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Motricidade Humana
Autores: Prof. André De Fillipis
Prof. Gil Oliveira da Silva Junior
Professores conteudistas: André De Fillipis / Gil Oliveira da Silva Junior
André De Fillipis
Graduado em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), em 2007, especialista em
Educação Física Escolar pela Universidade Nove de Julho, em 2011, e mestre em Educação Física pela Universidade
Metodista de Piracicaba (Unimep), em 2012. Ministrou o módulo de Recreação e Lazer para o curso de Técnico em
Hotelaria no Senac/Piracicaba. Possui experiência na área de Educação Física, atuando, principalmente, nos seguintes
temas: recreação, lazer, motricidade humana e formação profissional. Experiência na área de hotelaria e turismo.
Atualmente é docente da Universidade Paulista (UNIP) nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Educação Física,
nas disciplinas de Corporeidade e Motricidade Humana, Recreação e Lazer, Dimensões Filosóficas e História da Educação
Física, e do Ensino Médio, no Colégio Madre Alix.
Graduado em Educação Física pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2007) e mestre em Treino Desportivo
para Crianças e Jovens pela Universidade de Coimbra (2011), em Portugal, tendo o título reconhecido pela Escola de
Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP). Trabalha no treinamento esportivo de pessoas com
deficiência e alto rendimento, na modalidade remo. Desde 2012, é docente na Universidade Paulista (UNIP), na disciplina
de Corporeidade e Motricidade Humana, além de atuar com ensino do esporte, aprendizagem e desenvolvimento
motor, crescimento e desenvolvimento humano.
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Informática: Tecnologias Aplicadas à Educação. / William
Antonio Zacariotto - São Paulo: Editora Sol.
il.
681.3
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Ana Fazzio
Juliana Mendes
Sumário
Corporeidade e Motricidade Humana
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7
Unidade I
1 CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA............................................................................................9
1.1 A corporeidade na história da humanidade..................................................................................9
1.1.1 O pensamento do corpo – da Grécia Antiga à Idade Moderna........................................... 10
1.1.2 O corpo – Do Renascimento a uma nova concepção com o capitalismo........................ 17
1.1.3 A corporeidade contemporânea ....................................................................................................... 24
1.1.4 O corpo segundo Foucault................................................................................................................... 29
2 A MOTRICIDADE HUMANA NA EDUCAÇÃO FÍSICA............................................................................ 33
3 A CORPOREIDADE NA EDUCAÇÃO FÍSICA E NO ESPORTE............................................................... 35
4 O PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA E A CORPOREIDADE....................................................... 42
Unidade II
5 QUALIDADE DE VIDA E SAÚDE................................................................................................................... 50
5.1 A percepção objetiva da qualidade de vida................................................................................ 54
5.2 A percepção subjetiva da qualidade de vida.............................................................................. 58
5.3 A relação entre as esferas das percepções objetiva e subjetiva......................................... 60
6 INSTRUMENTO PARA MEDIÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA.............................................................. 63
6.1 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)................................................................................ 64
6.2 Os instrumentos WHOQOL-100 e WHOQOL-bref..................................................................... 65
7 QUALIDADE DE VIDA E CORPOREIDADE................................................................................................. 71
8 EDUCAÇÃO FÍSICA E QUALIDADE DE VIDA............................................................................................ 76
8.1 Esporte e qualidade de vida.............................................................................................................. 84
APRESENTAÇÃO
Ao final desta disciplina, com o auxílio deste livro-texto, você será capaz de:
• Refletir sobre o fenômeno da corporeidade e motricidade humana como fundamento para uma
melhor atuação pedagógico-profissional.
• Ter como auxílio em seu trabalho teórico-prático, com a dimensão da corporeidade como
dinamizadora de aprendizagem, valores e princípios, os quais reagem para uma atuação mais
humanizada nas inúmeras possibilidades de trabalho com o corpo.
INTRODUÇÃO
Hoje em dia, o corpo pode ser estudado de diversas formas e em variados contextos, principalmente
na Educação Física, em que as áreas de estudos podem ser divididas em contextos biológicos, psicológicos
e sociais. Porém a observação do corpo deve ser vista e reconhecida como uma totalidade de aspectos,
que interagem e se interligam criando uma reflexão de sensações que constituem esse corpo.
Mas, para entendermos essa totalidade, é necessário colocar esse corpo como um sujeito
(corpo) que pertence a uma cultura e com ela se relaciona e se altera, tendo a absorção de ideias
e objetos, principalmente mediante ao movimento no espaço. Desta forma, a corporeidade é
caracterizada pelo preenchimento do espaço pela ação do movimento, criando um homem como
o ser no mundo, resgatando a ideia de interação do sujeito influenciado pela cultura, e a cultura
sendo modificada pelo sujeito.
Por fim, veremos como a corporeidade e sua relação com a cultura em que o corpo está inserido
afeta a qualidade de vida do indivíduo e sua motricidade.
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CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Unidade I
1 CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Os estudos e as ações do corpo do ser humano são divididos em diversas áreas, principalmente na
Educação Física, como Psicologia, Anatomia, Biologia, Fisiologia Humana e do Exercício, dentre outras.
Porém essa segregação do corpo humano em partes é incapaz de retratá-lo por inteiro, especialmente
a interação dessas áreas de estudo com a relação corpo-mente e as influências que o mundo exerce
sobre esse corpo e essa mente, mas também a força inversa, do corpo e da mente, alterando o mundo
em que estão inseridos (SCORSOLINI-COMIM, AMORIM, 2008).
Essa dicotomia de corpo e mente não é algo contemporâneo; vem desde o início dos pensamentos do
ser humano, com os filósofos da Grécia Antiga, passando pela Idade Média e pelo Período Renascentista,
seguida pela Revolução Industrial na Inglaterra, chegando à modernidade e à contemporaneidade
(SCORSOLINI-COMIM, AMORIM, 2008).
A forma pela qual o homem lida com sua corporeidade é resultado de uma construção social,
consequência de um processo histórico em que o contexto social interage de uma forma extremamente
dinâmica, direcionando e modificando a maneira de o corpo se expressar.
O corpo do ser humano carrega a história acumulada de uma sociedade que contém seus valores,
suas leis, suas crenças, ou seja, sua base de construção social.
O homem, por toda a sua história, apresenta diversas maneiras de entender e tratar seu corpo, que
se comporta em determinado contexto social. Gonçalves (2012) retrata que os corpos variam as técnicas
em relação:
• Aos movimentos das atividades diárias ou às habilidades motoras fundamentais (andar, correr
e pular).
• Aos movimentos corporais expressivos (gestos, posturas, expressões faciais), que são formas de
expressão não verbais.
• À ética corporal, que contempla as ideias e os sentimentos sobre a aparência do próprio corpo
(pudor e ideal de beleza).
Apesar de serem contextos comuns, podem se diferenciar nas questões de ordenação e interação
entre eles, mas também alterar a forma pela qual se manifestam na sociedade conforme características
sociais, como sexo, idade, religião, ofício, classe social, dentre outros fatores socioculturais.
Os primeiros pensadores da Era Antiga, como os filósofos Heráclito de Éfeso (540 – 470 a.C.), Parmênides
de Eleia (530-460 a.C.) e Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.), mais precisamente da Grécia Antiga, tida
como o berço do pensamento ocidental (CESTARI, 2002), não tinham a preocupação ou não colocavam em
questão a dicotomia entre corpo e alma – entendida como mente (CARDIM, 2009).
Na concepção desses pensadores, essa separação não existia, pois corpo e mente são concebidos de
modo harmônico, compondo um ser único, indivisível e visível. O corpo, para os gregos, era considerado
uma forma bem abrangente, denominando soma (corpo), quantidade de matéria, psique (alma) e
pneuma (sopro), que daria vida a essa quantidade de matéria definida (GALLO, 2006).
Para exemplificar como o corpo não era visto de uma maneira segregada da mente (alma), em
Ilíada, de Homero (séc. VIII a.C.), e Antígona, de Sófocles (496 – 406 a.C.), ocorrem dois episódios
de morte, nos quais fica claro que o corpo na sociedade grega tinha muita importância, pois era
necessário enterrá-lo para que a alma pudesse se separar desse ser humano, que perdera a vida, para
juntar-se ao reino das sombras.
Além disso, as obras gregas apresentam a representação do corpo nas pinturas, nos afrescos e nas
esculturas, com grande detalhe e fidelidade às formas do ser humano (CARDIM, 2009).
Logo, soma e psique, ou seja, corpo e alma, não eram realidades segregadas ou separadas, mas ao
contrário, se completavam (GALLO, 2006).
O filósofo grego Platão (429-347 a.C.) dá início ao platonismo, com o gesto teórico de fundação da
oposição entre corpo e alma, considerados um contrário ao outro, obtendo, dessa forma, um dualismo
(CARDIM, 2009; CAVALCANTI, 2005).
Platão desenvolveu uma visão fundamentada em uma divisão do mundo: real e ideal (GALLO, 2006):
• Mundo sensível: uma realidade sensível, captada pelos sentidos compostos de matéria, que é dado
à corrupção. Os objetos produzidos nesse mundo são cópias das ideias (mundo ideal) perfeitas,
porém a matéria é corroída pelo tempo e está fadada ao desaparecimento.
• Mundo inteligível: uma realidade ideal, captada somente pelo intelecto – a última verdade de todas
as coisas –, perfeito e eterno, sem transformações, pois as coisas serão como sempre foram.
O ser humano é composto por um corpo; porção de matéria que habita o mundo real ou sensível,
portanto corrupto e que tende à morte, e por uma alma, que é pertencente ao mundo ideal, logo
perfeita e imortal.
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CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Para Platão, a alma comandava e polarizava todas as ações do corpo, ou seja, movia o corpo do seu
interior, sendo ela o princípio do movimento; o corpo, que é movido pela alma, é ao mesmo tempo a
prisão da alma e seu túmulo. Mesmo com essa afirmação, o homem não é somente corpo físico ou alma,
mas necessariamente uma junção dessas duas realidades (GALLO, 2006).
Com essa separação, a alma acaba assumindo um papel de uma “quase divindade” imortal, tendo a
capacidade de pensar, denotando um ser único e com identidade. Em contrapartida, o corpo é tido como
mortal, assumindo várias formas, desprovido de inteligência, sujeito ao processo de decomposição, por
isso nunca permanecerá idêntico (CARDIM, 2009).
O homem é composto por três tipos de alma que, segundo Platão, são distintos, dois de natureza
inferior, totalmente ligados ao corpo, portanto imperfeitos e mortais, e o terceiro, ligado a uma natureza
superior, ao mundo ideal, ou seja, perfeito e imortal (GALLO, 2006).
Corpo
Alma superior
A alma superior está ligada à racionalidade, é responsável pelos pensamentos e, segundo o filósofo,
está localizada na cabeça. As almas inferiores, ligadas a bens materiais e à luxúria – responsável pelos
desejos –, têm sua localização na região abaixo do abdome. Por fim, a alma irascível, responsável pelas
emoções e paixões, encontra-se no peito do ser humano (GONÇALVES, 2012).
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Unidade I
Observação
Figura 3 – Platão
Com essa separação entre corpo e alma, é interessante observar, como dito anteriormente, a noção
de imortalidade da alma e a relação do homem com as divindades gregas, pois era por meio da alma que
os homens se relacionavam com os deuses e estes os influenciavam. “Por ser intermédio do corpo que a
alma dá expressão ao que quer manifestar” (CARDIM, 2009, p. 25).
Tendo essa ideia de corpo controlado pela alma, Platão afirma que existem três tipos de temperamento
ou caráter, que advêm dessas almas, os quais determinavam a ordem social e educacional da Grécia
Antiga (GALLO, 2006):
• Caráter concupiscível: a alma inferior é predominante e faz tomar decisões com base nos desejos.
• Caráter irascível: a alma que predomina marca as decisões do ser humano com base nas emoções.
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CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Alma racional
ou intelectual
Alma irascível
Alma concupiscente
Na obra República, Platão (2000) descreve que os tipos de caráter determinam como seria a educação
das crianças, a partir da identificação da alma predominante, uma vez que essa identificação direciona
para o lugar na sociedade.
Para as pessoas com caráter concupiscível, eram destinados os trabalhos como artesão, aos indivíduos
com caráter irascível, a função de guerreiros e guardiões da cidade, e por último, os cargos de filósofos,
magistrados e governantes das cidades, às pessoas com predominância de caráter racional.
caráter concupiscível –
da educação trabalhos de artesão
Para Platão, o corpo era algo tão insignificante que ele considerava que a alma de um filósofo deveria
afastar-se do corpo, pois atrapalhava os raciocínios, impedindo a percepção da verdadeira realidade,
pelos sentidos e sensações do corpo, como a visão, a audição ou a dor (QUEIROZ, 2008).
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Unidade I
O corpo, na ótica platônica, acaba causando guerras, sendo corrupto, e a inteligência ou a alma é a
única esfera em que se deve investir para ter conhecimento total do mundo em que se vive (QUEIROZ,
2008; CARDIM, 2009).
É importante deixar claro que essa relação que Platão impõe da alma sobre o corpo está
estreitamente ligada à visão de uma compreensão total do mundo e da humanidade. Esta visão,
principalmente sobre o aspecto da imortalidade da alma, tem uma forte relação do homem com o
divino, no caso, os deuses da Antiga Grécia, pois, por intermédio da alma, os deuses influenciavam
os homens, os quais devem ser justos e dominar a si mesmos, tendo uma harmonia do corpo,
dando qualidade à alma (CARDIM, 2009).
Foi desenvolvido por Platão esse dualismo, tendo a concepção de que corpo e alma
possuem realidades completamente diferentes, porém estão relacionadas, necessariamente.
Se o corpo é mortal e imperfeito, faz-se necessário que a alma seja exercitada, para que o
indivíduo se aproxime cada vez mais da perfeição que está muito distante do mundo físico
(GONÇALVES, 2012).
No pensamento a respeito dessa relação corpo e alma, na Grécia Antiga, deve-se citar
o filosofo Aristóteles, que sustenta um pensamento diferente do platonismo, uma vez que
coloca a alma como uma forma interior da vida, mas que está inteiramente ligada ao corpo
(CARDIM, 2009).
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CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Figura 7 – Aristóteles
De acordo com Aristóteles, o homem deve investigar a realidade da natureza e o corpo pertencente à
natureza, contemplando essa realidade, em um mundo que já é o ideal. A alma deve ser entendida como
um princípio vital de todo ser vivo, como um ato do corpo organizado (CARDIM, 2009).
Aristóteles também criou a Teoria do Hilemorfismo, considerando que o conteúdo (alma) não poderia
ser separado da forma (alma), pois um fazia parte do outro, ou seja, o corpo era uma extensão, uma
realidade física limitada por uma superfície (MOREIRA, 2006). Portanto, corpo e alma são dois aspectos
distintos, porém inseparáveis, de uma mesma realidade.
A alma era responsável por conservar e reproduzir a vida por meio das faculdades de nutrição e
reprodução, além das faculdades sensitivas, que eram divididas progressivamente pelos sentidos, dos
mais simples, como o tato, até os mais complexos, como paladar, olfato, audição e visão, além da função
de sentir dor e prazer (GALLO, 2006).
Era inconcebível e sem sentido, para Aristóteles, uma visão dualista de separação entre corpo e alma,
pois só é possível as ações das faculdades anímicas com uma relação entre corpo e alma (GALLO, 2006).
Observação
Mediante essa relação colocada por Aristóteles, a alma é aquilo que anima o corpo gerando o
movimento, ou seja, qualquer movimento físico só é realizado por intermédio da alma. O pensamento
também só é realizado porque é uma faculdade da alma, uma vez que temos o corpo estabelecendo
uma dependência entre ambos.
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Unidade I
A preocupação desse filósofo com o corpo fica clara quando Aristóteles recomenda às mulheres que,
durante a gravidez, não fiquem ociosas, se alimentem bem, exercitem o corpo e mantenham o equilíbrio
espiritual para um bom desenvolvimento de suas crianças (MOREIRA, 2006).
Para Aristóteles, é importante que o corpo se mantenha ativo e seja educado desde a infância, porém
sem excessos e esgotamentos físicos, evitando problemas, inclusive danos físicos (GALLO, 2006).
Na Idade Média, período que é compreendido do século V ao século XV, o corpo acaba sofrendo um
processo de descorporalização, em que se tem uma evolução contínua da racionalização, ideia muito
semelhante à do filósofo grego Platão (GONÇALVES, 2012).
Para se entender isso, a maioria das ações do homem em sua vida cotidiana estava ligada a atividades
corporais, e o seu corpo era instrumento de trabalho, sustento e comunicação com a sociedade.
Segundo Gonçalves (2012), o corpo tinha a característica para as ações humanas de noção de tempo,
personalidade e economia.
As ações humanas relacionadas à noção de tempo estão ligadas ao desenrolar natural do tempo, às
estações do ano que vão determinar os períodos de plantar e colher, que, por sua vez, estão relacionadas
com o crescimento das plantas e o ritmo de reprodução dos animais.
A ideia de personalidade sobre as ações do corpo no homem está ligada ao sistema de castas imposto
pela Idade Média, em que o indivíduo nascia “dentro ou fora dos muros”, e dessa condição ele não
poderia sair. A personalidade da pessoa era renegada em razão das características do sistema feudal, que
era fundamentado em um princípio de trabalho, domínio e prazer.
Figura 8 – Representação da sociedade feudal, durante a Idade Média, com separação em classes sociais,
que determinava como o corpo e as ideias iriam se apresentar
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CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
A economia, por sua vez, era orientada para a subsistência, ou seja, os indivíduos tinham
atividades, como a agricultura, para seu sustento e o de sua família. As sensações de fome e sede
regiam a relação econômica; quase não se conhecia a necessidade de planejamento e cálculos
com ideias monetárias. Logo, a economia estava ligada à satisfação das necessidades básicas
(HUIZINGA, [s.d.]).
Essa descorporalização se dá principalmente por questões religiosas impostas na Idade Média, uma
vez que a Igreja tinha grande influência no sistema social, comercial e político nessa época (DUBY, 2011).
Um dos responsáveis pela concepção de corpo na Igreja foi Santo Agostinho, que o definiu como
um cárcere da alma, sendo uma parte orgânica, concebida ao homem, como forma de punição
(SILVA, 2013).
Essas ideias vão ao encontro do conceito platônico e acabaram sendo um dos fundamentos da
Igreja, aplicando esse dualismo, que tinha a oposição entre bem e mal, graça e pecado, corpo e matéria,
Deus e homem e, principalmente, luz divina e trevas eternas (ALMEIDA; PETRAGLIA, 2008).
Agostinho tinha um pessimismo em relação ao corpo do ser humano, às sensações que ele produzia
e às criações terrenas, que poderiam ser belas e atraentes, mas que não passavam de objetos sem valor
(AGOSTINHO, 1996).
A alma deveria governar e manter vigilância constante sobre o corpo e seus sentidos para
que estes não impedissem que se conhecesse a verdade divina e somente a alma pudesse salvar o
corpo, colocado no caminho da divindade (AGOSTINHO, 1996; QUEIROZ, 2008). Essa visão dualista
e negativa do corpo, primeiramente proposta por Platão e incorporada aos ensinamentos da
Igreja, teria reflexos sociais, políticos e educacionais por muitos séculos seguintes (ALMEIDA;
PETRAGLIA, 2008).
No campo do pensamento do local ou lugar que o corpo e a alma ocupam, o filósofo francês René
Descartes (1596-1650) tem na base de seu pensamento a importância do método como ponto principal
para a construção do saber (CARDIM, 2009).
17
Unidade I
Esse método, desenvolvido por Descartes (2009), é a única maneira de obter o entendimento do
conhecimento e da ciência, aplicando-se em todas as perspectivas da sociedade, até mesmo para o
próprio corpo, ao considerar “um pensamento puro a correspondência ou adequação da ideia ao ideado,
do sujeito e objeto, a existência e a veracidade divinas [...] e a distinção real entre alma e corpo” (CARDIM,
2009, p. 30).
Lembrete
18
CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Essa separação proposta por Descartes pode parecer semelhante ao proposto por Platão, que
também apresentava uma separação entre o sensível (corpo) e o inteligível (alma/mente), porém nesta
nova forma de se separar corpo e alma é colocada uma concepção cartesiana – quase matemática – em
que a alma é o pensamento e o corpo é somente uma extensão da alma – um não depende do outro
(CARDIM, 2009).
O ser humano é composto por duas substâncias: o corpo é a substância, ou a coisa extensa, e a alma
é a substância pensante, ou a coisa pensante. Assim, Descartes (2009) confere ao corpo e à alma uma
autonomia completa e independente; apesar de a alma estar inserida no corpo, o pensamento (alma) e
a extensão (corpo) não estão ligados.
Espírito
Corpo
Figura 11 – Mesmo tendo passado muito anos, ainda existe o dualismo corpo e mente
Para esse filósofo, fica claro que é o pensamento que controla a extensão, ou seja, o corpo não é
capaz de se movimentar, sentir e pensar, mas é movido por algo que lhe é tocado, no caso, o que move
o corpo é a alma (GALLO, 2006).
Logo, o corpo é movido, porém não por si, trazendo a ideia de corpo-máquina, que é manipulado e
dominado tendo em vista um modelo mecanicista (GALLO, 2006; CARDIM, 2009).
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Unidade I
Quadro 1
Mente Corpo
Consciência pura Sensações
Pensamento Movimentos
Vontade Emoções e paixões
Não biológica Biológico
Compreensão/vontade Áreas confusas entre mente e corpo
Julgamento (emoções e percepções)
A filosofia cartesiana proposta por Descartes toma como verdade a alma em detrimento do corpo,
por causa da busca do conhecimento verdadeiro, e a única forma de obter e produzir esse conhecimento
é pela razão, que é uma faculdade da alma, enquanto o corpo, por meio dos sentidos e das sensações,
como sede, é capaz de enganar o ser humano.
Com esse pensamento, Descartes foi um dos precursores da Era Moderna com o paradigma cartesiano
(VILELA; MENDES, 2003), pelo qual se julgava que a única forma de se adquirir conhecimento era por
meio da razão e do pensamento intelectual.
O pensamento científico acelerou o surgimento de diversas áreas da ciência, de como o trabalho era
executado, principalmente em virtuda da Revolução Industrial na Inglaterra, onde ocorreu a mecanização
do trabalho e da mão de obra, sendo o corpo reduzido a um mero instrumento da alma. Porém deveria
ser exercitado para cumprir as ordens da alma (GONÇALVES, 2012).
Além da racionalidade, a crescente ideia do capitalismo mudou como o corpo é visto e encarado,
pois ele perde a ideia de proibição que era proposta pela Igreja, na Idade Média (CAVALCANTI, 2005).
Com o surgimento de uma nova visão do corpo como um objeto científico, o capitalismo coloca
uma nova percepção de encarar o corpo na sociedade, haja vista a religião não apresentar mais tanta
legitimidade sobre essa perspectiva.
Porém, em oposição a como o corpo era tratado e encarado, e principalmente contrário aos
pensamentos cartesianos propostos por Descartes, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900)
descarta a ideia de que o corpo é mera extensão controlável da alma (GALLO, 2006).
20
CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Nietzsche trata o corpo vivo como uma perspectiva ambiente, ou seja, o corpo em um contexto
social no qual é inserido, diferentemente da visão platônica e religiosa, que despreza o corpo e o
mundo em que ele está presente, isto é, a vida em detrimento do mundo inteligível ou perfeito. O
filósofo investiga os estados de saúde e doença, bem como a vida afetiva e fisiológica que dominam
as experiências de um homem vivo.
Com essas palavras, o filósofo inverte as concepções anteriores segundo as quais alma se sobrepõe
ao corpo e o substitui, como era abordado pela religião, pelo corpo vivido, que interage interna e
externamente por meio de seus sentidos e sensações.
A partir dessa perspectiva de corpo vivo, Nietzsche reconhece que é necessário interpretar o que o
corpo faz, decifrando a linguagem que ele transmite, pois é por meio do corpo que se conhece a alma,
e não o inverso (CARDIM, 2009).
21
Unidade I
Lembrete
Na mesma concepção de um corpo interagir com o meio em que vive, Karl Marx (1818-1883),
com o recurso de seus sentidos, e não apenas em seu pensamento, observa que o trabalho é a ideia
central para se entender o homem e sua corporeidade, pois no trabalho o homem exerce movimentos
que pertencem à sua corporalidade – braços e pernas, entre outras partes – com o objetivo de alterar
e utilizar a matéria natural para sua utilidade, assim o corpo se torna humano por sua atividade
produtiva (GONÇALVES, 2012).
No livro Manifesto Comunista (MARX; ENGELS, 1998, p. 15), os autores condenam com veemência
a exploração do corpo do trabalhador, de sua força de trabalho, em que as características corporais do
ser humano, como idade e sexo, não possuem valor ou significado, ou seja, “diferenças de sexo e idade
não têm qualquer relevância social para a classe trabalhadora, só instrumento de trabalho, cujo preço
varia conforme a idade e o sexo”.
22
CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Figura 14
Saiba mais
23
Unidade I
A visão dualista, desenvolvida principalmente pelos filósofos Platão e René Descartes, é antiga,
porém ainda permanece fortemente no homem e na sociedade.
Pensadores, como Nietzsche e Marx, mudam a forma de ver o homem e, principalmente, como o
corpo é observado, pois no pensamento dualístico e cartesiano o corpo sempre é oprimido, ou pela alma,
ou pela razão.
24
CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Porém, no pensamento contemporâneo se tem dado uma atenção especial – já vindo de Nietzsche e
Marx – para a importância do corpo dentro de uma visão mais complexa do que é o ser humano e sua
relação com o mundo.
O filósofo Merleau-Ponty traz em seus trabalhos a ideia totalmente contrária ao dualismo, visão
cartesiana e mecanicista introduzida por Descartes, ao afirmar que o homem é um ser vivo, inserido
em um meio definido, que parte de um desenvolvimento de projetos e atua na mudança desse meio
(QUEIROZ, 2008).
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Unidade I
Michel Foucault trata o corpo como uma esfera política, alvo de relações de poder na sociedade
moderna, utilizado desde a Idade Média, por intermédio de castigos corporais e torturas, até a Idade
Moderna e a Pós-Moderna (contemporânea), tendo um corpo treinado, submisso e dócil, passível de
controle e manipulação (QUEIROZ, 2008).
O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty dá início a uma nova época na filosofia para a vida, à
historicidade, à subjetividade e à cultura do indivíduo e da sociedade cujo corpo tem sua plenitude em
subjetividade e é recortado pela história, sendo o corpo presente nesse elo entre o indivíduo e a história,
que irá refletir em decisões teóricas e práticas da vida e do conhecimento (NÓBREGA, 2007).
Saiba mais
Observação
Merleau-Ponty apresenta uma visão diferente a respeito do corpo, ao encarar a percepção como
algo distinto das sensações, mesmo sendo uma casualidade na questão de uma resposta condizente
com um estímulo dado pelo mundo (NÓBREGA, 2008).
Por conseguinte, as sensações são fundamentais para a percepção, uma vez que a sensação
não é um estado ou uma qualidade, nem consciência ou estado de qualidade, mas, sim,
compreendida como um movimento da percepção, que, por sua vez, é uma atitude corpórea,
tendo um pensamento diferente do empirismo ou do racionalismo, em que se considera somente
a relação estímulo-resposta. Assim, a percepção é a apreensão do sentido ou dos sentidos que se
26
CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
faz através do corpo, pelo corpo, sendo este uma expressão criadora, com diferentes formas de
observar o mundo e interagir com ele (NÓBREGA, 2007; 2008).
Esse pensamento tem como objetivo buscar a compreensão do homem de uma forma integral,
desenvolvendo a ideia de um “ser no mundo”, o qual recebe um caráter ambíguo, sem a separação de
corpo e alma, corpo e objeto, ao pensar no corpo sob a experiência do próprio corpo, em uma relação
com o mundo ou outro corpo (GONÇALVES, 2012; CARDIM, 2009).
O corpo é tratado como um campo criador de sentidos, porque a percepção não é uma representação
da mente, mas, sim, acontecimento da corporeidade. O corpo sensível, que é feito da mesma matéria
que o mundo, pode interagir com ele, dando sentido aos seus acontecimentos, e ao mesmo tempo tem
a difícil tarefa de escolher e tomar decisões (NÓBREGA, 2007; 2008).
Dessa forma, é interessante observar um ponto principal de o corpo ter uma intencionalidade,
refletida pelo movimento, que é uma concepção principal, trazendo a ideia de que a percepção do corpo
é uma inabilidade na falta de movimento.
Com essa realidade do corpo, ou a sua intencionalidade, que é refletida pelo movimento, é
permitido a esse corpo sentir e perceber o mundo, os objetos e os outros corpos, possibilitando ao
indivíduo imaginar, sonhar, desejar e pensar em outras características do corpo e do sujeito. Esse
comportamento é reconhecido como exercício da corporeidade (MERLEAU-PONTY, 2006; NÓBREGA,
2007; 2008; MACHADO, 2010).
Logo, liberdade é a interação entre o interior e o exterior do ser humano e as escolhas, que são feitas
em determinadas situações, resultado de estrutura psicológica e histórica, tendo uma mistura entre
tempo natural, tempo afetivo e tempo histórico.
O gosto pessoal, as preferências, as rejeições e os desejos são confundidos por uma análise subjetiva,
na qual se relaciona com o tempo vivido, o corpo, a sociedade, os objetos e os outros corpos. Esse
comportamento é dirigido para as ações do corpo no mundo, porque essas ações subjetivas têm seu
início no mundo, sendo significativas no conjunto de relações com o mundo vivido.
27
Unidade I
Considerando, dessa forma, que o homem desaprendeu a conviver com a realidade do corpo e a
experiência que os sentidos trazem, sempre privilegiando a razão ou o intelecto (NÓBREGA, 2008).
Saiba mais
Merleau-Ponty não concebe o corpo em partes, ou um conjunto de órgãos de sentido com funções
e atitudes passivas de somente captar os estímulos, mas o corpo de um indivíduo/sujeito que olha,
observa e sente. Essa experiência faz que o corpo reconheça o espaço como expressivo e simbólico.
Esse comportamento é o potencial da atividade do ser humano criativo, sendo o principal constructo
da capacidade de superar e criar estruturas nas experiências vividas pela percepção (MACHADO, 2010;
NÓBREGA, 2008).
Os significados, trazidos pela percepção do mundo, expressam realidades estruturais que são
manifestadas na corporeidade. Pelo corpo do ser humano, de forma sensível, ele se efetiva no mundo,
que envolve toda percepção do ser humano e de seu corpo. O ser no mundo é reconhecido no corpo
de forma sensível, não se reduzindo aos dados sensíveis, revelando propriedades do objeto ao mesmo
tempo que revelam o caráter inesgotável das coisas (MACHADO, 2010).
Cardim (2009, p. 89) relata que “não podemos abrir mão, nem do ponto de vista subjetivo, nem
do objetivo. O homem é simultaneamente sujeito e objeto, ativo e passivo”, em uma tensão dialética
(GONÇALVES, 2012).
“sentiente” e sensível. Quando a mão toca algum objeto, ao mesmo tempo, ela é tocada, ou seja, tem-se
a existência de uma exploração do mundo com o conhecimento do corpo.
A reflexão não é constituída por uma consciência pura, mas, sim, enraíza-se
na experiência sensível, na qual se encontram a gênese do sentido e o
fundamento do mundo cultural [...]. A reflexão nunca abarca a realidade
em sua totalidade, mas permanece aberta para novas significações
(GONÇALVES, 2012, p. 68).
A história dos seres humanos é criada por diversos meios, e esse corpo reflete a cultura em que está
inserido, tornando-se sujeito, em três linhas conceituais (ALMEIDA; BELLO, 2015):
• O sujeito produtivo.
29
Unidade I
Esse poder que interfere materialmente na realidade mais concreta do sujeito – o seu corpo,
o corpo social, adentrando sua vida cotidiana, é caracterizado como micropoder ou subpoder
(SILVEIRA, 2007).
O controle que Foucault retrata em seus trabalhos não está relacionado ao poder político
governamental, como disseminado pela filosofia marxista, mas em todos os locais – esferas sociais – e
atinge todas as pessoas no processo de instalação de relações, na ação ou no conjunto de ações de um
indivíduo sobre o outro.
Assim, estabelece não um poder único, mas diversas práticas de um poder cotidiano, que abrange
todas as estruturas socias, por algum mecanismo de poder no qual se destaca a disciplina. Esta, por
sua vez, instaura uma política do corpo humano por meio de uma série de intervenções e controles
reguladores, sendo uma biopolítica da população, um controle de massa, e não individual, como era
realizado na Antiguidade por meio de penitências e suplícios, portanto em uma microestrutura e em
uma macroestrutura (ALMEIDA; BELLO, 2015; CARDIM, 2009).
30
CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Figura 21 – O sistema prisional é utilizado para uma doutrinação, por meio de uma disciplina punitiva,
para os sujeitos que não têm ações condizentes com as estruturas sociais vigentes
31
Unidade I
Um corpo disciplinado significa aquele mantido sob controle, que, por sua vez, torna um corpo
introjetado, ou seja, sem a consciência de questionamento pelo indivíduo. Essa disciplina leva a um
autocontrole, sem necessitar de comando externo (GALLO, 2006).
Esse corpo dócil está relacionado a uma política de controle da energia produtiva individual cuja
disciplina se baseia em quatro elementos (ALMEIDA; BELLO, 2015):
• O controle da atividade individual mediante reconstrução do corpo como portadores de forças dirigidas.
• Composição das forças pela articulação funcional das forças corporais em aparelhos eficientes.
Segundo Foucault (1987), a origem da disciplina se configura por meio de três formas de adestramento
do corpo: a vigilância hierárquica, as sanções normalizadoras e o exame.
Um sistema de controle sobre o corpo, que integra uma rede de controle vertical (hierarquia),
utilizando-se de meio de observação e conferindo o efeito de fiscalização de produção, principalmente
em sistemas produtivos, tendo como objetivo o lucro (por exemplo, as fábricas).
1.1.4.3 Exame
Relacionado com as duas técnicas anteriores (vigilância e sanção) cujas relações de poder constroem
o saber e constituem o sujeito de relações de poder e saber.
Esses são mecanismos de disciplina com os quais o poder, utilizado sobre o corpo, torna-o objeto e
alvo de submissão. Por isso a disciplina tem como objetivo fabricar corpos exercitados para desempenhos
e tarefas específicas, aumentando, assim, a força dos corpos em questões econômicas de utilidade, mas
ao mesmo tempo diminuindo o corpo em termos políticos de obediência (SANTIN, 2008; MOREIRA,
2008; ALMEIDA; BELLO, 2015).
Foucault compreende o fenômeno corpóreo do ponto de vista bélico, como um jogo de forças,
por meio do disciplinamento do corpo por uma força política, tendo a disciplina novas relações
nos meios em que ela ocorre – tanto com barreiras arquitetônicas quanto escolares e instituições
com níveis sociais.
Assim o corpo é educado, com relação à sua expressividade, sensibilidade e criatividade, tendo uma
reflexão sobre os poderes e as práticas que moldam esse corpo na idade atual.
O corpo até hoje não alcançou uma libertação, pois sempre esteve preso a esquemas que o
controlassem, desde um corpo manchado, que continha uma alma purificada, até um corpo sujeito de
poder, que perpassa pela docilidade proposta por Foucault. Hoje o corpo esportivizado pode ser a última
forma de uma imagem corporal – belo e forte –, pela qual se pode ter a ideia de mente sã em corpo são,
criando os padrões de beleza atuais.
O corpo em movimento sempre foi e será um dos encantos para a Educação Física, independentemente
de que área ou esfera esse movimento seja executado: um jogo recreativo, um ambiente escolar, uma
dança ou no contexto de esporte de alto rendimento.
33
Unidade I
Porém, se a compreensão desse movimento for realizada de uma maneira segregada – por exemplo,
somente nos aspectos fisiológicos, como a via energética utilizada, ou nos aspectos psicológicos, como
a aferição dos níveis de estresse ou ansiedade –, será que os seus resultados irão se expressar de maneira
geral e completa?
Em muitos casos, a Educação Física acaba por ter uma visão reducionista do homem em movimento,
sem o entendimento das necessidades do corpo ou do ser humano em movimento, pois acaba por
excluir a complexidade de um ser ou um corpo físico, psicológico, cultural, econômico e político, ou seja,
uma interação complexa e interdependente (ZOBOLI; BARRETO, 2011).
Tojal (2011) tem como base a obra do filósofo português Manuel Sérgio, na qual a motricidade
emerge com um sinal da corporeidade de quem está no mundo para alguma coisa ou um objetivo. Com
esse pensamento, o movimento está relacionado ao entendimento de uma compreensão e interação
com o mundo e do mundo com o corpo/sujeito em respeito à complexidade do ser humano.
De acordo com Sérgio (1986, p. 11), “não estou diante do meu corpo, estou no meu corpo, sou o meu
corpo”. Com isso, tem-se a ideia de uma linha complexa entre os componentes internos, como o sistema
nervoso, e dos componentes externos, como a cultura captada a partir das experiências do sujeito,
conferindo, deste modo, uma intencionalidade.
História Sociologia
Áreas científicas
Motricidade Humana
(objeto de estudo)
Figura 25 – A motricidade humana envolve diversos aspectos e áreas de estudos do ser humano
Com esse pressuposto, a motricidade irá evidenciar a busca da superação de algo que interessa ao
sujeito, que é particular, tendo como foco o seu máximo (TOJAL, 2011).
A educação não pode observar o corpo somente como uma estrutura composta por músculos,
esqueleto e articulações, que compõem o sistema locomotor, ou seja, não deve se preocupar somente
com o movimento produzido, mas também com o sujeito, o ser humano que produz o movimento
(MOREIRA; NÓBREGA, 2008).
A motricidade representa um significado para o próprio corpo, pois apresenta um sentido, refletindo
e manifestando a intenção do próprio corpo, aumentando o entendimento da percepção, que é a ligação
entre o corpo e o mundo (MOREIRA; NÓBREGA, 2008).
Dessa forma, motricidade é muito mais do que um organismo, composto por um conjunto de
conceitos, é o homem integral em movimento, expressando a sua corporeidade nos belos movimentos
corporais, sempre com intencionalidades, em consonância com o mundo, relacionando-se com as coisas
e inserindo o ser humano em um processo construtivo.
O homem tem suas primeiras experiências de exploração do mundo pelo movimento – motricidade –,
constituindo um processo de humanização, pois a aprendizagem de cada indivíduo ocorre em sua
relação com o meio social.
A motricidade humana é um fenômeno com extrema complexidade, pois ela não nasce pronta,
não tem uma ordem cronológica, nem estágio que acontece, pois é influenciada pelo meio social,
dependendo de uma interação. Apesar de se observar o ser humano como uma única expressão, esse
ser unitário apresenta múltiplas dimensões que vão influenciar a sua motricidade; decorrente disso, a
construção pode ser feita de uma infinidade de possibilidades.
Lembrete
A motricidade é a corporeidade representada pela intencionalidade de
movimento.
Qual o foco dos estudos da Educação Física? Como a Educação Física compreende e intervém nele?
A resposta, para parte dessas perguntas, é que o principal objetivo dos estudos e da compreensão da
Educação Física é o corpo do ser humano, que é estudado de uma maneira segregada e esquadrinhada
em diversas áreas de atuação, como Anatomia, Fisiologia Humana, Biologia e Psicologia.
Existe uma tendência a uma visão dualista do homem na Educação Física, principalmente pelas
pesquisas realizadas, cuja procura estava relacionada a constatações de corpos medidos, comparados,
desmembrados em variáveis e tipologias (GONÇALVES, 2012).
35
Unidade I
Essa separação em áreas é ruim para a compreensão do corpo do ser humano? Depende. Como foi
discorrido até agora, percebe-se que a separação acaba por não entender o corpo como um ser único e
indivisível, mesmo que, para um pensamento racional e científico, seja interessante o aprofundamento
do conhecimento específico de cada área, e isso é muito válido.
Por conseguinte, a Educação Física tem de tratar o conceito de corpo-objeto para o corpo-sujeito,
aquele que apresenta uma intencionalidade, o que irá caracterizar a corporeidade, como apresentado
na ideia de Merleau-Ponty (MOREIRA; SIMÕES, 2013).
Diferentes discussões envolvem a corporeidade, em diversas perspectivas teóricas que têm o objetivo
de restabelecer a relação entre o corpo e a mente, ou seja, a corporeidade se apresenta como uma
proposta de superar a visão mecanicista ou a dicotomia fragmentadora de uma unidade do ser humano.
Dessa forma, o movimento passa a ser o reflexo ou a intencionalidade de um corpo com dimensões
indissociáveis na constituição do sujeito (JOÃO; BRITO, 2004).
Mesmo por meio da ciência, na tentativa de compreensão do ser humano em suas diversas facetas,
ele como um ser no mundo, que necessita ter o seu relacionamento com o meio em que se desenvolve
para que lhe confira um significado, dentro da Educação Física, ainda se discute a abordagem de que
o corpo é tratado com uma máquina de reprodução de movimentos preestabelecidos e determinados,
muitas vezes chamados de técnicas, retratando um mecanizado.
A ideia de corpo-máquina, ou corpo-objeto, foi desenvolvida por Descartes, para quem corpo é
concebido com o cárcere da alma ou da mente e só se movimenta pela ação da mente, sem nenhum
tipo de reflexão ou intencionalidade.
Descartes relaciona o corpo-máquina a um relógio, que realiza um trabalho mecânico sem reflexão
nem intencionalidade, o qual, caso apresente qualquer defeito, pode ser consertado, ou suas peças,
substituídas, e voltar a funcionar corretamente (MOREIRA; SIMÕES, 2013).
36
CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Figura 26 – Corpo-máquina: o corpo é tratado como um objeto, que pode ser reparado e modificado,
sem considerar o contexto individual e cultural em que foi desenvolvido
Essa visão de corpo-objeto pode ser encontrada em conceitos estéticos das sociedades modernas,
em que se tem um padrão a ser seguido na questão corporal segundo um modelo preestabelecido, por
exemplo: se estão faltando seios, implanta-se organismos não pertencentes ao corpo; falta volume nas
nádegas, também se implanta, tratando o corpo como um objeto passível de manipulação em busca de
uma beleza padronizada (MOREIRA; SIMÕES, 2013).
Por exemplo, correr em volta da quadra, realizar movimentos preestabelecidos de alongamento sem
saber o motivo e quais as funções desse movimento em processo repetitivo, em alguns casos até a
exaustão, e, quando não se consegue obter os resultados esperados, apela-se para o uso de anabolizantes
com o intuito de passar o limite imposto pelo corpo (MOREIRA; SIMÕES, 2013).
37
Unidade I
Assim, traz a ideia de um corpo-mercadoria, um corpo que pode ser comprado, modificado e
trocado de acordo com ondas de modismos da cultura social vigente, relacionada com o capitalismo
de consumo exagerado e desenfreado. Isso pode ser observado em diversas ações de marketing para
padrões e expressões corporais da “atualidade” que têm resultado econômico extremamente vantajoso
para quem controla as tendências vendendo ideias distorcidas (MORAIS, 2008).
Essa ideia de corpo-mercadoria, que vive de conceitos e padrões preestabelecidos pela cultura social
vigente, como visto anteriormente, pode afetar o corpo e a corporeidade dos indivíduos de uma maneira
danosa e prejudicial. Segundo Saikali et al. (2004), as questões culturais que determinam as normas
sociais de relacionamento com o corpo, ditando práticas de beleza, manipulação e mutilação, têm um
significado superficial e simbólico.
No decorrer do século XX, principalmente após 1960, o padrão vem se alterando: busca-se um corpo
magro com forma definida, adotada como um padrão de beleza e boa aceitação pela sociedade, que
passa a constituir um corpo-objeto de consumo, levado em consideração um mercado crescente (BOSI
et al., 2006; SAIKALI et al., 2004).
Tal busca pelo padrão de corpo ditado pela sociedade pode acarretar alguns problemas, como uma
visão deturpada da imagem corporal, que é uma figura do próprio corpo, construída na mente, em
relação ao tamanho, à imagem e às formas, haja vista que essa formação inclui processos que podem ser
influenciados por fatores como crenças e valores inseridos pela cultura (RIBEIRO; VEIGA, 2010; SCHERER
et al., 2010).
De acordo com Saikali et al. (2004), o conceito de autoimagem ou imagem corporal envolve três componentes:
• Perceptivo: relacionado à forma precisa da aparência física, que envolve estimativa do tamanho e
do peso corporal.
• Comportamental: relacionado a situações de fuga pelo indivíduo, por ter momentos de desconforto
ligados à aparência corporal.
38
CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Buscando essa afirmação pela sociedade, acaba-se gerando uma insatisfação com o próprio corpo,
“frequentemente associada a uma discrepância da percepção e do desejo relativo a um tamanho e uma
forma corporal” (BOSI et al., 2006, p. 109).
Com essa percepção deturpada da autoimagem, podem ocorrer os transtornos de conduta alimentares,
como a anorexia nervosa e a bulimia, que têm as mulheres como principal vítima, acarretando problemas
clínicos de comprometimento da saúde, levando ao afastamento de atividades profissionais e, em casos
extremos, à morte (RIBEIRO; VEIGA, 2010).
A anorexia ou autoinanição pode ser fatal, e os indivíduos acometidos por esse transtorno têm uma
imagem corporal distorcida; embora, geralmente, estejam abaixo do peso ideal, acreditam que estejam
gordos ou obesos.
39
Unidade I
Já a bulimia está ligada ao consumo elevado de uma grande quantidade de alimento em um curto
período de tempo e à eliminação desse alimento ingerido, principalmente, por indução do vômito,
dietas rigorosas ou jejum, exercícios de altíssima intensidade ou laxantes e diuréticos. As pessoas com
bulimia geralmente não estão acima do peso, porém têm uma preocupação com a boa forma e a sua
manutenção (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
Apesar de as mulheres serem mais suscetíveis à anorexia e à bulimia, os homens não estão isentos
de apresentar algum tipo de transtorno de imagem corporal.
Ocorre uma grande pressão, principalmente por parte da mídia e da sociedade, em relação ao
melhoramento corporal, vinculando o corpo perfeito à prática de atividade física como uma promoção
da saúde e da credibilidade social, porém o excesso de atividade física pode acarretar riscos à saúde e
desenvolver o transtorno de imagem corporal, como a dismorfia muscular (LIMA; MORAES; KIRSTEN,
2010; DEZAN; MACHADO, 2011).
Essa dismorfia muscular é um tipo de transtorno de imagem corporal em que o indivíduo tem a
percepção de que é fraco e pequeno em relação à quantidade ou ao tamanho de sua massa muscular,
mas na verdade apresenta uma musculatura desenvolvida em níveis acima da média populacional
(FEITOSA FILHO, 2008).
Em contrapartida, pessoas com vigorexia não fazem atividades com características aeróbias, pois
acreditam que esse tipo de atividade acarrete perda de massa muscular, além de evitar a exposição de
seus corpos, por sentirem vergonha (CAMARGO et al., 2008; DEZAN; MACHADO, 2011).
Para homens, a principal faixa etária acometida pela vigorexia é entre 18 a 35 anos, porém as
mulheres que realizam atividades esportivas, principalmente musculação de forma intensa e contínua,
sem respeitar as características de descanso e recuperação, com a intensão de aumentar a massa
muscular e ter maior definição muscular possível, não se importam com as consequências da rotina de
atividade ao sacrificar a vida social, os relacionamentos e o emprego, não estão isentas de apresentarem
esse quadro (DEZAN; MACHADO, 2011).
Pope Junior, Phillips e Olivardia (2000) listam uma série de sinais de uma pessoa com vigorexia:
• Perda de oportunidades sociais, que teria usufruído em outras circunstâncias, especialmente por
estar na academia.
• Gastar muito dinheiro em alimentos especiais ou suplementos dietéticos para aumentar a musculatura.
• Evitar a exposição do corpo, principalmente em situação em que possam vê-lo, como piscina,
praia e vestiários.
As principais causas na alteração da percepção da imagem corporal é uma imposição, pela mídia,
pela sociedade e pelo meio esportivo, de um padrão considerado ideal e de que sem ele o indivíduo não
terá sucesso e felicidade, tornando o corpo prisioneiro de um sistema de poder, ditado e modificado por
regras, afetando a corporeidade de um indivíduo e até de uma população.
O corpo carrega regras sociais, por isso é importante que, durante o processo de educação, o educador/
professor conheça como o corpo do indivíduo funciona, seu organismo e seus movimentos, uma vez
que o movimento humano é mais do que uma mera junção ou resultado de aspectos fisiológicos ou
biomecânicos ou de um processo de aprendizagem motora (GONÇALVES, 2012).
41
Unidade I
A corporeidade implica vida e existência do ser que pensa no mundo em que está inserido, pensa
no outro e em si, com o intuito de perceber e entender as relações. Reaprender a todo o momento
a enxergar a vida e o mundo. Buscar a existencialidade, ver os objetos tendo a perspectiva de
entendê-los e, assim, aprender ou incorporar os mais variados significados, com o maior número
possível de perspectivas.
A concepção do homem como uma unidade que se relaciona com o mundo permite visão e
entendimento mais amplos do ser humano, que podem se tornar um facilitador, trazendo um sentido
teórico-prático às diversas especializações ocasionadas pela racionalidade (mutilação) junto a uma
conexão entre as diversas ciências que compõem a Educação Física.
Portanto, corporeidade é um conceito aberto, que requer compromisso com a existência. Conceber,
perceber, viver e conhecer o corpo na Educação Física, individual e coletivamente, tendo como regra de
qualificação do gênero humano.
Porém ele deve formular uma concepção diferenciada em relação ao corpo humano; não ter a
ideia de uma máquina perfeita ou a ser melhorada nas questões de rendimento, mas, sim, em uma
corporeidade viva, existencial, racional e sensível (MOREIRA; SIMÕES; CARBINATO, 2010).
A corporeidade considera o sujeito, ao mesmo tempo, um ser biológico e um ser social, relacionado
ao seu contexto social, o que muitas vezes não é entendido ou concebido por algumas áreas de
conhecimento em razão das ideias de divisão do ser humano. O profissional de Educação Física deve ser
capaz de compreender o homem em sua totalidade e produzir uma intervenção condizendo com essa
realidade de um novo homem.
Aplicar essa concepção em sua atuação irá exigir do profissional a busca de um corpo possível em
uma prática de atividade e exercícios físicos sistematizados, deixando de lado a ideia de um corpo ideal
ou perfeito, abandonando o modismo que acontece sazonalmente nas diversas áreas da Educação Física.
A corporeidade está relacionada a uma interação do ser humano com o mundo em que
vive, e isso é representado pelo movimento, ou seja, a motricidade, que é a intencionalidade,
provocando a superação. O sujeito, por intermédio da prática de atividades físicas, tem de buscar
essa superação e ir além das possibilidades, mas tendo como foco cada sujeito, de acordo com
suas características, e não utilizando exclusivamente tabelas e referências de desempenho e
aptidões físicas.
42
CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Além disso, o profissional precisa buscar a inclusão de diversos tipos de corpos nos exercícios
físicos, e não somente aqueles que apresentam um “potencial” para atingir a perfeição estética
e performática.
Como dito anteriormente, o corpo não é uma junção de diversas partes ou diversos órgãos com
funções distintas, como uma máquina, nem um ser de causa e efeito que recebe um estímulo e tem uma
resposta condizente sem qualquer tipo de reflexão ou pensamento. O corpo é uma unidade integrada e
complexa, com sentidos, razões e diversas experiências com o mundo, no qual mantém uma relação de
dependência e individualidade.
O profissional não pode desprezar as experiências do sujeito e o sistema social ou a cultura em que
está inserido, por isso sempre deve procurar contribuir para o desenvolvimento desse corpo real ou
existencial que, ao se movimentar, busca a constante superação.
Isso faz que o profissional se utilize do corpo do sujeito, o qual é o autor de toda a sua história e sua
cultura, que saiba trabalhar com o “sujeito relacional, criativo, dependente de conhecimento de si, dos
outros e do mundo” (MOREIRA; SIMÕES; CARBINATO, 2010). Assim:
Viver é conviver, ou seja, viver com o outro, seja esse outro homem, mulher,
criança, idoso, corpo escultural pelos padrões da moda, corpo dotado de
restrições, mas todos, indistintamente, buscando superação (MOREIRA;
SIMÕES; CARBINATO, 2010, p. 121).
Essa corporeidade exigirá um trabalho amplo do profissional, pois ele irá atuar com uma gama de
sujeitos em contextos socioculturais distintos, ou seja, não apenas aquele que apresenta dificuldades
em suas habilidades, mas também aquele com dificuldade em conseguir uma nova concepção no que
diz respeito ao corpo, principalmente pelas mensagens vinculadas a diversos meios de comunicação em
relação aos padrões estéticos e tipos de corpos aceitos pela sociedade, e até mesmo as atividades que
devem ser realizadas para atingir esse corpo.
Na área de Educação Física, a compreensão de uma corporeidade integral faz que o profissional tenha
consciência dos rumos que a área apresenta, com novos dualismos de ideia que tendem a distanciar o
corpo da pessoa, por meio de um novo modelo de corpo, o sentido de humanidade.
43
Unidade I
Resumo
44
CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
Mas todas as ações estavam ligadas aos aspectos sociais da Idade Média,
no caso, ao sistema de castas, ou seja, quem nascia em determinada classe
social não tinha a possibilidade de mudar e melhorar suas condições sociais.
Esse período também é marcado por um processo de descorporalização,
principalmente por questões religiosas cujas instituições tinham o controle
sobre diversas questões de ordem social vigentes.
Um dos responsáveis por esse processo foi Santo Agostinho, que definiu
o corpo como a prisão da alma, o corpo concebido como forma de punição.
Esse ideal está ligado ao platonismo, ou seja, a dicotomia entre corpo
e alma, em que esta se sobressai em depreciação do corpo. Para Santo
Agostinho, a função da alma é de vigilância sobre o corpo, pois tende a
cometer pecados, impedindo de conhecer a verdade divina. Tal conceito
perdurou por muitos séculos.
Exercícios
A busca exagerada pelo físico perfeito atinge jovens que estão cada dia mais preocupados
com a aparência. O problema acontece quando isso se torna uma doença e eles passam a praticar
exercícios físicos em excesso e fazem uso de anabolizantes, ignorando efeitos e complicações
ocasionados por tal procedimento.
47
Unidade I
A) Proibir que esses jovens façam qualquer menção ou tirem dúvidas acerca do uso de esteroides
anabolizantes, de modo a não dar publicidade a esse tema.
B) Fiscalizar a venda e o consumo de substâncias ergogênicas farmacológicas no local de trabalho,
para reduzir o uso indiscriminado desses produtos.
C) Criar um selo que ateste a autenticidade dos esteroides anabolizantes para impedir a comercialização
e o uso de produtos falsificados.
D) Estimular a prática de exercícios físicos para uma vida saudável e esclarecer as finalidades e os
riscos do emprego dos esteroides anabolizantes.
E) Divulgar, entre esses jovens, casos de uso dos esteroides anabolizantes com fins estéticos que
priorizam o culto ao corpo idealizado.
A) Alternativa incorreta.
Justificativa: pois também é responsabilidade do profissional de Educação Física informar quais são
os malefícios do uso de esteroides anabolizantes e, assim, criar uma consciência sobre os danos desse
uso no corpo humano.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: uma vez que a fiscalização sobre a venda de tais produtos cabe à Federação, aos estados
e aos municípios, e essas substâncias ergogênicas só podem ser receitadas por médicos e dentistas, de
acordo com a Lei nº 9.965, de 27 de abril de 2000.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: está incorreta, pois quem libera e atesta se um produto é verdadeiro e confiável para
o uso em seres humanos é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os profissionais de
Educação Física não têm essa autonomia.
D) Alternativa correta.
Justificativa: essa abordagem cria uma consciência a respeito do uso de recursos ergogênicos,
principalmente o uso em tempo prolongado, e também dos motivos que levam um indivíduo a usar
essas substâncias para a obtenção de um corpo aceito por uma sociedade padronizada.
48
CORPOREIDADE E MOTRICIDADE HUMANA
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: em partes. É correto divulgar casos do uso de esteroides anabolizantes, porém não
com o viés de que o seu uso seja a única forma de se obter um corpo idealizado por uma cultura que
manipula o corpo para determinado estereótipo.
Questão 2. (Enade, 2007) Um profissional de Educação Física, no âmbito em que trabalha, diagnostica
o grande interesse dos jovens pelas práticas corporais divulgadas pelas mídias impressas e nos programas
de televisão que indicam dietas, medicamentos, cremes, peças de vestuários, calçados e aparelhos de
musculação de última geração, que prometem que a pessoa atinja, em tempo reduzido, um corpo nos
padrões divulgados como ideais pela mídia.
O profissional, então, sente-se desafiado a satisfazer essa demanda e, ao mesmo tempo, promover a
capacidade crítica desses jovens.
49