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relações SOCiaIS e, no interior destas, o êxito da legitimação depende do avanço do sistema capitalista e impõem-se por toda a parte.

Todos
não só do poder coercitivo exercido, mas também de um quantum os espaços sociais se tornam espaços políticos (e contraditórios) das
satis de consenso obtido. Por isso, a hegemonia na sua relação com relações de dominação, isto é, adquirem o caráter de uma política cuja
a educação ganha papel relevante, já que se trata de uma direção finalidade é bem mais a reprodução das relações de produção do que
ideológica e política das classes dominantes sobre as demais, através o lucro imediato ou o crescimento da produção.
das agências ditas privadas da sociedade civil. Essa política de dominação, que implica o aprofundamento da
A educação, concebida na totalidade social, é elemento dessa tota- exploração mediante a manutenção das relações sociais, exige a pre-
lidade e como tal expressa a produção humana. A totalidade social sença do Estado. Este adquire especial importância e função com o
é formada pela unidade da estrutura econômica e da superestrutura e novo papel que passa a assumir no contexto da divisão internacional
ambas se ligam ao trabalho e à práxis social. As perguntas ligadas à do trabalho.
educação, tais como: como é ela exercida? Quem a detém? Qual sua
o Estado, entendido não apenas como organização burocrática
função na estrutura social? Como ela é dividida nas diferentes insti-
de poder, mas como uma estrutura reguladora do sistema capitalista,
tuições sociais?, decorrem de como se dá essa unidade numa forma-
serve aos desígnios das classes sociais que dele se apossam e através
ção social. E só com base em suas contradições podem ser explicadas
dele exercem a hegemonia legitimadora da dominação.
mais amplamente. Assim, no caso da escola, as relações de classe
são anteriores (não no sentido regressivo ou cronológico) a ela, em- No contexto do capitalismo monopolista, o papel do Estado se
bora mantenham com a mesma relações necessárias, ininteligíveis fora redefiniu, no sentido de ser uma instância reguladora e organiza dor a
das relações de classe. As relações de classe determinam as relacões do modo de produção capitalista, que se torna agente econômico no
dentro da escola porque interiores a ela. > próprio mercado, especialmente nos assim chamados países subdesen-
volvidos.
Nada há de depreciativo nesse papel determinado exercido pela
educação, mormente se comparado ao papel de terminante da infra-es- Nesses países, o Estado, com sua estrutura burocrática, tende a
trutura. A educação, embora de gênero e função específica, é produto perder o caráter ambíguo de apenas regulador da economia e árbitro
humano e conservará o caráter dialético dos fenômenos existentes na da sociedade. Redefinido como pressuposto geral da produção, tenta
estrutura social. Assim, ao mesmo tempo que expressa a estrutura, pode criar e manter as condições de acumulação. Por outro lado, o próprio
ocultá-Ia. De outro lado, a estrutura social gera novas exigências para processo de acumulação e concentração gera uma série de tensões, que
a educação, que ao captá-Ias antecipa um modo de ser futuro, que desafiadoramente impõem ao Estado a função de manter um certo
determina tarefas para o presente. equilíbrio político e uma forma de harmonia social que satisfaçam
certos interesses das classes dominadas, desde que se mantenham nos
Se no primeiro capítulo o caminho percorrido foi o da contra-
limites permitidos pelas classes dominantes. O capitalismo monopo-
dição à hegemonia, isto é, da natureza essencial do movimento aos
lista, não prevendo e nem podendo controlar totalmente os efeitos
diferentes momentos reveladores do mesmo, agora a via é inversa.
cumulativos da reprodução ampliada, busca mecanismos políticos de
Pretende-se ver como a educação se articula com a hegemonia, para
controle que permitam corrigir ou atenuar os desequilíbrios decorren-
aos poucos ir reapresentando aquilo que define e orienta a educação:
tes das contradições emanadas do próprio mercado. O jogo dessa fun-
seu caráter contraditório. Essa reapreensão será feita passando pelos
ção contraditória preside à administração, à alocação dos bens e ser-
momentos que a articulam com as relações sociais.
viços públicos e à função técnica e política da educação, por exemplo
quando o Estado define as prioridades ao investir em projetos e ser-
viços que garantam a acumulação pelo aumento da produtividade e
A hegemonia, enquanto direção intelectual da sociedade, é o pela redução do custo da reprodução da forma de trabalho.
momento consensual das relações de dominação. No contexto das rela- Esse último aspecto se expressa pelo processo de socialização dos
ções de exploração, as relações de dominação, especificamente na busca custos, carreando as verbas extraídas de impostos e taxas para a cria-
do momento consensual, tornam-se centrais e principais no contexto ÇÜ0 e manutenção de despesas sociais, previdenciárias, ao mesmo tempo
I
em que é mantido o sistema de apropriação privada dos lucros. Os viável. Quanto mais forte o consentimento, menos necessária a coer-
custos, distribuídos entre todos, garantem uma certa ampliação do çíío e quanto mais débil o consentimento, mais forte a coerção do
consumo de encargos sociais (por exemplo: educação) e uma concen Estado.
tração do lucro para poucos.
"Para assinalar esta reciprocidade necessária entre as duas estruturas,
Essas novas funções contraditórias do Estado condicionam a educa Gramsci emprega o termo Estado (sentido amplo) para designar o
ção. O caráter prioritário dado às áreas cuja valorização é determi aparato 'privado' de hegemonia ou sociedade civil e o aparato de
Estado (sentido estrito) ou sociedade política" (Piotte, 1973: 129).
nada pelo valor de mercado condiciona a segmen tação e hierarquiza
ção da educação, inclusive segundo a lógica do maior retorno e da A relação recíproca entre ambas não é apenas jogo de balança.
socialização dos custos. Os efeitos de uma se inserem no próprio movimento da outra.
Entretanto, a consolidação dessa política econômica necessita de A reciprocidade de relação entre hegemonia e dominação signi-
uma legitimação, e é nessa medida que uma concepção de educação fica que cada função dominante implica a outra como função subal-
integra uma estratégia de poder viabilizadora da acumulação. Essa lerna. Para o Estado, a função dominante é a coerção, e a subalterna
concepção, fazendo uso das instituições educativas, se aninhará na rela- () consentimento. E o pólo secundário da sociedade civil é a coerção,
ção entre as classes sociais cujo dilaceramento pode ser tanto masca- enquanto mantém a hegemonia como pólo fundamental. Quer dizer
rado como desocultado. que, dependendo sempre da correlação de forças existente num dado
Claro que o Estado pode, por meio da ditadura, impor coerciti- momento, a coerção surge como possibilidade sempre que a abertura
vamente a consolidação de uma tal política. Mas essa forma de go- (ou as conquistas por parte das classes subalternas) implique a perda
verno tem seus limites nas contradições que pretende reprimir nas de' substancial soma de poder.
respostas à violência organizada. Então, para que a classe dirigente apresente o Estado como orga-
A consolidação da redefinição do Estado vai além de seu papel nismo do povo em sua totalidade, necessita fazê-Io tomar a seu cargo
econômico e repressivo. A consolidação abrangente carece de uma ulguns dos interesses dos grupos dominados. E isso possibilita que
ideologia legitimadora que estabeleça a dominação a nível de consenso t:ertas leis que atendem a alguns interesses das classes subalternas se
(arrancado ou compartilhado). O Estado capitalista, ágil e eficaz, rede- wnvertam em instrumento de consentimento. A força se faz também
fine sua dominação no sentido de uma hegemonia social, buscando um ideológica já que a representação das leis deve ser interiorizada por
pacto político com as classes subalternas. indivíduos, a fim de que se converta em hábito e costume.

"O público se constitui então, no lugar de apaziguamento das tensões Essa função hegemônica que a classe dirigente exerce na socie-
emergentes da esfera privada e, em nome dessa função, questiona, dade civil dá ao Estado a razão de sua representação como universal
restringe ou mesmo suprime certos interesses privados, que possam c acima das classes sociais. Entretanto, quanto mais desfavoráveis às
importar na exasperação dos antagonismos sociais" (Vianna, 1976: 24). dasses dirigentes forem os fatos, tanto mais deverão estas desenvolver
Na perspectiva de Gramsci, o Estado é a união dialética da socie- ~eu aparato ideológico para conservar sua hegemonia no interior da
dade civil com a sociedade política, da hegemonia com a coerção. ~ociedade civil. Isto é, a manutenção da representação do Estado (uni-
À sociedade civil cabe a função de hegemonia e à sociedade política versal) em contradição com seu conteúdo (classista) o fará buscar,
a função de dominação (normas, leis, polícia, exército, cadeia, etc.). na sociedade civil, os recursos para essa mesma manutenção.
Essa distinção metodológica é importante, pois, a nível da sociedade Na busca dos recursos para essa manutenção, a educação ocupa
civil, processam-se condições para reprodução e/ou ultrapassagem po- papel importante. Entendendo-se a educação como um processo da
lítico-ideológica de uma estrutura social. Essas condições são elabo- concretização de uma concepção de mundo (nesse sentido, bem mais
radas nas instituições ditas privadas. As funções de direção e domi- nbrangente do que uma só instituição ou do que o modo de fazê-Ia),
nação se encarnam em dois tipos de estruturas distintas (não divididas), os interesses particulares dominantes, matrizes determinantes do poder,
isto é, sociedade civil e sociedade política, mas são funções comple- (entam ocultar, no que seria público, o privado, uma vez que se
mentares. Entre força e consentimento se estabelece um equilíbrio npropriam do público, e o fazem em nome do universal.
Assim a educação, escolar ou não, nutre-se de uma ambivalência:
o veículo possível de desocultação da desigualdade real se torna tam-
bém veículo de dominação de classe.
A questão das relações entre educação e reprodução aparece como
No caso da escola, o Estado, enquanto momento de hegemonia, momento importante dessa referência ao processo de produção e às
de um lado se obriga a ceder esse direito a todos, mas de outro pro- relações hegemônicas. Não se trata apenas de relacionar a educação
clama a universalidade da educação como forma de ascensão do indi- com a reprodução dos meios de produção, mas, fundamentalmente, com
víduo. A tônica da educação infletindo sobre o indivíduo isola-se mais a reprodução das relações de produção.
da política, coloca-a na ordem do privado (embora com função social). Obviamente a reprodução só se dá no caso de as relações de
Nesse duplo movimento, o privado (de classe) se publiciza (na pro- produção próprias ao capitalismo já se terem implantado. À base dessas
clamação) e o público se privatiza, e se lança sobre o indivíduo o relações já produzidas é que se envidam esforços no sentido de repro-·
possível fracasso ou sucesso de sua ascensão, veiculando-se um modo duzi-Ias e confirmá-Ias, pela concessão de uma legitimação social. Con-
de p.ensar .que redefine as relações de classe em função de uma hege- tudo, a dinâmica do capitalismo não só lhe confere o poder de manter
moma. Veja-se, por exemplo, a questão da linguagem sobre a educação. ou reproduzir relações de produção, mas também o poder de produzir
Na linguagem dominante referente à educação não ocorre o mesmo novas relações. De modo que a categoria de reprodução só pode ser
que nas relações econômicas. Nestas a própria ordem jurídica já veicula levada em consideração a partir de sua relação com o processo real
da constituição das relações de produção.
uma linguagem em que os indivíduos são qualificados pela função que
ocupam na vida econômica. No caso da educação escolar, a linguagem A educação associa-se à reprodução na medida em que ela é uma
oficial, mesmo admitindo problemas de ordem econômica interferindo das condições que possibilitam a reprodução básica dessa relação, em
no desempenho do aluno, fará uso de expressões que neguem a exis- termos dos lugares sociais ocupados pelas classes sociais. Ao mesmo
tência da contradição. Por exemplo: repetência/evasão x seleção. tempo, possibilita uma certa confirmação dos antagonismos nascidos
da relação básica, pelo momento consensual.
Este papel hegemônico da educação não nega o papel determi-
nante da estrutura econômica. Pelo contrário, as relações de domi- A educação contribui para a reprodução das relações de produção
nação (e dentro delas a educação) só contribuem efetivamente para enquanto ela, mas não só ela, forma a força de trabalho e pretende dis-
a reprodução das relações sociais e sua consolidação caso se tornem seminar um modo de pensar consentâneo com as aspirações dominantes.
elementos mediadores entre a estrutura econômica capitalista e a con- Isso se dá pela mediação de práticas sociais que concorrem para a di.
quista de um espaço: o da consciência e do saber, ambos transforma- visão do trabalho, entre as quais as práticas escolares. Evitando a con-
dos em forças produtivas. jugação teoria/prática, impedindo o desenvolvimento de uma ideologia
As relações de do~inação, razão de ser das relações sociais, própria do operariado, enfim, evitando a democratização do ensino, a
ocupando um papel principal no conjunto da reprodução das relações burguesia procura impor a sua própria ideologia ou então uma ideologia
de produção, não são, pois, o último degrau da existência social, senão regressiva, a fim de manter a relação capital/trabalho (Warde, 1978:
39-61).
enquanto são também relações de produção. No processo de produção
~os b~ns materiais, _as relações de dominação assim o são enquanto Essa reprodução representa, na verdade, defesas contra aquilo que
mtenclOnam as relaçoes de exploração que pretendem assegurar, e, no a educação tem de democrático. Tais defesas são limitadas e continua-
caso da educação, pretendem assegurar-se pela ocultação das mesmas. mente postas em causa, porque o desenvolvimento da educação se liga
Dessa forma, não se pode autonomizar ou dicotomizar as relacões no desenvolvimento geral do sistema sócio-econômico e de suas contra-
sociais de produção e o processo de produção, sob o risco de apree~der dições.
de modo arbitrário o conjunto das instituições sócio-culturais. Com-
Diante das contradições que lhe são imanentes, o sistema capita-
preender a educação em suas diversas modalidades é colocá-Ia refe-
lista tenta defender-se conferindo à reprodução de suas relações uma
rida ao processo de produção, às relações sociais e políticas. O mesmo
capacidade e elasticidade de organização mais sofisticada e eficaz. Além
se diga dos tipos de saber que ela veicula ou transmite.
de tentar integrar a si a classe operária (esta, repartida também em
frações diferenciadas, sem constituir um bloco homogêneo), produzil
que pretende tornar-se um momento alienado dessa prática, a fim de
novos setores, subordinar a si setores anteriores, o capitalismo revolve
llue a acumulação se processe pelas formas mais suaves, seja pela exi-
as instituições e organizações, pondo-as a serviço da reprodução de suas
relações na medida do possível. gência de elementos básicos para as funções exigidas, seja pela docili-
dade à dominação, seja pela ignorância dos processos que mantêm a
Entre as defesas postas a serviço dessa reprodução está a forma dominação. Pois a finalidade da produção capitalista é a manutenção e
como ele trabalha a função técnica e a função política da educação, 11 reprodução da relação que satisfaz o interesse do capital. Este fim,
em suas diferentes versões.
por contradição, estranho ao trabalho, realiza-se pela coação e/ou per-
A função técnica se faz necessária, não a partir de esquemas aprio- suasão.
rísticos, mas a partir de uma estruturação econômica que exige níveis
A função técnica aí implicada diz respeito ao desempenho especí-
hierárquicos e funcionais na divisão social do trabalho. Vê-se, de novo,
fico da educação na sua relação com as necessidades próprias da pro-
que o saber nasce e se intenciona no fazer. Este saber que aí nasce dução. Seu papel é marcadamente instrumental, expressando-se imedia-
não é neutro, pois ele se intenciona para uma organização do trabalho tamente nas qualificações necessárias para uma eficiência na produção.
que deve ser ao mesmo tempo uma técnica de produção e uma forma Assim o são: ler, escrever, fazer as quatro operações. E, de modo mais
de dominação do capital sobre o trabalho. Daí o caráter seletivo desse mediato, essa função se expressa na transmissão do conhecimento retido
tipo de saber.
sob a forma de tradição, valores, crenças, normas e idéias. A função
Na medida que reflete e produz a separação da teoria e da prática, técnica opera na própria base material da sociedade, tornando esse
da cultura e da política, do saber e do trabalho, a função da educação lIspecto instrumental da educação uma força produtiva.
sob a hegemonia burguesa não muda substancialmente. Ela quer a esta-
Se tomarmos a escola como exemplo, vê-se que, pela função técnica
bilização do sistema capitalista através da desarticulação da cultura
ela ensina 1 álgebra, ciências, sem o que a força de trabalho não seria
operária. Por isso, exige-se uma hierarquização de funções no interior
çapaz de desempenhar satisfatoriamente o seu papel na indústria mo-
da empresa, cujo suporte não é só a qualificação dos trabalhadores
derna. A escola tem de acolher conhecimentos técnicos e gerais que
que exercerão funções de controle. É também a necessidade de retirar
lItingem a realidade atual, abrindo espaço às análises científicas que
da totalidade dos trabalhadores a capacidade de controle dos meios de
produção: demolem concepções arcaicas sobre a realidade. Há uma necessidade
de proporcionar conhecimentos válidos ao lado da necessidade de neu-
"É que a real natureza de classe da escola tem a ver com a separação lralizar a ideologia da classe subalterna.
que ela introduz entre 'cultura' e produção, entre ciência e técnica,
entre trabalho manual e trabalho intelectual" (Lettieri, 1976: 227). Assim, essa função também está sob o signo da contradição, ao
O capitalismo de hoje não recusa, de fato, o direito de educação à exigir homens de iniciativa, responsáveis, competentes na sua especia-
classe subalterna. O que ele recusa é mudar a função social da mesma, lidade, mas, ao mesmo tempo, dóceis ao sistema capitalista.
isto é, sua função de instrumento de hegemonia. A educação como Quando Marx fala da obrigatoriedade de repor a educação escolar
uma forma de apropriação do saber não o torna um elemento anódino. (Marx, 1968: 558-560), entende que as novas tarefas exigidas pelo pro-
Envolto por uma direção, o saber responde a interesses cujas raízes (:csso industrial obrigam o desenvolvimento de qualidades de raciocínio
residem na necessidade de manter uma estruturação econômico-social que r de sistematização. O operário, a nível profissional, deve saber codi-
o torne uma força produtiva sem pôr em risco a organização social do ficar e decodificar mensagens recebidas, que exigem o uso de estímulos
trabalho. lIumerosos e complexos.
Assim, ao se colocar a função técnica, o desenvolvimento e aper- Com a modernização, própria do avanço do modo de produção, a
feiçoamento de hábitos básicos, a sistematização do saber em vista de IlIllümação libera o trabalho manual em função de tarefas de vigilância,
sua transmissão ensejam, na ligação cultura e produção, a adaptação
à divisão hierárquica do trabalho. o sentido etimológico do termo ensino é revelador. O termo é composto
de signum + o prefixo in. É o signo de algo ou de alguém que pretende
Se o saber é um momento da prática dos homens, pode-se per- levar para (in) um outro e com isto subordiná-lo à sua órbita. Na medida
guntar se o saber transmitido pela educação não é um tipo de saber l:ffi que o outro é a outra classe, o en-sino não se insinua por adição, mas
por contradição.
controle, manutenção, reparação. Tudo isso exige mais do que instru- "~ ao nível do Estado político que se situam os pensamentos estraté-
gicos que utilizam bem ou mal, consciente ou inconscientemente, as
ções elementares; exige conhecimentos e aptidões genéricas, que o ensi-
forças econômicas, sociais, ideológicas e políticas, de que os atores
no pode condicionar. dispõem" (Lefebvre, 1973: 90).
Pelo ensino, os operários podem ficar melhor inteirados do como A ideologia, constituída no poder político mediante o próprio Esta-
da produção. E guarda a possibilidade de revelar o porquê de todo o do, torna seus os temas de ensino. Ou seja, esses temas são carregados
sistema produtivo, possibilidade essa não-realizável sob o capitalismo de intencionalidade e valor. 3
sem que este se negue a si próprio. A função técnica passa a adquirir
f: por essa via que os temas de ensino implicam o posicionamento,
dupla importância: como instrumento de capacitação e como instrumento i
a intencionalidade e a implantação de uma problemática (ou pseudo-
de fermentação.
problemática) que se conjuguem com os vínculos estabelecidos entre a
A escola quer formar, quanto à classe subalterna, o cidadão dócil classe dominante e as idéias dominantes. E é por isso que a dominação
e o operário competente. A coesão que quer tirar dessa contradição se não se expressa como tal. Sua presença se faz na definição da política
autoproclama na escola como transmissora de conhecimentos apolíticos, que organiza o poder central e na análise das relações de classe.
acima e por cima das classes, a serviço de todos e voltada para o aten-
Essa intencionalidade não quer dizer a vontade individual dos
dimento do potencial de cada um como indivíduo. Por isso, a função
agentes sociais como tais, especialmente dos governantes, pois ela se
técnica não se funda em si, e nem se resolve nela mesma. Ela se dis-
insere nas relações sociais. f: no conjunto destas que se pode falar de
tingue (didaticamente) da função política, mas não está separada dela.
uma estratégia cuja maior ou menor clareza pode ou não estar presente
Sua inteligibilidade in totum se explicita na intencionalidade que emerge
na consciência dos protagonistas.
da própria prática social. A função técnica liga-se indissociavelmente à
função política, e é por essa envolvida e assumida. Esse envolvimento,
de acordo com o ponto de vista de classe, situa o educativo no político
e o refere ao econômico. 2
A prática sócio-política recobre e significa a função técnica e de A unidade fundamental entre as relações de produção e as forças
modo duplo: mantendo a situação de exploração, de dominação, e re- produtivas, como duas realidades di aIeticamente diferentes, e as suas
presentando tal situação concreta de exploração e de dominação sob articulações com a superestrutura constituem a totalidade social. O ca-
forma dissimuladora. Separa como múltiplo e diviso o que não é senão ráter dessa totalidade se mostra diferente, segundo as especificidades
uno e contraditório, contribuindo com isso, e de modo eficaz, para a históricas de cada formação social.
manutenção da própria situação. A ideologia cumpre uma função polí- Essa articulação entre a estrutura e a superestrutura é possível de
tica ligada à própria prática social. A educação, ao se produzir e repro- ser entendida numa perspectiva dialética quando se supera o uso da
duzir no seio da práxis social, varia em sua função política segundo o noção de causa pela de mediação, que não considera apenas uma direção
tipo de formação social e, dentro dessa, segundo a correlação de forças determinística unidirecional, mas as relações que se estabelecem reci-
existentes entre as classes em um momento historicamente considerado. procamente. A mediação como categoria auxilia a compreensão dessa
articulação, já expressa por Marx:
A função política dominante é controlada pelo poder de Estado.
Este, ao nível da sociedade política, formula e chama a si as definições "Nas minhas pesquisas cheguei à conclusão de que as relações jurídi-
cas - assim como as formas de Estado - não podem ser compreen-
referentes à educação. Essas definições, absorvidas e materializadas junto
didas por si mesmas, nem pela dita evolução geral do espírito humano,
à sociedade civil, tentam desarticular a concepção de mundo da classe inserindo-se, pelo contrário, nas condições materiais de existência, que
subalterna, sujeitando-a à sua própria, pelos mecanismos de dissimula- Hegel. .. compreende o conjunto pela designação de 'sociedade civil';
ção e ocultação. por seu lado, a anatomia da sociedade civil deve ser procurada na eco-
nomia política" (Marx, 1977a: 24).

2. A correlação entre a classe e o ponto de vista de classe frente a uma de


terminada realidade é claramente exposto por Marx no Posfácio da 2.' ediçiill .3. Essa análise já começa a ser produzida no Brasil e tem apresentado alguns
de O Capital, esp. p. 10-12. trabalhos relevantes. Ver Ribeiro (1978) e Freitag (1977).
Além de uma crítica a uma endogenia idealista, Marx aponta para Nessa citação, fica clara a existência de dois movimentos media-
uma outra realidade: a não-existência de uma causalidade direta das dores e que podem ser visualizados na educação.
condições materiais sobre as formas político-ideológicas. As expressões A educação adequa-se como instrumento da acumulação capitalista
de fundo metafórico, inserção e anatomia, indicam a existência de me- ao preparar mão-de-obra, especialistas, técnicos, voltados todos para a
diações interiores à articulação dos dois momentos. Dessa forma, à idéia reprodução ampliada do capital.
de causa, Marx contrapõe a de mediação.
E mais, diz Marx, a renovação constante ... , confere-lhe a apa-
Nesse caso, os termos anatomia e inserção indicam uma cadeia de rência falaz ... (grifo nosso). O que é essa aparência falaz? Quem a
mediações entre os dois momentos que impossibilitam o recurso ao re- produz? Quem sofre esse processo de ilusão? Talvez Marx esteja a
pouso absoluto ou aos dualismos. E, sem dúvida, um dos elos dessa indicar que essa maneira de captar as relações subjacentes às condições
cadeia é a educação, pelo caráter de condução das consciências. materiais ajude a sabotar a verdadeira realidade. Nesse caso, o sentido
antropológico da produção parece indicar o homem, sujeito das relações
A educação possui, antes de tudo, um caráter mediador. No caso sociais, como mediador e mediado no processo social. Conseqüentemen-
concreto da sociedade de classes, ela se situa na relação entre as classes te, a educação, no seu sentido amplo, é mediação porque filtra uma
como momento de mascaramento/desmascaramento da mesma relação maneira de ver as relações sociais.
existente entre as classes.
Por isso a educação torna-se instrumento de uma política de acumu-
Marx teria sugerido que a reprodução da relação capitalista tam- lação, que se serve do caráter educativo propriamente dito (condução
bém é uma mediação. O que abre caminho para outras formas de me- das consciências) para camuflar as relações sociais que estão na base
diação, entre as quais se pode situar a educação: da acumulação. Esse movimento de dar uma aparência una ao que é
diviso ganha sentido quando incorporado pelos agentes frente ao que
"Essa perpetuação da relação entre o capital como comprador, e o
operário como vendedor de trabalho constitui uma forma de mediação se pretende ocultar e perenizar: o processo de acumulação sustentado
imanente a este modo de produção; mas, é forma que apenas formal- por relações sociais de exploração.
mente se diferencia de outras formas mais diretas de submissão do
Esse tipo de conhecimento aparente nasce, então, das relações so-
trabalho e da propriedade, por parte dos possuidores das condições
de produção. Encobre, como simples relação monetária, a transação ciais e são estas que o criam e tentam reproduzi-lo continuamente. O
real e a dependência perpétua que o processo intermediário de compra conhecimento, assim como o trabalho, são uma resposta mediada e me-
e venda renova incessantemente. Não só se reproduzem de maneira diadora às necessidades surgidas no contexto dessas relações. É no modo
constante as condições deste comércio, mas o que um compra e o outro de viver e captar essas necessidades, no contexto das condições mate-
precisa vender é resultado do processo. A renovação constante dessa
relação de compra e venda não faz senão mediar a continuidade da re-
riais de existência, que o homem conhece. O homem jamais se separa
lação específica de dependência. e confere-lhe a aparência falaz de de seus atos. Ele os vive. E nessa vivência a classe dominante tenta
uma transação, de um contrato entre possuidores de mercadorias dota- conduzir as classes subalternas, educando-as mediante a incorporação
dos de iguais direitos e que se contrapõem de maneira igualmente livre. da ideologia dominante sob a forma de senso comum.
Essa relação introdutória apresenta-se, inclusive, como um momento
imanente dessa dominação, gerada na produção capitalista, do trabalho O caráter antropológico da alienação impede a tentativa de expli-
objetivado sobre o vivo" (Marx, 1978: 93-94, grifo nosso). car o conhecimento sem o sujeito. Esse caráter mediado e mediador do
homem está expresso na terceira tese sobre Feuerbach.
Isso quer dizer que há outras formas de mediação imanentes a
esse modo de produção. No caso, as relações de antagonismos entram "A teoria materialista de que os homens são produto das circunstân-
cias e da educação e de que, portanto, homens modificados são pro-
na prática social através de formas fetichizadas que tentam dar uma duto de circunstâncias diferentes e de educação modificada, esquece que
aparência de unidade àquilo que é diviso, ou seja, tentam mascará-Ias. as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que
Entre essas outras formas de mediação, além das relações jurídicas cons- o próprio educador precisa ser educado" (Marx, 1977b: 118).
tituídas, há também formas contratuais, e, sem dúvida, as instituições Se os modos de produção são mediadores entre os homens, os
educativas, que elaboram, expressam e transmitem as mesmas e outras homens mediados podem se converter em mediadores entre a estrutura
relações. econômica e um novo homem. A mediação é ,dialetizada e historicizada.
forma de pensar o real que seja um meio de expressão mais adequado
Esse caráter dialético, para ser tal, deve estar presente na História. E da realidade concreta em que se vai atuar. A educação ajuda a elaborar
estar presente na História é vê-Ia a partir das relações sociais existentes. essa forma de pensar que, convertida em mediadora, torna-se valioso
Sem a existência de homens concretos, determinados, não haveria práxis instrumento de apoio na transformação soéial. Em outros termos: a
e nem filosofia da práxis. apropriação de um saber revelador torna-se' momento de denúncia de
"Como vemos, são sempre indivíduos determinados, com uma ativida- um saber dissimulador das contradições e qnuncia a possibilidade de
de produtiva que se desenrola de um. determinado modo, que entram novas relações sociais.
em relaçõ.es sociais e políticas determinadas. É necessário que, em cada
caso part~cular, a ?b~~rva~ão empírica mostre nos fatos, sem qualquer Essa insistência nas relações sociais tem um sentido. É através delas
especulaçao ou mlstIflcaçao, o elo existente entre a estrutura social que a educação se articula com o todo e é através delas que a educação
e política e a produção" (Marx, 1974: 24, grifo nosso). coopera mediata mas ativamente para (re)produzir relações sociais, ela-
Através da categoria da mediação, a educação se revela como um borando e difundindo a luta entre as concepções de mundo. Contudo,
elo exi~tente capaz de viabilizar uma estruturação ideológica para um a concepção do mundo, que se vê como momento teórico de uma nova
prática social, sai de seu estado meramente teórico para buscar sua
dete~mm~do modo de produção, que, por sua vez, tende a assegurar a
dommaçao de classe pela hegemonia. Em outros termos, ela é um mo- realização como condição necessária, embora não suficiente, para guiar
mento mediador em que se busca e onde se pretende a direcão ideo- a ação transformadora.
lógica da sociedade. Essa direção, quando exercida pela clas>se domi·
nante, visa impedir que os antagonismos de classe existentes no modo
~e p~odução .adquiram o nível de conceituação. Mas como a hegemonia
ImplIca conSIderar elementos da classe dominada, a educação não é o A educacão é uma totalidade de contradicões atuais ou superadas,
lugar de uma reprodução necessariamente dominante da ideologia vi- aberta a todas as relações, dentro da ação recíproca que caracteriza tais
gente. Quando Marx diz que é necessário demonstrar sem mistificGcão relações em todas as esferas do real. A ação recíproca entre essas esfe-
o elo ... supõe que haja tanto quem demonstre;. quanto aquilo que ~eja ras do real se mediam mutuamente através das relações de produção,
demonstrado, e que esse último aspecto seja uma expressão mais verda· relações sociais e relações político-ideológicas.
deira do conteúdo real. Na medida em que a educacão se torna um
As relações soci~is implicam a ação recíproca e contraditória entre
meio de uma expressão coerente e adequada de u~a concepção de
as classes fundamentais. Se tais relações implicam a presença das classes
mundo que se op~nha à mistificação, ela é, antes de tudo, lugar de
dominantes é porque implicam a presença das classes dominadas. A
luta pela hegemoma de classe, pois a efetividade de uma dominacão
essência dessas relações, sob o capitalismo, é de serem relações de luta.
absoluta eliminaria a contradição, condição básica da sociedade de clas-
Esta luta atinge a totalidade da sociedade, afetada pela gestão hege-
ses. A educação como mediação tanto funciona, embora em graus dife-
mônica da classe dominante, cujo fundo social é deduzido da mais-valia.
r~ntes,. para a afloração da consciência, como para impedi-Ia, tanto para
Percebe-se, pois, que as relações sociais são relações econômicas (pela
dIfundu, como para desarticular. '
apropriação da mais-valia), são relações políticas (pela gestão hegemô-
Por isso, essa mediação, de caráter ideológico, é contraditória no nica da mais-valia) e são relações ideológicas (pela tentativa de repre ..
n:ovimento. de:. enco~rir-descobrir referido à luta permanecer-superar. E sentá-Ias e difundi-Ias de modo abstrato).
so as medlaçoes artIculam a individualidade do homem concreto com
A educação como conjunto totalizante dessas relações busca uma
o movimento processual da História. A educação como mediacão entre
compreensão global do fenômeno educativo, como ele se define frente
uma forma de ação que corrobora a permanência e/ou uma forma de
a si e ao todo. Sem isso a educação .passa a ser visualizada e difun ..
ação que conduza à transformação social está implícita na tese XI.
di da como uma abstração, ou melhor, como uma dissimulação de seus
"?s filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de forma reais componentes.
dIferente; trata-se porém de modificá-Io" (Marx, 1977b: 120).
Enquanto referida ao economlCO, ela se subordina ao mercado
Está implícita porque não basta uma filosofia de vida ou capitalista, não foge à generalização da mercadoria numa sociedade
teoria diferente para transformar a realidade. É preciso que exista
onde tudo tende a se tornar uma troca generalizada. Suas diferentes
mento político-ideológico. Na prática social residem as raízes contra-
versões institucionais tendem a se mercantilizar, seja na estrutura
ditórias que impulsionam a sociedade capitalista para sua superação,
hierárquica de seus agentes, seja no preparo de mão-de-obra neces-
para o desenrolar das relações estabelecidas entre essa sociedade e
sária à divisão social do trabalho, seja no fornecimento de objetos
que estimulem à produção. seus agentes históricos.
Enquanto referida ao ideológico, a educação s'e articula com a
Por sua vez, essa ligação com a organização capitalista da pro-
dução se articula com o político. Aí ela participa da divisão social totalidade mediante a tentativa da classe dominante de representar
do trabalho enquanto busca um lagos para a mesma. Ao nível do polí- como uno o que é contraditório. O que é em si mesmo contraditório,
pois o carMer dissimulador só existe na medida em que tenha o que
tico ela prepara as gerações segundo os padrões axiológicos estabe-
lecidos, tenta legitimá-Ios e torná-Ias senso comum. Mas essa educação dissimular. E nesse caso trata-se do caráter contraditório do real conti-
política é em si mesma contraditória porque carrega consigo a função nuamente pondo em causa as tentativas dissimuladoras. Dessa ma-
de reduzir os conflitos nascidos das relações sociais, vinculando-os a neira, o momento político-ideológico pode camuflar a contradição, mas
uma visão de mundo dissimuladora dos mesmos e desorganizadora da não a elimina da totalidade e nem a transcende. A educação carrega
concepção de mundo que se lhe opõe. consigo contradições que existem nela mas não nascem só dela. Na
articulacão dos seus elementos com os elementos que estão nela é que
As diferentes instituições pedagógicas (além de outras), atuando se pode' visualizar a função específica da educação e qual a sua parte
como instrumentos de persuasão e de poder a serviço dos interesses de contribuição para a (re)produção de (velhas) relações sociais no
dominantes foram, por isso, denominadas aparelhos ideológicos de conjunto das relações sociais de produção existentes.
Estado (Althusser, 1974). Sem dúvida, o momento político-ideológico,
na educação, tem uma eficácia incontestável. Mascara nas e para as Como as contradições que se ligam com ela não se originam nela,
representações dos agentes as contradições de base. E possui um papel seria demasiado imputar-lhe isoladamente e ao saber que ela veicula
predominante na história da sociedade capitalista. Contudo, essa efi- o peso de tornar o capitalismo um siGtema acabado, fechado. A edu-
cácia é relativa. cação não é uma tarefa messiânica acima ou além das contradições
de base próprias da sociedade capitalista.
É relativa primeiramente às condições históricas de cada totali-
dade social. Sua eficácia não é um a priori igualmente válido para A dissimulação do saber, o afã de reificá-Io apontam o fato de
todos os países e regiões. Ela depende de como as forças sociais em qUle também ele é contraditório, já que nascido no contexto de uma
conflito conseguem redirecionar o processoeducativo, na busca de uma totalidade contraditória, histórica e provisória.
hegemonia política sobre a sociedade. Dessa forma, a relatividade histó- Essa prática contraditória exige da parte dos dominadores, no
rica dessa eficácia se liga à relatividade contraditória das relações conjunto das transformações havidas pelo avanço do modo de pro-
sociais. As relações sociais são contraditórias, e isto transparece nos dução capitalista, que os novos espaços abertos se tornem espaços
momentos de crise, quando não é possível o controle absoluto das do poder. A articulação da educação com a totalidade, mediante as
conseqüências que ela gera. A insatisfação e o protesto, ainda que
relações sociais, leva consigo a necessidade de que, além da empresa
não trazidos à consciência, estão presentes nas facções mais explora-
e da escola, também os tempos de lazer, os momentos do cotidiano,
das da classe dominada. Por fim, essa eficácia é relativa a si mesma.
a linguagem, a arte se convertam em espaços de poder ordenados para
A atenuação dessas contradições não é a sua supressão. O espaço dos
a produção do consenso. Essas transformações incidem sobre a edu-
aparelhos ideológicos é um lugar de negatividade que se espalha pelo
cação.
todo social. E essa atenuação é necessária. Se desnecessária, por parte
do poder dominante, estaria apontando ou a impossibilidade da con- Isso não significa a impositividade absoluta dos que dispõem
tradição, ou a sua inexistência. Em ambos os casos se apontaria para desses novos espaços de poder. A luta existente a nível das classes
uma totalidade fechada, determinada. se manifesta em uma luta entre duas concepções de mundo. A amplia-
ção desses espaços se faz acompanhar de sua negatividade. A classe
Entretanto, os esforços de atenuação das contradições indicam,
pois, que é na prática social que se devem buscar as raízes do mo- subalterna, como principal fonte de negação, se contrapõe ao poder
da (im)positividade.
"Em que pesem os esforços das instituições, a contradição introduz-
se no conhecimento pelo simples fato de que não há barreira entre o O saber enquanto elaboração, incorporação e transmissão de
conhecimento 'positivo' e seu aspecto 'negativo', o pensamento crí- conhecimentos, valores, idéias e crenças, nasce do fazer e para ele se
tico" (Lefebvre, 1973: 27).
volta. O saber, então, torna-se mediação entre duas ações, pois uma
O saber que é empregado na reprodução e manutenção das rela- ação (fazer) supõe a posse de um saber anterior que conduz a ação.
ções existentes é em si mesmo contraditório, porque a prática que o O estatuto do saber, contudo, variará de acordo com a problemática
gera se dá num todo contraditório. Em momento algum se torna im- fundamental de uma sociedade.
possível ou inútil que a contradição existente nas coisas se revele na O saber tem, no modo de produção capitalista, um estatuto par-
consciência. É o grau de revelação que a educação permite em relação ticular. O saber passa a ser intenção e produção. Enquanto intenção,
ao real que anuncia a consciência de uma nova prática ou a tentativa veicula idéias que interessam a uma determinada direção, cujos ins-
de ocultá-Ia no conjunto de conhecimentos dissimuladores. O saber trumentos (meios de fazê-Ia) podem ser vários. Enquanto produção, no
oficial não está imune a essa tensão contraditória. seio das relações sociais, ele se transforma numa força produtiva e se
Dessa forma, uma visão de totalidade a respeito da educação im- funcionaliza a serviço do capital. O que importa na função que o
plica a contínua dialetização entre as relações sociais de produção e a saber ocupa nas relações sociais:
(re)produção de (velhas) relações sociais. É na interação desses ele- "O erro metodológico mais difundido ( ... ) consiste em se ter buscado
mentos determinantes e determinados (entre os quais a educação) que esse critério de distinção (trabalho intelectual x trabalho manual)
a totalidade se faz e cria. no que é intrínseco às atividades intelectuais, ao invés de buscá-Io
no conjunto do sistema de relações no qual estas atividades (e, por-
O anúncio dessa prática social tem sentido enquanto se consi- tanto, os grupos que as personificam) se encontram no conjunto das
relações sociais" (Gramsci, 1968: 11-12).
dera que os sujeitos humanos fazem parte da totalidade. A prática que
inclui sujeitos de novas relações sociais, sujeitos que negam o exis- O conjunto dessas relações sociais no capitalismo é contraditório.
tente e anunciam e produzem o novo, afirma como negação da nega- E o saber, que nasce do fazer, nasce de fazeres diferentes 'e contra.
ção uma totalidade maís aberta, síntese superadora porque contradi- ditórios. A educação, enquanto instrumento de disseminação de um
tória. Nesse sentido, a relação da educação com a totalidade é aberta, saber mais abrangente, entra em contradição com a sociedade capita-
enquanto a educação inclui e implica a ação-reflexão desses sujeitos. lista. O saber enquanto intenção pode vir a ser apropriado (tornar
Enquanto a ação desses sujeitos for latente ou surgir só esporadica- próprio) pelas classes subalternas. Ao incorporá-Io à sua prática, o
mente, a classe dominante apresenta sua (pseudo)totalidade como pe- tornam instrumento de crítica das armas, pois na sua prática (no con-
rene, inclusive no saber referente às condições sócio-econômicas. Uma junto das relações sociais) reside a contradição da intencionalidade
compreensão totalizante da parte desses sujeitos impõe a crítica à dominante: a oposição 'entre o saber do dominante e o fazer do domi-
pseudoglobalidacle, que reconhece seu caráter transitório e sua supe- nado. Nesse sentido, a ação pedagógica, enquanto apropriação pelas
ração. classes dominadas de um saber que tem a ver com os seus interesses,
concorre para o encaminhamento da modificação das condições sociais.
Retoma-se, pois, à dialética entre totalidade e contradição. Uma
Na medida em que explicita aquelas condições que determinam o cará-
não existe sem a outra. O reconhecimento do real como histórico im-
ter da dominação, a ação pedagógica conflija com o sistema capita-
plica a tensão das contradições no seio da totalidade concreta. A con-
lista. Conflita porque a falsa consciência cede espaço à consciência
tradição e sua relação com a educação torna-se fundamental para a
mais totalizante. Como esse conflito é, pelo menos, látente, as relações
compreensão dessa última, a fim de representá-Ia de modo dialético
de dominação, tornadas principais no conjunto das relações de pro-
e com uma visão de conjunto.
dução, tentam colocar a coesão acima da contradição. Para isso faz-se
uso de uma pedagogia persuasiva.
A educação como instrumento de persuasão entra com papel dis-
A educação, enquanto momento partícipe da prática social global, simUlador. O capital introduz alguma forma de instrução educativa,
é contraditória em seus vários elementos. seja numa linha mais formal de ensino básico (a fim de que o tra-
balhador resista às exigências diferenciadas do trabalho parcelado e
evite o estrangulamento precoce), seja numa linha mais informal de explorado e para que o trabalhador saiba resistir às eXlgencias dife-
saber (a fim de povoar as consciências com pseudoproblemas, e exer- renciadas do trabalho parcelado no contexto de um vazio intelectual,
cer uma hegemonia a serviço da dominação). o capital se vê forçado, mediante o Estado, a reintroduzir o ensino
A escolarização generalizada, como base essencial da formacão primário. O fazer correspondente a uma situação social exigia um tipo
profissional do produtor imediato, tem por condição a separação so~ial de saber, consentâneo às necessidades desse mesmo fazer.
e técnica da força de trabalho dos meios de produção. O mesmo se
Ora, a possibilidade de superar um regime só existe no desenvol-
fará com o saber, buscando separá-Io (como saber instrumento) do
vimento histórico de seus antagonismos imanentes. Para sua própria
fazer real dos sujeitos. E como os sujeitos jamais se separam dos seus
manutenção, o capital se vê forçado a abrir mão de um instrumento,
atos, é preciso elaborar um saber falso e falsificador, o que explica
a tentativa de reduzir os limites da formação: tudo o que se refere ao a educação. Capaz de se opor à divisão entre o saber e o trabalho,
conhecimento do conjunto do processo de produção é não só inútil ela se torna restritiva e transmite um saber que se funcionaliza a ser-
como prejudicial ao bom andamento da empresa. A escola, como mer- viço do capital. Mas guarda a possibilidade de uma nova extensão
cadoria, cujo valor é determinado pelas necessidades da classe capi- (daí a restrição) e de uma outra compreensão do fazer (daí a dissimu-
talista, buscará articular as necessidades próprias da classe trabalha- lação). Por ser contraditório é que a função política dominante o torna
restrito e dissimulador.
dora em torno das necessidades próprias do capital. O que não ocorre
pacificamente, pois a separação da força de trabalho dos meios de A superação das conquistas da era capitalista funda a possibili-
produção implica sua reunião forçada e contraditória no local de tra- dade de um sistema educacional que se contraponha à divisão saber!
balho e a falsificação absoluta do saber implicaria a perda total da trabalho. A legislação das fábricas no terreno educativo é já à época
identidade da classe. Ainda que incipiente, uma identidade existe e de Marx:
consiste na própria condição de classe.
"A primeira reação consciente e metódica da sociedade contra a for-
Tomando Marx como ponto de partida, veja-se o modo como ele ma espontaneamente desenvolvida de sua produção" (Marx, 1968: 550).
analisa a questão da educação. Em O Capital, depois de haver mostrado E mais:
como a burguesia capitalista, enquanto classe, pode viver às custas
"Apesar da aparenCla mesquinha que apresentam em seu conjunto,
da classe operária (teoria do valor e mais-valia), examina a revolução
as disposições da lei fabril relativas à educação fizeram da instrução
operada pelo capitalismo dentro do modo de produção (concentração, primária condição indispensável para o .emprego das crianças" (Marx,
cooperação, divisão do trabalho, maquinismo). Isso o induz a indicar 1968: 553).
os efeitos do progresso material sobre a situação dos operários na in- Defendendo-se contra o fermento de transformação implícito no
dústria. É então que examina a questão do trabalho das mulheres e movimento histórico em matéria de educação, a classe dominante pro-
crianças. A máquina, ao reduzir o poder da força muscular, possibili- curará sabotar seus resultados e possibilidades. Para Marx, há um êxito,
tou o emprego de trabalhadores com força física reduzida, no caso, a despeito das condições precárias das escolas de meio período.
mulheres e crianças.
"Seu sucesso demonstrou, antes de tudo, a possibilidade de conjugar
Desse modo, a máquina se converte em meio de aumentar o nú- educação e ginástica com trabalho manual, e conseqüentemente o
mero de assalariados, fazendo a família operária parte da classe ope- trabalho manual com educação e ginástica" (Marx, 1968: 553).
rária enquanto meio de produção. Essas novas forças lançadas no E Marx ainda fala das vantagens da alternância trabalho/escola,
mercado depreciaram o trabalho masculino, deterioraram o feminino pois para ele a fábrica é o primeiro sistema que faz germinar a edu-
e diminuíram a capacidade de resistência dos operários adultos frente cação do futuro:
ao, capital.
"Do sistema fabril... brotou o germe da educação do futuro que
Diante de uma tal exploração, Marx estabelece a incompatibili- conjugará trabalho produtivo de todos os meninos além de uma certa
dade de uma educação conveniente à classe operária nessa etapa do idade com o ensino e a ginástica, constituindo-se em método de elevar
a produção social e de único meio de produzir seres humanos plena-
regime capitalista. Contudo, para evitar o esgotamento do trabalhador mente desenvolvidos" (Marx, 1968: 554).
E reforça, na Crítica ao programa de Gotha: priação, pelo trabalhador, dos instrumentos de seu trabalho e assim,
"A proibição geral do trabalho infantil é incompatível com a existên- dele mesmo.
cia. da grande indústria e, portanto, um piedoso desejo, porém nada
Ainda aqui, Marx coloca a polifuncionalidade da educação no
mais. Pôr em prática esta proibição - supondo-a factível _ seria
reacionário, uma vez que, regulamentada severamente a jornada de tra- desenvolvimento das contradições históricas de uma sociedade:
balho segundo as diferentes idades e aplicando as demais medidas "Torna-se questão de vida ou morte substituir a monstruosidade de
preventivas para a proteção das crianças, a combinação do trabalho uma população miserável, disponível, mantida em reserva para as
produtivo com o ensino, desde uma tenra idade, é um dos mais necessidades flutuantes da exploração capitalista, pela disponibilida-
poderosos meios de transformação da sociedade atual" (Marx -1977b' de absoluta do ser humano para as necessidades variáveis do traba-
242). ' . lho; substituir o indivíduo parcial, mero fragmento humano que re·
pete sempre uma operação parcial, pel0 indivíduo integralmente de-
Nesses poucos textos em que Marx lê a educação, ele a vê no senvolvido para o qual as diferentes funções sociais não passariam
conjunto das relações sociais. Nessas condições sua leitura pretende de formas diferentes e sucessivas de suas atividades. As escolas poli.
buscar possibilidades que revelell). o potencial da educação: saber que técnicas e agronômicas são fatores desse processo de transformação,
que se desenvolveram espontaneamente na base da indústria moderna;
torne mais lúcido o fazer superador das mesmas condições sociais. constituem também fatores dessa metamorfose as escolas de ensino
O, que a leitura anterior pode propor não é uma posição, mas profissional. onde os filhos dos operários recebem algum ensino temo-
lógico e são iniciados no manejo prático dos diferentes instrumentos
um metodo que, baseado nas contradições imanentes do sistema, dê de produção. A legislação fabril arrancou ao capital a primeira e
conta desse papel potencial da educação. O que quer dizer que ba- insuficiente concessão de conjugar a instrução primária com o trabalho
sear-se nessas contradições, no mesmo sistema capitalista que avança na fábrica. Mas não há dúvida de que a conquista inevitável do po-
e aprofunda suas relações, possibilita também uma leitura contradi- der político pela classe trabalhadora trará a adoção do ensino tecno-
lógico, teórico e prático nas escolas dos trabalhadores. Também não
tória da educação, seja numa de suas expressões históricas mais im- há dúvida de que a forma capitalista de produção e as corresponden-
portantes, a escola, seja em qualquer outra de suas versões. A edu- . tes condições econômicas dos trabalhadores se opõem diametralmente
c~ção, lo~ge de assegurar definitivamente e para sempre a reprodu- a esses fermentos de transformação e ao seu objetivo, a eliminação
çao do sIstema atual, pode contribuir para sua modificação. da velha divisão do trabalho. Mas o desenvolvimento das contradições
de uma forma histórica de produção é o único caminho de sua disso-
Importa dinamizar esse potencial existente nos antagonismos ima- lução e do estabelecimento de uma nova forma" (Marx, 19: 558-<).
nentes do sistema, o que implica dinamizá-Ia como meio de transfor- A educação, como um saber sempre referido a um fazer, se ali-
mação da sociedade atual. O que não quer dizer que a educação neces- menta dessa tensão entre a melhoria da força de trabalho e o modo
site assumir obrigatoriamente, em todos os lugares, a forma que assume de realizar essa melhoria, inerente ao capitalismo. Ela deverá fazer
nos. p~íses de. capitalismo avançado. Na dinâmica da reprodução, o crescer e aumentar a competência técnica e instrucional do trabalha·
capItalIsmo eXige processos educativos que o auxiliem na oculta cão dor, procurando tornar o saber parte do capital como força produtiva.
~o~ processos de ap~~priação do excedente, de acordo com a esp~ci- Nisso ela se opõe à divisão, nascida nos contornos do modo de pro-
flcldade de cada reglao em que se instala. Por isso os detentores do dução capitalista, entre o saber e o trabalho.
capital buscarão dentro da diversidade histórica de cada país formas Mas ela também se opõe à estrutura capitalista de relações sociais,
educativas que possibilitem a manutenção da relação. A forma de se isto é, à divisão de classes, quando possibilita a apropriação coletiva do
processar a educação no campo e na cidade não é igual, por exemplo. saber, uma vez que, enquanto força produtiva, o saber deveria ser
propriedade exclusiva da classe possuidora. A apropriação coletiva de
. ~ncarregada de melhorar a força de trabalho, a educação con-
um saber-instrumento pela participação na elaboração do mesmo com-
trIbUl de fato para o aumento do capital e sua reprodução. Mas o
promete-se com os interesses básicos da problemática das classes subal·
modo pelo qual essa melhoria se realiza pode opor-se como fermento
ternas. A educação reflete uma estrutura social, mas, por outro lado,
de transformação, como poderoso meio de transformação da sociedade
fermenta as contradições. Proveniente do modo de produção capita-
atual, à perpetuação desse modo de produção. A evolucão da educa-
lista, no contexto das promessas que a burguesia trouxe e não foi
ção, especialmente na escola, passa pelas transformaçõ~s sociais que
capaz de implementar, aedl,lcaçãQcontribui tanto para sua repro-
a ultrapassam e envolvem, pois a finalidade dessa evolução é a apto- dução, como para sua negação e perda (Petit, 1973: 11).
Nesse sentido, pode-se perguntar se a contradição está presente
elevação do potencial das massas para pensar coerente e unitariamente
na educação quando se prescreve esta última como comandada exclu-
a sua realidade.
sivamente pelos interesses da classe dominante. A ser verdadeira uma
tal formulação, pode-se indagar por que a burguesia tem esperado tanto Mas a própria dissimulação, função atribuída à educação domi-
tempo para disseminar ao máximo essa sua cúmplice, especialmente nante, é também em si mesma contraditória. Ao opor-se como saber
nos países subdesenvolvidos. dos dominantes ao fazer dos dominados, a iminência de sua negação,
ou seja, a desocultação da dissimulação pela ruptura com um saber
A educação é portadora de uma promessa que a burguesia não ideológico falsificador, em vista de um saber mais revelador está sem-
foi capaz (e nem é) de implementar totalmente, porque significaria, pre presente, mesmo que de modo latehte. Essa negação e proposição
de um lado, manter a prática da exploração e, de outro, provocar, de um saber mais verdadeiro torna-se momento consciente de uma
como momento dessa prática, um saber crítico. Essa provocação, embora ação social transformadora.
desarticulada ou reprimida, existe em germe na educação. Se ela é ex-
pressão do domínio de classe, é porque antes de mais nada é expressão Essa ação transformadora não significa, desde logo, a posse de
da luta de classe. um saber revolucionário. A educação, quando não se põe a serviço
de uma ideologia regressiva, e se estabelece como princípio de luta
Nos momentos em que as classes populares exerceram mais pres- contra o arcaísmo do senso comum (Gramsci, 1978 a: 18) ajuda a
são sobre o poder, percebe-se quase sempre a luta pela educação. elevar o nível intelectual das massas até a modernidade.
Esta última torna-se, pois, expressão da luta de classes. O que não
significa uma constância histórica, e nem que a classe dominante não O senso comum produz normas de conduta adequadas à concep-
agilize seu poder para, a nível educacional inclusive, desarticular de- ção de mundo do grupo dirigente e leva à passividade. Mas o senso
terminadas formas de escolarização.4 comum é também o ponto de partida para a elevação moral intelec-
tual. A função política da educação torna-se importante quando supera
Por isso:
o anacronismo nele implícito. A difusão de uma concepção mais avan-
"O capitalismo exige que a escola lhe forme trabalhadores que se çada começa a tirar as massas da passividade e pode ser então assu-
saibam vulneráveis; espera-se. devido sua formação restrita, que não
venham a revelar-se demasiado exigentes em matéria de salários, pro- mida por uma outra hegemonia que organize, dê coerência e critique
porcionar-lhes o mínimo possível de instrumentos intelectuais que os elementos implícitos no senso comum e seja capaz de elaborar uma
os ajudariam a questionar o sistema" (Snyders, 1977: 100). outra homogeneidade filosófica explícita. Se o senso comum revela,
E por quê? Se ela é momento de exclusão e lugar de divisão de um lado, que todos são filósofos, isto é, pensam, por outro, pen-
interna em correspondência à divisão social do trabalho, sempre levan- sam sob determinada direção. Todos refletem a realidade, mas nem
do-se em conta a diversidade histórica dos países e nesses sua diver- todos refletem sobre ela. A função política da educação é educar poli-
sidade interna, ela também é lugar onde há a possibilidade de um ticamente quem não sabe (Gramsci, 1976: 11), rompendo com a ideo-
saber autêntico, que se transforme em uma convicção mobilizadora. logia dominante, e explicitar as tarefas de uma reflexão sobre a rea-
Isto explica as barreiras à democratização, os mecanismos de seleção lidade.
e todas as tentativas de diminuir a eficácia da ação educativa. Por Isso quer dizer, pois, que a educação não é o feudo da classe
contradição entende-se o dizer de Gramsci de que o fato filosófico mais dominante, e o que Snyders diz da escola pode ser relativamente am-
importante não é. tanto a descoberta de uma genial novidade, mas a pliado a todas as formas de educação.
"Ela é o terreno de luta entre a classe dominante e a classe explorada,
4. Ver a esse respeito Beisiegel (1974), Jannuzzi (1984). Digna de aprofunda- ela é o terreno em que se defrontam as forças do progresso e as forças
mento é a pista levantada por Saviani (1980: 16-9). O autor propõe o avanço conservadoras. O que lá se passa reflete a exploração e a luta contra
do escolanovismo como um movimentodesmobilizador das forças popula- a exploração. A escola é simultaneamente reprodução das estruturas
res, constituindo-se em instrumento de hegemonia da classe dominante.
existentes, correia de transmissão da ideologia oficial, domesticação _
Nossa dissertação de Mestrado insiste nas lutas que se travam de 1930-1935
em torno do problema educacional, nos grupos e facções da classe domi- mas também ameaça à ordem estabelecida e possibilidade de liberta-
nante. O caráter desmobilizador dessas lutas supõe estudos mais aprofun- ção" (Snyders, 1977: 10-6).
dados sobre a educação nas décadas de 1910 e 1920, porém do ponto de A educação é, então, uma instabilidade mais ou menos aberta à
vista dos grupos e facções das classes populares.
ação. A situação descrita por Marx, se superada do ponto de vista
empírico, é válida sob o ponto de vista te6rico. A questão do trabalho nante contra as contradições que surgem em seu seio e podem abalá-Ia
intelectual x trabalho manual não pode mais ser vista apenas sob o no exercício de sua dominação, essa categoria é ambígua. A educação
ângulo do esforço físico ou da produção direta. Boa parte do trabalho é portadora de fermentos de transformação irredutíveis que podem
intelectual, especialmente o de nível técnico, está submetido à repar- acelerar a crítica da situação na qual ela aparece.
tição de tarefas, especialização, hierarquização, enfim, à nova divisão A educação põe-se a serviço do sistema capitalista de modo mais
entre trabalho manual e trabalho intelectual redefinida pelos avanços eficaz quando os efeitos contraditórios desse exercício são neutrali-
do capitalismo. zados pelo próprio sistema. Essa neutralização se dá pela limitação
Essas novas funções, carregadas de maior taxa de intelectualidade, ao acesso do saber (barreiras à democratização do ensino), pela alte-
forçam um aumento na escolaridade e impõem a formação de nível ração do saber que transmite, de modo que se possa limitar, pela
mais elevado. Sobre essa base se dá a contradição da reprodução. exclusão e/ou seleção, o poder de desvelamento sobre a estrutura
De um lado, as tendências à restrição, de modo especial à restrição social. Pretende com isso manter a divisão entre teoria e prática,
qualitativa, de outro, a pr6pria imposição provinda das necessidades validar como saber apenas o que é apanágio das classes dominantes
do modo de produção, forçando uma maior abertura, assentam as (linguagem culta, ecletismo, etc.), apresentando-o como fruto de dons
bases objetivas sobre as quais se pode atuar. pessoais. E, para isso, investe-se de uma violência simbólica que mas-
cara as relações de dominação como razão de ser das relações sociais
Porém a luta pela educação não pode estar separada das lutas
(Bourdieu e Passeron, 1975: 15-75).
sociais. A medida que o espaço de hegemonia exercido pela classe
dominante reflui em função das pressões exerci das pela classe subal- Entretanto, há um conjunto de condições e situações que deli-
terna, a educação amplia seu espaço em vista da transformação social. mitam o modo de ser das classes subalternas, dadas as próprias rela-
É que a questão central da educação é a contradição. As análises crí- ções sociais inerentes ao capitalismo e a seu modo de produção. Esse
ticas sobre a educação burguesa, desde que a eliminem ou a impossi- modo de ser não significa um isolamento ou uma propriedade radical,
bilitem, unilaterizam a análise, valorizam apenas um lado da contra- no sentido de uma diferença ontológica, ou então uma homogeneidade
dição, dando-lhe uma dimensão de totalidade (que não possui), e social e ideológica. Por serem as relações sociais no capitalismo rela-
acabam por conferir-lhe a inevitabilidade e objetividade de uma ções contraditórias (e não absplutamente excludentes), os elementos
dominação. superestruturais dominantes atingem de certo modo a classe operária
e esta os incorpora, ainda que não tenha claro para si o significado
A ênfase exagerada na educação como instrumento de domina-
desses elementos. Essa incorporação não é mecânica. O alcance dos
e o esquecimento de sua ligação com as relações sociais acabam
elementos superestruturais não se faz por superposição ou justaposição,
por contribuir para as ideologias dominantes, mostrando o momento
mas por contradição, porque o lugar social dessas classes é contradi-
de integração da classe operária ao capitalismo (portanto, contribui-
tório em relação ao da classe dominante. Por outro lado, a historici-
clara para a reprodução das relações) e excluindo o momento da
resistência e da rejeição da dominação. zação é importante (para não universalizar um momento histórico)
e problemática (para não homogeneizar em um bloco coerente de ação
A educação, enquanto processo encarregado da transmissão do e pensamento as próprias classes subalternas).
saber, s6 é entendido com referência às estruturas sociais e, por elas,
ao processo de produção do qual são indissociáveis. Isso permite pensar uma solução contraditória e ambígua, estabe-
lecida entre o modo de ser das classes subalternas e os elementos
A exclusão das relações sociais de produção implica a exclusão incorporados por ela, mas que não são seus. Essa relação não é pas-
daqueles que podem fazer do saber um obstáculo ao bom funciona- siva. A condição de dominadas faz com que tal interiorização seja
mento dessas relações. Tal exclusão não evidencia o caráter contradi- elaborada e recriada segundo o modo como elas vivem suas condições
tório, mas só o momento de funcionamento que reproduz as relações materiais de existência:
sociais.
"A produção de idéias, de representações e da consciência, está em
Se a análise da categoria da reprodução contribui eficazmente primeiro lugar, direta e intimamente ligada à atividade material dos
para a descrição do sistema de defesa engendrado pela classe domi- homens; é a linguagem da vida real" (Marx, 1974: 25).
As proclamações burguesas, captadas e filtradas de cima para "Enquanto permanecer como classe explor~~a,_ a classe _ope~ária expri-
me-se culturalmente por aspirações ou re]elÇoes - nao ,~mda como
baixo pela mediação dos agentes sociais subalternos, podem represen-
realizações que possam ser apresentadas nas escolas (Snyders,
tar um meio de fortalecer políticas reivindicatórias agora de baixo 1977: 321).
para cima. O efeito contraditório dessa interiorização, a partir do
No caso da educação, o desejo de instrução s~rve co~o exemplo.
próprio lugar social, enseja a rejeição de uma condição: a de domi-
O desejo de acesso à educação serve como melO de mcorporar a
nado. E pode manifestar o desejo de uma participação social que leve
ideologia da mobilidade social à classe subalterna.5
em conta seus interesses e os faça valer.
Se o desejo de mobilidade social pela educação _se f~z aco~panhar
Nesse caso, a impositividade do símbolo (ou, no dizer de
de uma ideologia que no fundo afirma a opressao, ISSO na.o _ pode
Bourdieu e Passeron, da violência simbólica), a busca da dominação
representar uma perenidade e nem uma fatalidade. A con~lçao de
se transformam, ainda que parcialmente ou de modo ambíguo, na
classe torna possível (embora não automaticamente) a negaçao dessa
possibilidade de seus contrários. Com efeito, se os pensamentos da
ideologia, como negação à ideologia da o.p:ess~o. Ao. mesmo temp_o,
classe dominante são também, em todas as épocas, os dominantes,
essa condicão expressa um anseio de partlclpaçao SOClal. A educaça~
a ênfase no dominante nem sempre permitiu inferir a existência do
torna-se m~io de uma negação consciente e põe em r~le~~ suas pos~~
seu contraditório: as idéias dos dominados como idéias dominadas e
bilidades. A luta pelo direito à cultura guarda a posslblhdade de p
como algo produzido por eles.
ela se dar uma outra compreensão do que se pas~a em torno, e per-
Gramsci vê essas idéias no bom senso, ou seja, no núcleo sadio mitir uma participação social mais lúcida e conSCiente. '.
do senso comum. Esse bom senso se baseia em uma certa dose de A educação crítica possibilitaria aquele detour de que fala KOSlk,
experiência vivida e de observação direta da realidade. Sem esse 10 qual se chega à percepção das estruturas determinantes de n?ssa
núcleo, seria impossível às classes subalternas libertar-se da ideologia pe . d d·e Enquanto isso não se dá, a consciência dominada contlllua
que a classe dominante verte sobre elas. Esse núcleo resiste à di ri- SOCle a . 'd'd
sendo a consciência contraditória, porém amblgua. Na me 1 a em que
gência impositiva da classe dominante. Negar essa negatividade, em- as estruturas determinantes não são visíveis, a luta se f~z cont~a, as
bora incipiente, implica afirmar uma concepção segundo a qual as formas de existência mais visíveis. Lutar contra o de~ermlllado. vlSlvel
classes subalternas são puramente receptivas, passivas e condicionadas sem a ligação com o de terminante não-visível permIte, no dIzer de
de fora. Afirmar o bom senso é afirmar um mínimo de reflexão pró-
M. Chauí:
pria das massas, a partir do qual se torna possível uma elaboração
" .. querer uma existência tal como a ideologia dominante ~romet,:
mais coerente e homogênea desse núcleo. .
para .
todos e, aSSIm, negar e afIrmar simultaneamente o SIstema
Esta negatividade mais ou menos explícita é até certo ponto (Chauí, 1979: 128).
ambígua. Revela-se, ao mesmo tempo, afirmadora (a cultura do domi- A educação pode tornar-se um saber-instrumento que possibilite
nante se impõe como tal) e negadora da situação: rejeição de um () caminho do visível ao invisível, do fenômeno ao estrutural e, com
modo de viver (explorado) através da recriação de um conjunto de isso, superar o caráter ambíguo dessa contradição. Depende da fun-
representações impostas pela classe dominante e possibilitada pelo ~:llü política que ela assumir.
bom senso. A síntese carrega consigo a compreensão da ambigüidade, Essa possibilidade pode ter o máximo de abran?ência so~ o modo
mas traz, ao mesmo tempo, novos problemas. dI.' produção capitalista, quando, desveladas as ongens e rormas de
Na verdade, a sociedade capitalista, no conjunto de suas relações
Num encontro recente sobre cultura popular, relatava-se qu~: "uma ope~;~a
de classe, expressa-se ideologicamente com a concepção de mundo
dl: São Paulo ligava seu desejo de leitura com ~, m~1° B~S(u~c~~~ ~r~
liberal. Nessa concepção, há que destacar o seu momento mais radical " as outras crianças continuassem como est~vam.. , , 29
de expressão, que é a idéia de igualdade dos cidadãos. Quando essa hkmas ligados à cultura das classes pobres, m: A cult~rf! _do po~, l?' d~
() medo de continuar como está é o momento da re]eIçaO, o ese]o.
idéia filtra para baixo, os dominados podem reelaborá-Ia e perceber kitura expressa a participação, talvez sem a percepção clara do quadro .socIal
frestas por onde se afirmem como gente. Afinal, segundo Gramsci, . f boa parte dos conteúdos dos livros. Entretanto, anatematIzar o
a concepção de mundo se revela de alguma forma em todas as mani-
qlll: m orma 'd d l'
d"sl:jo de leitura apenas porque boa parte dos co~teu os os Ivros e a
'l'e
d-
",\"t~ além de revelar elitismo, ignora que a leItura abre -um campo e
festações da vida intelectual e coletiva de um povo: I" I/lsibilidades contrárias aos conteúdos dominantes.
dominação, os dominados puderem se saber e compreender como tais. Essa inversão de sentido dirige-se ao contato com os simples,
Este saber torna-se crítica do porquê da dominação e luz da prática cuja problemática, assumida dialeticamente pelos intelectuais, permite
dos dominados. Dessa maneira, há um confronto entre a função polí- pensar a criação do novo. Esse redirecionar a problemática a partir
tica da educação da classe dominante e a da classe dominada. dos simples é básico, porque a criação do novo só é possível quando
A classe dominante pressente que a difusão de uma educação se coloca numa postura de totalidade ante o mundo. As contradições
consciente seria repleta de perigos para ela. Por isso desliga os temas do pensar burguês, ao particularizar o universal e universalizar o par-
culturais dos problemas de massa, esperando vê-los reduzidos a uma ticular, impedem a postura de totalidade (Lowy, 1975: 11-76).
cotidianidade inofensiva. A possibilidade da ideologia dominada, não como parte da ideo-
Desse ponto de vista, tal função política se mantém implícita, já logia dominante, mas como ideologia em condições de independência,
que dominante. Por isso se auto proclamará explicitamente neutra (' a remete para as classes subalternas, sem que isso signifique, ipso facto,
apolítica, descomprometida com interesses de classe. Negará sua con que a totalidade seja já patrimônio destas. A totalidade é uma con-
dição de controlada, organizada pela classe dominante pela mediaçãu quista, e um campo aberto à ação.
do poder de Estado, Assim, além do momento de ruptura, a inversão supõe uma inter-
Inversamente, para ser eficaz, a concepção dominada deverá ex pretação teórica das necessidades das classes subalternas que fuja ao
plicitar sua função política e afirmar-se comprometida com interesse~, academicismo das filosofias meramente especulativas.
de classe:
A inversão da direção política efetua uma nova relação de hege-
"Ao que parece, somente a filosofia da práxis realizou um passo à
frente no pensamento, sobre a base da filosofia alemã, evitando monia, onde o mesmo clima cultural entre intelectual e massa abre
qualquer tendência para o solipsismo, historicizando o pensamento espaço para uma unidade do sentir-saber-compreender, ao contrário de
na medida em que o assume como concepção do mundo, como 'bom uma postura pedante, materializada na separação entre os pólos da
senso' difuso na" multidão (e esta difusão não seria concebível sem
a racionalidade ou a historicidade) e difuso de tal maneira que
relação:
possa converter-se em norma ativa de conduta. Deve-se entender "O elemento popular 'sente', mas nem sempre compreende ou sabe;
criador, portanto, no sentido 'relativo'; no sentido de pensamento o elemento intelectual 'sabe', mas nem sempre compreende e, muito
que modifica a maneira de sentir do maior número e, em conseqüên-
menos, 'sente'. Os dois extremos são, portanto, por um lado, o pedan-
cia, a própria realidade, que não pode ser pensada sem a presença
tismo e o filistinismo, e, por outro, a paixão cega e o sectarismo.
deste 'maior número'. Criador, também, no sentido em que ensina
como não existe uma 'realidade' em si mesma, em si e por si, mas Não que o pedante não possa ser apaixonado, até pelo contrário; o
apenas em relação histórica com os homens que a modificam, etc." pedantismo apaixonado é tão ridículo e perigoso quanto o sectarismo
(Gramsci, 1978a: 33-4). e a mais desenfreada demagogia. O erro do intelectual consiste em acre--
ditar que se possa saber sem compreender e, principalmente, sem
Realizar um passo à frente no pensamento implica uma atituck sentir e estar apaixonado (não só pelo saber em si, mas também
crítica que destrua a pseudoconcreticidade existente na problemática pelo objeto do saber), isto é, em acreditar que o intelectual possa
da dominação de classe. Os fundamentos teóricos dessa atitude se ser um intelectual (e não um mero pedante) mesmo quando distinto e
aninham numa prática que se choca, latente ou manifestamente, COIII destacado do povo-nação, ou seja, sem sentir as paixões elementares do
povo, compreendendo-as e, assim, explicando-as e justificando-as em
aquela ideologia cujo discurso formula temas alienantes. Teorizar UI1l:' determinada situação histórica, bem como relacionando-as dialetica-
ruptura com essa ideologia e mostrar sua pseudoconcreticidade é des mente às leis da história, a uma concepção elaborada, que é o
travar mais um elemento que se antepõe à transformação social. 'saber'; não se faz política-história sem esta paixão, isto é, sem esta
conexão sentimental entre intelectuais e povo-nação. Na ausência deste
Em que pese sua tentativa de falseamento do real, a ideologi:, nexo, as relações do intelectual com o povo-nação são, ou se reduzem,
burguesa converteu-se na história do cotidiano. Tornou-se parte d(l a relações de natureza puramente burocrática e formal. Os intelectuais
senso comum. Essa ideologia tornou-se uma pedagogia atuante na vida se tornam uma casta ou um sacerdócio (o chamado centralismo orgâ-
de todo dia, no contexto da satisfação das exigências de hegemoni;, nico)" (Gramsci, 1978a: 138-9).
de uma classe sobre a outra. Uma inversão de hegemonia supõe lIlll A possibilidade de que a educação assuma a função política de
ponto de partida em que os problemas sejam enfrentados nos quadro:; .lrt1/([ crítica existe porque a reprodução das relações sociais de pro-
vividos e sentidos pelas classes subalternas. .111,:110 não é mera repetição das mesmas, nem mesmo uma reprodução
reiterativa, mas uma reprodução ampliada, que leva consigo as con- Assim o intelectual é um educador e um organizad~. O intelec-
tradições existentes na sociedade. E como as contradições em certo tual das cl~sses subalternas, ao fazer a crítica da concepç~o de mun~~
nível geram problemas, manifestos ou não, fica em aberto a questão t
A' ca à de sua classe, ao extrair e elaborar a concepçao de mun
an
. agom
l'cita na prática de sua classe e ao d'f1 un d'1-I'a, e o q ue trabalha
da explicação dos mesmos. Ora, a ideologia dominante não explica
e nem resolve de modo mais abrangente os problemas, pois que isso ;:re 1 a concepção de amanhã, a concepção de mundo das classes
significaria negar-se como portadora das promessas que é incapaz de subalternas.6
realizar. Daí a necessidade da dissimulação. O intelectual é, pois, um elo mediador entre a classe. socjal q~e
re resenta e a consciência de classe, em vista de sua orgah1zaça~ m~ls
A possibilidade de uma interpretação e explicação que contradi-
lú~ida e coerente. O papel dos intelectuais na form~çã? e orgamzaçao
gam a legitimação existente exige um ponto de vista contraditório ao
ponto de vista da classe dominante. Ora, a formulação de um outro dessa conSClenCla lhe dá um contato real com a . Hlstona,
'A •
. oI" que pos-
sibilita o seu avanço na conquista de uma matundade 1deo oglca.
ponto de vista exige o concurso de um outro tipo de agente pedagó-
gico (intelectual) que, de um lugar outro e contraditório, igualmente E sse pape I de Porta-voz de uma classe é mais facilmente
,. . obtido
t I
elabore um discurso crítico que intencione a elevação das consciên- pc1a classe dirigente, cujas facilidades de gerar seus pr?p~l~S me ec:
cias dominadas e destrua a pseudoconcreticidade das representações da tuais é evidente. A classe subalterna, ao menos a pnnclplO, se ve
falsa consciência: obrigada a importar seus intelectuais. Tal situação pode .levar a ~lasse
dominante a tentar a sua cooptação, visando o reformlsmo, ate que
"Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função
essencial no mundo de produção econômica, cria para si, ao mesmo ela gere os seus próprios intelectuais.
tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais De qualquer forma, aos intelectuais estão reservadas im!'ortantes
que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não
funções na direção cultural, no modo próprio como a educaçao se faz
apenas no campo econômico, mas também no social e político".
(Gramsci, 1968: 3). presente concretamente na complexidade de seus elementos.

Segundo Gramsci, se todos os homens podem ser considerados


intelectuais, nem todos exercem a função de intelectual. O intelectual
se define pelo lugar e função que ocupa no conjunto das relações
sociais. O texto citado en.umera essas funções e tarefas.
Primeiramente, é a classe que cria organicamente (gera) seus in-
telectuais. Sua função é a de suscitar a tomada de consciência nos
membros da classe a que estão organicamente vinculados. Mas que
seja uma tomada de consciência que leve em conta os interesses de
classe mediante a elaboração homogênea e autônoma da concepção de
mundo, própria dessa classe e sua expressão coerente e adequada.
Essa função conscientizadora e homogeneizadora se exerce nega-
tivamente pelo expurgo, nessa concepção, dos elementos que lhe são
estranhos. E se exerce positivamente, adequando dialeticamente a
teoria à prática da classe que eles representam.

O campo dessa função também é claro: ela se processa no campo


econômico, realizando um papel de organização. Também se processa
no campo social e político. Isto é, os intelectuais trabalham' como
funcionários da superestrutura nas organizações culturais da sociedade Pllra maiores detalhes do pensamento gramsciano sobre os intelectuais, sua
civil, entre as quais podemos situar a escola. função. tarefas e hierm'quias, ver PioUe (1973: 9-42).

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