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Apesar de o título do trabalho levar a crer que o tema principal abordado seja, de fato, a
falência dos modelos normativos de filosofia da ciência, utilizando a astrologia como
um estudo de caso, ou quem sabe um exemplo, creio que posso dizer que esta
dissertação tem como principal objetivo estudar o caso da astrologia, sob a luz da
referida falência dos modelos epistemológicos normativos. E, apesar de a autora o negar
com notável insistência, pode-se sentir, sem muita dificuldade, em sua escrita, o eco
abafado de uma defesa apaixonada do valor epistêmico da astrologia. Astróloga de
profissão, a autora logo afirma: “É importante ressaltar que não se trata aqui de uma
apologia ou um ataque à astrologia, e sim de uma investigação sem juízo prévio” (p.
11). Em que medida suas paixões e a tentativa de mascaramento delas foram úteis ou
prejudiciais à abordagem do tema, é difícil dizer, mas posso afirmar que não a
impediram de desenvolver um trabalho de muito boa qualidade, utilizando a bibliografia
pertinente ao tema e não se furtando a apresentar os argumentos relevantes à discussão
sobre o estatuto epistemológico da astrologia.
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Resenha por André Mattos, graduando em Psicologia (UFBA), membro do Grupo de Pesquisa CONES.
ou menos clara entre ela e outras formas de saber, ganhando a astrologia o status de
“pseudociência”, por Popper, figurando ao lado da psicanálise e do marxismo. Kuhn
propõe uma abordagem que recorre à história da ciência, um aspecto que influenciará
epistemólogos posteriores a usar uma abordagem cada vez mais descritiva e menos
prescritiva (normativa). Introduzindo o conceito de paradigma, ele conceberá a ciência
como alternando entre períodos de “ciência normal” e de crise do paradigma, e excluirá
a astrologia do rol das ciências por motivos diferentes do de Popper: por ela não ter
quebra-cabeças para resolver, e não por não ser falseável, o que ele não considera um
critério suficiente. A partir daí, a autora apresenta alguns epistemólogos que já tinham
propostas mais historicizadas, mas ainda são um híbrido das características normativas e
descritivas, como a de Lakatos, que propõe uma metodologia dos programas de
pesquisa científica. Thagard propõe um critério tríplice de demarcação, que envolve a
avaliar a teoria, a comunidade e o contexto histórico, mas que é criticado posteriormente
por ele mesmo. A autora apresenta Feyerabend como “l’enfant terrible da filosofia da
ciência”, e diz que ele colaborou para a falência dos modelos normativos,
desmistificando o método científico e destituindo a ciência de seu lugar privilegiado,
como melhor forma de conhecimento. O seu anarquismo epistemológico se opõe à
existência de critérios absolutos de cientificidade e abre o espaço para uma metodologia
pluralista e uma maior aceitação e valorização de outras formas de conhecimento,
incluindo aí a astrologia. Posteriormente, temos a proposta de Laudan, que afirma que a
ciência resolve problemas, e faz sua análise a partir das “tradições de pesquisa”, sendo
contrário à questão da demarcação da ciência, que considera um “pseudoproblema”. Na
década de 70, houve a chamada “virada sociológica”, a partir da qual se passou a dar
uma grande importância à sociologia da ciência, tendo como principal exemplo a Escola
de Edimburgo. Posteriormente, e mais recentemente, temos a tendência dos chamados
Science Studies, que buscam uma integração entre os estudos de filosofia, história e
sociologia da ciência, pondo uma ênfase na prática e estabelecendo uma agenda política,
sendo também contrários à demarcação de fronteiras.
A dissertação, mesmo trazendo um panorama bem amplo, ainda nos deixa com a
sensação de que é necessário um maior aprofundamento, tanto na filosofia da ciência
quanto na astrologia, para tomarmos um posicionamento mais seguro. De todo modo,
traz perspectivas e provocações a esses questionamentos, que são, sem dúvida, muito
instigantes.