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09/08/2018 >> Metahistória e pessoalidade na Breve história da literatura brasileira de Érico Veríssimo

Metahistória e pessoalidade na Breve história da literatura brasileira de Érico Veríssimo


Alberto Lopes de Melo(*)
A Breve história da literatura brasileira de Érico Veríssimo, em princípio, não apresenta nenhuma grande
diferença formal com relação ao modo de construção das histórias literárias tradicionais, como já o afirmou
Maria da Glória Bordini, na primeira análise da obra, presente em sua primeira edição em português: a obra
(...) “não constitui nenhum formato inovador no âmbito da historiografia literária. Como o molde instituído
pelo Romantismo divide a literatura em períodos, unificados por uma visão de mundo singular, expressa nas
obras que os compõem” (1).

A obra foi editada inicialmente nos Estados Unidos sob o título de Brazilian Literature – an Outline em 1945,
quarenta anos antes de sua publicação no Brasil (2), como resultado de uma série de conferências proferidas
por Érico Veríssimo na Universidade da Califórnia, com o objetivo de apresentar a literatura brasileira aos
norte-americanos. O livro se apresenta inicialmente singular pelo modo como nomeia os capítulos de que se
compõe, que abordam os períodos em que o escritor estrutura a literatura brasileira. Como exemplos, têm-se
“Minha terra tem palmeiras” (capítulo 4) e “Sim, mas serpentes e escravos também” (capítulo 5). Tal traço
constitui um prenúncio do tipo de tom discursivo que se há de encontrar no texto que segue ao índice.

Esse tom, que irá permear as metáforas utilizadas na narrativa da história brasileira literária (ou não), não é
por si só um grande diferencial desta obra com relação à tradicional historiografia literária, como já se
afirmou. Recorro a David Perkins para explanar a permanência estrutural “clássica” da escritura histórica que
se apresenta nesta obra:

Como toda narrativa tradicional, apresenta uma entidade – ou herói – sofrendo uma transição. Na
história da literatura, o herói não pode ser uma pessoa – só um indivíduo social ou um assunto
ideal podem protagonizá-la (...), mostra-se, dado o estado inicial das coisas, como o herói chegou
ao final (3).

A Breve história da literatura brasileira tem, de certa forma, seu “herói” condicionado pelo contexto em que
foi escrita, ele ainda constitui o próprio conceito de literatura (ou de valoração da literatura) que a permeia.
Tratando-se de uma “vitrine para os norte-americanos” da produção literária brasileira, demonstra, junto à
preocupação de provar a consistência desta, defender sua validade em um contexto histórico marcado pelos
reflexos da II Guerra Mundial: “quando passo os olhos pela cena literária brasileira dos anos pós-guerra. A
maioria dos escritores em meu país se comportou como se nada houvesse ocorrido na Europa e no mundo.
Viviam num mundo de quimera.” (p.99). A citação, que faz referência a I Guerra Mundial, aparece carregada
de protesto e de uma espécie de manifesto em prol da consciência dos artistas de sua função política. Tal
referência irá contrapor-se, no desenrolar da narrativa, a outros momentos do percurso literário brasileiro em
que essa consciência foi maior, ou seja, o conceito de literatura enquanto produção com função política e da
função social do artista constitui o “herói”, ou a linha que conduz a narrativa, tendo seu cerne no maior ou
menor engajamento das criações literárias às causas sócio-políticas.

A obra apresenta, assim, a ascensão desse engajamento, ou consciência do social, no decurso dos anos, até o
momento de sua escritura, mostrando “como o herói chegou ao final” (4):

Tudo o que o Brasil precisa é resolver seus problemas mais sérios e urgentes: o analfabetismo, a
pobreza e a doença entre as classes mais baixas (...). Quanto à literatura de meu país – seu traço
proeminente nos últimos dez anos é que os escritores brasileiros deixaram de ser meros
malabaristas verbais, imitadores esnobes das modas literárias brasileiras ou tíbios elfos,
habitantes da torre de marfim: pisaram em terra e deram as mãos ao homem comum nessa
cruzada universal por um mundo melhor de paz, fraternidade e liberdade. (p. 153)

O trecho acima, que constitui o desfecho que Veríssimo dá à sua Breve história da literatura brasileira,
permite não só visualizar o seu conceito valorativo de literatura enquanto instrumento de cunho político-
social, embebido em uma ótica marxista, mas o próprio modo pelo qual essa mesma ótica condiciona a sua
escritura a submeter a historiografia literária à “superestrutura econômica”.

Não raro, após longas descrições do cenário político-econômico brasileiro que consomem grande parte das
laudas da Breve história da literatura brasileira, encontram-se ocorrências como a observada: “Quanto à
literatura de meu país...” e é justamente nesta medida que transparece a já tradicionalmente observada visão
da literatura como “espelho do mundo”, comum à historiografia literária tradicional e que irá conduzir um dos
postulados da crítica presente na exposição das obras literárias brasileiras, em que são exploradas como
resultantes “da reação da faculdade mestra de um escritor. Tal faculdade-mestra consiste na essência de
ordem psicológica e na forma de espírito original que caracterizam a obra de determinado escritor. Sua
explicação não se pode limitar ao estado interior, abrange outros conhecimentos, sobretudo o sociológico.” (5)

Dessa crítica determinista, que aparece na obra também recheada de critérios biográficos, emergem eleições
de modelos, como em:

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Se eu tivesse de escolher um só livro na literatura brasileira para ser traduzido em outras línguas
como representante de meu país e de meu povo, certamente seria Os Sertões. É de fato nosso
maior clássico. Fornece a chave mestra da alma brasileira (...). Mostra, com uma semelhança
quase fotográfica, uma paisagem trágica, tanto geográfica quanto humana (...). É cheio de
simpatia e compaixão pelo oprimido. E é um livro surpreendentemente “novo” e atual, porque
muitos dos problemas que apresenta e discute ainda carecem de solução. (p. 94)

Há a permanência dos critérios de meio, raça e momento histórico bebidos em Hipólito Taine e balizadores da
historiografia literária brasileira, que deve ter constituído as fontes das quais Érico Veríssimo se valeu para a
escritura da Breve história da literatura brasileira. Mas existem momentos em que extrapola a crítica
sociológica, chegando a um biografismo extremo que emerge nas analogias de traços literários das obras de
determinados autores, utilizando seus traços físicos ou temperamentais como elemento de comparação para
caracteres literários. Alguns trechos são recheados dessa tendência:

Anjos e arcanjos povoam os versos marcantes de Murilo Mendes (...) é ele mesmo anjo e
demônio alternados. Deus e o sexo parecem ser os dois pólos magnéticos de seu ser complexo e
irrequieto (...). Com seu rosto alongado, chispantes olhos escuros e lábios cheios, Murilo Mendes
me lembra um monge espanhol pintado por Zurbarán. (p. 130)

Ou ainda, tratando da poesia de Cruz e Sousa, Veríssimo recai nos reducionismos raciais já “clássicos” sobre o
poeta simbolista, ressaltando que “Era negro e tinha uma alma sofredora” (p. 83) e que, as referências a
palavras do campo semântico da cor negra “talvez sejam uma alusão à cor de sua pele.” (idem). Veja-se
ainda:

Álvaro Moreira. É um sujeito robusto e baixote, nariz recurvo, rosto carnudo e grandes óculos de
aros de tartaruga. Escreve em meios tons. É irônico, sim, mas também cheio de ternura (...). Vive
num universo próprio, o que não significa que viva numa torre de marfim. Nada disso. Preocupa-
se com os problemas humanos. Ama os seres humanos. (p. 126)

Esta preocupação com os problemas humanos, ou o comprometimento do escritor para com a realidade
extraliterária como condição à validade da produção artística constitui o cerne ideológico fundamental do
discurso de Veríssimo. Tal característica pode ser identificada ao radicalismo de Th. W. Adorno, sobre a arte
substancialmente descomprometida ou apartidária: “Escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro, e
isso corrói até mesmo o conhecimento de por que hoje se tornou impossível escrever poemas.” (6).

Reflexo da mesma guerra e da crença evolucionista, na sua permanência desde o século anterior, o
partidarismo presente na escrita da obra chega a um matiz apregoador que leva o autor a rechaçar escritores
que não se enquadram em tal diretriz ideológica:

Ainda nos anos 30, Álvaro Lins aparece como um dos principais críticos do país (...). Só encontro
nele um defeito, que pertence ao homem, mas às vezes prejudica o escritor. Refiro-me ao seu
esnobismo (...). Em geral zomba de todos os escritores conscientes do social que pensam ser
possível construir um mundo melhor para os oprimidos. (p. 122)

O que, no outro pólo, o leva a eleger como modelos exemplares de cada período literário os escritores que
estariam conscientes de suas função: “a maior figura de todo o período romântico foi Castro Alves, o primeiro
de nossos poetas conscientes do social.” (p. 53)

O direcionamento do recorte canônico efetuado por Érico Veríssimo pode, desta forma, ser explanado através
das palavras de Wendell W. Harris, no comentário que faz sobre a teórica Barbara Herrnstein Smith (7): “Toda
la valoración de um texto literario es, en realidad, um juicio sobre lo bien que el texto em cuestión satisface
las necesidades cambiantes de los individuos y las sociedades, es decir, lo bien que realiza funciones
especificas.” Mais precisamente, trata-se de expor as obras que cumprem a função de “espelhar a realidade”
(como se fosse possível) ou, mais ainda, de questionar através do discurso artístico a realidade exterior à
obra – política, social – opressora: “trata-se sempre de colocar a obra estudada em relação com alguma outra
coisa, um alhures da literatura.” (8).

Porém, em tal recorte canônico, também há a presença de um critério a mais que aponta para o traço
distintivo que faz da obra em questão uma escrita historiográfica literária peculiar e que constitui o caractere
essencial que se pretende expor neste ensaio e parte de seu título. A pessoalidade como um dos vetores a
impulsionar a escrita de histórias da literatura é fato atestado e inegável, posto que a pretensão de total
objetividade em qualquer produção humana se mostra como quimérica aspiração de um positivismo cego; e
não constitui novidade, Perkins afirma: “Desejos conscientes e inconscientes têm seu papel na história
narrativa da literatura. É óbvio demais mencionar que nossas emoções encontram satisfação ao escrever (e
ler) uma história da literatura” (9). A pessoalidade por si só não constituiria o grande diferencial da obra, não
fosse a explicitação, durante o discurso que se vai construindo, da consciência de tal influência através de
uma estrutura metadiscursiva. Isto, em uma história literária escrita na primeira metade do século XX,
quando ainda não se haviam instalado todos os anseios teóricos provocados pela chamada “crise da verdade
histórica” constitui a grande inovação.

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Pode-se, para ilustrar de forma sucinta a constituição dos comentários presentes na obra, dividi-los em três
classes de discurso: uma primeira, referente às passagens em que é tratada a história política e econômica
brasileira; uma segunda, que abarca as passagens constituídas pura e simplesmente por assertivas de valor
estético; e uma última, reservada a reflexões de caráter metatextual. Com relação às duas primeiras, ocorre
uma relação de inversa proporcionalidade, na qual a abundância de referências a acontecimentos relativos ao
panorama político e econômico sobrepuja-se quantitativamente aos momentos de crítica literária
propriamente dita. Tal relação é presumível, dado o conceito de literatura com raízes marxistas subjacente à
escritura.

Quanto à última classe, encontram-se interessantes passagens metadiscursivas. Há as que apresentam um


certo diletantismo, que acompanha a abordagem da literatura efetuada por Érico Veríssimo em uma crítica
que, além de suas nuanças biográficas e deterministas referidas linhas atrás, integra também critérios de
bases relacionáveis ao jugo impressionista, como em:

Devo confessar – para pôr fim a essa dissertação informal sobre poesia – que meus poetas
favoritos são Cecília Meireles e Mário Quintana. Na minha opinião, o que os faz especialmente
notáveis é seu agudo senso das palavras (...). Penso que seu segredo está no modo como
combinam as palavras. (p.132)

Trecho este que apresenta o que se poderia chamar de “achismo” honesto, posto que as afirmações, ao
mesmo tempo em que carregam o peso da ausência de critérios à análise do objeto artístico, trazem consigo,
no próprio discurso o mea culpa constituído pela explicitação de tal ausência de critérios – daí o adjetivo
“honesto” – contida nos tópicos frasais: “Devo confessar”, “Na minha opinião” e “penso”; portadores de uma
espécie de “atestado de reconhecimento” da parcialidade do que é afirmado.

Há também, visível à superfície, o discurso na primeira pessoa gramatical, constante em toda a escritura e,
há que se ressaltar que a consciência da parcialidade pela influência de sua pessoalidade é explorada pelo
próprio autor na introdução da obra:

(...) muitas das passagens citadas neste livro não foram escolhidas por serem as mais
representativas de seus autores ou épocas, mas apenas porque produzem boas gargalhadas ou
uma leitura agradável (...) não sou um crítico, mas um contador de histórias. Essa não é uma
versão sem preconceitos da literatura (...) não tomei o lugar de Deus; contentei-me com o de um
leitor comum, que às vezes pode estar errado, mas que não pretende jamais trair seus próprios
gostos e desgostos. (p. 13-14)

A passagem, de certa forma, tende a constituir um discurso de legitimação do próprio discurso da obra, na
medida em que postula que, embora parcial, a escritura é efetuada sob o lume da consciência de tal
parcialidade. Tal fato vai ao encontro do que David Perkins escreveria quatro décadas depois, em sua
proposta para a história narrativa da literatura no que concerne à problemática da subjetividade, plasmada,
no discurso de Perkins, nos desejos conscientes e inconscientes que impulsionam a escrita de histórias
literárias: “Se tenho algo a defender no item desejo, é apenas a moralidade comum; o que significa que os
historiadores da literatura deveriam estar conscientes de quaisquer desejos que os motivem.” (10)

Em importantes insights, constrói-se toda uma rede reflexiva sobre a escritura historiográfica, realizada
durante a mesma, com interessantes momentos de metahistória que vão desde a discussão sobre a
necessidade do distanciamento temporal, que possibilita o olhar amplo sobre o objeto histórico; até a
discussão sobre a relatividade dos marcos históricos. Com relação ao distanciamento temporal, Veríssimo
lança a questão relativa a toda narrativa histórica para, de certa forma, justificar as marcas de sua escritura
em particular. Recorrendo à metáfora de um aviador que sobrevoa uma ilha e que, quanto mais próximo está
dela, menor lhe fica o campo de visão, o autor trata dos empecilhos relativos ao olhar sobre a literatura de
sua contemporaneidade:

Quando se fala dos séculos passados, tem-se o ponto de vista do homem do avião, olhando para
baixo, de uma grande altitude, para a ilha. O tempo é o seu maior aliado e conselheiro: já fez sua
escolha confiável (...). Mas, quando tentamos estudar a literatura de nosso próprio tempo, falta
uma boa perspectiva temporal, porque se está perto demais do assunto. (p. 97)

Volta a ser novamente possível a associação dos preceitos levantados por David Perkins na década de 80 com
o já presente na Breve história da literatura brasileira em caráter metahistórico, quando a pauta é a
relatividade dos marcos temporais na atividade do historiador. Perkins afirma: “Ninguém pensa que o
Romantismo inglês realmente começou com a publicação das Baladas Líricas em 1798, ou a literatura alemã
com a Hildebrandslied: esses momentos inaugurais são convencionais e histórias da mesma literatura podem
escolher diferentes pontos de partida.” (11)

Embora, usualmente, tal convencionalidade e escolha não sejam explicitadas nas histórias da literatura, que
apresentam geralmente esses marcos (mesmo quando diferentes entre uma e outra obra sobre o mesmo
sistema literário) como “a verdade”, na história literária escrita por Veríssimo, a questão contida no discurso

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de David Perkins já aparecia, recheada por uma dicção irônica, desvelando o “caráter relativo” da própria
escritura:

(...) seria muito mais conveniente para os historiadores se pudessem declarar ou escrever, por
exemplo, que a Idade Média ou a Renascença começaram no dia 14 de agosto, às quatro horas da
tarde em tal e tal ano. Para infelicidade dois ensaístas e felicidade dos romancistas, os fatos da
vida, como os caprichos da alma, recusam-se a ser rigidamente arquivados e rotulados. É por isso
que, ao escrever ou falar sobre acontecimentos históricos, cumpre usar com freqüência, senão
todo o tempo, a expressão “mais ou menos”. (p. 15)

E, na prática, o postulado levantado pelo autor no trecho acima realmente é reiterado durante toda a escrita,
quer seja através de uma retórica metatextual intrínseca à construção do discurso desta história literária e,
em certa medida decorrente de sua própria origem discursiva – conferências que necessitavam, para seu bem
transcorrer, de “estratégias de sedução do público”; quer seja por meio de passagens inundadas de
metahistória e pessoalidade que, ao constituírem o relato da experiência particular de Érico Veríssimo com
relação à construção do discurso histórico e, por conseguinte, das reflexões do autor conseqüentes dessa
experiência, acabam por constituir também, em um desdobramento metonímico, reflexões sobre
problemáticas imbricadas em toda escrita histórica.

Nesse âmbito, encontram-se instigantes passagens, como a reflexão sobre a limitação de toda tentativa
taxonômica com relação ao objeto artístico. Presença um pouco suave, sem uma total consciência da
problemática, que seria contraditória em uma história literária que divide a literatura em períodos unificados
por tendências gerais, mas de interessante apresentação discursiva: “Agora percebo: os poemas de
Drummond de Andrade que acabo de citar não se comprometem nem com Deus nem com os oprimidos, o
que prova ser mais fácil classificar borboletas do que poetas.” (p.128). Esta passagem sucede toda uma
teorização dicotômica da poética brasileira contemporânea a Veríssimo, que a divide em dois caminhos
contrapostos, que inclusive intitulam o capítulo da obra – “Entre Deus e os oprimidos” (cap. 11) –
transparecendo a permanência do cunho relativista exposto como postulado essencial pelo autor no princípio
da obra, em uma atitude de matiz um tanto autodestrutivo: apresenta, após a defesa prolongada de uma
tese, a antítese que a pode derrubar. Por outro lado, pela própria forma como expõe tal antítese, visto a
defesa do “mais ou menos”, constitui ironicamente, o próprio pilar que segue a sustentar seu discurso.

Assim, no plasmar desse relativismo do “mais ou menos”, junto à sua explicitação, legitimam-se os
procedimentos utilizados por Veríssimo no concatenamento dos fatos literários – quase sempre, senão
sempre, condicionados à macroestrutura sócio-política –; nos critérios de valoração e no recorte canônico,
estes até certo ponto balizados por um jugo diletante. Tais procedimentos, na sua exposição metahistórica,
carregam a explicitação do caráter parcial e partidário comuns a toda escritura sobre o passado, mas não
assumido na maioria delas, que mantém esse inevitável pressuposto como “um segredo que não deve ser
revelado”, muito embora se saiba que “para muitos leitores, parecerá mais apropriado que um historiador da
literatura seja fortemente partidário porque, dessa forma, revela a perspectiva dos escritores que são seu
assunto” (12). Se não o faz, ao menos revela a sua perspectiva em particular, possibilitadora de uma margem
mais ampla para a visualização do leitor da história literária, que passa a ter em mãos o narrado enquanto
uma visão do passado, aumentando de certa forma a credibilidade dessa visão. Observe-se a exposição da
problemática fundamental da narrativa historiográfica através da exposição metahistórica da vivencia pessoal
de Érico Veríssimo:

Certo dia escrevi a história da pré-história na forma de um romance para leitores juvenis. Diverti-
me à grande escrevendo o livro, mas às vezes o romancista que há em mim se rebela contra os
fatos científicos. Quando se escreve uma história, tenta-se dirigir, como uma espécie de pequeno
deus, todas as personagens, obrigando-as a dizer e fazer o que se acha necessário para o
desenvolvimento do enredo. (p. 98-99)

Para concluir, é possível, com o até aqui exposto, dividir-se a Breve história da literatura brasileira de Érico
Veríssimo em três elementos constituintes de sua escritura. O primeiro consistiria na história política e
econômica que, além de constituir o elemento com o qual se “explicam” os acontecimentos literários, em uma
relação causal; constitui também parte do assunto tratado por Veríssimo que, junto à apresentação da
literatura de seu país aos americanos, busca apresentar o próprio país: seja através da narração de fatos
históricos propriamente ditos, seja por meio da literatura brasileira: “Querendo conhecer a vida e o povo de
São Paulo, deve-se escolher um dos livros deliciosos de Antônio de Alcântara Machado, que estão apinhados
de personagens vivas, tipicamente paulistas.” (p. 150)

O segundo elemento seria formado pela abordagem efetuada na literatura em si, seus recortes: a crítica e o
cânone conduzidos na obra principalmente, além da influência da tomada de partido ideológico, pelo gosto
pessoal do autor e quando efetuada “por convenção” ou “tradição”, forçosamente, de algum modo é
explicitada tal situação; como ocorre na conclusão do capítulo 10, “Uma literatura chega à maioridade”: “E
aqui encerro este capítulo com a vaga sensação de que recém terminei de copiar um guia telefônico...” (p.
126)

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O último elemento enfim – talvez o mais interessante, pois peculiar – é sua história própria. A vivência do
autor na escritura historiográfica literária, na pessoalidade de uma escritura metahistórica. E como já fora dito
na escritura da própria por Érico Veríssimo, a Breve história da literatura brasileira “não é uma versão sem
preconceitos da literatura” (p. 14). Não é tampouco uma obra inovadora no que diz respeito à sua
constituição formal – identificável à tradição da historiografia literária fundada no Romantismo. Mas é uma
história da literatura brasileira que, por apresentar em meio ao comum dos procedimentos da historiografia
literária, os índices dos reflexos da vivência da escritura pelo autor, em metahistória e pessoalidade constitui
um precedente interessante das discussões sobre a escrita de histórias da literatura que povoam a nossa
atualidade.

Notas

(*) Mestrando em História da Literatura (FURG).

(1) BORDINI, Maria da Glória. Um contador da história da literatura. In: VERÍSSIMO, Erico. Breve história da
literatura brasileira. Trad. Maria da Glória Bordini. São Paulo: Globo, 1995. p. 156-157.

(2)VERÍSSIMO, Erico. Breve história da literatura brasileira. Trad. Maria da Glória Bordini. São Paulo: Globo,
1995. As demais referências a esta edição estão indicadas no corpo do texto pelo número da página entre
parêntesis.

(3) PERKINS, David. História da literatura e narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS,
Porto Alegre, v. 3, n. 1, mar. 1999. Série Traduções. P. 3.

(4) Idem.

(5)SOARES, Angélica M. Santos. A crítica. In: SAMUEL, Rogel (org.). Manual de teoria literária. Petrópolis:
Vozes, 1984. p. 94.

(6) Apud: GAGNEBIN, Jeanne Marie. A (im)possibilidade da poesia. Cult, São Paulo, n.23, jun. 1999. p. 48. A
frase refere-se aos massacres a judeus nos campos de concentração nazistas.

(7) HARRIS, Wendell W. La canonicidad. In: SULLÁ, Enric. (org.). El canon literario. Madrid: Arco, 1998.

(8) BARTHES, Roland. Apud: SOUZA, Roberto Acízelo de. História da literatura. In:__. Formação da teoria da
literatura. Inventário de pendências e protocolo de intenções. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; Niterói:
Universidade Federal Fluminense, 1987. p. 84.

(9) PERKINS, David. Op. cit. p. 4.

(10) Idem. Ibidem. p. 4.

(11) Idem. Ibidem. p. 10.

(12) Idem. Ibidem. P. 5.

Referências bibliográficas

GAGNEBIN, Jeanne Marie. A (im)possibilidade da poesia. Cult, São Paulo, n.23, jun. 1999. p. 48-51.

HARRIS, Wendell W. La canonicidad. In: SULLÁ, Enric. (org.). El canon literario. Madrid: Arco, 1998. p. 37-
60.

PERKINS, David. História da literatura e narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS,
Porto Alegre, v. 3, n. 1, mar. 1999. Série Traduções. p. 1-23.

SOARES, Angélica M. Santos. A crítica. In: SAMUEL, Rogel (org.). Manual de teoria literária. Petrópolis: Vozes,
1984. p. 90-128.

SOUZA, Roberto Acízelo de. História da literatura. In:__. Formação da teoria da literatura. Inventário de
pendências e protocolo de intenções. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; Niterói: Universidade Federal
Fluminense, 1987. p. 62-85.

VERÍSSIMO, Erico. Breve história da literatura brasileira. Trad. Maria da Glória Bordini. São Paulo: Globo,
1995.
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http://www.criticaecompanhia.com.br/alberto.htm 5/5

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