Arteterapia: um novo campo de conhecimento
By Irene Gaeta
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Arteterapia - Irene Gaeta
Apresentação
A Arteterapia nos estimula a muitos tipos de questionamentos e coloca seus profissionais diante de caminhos diversificados, que os levam a tomar consciência de suas possibilidades de escolhas e, enfim, a fazer opções entre elas. Qual será o melhor caminho do profissional diante da Arteterapia? Além das diferentes abrangências de modalidades artísticas, a Arteterapia se depara também com inúmeros referencias teóricos da psicologia, ambos tendo em comum os benefícios dos processos criativos e imaginativos, pois criar é tão difícil ou tão fácil assim como viver! – aduz Fayga Ostrower
O grande valor da Arteterapia reside em auxiliar o ser humano a lidar com relações de modo mais criativo com o mundo, ampliando a consciência sobre suas potencialidades e possibilidades de atuação no mundo em que vive. No caminho do arteterapeuta não existe uma melhor ou pior escolha, mas sim possibilidades... e cabe a cada profissional refletir e fazer suas opções, seja o aprofundamento baseado em Maslow, Freud, Jung, Winicott, Bachelard ou outros.
A composição deste livro amplia nosso conhecimento com uma variedade de experiências e reflexões no qual um texto complementa o outro, enriquecido por muitas histórias que nos fazem viajar, imaginar e aprofundar nossos olhares.
O livro inova ao integrar de maneira coerente a Arteterapia e com as linhas da psicologia, seja na perspectiva transpessoal, ou na concepção da psicanálise, como algo que permite ao homem criar, refletir, ressignificar e elaborar o que foi produzido objetivando que sua subjetividade seja parcialmente desvelada e transformada.
A obra trabalha ainda a arte dentro do enfoque psicoterapêutico de abordagem na linha de Winnicott e reflete sobre os materiais artísticos como mediadores do processo terapêutico e importantes no atendimento de casos difíceis de serem abordados dentro da clínica contemporânea. Explora o uso da arte e da produção literária no contexto arteterapêutico, bem como a simbologia de histórias ou mitos dentro da abordagem junguiana. E finalmente, apresenta de forma poética a prática da Arteterapia dentro do referencial de Bachelard.
Parabéns aos autores deste livro que vem nos ajudar a construir parte do conhecimento na área da Arteterapia e aos leitores que em muito se beneficiarão do mesmo!
Ana Cláudia Afonso Valladares
Arteterapeuta, Docente da UFG, Presidente da Associação Brasil Central de Arteterapia
Prefácio: confissão
Pode-se chamar de cura do espírito aquilo que faz vir à tona o que há de melhor e mais profundo no que cada um de nós carrega, muitas vezes sem nem mesmo saber que carrega? Serão os desejos, será a angústia, serão os medos que nos fazem sonhar? E serão arteterapeutas aqueles que nos ajudam a sonhar acordados e depois a incorporar às nossas vidas cotidianas esses conteúdos ressignificados que, sob a forma de arte – a mais pura e primitiva delas, pois que sem pretensão de agradar ninguém a não ser nossos próprios espíritos –, nos torna seres um tanto melhores, menos máquinas de se comportar e mais legitimamente humanos? É pouco provável, me parece, que todos nós que vivemos neste mesmo exótico endereço, este pequeno planeta, imaterial em nossas percepções, tenhamos a dimensão do que significa cantar (não, não interessa ser afinado, rítmico, ou mesmo ter ouvido musical); do que significa pintar ou desenhar (e, de novo, o que importa é apenas sonhar num papel ou numa tela ou mesmo num caco de cerâmica); do que significa modelar no barro – qual Prometeu – formas parecidas com o que há de divino em nós mesmos; do que significa escrever palavras-símbolos, que podem não significar nada para um leitor que se ponha a ler num nível de concretude categorizador, mas que representam um universo para o único leitor-vivente a quem interessa sua singularidade de criador e de vivenciador daqueles desenhos e formas e arabescos que nada dizem – mas tudo dizem – acerca de universos interiores que se reorientam ininterruptamente. E, diante do analista, do arteterapeuta, do facilitador tomam dimensões de uma cerimônia de expiação e de inundação da alma. Penso que são lugares santos estes onde recomeçamos a busca do Graal – que nunca termina – e nos pomos de novo a retrilhar o surgimento da imaginação, como nossos ancestrais, indo ao fundo das cavernas escuras somente para pintar nossos sonhos e nossas angústias e depois colocar nossa mão cheia de tinta na parede pintada para dizer: isto é meu! Isto sou eu! E, então, tornamo-nos relíquias vivas e fazemos com que os que venham depois também tenham o direito e a possibilidade de sonhar. E se cada pessoa é sua singularidade que apenas por si mesma pode ser vivida, não serão os tufões e as tormentas da pulsão civilizadora que a cada mil anos apregoa uma vez mais o fim dos tempos que virão a dizer-lhe: toma esta pena, toma este lápis, solta tua voz e destrona este cascão que te impede de vislumbrar a tua outra porção desta singularidade que em ti habita: escreve, pinta, canta, conhece-te a ti mesmo.
A Humanidade havia esquecido, mas, a partir de agora, a Arteterapia relembrará a todos ser este o processo de alfabetização da alma no ler-se a si mesma.
Ricardo Pires de Souza, escritor.
Introdução
A arteterapia surgiu como profissão em 1969, por meio da American Art Therapy Association, e atualmente vem crescendo no Brasil. Durante os últimos cinco anos, além de psicóloga e arteterapeuta, atuei como docente, supervisora e orientadora do Alquimy Art Centro de Pesquisa em Aprendizagem, em parceira com a Universidade Potíguar, e também como professora convidada da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo na área de Arteterapia. Diversos cursos de Pós-Graduação sugiram e neste processo nos deparamos com alguns questionamentos: quais são as possibilidades de atuação? Qual a singularidade da arteterapia em relação a outras terapias? Pode ter existência própria? Quais são as suas fronteiras?
Foi pensando nesses questionamentos que são meus, mas que também são de meus alunos e orientandos, que organizamos este livro, no qual convidamos profissionais de diferentes abordagens para promover uma interlocução sobre este tema: Arteterapia um novo campo do conhecimento.
No primeiro capitulo discutiremos a questão da transdisciplinariedade da Arteterapia e as possibilidades de transcendência dentro de uma perspectiva da Psicologia Transpessoal. No segundo capitulo o psicanalista Walmir Cedotti discute as possibilidades da Arteterapia e Psicanálise: dimensões subjetivas de uma possível morte simbólica. Pretende oferecer novas paisagens
acerca da temática contribuindo para que o arteterapeuta se inspire na busca das interfaces desses campos de saberes complexos, estimulando a produzir insights, desenvolver novos questionamentos e colocar-se em movimento para encontrar outros referencias conceituais e vivenciais.
No terceiro capitulo Patrícia Pinna Bernardo discute a arteterapia a serviço da vida e da cura de todas as nossas relações. Segundo a autora o fazer artístico pulsa entre o compartilhar dos valores e paradigmas constituídos e reconhecidos coletivamente e a afirmação do sujeito em sua singlaridade, particularidade de visão e concepções, atribuindo novos significados à realidade e, portanto, também interferindo no mundo em que vive.
Através das linguagens artísticas, o espírito ganha corporeidade e a matéria plasticidade. O interno e o externo, o real e o imaginário, entrelaçam-se num movimento formador e transformador. Ai reside um dos principais fatores terapêuticos da arte: poder dar visibilidade às tramas que permeiam as relações. (BERNARDO, 1999, p. 226).
No quarto capitulo Tânia Maria José Aiello Vaisberg traz artepsicoterapia na clínica winnicottiana do self e levanta a importante questão de que ser psicanalista no Brasil é um desafio, por mais de uma razão. De um lado, há que se considerar as difíceis condições de vida da população, que geram sofrimento emocional importante, pois que a precariedade socioeconômica evidentemente não favorece a qualidade do viver de indivíduos e grupos. Aponta o serviço clínico do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, a Ser e Fazer
Oficinas Psicoterapêuticas de Criação, que se organizam, desde 1997, ao redor de projetos de mestrado, doutorado e pós-doutorado.
No quinto capitulo Mônica Guttmann apresenta Arteterapia como um surpreendente e poderoso caminho de autoconhecimento e transformação. Aponta a literatura infantil e sua importância no desenvolvimento emocional e intelectual das crianças. Como ela mesma diz:
Talvez a segunda transformação e desafio no desenvolvimento da criança e do ser humano sejam a entrada e descoberta do mundo das palavras. Aprender a andar já provoca uma enorme mudança de percepção da realidade, pois a criança descobre que nem tudo que deseja está perto dela.
No sexto capitulo Carlos Théo Lahorgue desenvolve o tema: Entre o caos e a (des)ordem: manifestações, ressonâncias e estesias. Segundo o autor a modernidade não pode correr riscos. Tudo na modernidade é a média, no centro o padrão, fora da curva, a desrazão, o mítico, o afeto, a arte, a criança, o velho, a criação, o saber popular, negados porque instáveis.
Irene Gaeta Arcuri,
São Paulo, 29 de julho de 2006
Arteterapia: um novo campo do conhecimento
Irene Gaeta Arcuri
Temos arte para que a realidade não nos mate.
Nietzsche
Arteterapia é um novo campo do conhecimento, um campo de interfaces, interdisciplinar por natureza. Ao se constituir como um novo campo do saber, a Arteterapia se depara com a interlocução entre várias áreas do conhecimento: antropologia, arte, psicologia, neurologia, psiquiatria, filosofia, sociologia, etc., enfim, fazendo várias interlocuções, sem que seja possível que não seja assim.
Inter é sufixo latino que significa entre
, no meio de
. O termo interface
carrega em si a idéia de que há uma superfície de contato, de articulação entre espaços de realidades diferentes, que pode ser mais ou menos amplo e que varia de momento para momento, ou seja, nunca é estanque. E para que dois elementos funcionem em conjunto é necessária uma conexão, ou várias. Dessa maneira, podemos pensar que se trata de uma área do conhecimento interdisciplinar por excelência, a qual não pretende a unidade de conhecimentos, mas a parceria e a mediação dos conhecimentos parcelares na criação de saberes.
Trata-se de um exercício que requer responsabilidade pelo pensamento, pelas idéias, pelas ações e pelos sentimentos, viabilizando o conhecimento por meio de competências multifacetadas, incluindo uma racionalidade aberta e acolhedora, pois a emergência das emoções e também da intuição deve necessariamente estar incluída no processo como um todo. Certamente, não se trata de uma proposta simples, já que, neste sentido, a Arteterapia não apresenta um escopo de conhecimento básico exclusivamente seu, como seria o caso da biologia, por exemplo, ou da psicopatologia, entrando então estas em contato com outras disciplinas. O que ocorre, a meu ver, é o surgimento de um novo saber a partir de múltiplos outros saberes, o que suscitaria porventura o termo transdisciplinaridade
como o mais correto para designar o caminho que se descortina à nossa frente.
A perspectiva transdisciplinar requer a eficácia de uma dialógica, abertura para escutar o que se passa em outras esferas do conhecimento, mesmo mantendo posição divergente, pois é impossível saber tudo e, diferentemente da ciência cartesiana, na Arteterapia, conhecimentos divergentes não são necessariamente excludentes. A transdisciplinaridade aparece como um movimento de reconhecimento do espírito e da consciência, uma consciência nova de realidade e, a bem da verdade, uma nova realidade. É uma conciliação que resulta da compreensão e do re-equilíbrio entre o saber produzido e as necessidades interiores do Homem. Portanto, a transdisciplinaridade instala-se na interação entre o sujeito e o objeto, na compreensão de que a realidade é multidimensional, ou parafraseando Jung (1964, p. 23), diante do infinitamente grande e do infinitamente pequeno: não importa até onde o Homem estenda os seus sentidos, sempre haverá um limite à sua percepção consciente
, e a Arteterapia busca, no próprio cerne do seu nascimento, do seu desenvolvimento e da sua proposta, transcender este limite. Fazendo uso da arte como ferramenta de trabalho, a Arteterapia exalta e liberta as qualidades do indivíduo na práxis da vida, ajudando-o a sentir-se, pensar-se e a agir de acordo consigo mesmo, criando um canal de comunicação entre seus conteúdos conscientes e seus conteúdos inconscientes, ao longo de sua existência.
Trabalhando a criatividade, dando forma, cor, expressão aos sentimentos inomimados, conexões são feitas e novos significados podem ser atribuídos a velhas situações vividas que não puderam ter livre canal de expressão no momento em que ocorreram. A arte devolve a liberdade à alma aprisionada pelo vazio, pelo medo, ou ainda pelos sentimentos não nomeados (ARCURI, 2004), e leva à concretização dos anseios das necessidades interiores do ser humano.
Arteterapia pode ser considerada como a utilização de recursos artísticos em contextos terapêuticos, baseandose na percepção de que o processo criativo envolvido na atividade artística é terapêutico e enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. Age a serviço das leis da necessidade interior do Homem e facilita o entrar em contato com o poder criador de cada um, permitindo transpor para o exterior o que ocorre – via de regra, de maneira caótica – no interior, levando assim o paciente a poder observar, refletir, interagir, dialogar e elaborar. Proporciona o reconhecimento da dinâmica psíquica que é uma via de acesso à totalidade de ser.
O arteterapeuta amplia e desdobra o potencial do processo de criação do ser humano, como que num processo alquímico, ou como diria são Tomaz de Aquino (1999) citando Avicenna em seu Tratado da pedra filosofal: Tudo aquilo que existe em potência pode ser reduzido em ato.
As precursoras da Arteterapia foram Margaret Naumburg, em 1941, e Edith Kramer, em 1958. Naumburg foi responsável por sistematizar a Arteterapia. Começou a desenvolver sua teoria a partir do âmbito educacional e fez algumas relações com trabalhos realizados de forma espontânea. Suas técnicas de Arteterapia eram baseadas na pressuposição de que todo indivíduo pode projetar seus conflitos em formas visuais. Com abordagem psicanalítica, fazia uso da associação livre no trabalho de arte espontâneo, o qual era compreendido como uma projeção do inconsciente.
Posteriormente Janie Rhyne, em 1973, e Natalie Rogers, em 1974, contribuíram de forma significativa para a história da Arteterapia explicando como o processo criativo acontece. Rhyne uniu a teoria gestáltica ao trabalho com arte. O foco do seu trabalho foi a experiência vivida no presente, na teoria do contato, na sensibilização e no conceito praticamente intraduzível de awareness. Na experiência gestáltica de arte, o processo criativo acontece na medida em que as pessoas expressam suas emoções, confiando e usando suas percepções sensoriais. A Arteterapia surge então como uma profissão e, em 1969, foi fundada a American Art Therapy Association.
No Brasil, em 1925, Osório César começou a utilizar a Arteterapia no Juqueri e, posteriormente, a psiquiatra Nise da Silveira, em 1946, começou a desenvolver também um trabalho arteterapêutico no Rio de Janeiro, particularmente no atendimento de esquizofrênicos, criando mais tarde o Museu do Inconsciente.
Atualmente temos vários cursos de Arteterapia distribuídos por todo o país; estes têm crescido de forma rápida, e podemos dizer que a emergência e a consolidação do ensino e da pesquisa em Arteterapia no âmbito da universidade e fora dela é um significativo evento científico dos últimos dez anos no Brasil. Esse crescimento tão rápido parece ocorrer para atender as demandas do ser humano que, na atualidade, podem estar entorpecidos pela tecnologia e pelas doutrinas materialistas com