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M Sistema de Segurança Pública e Gestão Integrada e Comunitária

GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

O
SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA E DA DEFESA SOCIAL
POLICIA MILITAR
DIRETORIA DE ENSINO
CENTRO DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DA POLÍCIA MILITAR – CFAPM
CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS

Unidade Curricular: Sistema de Segurança Pública e Gestão Integrada e Comunitária

B
Cód: CFS01 Carga Horária: 15h/a
EMENTA
I- CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
1. Sistemas de segurança pública nas sociedades democráticas;
2. Atribuições das instituições de segurança pública;
3. Abordagem sistêmica da segurança pública;

I
4. Conceitos de circunscrição, região e área de abrangência de outras instituições;
5. Políticas públicas: formulação, implantação, avaliação e acompanhamento;
6. Planos de segurança pública (instâncias: federal, distrital e estadual);
7. Análise de cenários e perspectivas da segurança global e local;
8. Relação entre o sistema de segurança pública e o sistema de justiça criminal;
9. Breve histórico da polícia comunitária;
10. A polícia comunitária como filosofia de um trabalho integrado;

L
11. A comunidade como “Locus Privilegiado”;
12. As redes sociais com foco nas ações comunitárias;
13. Fundamentos e princípios da gestão integrada e comunitária;
14. Mecanismos do Estado que favorecem a implantação da gestão integrada e comunitária
no âmbito da segurança pública;
15. Policiamento orientado por problema;

I
16. Estratégias que favoreçam a participação e mobilização da comunidade.
II – OBJETIVO
Geral: criar condições para que o profissional da área de segurança pública possa
ampliar conhecimentos para ter uma visão geral de como funciona o Sistema de Segurança
Pública, e também como atuar de forma colaborativa e cooperativa no planejamento de ações
integradas e comunitárias.
Específicos: ampliar conhecimentos para compreender a visão sistêmica da segurança

Z
pública, os órgãos, as instituições, os profissionais e as políticas e ações voltadas para a
sociedade e o cidadão, mediante o estudo dos seus antecedentes históricos e da análise de
cenários e perspectivas; Desenvolver e exercitar habilidades para reconhecer a importância da
formulação de políticas públicas e da elaboração de planejamento na área de segurança pública;
Ampliar conhecimentos para identificar os fundamentos de gestão integrada e comunitária e as
diversas formas existentes dessa gestão no sistema de segurança pública; Identificar o processo

A
do “triângulo do crime” ou “triângulo para análise de problema - TAP”; Atuar de forma
colaborativa e cooperativa no planejamento de ações integradas e comunitárias; Reconhecer a
importância de atuar como facilitador (protagonista) do processo orientado para o problema.

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III - ESTRATÉGIAS DE ENSINO


Os temas abordados poderão ser desenvolvidos através de aulas expositivas, debates, trabalhos
em grupo e individual, utilizando os recursos didáticos disponíveis para auxiliar na fundamentação do
ensino-aprendizagem.
IV- PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO
A avaliação deverá ser fundamentada em todo conteúdo ministrado, podendo ser composta por
questões objetivas e/ou subjetivas, valendo 100% da nota, pois se trata de uma única avaliação.
V- REFERÊNCIAS
BAYLEY, David H. Criando uma teoria de policiamento: padrões de policiamento.
Coleção Polícia e Sociedade 1. São Paulo: EDUSP, 2001.
BAYLEY, David H. Padrões de policiamento: uma análise internacionalmente comparativa. São Paulo:
EDUSP, 2001.
BECK, Ulrich, Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Editora 34, 2010, 1ª edição.
BERTALANFFY, Ludwig Vo. Teoria geral dos sistemas. BERTALANFFY, Ludwig Von; Ed. Vozes; 1975.
CERQUEIRA, C. M. N. A polícia em uma sociedade democrática. In: Polícia, violência e direitos humanos.
CEDOP, [S.l.]. Série Cadernos de Polícia, n. 20, 1994.
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias. Tempo
Social: Revista de Sociologia da USP, vol. 9, n. 1, 1997.
ROCHA, Luiz Carlos. Organização policial brasileira: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia
Ferroviária, Polícias Civis, Polícias Militares, Corpos de Bombeiros Militares, Guardas Municipais. São
Paulo: Saraiva, 1991.
SAPORI, Luís Flávio. Segurança Pública no Brasil: desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV Editora,
2007.
ANDRADE, Sebastião Carlos de O. Mudanças e oportunidade na gestão pública: o novo cidadão. Rio de
Janeiro, 2001.
DE OLIVEIRA, Fatima Bayma. (Org.) Política de gestão pública integrada. Rio de Janeiro, RJ: Editora
FGV, 2008.
DI PIETRO, Marial Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011.
FARAH Marta Ferreira S. et al. Novas experiências de gestão pública e cidadania. Rio de Janeiro: FGV,
2000.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.
PAULA, Ana Paula Paes de. Por uma nova gestão pública. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; SPINK, Peter. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Rio
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
SANTIN, V. F. Controle judicial da segurança pública: eficiência do serviço na prevenção e repressão ao
crime. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
TROSA, Sylvie. Gestão Pública por resultados. Brasília: ENAP/Editora Revan, 2001.

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Sistema de Segurança Pública e


Gestão Integrada e Comunitária
Janildo da Silva Arante1

1
Janildo da Silva Arante, 2º Sargento PM-RN, é formado em Matemática Licenciatura Plena pela UFRN e possui diversos cursos
na área de Segurança Pública.

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1. Sistemas de segurança pública nas sociedades democráticas


O surgimento da Polícia
A estruturação dos sistemas policiais modernos, baseados no profissionalismo, na administração
burocrática e sob o controle do Estado, é a expressão mais marcante do processo histórico de institucionali-
zação da noção de segurança pública.

FRANÇA
A França tornou-se a principal referência de formação de sistema policial profissionalizado,
conforme análise de MONET (2001). Ela tinha dois pilares: a Maréchaussée, nas áreas rurais e a Tenência
de polícia, em Paris. A primeira é intrinsecamente militarizada, sendo um regimento de elite do Exército, e
tem sua estrutura territorializada a partir do século XVI. Ela vigia as populações itinerantes, prende
bandidos, assegura regras concernentes ao comércio. Ela é rebatizada de Gendarmerie em 1791, perdendo
gradualmente suas vinculações com o Exército.
Já a Tenência é criada em 1667, com atribuição de zelar pela repressão da criminalidade bem
como deve tomar as medidas necessárias para evitar incêndios e epidemias além de inundações. Paris é
dividida em setores e bairros à frente dos quais atuam comissários assistidos por inspetores. Todo um
sistema de patrulhas a pé e a cavalo funciona durante todo o dia. A montagem de uma estrutura de
informantes foi a característica mais marcante desta polícia parisiense, preconizando a formação de policiais
exclusivamente destinados à investigação. Os tenentes gerais de polícia acabaram sendo nomeados em todas
as grandes cidades francesas.
Fator comum às duas formas de polícia na França é a direção do governo central. O monarca
absoluto comandava tanto a Gendarmerie quanto definia as indicações dos tenentes de polícia, sendo
concebidos como oficiais da realeza. Outros países europeus em fins do século XVIII e início do século XIX
implantam suas gendarmeries, todas vinculadas à autoridade central, orientadas para o policiamento de
estradas e campos.

BRASIL
O sistema policial brasileiro, por sua vez, se estruturou no século XIX. E a matriz foi a dualidade
policial francesa. Com a chegada da Coroa Portuguesa em 1808 no Rio de Janeiro, foi criada a Intendência
Geral de Polícia, com atribuições de controle do crime, de urbanização, saneamento, saúde pública e
iluminação pública seguindo o modelo policial que vigorava em Portugal desde o século XVIII.
A vigilância cotidiana das ruas, por sua vez, coube a forças militarizadas. No Rio de Janeiro, por
exemplo, existia a Guarda Real de Polícia (GRP).
Mesmo na segunda metade do século XVIII já existiam forças militarizadas que realizavam a
vigilância ostensiva das vias públicas. É o caso de Minas Gerais com o Regimento Regular de Cavalaria de
Minas, criada em 1775, que posteriormente veio a ser o fundamento da Polícia Militar do Estado de Minas
Gerais.
INGLATERRA
A Inglaterra, a despeito de sua tradição de gestão descentralizada, também assistiu a intervenção do
governo central na questão policial. Em 1829 o Parlamento assume a responsabilidade pelo policiamento de
Londres. É criada uma organização policial profissionalizada, trabalhando full-time e concebida em termos
civis, diferenciando-se do modelo francês da gendarmerie. É criada a Polícia Metropolitana de Londres.
A disseminação pelo restante do país deste modelo de policiamento eminentemente comunitário,
conforme propugnado por Robert Peel, ocorreu lentamente ao longo da segunda metade do século XIX,
abolindo os sistemas paroquiais até então prevalecentes.

2. Atribuições das instituições de segurança pública


Segundo a nossa constituição (Brasil, 1988) a segurança pública é direito e
responsabilidade de todos e deve ser exercida nas esferas federal, estadual e municipal .

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 Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de


todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e
do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se
a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e
interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras
infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme,
segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o
descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de
competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma
da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma
da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a
competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares.
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos
de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de
defesa civil.
§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército,
subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios.
§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança
pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens,
serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
(Brasil, 1988).

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Pacto Federativo.
Um dos principais desafios brasileiros é a segurança pública. As autoridades estão mais atentas
aos problemas e elegem o combate à violência como uma das prioridades em seus programas. A segurança
pública caminha cada vez mais para a integração e articulação entre as forças diversas presentes no
território.
O tema tem tratamento específico na Constituição Federal de 1988 no artigo 144. O texto dispõe
que a segurança pública é “dever do Estado” e deve ser exercida pelas Polícias Federal, Rodoviária Federal,
civis, militares e Corpos de Bombeiros militares. Qualquer lei precisa respeitar as estruturas previstas na
Constituição.
O Supremo Tribunal Federal afirma que a segurança pública trata de “organização
administrativa”. Por isso, a gestão em cada ente da federação fica por conta do chefe do executivo. No caso
dos estados, fica sob a chefia do governador de Estado, a quem estão subordinados as polícias militares e
civis. Já o chefe do Poder Executivo Federal tem a competência de organizar as polícias federais, dentre
outros da administração federal.
No entanto, com o aumento da violência, o governo federal passou a repassar recursos para a
modernização das instituições de segurança pública dos estados e do Distrito Federal. A articulação entre as
administrações nesse quesito é crucial.
Além desses quesitos, a segurança pública deixou de se pautar unicamente pela de repressão e
passou a ser vista sob a ótica da prevenção e capacitação dos agentes com enfoque na cidadania.Com o
governo da presidenta Dilma, o papel da União na Política Nacional de Segurança Pública passou a ser
maior, com maior integração institucional e as instituições do sistema de justiça criminal e enfatizando o
planejamento, a gestão e o monitoramento.
União
Compete à União a defesa dos seus interesses e dos seus órgãos, o policiamento da faixa de
fronteira e o combate ao tráfico internacional e interestadual de drogas, prevenir e reprimir o contrabando e
o descaminho, bem como realizar o patrulhamento das rodovias federais.
A União assumiu ainda a função de articular a integração entre os órgãos de segurança pública e
de justiça criminal, que teve seu ponto alto na Copa do Mundo 2014, e deixou como principal legado a
atuação integrada entre os órgãos de segurança pública nacionais e internacionais e as Forças Armadas nos
12 Centros Integrados de Comando e Controle Regionais.
Os locais foram equipados pelo governo federal em todas as cidades-sede da Copa. O governo
tem realizado ações como o Brasil Integrado, operação que já atuou no Nordeste e recentemente transferiu
presos entre presídios federais.

Estados
Os governos estaduais e do Distrito Federal realizam a segurança pública direta, organizando e
mantendo o policiamento ostensivo, que é realizado pela Polícia Militar, formada por policiais
uniformizados, facilmente identificados, de modo a criar na população uma percepção de segurança. É de
competência dos estados ainda manter e organizar a Polícia Civil e os órgãos técnicos de investigação dos
crimes comuns.

Municípios
Já os municípios têm a competência para desenvolver ações de prevenção à violência, por meio
da instalação dos equipamentos públicos, como iluminação e câmeras. Os municípios também podem criar
guardas municipais para a proteção de bens, serviços e instalações.
Neste ano, a lei nº 13.022 regulamentou as atribuições das Guardas Municipais na prevenção à
violência, proteção dos direitos humanos fundamentais, exercício da cidadania e das liberdades públicas,
preservação da vida e patrulhamento preventivo, dentre outros.

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Distrito Federal
O DF possui as mesmas competências dos estados na gestão da segurança pública.
Fonte:
Blog do Planalto: http://www2.planalto.gov.br/

Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2014/10/seguranca-publica-e-


dever-de-estado>. Acesso em 07 de ago de 2018.

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A provisão da segurança pública no Brasil, até a década de 1990, era compreendida como
uma responsabilidade quase que exclusiva dos governos estaduais, sobretudo dos órgãos policiais
(COSTA E GROSSI, 2007).
O artigo 144 da Constituição Federal de 1988 contribuiu para embasar a falta de comprometi-
mento da União e dos municípios na adoção de políticas para a preservação da ordem pública, uma vez que
atribui ao governo estadual o encargo pelas polícias civis e militares.
Nessa interpretação restrita de segurança pública, não haveria muito espaço para a atuação dos
governos federal e municipal, uma vez que a política de gestão policial, de execução penal e a administra-
ção da justiça criminal são majoritariamente desenvolvidas pelos poderes estaduais.
A UNIÃO, OS ESTADOS, MUNICÍPIOS E AS COMUNIDADES NA CONSTRUÇÃO DA
SEGURANÇA PÚBLICA
No âmbito federal, o envolvimento com as questões de segurança pública se limitava às ações das
polícias federais, ao controle de armas e empresas de segurança privada, assim como a atividades legislati-
vas e regulatórias na esfera criminal e penal. No âmbito municipal, restringia ao trabalho de proteção do
patrimônio público local, realizado pelas poucas Guardas Civis mantidas pelas prefeituras, além do apoio
às polícias estaduais, por meio de cessão de imóveis, doação de equipamentos e pagamento de combustível
para viaturas. (KAHN e ZANETIC, 2009).
No final da década de 1990, contudo, ocorreu uma ampliação da questão de segurança pública,
com a assunção de responsabilidades, tanto por parte do governo federal quanto por parte dos municípios.
Esse processo foi desencadeado através da percepção política da violência como problema público re-
levante, em virtude do crescimento dos índices de criminalidade, reconhecendo a relevância do tema para a
população.
Entre 1980 e 2000, a taxa de homicídios do Brasil passou de 11,4 para 27,8 ocorrências por 100
mil habitantes. Concomitantemente, houve um crescimento da sensação de insegurança, de modo que o
crime passou a figurar como uma das principais preocupações dos cidadãos brasileiros, ao lado do de-
semprego. Somado a isso, a população responsabiliza todos os entes federativos pelo problema, e não
apenas o governo estadual, detentor das polícias civil e militar (KAHN e ZANETIC, 2009).
Nas próximas aulas, você estudará as competências e as possibilidades de cada ente federativo na
promoção da ordem pública, no contexto de agravamento dos problemas de violência e do crescimento da
sensação de insegurança, que impulsionou a União e os municípios a participarem mais ativamente da
gestão da segurança pública, independentemente de suas obrigações oficiais.
Esse contexto, conforme analisa Cano (2006), também englobou uma mudança de paradigma na
segurança pública, em que o fracasso das políticas tradicionais de controle do crime cedeu espaço para
reformas e iniciativas inovadoras, que abordam a questão sob a ótica dos princípios democráticos e dos
direitos humanos, com o aperfeiçoamento dos órgãos do sistema de justiça criminal, com a articulação de
ações de repressão e prevenção à criminalidade, com a integração sistêmica das instituições de segurança
pública, com o investimento em tecnologia, com o surgimento de novos atores e com a participação social.
2.1 - A gestão federal da segurança pública
Conforme define o artigo 144 da Constituição Federal de 1988, a polícia federal, a polícia
rodoviária federal e a polícia ferroviária federal são os órgãos com que conta o governo federal.
§ 1º A polícia federal [...] destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e
interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja
prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em
lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descami-
nho [...];
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com
exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. (BRASIL, 1988)

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A polícia de fronteiras implica o exercício do controle do fluxo de pessoas, bens e mercadorias no


território nacional. A polícia marítima e a polícia aeroportuária envolvem a mesma função, porém operam
em espaços específicos – marítimos e aéreos, respectivamente, sobretudo, na prevenção e repressão do
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas, contrabando e descaminho.
A polícia rodoviária federal é responsável pelo patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
Atua através da presença policial ostensiva nas estradas federais e repressão imediata dos delitos cometidos
nesses espaços.
A polícia ferroviária federal é responsável pelo patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
Contudo, Souza Neto (2008) observa que, o que há na prática, é a segurança patrimonial desempenhada
pelas próprias empresas concessionárias de serviço ferroviário, e que apesar da previsão constitucional, a
polícia ferroviária federal, de fato, nunca existiu.
2.2 – A gestão estadual da segurança pública
O governo estadual é o principal ente federativo responsável pela preservação da ordem pú-
blica, pois nele se concentra a administração das polícias civil e militar.
A Polícia Militar apresenta como atribuições a função de polícia ostensiva e de preservação da
ordem pública, além da responsabilidade de investigar e julgar os crimes militares (BRASIL, 1988). De
acordo com Souza Neto (2008), o policiamento ostensivo consiste na atividade de prevenção e repressão
imediata da ação criminal, realizado por policiais fardados, de forma que esses profissionais possam ser
facilmente identificados, através do uniforme, equipamento, ou viatura, no intuito de preservar a paz social e
de restituí-la sempre que necessário.
O objetivo de tornar aparente a presença do patrulhamento policial nas vias públicas consiste em
intimidar a prática de ações ilícitas, por meio da construção da sensação de repressão imediata ao
cometimento de delitos, o que ocasionaria efeito de prevenção situacional do crime.
Compete à Polícia Civil o encargo de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, exceto a
investigação de crimes militares e daqueles de jurisdição da União (BRASIL, 1988). Apurar a prática de
delitos, segundo Melim Junior (2002), consiste no trabalho policial investigativo, desenvolvido em função
de evidenciar o crime sucedido – através da realização de perícias, interceptação de comunicações
telefônicas, reunião de provas, da escuta do relato das testemunhas, dentre outras medidas – no intuito de
identificar a maneira com que o delito ocorreu, suas causas e, sobretudo, descobrir a sua autoria, para que o
Estado tenha condições de desempenhar o seu direito de punição – “jus puniendi”.
Vale lembrar que a efetivação de grande parte dos procedimentos que ocorrem na atividade inves-
tigatória depende de autorização judicial, conforme adverte Souza Neto (2008). É denominada função de
polícia judiciária a incumbência de amparo conferida pela Polícia Civil ao Poder Judiciário, no subsídio
da materialidade necessária para o processo e o julgamento dos autores de infrações penais.
Conforme Lazzarini (1987), a Polícia Militar é classificada como Polícia Administrativa, por ser
regida pelos preceitos jurídicos do Direito Administrativo, enquanto a Polícia Civil é definida como Polícia
Judiciária, uma vez que é auxiliar da Justiça Criminal, regida pelos códigos do Direito Processual Penal.
Além do mais, a Polícia Administrativa é preventiva, dado que o trabalho por ela desenvolvido visa evitar
a prática de delito, ao passo que a Polícia Judiciária é repressiva, devido a sua atuação suceder o
cometimento de crime, operando como auxiliar do Poder Judiciário na aplicação da lei penal. Entretanto,
esta classificação merece ser relativizada, segundo pondera Lazzarini (1987).
A atividade policial desenvolvida na prática, ou seja, o modo de atuação da autoridade no exercício
do poder de polícia é o que efetivamente a qualificará como preventiva ou repressiva. Visto que, em sua
rotina de trabalho, o policial pode se deparar com os dois tipos de funções.
Portanto, a polícia desempenha função administrativa quando age em prol da preservação da ordem
pública e da prevenção da eclosão de delitos, ao passo que quando atua após a prática do crime – elaborando
o inquérito, em atividade investigatória de caráter criminalístico – a polícia exerce função judiciária, o que,
apesar do nome, também consiste em exteriorização de atividade administrativa, e não pode ser confundida
com a atividade jurisdicional, exclusiva do Poder Judiciário, de modo que o profissional público legitimado

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para efetuar o poder de polícia é uma autoridade administrativa, e não judiciária.


É a eclosão ou não da ação criminal que realmente delimita a diferença entre a prática preventiva ou
repressiva. Um agente que regula o trânsito, uma vez que lavra um auto de infração, passa do exercício da
atividade policial administrativa para a judiciária, assim como acontece na verificação de um acidente
automobilístico. Nesse caso, a ação preventiva ostensiva, que estava desempenhando, passa a se configurar
como repressiva, dado que a ação preventiva não logrou sucesso em evitar a ocorrência do delito
Se um órgão estiver no exercício da atividade policial preventiva (polícia administrativa) e ocorrer a
infração penal, nada justifica que ele não passe, imediatamente, a desenvolver a atividade policial repressiva
(polícia judiciária) fazendo, então, atuar as normas de Direito Processual Penal, com vistas ao sucesso da
persecução criminal. (LAZZARINI, 1987, pp. 36 - 37)
A divisão da execução das fases da atividade policial em duas organizações distintas, no ente fede-
rativo estadual, de forma que é atribuída à Polícia Militar o trabalho de preservação da ordem pública, en-
quanto compete à Polícia Civil a realização da investigação e da apuração dos crimes, caracteriza a estrutura
das polícias estaduais brasileiras como bipartida, dado que ambas apresentam o ciclo policial incompleto.
O ciclo de polícia, que inicia o ciclo de persecução criminal, é composto por:
1ª fase: Situação normal de paz social. Refere-se ao trabalho ostensivo realizado pela polícia, de
caráter preventivo, em prol da preservação da ordem pública. Quando ocorre a quebra da ordem pública, são
efetuadas as demais fases do ciclo policial.
2ª fase: Restauração da paz social. Consiste no primeiro contato da polícia com a prática criminal,
competindo-lhe exercer as primeiras providências de polícia administrativa e judiciária, como realizar prisão
em flagrante, identificar testemunhas, levantar informações sobre o modo como o crime ocorreu, socorrer
vítimas, dentre outras verificações possíveis que se apresentarem necessárias de imediato.
3ª fase: Investigativa. É exercida pela polícia judiciária, através da escuta do relato das testemu-
nhas arroladas, realização de perícias, cumprimento de prisões processuais, exercidas por meio da instaura-
ção do Inquérito Policial.
4ª fase: Processual. A partir dessa sequência de procedimentos ocorre a fase processual, que é de
competência do Ministério Público e Poder Judiciário, sendo a última etapa do ciclo de persecução criminal
a fase de aplicação das penas, responsabilidade do Poder Judiciário e do Sistema Prisional (LAZZARINI,
1996).
A frouxa articulação do sistema policial brasileiro é um grave problema estrutural de segurança
pública.
A disjunção do trabalho policial em duas organizações distintas tem sido apontada por diversos
estudiosos como um grave problema estrutural de segurança pública brasileira, uma vez que compromete a
eficiência do serviço prestado por essas corporações.
Ademais, a existência de polícias de ciclo incompleto, conforme ocorre em âmbito estadual, é uma
característica exclusiva do Brasil, pois independentemente da forma com que as polícias são organizadas em
outros países, as mesmas instituições realizam todas as etapas do ciclo policial.
Uma análise sociológica acerca do sistema de justiça criminal brasileiro é efetuada por Sapori
(2006), que considera fragmentada a articulação entre as organizações que o constitui, característica essa,
que inviabiliza a eficiência do mesmo.
A frouxa articulação na justiça criminal pode se expressar nos níveis de conflito e disjunção
existentes nas relações entre as organizações do network. Os diferentes segmentos organizacionais tendem a
agir segundo lógicas distintas e muitas vezes conflitantes, contrariando a divisão de trabalho harmoniosa
inicialmente prevista. Disputas por espaços de poder são recorrentes, além da competição por recursos
escassos. Críticas recíprocas entre os diversos segmentos organizacionais são comuns, atribuindo-se
mutuamente responsabilidades por eventuais fracassos do sistema. Além disso, a intensidade dos conflitos
pode se constituir em foco crônico de ineficiência do sistema, afetando o desempenho institucional.
(SAPORI, 2006, p. 769)
Um dos principais focos crônicos dessa desarticulação, apontado por Sapori (2006), característica

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singular do desenho institucional do sistema de justiça criminal brasileiro, consiste na secção do trabalho
policial, na esfera estadual, em duas organizações distintas, de forma que compete à Polícia Militar realizar
o patrulhamento ostensivo, enquanto cabe à Polícia Civil a responsabilidade pelo trabalho investiga-
tivo. Diversos problemas decorrentes da disjunção do trabalho policial têm sido atribuídos a essa peculiari-
dade do subsistema policial brasileiro.
É o caso, por exemplo, da ausência de mecanismos integrados e articulados de planejamento das
intervenções públicas na área. A divisão de trabalho prevalecente entre as polícias faz com que as tarefas
envolvidas no combate à criminalidade sejam concentradas no âmbito ostensivo, resumindo-se a planos de
distribuição dos recursos humanos e materiais das Polícias Militares. A investigação policial e eventual iden-
tificação e detenção de criminosos ocorre em momento distinto e obedece somente à lógica de elaboração de
documento a ser entregue às instâncias judiciais.
Ressalte-se ainda o fato de que cada uma dessas organizações policiais dispõe de um sistema
próprio de comunicações e informações que não dialogam entre si. O registro oficial da incidência criminal,
nesse sentido, tem duas fontes distintas, caracterizadas pela duplicidade e incoerência dos dados. O diag-
nóstico espaço-temporal da criminalidade na sociedade brasileira não dispõe, assim, de uma base de dados
consensualmente estabelecida, o que suscita frequentes divergências e conflitos quanto ao provimento da
segurança pública, enquanto bem coletivo.
O desenho institucional da segurança pública no Brasil, em suma, provocou a emergência e consoli-
dação de organizações policiais que, a despeito do caráter complementar de suas atividades, são dotadas de
culturas distintas, com definições muito particulares do interesse coletivo e, além disso, têm suas inter-rela-
ções pautadas pelo conflito e pela competição intermitentes. Como consequência inevitável dessa realidade,
temos a baixa capacidade do subsistema policial brasileiro de produzir resultados consistentes, em termos de
redução dos índices de criminalidade. (SAPORI, 2006, p. 769 - 770)
Além dos problemas relacionados à divisão do ciclo policial, há outras deficiências comuns a
ambas as polícias. O Projeto Segurança Pública para o Brasil (BRASIL, 2003) destaca as seguintes:
1) coleta, registro, produção, distribuição e processamento precários das informações, gerando da-
dos inconsistentes e pouco confiáveis, e inviabilizando diagnósticos, análises prospectivas e definição de
orientações estratégicas;
2) ausência de planejamento, de avaliação sistemática e de práticas corretivas;
3) atendimento, serviços e produtos de má qualidade; recrutamento deficiente e formação precária;
4) abandono dos cuidados preparatórios, necessários ao trabalho pericial: ausência da cultura técni-
co-policial nas esferas não envolvidas diretamente com os setores policiais especializados;
5) correição quase inexistente, em decorrência de inércia burocrática, restrições normativas, inope-
rância administrativa e, em alguns casos, comprometimento corporativista;
6) controle externo deficiente, em razão dos obstáculos à intervenção investigativa das ouvidorias e
dos entraves à afirmação de direção interna;
7) dissociação conflitiva da outra instituição policial e dos demais profissionais do sistema de
justiça criminal (inclusive da Secretaria de Segurança), dada a autonomização dispersante das unidades (em
particular, das delegacias distritais);
8) delimitação irracional (e dissociada das circunscrições da outra instituição policial) dos
territórios jurisdicionais;
9) despreparo no enfrentamento de questões específicas, como: a violência contra as mulheres, as
crianças, as minorias sexuais e os negros - o que determina alguns aspectos lacunares na atuação das Dele-
gacias Especializadas de Atendimento às Mulheres, por exemplo;
10) despreparo na aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente;
11) formação mais voltada à repressão do que à prevenção (o que caracteriza o conjunto das insti-
tuições da segurança pública);
12) grande quantidade dos policiais exerce função extra (bico), para complemento salarial em razão
dos baixos salários. (BRASIL, 2003, p. 29)

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A corrupção, o desrespeito aos direitos humanos, a herança autoritária e a “insistência no modelo da


guerra como metáfora e como referência para as operações de segurança pública” (CANO, 2006, p. 141),
também são alguns outros exemplos comuns de deficiências relacionadas às polícias estaduais.
A despeito do panorama de deficiências das polícias estaduais, verificam-se iniciativas recentes de
modernização das instituições policiais que apontam em direção à mudança de paradigma na gestão da
segurança pública.
Nesse contexto, pode-se citar algumas experiências relevantes, tais como:
• Tentativas de integração das polícias civil e militar;
• Compatibilização do trabalho policial em áreas geográficas coincidentes;
• Unificação e informatização dos boletins de ocorrências criminais;
• Investimentos em tecnologia, em georeferenciamento e nos sistemas de informações policiais;
• Criação de ouvidorias de polícia.
2.3 – A gestão municipal da segurança pública
Na década de 1990, os municípios iniciam o processo de assunção de responsabilidades na área da
segurança pública, através da formulação e execução de políticas públicas locais e da criação ou ampliação
de estruturas municipais dedicadas a essa questão, como secretarias municipais, conselhos comunitários e
guardas municipais.
É possível a formulação e a implementação de uma política municipal de segurança pública?
É necessário, em primeiro lugar, que o processo abranja a realização de um diagnóstico das di-
nâmicas criminais, pois para construir eficientes estratégias de redução da criminalidade, é imprescindível
compreender os fatores relacionados à incidência de crime e violência. Uma vez concluído o diagnóstico, a
análise das informações nele contidas deve servir de fundamento para a elaboração de um Plano Muni-
cipal de Segurança Pública, cujas ações podem ser operacionalizadas pelo órgão municipal responsável
pela gestão da segurança pública local, além da guarda municipal, quando houver. Geralmente, a criação do
arcabouço institucional municipal na área da segurança pública objetiva viabilizar o planejamento, imple-
mentação, gestão, monitoramento e avaliação de ações, projetos e programas realizados com o propó-
sito de prevenir a criminalidade e diminuir o sentimento de insegurança da população.
Os municípios podem instituir Gabinetes de Gestão Integrada Municipal (GGIM). O GGIM é um
instrumento que integra e articula todas as instituições públicas, dos três níveis federativos, responsáveis por
prover a segurança pública no âmbito do município.
Por meio das reuniões do GGIM, as instituições que compõem o sistema municipal de segurança
pública, em conjunto, discutem sobre a dinâmica da criminalidade local, definem prioridades, formulam
estratégias, distribuem a responsabilidade de cada uma das organizações no gerenciamento da segurança
pública, monitoram e avaliam os planos de ação implementados, reformulando estratégias e definindo novas
intervenções.
Com a finalidade de integrar a sociedade nas ações de segurança pública, promover o conceito de
polícia comunitária, fomentar a participação e o controle social, conselhos comunitários de segurança públi-
ca podem ser criados, no âmbito das subdivisões territoriais adotadas em cada município.
A Constituição de 1988, no âmbito da segurança pública, confere aos municípios apenas a com-
petência para constituírem guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações.
Entretanto, isso não impede que os municípios extrapolem as ações de proteção patrimonial e adotem ativi-
dades suplementares de prevenção à violência e à criminalidade.
Outra possibilidade de atuação dos municípios na segurança pública, segundo aponta Souza Neto
(2008), diz respeito às ações de regulamentação, como a adoção de leis de controle de bebidas alcoólicas.
Restrições de caráter administrativo podem exercer importante impacto na prevenção de crimes, às vezes
mais significativos do que medidas de caráter penal ou policial. Alguns municípios que delimitaram o
horário de funcionamento de bares e restaurantes tiveram a redução do número de homicídios em 60%,
como é o caso de Diadema, e a redução de acidentes de trânsito em 70%, como é o caso de Barueri.
É importante destacar os investimentos municipais em políticas de âmbito preventivo, de tipo situ-

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acional e social, focalizados especificamente na redução da criminalidade e da violência.


1. Os programas de prevenção situacional, de acordo com Cano (2006), visam atenuar as oportuni-
dades de ocorrência de crimes ou atos de violência em determinados espaços, através da intervenção direta
no ambiente social, especialmente nos fatores que favorecem a dinâmica criminal. São alguns exemplos de
prevenção situacional: o investimento na melhoria da iluminação urbana, a recuperação de espaços públicos
degradados e o videomonitoramento em locais estratégicos.
2. Os programas de prevenção social, conforme esclarece Cano (2006), são intervenções direciona-
das para reduzir os elementos que estruturam a vulnerabilidade, ou seja, os fatores de risco que aumentam a
probabilidade de incidência de crimes, violências, e de suas consequências negativas. São exemplos de
fatores de risco: a desigualdade social, a cultura do narcotráfico, a violência doméstica, a violação de
direitos fundamentais, a fragilização dos vínculos familiares e sociais, a defasagem escolar, a pobreza,
o desemprego, dentre outros.
O Bolsa Família pode ser considerado um exemplo de programa de prevenção social, uma vez que
atua para atenuar determinados fatores de risco e promover a proteção social. Por meio da transferência
direta de renda, promove o alívio imediato da pobreza; as condicionalidades reforçam o acesso a di-
reitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social; e as ações e programas com-
plementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a
situação de vulnerabilidade.
Cano (2006) analisa que, normalmente, os programas de prevenção social apresentam resultados
em médio e longo prazo, pois se fundamentam na transformação das condições de vida ou das relações
interpessoais. Entretanto, quando conseguem alcançar o alvo desejado, seu impacto pode ser mais intenso
e mais duradouro do que o impacto dos programas de prevenção situacional, que obtém resultados em
curto prazo, quando bem desenvolvidos. Portanto, é indicado que ambos os programas preventivos – situ-
acional e social – sejam adotados simultaneamente, de forma complementar. Nesse sentido, importantes
linhas de atuação para o desenvolvimento de políticas de prevenção à violência e criminalidade, que podem
ser incorporados pelos municípios, são sugeridas por Guindani (2004), a saber:
• Programas de acesso à justiça e a mecanismos de resolução pacífica de conflitos, reinserção social
de egressos do sistema penitenciário e do programa de medidas sócio-educativas, policiamento comunitário,
orientação jurídica e assistência judiciária, oferta descentralizada de serviços de justiça e cidadania, centros
de mediação formal e informal de conflitos, núcleos de atendimento a vítimas de violência, apoio à
reinserção profissional, comunitária e familiar de egressos, etc.
• Programas para a adolescência, a juventude e suas famílias (programas de acesso a atividades
culturais e esportivas, educação e qualificação profissional, geração de trabalho, emprego e renda, saúde).
• Mobilização social, associativismo e promoção de cultura da paz urbana (apoio à formação e for-
talecimento de lideranças, organizações e redes comunitárias, campanhas de comunicação social, programas
de educação para a cidadania, promoção de eventos públicos, etc).
• Planejamento urbano e qualificação de espaços públicos (ordenação de áreas de grande circulação
de pessoas, planejamento e controle do trânsito, iluminação pública, criação e requalificação de espaços
públicos de convivência e lazer, qualificação do entorno das escolas e parques públicos, regularização fun-
diária, adoção de estratégias que previnam a formação de guetos em zonas urbanas e que evitem conflitos
entre grupos vizinhos, etc).
• Enfrentamento de fatores de risco (abuso de álcool e outras drogas, disponibilidade de armas de
fogo e outros fatores identificados em cada local) e aumento dos fatores de proteção (GUINDANI, 2004, pp.
82 – 83).
Diversos gestores municipais, a partir da década de 1990, começaram a investir em segurança
pública, com a adoção de diferentes formatos institucionais, apresentando multiplicidade tanto na estrutu-
ração da arquitetura organizacional quanto nas estratégias de intervenções adotadas.
O atual contexto da gestão municipal da segurança pública revela, segundo Guindani (2004, p. 75),
“baixa institucionalidade, descontinuidade frequênte, ausência de trabalhos avaliativos e de siste-

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matização das experiências existentes”. Além disso, diversos gestores municipais hesitam em assumir
responsabilidades nessa área específica, sobretudo porque não constitui uma obrigação legal do governo
municipal.
A assunção de atribuições em qualquer área de políticas públicas, na ausência de imposições cons-
titucionais, está diretamente associada à estrutura de incentivos oferecida pelo nível de governo interessado
e, vale ressaltar, que os incentivos para a gestão municipal da segurança pública são restritos, ao menos os
financeiros. O repasse de recursos financeiros do governo federal ocorre mediante o lançamento de editais
anuais, em que os municípios interessados submetem propostas.
Os projetos que apresentam maior consonância com os requisitos delineados pela SENASP são
financiados pelo governo federal, com contrapartida financeira dos municípios. Apesar disso, a
participação dos municípios na gestão da segurança pública vem crescendo progressivamente, assim como
a relevância desse ente federativo na redução da violência e criminalidade, sobretudo quando se entende que
a promoção da paz e da ordem social demanda não apenas ações de cunho repressivo, mas também ações de
cunho preventivo.

3. Abordagem sistêmica da segurança pública


Alberto Afonso Landa Camargo 2
Toda vez que se fala em polícia no Brasil idealiza-se a instituição. Tratam-na como se, de
repente, vivêssemos num país onde tudo é maravilhoso e apenas a polícia destoa desta regra. Age-se como
se o policial seja um alienígena brutalizado e incapaz que acabou de cair em um mundo perfeito onde
ninguém comete erros. Só ele os comete. Caídos neste mundo perfeito, os policiais e suas atitudes passam a
ser questionados pelos idealistas do sistema, que não entendem que razões levam a polícia a, em alguns
casos, tratar com violência determinada pessoa. É como se a violência não existisse e a polícia fosse a
responsável por trazê-la ao mundo, fosse causa dela e não sua consequência.
Pretende-se, desta forma, que a polícia brasileira seja diferente de qualquer outra e não trate o
criminoso como tal, mas como alguém que precise unicamente de educação e seja ela o ente preparado
exatamente para transmitir esta educação. Vê-se a polícia como uma instituição destoante da realidade, uma
polícia violenta em uma sociedade que não é violenta, uma polícia corrupta em uma sociedade que não é
corrupta, uma polícia despreparada em uma sociedade cujo preparo é exemplo para o mundo. Queres uma
polícia educada e prestativa como se ela não fizesse parte da mesma sociedade que nada tem de educada e
de prestativa.
A polícia não só é um organismo mal conhecido quanto ao seu desempenho, como as pessoas
ignoram as suas missões e a sua capacidade de desempenhá-las em razão dos diversos entraves que existem,
sejam de condições materiais, intelectuais ou humanas. Toda vez que a polícia é procurada por alguém,
pretende esta pessoa que ela seja capaz de resolver todos os seus problemas e não quer saber o interessado se
isto está dentro da sua competência ou não. Por não ser uma instituição conhecida, a sociedade acaba
mitificando a polícia e acreditando que ela é aquela instituição retratada em filmes que dão notícia de uma
incomum competência e capacidade em tudo resolver. Não compreendem que a realidade não é aquela dos
filmes em que tudo se resolve em cerca de duas horas, terminando a história com um longo beijo entre o
casal de mocinhos. Diante disto, proliferam as cobranças como se o crime fosse uma atividade a ser
combatida unicamente pela polícia. É como se isto não dependesse de um sistema judiciário ágil e eficiente,
de um acompanhamento do preso que lhe permita ser recuperado para a volta ao convívio social e de
medidas preventivas em todos os setores. Nem tudo, portanto, que diz respeito ao crime é problema que
deve ser enfrentado unicamente pela polícia.

2
*Alberto Afonso Landa Camargo é Coronel da reserva remunerada da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Professor graduado
em Letras e em Filosofia, escritor com vários trabalhos publicados, e pesquisa

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O fato é que não existem fórmulas prontas para que se tenha no Brasil uma polícia que atenda os
reclamos da sociedade. Aliás, mesmo nas sociedades mais desenvolvidas temos visto que polícia nenhuma
os atende na totalidade.
Esta idealização, a crença de que uma polícia deve ser capaz de resolver tudo sem, em algum
momento, usar a violência e que deva ser imune a erros e a desvios de conduta, tem feito com que
proliferem fórmulas que, sem qualquer estudo, são apresentadas como milagrosas para que se crie uma
polícia ideal.
Como modelo de polícia democrática já se apresentou até a ideia de desmilitarização das polícias
militares. Desconhece-se que a mera adjetivação, seja ela de militar ou civil, não é responsável pela maior
ou menor competência policial. O que importa é a sua destinação. Se ela, apesar da adjetivação militar não
for destinada ou empregada nas atividades que pressuponham combates e tratos com pessoas vistas como
inimigas, mas preparada e empregada efetivamente como polícia e voltada ao bem das comunidades, pouco
importa que a sua estrutura seja militar ou civil. Chega-se a tal contradição que, ao mesmo tempo em que se
invoca a necessidade de desmilitarização das polícias, clama-se pelo emprego das forças armadas, que são
militares por excelência.
A formação dos seus efetivos e a visão de que a sociedade deve sempre ser vista como amiga,
mesmo naqueles casos em que precisam ser coibidos crimes ou simples desvios de conduta, é que vão
determinar a sua maior ou menor eficiência e não a mera adjetivação que unicamente define a sua estrutura
como corpo.
Trata-se o Brasil como se o país fosse o único no mundo a ter uma polícia adjetivada de militar.
Desconhece-se que na Itália ainda existem os Carabinieri, a Espanha ainda conte com a sua Guardia Civil
(que apesar da adjetivação, é militar), a França ainda disponha da Gendarmerie, o Chile possua uma das
polícias mais respeitadas da América Latina, os Carabineros, e a Holanda mantenha a Rijkspolitie, todas
elas organizações militares voltadas à atividade policial como o é a Polícia Militar brasileira.
Uma polícia democrática, independente da adjetivação de civil ou de militar, precisa deixar de
ser conservadora, de centralizar-se em conceitos e comandos apegados a tradições que fundamentaram sua
criação e abdicar de manter-se destoante das necessidades sociais como se a polícia não fizesse parte da
mesma sociedade que jura defender.
O estudo e a adequação de comportamentos policiais às necessidades e interesses da comunidade
tendem a fazer da polícia uma instituição democrática. Ela assim será à medida que atenda as necessidades
individuais e de grupos que requerem seus serviços da mesma forma que atende os interesses dos governos,
desde que estes sejam voltados aos interesses da população, orientando suas atividades conforme requeira o
cidadão. Um policial amigo, prestativo, capaz de resolver conflitos e consciente de que faz parte da
sociedade e não é alijado dos seus interesses, com certeza fará uma polícia democrática.
Não é preciso, portanto, macro mudanças nas instituições policiais para que elas sejam
democráticas. Basta que se mudem alguns comportamentos relacionados com o trabalho e que o policial
interprete que o crime e o criminoso são coisas excepcionais e não a regra com que devem ser tratados os
cidadãos.
CAMARGO, Alberto Afonso Landa. Uma visão sistêmica da segurança pública.

4. Conceitos de circunscrição, região e área de abrangência de


outras instituições;
Circunscrição. Substantivo feminino
O que limita a extensão de um corpo. Divisão administrativa, militar ou religiosa de um
território: circunscrição eleitoral. Matemática Ação de circunscrever uma figura a outra.

Região. Substantivo feminino


Vasta extensão de terreno. Grande extensão do território de um país, de um continente etc., que
se distingue das demais por suas características físicas, administrativas, econômicas, políticas.

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Abrangência. Substantivo feminino

Característica do que é abrangente; próprio do que abarca, compreende, inclui ou incorpora:


empresa vai aumentar a abrangência do uso do celular. Capaz de abranger, de conter em si: relator quer
ampliar a abrangência do processo.

5. Políticas públicas: formulação, implantação, avaliação e


acompanhamento
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DE SEGURANÇA
Nas duas últimas décadas, o Brasil presenciou uma crescente preocupação com as questões
relativas à segurança pública e à justiça criminal. Uma verdadeira obsessão securitária refletiu-se num nível
jamais visto de debates públicos, de propostas legislativas e de produção acadêmica.
Esta última se debruçou sobre as práticas de segurança e de justiça, ao menos no contexto da
redemocratização do país.
Não obstante, pouco tem sido feito, no âmbito político, para que se tornasse tangível uma efetiva
reforma dessas instituições, tendo como preâmbulo pesquisas e conhecimentos provenientes tanto da maior
participação coletiva na formulação, implantação e acompanhamento de políticas públicas, quanto da
disponibilidade sem precedentes de pesquisadores aptos a discutir com o universo da política e das
instituições criminais as alternativas de reforma, dentro de um contexto de aumento do quantum de
cidadania e participação democrática.
Em outros termos, como bem lembrou Paulo Sérgio Pinheiro, a redemocratização política do
Brasil não foi ainda capaz de lançar suas luzes sobre as práticas de nossas instituições criminais – estas, ao
contrário, parecem resistir à democratização, formando um enclave autoritário no cerne mesmo do Estado
democrático.
A violência letal, a superlotação dos presídios, rebeliões e mortes, os horrores vividos pelos
jovens em instituições como a Febem, o virtual abandono das instituições manicomiais sem a contrapartida
de um atendimento ambulatorial, o desalento e a descrença nas medidas de recuperação dos presos e de cura
dos esquecidos dos manicômios judiciários, a tortura em delegacias de polícia e a eterna lentidão e
alheamento das autoridades judiciárias são faces terríveis que apontam para uma crise de longa data em
nosso sistema criminal.
Neste momento, estamos nos perguntamos sobre as razões para todas estas dificuldades e vendo,
por toda parte, a expansão da segurança privada, a disseminação de dispositivos eletrônicos de segurança, o
aumento do sentimento de insegurança e a constituição de verdadeiros enclaves fortificados em que a
tolerância em relação às violações das liberdades civis corre de par com a aceitação das hierarquias e das
múltiplas faces da exclusão social.
Disponível em: <http://www.observatoriodeseguranca.org/seguranca/politica> . Acesso em 07 de
ago de 2018.

6. Planos de segurança pública (instâncias: federal, distrital e estadual);

Veja os links:
http://justica.gov.br/news/politica-nacional-de-seguranca-publica/minuta_pnasp.pdf
http://www.justica.gov.br/news/plano-nacional-de-seguranca-preve-integracao-entre-poder-
publico-e-sociedade/pnsp-06jan17.pdf
http://www.justica.gov.br/news/plano-nacional-de-seguranca-preve-integracao-entre-poder-
publico-e-sociedade

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7. Análise de cenários e perspectivas da segurança global e local;


Esta aula criará condições para que você possa compreender por que a magnitude da
violência urbana no Brasil é uma das mais elevadas no mundo. Além disso, é importante que o aluno tenha
em mente que não há tendência global de crescimento da violência. O mundo como um todo não está
sofrendo com o crescimento das taxas de homicídios. Em diversos países importantes, ao contrário, o que se
verifica é a redução da violência urbana.
7.1 - Entre os países mais violentos do mundo.
Referenciando-se em parâmetros internacionais, pode-se afirmar que a taxa de homicídios no
Brasil é bastante elevada. Cerca de 40% dos países no mundo têm taxas inferiores a 3 homicídios por 100
mil habitantes, ao passo que 17% dos países manifestam taxas superiores a 20 homicídios por 100 mil habi-
tantes, identificando-se alguns que alcançam taxas acima de 50 por 100 mil habitantes.
As regiões mais violentas do planeta são a África, excetuando os países do norte, e as Américas,
excetuando os países da América do Norte, com taxas médias superiores a 15 homicídios por 100 mil
habitantes. Os países da Europa, Ásia e Oceania apresentam taxas médias de homicídios abaixo de 3 por 100
mil habitantes.
Importante!
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) é uma entidade da ONU que
sistematiza as estatísticas internacionais sobre homicídios. Periodicamente publicam o Estudo global
sobre homicídios (Global Study on Homicide).
7.2 - Violência em queda
É equivocado afirmar que há uma onda de violência assolando as diversas sociedades ocidentais. A
incidência de homicídios nos países da Europa ocidental, por exemplo, está em queda. Nos seis
principais países da Europa ocidental, o número absoluto de homicídios está se reduzindo desde 2003, com
destaque para a Inglaterra, França e Alemanha.
O caso da sociedade norte americana é mais instigante, pois, entre 1995 e 2011, as principais cida-
des daquele país apresentaram redução bastante significativa de homicídios, próximo a 30%.
Não há também na América Latina um processo generalizado de recrudescimento da violência. A
Venezuela é o país latino americano que apresentou o crescimento mais expressivo dos homicídios,
patamar superior a 100% entre 1995 e 2010. No México, a violência inicia trajetória ascendente a partir de
2008, prolongando-se até 2011.
Na Argentina, por sua vez, tem prevalecido a estabilidade da taxa de homicídios e a Colômbia é o
país que experimentou nítida redução da violência, saindo do patamar de 70 homicídios por 100 mil habi-
tantes em 1995 para menos de 40 por 100 mil habitantes em 2011.
7.3 - Incidência de roubos
A violência urbana no Brasil não se limita aos homicídios. Os crimes contra o patrimônio, em
especial os roubos, também devem ser considerados na análise. Nesse quesito, nosso país revela números
preocupantes.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou em 2011 aproximadamente
um milhão de roubos, o que equivale à taxa de 552 roubos por 100 mil habitantes. E o latrocínio o acom-
panha de perto, pois representa o roubo seguido de morte. É um tipo de crime que sempre provoca grande
clamor popular. O país registrou oficialmente 1.636 latrocínios em 2011 e 1.803 em 2012.
Esse patamar de incidência dos roubos nos coloca em posição de destaque negativo no âmbito
internacional.
(Brasil, SENASP, ?)

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8. Relação entre o sistema de segurança pública e o sistema de justiça criminal;

OBSERVATÓRIO CONSTITUCIONAL
Segurança Pública e Justiça Criminal - Por Gilmar Ferreira Mendes3
4 de abril de 2015

Vivenciamos no Brasil, em matéria de segurança pública, um trágico paradoxo. De um lado, os


elevados índices de criminalidade e o sentimento generalizado de impunidade têm levado a população a um
descrédito cada vez maior nas leis e nas instituições. De outra parte, nunca se prendeu tanto como nos
últimos tempos, sem que isso tenha refletido em mais segurança no dia a dia.
De acordo com a última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 4, em 2013,
registramos 53 mil mortes violentas, incluindo homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de
morte. No mesmo ano, foram notificados 50 mil estupros, cabendo considerar que nem todas as vítimas
desse tipo de crime relatam o caso às autoridades policiais. Isso sem contar os assaltos à mão armada, os
sequestros, a corrupção, o narcotráfico, entre tantos outros crimes igualmente graves.
Diante de cobranças da mídia e da opinião pública por soluções imediatas, a resposta das
instituições tem se concentrado, em regra, no agravamento de penas e de seu regime de cumprimento, Não é
incomum, aqui e em outros países, a chamada legislação simbólica. Em face do clamor público atiçado por
algum crime grave, lança-se mão da fórmula mágica: “vamos aumentar a pena desse crime”; “vamos
transformar a corrupção em crime hediondo” e assim por diante, sem se atentar para o fato, cada vez mais
evidente, de que medidas dessa natureza pouco ou nada contribuem para a superação desse quadro.
Temos hoje, no país, 574 mil pessoas encarceradas em penitenciárias e cadeias públicas, em
condições sub-humanas, sem nenhuma perspectiva de recuperação. Isso, contudo, não quer dizer que o
sistema punitivo esteja funcionando a contento, já que cerca de 40% da população carcerária é de presos
provisórios aguardando julgamento, muitos por longo tempo, às vezes anos, sem sequer condenação em
primeira instância.
A questão prática que se coloca são indagações acerca de quantos inquéritos são transformados
em denúncia, quantas denúncias resultam efetivamente em condenação e se as penas fixadas estão sendo
adequadamente cumpridas. São indagações que dizem respeito, em grande parte, ao funcionamento do
sistema de Justiça. Seria mais interessante, portanto, aproveitar momentos assim para um completo
diagnóstico sobre a Justiça Criminal, que tem graves problemas de funcionalidade, para que se possa
identificar e corrigir distorções.
Tenho sustentado que a falência crônica do sistema prisional é tema prioritário de segurança
pública. Trata-se de assunto, todavia, indissociável de outros temas que também exigem especial atenção,
como, por exemplo, a prevalência de prisões provisórias em detrimento de outras medidas, a excessiva
demora nos julgamentos, a aplicação de penas privativas de liberdade a crimes de menor gravidade, enfim, a
temas que, em última análise, dizem respeito à eficiência e racionalidade da Justiça Criminal e que, também,
estão relacionados à questão da segurança pública.
Nesse sentido, podemos iniciar com algumas considerações sobre a cultura da prisão como
remédio à impunidade e os efeitos adversos que se tem constatado. Cabe observar, desde logo, que a
contrariedade à lei e à Constituição escancara-se diante das péssimas condições dos presídios, em situações

3
Gilmar Ferreira Mendes (Diamantino, 30 de dezembro de 1955) é um jurista, magistrado e professor brasileiro.
É ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 20 de junho de 2002, tendo presidido a corte entre 2008 e 2010. Foi
indicado pelo presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em cujo governo exercera o cargo de advogado-geral da
União desde janeiro de 2000.
4
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ano 8, 2014.

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que vão desde instalações inadequadas até maus-tratos, agressões sexuais, promiscuidade, corrupção e
inúmeros abusos de autoridade, verdadeiras escolas do crime controladas por facções criminosas. Não é de
se estranhar, portanto, que muitas dessas pessoas, quando soltas, voltam a praticar novos crimes, às vezes
bem mais graves do que o cometido pela primeira vez.
Agregue-se a isso que a progressão de regime no cumprimento de penas no Brasil, concebida
como modelo de reintegração do preso à sociedade, não passa de pura ilusão. Em razão da absoluta escassez
de estabelecimentos prisionais apropriados para os regimes aberto e semiaberto, as penas acabam sendo
cumpridas, na prática, em regime fechado, não raro em estabelecimentos sob o comando dos próprios
presos, ou em prisão domiciliar sem nenhum tipo de fiscalização, como se constatou em recente audiência
pública no Supremo Tribunal Federal.
Na outra ponta do problema, a evidenciar ainda mais a iniquidade do sistema, convivemos com o
fato de que os denunciados que respondem a processo em liberdade acabam, muitas vezes, em razão da
prioridade conferida a processos de denunciados presos, não sofrendo punição alguma. Com a excessiva
demora no julgamento desses processos, em todas as instâncias, muitos crimes acabam atingidos pela
prescrição. A extinção da punibilidade representa, nesses casos, uma grande derrota para o sistema e uma
irreparável erosão na credibilidade da Justiça.
Sobre o modelo de prisão provisória, travamos uma luta intensa no Conselho Nacional de
Justiça, concebendo, inclusive, o projeto de lei que resultou na Lei 12.403/2011, para que aprovássemos as
medidas cautelares alternativas à prisão provisória. Até hoje, contudo, não se identificam os reflexos dessa
alteração.
A toda hora deparamos, no STF, com situações de prisão provisória que poderia ter sido
substituída por alguma medida alternativa. Há uma série de medidas cautelares previstas na referida Lei,
entre elas, o monitoramento eletrônico, medida, contudo, ainda pouco utilizada e que, se adequadamente
implantada, poderia reduzir, significativamente, a superlotação carcerária.
Ainda sobre o tema, tenho insistido, também, na apresentação do preso em flagrante ao juiz, em
curto prazo, para que o magistrado possa avaliar, de forma mais eficaz, as condições em que foi realizada a
prisão e se é de fato imprescindível a sua conversão em prisão preventiva. Trata-se de medida prevista em
tratados internacionais já incorporados ao direito interno, mas que ainda encontra alguma resistência em sua
aplicação, por razões atinentes, sobretudo, a dificuldades operacionais. Pensamos, todavia, que objeções
dessa natureza poderiam ser superadas, por exemplo, com a dispensa da apresentação nos casos em que o
juiz, quando da comunicação do flagrante, já puder aplicar, desde logo, alguma cautelar alternativa à prisão.
Há inúmeros casos de prisões provisórias com excesso de prazo, sem conclusão da instrução e
sem sentença de primeiro grau. Muitos desses presos, quando sentenciados, acabam absolvidos ou
condenados a penas alternativas, o que denota que o encarceramento no decorrer do processo, devido à
demora no julgamento, acaba por se mostrar, nesses casos, muito mais grave que a própria pena, em clara
dissonância com o princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, a demora no julgamento reflete, substancialmente, na própria pauta dos Tribunais
Superiores, como revela o elevado número de habeas corpus em tramitação no Superior Tribunal de Justiça,
aproximadamente 200 mil. Como grande parte desse acervo tem por objeto a concessão de liberdade
provisória por excesso de prazo, mostra-se clara, de novo, a necessidade de se repensar não só o atual
modelo de prisão cautelar, como, também, todo o sistema de Justiça Criminal.
A Justiça Criminal é pressuposto imanente a qualquer política de segurança pública. Nenhum
programa de redução da criminalidade terá eficácia se não levar em conta a efetividade de seu
funcionamento. Partindo-se dessa premissa, é possível avançar no entendimento de que o aprimoramento da
Justiça Criminal não é tema isolado de responsabilidade exclusiva do Poder Judiciário desta ou daquela

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unidade federativa. Um eficaz plano de melhorias do sistema deve englobar o trabalho harmônico de todos
os entes estatais responsáveis pela segurança pública.
Há na, Constituição Federal, diversos dispositivos sobre segurança pública que indicam essa
responsabilidade compartilhada, como a previsão de que a segurança pública é dever do Estado e direito e
responsabilidade de todos (art. 144), exercida por intermédio da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária
Federal, da Polícia Ferroviária Federal, das polícias civis e militares e dos corpos de bombeiros militares, a
partir de lei que discipline sua organização e funcionamento de maneira a garantir a eficiência de suas
atividades (art. 144, §7º). Prevê a Constituição, ainda, a criação, pelos Municípios, de guardas municipais
destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações (art. 144, §8º).
Além disso, cumpre à União legislar privativamente sobre direito penal e processo penal (art. 22,
I), sobre requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra (art. 22, III), sobre
convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares (art. 22, XXI), sobre
competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais (art. 22, XXII).
União, Estados e Municípios detêm, portanto, nesse campo, atribuições próprias e conexas que
podem e devem ser exercidas de forma coordenada com indispensável senso de cooperação. No caso dos
Municípios, podemos citar, por exemplo, a possibilidade de atuação conjunta entre suas guardas municipais
e as demais forças de segurança pública. Nesse contexto, um sistema integrado de segurança pública e
Justiça Criminal poderia ser pensado, por exemplo, em termos de um federalismo cooperativo, cabendo a
União assumir, em razão do seu vasto leque de responsabilidades nessa matéria, a responsabilidade de
coordenar e organizar esse novo enfoque de atuação.
Todo esse quadro legitima o que aqui se propõe: é preciso uma estratégia global de segurança
pública que contemple, com especial prioridade, o inadiável aprimoramento da Justiça Criminal. É preciso
pensar, com urgência, em soluções que imprimam maior celeridade no julgamento das ações penais e uma
completa reestruturação do sistema prisional.
Esse seria o caminho. O CNJ já vem fazendo isso, por exemplo, nas ações relativas a atos de
improbidade, dando prioridade ao acompanhamento desses processos. É preciso verificar qual a estrutura
adequada para as varas criminais, as condições de trabalho de juízes e servidores, os recursos matérias
disponíveis, entre outros temas relevantes para um melhor funcionamento da Justiça Criminal. Os próprios
juízes, a partir de suas experiências e das dificuldades enfrentadas no exercício da jurisdição criminal, muito
poderiam contribuir com sugestões para melhoria do sistema.
Quando estávamos à frente do CNJ, firmamos, em 2010, com o Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP) e o Ministério da Justiça, a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública
(ENASP), que teve como foco, inicialmente, os crimes de homicídio. Após a análise de 135 mil inquéritos
que investigam homicídios dolosos instaurados no Brasil até o final de 2007, descobriu-se que apenas 43 mil
foram concluídos. Dos concluídos, pouco mais de oito mil se transformaram em denúncia. Ou seja, mais de
80% dos inquéritos de homicídios foram arquivados. Com o conhecimento dessa realidade, foi possível
estabelecer metas que hoje podem ser acompanhadas, em tempo real, nos sites do CNJ e do CMMP.
A partir dessa experiência, poderíamos pensar, em relação ao tema deste artigo, na ampliação do
foco de atuação da SENASP, de forma a incluir em seu programa de trabalho, como meta prioritária, o
mapeamento dos principais gargalos enfrentados pela Justiça Criminal, com a indicação de ações concretas
que possam reduzir a morosidade nos julgamentos, bem como uma profunda reavaliação da cultura de
prisões provisórias e dos regimes de cumprimento de penas. O CNJ e o CNMP muito poderão contribuir
para as esperadas melhorias nessa área por meio de monitoramento conjunto e mais efetivo em relação a
certos gargalos, coordenando, inclusive, o aporte de recursos.
É claro que ações dessa natureza, em âmbito nacional, devem contar com alguma fonte de
recursos específicos. Nesse sentido, poderíamos, pensar, também, em algum fundo de segurança pública que

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pudesse atender prontamente, por exemplo, a situações mais sensíveis em Estados com notória carência de
recursos.
Nessa linha, poderíamos pensar, ainda, em uma possível reformulação do Fundo Penitenciário
(FUNPEN), gerido pelo Ministério da Justiça, com a sua transformação em fundo de segurança pública,
com alguma forma de incremento em suas fontes de custeio, redefinição de suas finalidades e proibição de
contingenciamento dos recursos disponíveis. É incompreensível que diante da falta de vagas no sistema
prisional, os recursos FUNPEN ainda sejam passíveis de contingenciamentos, como infelizmente tem
ocorrido. Dados recentes do Ministério da Justiça indicam que esse Fundo dispõe de cerca de R$ 1,065
bilhão e recebe, em média, R$ 300 milhões por ano. Em 2013, o FUNPEN foi autorizado a investir R$
384,2 milhões, mas apenas 10,6% desse valor foi efetivamente empregado.
Enfim, a modernização do sistema de Justiça e uma completa reestruturação do sistema prisional
são temas prioritários na busca de soluções que possam reverter, em grande parte, o atual quadro de
insegurança pública. Nesse contexto, afigura-se fundamental que se proceda, sem mais tardar, a uma
profunda reavaliação da estrutura e funcionamento da Justiça Criminal para que possamos ter, também nessa
área, um Judiciário bem mais moderno e eficiente.
Esta coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição
Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Acesse o portal do OJC
(www.idp.edu.br/observatorio).
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-abr-04/observatorio-constuticional-seguranca-
publica-justica-criminal>. Acesso em 07 de ago de 2018.

9. Breve histórico da polícia comunitária

Surgimento do policiamento comunitário


O policiamento comunitário surgiu da necessidade de uma aproximação entre a polícia e a comunidade e
“cresceu a partir da concepção de que a polícia poderia responder de modo sensível e apropriado aos cidadãos e às
comunidades” (SKOLNICK, 2003:57). Esse pensamento surgiu entre 1914 e 1919, em Nova Iorque, com o objetivo de
mostrar às camadas mais baixas do policiamento “uma percepção de importância social, da dignidade e do valor do trabalho
do policial (SKOLNICK, 2003). O pensamento inicial era o de que um público esclarecido beneficia a polícia de duas
maneiras: se o público entendesse a complexidade do trabalho policial passaria a respeitá-lo e se entendesse as dificuldades
e o significado dos deveres do policial, ele poderia promover recompensas pelo desempenho policial consciente e eficaz.
O primeiro passo foi atrair os jovens, que eram “presenteados” com distintivos de policial júnior, treinados e
convidados a ajudar a polícia relatando violações da ordem em seus bairros, policiais “mais fluentes” visitavam escolas e
explicavam aos alunos que “o verdadeiro trabalho policial era mais do que apenas prender pessoas, que também significava
melhorar o bairro, torná-lo mais seguro, melhor e um lugar onde se pudesse viver mais feliz”. (SKOLNICK, 2003). Nessa
mesma época, a polícia criou “ruas de lazer” onde colocavam barreiras durante várias horas do dia, em cada quarteirão,
barrando o tráfego. Os jovens então podiam brincar fora de casa sem o perigo do trânsito. Os locais escolhidos normalmente
eram aqueles onde as mães trabalhavam fora e não tinham tempo para cuidar dos filhos. Cada policial era responsável pelas
condições sociais de uma rua ou de um bairro. Devido à alta taxa de desemprego nessa época e a possibilidade dos
desempregados entrarem para o crime, as delegacias eram utilizadas como lugares para distribuir informações sobre vagas
industriais e sociais e os moradores desempregados podiam pedir ajuda a polícia para conseguir emprego.
Em uma segunda fase, a filosofia do policiamento comunitário ganha força, o que ocorreu nas décadas de 70 e
80. Isso se deu quando as organizações policiais em diversos países da América do Norte e da Europa Ocidental começaram
a promover uma série de inovações na sua estrutura e funcionamento, principalmente na forma de lidar com o problema da
criminalidade. As polícias, em vários países, promoveram alterações significativas, cada uma com suas características. Para
alguns estudiosos, as experiências e inovações são geralmente reconhecidas como a base de um “novo modelo de polícia”,

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orientado para uma nova visão de policiamento, mais voltado para a comunidade. Esse tipo de policiamento difere-se dos
demais, pois seu objetivo principal é a aproximação entre a polícia e a comunidade. Uma polícia mais humana e mais
legítima que busca uma ligação entre anseios e objetivos por meio de ações práticas e efetivas que possam amenizar os
problemas causados pela criminalidade. Disponível em: <https://aderivaldo23.wordpress.com/tag/historia-do-
policiamento-comunitario-no-brasil/> Acesso em 04 de agosto de 2018.

10. A polícia comunitária como filosofia de um trabalho integrado;


Conceito de Polícia Comunitária
Autor: Cap. PM Luciano Quemello Borges (PMESP).
Para implantar a Polícia Comunitária é preciso, antes de tudo, entender seu conceito.
“Polícia Comunitária é uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma
nova parceria entre a população e a polícia. Tal parceria se baseia na premissa de que tanto a polícia quanto a
comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos tais
como crime, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o
objetivo de melhorar a qualidade geral de vida da área.” (TROJANOWICZ; BUCQUEROUX, 1994, p.
4-5, grifo nosso)
É possível abstrair do conceito anterior (TROJANOWICZ; BUCQUEROUX, 1994) que a
Polícia Comunitária é uma filosofia (do modo que se relaciona à maneira de pensar) e uma estratégia
(portanto, conecta-se ao modo de agir) organizacional (de toda a organização).
A Polícia Comunitária provoca uma mudança tanto no campo da abstração (nos pensamentos)
quanto na concretude das ações de todos os membros e da própria organização, no sentido de que polícia e
comunidade devem “trabalhar juntas” (unidas) na identificação, priorização e resolução dos problemas (de
crime, medo e desordem), com o objetivo final de melhorar a qualidade de vida na área.
Ainda de acordo com Trojanowicz e Bucqueroux (1994), a Polícia Militar de Minas Gerais
(PMMG), por meio da sua atual diretriz de Polícia Comunitária – DPSSP 3.01.06/2011 (2011, p. 20-21) –,
subdivide esse conceito em seis partes fulcrais (clique nos itens abaixo e conheça cada uma delas):
Filosofia - Pode ser definida como o estudo geral sobre a natureza das coisas e suas relações
entre si, ou ainda, como uma forma de compreender e pensar sobre determinado assunto.
Estratégia - É a arte de usar os meios disponíveis ou as condições que se apresentam para
atingir determinados objetivos – ou, também, a forma de fazer e de utilizar recursos para atingir certa
finalidade.
Organizacional - Da organização, no caso específico, da Polícia Militar. No entanto, como
vimos anteriormente, pode-se aplicar a qualquer estrutura que possua uma função policial, de fiscalização ou
de atendimento à comunidade.
Parceria - É a reunião de uma ou mais pessoas para um fim de interesse comum ou ação de mais
de um ator para alcançar um objetivo comum a todos os atores sociais.
Problema - Definido basicamente como uma questão levantada para consideração, discussão,
decisão ou busca de solução.
Qualidade de vida - Conjunto de condições ou situações que delineiam o viver e o conviver do
cidadão na comunidade.
Observe que o conceito se encerra reafirmando a lógica comunitária, quando fala do objetivo de
melhorar a qualidade de vida geral da área. Isto é, atender às peculiaridades do espaço territorial
específico de uma dada comunidade. Assim, a Polícia Comunitária sai de um modelo fixo-societário
(delineado para atender toda uma sociedade, como se essa fosse homogênea), para assumir um modelo
customizado (descentralizado/personalizado) às demandas e aos anseios de cada comunidade em
particular.
Dentro dessa perspectiva dialética* de construção do conhecimento, é necessária a apresentação
de um novo conceito que agrega uma compreensão síntese da nossa discussão:
Polícia Comunitária é a cultura de união entre comunidade e polícia, objetivando o

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desenvolvimento de ações eficientes para a redução de fatores ofensivos à segurança pública.


(Brasil, 2017)

Na prática, Polícia Comunitária (como filosofia de trabalho) difere do policiamento comunitário


(ação de policiar junto à comunidade). Polícia Comunitária deve ser interpretada como:
Filosofia organizacional, indistinta a todos os órgãos de policia, pertinente às ações efetivas com
a comunidade.
A ideia central da Polícia Comunitária é propiciar uma aproximação dos profissionais de
segurança junto à comunidade onde atua, como um médico, um advogado local ou um comerciante da
esquina, ou seja, criar condições para que a polícia possa ser vista não apenas como um número de telefone
ou uma instalação física referencial. Para isto é isto necessário um amplo trabalho sistemático, planejado e
detalhado.
A Polícia e a mobilização da Comunidade
No âmbito da Polícia Comunitária a mobilização não é tarefa fácil, pois exigirá que polícia e
comunidade possam trabalhar integradas.
Quais são os aspectos que colaboram para que esta integração aconteça? O que deverá ser
observado? Qualquer tentativa de trabalho ou programa de Polícia Comunitária deve incluir,
necessariamente, a comunidade, pois a sua participação é um fator importante na democratização das
questões de Segurança Pública, na implementação de programas comunitários que proporcionam a melhoria
de qualidade de vida e na divisão de responsabilidades.
A compreensão da dinâmica da comunidade é essencial para a prevenção e controle do crime e
da desordem, bem como o medo do crime, porque o controle e a participação social informal (do coletivo,
do grupo) são mais eficazes.
Comunidade e Polícia
Todas as vezes, que grupos de cidadãos ou moradores se reúnem para encaminhar soluções para
problemas comuns, o resultado é bastante positivo. Na Polícia Comunitária não poderá ser diferente.
Grupo de cidadãos → discutem problemas →Resultado positivo
O problema é interpretar as possibilidades da comunidade e da polícia, por isso, é importante
que reflita sobre as questões a seguir levantadas por ambas:
COMUNIDADE
- Qual o papel da comunidade?
- A participação é total ?
- A comunidade participa apenas consertando viaturas ou reformando prédios?
- Apenas aqueles com recursos da comunidade participam privilegiando o serviço na porta de
estabelecimentos comerciais?
- A nossa participação será apenas para endossar as ações da polícia no bairro ou para participar
das discussões ou decisões na melhoria do serviço policial?
- Podemos envolver outros órgãos públicos na questão?
- Podemos elogiar ou criticar a polícia local em seus erros e acertos ?
- Teremos autonomia de ação para exigir ações dos poderes públicos locais?
- Seremos apoiados pela polícia nessas iniciativas?
- Enfim, a polícia quer ser mesmo comunitária ou é uma “fachada” política?
POLÍCIA
- Qual o papel da polícia ?
- É realizar ações democráticas que otimizem o envolvimento e comprometimento da
comunidade?
- A exigência para a participação da comunidade será apenas para consertar viaturas ou reformar
prédios?

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- Ou melhor, servir de informante ou escudo às ações equivocadas de policiais, ou fonte de


receitas para comerciantes em serviços privilegiados de segurança?
- A polícia estará preparada para ouvir a comunidade (elogios aos seus integrantes, críticas ou
sugestões)?
- A polícia admite a participação de outros órgãos públicos na questão?
- A polícia apóia as iniciativas da comunidade em melhorar a qualidade de vida ou é um
instrumento apenas de “caça bandido”?
- A polícia está preparada para conceder o seu “poder” à comunidade (entenda poder não o de
polícia, mas o nome e as possibilidades que a força policial tem no sentido do controle social informal, sem
ser repressivo ou fiscalizatório)?
- Enfim, a polícia quer ser mesmo comunitária ou é uma “fachada” política?
Muitas vezes as comunidades não se mostram capazes de integrar os recursos sociais com os
recursos do governo. Existem tantos problemas sociais, políticos e econômicos envolvidos na mobilização
comunitária que muitas comunidades se conformam com soluções parciais, isoladas ou momentâneas (de
caráter paliativo), evitando mexer com aspectos mais amplos e promover um esforço mais unificado com
resultados duradouros e melhores. A participação do cidadão, muitas vezes, limita-se às responsabilidades de
ser informado das questões públicas (ações da polícia), de votar pelos representantes em conselhos ou
entidades representativas e seguir as normas institucionais ou legais sem dar sugestões de melhoria do
serviço.
Outro problema é o desconhecimento das características da comunidade local, pois as
comunidades possuem comportamentos e anseios diferentes. Independente de serem ricas ou pobres,
agrícolas ou industriais, é importante descobrir os anseios, o desejo de participação no processo e a
motivação da comunidade para se integrar com a polícia.

11. A comunidade como “Locus Privilegiado”;


A complexidade e a fragmentação da realidade social são traços da contemporaneidade
impressos nas esferas mundial e local. Em toda sociedade, porém, há agrupamentos humanos unidos por
diversas identidades, dentre elas a territorial, que confere à comunidade o status de locus privilegiado para o
desenvolvimento de programas de transformação social.
Essa identidade territorial, segundo Kisil, é vivenciada onde os indivíduos ou grupos sociais
mais facilmente reconhecem como pertencentes a uma mesma comunidade (...). A fonte mais imediata de
auto-reconhecimento e organização autônoma é o território. As pessoas identificam-se com os locais onde
nascem, crescem, vão à escola, têm seus laços familiares, enfim se socializam e interagem em seu ambiente
local, formando redes sociais com seus parentes, amigos, vizinhos, organizações da sociedade civil e
autoridades do governo.5
No mesmo sentido, o Programa Justiça Comunitária adota a comunidade como esfera
privilegiada de atuação, porque concebe a democracia como um processo que, quando exercido em nível
comunitário, por agentes e canais locais, promove inclusão social e cidadania ativa, a partir do conhecimento
local. É na instância da comunidade que os indivíduos edificam suas relações sociais e podem participar de
forma mais ativa das decisões políticas. É nesse cenário que se estimula a capacidade de autodeterminação
do cidadão e de apropriação do protagonismo de sua própria história.
O conceito de comunidade Em meio à vasta literatura sociológica dedicada a conceituar
comunidade, a definição talhada por Lycia e Rogério Neumann revela-se bastante útil para este trabalho,
considerando a sua objetividade: Comunidade significa um grupo de pessoas que compartilham de uma
característica comum, uma <comum unidade> que as aproxima e pela qual são identificadas.6
5
KISIL, Marcos. Comunidade: foco de filantropia e investimento social privado. São Paulo: Global; Instituto para o
Desenvolvimento Social (IDIS), 2005. p. 38.
6
NEUMANN, Lycia Tramujas Vasconcellos; NEUMANN, Rogério Arns. Repensando o investimento social: a importância do
protagonismo comunitário. São Paulo: Global; Instituto para o Desenvolvimento Social (IDIS), 2004. p. 20-21. (Coleção
Investimento Social).

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Conforme os próprios autores alertam, em geral, a unidade comum é a região onde as pessoas
vivem, mas nada impede que uma comunidade seja constituída a partir de interesses e/ou causas partilhados.
De qualquer sorte, no núcleo do conceito está localizada a ideia de identidade compartilhada. Neste trabalho,
a denominação comunidade será atribuída aos agrupamentos humanos que vivem na mesma localização
geográfica e que, nessa condição, tendem a partilhar dos mesmos serviços (ou da ausência deles),
problemas, códigos de conduta, linguagem e valores.
A partilha territorial, entretanto, não leva necessariamente à construção de uma comunidade
coesa socialmente. Essa característica vai depender do grau de conexão entre seus membros e de sua
capacidade de promover desenvolvimento local, ou seja, de seu capital social.
O capital social se verifica de acordo com o grau de coesão social que existe nas comunidades e
que é demonstrado nas relações entre as pessoas ao estabelecerem redes, normas e confiança social,
facilitando a coordenação e a cooperação para o benefício mútuo. 7
Segundo Robert C. Chaskin8 , a aferição da coesão social de uma comunidade se dá a partir da
análise de quatro elementos, a saber: 1) senso de comunidade ou grau de conectividade e reconhecimento
recíproco; 2) comprometimento e responsabilidade de seus membros pelos assuntos comunitários; 3)
mecanismos próprios de resolução de conflitos; 4) acesso aos recursos humanos, físicos, econômicos e
políticos, sejam locais ou não.
Onde há coesão social, há identidade compartilhada, cuja criação depende da mobilização social
e do envolvimento com os problemas e soluções locais. Há, portanto, segundo Putman 9 , um ciclo virtuoso
entre capital social e desenvolvimento local sustentável. Nesse sentido, desenvolver comunidade é um
processo que agrega valores éticos à democracia e constrói laços de solidariedade.10
Conhecendo o locus. O mapeamento social
Primeiramente, é preciso definir o que se pretende com o mapeamento social, a fim de que os
formulários de identificação e cadastramento dos dados sejam elaborados de maneira a veicular as perguntas
adequadas. Nesse sentido, é importante ressaltar que o mapa a ser confeccionado não se resume a uma
fotografia momentânea dos elementos identificados, mas deve ser um guia para subsidiar o diálogo entre
essas informações, para servir de base a uma permanente animação de redes sociais.
Para o Programa Justiça Comunitária do Distrito Federal, a identificação das organizações
sociais é fundamental para servir de referência para: a) o processo de seleção de novos agentes comunitários;
b) o encaminhamento dos participantes para a rede social, quando a solução do conflito assim o demandar;
c) o conhecimento das circunstâncias que envolvem os problemas comunitários; e, d) a constituição de
novas redes sociais ou o fortalecimento e a animação das já existentes, quando a demanda ostentar potencial
para tanto.
No decorrer da execução do Programa Justiça Comunitária do Distrito Federal, as dificuldades
enfrentadas na confecção desse mapeamento foram inúmeras, desde a carência de recursos humanos em
especial na fase inicial até a dificuldade de se traçar uma estratégia de animação de redes sociais, quando
toda a prioridade do Programa estava voltada para a capacitação dos agentes comunitários nas técnicas de
mediação.11
7
AUSTRALIAN BUREAU OF STATISTICS, Social capital and social wellbeing, apud NEUMANN, Lycia Tramujas
Vasconcellos; NEUMANN, Rogério Arns, Repensando o investimento social: a importância do protagonismo comunitário, cit., p.
47.
8
CHASKIN, Robert J. Defining community capacity: a framework and implications from a comprehensive community initiative,
apud NEUMANN, Lycia Tramujas Vasconcellos; NEUMANN, Rogério Arns, Repensando o investimento social: a importância
do protagonismo comunitário, cit., p. 24.
9
PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação
Getúlio Vargas, 2005. p. 186.
10
KISIL, Marcos, Comunidade: foco de filantropia e investimento social privado, cit., p. 51.
11
Hoje, a avaliação é a de que o fato de o Programa ostentar três pilares não significa necessariamente que eles devam ser
construídos um a um. Havendo uma estrutura mínima, o ideal é que os três sustentáculos de um programa de justiça comunitária
sejam desenvolvidos em conjunto, uma vez que há íntima relação entre eles. A título de exemplo, é a partir de uma programação
eficiente das atividades voltadas à animação de redes sociais que se podem atrair demandas para a mediação efetivamente

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Apesar das dificuldades, o Programa conseguiu reunir, com a colaboração de alguns agentes
comunitários, informações relevantes para a confecção do mapa, sem contudo estabelecer uma conexão
entre elas. Na ausência de um planejamento prévio aliado a uma clara estratégia metodológica de conexão
entre essas informações, os dados coletados não se comunicaram.
Com o propósito de suprir essa lacuna, o Programa está desenvolvendo um passo a passo 12
como estratégia para a confecção permanente do mapeamento social das duas cidades-satélites, o qual
contém as seguintes fases:
a) definir a área geográfica a ser mapeada com limites claros;
b) definir as fontes de informação e a metodologia adequada (documentos de órgãos oficiais,
visitas às instituições, entrevistas pessoais ou por telefone, entre outras);
c) recrutar os agentes comunitários para a coleta dos dados e estimular que o façam com o
auxílio de alguns moradores; 13
d) criar um formulário para a identificação e o cadastramento; 14
e) organizar um banco de dados apto a promover o cruzamento dessas informações.
A fim de adotar uma metodologia coerente com a estrutura do Programa, a equipe
interdisciplinar reduziu a área e as suas expectativas objeto do mapeamento, transformando essa tarefa de
difícil execução em algo viável, envolvente e eficiente. A partir dessa redução e da consciência de que a
cartografia social é uma atividade em permanente construção, adequaram-se as etapas desse processo à
capacidade estrutural, para não gerar novas frustrações.
A definição territorial da área mapeada e de suas limitações obedeceu ao critério de local de
moradia de cada agente comunitário, o que possibilitou, inclusive, maior inserção dos agentes em sua
comunidade. Optou-se por localizar deficiências e necessidades, mas também talentos, habilidades e
recursos disponíveis. Essa estratégia possibilita que o mapeamento sirva de espelho para a comunidade que,
ao se olhar, tenha consciência de seus problemas, mas também conheça as suas potencialidades, o que é
essencial para a construção de uma identidade comunitária.
Esse método também torna possível investigar em que medida as soluções para os problemas
comunitários já existem ali mesmo, exatamente naquela comunidade que, por razões histórico-estruturais de
exclusão social, não enxerga nenhuma solução para os seus problemas, senão por meio do patrocínio de uma
instituição externa àquele habitat. Essa conexão entre problemas e soluções promove um senso de
responsabilidade pela comunidade como um todo, o que cria uma espiral positiva de transformação social.15
Para que essa conexão efetivamente aconteça, é indispensável que o processo de mapeamento
não tenha por objetivo tão-somente a confecção de um banco de dados, repleto de informações úteis, porém
sem ligação entre si. A construção permanente do banco de dados é, sobretudo, um meio de fortalecer
relações e criar novas parcerias.
Segundo Lycia e Rogério Neumann, ao identificar os recursos locais, os moradores passam a
conhecer o potencial de sua comunidade e começam a estabelecer novas conexões, ou fortalecer as já
existentes, entre os indivíduos, seus grupos e as instituições locais, assim como entre esses atores, e as
causas que são importantes para o desenvolvimento daquela comunidade. 16

comunitária, com largo impacto social.


12
A formulação desse passo-a-passo foi uma adaptação da experiência desenvolvida pela equipe psicossocial do Programa Justiça
Comunitária da sistematização sugerida por Lycia Tramujas Vasconcellos Neumann e Rogério Arns Neumann (Desenvolvimento
comunitário baseado em talentos e recursos locais ABCD. São Paulo: Global; Instituto para o Desenvolvimento Social (IDIS),
2004). 20. O Programa Justiça Comunitária conta
13
O Programa Justiça Comunitária conta com alguns amigos do Programa. Em geral, são ex-agentes comunitários que, por
alguma razão, desligaram-se do Programa sem, contudo, deixarem de contribuir para a realização de atividades pontuais.
14
Ver Anexo I.
15
NEUMANN, Lycia Tramujas Vasconcellos; NEUMANN, Rogério Arns, Desenvolvimento comunitário baseado em talentos e
recursos locais ABCD, cit., p. 26.
16
.Ibidem, p. 23

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Nesse sentido, apresenta-se a seguir as informações a serem coletadas para o mapeamento social
do Programa Justiça Comunitária. Esse processo, sob essa nova formatação, teve início em 25 de agosto de
2006. 17
RECURSOS DISPONÍVEIS 18
Associação de Moradores
Estas organizações são fundamentais por sua capilaridade e pelo potencial de produzir capital
social e protagonismo comunitário, ou seja, por sua capacidade de mobilização em torno de interesses e
valores comuns. É um contraponto à cultura de dependência de apoio institucional externo. É interessante
que a identificação das associações inclua a informação sobre seu funcionamento (local, periodicidade de
reuniões, dentre outros) bem assim as suas realizações.
Instituições em geral
Entidades públicas = escolas, hospitais, postos de saúde, parques, bibliotecas, etc.; Associações
e instituições = igrejas, clubes, cooperativas, centros comunitários, etc. O elenco destas instituições deve
ser acompanhado de um levantamento quanto ao acervo de recursos que cada uma delas pode oferecer. Por
exemplo, é importante registrar se uma escola pública possui e/ou está disposta a oferecer salas para
reuniões abertas aos finais de semana, computadores, cursos de alfabetização de adultos, quadras de
esportes, educadores voluntários, conselhos de pais e mestres, sinergia entre a escola e a comunidade,
organização estudantil, etc. 19
Habilidades pessoais
Em toda comunidade, é possível identificar líderes, voluntários, bordadeiras, cozinheiras,
artistas, educadores, mediadores natos de conflitos, etc. Essas pessoas, entretanto, muitas vezes estão soltas
e poderiam potencializar seus talentos se firmassem parcerias ou simplesmente se tivessem maiores
oportunidades de expressar as suas habilidades. O mapeamento pode auxiliar no desencadeamento desse
processo.
DIFICULDADES
É indispensável que o formulário de informações coletadas para a confecção do mapa tenha um
espaço destinado ao registro dos problemas da comunidade, segundo a perspectiva da própria comunidade.
Além disso, é interessante classificar o problema de acordo com a sua natureza: estrutural, social, pessoal
20
. Essa classificação, quando efetuada pelo próprio agente comunitário, em comunhão com as pessoas
entrevistadas, pode provocar uma reflexão importante sobre o contexto nos quais repousam os conflitos
individuais ou coletivos daquela comunidade. Assim, problemas como desemprego, analfabetismo,
ausência de saneamento, falta de hospitais e escolas, violência doméstica, crianças de rua, crime
organizado, gangues de jovens, alcoolismo, evasão escolar, crimes, abuso infantil, problemas psicológicos,
dentre outros, comporão um mosaico útil para impulsionar uma reflexão coletiva acerca de suas
circunstâncias.

Embora não haja um momento de conclusão do mapeamento social, eis que se trata de um
processo permanente na mesma medida da dinâmica social, é fundamental que os resultados parciais sejam
objeto de partilha e debate na comunidade. Além disso, é importante que, periodicamente, sempre que
possível, haja uma análise dos resultados alcançados a partir da confecção do mapa, tais como parcerias,
empreendimentos ou eventos desencadeados a partir desse processo.

17
. Nessa data teve início o semestre letivo de 2006 da Escola de Justiça e Cidadania, oportunidade em que se apresentou a nova
metodologia de captação das informações relativas à comunidade, a fim de que os agentes comunitários possam contribuir de
maneira mais efetiva para a confecção do mapeamento social.
18
NEUMANN, Lycia Tramujas Vasconcelos; NEUMANN, Rogério Arns, Desenvolvimento comunitário baseado em talentos e
recursos locais ABCD, cit., p. 53-61.
19
Ibidem, p. 64
20
. Ibidem, p. 24.

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12. As redes sociais com foco nas ações comunitárias;


Animação de redes sociais
As redes sociais
As redes sociais são a expressão dos contornos da contemporaneidade. Para Manuel Castells,
redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades, e a difusão da lógica de redes modifica de
forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura 21. O
padrão de organização em rede caracteriza-se pela multiplicidade dos elementos interligados de maneira
horizontal. Os elos de uma rede se comunicam voluntariamente, sob um acordo intrínseco que revela os
traços de seu modus operandi: o trabalho cooperativo, o respeito à autonomia de cada um dos elementos, a
ação coordenada, o compartilhamento de valores e objetivos, a multiliderança, a democracia e,
especialmente, a desconcentração do poder. 22
Há um processo simbiótico entre participação política, exercício da autonomia e solidariedade
entre os membros de uma comunidade organizada em rede. As redes permitem maximizar as oportunidades
para a participação de todos, para o respeito à diferença e para a auto-ajuda em um contexto de mútua
assistência. Participação traz mais oportunidade para o exercício dos direitos políticos e das
responsabilidades. Para se ter acesso aos recursos comunitários, o nível de atividade e de compromissos dos
grupos sociais aumenta e a auto-estima cresce, após a conquista de mais direitos e recursos. Há uma
reciprocidade entre os vários componentes dessa cadeia ecológica, na medida que implica retroalimentação.
23

Castells declara que o principal agente da mudança atual é um padrão de organização e


intervenção descentralizada e integrada em rede, característica dos novos movimentos sociais. 24
A leitura de que as redes revelam novas formas de relações sociais também é compartilhada por
Roberto Armando Ramos de Aguiar, para quem as redes vão possibilitando a combinação de projetos, o
enfraquecimento dos controles burocráticos, a descentralização dos poderes, o compartilhamento de saberes
e uma oportunidade para o cultivo de relações horizontais entre elementos autônomos. 25
Essa nova estrutura que vai se consolidando como alternativa ao sistema oficial está associada à
prática da mediação: Como a verticalidade e as estruturas piramidais vão sendo confrontadas pelas redes, a
solução dos conflitos tende a abandonar as formas clássicas e judicializadas para admitir novas formas de
composição de conflitos como a mediação, que consiste na possibilidade de discussão mediada dos
problemas para se chegar a um acordo final 26. Essas experiências permitem que a lógica da rígida estrutura

21
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Tradução de Roneide Venancio Mayer com a colaboração de Klauss Brandini
Gerhardt. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 497 (A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, v. 1).
22
MARTINHO, Cássio. O projeto das redes: horizontalidade e insubordinação. Aminoácidos, Brasília, Agência de Educação para
o Desenvolvimento (AED), n. 2, p. 101, 2002.
23
FOLEY, Gláucia Falsarella, Justiça comunitária: por uma justiça da emancipação, cit., p. 123-127.
24
Pelo fato de que nossa visão histórica de mudança social esteve sempre condicionada a batalhões bem ordenados, estandartes
coloridos e proclamações calculadas, ficamos perdidos ao nos confrontarmos com a penetração bastante sutil de mudanças
simbólicas de dimensões cada vez maiores, processadas por redes multiformes, distantes das cúpulas de poder. São nesses
recônditos da sociedade, seja em redes eletrônicas alternativas seja em redes populares de resistência comunitária, que tenho
notado a presença dos embriões de uma nova sociedade, germinados nos campos da história pelo poder da identidade. E conclui: o
caráter sutil e descentralizado das redes de mudança social impede-nos de perceber uma espécie de revolução silenciosa que vem
sendo gestada na atualidade (CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução de Klauss Brandini Gerhardt. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1999. p. 426-427. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, v. 2).
25
E acrescenta: Isso enseja uma profunda revisão tanto no momento da gênese normativa, nas formas de sua construção, como
também aponta para novas formas de aplicação, manutenção e controle dos que vivem no interior dessas relações, onde não há
lugar para a lentidão, nem espaço para assimetrias acentuadas, nem oportunidades de acumulação de poder pelos velhos
detentores da máquina burocrática. É uma outra dimensão da democracia emergindo (AGUIAR, Roberto Armando Ramos de.
Procurando superar o ontem: um direito para hoje e amanhã. Notícia do Direito Brasileiro, Nova série, Brasília, Universidade de
Brasília, Faculdade de Direito, n. 9, p. 71, 2002).
26
Ibidem, p. 76.

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da linguagem judicial ceda lugar à retórica, à arte do convencimento, ao envolvimento. É o que ele
denomina direito dialogal, que respeita as diferenças e radicaliza a democracia. 27
Mas, afinal, diante da centralidade do mercado e da retração estatal que marcam os tempos
atuais, em que malhas sociais essas redes são construídas? Quais são os espaços possíveis para a reinvenção
da emancipação? Para Sousa Santos, as sociedades capitalistas são constituídas de seis estruturas, seis
esferas de relações sociais, as quais produzem seis formas de poder, de direito e de conhecimento de senso
comum. São espaços centrais para a produção e reprodução das relações de poder, mas são também
suscetíveis de se converterem em lugares centrais de relações emancipatórias 28, a partir de práticas sociais
transformadoras. Apesar de cada esfera guardar autonomia em relação às demais, posto que apresentam
dinâmicas próprias, a ação transformadora em cada uma delas só pode ser colocada em movimento em
combinação com as demais. 29
Em cada espaço dessa estrutura multifacetada, a ação transformadora destina-se a construir
condições para que os paradigmas emergentes possam ser experimentados em oposição à reprodução dos
velhos padrões de dominação. Esses espaços são os seguintes: a) a esfera doméstica, cujo paradigma
dominante é constituído pela família patriarcal, em contraposição à emergência da democratização do direito
doméstico, baseado na autoridade partilhada, na prestação mútua de cuidados, dentre outros; b) o espaço da
produção, no qual reina o expansionismo capitalista a ser transformado em um novo padrão
pautado em unidades de produção baseadas em cooperativas autogeridas; c) o mercado, no qual o consumo
voltado para as satisfações individualistas possa ser direcionado para as necessidades humanas, por meio do
estímulo a um consumo solidário; d) o espaço comunitário propriamente dito, em que a sociedade
colonial37, representada por antigas formas de organização pautadas na exclusão das diferenças, possa dar
espaço à identidade múltipla, inacabada, valorizando o senso comum emancipatório orientado para uma
ação multicultural e democrática; e) a esfera da cidadania, constituída pelas relações entre o Estado e a
sociedade e entre os membros da sociedade; nesse espaço, o paradigma emergente é voltado à democracia
radical, à realização dos direitos humanos, transformando as relações de poder em autoridades partilhadas; f)
o espaço mundial, no qual o paradigma do desenvolvimento desigual e da soberania exclusiva seja
transformado em soberania recíproca e democraticamente permeável.
Nesses espaços estruturais, a construção do paradigma emergente pressupõe uma tripla
transformação: do poder em autoridade partilhada; do direito despótico em direito democrático; e do
conhecimento-regulação em conhecimento-emancipação.
Os espaços privilegiados para a formação dessas redes solidárias, na perspectiva do Programa
Justiça Comunitária, são três das seis esferas indicadas por Sousa Santos: o espaço doméstico, o comunitário
e o da cidadania. Nesses espaços, é possível reinterpretar os conflitos, instrumentalizando-os para o
exercício da autonomia, sob uma perspectiva solidária.
A autonomia é a capacidade de autodeterminação de um ser humano ou de uma coletividade.
Segundo Franco, é o poder de se administrar por si mesmo, criando as normas nomos, para si mesmo auto.
Mas, conforme adverte esse autor, o exercício da autonomia pressupõe uma relação de poder, de vez que
cada um, em sua autosuficiência, não se volta à realização da humanização. Assim, para romper com a
lógica do poder, a autonomia deve se universalizar, por meio da construção de um mundo unificado por
comum-humanização. 30
O conceito de autonomia com o qual opera o Programa Justiça Comunitária tem, portanto, essa
dimensão da alteridade. O seu desenvolvimento ocorre nos locais em que as pessoas erigem suas vidas e
enfrentam as dificuldades, em comunhão com as outras. É nessas arenas locais doméstica, comunitária e da
cidadania que os cidadãos podem desenvolver a capacidade de refletir, dialogar e decidir em comunhão os
27
Ibidem, mesma página
28
SOUSA SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez,
2000. p. 271.
29
Ibidem, p. 334-342.
30
FRANCO, Augusto. Ação local: a nova política da contemporaneidade. Brasília: Agora; Instituto de Política; Fase, 1995. p. 61 e
80.

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seus conflitos, dando ensejo à realização da autonomia política, no sentido de resgate do auto nomos e da
radicalização da democracia 31. Essa requer mais participação popular, menos exclusão social e,
conseqüentemente, mais justiça social. São nessas esferas que o cidadão comum sente que é possível intervir
na vida política, exercitando a cidadania. São nesses espaços que as pessoas constroem suas relações e
fazem escolhas ao longo da vida. São esses os espaços em que se tece a teia da vida. 32

As redes sociais em movimento


Conforme já assinalado, o mapeamento social permite a descoberta das vocações, talentos e
potencialidades da comunidade e de seus membros. No decorrer da permanente sistematização e análise dos
dados coletados, é importante que haja um movimento que conecte as iniciativas e organizações
comunitárias, colocando-as em permanente contato e diálogo.
A animação de redes sociais tem por objetivo promover capital social, cujo grau, embora não
possa ser mensurado 33, pode ser avaliado a partir da presença dos seguintes elementos na comunidade:
sentimento de pertença, reciprocidade, identidade na diferença, cooperação, confiança mútua, elaboração de
respostas locais, emergência de um projeto comum, repertório compartilhado de símbolos, ações, conceitos,
rotinas, ferramentas, estórias e gestos, relacionamento, comunicação, realização de coisas em conjunto.
Mas, como promover esses encontros em face de uma realidade que estimula o ceticismo na
comunidade e até mesmo um certo grau de resignação de seus membros em relação aos temas afetos à vida
política? Conforme Neumann assevera, nas comunidades de baixa renda, a alta migração de moradores, a
violência, a insegurança e a desconfiança de tudo e de todos tendem a quebrar as relações sociais e a isolar
as pessoas em suas casas e espaços. Não permitindo que compartilhem anseios, dúvidas e medos. Um
trabalho de desenvolvimento de uma comunidade de dentro para fora deve começar por aproximar as
pessoas e ajudá-las a construir ou fortalecer as relações e confiança mútua. 34
Nesse sentido, é fundamental que os agentes comunitários e a equipe interdisciplinar mantenham
em suas agendas permanentes contatos com a comunidade, por meio de reuniões previamente organizadas.
Para preparar as reuniões, deve-se: 35
✔ verificar se há infra-estrutura no local (se o espaço comporta o número de pessoas, se há
barulho, etc.);
✔ levantar as necessidades de material;
✔ definir o facilitador;
✔ elaborar a pauta da reunião a ser divulgada com antecedência;
✔ elaborar um acolhimento inicial;
✔ elaborar uma dinâmica na qual todos possam participar; 36
✔ fechar a reunião, amarrando o que foi deliberado;
✔ confirmar eventuais tarefas assumidas individualmente ou em grupo;
✔ divulgar a data de uma próxima reunião
A reunião também deve propiciar que o tema que a ensejou seja objeto de reflexão, abordagem
e troca de saberes diferenciados, incluídos o dos técnicos que eventualmente participem e daquele produzido
31
MOUFFE, Chantal. Deliberative democracy or agonistic pluralism? Social Research, v. 66, n. 3, p. 745-758, 1999. Disponível
em: . Acesso em: nov. 2002.
32
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval
Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1997.
33
FRANCO, Augusto de. Capital social. Brasília: Instituto de Política; Millennium, 2001. p. 62.
34
NEUMANN, Lycia Tramujas Vasconcellos; NEUMANN, Rogério Arns, Desenvolvimento comunitário baseado em talentos e
recursos locais ABCD, cit., p. 32.
35
Ibidem, p. 30
36
A experiência do Programa Justiça Comunitária revelou que, quando realizadas em pequenos grupos, as reuniões tendem a ser
mais eficientes, porque propiciam um ambiente mais acolhedor e possibilitam maior conexão. As dinâmicas envolvendo grandes
grupos tendem a privilegiar somente os mais extrovertidos, o que facilita que as decisões sejam do tipo assembleísticas, ou seja,
prevalecem o argumento e a perspectiva daquele que levar mais aliados e, por conseqüência, tiver maior número de adesões.

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localmente. Também deve haver um espaço para falar do futuro, que é sempre um norteador dos esforços
comunitários.
Ao proporcionar esses encontros e promover esses diálogos, os agentes comunitários agem como
tecelões, contribuindo para que essa teia social se revele coesa o suficiente, indicando que aquele
aglomerado humano lançou-se na aventura de construir a sua comunidade.

13. Fundamentos e princípios da gestão integrada e comunitária;


GESTÃO PELA QUALIDADE NA SEGURANÇA PÚBLICA.
É possível até se discutir o que é qualidade, mas não se pode negar que os princípios da gestão
pela qualidade, utilizados com êxito na administração de empresas públicas e privadas, auxiliam muito no
planejamento, no acompanhamento e na avaliação de produtos e serviços. Estes princípios aplicados à
Segurança Pública, principalmente na Polícia Comunitária, contribuirão para a melhoria da prestação do
serviço à comunidade.
Estratégias Institucionais para o Policiamento
Discutindo estratégia
De forma simples, uma estratégia define:
 as metas que se quer atingir;
 os principais produtos (ou serviços);
 as tecnologias; e
 os processos de produção que serão utilizados.
Por isso, é de fundamental importância elaborar metas é quantificar cada objetivo, atribuir
valores (custos), estabelecer prazos (tempo) e definir responsabilidades. A estratégia também orienta a
maneira como a instituição irá se relacionar com seus funcionários, seus parceiros e seus clientes. Uma
estratégia é definida quando um executivo descobre a melhor forma de usar sua instituição para enfrentar os
desafios ou para explorar as oportunidades do meio.
Como observa FREITAS (2003), gerenciar a rotina é garantir meios para que o nível operacional
atinja resultados, esperados, de produtividade e qualidade pelo nível institucional. Geralmente, as empresas
modernas (ou pós-modernas), utilizam o sistema de gestão para atingir metas. Este processo de gerência
envolve os três níveis de uma instituição/organização:
- Nível Institucional – Responsável pela formulação de estratégias e metas anuais para a
instituição ou empresa;
- Nível Tático – Responsável por desdobrar estas metas em diretrizes e normas; e
- Nível Operacional – Responsável por atingir as metas.
Observe o diagrama a seguir para compreender melhor:

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Principais estratégias de policiamento


De acordo com MOREIRA (2005), os policiais brasileiros que ocupam cargos executivos não
costumam considerar as diferentes estratégias institucionais para o policiamento. Uma grande parcela
prefere repetir aquilo que aprendeu nas academias, com seus professores policiais, sem considerar outros
modelos policiais. Entretanto, na tentativa de atingir os objetivos organizacionais, alcançar uma legitimação
e apoio das comunidades acumulou–se, nos últimos 50 anos, diversas experiências policiais.
Estas experiências podem ser divididas em quatro grandes grupos:
- Combate profissional do crime ou policiamento tradicional;
- Policiamento estratégico;
- Policiamento Orientado para o Problema; e
- Polícia Comunitária.
Uma estratégia de policiamento orienta, dentre outras coisas, os objetivos da polícia, seu foco de
atuação, como se relaciona com a comunidade e as suas principais táticas.
Exemplos de estratégias:
Combate profissional do crime e policiamento estratégico têm como objetivo principal o
controle do crime, pelo esforço em baixar as taxas de crime;
Policiamento Orientado para o Problema e a "Polícia Comunitária” enfatizam a manutenção
da ordem e a redução do medo dentro de um enfoque mais preventivo.

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Enquanto o policiamento tradicional mantém certo distanciamento da comunidade (os policiais é


que são especialistas), a Polícia Comunitária defende um relacionamento mais estreito com a comunidade
como uma maneira de controlar o crime, reduzir o medo e garantir uma melhor qualidade de vida.
As características das quatro estratégias de Policiamento
Combate Profissional do Crime ou Policiamento Tradicional
A estratégia administrativa que orientou mundialmente o policiamento a partir de 1950 e, no
Brasil, ainda orienta a maioria das polícias, de todas as unidades federativas, é sintetizada pela frase, que
nomeia esta estratégia: "combate profissional do crime".
Ela tem como principais características:
- Foco direto sobre o controle do crime como sendo a missão central da polícia , e só da polícia;
- Unidades centralizadas e definidas mais pela função (valorização das atividades
especializadas), do que geograficamente (definição de um território de atuação para cada um dos policiais);
e
- Altos investimentos (orçamentários e de pessoal) em tecnologia e em treinamento.
O objetivo da estratégia de combate profissional do crime é criar uma força de combate do tipo
militar, disciplinada e tecnicamente sofisticada. Os principais objetivos desta estratégia é o controle da
criminalidade e a resolução de crimes.
- As principais tecnologias operacionais dessa estratégia incluem a utilização de patrulhas
motorizadas, de preferência com automóveis, suplementadas com rádio, atuando de modo a criar uma
sensação de onipresença e respondendo rapidamente aos chamados, principalmente aqueles originados pelo
telefone 190 ou 911 – no exterior.
- Os valores que dirigem o combate ao crime englobam o controle do crime como objetivo
importante, investimentos no treinamento policial, aumento do status e da autonomia da polícia e a
eliminação da truculência policial.
A limitação deste modelo em controlar a criminalidade é um dos seus pontos fracos; um outro é
o caráter reativo da ação da polícia, que só atua quando é chamada, acionada.
As táticas utilizadas normalmente falham na prevenção dos crimes, ou seja, não os impedem de
acontecer.
Praticamente não há análise das causas do crime e existe um grande distanciamento entre a
polícia e a comunidade. Na verdade, o distanciamento é incentivado, pois "quem entende de policiamento é
a polícia". O isolamento é uma tentativa institucional de evitar a corrupção.
− Policiamento Estratégico
O conceito de policiamento estratégico tenta resolver os pontos fracos do policiamento
profissional de combate ao crime, acrescentando reflexão e energia à missão básica de controle do crime.
O objetivo básico da polícia permanece o mesmo que é o controle efetivo do crime. O estilo
administrativo continua centralizado e, através de pesquisas e estudos, a patrulha nas ruas é direcionada,
melhorando a forma de emprego.
O policiamento estratégico reconhece que a comunidade pode ser um importante instrumento de
auxílio para a polícia e enfatiza uma maior capacidade para lidar com os crimes que não estão bem
controlados pelo modelo tradicional.
A comunidade é vista como meio auxiliar importante para a polícia, mas a iniciativa de agir
continua centralizada na polícia, que é quem entende de Segurança Pública.
Os crimes cometidos por delinqüentes individuais sofisticados (crimes em série, por exemplo) e
os delitos praticados por associações criminosas (crime organizado, redes de distribuição de drogas
(narcotráfico), crimes virtuais de pedofilia, gangues, xenofobia, torcedores de futebol violentos – como os
hooligans, etc.) recebem ênfase especial.
O policiamento estratégico carece de uma alta capacidade investigativa. Para esse fim são
incrementadas unidades especializadas de investigação.

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14. Mecanismos do Estado que favorecem a implantação da


gestão integrada e comunitária no âmbito da segurança pública;

Falta pesquisar esse item.


15. Policiamento orientado por problema
Policiamento Orientado para o Problema – POP
O policiamento para resolução de problemas é também chamado de Policiamento
Orientado para o Problema – POP. Seu objetivo inicial é melhorar a antiga estratégia de
policiamento profissional, acrescentando reflexão e prevenção.
O POP, como geralmente é chamado na literatura internacional, pressupõe que os
crimes podem ser causados por problemas específicos e, talvez, contínuos na comunidade,
tais como: relacionamento frustrante, grupo de desordeiros, narcotráfico, dentre outras causas.
Para esse tipo de policiamento, o crime pode ser controlado e até mesmo evitado por ações
diferentes das meras prisões de determinados delinquentes. A polícia pode, por exemplo,
resolver problemas ao simplesmente restaurar a ordem em um local. Essa estratégia
determina o aumento das opções da polícia para reagir contra o crime (muito além da
patrulha, investigação e detenções).
Características
- As chamadas repetidas geram uma forma de agir diferenciada. Entre o repertório
de ações preventivas incluem alertar bares quanto ao excesso de ruído, incentivar os
comerciantes a cumprirem regras de trânsito, proibir a permanência de menores em
determinados locais, etc.
- A comunidade é encorajada a lidar com problemas específicos. Pode, por
exemplo, providenciar iluminação em determinados locais, limpar praças e outros locais,
acompanhar velhos e outras pessoas vulneráveis. De igual modo, outras instituições
governamentais e não-governamentais podem ser incentivadas a lidar com situações que
levem aos delitos.
- Essa estratégia de policiamento implica em mudanças estruturais da polícia,
aumentando a capacidade de decisão, de resolução de problemas e a iniciativa do policial.
- O POP desafia a polícia a lidar com a desordem e situações que causem medo,
visando um maior controle do crime. Os meios utilizados são diferentes dos anteriores,
incluem um diagnóstico das causas do crime, a mobilização da comunidade e de instituições
governamentais e não-governamentais. Eles encorajam uma descentralização geográfica e a
existência de policiais generalistas e capacitados. Mais à frente você verá o método I.A.R.A.
utilizado neste tipo de policiamento.

Estratégias que favoreçam a participação e mobilização da comunidade.


A gestão e as estratégias de Polícia Comunitária
Com a adoção da Polícia Comunitária, a polícia tem saído do isolamento e
entendido que a comunidade deve executar um importante papel na solução dos problemas de
segurança e no combate ao crime. Como enfatizou Robert Peel, em 1829, ao estabelecer os
princípios da polícia moderna, “os policiais são pessoas públicas que são remunerados para
dar atenção integral ao cidadão no interesse do bem-estar da comunidade”.

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A polícia tem percebido que não é possível mais fingir que sozinha
consegue dar conta de todos os problemas de segurança. A comunidade precisa policiar a si
mesma e a polícia pode (ou deve) ajudar e orientar esta tarefa.
A percepção de que juntas, polícia e comunidade podem somar esforços na luta
contra a violência e a criminalidade tem possibilitado o fortalecimento de algumas estratégias
utilizadas no âmbito da Polícia Comunitária:
- Mobilização das Lideranças Comunitárias
- Policiamento Comunitário
- Gestão de Serviços
- Comparando a gestão de serviço na Polícia Comunitária e na Polícia
tradicional
Estas estratégias serão descritas nas páginas seguintes

Mobilização das Lideranças Comunitárias


Na década de 80, nos Estados Unidos, cresceu o entendimento de que os meios
formais e informais de controlar o crime e manter a ordem eram complementares e que a
polícia e a comunidade deveriam trabalhar juntas para definir estratégias de prevenção do
crime. De acordo com MOREIRA (2005), várias são as teorias sociológicas que comprovam
esta abordagem. E, por acreditar que o medo do crime favorece o aumento das taxas de crime
e a decadência dos bairros, inúmeros programas de redução do medo foram desenvolvidos
através da parceria polícia-comunidade.
Estratégias para organizar a comunidade e prover uma resposta coletiva ao crime
têm se tornado o alicerce da prevenção do crime nos Estados Unidos nos últimos anos. A
polícia não pode lidar sozinha com o problema do crime.
- Para construção de uma estratégia de Polícia Comunitária devem ser apontados
como objetivos: a parceria, o fortalecimento, a solução de problemas, a prestação de contas e
a orientação para o cliente.
- A polícia deve trabalhar em parceria com a comunidade, com o governo, outras
agências de serviço e com o sistema de justiça criminal. A palavra de ordem deve ser "como
podemos trabalhar juntos para resolver este problema?" Os membros da comunidade devem
estar envolvidos em todas as fases do planejamento do policiamento comunitário.

Policiamento Comunitário
Fortalecimento da comunidade
Basicamente, existem dois tipos de fortalecimento:
- dos policiais : poder de decisão, criatividade e inovação são encorajados em todos
os níveis da polícia.
- da própria comunidade : a Polícia Comunitária capacita e dá competência aos
cidadãos para participar das decisões sobre o policiamento e de outras agências de serviço,
visando prover maior impacto nos problemas de segurança.
No âmbito da Polícia Comunitária, o policiamento representa um renascimento da
abordagem policial pela solução de problemas . A meta da solução de problemas é realçar a
participação da comunidade através de abordagens para reduzir as taxas de ocorrências e o
medo do crime, através de planejamentos a curto, médio e longo prazos.
O policiamento comunitário encoraja a prestação de contas, as pesquisas e
estratégias entre as lideranças e os executores, a comunidade e outras agências públicas e
privadas.
Uma orientação para o cliente é fundamental para que a polícia preste serviço à
comunidade. Isso requer técnicas inovadoras de solução de problemas de modo a lidar com as

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variadas necessidades do cidadão. Estabelecer e manter confiança mútua é o núcleo da


parceria com a comunidade. A polícia necessita da cooperação das pessoas na luta contra o
crime; os cidadãos necessitam comunicar com a polícia para transmitir informações
relevantes. O processo de parceria comunitária possui três lados: a CONFIANÇA facilita um
maior

As instituições policiais precisam identificar os atores sociais que atuam nas lideranças
comunitárias, como representantes das pessoas que estão enfrentando ou “sofrendo” com o(s) problema(s).
Organizações públicas e privadas, grupos de idosos, proprietários de imoveis, comerciantes, etc. São
pessoas importantes para iniciar um processo de mobilização social e, principalmente, para manter os
públicos envolvidos coesos, em torno da causa social, durante as demais fases que buscam a sua solução.
"Policiamento comunitário e uma filosofia e não uma tática especifica; uma
abordagem pró-ativa e descentralizada, designada para reduzir o crime, a desordem e o medo do crime
através do envolvimento do mesmo policial em uma mesma comunidade em um período prolongado de
tempo". MOREIRA Apud PEAK (1999, p.78).
E fato que não existe um programa único para descrever o policiamento
comunitário, ele tem sido tentado em varias policias ao redor do mundo. Ele vai muito além que
simplesmente implementar policiamento a pé, ciclo patrulha ou postos de policiamento comunitário.
Policiamento comunitário e um tipo de policiamento que redefine o papel do
policial na rua de "combatente" para solucionador de problemas e ombudsman do bairro . Ele obriga
uma transformação cultural da policia, incluindo descentralização da estrutura organizacional e mudanças na
seleção, recrutamento, formação, treinamento, sistemas de recompensas, promoção e muito mais.
Gestão de Serviços
A Polícia Comunitária pede para que os policiais escapem da logica do
policiamento dirigido para ocorrências (radioatendimento) e busquem uma solução pró-ativa e criativa para
equacionar o crime e a desordem. O diagrama 5W2H pode ajudar na gerencia do serviço policial. Esta
metodologia, também conhecida nos países de língua portuguesa como 4Q1POC (apos a tradução), e muito
utilizada na administração de empresas para gerenciar um plano de ação para elaborar um serviço ou
produto.
Este diagrama e composto por 7 perguntas que procuram orientar a gerencia de um plano de
ação.

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Sistema de Segurança Pública e Gestão Integrada e Comunitária

As sete perguntas essenciais

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Sistema de Segurança Pública e Gestão Integrada e Comunitária

As sete perguntas essenciais.

Comparando a gestão de serviço na Polícia Comunitária e na Polícia Tradicional

Em oposição ao trabalho de um policial tradicional, que faz patrulhamento e prende bandidos,


em um dia de trabalho de um policial comunitário, além das tarefas do policial tradicional, abrange:
- trabalhar em postos comunitários,
- participar de encontros com grupos da comunidade,
- analisar e resolver problemas do bairro,
- realizar pesquisas e entrevistas pessoais,
- encontrar com lideranças locais,
- verificar a segurança das residências e comércios locais,
- lidar com desordeiros, dentre outras.
Veja a seguir o diagrama, adaptado de MOREIRA Apud PEAK (1999, p.80), para compreender e
comparar com o modelo de Policia Tradicional e a Polícia Comunitária.

Diferenças entre a polícia tradicional e a polícia comunitária- Maurício Futryk Bohn, 37


POLÍCIA TRADICIONAL POLÍCIA COMUNITÁRIA
A polícia é uma agência governamental responsável, A polícia é o publico e publico é a polícia: os
principalmente, pelo cumprimento da lei policiais são aqueles membros da população que são
pagos para dar atenção em tempo integral às
obrigações dos cidadãos;
Na relação entre polícia e as demais instituições de Na relação com as demais instituições de serviço
serviço público, as prioridades são muitas vezes publico, a polícia é apenas uma das instituições
conflitantes; governamentais responsáveis pela qualidade de vida
da comunidade;
O papel da polícia é preocupar-se com a resolução O papel da polícia é dar um enfoque mais amplo
do crime; visando a resolução de problemas, principalmente
por meio da prevenção
37
Maurício Futryk Bohn, Mestrando em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

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Sistema de Segurança Pública e Gestão Integrada e Comunitária

As prioridades são, por exemplo, roubo a banco, A eficácia da política é medida pela ausência de
homicídios e todos aqueles envolvendo violências; crime e de desordem;
A polícia se ocupa mais com os incidentes; As prioridades são quaisquer problemas que estejam
afligindo a comunidade;
O que determina a eficiência da polícia é o tempo de A polícia se ocupa mais com os problemas e as
resposta; preocupações dos cidadãos
O profissionalismo policial se caracteriza pelas O que determina a eficácia da polícia é o apoio e a
respostas rápidas aos crimes sérios; cooperação do publico;
A função do comando é prover os regulamentos e as O profissionalismo policial se caracteriza pelo
determinações que devam ser cumpridas pelos estreito relacionamento com a comunidade
policiais;
As informações mais importantes são aquelas A função do comando é incutir valores institucionais;
relacionadas a certos crimes em particular;
O policial trabalha voltado unicamente para a As informações mais importantes são aquelas
marginalidade de sua área, que representa, no relacionadas com as atividades delituosas de
máximo 2% da população residente ali onde “todos indivíduos ou grupos;
são inimigos, marginais ou paisano folgado, até
prova um contrário”;
O policial é do serviço; O policial trabalha voltado para os 98% da
população de sua área, que são pessoas de bem e
trabalhadoras;
Emprego da força como técnica de resolução de O policial emprega a energia e eficiência, dentro da
problemas; lei, na solução dos problemas com a marginalidade,
que no máximo chega a 2% dos moradores de sua
localidade de trabalho;
Presta contas somente ao seu superior; Os 98% da comunidade devem ser tratados como
cidadãos e clientes da organização policial;
As patrulhas são distribuídas conforme o pico de O policial presta contas de seu trabalho ao superior e
ocorrência. à comunidade;

Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/cienciascriminais/IV/54.pdf>. Acesso em


07 de ago de 2018.

16. Estratégias que favoreçam a participação e mobilização da


comunidade.
MOBILIZAÇÃO SOCIAL
16.1 COMPREENSÃO DA COMUNIDADE
"Se não houver uma disposição da polícia de pelo menos tolerar a influência do público sobre
suas operações, a Polícia Comunitária será percebido como 'relações públicas' e a distância entre a polícia e
o público será cada vez maior."
Theodomiro Dias Neto do livro Policiamento Comunitário e o Controle Social
Qualquer tentativa de trabalho ou programa de Polícia Comunitária deve incluir necessariamente
a comunidade. Embora a primeira vista possa parecer simples, a participação da comunidade é um fator

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Sistema de Segurança Pública e Gestão Integrada e Comunitária

importante na democratização das questões de segurança pública e da implementação de programas


comunitários que proporcionam a melhoria de qualidade de vida e a definição de responsabilidades.
A compreensão dinâmica de comunidade é essencial para a prevenção e controle do crime e da
desordem, assim como o medo do crime, pois o controle e a participação social informal (do coletivo, do
grupo) é mais eficaz. A consciência é a chave, pois ela impede que as pessoas cometam erros nocivos a vida
coletiva, mesmo quando ninguém está vendo.
16.1.1. Envolvimento dos Cidadãos
Todas as vezes que grupos de cidadãos, ou moradores, se reúnem para encaminhar soluções para
problemas comuns, o resultado é bastante positivo. Na polícia comunitária não poderá ser diferente. O
problema é interpretar as possibilidades da comunidade e da Polícia. Assim, é importante refletirmos sobre
questões levantadas por ambas:
a) A participação do cidadão, muitas vezes, tem-se limitado às responsabilidades de ser
informado das questões públicas (ações da polícia), votar pelos representantes em conselhos ou entidades
representativas, seguir as normas institucionais ou legais sem dar sugestões de melhoria do serviço.
b) Outro Problema é o desconhecimento das características da comunidade local, pois uma
comunidade rica tem comportamento e anseios diferentes de uma comunidade pobre e comunidades de
grandes centros urbanos são diferentes de comunidades de pequenas cidades do interior, independente de
serem ricas ou pobres, agrícolas ou industriais. O que importa é descobrir seus anseios, seu desejo de
participação no processo, sua motivação para se integrar com a polícia.
16.2. ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA
Espera-se que a intensificação do contato entre a polícia, a comunidade e os diversos segmentos
favoreça uma melhor integração e participação da comunidade, o reconhecimento social da atividade
policial, o desenvolvimento da cidadania aos cidadãos e a melhoria da qualidade de vida. A comunicação
intensa e constante propicia a melhora das relações, amplia a percepção policial e da comunidade no que
tange as questões sociais e possibilita diminuir áreas de conflito que exigem ações de caráter repressivo das
instituições policiais.
Há, contudo, uma série de fatores a serem pesados quando se avalia o potencial democrático das
diversas experiências de organização comunitária na área de prevenção do crime e da desordem social, por
isto importante conhecer os níveis de organização comunitária.
16.2.1. Aspectos Importantes sobre os Níveis de Organização Comunitária
O maior desafio enfrentado pela polícia no modelo comunitário é motivar e sustentar a
participação do público. A prática ensina que o êxito de uma iniciativa policial de organização comunitária
passa pelo envolvimento e comprometimento dos cidadãos na busca de soluções para problemas locais. Um
ponto crítico é que as chances de êxito dessas iniciativas tendem a ser menores nas áreas onde se mostram
mais necessárias, ou seja, os problemas são mais graves e abundantes. O contato direto e permanente com a
adversidade e a insegurança social costuma ter um efeito negativo nos esforços de organização e
mobilização social.
Importante!
Em vez de unir as pessoas em torno de sentimentos de indignação e finalidade comum, o crime
parece minar a capacidade de organização comunitária. Por outro lado, a polícia parece mais bombeiro,
combatendo emergências (ocorrências criminais) a qualquer custo, não interessando integração com a
comunidade.
Nesses contextos problemáticos, a organização comunitária envolve um árduo e duradouro
esforço de superação de resistência de indivíduos, céticos em relação às possibilidades de melhorias em suas
condições de vida, ainda mais quando dependentes de ações governamentais. Mesmo aquelas iniciativas que
contam com investimentos e apoio governamental (recursos financeiros, implemento de recursos humanos e

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materiais, treinamento de agentes públicos, informações e até mesmo o engajamento social) costumam ser
prejudicadas pelo desinteresse ou apatia do público, muitas vezes até pela abordagem equivocada do que
seria um programa comunitário de segurança pública.
Confrontada com tais dificuldades, a polícia tende a tomar decisões baseadas em suas próprias
percepções: os problemas são tão latentes e os recursos tão escassos, que as consultas à comunidade podem
parecer ineficazes e excessivamente demoradas, sem nenhum resultado prático.
Em áreas onde haja alguma base de organização comunitária, a polícia tem procurado superar
essas dificuldades estabelecendo contatos com organizações locais, tais como igrejas, associações de
comerciantes e de moradores. Esta relação transforma-se na única alternativa possível e tende a viciar o
processo, pois organizações locais podem tender para interesses ou privilégios específicos (interesses
comerciais, eleitorais, religiosos, etc) fugindo ao anseio de toda a coletividade.
Importante!
O desafio, portanto, não está apenas em promover trabalhos com grupos organizados da
comunidade, de interesses específicos, mas trabalhar na organização de trabalhos comunitários, de forma
constante e permanente.
Pare e Reflita!
O jovem infrator que comete um ato infracional em um bairro rico, com sólida organização
comunitária, reside em bairros carentes, sem nenhuma infraestrutura e organização social. Será que a
associação comercial de um bairro rico, realizando trabalhos de parceria em bairros pobres, não pode
conter a violência no seu bairro?
16.3. A AUTONOMIA DAS ORGANIZAÇÕES EM RELAÇÃO À POLÍCIA
Em regra, os grupos comunitários, assumem uma postura passiva e acrítica em relação às ações
de governo e da polícia, respaldando apenas as suas práticas, mesmo quando claramente impróprias ou
ilegais. É preciso respaldar as boas ações da polícia, de interesse coletivo, de respeito aos direitos humanos,
dentro da legalidade e dos valores morais e éticos. Mas deve-se criticar e vilipendiar ações violentas,
ilegítimas, que desrespeitam a dignidade humana e que fogem ao interesse coletivo, responsabilizando o
mau profissional e não a instituição como um todo.
Em áreas nobres, os grupos costumam estar mais preocupados com a resposta aos crimes, ações
da polícia mais repressivas, até investem para isso: compras de viaturas, reforma de prédios, aquisição de
sistemas de comunicação. Mas não querem desenvolver ações mais preventivas não querem se envolver. Por
outro lado, buscam desenvolver ações "caridosas e filantrópicas" como sopas aos moradores de rua em dias
de frio, cestas alimentares em igrejas, mas o morador de rua continua na rua.
Em áreas carentes, a experiência cotidiana pode tornar os cidadãos mais vigilantes. Ao invés de
simplesmente pressionarem por mais presença policial, se mostram mais preocupados com os mecanismos
de controle de abusos e corrupção policial.
Os representantes comunitários frequêntemente temem a polícia e se ressentem da forma como
esta exerce sua autoridade. As ações comunitárias focam mais para o controle da polícia do que para o
controle do crime, pois o medo é predominante. Acredita-se que a polícia não sabe os problemas do bairro,
pois só existe para "caçar bandidos".
Organizações que não dependem da polícia para a sua existência podem trazer significativos
desafios para a polícia. No pensamento institucional pode significar entraves administrativos, restringindo a
sua discricionariedade; no pensamento social amplia o controle da polícia; na filosofia de polícia
comunitária amplia e aprimora as ações conjuntas, tanto da polícia como da sociedade.
Observa-se, contudo, que com grande frequência, as organizações autônomas do ponto de vista
econômico são aquelas representativas dos setores de maior poder aquisitivo, que tendem a ser aliados
"naturais" da polícia. As organizações oriundas de segmentos marginalizados, em geral mais antagônicas à
polícia, não possuem autonomia econômica, sendo, muitas vezes, levadas a fazer concessões em troca de
apoio e de recursos.
16.4. ESTRATÉGIAS DE ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA: MEIO DE

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CONTROLE SOCIAL, DE AUTO-AJUDA OU DE PARCERIA DECISÓRIA?


Organização ou mobilização comunitária significa unir questões diferentes, pessoas diferentes
em objetivos comuns. Para muitas polícias que querem adotar a Polícia Comunitária, organizar significa
chamar residentes locais para assistir a uma reunião de lideres locais. Isto, com certeza, não é Polícia
Comunitária.
Para muitas organizações comunitárias, organizar significa um processo contínuo de capacitação
de residentes locais, especialmente o incentivo à participação de cidadãos em decisões relacionadas à
qualidade de vida do bairro. A Polícia Comunitária se baseia neste princípio.
Assim, identificamos três tipos de programas que demonstram como a interpretação errônea
sobre Polícia Comunitária pode prejudicar a implementação desta filosofia, como veremos a seguir:

PROGRAMA 1: organização comunitária como meio de controle social


Diversos programas associados à Polícia Comunitária revelam tão-somente o interesse da polícia
em ampliar e legitimar o seu controle sobre o território. O contato com as organizações comunitárias é visto
como estratégia para obtenção de apoio popular, neutralização de críticas e não como forma de engajamento
dos cidadãos nos processos de estímulo e participação.

Os perigos (O QUE NÃO SE DEVE FAZER):


 Policiamento privilegiado com base nas opiniões dos "parceiros da polícia" (a famosa
contrapartida) - apóia as decisões da polícia, terá policiamento na porta;
 Surgimento de lideranças contraditórias que almejem cargos políticos prometendo combater
as ações da polícia no bairro;
 Policiamento privilegiado baseado no "bico" dos policiais (locais de policiamento = locais
onde atuo na hora de folga);
 Surgimento de candidatos políticos com o apoio governamental por terem "apoiado as
iniciativas da polícia no bairro".

O que é correto (O QUE DEVE FAZER):


 Ouvir a todos indistintamente (principalmente o mais crítico);
 Neutralizar grupos específicos que querem se aproveitar ou privilégios da ação policial;
 Compartilhar informações com a comunidade, transformando-as em ações preventivas e
educativas. Quando o assunto exigir sigilo explicar o motivo,demonstrando a sua importância para a
segurança da própria comunidade;
 "os parceiros da polícia" não são apenas as pessoas com posse ou ascendência na comunidade,
mas todos: do mais humilde ao mais culto. Portanto, estimular a participação de todos é importante no
processo porque promove confiança e respeito;
 Demonstrar e discutir os erros com a comunidade pode demonstrar evolução e interesse na
integração;
 Ao cobrar ações e fornecer informações a polícia, a comunidade, seus lideres e os conselhos
representativos devem observar o bem comum (o coletivo);
 Interesses eleitoreiros ou político-partidário não combinam com Polícia Comunitária que deve
ser apolítica, apartidária e não ideológica.

PROGRAMA 2: organização comunitária como meio e auto-ajuda


Um segundo tipo de programa enfatiza os aspectos cooperativos da Polícia Comunitária: a
polícia utiliza-se dos "olhos e dos ouvidos" dos residentes e usuários do bairro com a finalidade de
potencializar sua capacidade de prevenir crimes e manter a ordem.

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Em regra, contudo, nesse tipo de programa, o envolvimento dos cidadãos limita-se a realização
de tarefas, não havendo uma dinâmica de planejamento comum. Enfatiza-se a cooperação do público na
realização de tarefas policiais, mas subestima-se a sua participação nos processos de integração.
Vende-se um pacote aos cidadãos: e a sua cooperação está direcionada a tarefas do tipo
identificação de propriedades, notificação de crimes, identificação de áreas de risco, campanhas
comunitárias, jornais locais, etc.
O surgimento de supostos grupos ou entidades com o objetivo de encaminhar soluções a polícia,
promover ações sem a participação da polícia, estimulando ações coletivas independentes de programas de
polícia comunitária atrapalham e confundem o processo.

Os Perigos(O QUE NÃO SE DEVE FAZER):


 O planejamento equivocado e sem orientação culminando no surgimento de alternativas
econômicas: segurança privada, sistema de comunicações entre cidadãos de posse (paralelo a polícia);
 Membros da comunidade expostos a marginalidade, colocando em risco suas vidas porque são
interlocutores dos problemas locais;
 A polícia determina tarefas para dissuadir ações participativas sem nenhum resultado prático;
 As campanhas têm um forte conteúdo político em detrimento da prevenção porque é apoiado
por um político ou comerciante;
 Como o apoio governamental é pouco, apenas pequenas ações fazem surgir lideranças com
perfil político e eleitoral, deturpando o processo;
 A instrumentalização de pequenas tarefas pode causar apatia da comunidade, favorecendo os
marginais da área e grupos de interesse que desejam o insucesso de ações coletivas no bairro;
 A polícia não consegue mais atuar na área sem críticas da comunidade.

O que é correto(O QUE DEVEMOS FAZER):


 Promover uma ampla participação da comunidade, discutindo e sugerindo soluções dos
problemas;
 Demonstrar a participação da comunidade nas questões, determinando o que é da polícia e o
que é da sociedade;
 Proteger os reais parceiros da polícia, não os utilizando para ações de risco de vida (não
expondo) com ações que são da polícia ou demonstrando eventualmente que eles são informantes;
 As ações de auto-ajuda são acompanhadas por policiais. As iniciativas locais são apoiadas.
Trabalhos preventivos, não apenas campanhas devem ser estimulados.

PROGRAMA 3: organização comunitária como meio de parceria decisória


(O QUE DEVEMOS ADOTAR E FAZER)
A terceira categoria, com certeza a mais importante, caracterizase pela participação ativa do
público em todos os processos: planejamento local, ações preventivas e de orientação da comunidade,
avaliação dos processos e participação nas decisões de interesse coletivo. A comunidade participa
ativamente do planejamento local e atua na reeducação de suas ações, na reconstrução social do bairro, ou
seja, ações de caráter essencialmente preventivo. O pensamento nesta abordagem é entender que quando a
polícia se relaciona com grupos de prevenção ou mobilização comunitária, está lidando com parceiros e não
auxiliares ou subordinados.
A parceria que se deseja, viabiliza a adequação das estratégias de prevenção às características
locais. Transferir decisões aos escalões inferiores e a parceria com representantes da comunidade ainda é um
paradigma nas organizações policiais brasileiras. A dificuldade na relação com segmentos sociais,
principalmente os mais hostis, também. Mas essas ações devem ser estimuladas.
A participação da comunidade é fundamentada em normas técnicas de caráter científico,
aprimorado ao longo do tempo. Contudo, a participação da comunidade no planejamento e nas decisões

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melhora este perfil tecnológico e profissional da polícia, pois o aprimoramento estará vinculado aos níveis
de satisfação, sensação de segurança, qualidade de vida e a diminuição do crime e da desordem. É possível
realizar tudo isso em termos de Polícia Comunitária? É o que veremos a seguir.
Usar a polícia como instrumento de repressão social ou política não é um mecanismo eficaz de
combate ao crime. Da mesma forma manipular comunidades com objetivos políticos ou institucionais
também não apresentarão resultados satisfatórios.

4.5. PROJETO LOCAL DE POLÍCIA COMUNITÁRIA


O que é Polícia Comunitária ?
Como iniciar um trabalho de Polícia Comunitária?
Quem envolver no trabalho de Polícia Comunitária?
Polícia Comunitária -» parceria com -> comunidade (entidades, associações,minorias) polícia
(Civil e Militar) outras instituições (federal, estadual, municipal) empresários e comerciantes imprensa
(escrita, falada e televisada) políticos (deputados, prefeitos e vereadores.
Polícia Comunitária -> resolução de problemas locais e complexos com criatividade e
participação de todos acima, respeitando as suas competências, mas exigindo parcelas de responsabilidades
dentro de suas respectivas competências.
Policiamento Comunitário -> ação operacional da polícia que prioriza o relacionamento
adequado com a comunidade no dia a dia. É realizado dentro de características próprias da ação policial,
porém deve ser talhado segundo as necessidades e recursos locais -> não existe maneira de fornecer regras
rígidas e rápidas que possam cobrir todas as circunstâncias.
Numa visão simplista, Polícia Comunitária se restringe a aproximação do policial junto a
comunidade envolvido num trabalho de policiamento comunitário, mas ao analisarmos de fato, podemos
perceber a sua abrangência, uma vez atingindo o que é preceituado no artigo 144 da
Constituição Brasileira, de que segurança pública é direito e responsabilidade de todos, cabendo
também a qualquer cidadão uma parcela de responsabilidade na questões de segurança pública.
A sociedade como um todo, deve atuar de uma forma participante em todos os momentos que
impliquem ou não em uma situação geradora de conflitos que levem às conseqüências extremas de
violência.
Sabemos que muitas das causas da violência decorrem da ausência de uma política pública séria
que cerceie o cidadão a uma vida com dignidade, respeitando a si mesmo e ao seu semelhante. Cada vez
mais o cidadão se isola esquecendo que os problemas inerentes à sua comunidade, também lhe pertence para
que tenha qualidade de vida.
Baseado nisso é que se norteia este trabalho de Polícia Comunitária em que as pessoas passem a
se conhecer e manter uma relação de amizade, confiança e respeito, buscando, juntos, soluções criativas para
os problemas que afligem a sua comunidade, cobrando dos órgãos competentes ações mais diretas como
uma forma preventiva às causas da violência.
Somente assim tiraremos a imagem de que a polícia (instituição) resolve tudo, como se a ela
destinassem todos os problemas como uma obrigação a ser cumprida. Nos dias atuais quando se comenta
sobre segurança pública, a polícia aparece como co-responsável pelo alto índice de criminalidade que
enfrentamos, a ela é imputada toda a responsabilidade para garantir a segurança do cidadão. Para que se crie
uma sensação de segurança, o cidadão precisa perceber a necessidade de se atacar as causas geradoras da
violência, tratando-as de uma forma preventiva.
Objetivos gerais:
 Integrar a comunidade às várias instâncias governamentais e não governamentais
sensibilizando os moradores do bairro no sentido de resgatar valores morais e sociais para a convivência
harmoniosa buscando a melhoria da qualidade de vida local e melhora da sensação de segurança;
 Sensibilizar a comunidade para que saiba buscar soluções criativas para os problemas do seu
bairro;

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 Motivar a participação comunitária almejando uma intensa integração social para que todos
participem na melhoria da qualidade de vida;
 Identificar as lideranças naturais para que elas perenizem a proposta.
Objetivos específicos
 Buscar soluções para os fatores criminógenos nas áreas de: educação, saúde, habitação,
saneamento básico, transporte, segurança pública, justiça e cidadania;
 Envolver os representantes dos serviços públicos, nas suas respectivas esferas de
responsabilidade no programa;
 Envolver a iniciativa privada nas suas diversas atividades motivando uma participação entre o
poder público e o econômico do bairro;
 Envolver o poder político local (prefeitos, vereadores, deputados e representantes de partidos
políticos, de forma indistinta e imparcial) mostrando os problemas locais;
 Mostrar ao cidadão comum a importância de sua participação, bem como propiciar para que
ele identifique os problemas locais.

16.6. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO PARA POLÍCIA COMUNITÁRIA


1ª etapa: Identificação das lideranças locais
 Verificação da existência de Sociedade Amigos de Bairro, Entidades
Religiosas, Conselhos Escolares, outras Entidades governamentais e não governamentais, dentre
outras;
 Através de contato com a Polícia ( Militar e Civil ) da área e Administração Regional;
 Anotações de todos os endereços e telefones para contato e agendamento e visita
(LEVANTAMENTO ESTRATÉGICO).
2a etapa: Contato com as lideranças locais
 Convite para posterior reunião;
 Palestra sobre Polícia Comunitária.
3ª etapa: Palestra sobre Polícia Comunitária
 Esclarecimento sobre o que é a Polícia Comunitária;
 Divulgação de material sobre Polícia Comunitária;
 Apresentação da proposta de trabalho junto à comunidade.
4ª etapa: Identificação dos problemas do bairro
 Reunião com representantes da comunidade para identificar os problemas do bairro;
 Priorização de problemas do bairro;
 Indicação de representantes que formarão um comitê (ou conselho) de implantação dos
trabalhos de Polícia Comunitária;
 Discutir estas questões com as polícias do bairro.
5a etapa: Coleta de informações (características sócio-econômicas, características
geográficas ambientais)
 Informações: perfil da área (mapa preciso, número de residências, número e tipo de comércio,
escolas igrejas, associações, postos de saúde, área de lazer etc );
 perfil dos habitantes (idade, sexo, grau de instrução, profissão, estado civil, se empregado
etc);
 Verificação de responsáveis pela coleta e locais a serem coletadas as informações. Estas
informações podem ser fornecidas pela própria polícia, órgãos públicos locais e entidades existentes no
bairro;
 Tabulação e análise das informações. Sociabilizar as informações com a comunidade.
6a etapa: Indicativos dos problemas locais
 Após traçado o perfil da comunidade local, verificar quais as dificuldades que se enfrentam
para o exercício dos direitos e garantias individuais e coletivas e o grau de segurança;

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 Registrar e analisar os resultados que implicam nas dificuldades de se ter uma qualidade de
vida melhor;
 Identificar os órgãos envolvidos nas questões;
 Desenvolver um plano inicial (esboço) contemplando os problemas locais, os pontos de
participação de cada órgão e da comunidade.
7ª etapa: Fixação de metas
 Após a avaliação das necessidades deverão ser fixadas as metas;
 Para quem? Onde? Quando? Como? E Para Quê? Fixar-se-ão essas metas? Não basta fixar
metas apenas para serem cumpridas;
 As metas deverão ter significados e que sejam interessantes à comunidade;
 Identificação das áreas de aceitação comum (criação ou melhoria de áreas de lazer, programas
de requalificação profissional etc );
 Fechamento do projeto, com a participação de todos os segmentos, estabelecendo
responsabilidades, cronogramas e metas.
 Eventos que consolidem a sistematização do trabalho de Polícia Comunitária e que uma vez
compreendido não será mais esquecido.
8a etapa: Estratégia de Implantação
 Identificação de responsáveis capazes de auxiliar na resolução dos problemas apontados,
possibilitando que se atinjam as metas fixadas.
9a etapa: Controle de qualidade, desenvolvimento contínuo e atualização dos trabalhos
 O comitê de implantação se reunirá no mínimo uma vez por mês ou sempre que necessário e
será responsável pelo controle de qualidade, desenvolvimento contínuo e atualização.
 A avaliação poderá ser realizada através de:
 um indicador (um fato que indique se o projeto atingiu ou não o objetivo );
 dados estatísticos - acompanhamento da diminuição ou aumento da criminalidade, referente as
ocorrências na comunidade;
 pesquisas com levantamentos (registros de ocorrências) e questionários sobre o grau de
satisfação da comunidade e se continua temerosa.
 contato pessoal com a comunidade.
 forma de verificação ( atividade que permita a demonstração do que foi feito em relação ao
indicador);
 momento de verificação (o momento da verificação do aprendizado, no início, no meio, ou ao
final das atividades).
É preciso observar se :
 O projeto atingiu os objetivos dentro do prazo previsto?
 Se não atingiu, quais foram os entraves que surgiram para o
 impedimento do avanço do projeto?
 Quais foram as atividades realizadas?
 Quais foram as tentativas para a realização dessas atividades?
 Quais as dúvidas que se manifestaram?
 Quais foram as interferências necessárias par a realização das atividades?
 Houve demonstração de independência do grupo em relação às atividades?
 O grupo revelou progressos ?
Se almejarmos um desenvolvimento contínuo, necessitamos tomar certos cuidados como
acompanhar as atividades analisando os avanços e dificuldades, buscando meios para facilitar a superação
dos obstáculos, incentivando o grupo a caminhar, uns ajudando os outros, sabendo que é preciso de tempo
para exercitar e incorporar uma nova filosofia de trabalho para interagir com o meio e desse modo os
conhecimentos adquiridos se tornarem definitivos.

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Os desafios da vida são constantes e isso requer uma atualização permanente para a elaboração
de novas informações adequando às situações de momento que surjam durante o transcorrer do processo.
A eficiência e eficácia de um trabalho de Polícia Comunitária pode ser mensurada pela ausência
de crime e de desordem, pelo apoio da comunidade nas questões de segurança.

16.7. ATIVIDADES QUE PODERÃO SER DESENVOLVIDAS NA COMUNIDADE, COMO


FORMA DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA PREVENÇÃO E PREPARAÇÃO DA COMUNIDADE
 Palestras sobre variados temas conforme as necessidades locais;
 Cursos de preparação de lideranças comunitárias, Debates em Escolas envolvendo o corpo
docente, administrativo e operacional (Participação da Escola na melhoria da segurança no bairro,
Relacionamento comunitário, Participação da comunidade na Escola etc );
 Eventos com apresentações de música, dança e grupos locais;
 Encontros de moradores de uma rua para atividades comuns e sociais (um chá da tarde, um
bingo, etc);
 Educação para o trânsito nas Escolas ( Polícia de Trânsito);
 Campanhas de prevenção e orientação ao pedestre e ao motorista;
 Semana de prevenção à saúde (Secretaria da Saúde );
 Semanas cívicas, de meio ambiente e de mutirões no bairro;
 Finais de semana de lazer e recreação (Escolas ou outros espaços
disponíveis, públicos ou privados);
 Reuniões de trabalho com as lideranças locais, com os poderes públicos locais e com a
iniciativa privada;
 Orientação com relação à medida que devem ser adotadas quanto a:
 Segurança pessoal de seus bens;
 Segurança residencial;
 Segurança em relação as crianças;
 Segurança escolar etc.
 Programa de restauração do bairro (ruas limpas, árvores cortadas, calçadas arrumadas, muros
pintados, etc).
O trabalho de Polícia Comunitária deve:
 Ser apartidário, apolítico;
 Envolver a Polícia Militar direcionando à prevenção e quando necessário,
 intensificação do ostensivo;
 Envolver a Polícia Civil, para aproximação e familiarização com a comunidade, esclarecendo
questões pertinentes e bom atendimento do cidadão no Distrito Policial, bem como dar o caráter social e
preventivo a investigação criminal;
 Sensibilizar e manter contatos com autoridades de vários organismos
públicos para a garantia do desenvolvimento do projeto;
 Ser desvinculado de qualquer interesse particular, religioso e ideológico;
 Ter objetivos claros e definidos, sempre prestando contas à comunidade;
 Ser voltado à reeducação da comunidade;
 Evitar confrontos, mostrando sempre o lado educativo em qualquer situação;
 Estar sempre preocupado com a integridade física e moral dos participantes;
 Esquematizar a viabilização de formas de proteção aos participantes do projeto;
 Providenciar apoio às autoridades competentes, a qualquer indício de exposição de qualquer
um dos participantes;
 Ser desenvolvido priorizando o respeito a dignidade humana;
 Priorizar os mais carentes e necessitados;
 Ser flexível e constantemente reavaliado.

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