisso, numa expansão política, militar e
comercial. É evidente que os Estados Unidos foram, durante muitas décadas,
sobretudo no pós-guerra, a grande potência globalizante, não só na economia,
por exemplo no vestuário, com os jeans, o cinema, a cultura fílmica, televisiva -
Nova Iorque tornou-se icónica.
É essa projecção americana, que hoje está a ser copiada, que está também
a ser posta em causa.
Essa projecção está a ser copiada pelos chineses e por outros, embora com
outra dimensão e outras condições, porque os Estados Unidos tinham uma
vantagem de sucessão cultural, foram os continuadores sem interrupção do
Império Britânico – no fim da II Guerra Mundial aquilo que era antes um pouco
a expansão imperial inglesa, no quadro da Guerra Fria e da resistência ao
chamado expansionismo soviético, passou para os Estados Unidos. Tudo isso
começa a ser posto em causa por outras potências, como é normal. Pela China,
mas também pela Índia e, regionalmente, por outros poderes. É um jogo que
tem sempre um lado dialético, com forças que se chocam e vão produzindo
sínteses. Actualmente estamos numa fase em que há uma reacção àquilo a que
podemos chamar as consequências perversas da globalização, como a
desindustrialização.
Primeiro, porque tinha uma adversária que, de certo modo, encarnava tudo o
que os populistas odeiam: a senhora Clinton. Segundo, porque acaba por ter o
voto, decisivo, em áreas que desde 1984 votavam nos democratas (Reagan só
não foi eleito em dois estados), as tais zonas tradicionais da indústria:
automóvel, siderurgia... E as pessoas votaram Trump não foi só porque as
fábricas fecharam, não foi só por uma questão económica – claro que os
salários e o emprego também são importantes -, foi também por um lado
cultural, por gostarem de fazer coisas. Na Europa passa-se o mesmo: a Europa
desindustrializou-se e isso marca as zonas e as pessoas, descaracteriza-as. E há
outro problema profundíssimo na Europa, que é a questão demográfica: o
envelhecimento da população, que vai gerar uma situação que, não diria
absurda, mas, altamente perigosa.
Qual? Porque sei que não está a falar na baixa da natalidade, pura e
simplesmente...
Por um lado, os europeus não querem mais filhos ou têm poucos filhos e têm
sistemas sociais precários. Portanto, precisam dos imigrantes. Mas, como os
imigrantes vêm de certo modo descaracterizar a tal identidade de que temos
vindo a falar, também se incomodam com isso. Estas são questões que
normalmente se apresentam de uma forma unilateral e a solução encontrada é
esta ideia de multiculturalismo das sociedades... Só que as sociedades não são
tão multiculturais como gostamos de pensar. Uma sociedade como os Estados
Unidos pode ser e foi multicultural, mas é um multicultural muito relativo; os
imigrantes chegavam de países como a Suécia, a Rússia, a Itália, todos cristãos
brancos. E isso marcou-lhes os costumes, há uma equivalência cultural. Porque
se estivermos a falar de tradição muçulmana, já é completamente diferente. Não
sei se uns são melhores do que outros, mas são diferentes. E não vale a pena
estar a tapar o sol com a peneira, que é o que se tem estado a fazer.
RACISTA NÃO SOU, MAS SOU NACIONALISTA. FALARAM DAS DUAS COMO SE
FOSSE A MESMA COISA
É uma coisa extraordinária. Foi uma coisa... Só teve alguma gravidade, e até foi
um episódio um tanto pícaro, porque, primeiro, foi uma decisão tomada por
uma associação de 32 pessoas, numa faculdade de 5 mil alunos, o que é um
tanto ridículo. E depois teve um efeito perverso: normalmente tenho 60, 70, 80,
100 pessoa já é uma festa, numa conferência destas. A conferência foi proibida
e acabei por publicá-la no Expresso, o que significa que foi lida por uns milhares
de pessoas. Mas é daquelas coisas completamente imbecis: eu racista? Tenho
mais amigos negros do que a maioria dos portugueses, acredito.
Não. Mas o que é estúpido e abusador é juntar tudo no mesmo saco: racista e
nacionalista. Racista não sou, mas sou nacionalista. Falaram das duas como se
fosse a mesma coisa.
Tem uma empresa em Moçambique...
Trata-os mal?
Não, até os trato bem e pago-lhes os salários. Mas toda a vida tive esta relação
normal, nunca me fez a menor confusão... Nunca me passou pela cabeça. O
nacionalismo português nunca foi racista, nem podia ser, historicamente.
Portanto, tudo isso são disparantes, é uma misutra de desinformação, falta de
cultura e ignorância profunda.
Bárbaros não há. Iluminados são quase todos. [risos] Não, Portugal está, de
certo modo, um pouco à margem deste fenómeno. Talvez seja dos
pouquíssimos países da Europa que está à margem. Porque, curiosamente, não
tem aquelas causas que na Europa determinaram estas reacções; não temos o
problema da imigração, temos uma pequena taxa, à volta de 400 mil
estrangeiros a viver em Portugal, numa população que ronda os 10 milhões.
Desses, cerca de 50 mil são muçulmanos, de um modo geral pessoas
completamente integradas na vida social do país, uma comunidade ismaelita
muito significativa, outra de gente oriunda da Guiné-Bissau e outras. Em França
há cinco ou seis milhões de muçulmanos, a maior parte vindos de Argel, de
Marrocos, da Tunísia... Desses, 90% ou 95% podem ser pessoas ordeiras e
integradas, mas basta que os restantes 10% ou 5% causem confusão para haver
problemas gigantescos. E nós também temos uma capacidade integradora fácil,
até porque fomos um país e emigração, mas ao mesmo tempo com uma
fortíssima identidade nacional, o que penso ser um trunfo para Portugal. Não
temos esses problemas de secessões, de Catalunhas, comunidades com
religiões diferentes, um fenómeno que espero não venhamos a destruir com
esta ideia de voltar à regionalização, que acho perigosíssima.
Porquê perigosíssima?
Para descentralizar não é preciso regionalizar, criar regiões. Não sou perito em
Direito Administrativo, mas ainda sei alguma coisa de Direito Político.
Descentralizar não tem nada a ver com regionalizar. Criar poder autónomo
legítimo numa determinada área, chamar-lhes uma região, é que não tem pés
nem cabeça. Descentralizar competências, isso é uma questão de bom senso
administrativo e de capacidade política, porque também não é fácil. Evidente
que temos uma questão importante em Portugal e da qual raramente se fala,
que é a da macrocefalia de Lisboa. Lisboa foi sobretudo a cabeça do Império e a
tesouraria do Império. Fazia sentido, então. Era um pouco como Viena, na
Áustria, que era a cabeça do império dos Habsburgo. O império desapareceu a
partir da Grande Guerra, há 100 anos, mas Viena ficou igual. Quer dizer, a
pequena Áustria, chamemos-lhe assim, ficou com uma capital talvez demasiado
grande. Lisboa é um pouco isso.
Sobre as elites, não podemos dizer que não temos elites, mas o conceito de
elite mudou?
Pois, elites temos sempre. O embaixador Franco Nogueira, de quem fui muito
amigo e que conheci muito bem, uma pessoa de grande categoria e de grande
coerência – faria este ano 100 anos – de certo modo popularizou aquela frase
segundo a qual "o povo é bom, as elites são más". É uma sobressimplificação
que muito gostam de usar, porque o problema da renovação da história é um
problema de renovaçãoo de elites.
[risos] Claro, os quadros dos antepassados que não são deles. Há uma reflexão
de um escritor tradicionalista francês que tem muita força, Jean de La Varende,
que a propósito de um texto de Victor Hugo, em que um nobre fala para os
seus antepassados, ele diz que só quem não tem antepassados pode imaginar
um monólogo feito para a galeria dos antepassados, porque aquela é uma cena
um bocado burlesca. Mas isso é à portuguesa, porque tem um lado de uma
certa insegurança, tem muito o ser e o parecer, a preocupação do parecer
subalternizando o ser. Há muito isso. A comédia portuguesa, como a italiana,
apanha muito isso.
Portugal - e nesta coisa das ideias políticas discuti isto muito a fundo com o
professor Martim Albuquerque, que conhece isto muito bem – não tem nenhum
pioneirismo na invenção de modelos políticos. A história política portuguesa
segue muito os modelos europeus, com alguma décalage em tempo. Temos
apenas uma inovação política interessante, que é na relação entre aquilo que
era a metrólople e as terras de descoberta e conquista; criámos modelos
bastante originais de integração. Os franceses também, a partir e 1871, na
Terceira República Francesa, com a Argélia e depois com a Indochina. Mas nós
tivemos esse pioneirismo. Fora isso, vamos seguindo o que a Europa vai
fazendo. Curiosamente, ainda não seguimos estes fenómenos mais recentes, o
aparecimento dos tais movimentos ou partidos populistas, quer à direita, quer à
esquerda.
Os brandos costumes portugueses são uma coisa que veio com Salazar. Salazar,
para o bem e o para mal, domesticou muito a sociedade civil. Salazar tinha
horror à violência fora do estado - pese até aquela frase muito interessante: "O
Estado tem de ser forte para não ter de ser violento". Porque Portugal viveu
ciclos de instabilidade em instabilidade, a começar no século XIX com as
invasões napoleónicas, em 1807. Depois a violência vai praticamente até quase
aos anos 1930/36, porque mesmo depois do 28 de Maio, já depois da ditadura
militar, no princípio do Estado Novo, ainda há muita revolta, como o 7 de
Fevereiro, violentíssimo. E depois entra numa relativa estabilidade, com Salazar
e os tais brandos costumes. Mas o século XIX é muito violento, mesmo em
termos no pós-guerra civil. Aliás, isso está muito documentado na literatura. E
ainda tivemos grandes quadrilhas, organizadas, os Brandões, o Zé do Telhado,
que depois foi degredado para Angola e lá teve uma data de filhos. Eram
dezenas de homens armados, matavam pessoas, assaltavam casas...
Evidentemente que o sistema autoritário tem essa consequência, a violência fica
organizada do lado do estado.
Sou suspeito, porque penso que não há direita nenhuma em Portugal. Mas
mesmo as pessoas da direita, em termos de opinião, as pessoas que votam à
direita, preferem dizer que são do centro, ou vão do centro para a direita. Por
exemplo, o novo líder do PSD teve logo a preocupação de dizer que era do
centro-esquerda. Do centro-esquerda é o António Costa e o Partido Socialista.
Ainda que a ideologia original dos partidos que representam não tenha
nada a ver com o que defendem...
Sim, mas os conteúdos...A maior parte das pessoas nem liga a isso, ninguém vai
ver, ninguém procura. O pensamento político é paupérrimo. Estes debates, a
maior parte deles, centram-se na gestão. Tratam a política como um elemento
de gestão. Durante a campanha do PSD para as eleições internas, nunca ouvi o
Dr. Santana Lopes e o Dr. Rui Rio falar sobre o que pensavam da Europa, do
mundo. Passaram a vida a discutir coisas internas, de família partidária, a falar
das tácticas, não se discutiram conteúdos políticos.
Direita política, para mim, tem de ter três valores: independência nacional, tem
de ser conservadora em termos de valores sociais e tem de ser liberal na
economia, um liberalismo temperado com questões de justiça social. São estes
os três valores que eu encontro numa direita e não vejo nenhum partido assim.
E há eleitores que ou não votam porque não encontram uma partido com estes
valores, ou votam últil em partidos que acham menos maus. Mas, é curioso: o
CDS subiu. Lá está, a ideia de que, apesar de tudo, é menos mau para esses
eleitores. Mas no sistema ainda continua o peso do chamado antifascismo,
entre aspas. Este peso é ainda muito forte nos media e na academia. Não é
preciso ir a Portugal, nos Estados Unidos há um desequilíbrio nestes dois
sectores, que estão politicamente bastante mais à esquerda do que outras áreas
sociais. Cá também.
Quando se censurava Trump por causa do botão nuclear, que o outro dizia eu
tenho um mil vezes mais potente?! Isso funcionou. E de uma forma muito
interessante, também. A Coreia do Sul era a protegida dos Estados Unidos e a
Coreia do Norte era a protegida da China. Trump também conseguiu um certo
entendimento com Xi Jinping, que fez mais pressão sobre a China. Moon, o
presidente da Coreia do Sul, também parece não querer estar tão dependente
de Trump. Esta aproximação das duas Coreias foi também uma forma de se
libertarem dos seus anjos tutelares, é muito interessante esse fenómeno. Agora,
se não fosse Trump a mexer aquilo tudo, nada tinha acontecido. E na semana
passada lá foi Macron ao beija mão. Penso que é por isso que ele tem aquela
popularidade toda junto da gente do sul, há mais pessoas assim do que como
Hillary Clinton.