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As mulheres ou ~Os
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1
I silêncios da história :
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P7à1f, I!)eb ?(2k~
CoordenaÇllo Geral
Ir. .Elvira Milani

Cooederlt1fiJo Editorial
Ir. Jacinta"Throlo Garcia

Coordenaf./Jo Executivn
I

1
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Luzia Bianchi
Michelle Perrot .
Comitê Eilitorial Acadêmico
Ir. Elvira Milani - PresidCtlte
1

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Glória Maria Palma


ir. Jacinta Turolo Garcia _
José lobson de Andrade Arruda
~ . Marcos Virmond
Maria Arminda ,do Nascimento Arruda
Tradução
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Viviane Ribeiro
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SUMÃRlO*

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P461m Pc:rrpt, MicheUt. .


A3 mulherts o~ 0$ siltnaos da história I Michdle Pc:rrot i traduçAo
Viviane Ribdro.•• Bauru, SP; EDUSC, 2005.
520 p. ; 23 'em: •• (Colrçio História)
9 lNTRODUçAO i~/Jle/'!~
,-
Inclui bibliografia. PARTE 1
Traduçjo de: 1,.($ ftmrnts oula silencu de I'hisloirc:. cl998 .. Traços
ISBN' 85-7460-251-5

1. Mulheres - CondiÇ'Õnsodai. - Evoluçto hist6rka.I:1l1UIo. 1I.Série. CApITULO I

CDO 3010412
33 Práticas da memóriá feminina
. "

ISBN (original) 2..Q8.08.0010-8 I


CAPITULO 2 .-
45 . As filha s de K.r1 Marx: cartas inéditás
,

,
",1.

Copyrighte Flrimmarion, 1998


"- CAPITULO. 3
Copyrighte (lr3duçâo) EDUSC. 2005 II 89 Coroline reencontrado

- "
CAPITULO 4
fuduÇiO realizada a p.ulir da tdiçdo de 1998.
Caroline, uma jovem do Faubourg -Saipt-Germain durante o Segundo
Direitos aelusivos dI! publicação cRl,lingua portuguesa
M 'O Brasil adquiridç.s pela
93
Império . - ,
EDITQRA DA UNlVERsIDAD6 DO SAGRADO CORAçAÓ ,
, Rua Irmã Arminda, lO-50
CEP 17011 - 160 - Bauru - $P
Fone: (I4)32l~-7) II ~- Fax (14) 3235-7219
;.m:H' ~",,:~ed~rm.b' A ediÇão original francesa da presente obra traz dois capltulos que não se encontram
aqui traduridos - os artigos Ma filie Ma"ie e.Le.s !emme.s elleurs imagcs ou le regam
, I des femme.s. Esta aus!ncia deve-se ao' fato de as editoras responSáveis pelos originais
I '- não terem cedido os direitos de: publicação para esta edjç40 traduz.ida. (N.E. )

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5umdrio

PARTE 2 CAPiTULO 14
3~7 As mulheres e a cid~dania na França: história de u;11a exclusão
,< Mulheres no trabalho
, ' . . ,
( CAPITOL0 5 1 CAPITULO '15
155 Greves femininas .... / O gênero na cidade
/
/
I 343

. .171
CAPiTULO 6
O elogio!áa dona -de-casa"no discurso dos operárioS-franceses no ~cuJo 19,
!I PARTE 4,
Figuras

CAPtruLO 7 CAPITUro 16
197 A mulher popular rebelde 365 Flo ra Tristan, pesquisadora

CAPiTULO 8 _ r CAPITU,-,? 17
,223 'Mulheres e m'áquinas no s,éculo 19 38 1 Sand: um a mulher na política

241
CAPITULO 9 ,
Da ama-de-leite à funciOJlária 'de escritório ... Trabalhos de mullleres na .
I PARTE
Debates
5

França do sétulo 19 \ I
CAPiTULO l O
'j 435
C APITULO 18
No front dos sexos: um co mbate duvidoso

251 O qtle é um trabalho de mulher?

' PARTE 3

Mulheresna cidade
I

~,
I
_
e
n
~
447
CAPITULo 'I 9
Corp os s~ bjugados

CApiTULO 20 ' ,,'


Público; privado e re~açõ~s entre os _sexos
, .
I CAPITULO l i
263 ' Poq.r dos ho'mens, força das mulheres? O exemplo do século 19 CApiTULO 2 1
467 Jdentidade;-i~aldade;- rillerença:'o olhar da Hisr6ria
Q CAPITULO J2 .'
, , \~:/salf ' CAPITULO 22
481 Uma históri or sem afron tamentos
CAPiTULO 13

\3 A palavra piíblica das m'ulh~res


,,' 1
~ CAI!ITULO 23 '
~ Michel Fou,cault ~ a h~st6ria. das ~ ulheres.'-
- -- ,
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•• . Capitulo 7

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" A MULHER POPULAR REBELDE"-
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e, . . - ,."
Da HislPria, a mulher é diyersas vezes excluída. Ela o é,. inicialmente, na
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narrativa, que, passadas as efusões românticas, cnnstitui-se corno encenação
dos acontecimentos poHticos. O positivismo opera um verdadeiro refluxo no
'.
à
tema feminino el mais amplamen te, no cotidiano. austero Seignob~~, gran-
~ de mestre dos estudõs históricos na Universidade, expulsa Eva, ao passo que as
paredes da Sorbonne ~obrem-se de afrescos em que flutuam diáfanas alegorias
femininas. "Santa Genoveva vela por Paris'~ "o Arqueólogo contempla a Gré-
. -<:ia", Ele, abótoado até o ~larinho estreito de seu redingote, ela, vaporosa em
seus véus -,. A "profissão de historiadoc"'é um trabalho de homens que escre--
vem a história no masculino_ Os campos que .eles abordam são os da ação e do

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poder masculinos, até mesmo~ quando eles se aventuram pqr nQvos territórios.
Econômica, a história ignora a mulhe~ improdutiva. Social,. ela privilegia as
classes e n ~gHgenci~ os sexos: Cultural ou "mental': ela fala do Homem .e m ge-
ral, que não tem mais sexo do que a Hum;mi,la.de, Célebres - devotas ou es.
candalosas - as mplheres aliment;am as crônicas da "pequenaJ~ história, b?as

,.j apenas para a revista Historia. J J 1


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• la femme populaire rebelle. ln: UHistoire sans qualité5. Essais. Sous la direction de
Pascale Werner: Paris: Galilée. 1979. p. 125-156 (artigo traduzido em inglh, alemão,
italiano. espanhol. portuguh). -
l21 Observa~mos como um fato sintomático que o primeiro número de uma nova
revista L'Hisfo;re (Seuil) seja aberto por um artig~ de Georges Ouby sobre OCA mU-
I, I , lher medie.val " ( 1978). '
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E .~ 197


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' Pane 2 Copftulo .,
Mulheres no fml'alho A mulher popular rebelde
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Tamb~m - e esta é a segunda volta da chave - os materiais utiEzados pe- ciedade, esta imagem tranqüilizadora da mulher sentada, ~m sua janela ou sob
los historiadores (arq uivos diplomáticos ou administrativos, d'o cumentos par- uma lâmpada, eterna Penélope, costurando inte~minavelmente. Rendeira ou
lamentares, biografias ou publicações periódicas ... ) são o prdduto de homens remendeira, eis oS arquétipos femininos. Destinadas ao universo da repetição,
/
que. têm monopólio: da escrita ~to quanto da coisa pública. Observamos_
O do ínfimo, as mulheres têm uma história?
muitas vezes que a história "das classes populares era difieil de fazer a partir de Elas não pertenceriam mais à etnologia, tã? apta a descrever oS' fatos e
/
arquivos que emanam do olhar dos mestres - prefeitos, magistrados, padres, os gestos da vida"comum? t verdade que existe ai uma cO,n tribuição, um pro~
yoliciais ... Ora, a exclusão feminina é ainda mais forte. Q uantitativamente pe- cedimento indispensáveis. Mas O risco é também grande dê se fechar mais uma
quena, a escrita feminina é estreitamente específica: livros de cozinha, manuais . vez as mulheres na imobilidade dos usos e costum es, estruturando o cotidiano
' de educação..., contos recreativos ou morais constituem sua maiori·a. Trabalha-
dora ou ociosa, doente~ manifestant~, a mulher é observada e descrita pelo ho-
mem. Militante, ela tem dificuldé.lde em se fazer_ouvir por seus camarada's mas-
I na fatalidade dos papéis e na_ fixi~ez dos espaços, Visão tranqüilizadora de um
mundo rural serl1 conflitos, O folclore é, em certos aspectos, a negação da hi s~
t6ria, um a certa ~aneira de transformar em ritos tranqüilos as ten sões e as lu -
culinos q ue co nsideram como normal ser seus porta·vozes. A carência de fon· t~s. No entanto, são.as muUleres em ação que interessa encontrar, inovando em
tes diretas ligacfa a esta perpétua e' indiscreta"mediação forma" um qu~dro te~' suas práticas, mulheres ~njmadas e não mais autômatos, mas <:riando elas mes.
mível. Mulheres e~paredadas, c?m'o e.ncontrar~vos? " r
mils o movimento da históri<;l.
Esta exclusão é, aliás, apenas a tradução, redobrada, de uma outra ex~. ,
c1usão: a das mulheres da vida-e do espaço público na Europa Ocidental no sé-
enIo 19. 1\. política - a direção e a administração do Estado - const.it~em-s~ de AS MULHEI3ES, ÁGUAS DORMENTES
imediato, como um ap"3nágio masculino. A burguesia, faJocrata- de nascimen-
to, impõe aqui a sua concepção dos papé.is, esta rigorosa separação dos sexos Tarefa difícil, pois os mitos e as imagens cobrem esta história com uma
que leva a um imenso abismo,"este C<deserto do amor" que Mauriac descreveu: espessa mortalha tecida pelo desejo e pelo medo dos homens. 1lJ N? sécuJo 19, .
"Apenas isso~ o sexo nos separa mais do que dois planetas". lU Ass[m, o si lêncio a mulher 'está no centro de um.a discurso abundante, repetitivo:. obsessivo, am~
sobre a hist6t:,ia-das mulheres vem também de seu mutismo de fato nas.esferas piamente fantasit?so, que toma çmprestado aos eJementos as suas dimensões .
. políticas, por muito tempo privilegiadas como os únicos lugares do poder. As vezes é. a mulher fogo ) devastadora das rotinas familiares e da ordem
O século 19-1evou a divisão das tarefas e a segregação sexual dos espa- -
burguesa, devoradora, calcinando as energias viris, muUler das febres e das
'ços a seu ponto máximo. Seu "racion;Úsmo procurou definir estritamente o lu-
paixões românticas, que a psicanálise, guardiã da paz das famílias, .colocará na
gar"de ~ada um : Lugar das mulheres: a Mqter.nidade e o Lar a delimitan~ total:.- -
categoria de neuróticasi 'fiUlas do 'diabo, mulher lou ca, histérica, herdeira das
- m"ente. A participação no trabalho assálariado é temp~rárja, ritmad; pelas ne-·
- ,

feiticeiras de antanho. A ruiva heroína dos romances de folhetim, a~uel a mu-


cessidades da familia, que' comanda, remunerada c~m um salário complel'pen-
lher cujo calor do sangue ilumina a .cabeleira e a pele, e p,gr meio de quem a
tar/ condicionada às tarefas chamadas de nãoMgualificadas, subórrunadas ,e tec~
infelicidade chega, é a encarnação popular desta mulher de chamas que deLxa
,llologicamente especificas. "Ao hOlllem, as madehas e os metais. À mulher; a apenas cinzas"e fumaça.
fa~üia e o~ tecidos", diz um texto .operári~· (l8~7). A lista dos C<trabalhos de
mulheres" é codificada e limitáda. A-iconografia, a pintura, reproduzem à sa-
I! 123 Ver M~hes et Représe.ntations de la Femnte ali XJXt siêcle. In:' Ronltmtisme. Paris:
, Champion, 1976, e: a re(]o:ilo de C. Clément e H. Cixous, La Jeune Nêe, Paris, IOMI8,
122 Lc Désert de l'ilmour, La PLéiade, p. 769. t , 1975,

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Mlllhcrr:. rIO lrahllJlw A mu/ht:r populAr ubtUk

. Outra imagêm. contrária: a mulher água .. fonte de frescor para O ?uer- virilidades do esporte e da guerra -, 3S mulheres, cimento do povo, sangue das
ceiro, de 'Ínspiração para o poeta, rio sombreado e tranqüilo onde podemos . ,
cidades, foram ,rebeldes à chegada da ordem industrial .
nos banhar, onda lânguida cúmplice dos almoços sobre a relva; ~as támbém.
água dormente, lisa corno um espelho, estagnada como.um ~elo lago submis- " r
- 50; mulher doce, p~ssi"9' an~oIosa, quieta, instintiva e paciente, misteriosa, um .1
A DONA-DE-CASA E SEUS PODERES
tanto traidora: sonh'ó dos pintore.s impressionis~as.#.
Mulher. terra, enfim, aquela que alimenta, a fecunda, planície que se âe~­ Diferente da "fazendeira" (rural) e da "patroa" (burguesa),.a Dana-de-
xa apalpa r e fustigar, penetrar e semear, onde se fixam e se enraizam os gran- casa é, n,:, cidade do século 19, um tipo de mulher importante e relativ~mente
des caçadores nômades e pr~dadores; mulher estab~izadora, . ?vilizadora, recente. Sua. relevância está ligada à importância fundamental da fàmilia, ve-
apoio dos poderes fundadores, soclo da moral; mulher entranha que sua lon-
1I lha realidade investida de múltiplas missões, entre as quais a gestão da vida co-
. ~-- tidjana. Sua novidade reside em sua vocaç..10 quase exclusiva, para os "traba-
gevidade excepcional transforma em amortalhadora, mulher das agonias, dqs
lhos domésticos" no sentido mais amplo do termo. Na chamada sociedade tra-
titos m'ortuários, guardiã das \umbas e dos grandes cemitérios's~b a lua, mu-
lher negra do dia dos mortos ... I, diciona!, a fan;tília é um.a empresa e todos os me~bros colaboram, juntos. na
medida de suas possibiHdades, para a sua prosperidade. Ainda que haja uma,
J Cesia. Podmnos amar sua beleza, mas recusamos ?ua pretensão de con': divisão,freqüentemente muito definida dos papéis e das tarefas, continua a ha-
tar também a história das mulheres, mascarada sob os traç?s de uma drama- ver UJÍ1a certa fluidez dos empregos. Os trab~lhos da casa não são o apanágio
turgia eterna - e~ algum lugar, sempre, o coro das mulheres "7, e de uma sim- exclusivo das mulheres e os homens podem colaborar neles: por exemplo. a
bologia fixa no jogo dos papéis e das alegorias. t preciso se libertar destas ima- -preparação de certos alimentos·é suá tarefa. A indústria têxtil em domicilio te-
gens porque elas modelam a história em uma visão dkotómka do masculino e ria acentuado esta fluidez: testemunllOs e imagens mostram trocas de papel em
do feminino: ~ homem criador I a mulher conservadora. O homem revoltado quê (j homem cozinhava ou varria e a mulher terminava a sua peça. A unida- i

t a mulher submissa, etc. Por exemplo, a visão das mulheres eQmo substitptivo de de lugar, associando em um mesmQ espaço domicilio e trabalho, produção ·
do poder que seria, no século 19, amplamente responsável pela instauração 'de e consumo. é favorável a esta alternância) de resto, limitada. Por outro lado, O
aa
uma "poUcia ~amília" (Jacq ues Donzelot), U4 mulheres-policiais da sociedade, .i chefe da família ~o homem. O "dono-de- casa" - o "termo aparece no século 16
parece-me my.ito contestável. Ao menos pode-se ver o outro la~~ do .aegumen': ":'" . - designa o chefe desta empresa que é a família.
to: se·as mulhere~ eram tal alvo para o poder, por um lado, era devido à sua im- A dona-de-casa herda suas funções. A novidade d~ sua situação, no sé-
portância verdade~amente axial 'na família e, p6r conseguinte, na sociedade;-:"' culo 191 reside na acentuação da divisão do trabalho ~ na separaÇão dos locais
- mas rmbém, pro~velmente, em raz..'io de s~a opacidade. à cult'ura do alto, da de produção e d~ consumo. O hom~m na fábrica,' a mulhe~ em casa, , ocupan- ~
inérda ou da resistência que elas opunham às estratégias de dominação do
por. Mais do que os homens,. tragados pel; fábrica e pelos imperativos d? pro-
t- do-se de sua familia . Este 'é o esquema tfpico, ainda que no détalhe de se com-
plique e se mi~ture. O 'vocabulário não se confunde: a "dona-de:.casa"'n~ fim
dução, pegos nas malhas da modernidade, produzidos pelas instituições disci- J
do sécuJo 18 ofusca définitivamente o "dono-de-casa", que cai em desuso ~o
- século 19. h às "boas donas-de-casa" que Par';;entier se dirige, em i789, para
plinares - a escolâ, o ex~rcito. - que os concernem inicialmente. fascinados pelo
"progresso": a escrita e a democraciaj as maravilhas das ciências e da técnica, as
, aconselhar "a melhor maneira de fazer seu pão". No- mesmo momento, ei-Ia à
- I . . . 'margem dO$ ass~lariados"Seu trabalho não é remun~l'ado (supõe-se q~e este

D-O-'-N-Z-E-W---'~~,~J~Cques. lA P~liC: des fa"'iII~. Paris: Minuit, 1977.


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o seja pelo tr~balho do pai d~ familia). Ela tem acesso ao dirlheiro apenas por
melo dos trabalhos complementares que se esfo~ça sempre em coloca~ nos in- .
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Mulhcrei'no rrulHllho
CÀpftulo 7
Ao mulher popular rebelde .••
te.rsticios de tempo deixados pela família:_atividades mercantis - venda em \
uma barraca ou com uma cesta, à maneira <tas camponesas, persistente apesar
animam perio.dicamente os bairros da periferia, se o maddo demora mais do
que o. necessário no. bar. Em Saint-Quentin, por volta de 1860, os donos de ca-
••.
·
de todas as re~]amentaçõeS que exigiam cada vez mais patentes e autorizações
- mas também, ainda mais horas de limpeza., de lavagem de roupas, trabalhos , .
baré construíram hangares diante do.s cabarés para as mulheres que.. no sába-
do de pagamento., esperam cho.rando. '~ Em Paris, "as donas-de-casa colocam- ' •• •

••..
de costura, cuidado de crianças, compras ê entregas domésticasj a carregadora se à janela, descem para as soleiras das portas, e. às vezes, impacientes, com o. •
/
de pão, silhueta familiár. é quase sempre uma mulher casada. As mulheres em- coração angustiado, pode-se vê-Ias saindo ao encontro dos maridos, no cami- ,
pregam uma extrema engenhosidade para encontrar nos múltiplos tráficos das nho do ateliê. Elas conhecem bem os seus exageros, desde 0.. momento em que
,
.... cida,des, das quais ~as conhecem todos os recantos~ recursos complementares
que elas empregam para fechar o orçamento da família ou para dar-lhes alguns
pequenos prazeres, ou ainda que ~Ias separam como reserva para os dhls difi-
eles sa~em que têm a}guns to.stões no bo.lso! ( ... ) E, na rua, vozes retum~atn;
nas casas, injúrias voam, sujas e cheias de cólera, mães se levantam'~m O dia de
pagamento, acontecimento da vida popular, dia de júbilo em que a dona-de-
••
ceis que as estações mortas trazem periodkamente. Em tempos.de crise,'ou de casa paga suas dividas e presenteia seu mundo, dia de cólera contra os patrões
injustos e os descontos arbitrários que COI'rOem o salário, dia em que freqi;en- ••
••
guerra, est~ contribuição marginal torna-se essencial. As mulheres ativam-se,
então, em todos tis sentidos. Elas , nu~ca trabalham tanto quanto' nas situações temente se decidem as gt:eves - munidos de dinheiro, pode-se ' agüentar - é
em que os hom ens estão sem trabalh·o. Há uma vivência das crises, e das guer- também um dia de afrontamento dos sexos, em que a dona-de-casa se rebela ,
ras,'diferente Pilra cada sexo. Um tempo economicamente diferente. contra sua impossível tarefa: sem "gran~': encher as panelas.
A gestão do pagamento é, sem dúvida, uma difícil conquista das mulhe-
. Apesa., de· tudo, a dona-de-casà depende çlo salário de seu homem. Ela
~
sofre CQm isso e recrimina,'Chegando até a ser agredida. No sé!=ulo 18, ~s mu:'
lheres que vão se queixar aÚ\comissário de policia - Arlet!e Farge encontrou
res, o resultado de uma luta cheia de emboscadas, em que o patronato, preo-
cupado em favorecer' um "bom" uso do salário, estendeu completamente, para
as mulheres, a mão generosamente caridosa. Assim como naquela sociedade
••..
••
seus de,poimentos nos regi stros do Châtelet - deploram que seus maridos não
industrial do S,oisonnais, descrita por Le Play, por volta de 1850: '~E.xercendo
dão O necessário para manter os,filhos. E quando, em 1831, a prefeitura muni-
I há dois ~nos um patronato benevolente sobre a população que ela emp~ega, (a
cipal de Paris, em plena crise, fecha às mulheres e às crianças as oficinas de so-
.. ( f. empresa) ad?tou o. costume de pagar cada semana às mulheres o salário ganho.

••
' ,
corro, para res"ervá-Ias aos homens, ~ mães saem efl.1 passeata nas ruas co m .'
por se us maridos': I~ ,Estas são as armadilha~ do. salário familiar: a mulher está
se us filhos: com o quê elas vão viver? Elas reivindicam 'receber e gerir o paga-
sempre sem saída. Em todo caso, a mulher do povo mostrou-semais comba-
'\. mento, e parece qu~/obtêm sua reivindicação. Po.r voltá da metade do século
19, a maioria dos C?perá~ios entrega seus pagamentos a suas mulhe'res. Em suas
monografias de famflia, Le Play insiste na'extensão desta prática na França, que
tiva, mais informada do que a burguesa a quem o marido dá uma mesada para
a manutenção 'da casa, reservando para' si a direção do orçamento, no caso, fre-
qüente, de comunhão n13trimoniaJ. Em suma, a dona-d~-casa conquistou o. ,
••
el,e opfe • .~:este ~onto de vista, à Grã 'Bretan'ba. 1l5 Aquela que os min éiros de
Montceau; antes de 1914, chamam de '~a patroa", deixa para se u marido uma
I .
peq~ena soma para beber. Tu~o isto não se faz sem conflitos cujos estilhaços
"direito ao pagamento". Atualmente ainda, as operárias apegam-se ao que cha-
. mamos de "matriarcado. orçamentário':m Ele lhes impõe encargos, preocupa~ ••
125. Le Play, Le.s Ollvriers européens, segunda s~ri~. t.l, 1879. p. 270 d seq.: "Les travaux
126 SIMON, Jules. L'Ouvriere. Paris: [s.n.l. 1861 . ,
••
I. ••
127 LEYRET. Henry. En piei" faubourgtMreurs oflvritres). Paris: Charpentier, 1895. p. 50.
des femmes': As monografias de fam11ia cohtidas em Les Ouvriers ellropúlIS e us
, Ouvr;ers des Dw;c·Motlde5, a ~e$~ito de Slf ideologia conservadora, 5<10 uma das . 128 Le Play, Le.s Ouvritrs europétns, t, VI, " Bordier du Laonnais", p. 110.
,
raras descrições sobre o trabalho dombllco e os poderes da dona-de-casa na 129 MICHEL. Andr~e. Acriviré professiotlnelle de la fel1lllle tt vie cotljugale. Paris: CNRS,
França do século 19. I, . "
1974. p. 84.
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PIlf'fe 2 \ Capíw lo 7
MulJ.~rtl"" 'mb41hel J!. "1II111~r pqpWIIr rr:bdtU
I
ções, até mesmo privações: sendo obrigadas a "fechar" o mês, a mãe de famf- mento e o nível dos preços. Q uando uma penúria se anuncia - mercadorias
Lia - é clássico - -retira o dinh_eiro que falta de sua parte. Ela reserva ao pai - muito rapidamente esgotadaS, começo de filas - ei-Ias em alerta. Quando uma
trabalhador' "forçado" - o vinho, bebida quase exclusivamente masculina, os alta se esboça, elas.murmuram. O boato infla-se nas r.uas, nos pátios, nos bair-
melliores pedaços de carne, e às crianças, o leite e o açúcar. Solteira ou casada, ros, e~lre as vizinhas. Na feira seguinte, os preços disparam. Então as _mulheres \"
a mulher é, no século ~9, uma subaJimentada cr4nica. E, em valores médios, intimam seus fornecedores de grãos ao preço costumeiro; se ele~ recusam, elas
sua despesa com roúpas é menor do que a de seu marido, e~, que é chamada tomam os grãos, fixam o pre~o e os vendem sozinhas. Se o cometciante ,escon-
de frfvala! Gerir a penúria é, iniciahnente, sac.rificar-se. Apesar de tudo? é tam- de seus sacos d~ grãos, elas atacam o açarnbarcad~r, reviram as bancas, perse-

••• bém a base do poder das donas-d~-casa, O fundamento de suas intervenções, guem-no com grit01 e chegam a golpeá-lo, até os fundos das lojas dos padeiros
geralmente barulhentas, na cid;lde. cÚlnpliçes. Na madrugada, elas se aglomeram nas po;tas da gdade, para espiar
a chegada das charretes e tomam os sacos ·que dividem perto da fontê ondF as
. mulheres se reúnem . Q uando as feiras se esvaziam. elas espiam o movimento

••
'I
A DONA-DE-CASA, TIÇAO DA PERIFERIA
_ Se n:'lo há pão em caS3, a mulher se inlromete,
- Mais perto das coisas, ma,is violenta, mais raivosa, ela
dos grãos; se corre O boato que uma carroça circula em direção a certo local, .
elas saem, colocando-se nas.estradas ou junto aos canais. Estão sempre prontàs
a ~e amotinar então. a passar a palavra de ordem que põe em movimento a co-:.

:
'I traz ClT) suas cóleras muito mais paix!l.o do que seu munidade das mulheres! Elas levam freqUentemente s~ us filhos, atribuindo-
marido: "Ah! Se eu fo~ o homem, eles veriam, lhes um papel: ficar à espreita, levar uma mensagem, tocar o alarme. .As mães
As mulheres são o ti~o':
, de família, as'donas-de-casa mais carregadas de filhos, aleitando, às vezes grávi-

• "
Henry Leyret, En pleitJ faubourg, Paris. 1895,
das, ahiruam estas tropas revolt"das, mas pode-se também ver ali jVClhas mulhe-

í
res, guardiãs da feira, jovens solteiras que mantêm pais idosos ou solitários, dia-
As dona~-de-casa não fazem um orça m ento propriamente dito, A que
ristas, remendeiras, lavadeiras de salário magro para quem a carestia do pão é
serve fazer contas, num déficit perp'étuo? Os ritmos do pagamentp - a se'm a-

•;
miséria. Du.rant~ os grandes tumultos de 1817, diversas d~enas d~ mulheres fo:'
n'a, a quinzena":' eis o seu horizonte. Mas elas observam os preços, atentas à
ram condenadas à prisão, aos trabalhos forçados e .at~ mesmo à I!l0rte, a des-
menor varia'çãe, aceitando apenas as al~as sazonais, ligadas às fatalidades da
peito da indulgência ansiosa dos tribunais pejas mães de familia. L)O ,
·natureza. Em caso de carestia excessiva, elas se revoltam. As revoltas de 'subsis ___ \
N~stas revoltas, as m~lheres intervêm 'coletivamenfe. Jamais armadas, é
tência, grande ·forma · de tumultos -populares áinda no séc-ulo 19, são quase \
CO~l seus corpos que elas hitam, com o \rosto· ~escobertó, as mãospara a fren-

••
.
sempre desenc~deadas e a.nima~<ls pelas mulheres. A insuficiênci<l de meios -d~
te. buscando rasgar as r,o upas, suprema devastação para estas costureiras, agar-

.'•
• comunicação, que torna cada região exclusivamente tributária de seus pró- rando-se aos sinais da autoridade - as insígnias dos uniformes dos 'policiais _
prids' réc~rsos, cria pontos de estrangulamento, rigidez geradora de altas. Bas- mais preocupadas com a derrisão do que com os fer'imentos. Mas, sobretudo,
I •
elas usam sua VOZi ruas "vocif~rações" soam das' multidões famintas. Qual~do
ta que uma intempérie - chuvas, seca excessiva, gelo precoce ou tardio - acon-
I ' .
teça e eis a rari~ade dos produtos, logo explorada pelos mercadores, campone- elas lançam projéteis, são os produtos da feira, ou pedras com as quais elas ~n-
ses ricos, ri-roJeitos e até mesmo' padeiros, bastante fortes para esperar, qu~ es-

",
~ ~

•:

peculam. estocando seus grãos ou seu pão" mais raramente. suas batat"as, como
valores da bolsa~..E;ltãO as mulheres íntenfm . . '
Sua vigilãilêia se exerce n&~ feiras, g~ande local das mulheres. Em perma-
nêocia; elas vigiam a qualidade e as qua~dades. a regularidade do abasteci':
--
- ,
130 O estudo do pa~1 das mulheres nas revoltas de subsistf!ncia nunca foi feito siste·
maticamente. Baseio-me aqui em um processamento parcial dôs dadol dos dossies
de arquivos que concernem as revoltas de 1816-1817, Arcllive5 nationalcs, F 11 n2-
736 e diversos dóssi~s de BS 18.

204 , -, 205


"
. ~,.,'. .1
>
PQrtc2
Cap{lulo 7
Mu"hc,~s no Imbàll,o A mulher poP"lul' n:~ldc

chem seus aventais, em casos extremos. Comumente, das não destroem nem momento de confljto com os proprietários, os zeladores" seus representantes.
pilham, preferindo a ve nda taxada. Impedindo-se de roubar, elas exigem ape- e a polícia.
nas o tCp!eço justo': impondo-o. elas mesma~ diante da carência das autorida- Nestes afrontamentos com Pipele~ e Vautour, a~ donas-de-casa têm um
des. U1 .~ntra os açambarcadores e os poderes inertes\ elas encarnam o direito papel de primeiro plano, feito de astúc.ia e de fuga. Quando a família não pode
do povo ao pão cotidiano. pagar, elas organizam mudanças clandestinas chamadas de "com sino de ma-
/ .
! Este é o roteiró clássico, - com varia,ntes, deslocamentos cuja trajetória deira" porque eles não fazem barulho (diz-se em Lille "à São Pedro"). As pro-
diria provavel~ente muito sobre a evolução ~o papel das mulheres no seio do cissões de charretes puxadas manualmente, sobre as quais ~e empilham os far-
povo - comum às r~voltas de subsistência cuja ressaca enfraquecida dá o rit- rapos da famUia, animam periodicamente as ruas das grandes cidades.
m!, do século: 1816-1817, 1828, 1831, 1839-1840, (sobretudo na Oeste), 1847- A intervenção feminina, em tempos de revolução. pode tomar formas
1848. 1868,1897; últimos tumultos ~m que a carestia do pão está no centro do . mais agudas. Assim, em 1848. em Paris. o povo pede a revogação dos venci-
protesto popular. O aumento da produção,. O desenvolvimento dos meios de mentos. As mudanças tornam-se menos numerosas, menos furtivas e fre- ')
comunicação e singularmente das estradas de ferro, as fa~ilidades de importa- qüentes incidentes ocorrem nos bairros pobres, de La Villette a Charonne e na
ção puseram fim às velhas penúrias. Com .elas, desaparece um t.erreno privile-· Rue Mouffetard. Na maior parte dõ tempo, eles têm a forma de falatórios em
giado ,de intervenção direta das mulheres: a luta pelo pão, O grande conflito que as mulheres, al iadas aos marginais - os trapeiros. por exemplo - estão na
moderno é a greve, mais viril do que feminina. Porque ligada aos assalaria9.os vanguarda. Aos· gritos de "os recibos ou a morte;', batendo panêlas e ~aldei­
ent re os quais a mulher, inici(llmente. tem apenas um papel secundário. rões, barulhentos agrupa'mentos se formam sob as janelas dos proprietár,ios,
para exigir os recibos sem pagamento. Homens e ,?perários parecem hesitar
diante desta ilegalidade: as mulheres os chamam de "vagabundos", suprema
CONTRA O SENHOR VAUTOUR injúria, e entregam-se de,coração à luta, insultando. ameaçando o Vautour e
seu Pipelet. ainda mais detestado porque mais quotidianamente presente. "Se
Guarcü ãs do viver, as mulheres tambéil?' são as guardiãs da casa. Nas vós não quiséreis,'queu:n aremos vossa casa, depois a pilharen];os.e a demolire- .
cidades popu!osas do século 19, pouco' equipadas para receber as ondas de mos. Quanto a vós, nós vos faremos comer feno, e vos enforcaremos." "Os
migrantes, o problema da moradia nunca foi resolvido. Solteiros, os recém- proprietários
, . patifes e canalhas. Os porteiros são vCIhacos ta~\bém.
são todos
chegados se aglutiiia~ em -quartos ou aparta,mentos n'}obiliados alugados às - ~ preciso matá-los e incendiar os Mestres". Por tais fatos. diversas donas-de-
-vezes por uma noite. Cas~dos, ele,s se ap~rtam 11.9s pequenos apartamentos casa vão para a prisão.
d~ um ~ ou duas peças nas velhas casas, ~ mais tarde, praguejando, nos con--C- No fim do ' século 19, os companheiros ana rquistas transfonnnm est~
. I
. -junt~s resid.enciais ,que eles execra.m. 9 alojamento, não é uma hábitação, tipo de ação em suá especialidade. Ao apelo das donas-de-casa ~m dificuldade,
mas um lugar de agrupamento diário da família, um abrigo mutável, pois a~ . os Cavaleiros do Sino realizam .a mudança cland~stina. Tímidos esboços des-
partidas são freqüentes. As classes populares ainda não lutam 'pela moradia, tas lutas urbanas cujo terreno são o bairro e o consumo. O espaço da cidade
m,as pelo a~ugu el, sempre caro demais para aqueles habitantes rurais acostu,- pertence às mulheres e aos que, áe resto ainda muito numerosos, não ficam fe-
mados a não pagar na~ pelo fogo e pelo local.~E o dia de vencimento é um chados doze horas por dia no ateliê ou na fábric~ e que .conhecem a rua ryão
I apenas superficialmente.
131 Juntamo-nos aqui às observações de THOMPSON. E. P. 'PIle moral economy of the
En~ish crowd in the eighteenth century. Ppstand Present, 1971, (71-136) . Personagens de "us Mysttres de Paris" de Eugene Sue. (N.T. )
I ~

206 207

I I.
;
~
PIlrfe 2
MI4fJlem no trabAUICl
Clpltulo 7
A. mulher popular rebelde

•• AS MULHERE$ CONTRA AS MÁQUINAS'" da, fonte de dinheiro fresco, ne~essário para pagar os impostos. As revoltas "
maiores ocorreram em Alençon. em 1665, quando um certo Leprevost decidiu

•• Na luta contra a introdução das máquinas, destruidoras do modo , de


trabalho tradicional c portadoras de novas disciplinas, as mulheres trouxe-
ram também toda a ,S}1{l.....energia. EhiS animam as multidões vingadoras que,
forçar a mão. "Ele agiu com toda a insolência de um novo rico, declarou que
de saberia como triunfar sobre suas resistências, e que as moças da região_
' e~am muito felizes de vir ganhar dois tostões por rua na fábricll. Mllis de mil

• na primeira metade do século, assaltam as "máquinas inglesas", ainda com


mais ardor porque, às vezes, revóltas de subsistência e luddismo (expressão
inglesa para a quebra das máquinas) se misturam em u'ma mesma co njuntu-
mulheres se revoltaram, perseguiram-no e o teriam matadó se ele não tivesse
imed.iatamente procurado refúgio na casa' do intendente."Ul Foi preciso nego-
,dar e compor com aquelas "boas mulheres'~
ra de cri~e. Em Vienne, e~ l819, quando chegou a "Grande Tosadora" desti:- . Em Rouen, em novembro de 1788, suas netas boico_tam a máquina de
nada a substituir os tosadores de.lã à mão, as donas-cle-casa dão o ~ ina l de , , Barneville, instalada no claustro Saint-Macou, sob o patronato do pároco e d'as '
destruição; gritando: "Abaixo a tosadora!." "A filha de Claude Tonnegnieux, , ~ - idnãs e que, segun'do elas, provocam jornadas incompat[veis com os cuidados
açougueiro, jogava pedras nos dragões e excitava as operárias com gritos: da famUia. Em 1791, 'l.uando se quis introduzir jellllys (máquinas de fiaI algo;
<Quebremos, quebremos, audácia!' Margperite Dupont, fiandeira de Saint- dão) em Troyes, "as' fiand<;iras se revoltaram-contra elas: elas foram então ins-
Freny, tratou o tenente-coronel d'e 'safa~o', A mulher de Garanda gritava: '~ , taladas nos campos~ Em Paris, dUrante a Revolução, as mulheres brigam para "

•:•
preciso quebrar ~a tosadora'. Um dragão ruzia ao povo: <Vamos~ meus amig~s, obter trabalho em domicilio, e são tão barulhentas que às vezes eles acabam ce-
, nós .somos todos franceses, retirem-se!' e. às mulheres: 'Vamos, Senhoras, r~­ dendo: "Há, e":tre as mulheres, sobretudo, aquelas que são terriveis, e vós sa-
tirem-se, não é O seu lugar. As Senhoras deveriam estar junto .a seus filbos'. be~s, com'o eu, que temos diversos ,exemplos de revoltas executadas por mulhe. .
Elas responderam: 'Sim, é o nosso lugar', e retiraram-se resmungando': Em res': I\4 escreve um administrador, traumatizado pela lembrança dos dias 5 e 6
I de outubro de 1789, dias em que as donas-de-casa de Les HaUes (o Mercado)
Saint-etienne, em 183 1, elas-ajudam os operários da manufatura de armas a
destruir uma nova máquina de perfurar automa'ticamente os_canhões de fu- forarp a Versalhes, buscar o "Padeiro, a Padeira e o pequen'o Aprendiz'~ E um
zil, c o procurador do rei deplora: "E o que é penoso de dizer . os
, é que entre outro: "~ preferível deixar as m~eres isoladas ~ o~upá-Ias lem suas Casas do.

:
I' .'
mais obstinados contra a guarda nacional se faziam so bretudo notar as mu- que reuni-Ias em aglQmerfições, pois as pessoa~ deste estado são como as plan-
lheres que, c'Om seus aventais cheios de pedTas, jogavam-nas .el~s ,mesmas ou tãs ,que fermentam quando agrupadas'~m

•••

as davam para sere1!l jogadas",
Não contentes de ser auxiliares, elas mesmas se insurgem contra os ata-
ques às formas de produção doméstica às quais e-s~ão particularm~nte Iigadas_
Graves tUmultos eclodem em maio de1846, em Elbeuf (a fábrica e a casa
do fabricante são que,imadas), qu'ando um indústrial quer introduzir uma má-
quina de triar lã ingleSa, destina,da a substituir as mulheres que, até então, fa-

.'••
Bem a~tes das máquinas, no tempo de CQlbert, as mulheres 'de Alençon, de ziam este trabalho em suas casas e pretendiam conservá-lo. Em 1848, as mu-
Bourges, de Issoudun levantaram-se contra o monopólio das manufaturas ,lheres reivindicam a abolição do trabalho 'concoHente nas comunidades reli-
\
reais e a ameaça de um ilppossível enclausuramento. Aquelas. mulheres, ocu':" l giosas. Na r'egião de Lyon, onde se multiplicam os internatos de: seda que, spb
padas com suas famUias, recusavaIn ~se a ficar nas manufaturas, paSsado'o tem~ a direção de congregações religiosas especialízadas, recrutam as jovens campb-
po de aprendizado, Elas queriam fazer em;suas próprias casas a preciosa ren-

•••

iI' J
~ , ' J
132 Para mais detalhes, ver PERROT, M, Les ~uvticrs ct les o~achines co France dans la
133 Segundo LEVASSEUR, E. Histoirt da classes ouvrihes en Franceovtlnt la Rtvolmion.
Paris: Guillaumin, 1859. t.1, p. 203 et seq.

••
premiere moitié du ~X( siede. Rcchercl'fl.' Le solJat dll travail, oct. 1978. de que '134 Thetey, L'Auistatlct publiqu,e d ~ris pelldant la R~ollltion, t. lI, p, 401. ' ~

'me sirw aqui. I' 135 Id ., t. II, p. 594. juil. 1790.


"
i'

••
208 2'q9
I Purte 2
MulllcrtlllO "'ablllho .

nesas, a revolta é particularmente violenta. Em Lyon, em Saint-~tienne sobre-


tudo, as mullieres assumem a lid~rança dos cortejos tumultuosos que 'assaltam
CÀp{"j/O 7
A mulher popular rdxldc

A natureza da participação da mulher é o. refie.:<o, está em correspon-


I' . as beneficências ~ os conventos, aos gritos de "Abaixo os padres! Abaixo oS'con-
dência com O se u lugar real na cidade. Em toda a parte onde há o "povo", a mu-
lher está vigorosamente presente. Michelet o sentira. :t-!0 conceito das classes,
"\"
ventos!", elas queimam máquinas de ilidir e teares mecânicos. entretanto) ela tem mais dificuldade em encontrar seu status,'porque as classes
As mulheres pressentem nas máqvinas, não somente as concorrentes de são estruturadas em torno de elementos que não lhe são familiares: a produ-
seus homens, mas também as suas concorrentes, inimigas diretas dos trabalhos ção, o salário) a fábrica. Na cidade· dos bairros, elas são surpreendentemente
manuais em domicílio que lhes permitem fechar se u orçamento conservando. presentes.
um certo controle de seu tempo. Elas percebem ali o caminho de seu enclau-
sura~ento. A fábrica é muito pouco apreciada pelas donas-~e-casa. Elas co-
nhecem sua servidão. E a qualidade de operária somenle será revalorizada no A DONA-DE-CASA NO ESPAÇO DA CIDADE
início do séçulo 20, como contragolpe aos abusos do '(sweating system" (traba-
lhp em domicilio enquadrado na indústria da confecção), ligados em grande . A.estreiteza da moradia urbana reduz a muito pouco o que se pode fa-
parre aos ritmos impostos pel~ máquina de costura. E a relação com a máqui- zer ali. Qs "trab·alhos de casa'Lnão são (Carrumar a casa", mas sim fazer ~s com-
na de costura é uma outra rustória,'a história de.um sonho subvertido. Inicial- pras, preparar as refeições - cozinhar é um meio de tirar partido de matérias-
mente objeto do desejo das mulheres que vêem nela o meio de conciliar suas primas baratas e dificeis - ocupar-se co m a roupa, cuidar das crianças. ~ isto
tarefas e talvez de ganhar tempo - a Singer fez mu~tos corações baterem - a que desenha o tempo das mulheres - um tempo fraglllentado, mas variado e
máquina de costura t?rno\u-s~ assiih. o instrumento de s'ua servidão: ·a fábrica rei<itivamente autônomo, nos antípodas do tempo industrial - e seu espaço:
em domicílio. Neste
. caso, a outra é preferível. '
,~
nãQ o,"interior" que, para elas, ainda não existe~ mas o exterior. Quando os ho-
lniciádoras de revoltas, as mulheres estão, aléin disso, presentes na mens partem para' o canteiro de obras, para o ateliê, a rua lhes pertence. Ela
maioria dos tumultos popWares na primeira metade do século: revoltas flores- tem o barulho de seus passos e de ~eus rumores.
tais em que as mulheres defendem o direito à'lenha, tão importante quanto o O que chama a aten.ção, inicialmente, é a sW'preendente fluidez das mu- .
pão, para os pobres; revoltas fiscais, tumultos urbanos de tO'do tipo, pequenos . lheres do povo naquelas cidades a\nda pouco compartimentadas. "A mulher
choques com"a jurisdição dos Marecllais de França ou com a policia nas gran- ·como é preciso ser (com me iI faut)': que Balzac descreve, espectador fascinado
des revoltas que pontuam o século. t verdade que a forma de sua participação - e nostálgico dos limites que a conveniência burguesa estabelece na cidade, é
muda: de iniciadoras, elas passam a ser auxiliares. Ao se militarizar, a revolu- , uma muUler afetada em seus cuidados,. canalizada ·em seu itinerário. 1J1 Ela co~
I Ção t<?rna-se masculina e relega as mulheres à cos~ura e ao (orno. D~rante~ <L- bre seu corpo -segunda_um çódigo estrito que a aperta em espartilhos, a cobre
I - Com~na, por exemplo, elas são toleradas· apenas como enfermeiras ou can tÍ- · de véys, a enluva· da cabeça aos pés. E a lista é longa dos lugares em que uma
neiris: ÉI;s devem vestir-se como homens St; quiserem portar armas. A frente mulher "honesta" não poderia se mostrar sem decair. A suspeita a pers~gue em
das /manifestações ou.dos cortejos, elas aparecem como sí mbolos. E se a Repú- seus deslocamentos: a. vizinhança, espiã de sua reputação, até mesmo seus em-
blita é encarnada na Marianne, esta é talvez uma última maneira de transfor- pregados a espreitam; ela é escrava até em sua moradb na qual o salão lhe é atri-
,m~ar a mulher em obj~to. '" buído. Ela tenta conquistar sua liberdade na s0l11bra e em um código de sinais

,,
,
136 AGULHON, M. Un usage de la femme aulXLXc siecle: )'allégorie de la République. , ,
I sofisticados - cartas dobrad;s, mensagens levad-as, lenços caídos, lâmpadas ace-
sas - que cl\amamos de astúcia feminina. Eis a.. mais prisioneira das mulheres.
In: Mythes et Reprhentatjons 4e la Fem~t. op. cit., e seu livro publicado atual-
mente: Marianne ali comMt. Paris: Flamn1arion, 1979. 137 Balzac, Scenes de la vie pri\'ée, t.JI, 1842, "Autre étude de femme~ .
'-
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210 21l

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PolrlC 2 OplhJ10 1
Mullluu n" 'rab,,/Jw A ltIull,ftr I>OPIlIIl' r<t:#tcIdc

A mulher do povo tem mais independência gestual. Seu corpo continua ~he, ~m pl~no coração das-Halles (região dos mercádos), ordena ao~ sacristãos
livre, sem espa;tilho: suas amplas s'~ias prestam-se à fIaude: no passado, as mu- 1 "que reprimam aqueles que causam tumulto na igreja; que impeçam que se .
lheres simulavam a gravidez para passar sal ~ob o nariz dos guardas da alfân-'
dega, como o fazem em seguida, nas barIeiras de pagamento de impostos, nas
'I entre ali com pacotes e compras; que não sofram com a presença de pessoas
que usam papelotes, a quem eles devem advertir calmamente para que saiam ,
r
fronteins. Arquétipo da mulher-esconderijo: a ancestraJ que, nas primeiras alguns minutos para se apresentar com major decência':'" Calmamente, pois
páginas do romance·de Günther Grass, O Tambor, abrigà sob seu vestido um 'se teme muito as explosões de suas vozes!
fugitivo procurado pela policia. A dona-de-casa vai, com os cabelos à mostra Elas correm, as mulheres, como elas correm. Mas elas esperam também,
(as damas do~ Mercado lançam às clientes mais iinpertinentes: "não. ~ porque 'j em uma série de locais obrigatórios cuja Iista,crescerá ao longo do século, com '
" /
tu tens um chapéu" insígnia de. burguesia), indiferente à moda e a seus man- o ~umento dos deveres maternos - a escola, div~rsas vezes por dia, quando se
damentos que tiranizam as mulheres da "classe de lazer" lll preocupada apenas tôrna imoral deixar as crianças irem sozinhas - e a complicação dos equipa-
c~m a limp,eza' que-as dificuldades para a obtenção de águ,a complicam .singu- 1 'mentos urbanos. Pouco a pouco, as a~a mbulações das donas-de-càsa'deixarão
larmente. Ela tem o gesto pronto, assim como a resposta. Esta mulher é. um ar- I de divagar para se mover em 'itinerários mais rígidos, canalizados pelas lojas,
tigo inflamável cujas reações são temidas pelas autoridades. pelos equipamentos coletivos, pelos horários da escola e da fábrica, un anime-
Para aquela eterna apanhadeira de ervas do campo. a cidade ê uma flo- ' mente 'harmonizaclos pela "hora certa'~ a hora-da estação ferroviária. A tudo
resta onde ela mani~esta sua. incansável atividade, sempre em busca de. uma isto, aS donas-de-casa serão por muito tempo rebeldes.
oferta de comJda ou d~ combustível (as crianças tarn~éin passam muito tem-
-po juntando esterco). Ela bisbilhota. junta aqui e acolá, revende, rainha das ~e­
quenas profissões e do pequeno comércio parisiense que, de resto, se masculi- MULHERES NO LAVADOURO
niza progressivan:tente ao I~ngo do século. A margem do Mercado, vêndedoras
de frutas e legumes, com suas cestas, vendedoras de'ervas, de buquês.,. atraves- Paremos, por um instante, neste local privilegiado da sociabilidade fe-
sam a cidade, apresentando, em cada canto, em cada esquina, sua "coleção" de minina, que desempenha um papel tão grande na vida do bairro. Local ambi- .
legumes, de frutas, de flores, de nada. Em tempos de crise, as mulheres buscam valente, rico em incidentes entre as próprias hiulheres, cuja violênàa freqüen-
algum recur~o vendendo até mesmo suas roupas usadas e defendem com temente ganha livre curso; rico em escânda-los daqueles 'que, em nome da res-
unhas e dentes seus direitos de feirantes ~ontra as regulamentações cada vez- R~ta.bi1idade, recusam às mu lher~s o direito à cól~ra, aos gritos e à confusão;
lócal de conflitos) igualmente, eri~e 'as mu Uleres e (, poder que se irrita com es-
mais draconi"amisldos . d ~legados" de polrcia que ficam inquietos_com ~stas reu- '
niões sem co ntrqle. As mulheres deslizam, insinuam-!e em tod~ a parte, com_ tas explos?es e ainda mais com o tempo perctido p~las mulheres,. Quando, sob
_" densrdade~ mais fortes em torno dos mercados e dos pontos de água, uma pre-
_dile1ãopelas bordas dos rios, populosos e populares, ao sabor de suãs co~pras"
e de uma geografia ainda ba,stante flutuante. Para elas, nada é sagrado; elas não
!
~
I
,
o Segundo Império, são instalados lavadouros _co~partimentados para evitar
as brigas entre as mulheres e a tagarel.ice, as donas-de-casa protestam e boico-
tam. E acaba-se então renunciãndo a es tes lavadouros. '
G lavadou~o é, para elas, muito mais do que um local funcional onde
I
heJitam, por exemplo, em atravessar as igrejas em roupas matinais com suas
cestas. A' tal, porito que, em 1835, o .regulamento da paróquia de Saint-Eusta-' 1 lavar a roupa: é um centro de encontro onde se trocam as novidades do bair-
. ro, os bons endereços, receitas e re·m édios. dicas de todo tipo. Cadinhos do em -
138 Veb~en, Thé~r!e de la classe de loisir, IS;9:;uceleptes observações sobre o papel do ,
consu mo "ostentatório" dà es.posa na burguesia e sobre seu papel, em suma, de 139 LA BED0LLlmE. Les lndustriels. Métiers et P}o!essiolls1 en' France. Paris: (s.n .].
"mulher enfeite': i . '-
1842, p. 3,

"\
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212
I 21J
Pllrfel ..
Mulhcr.:$ 110 Imbll!!JO
Úlpfllllo 7
'" I/III/lttr poplllllr rtbc:ldc
••
pirismo popular, os layado uros são também uma sociedade aberta de socerro
••
I •

••
digentes, O sentim ento de ordem, o amor pela regularidade e Ul1"'la luta ené rgica
mútuo: se uma mulher está em apu.ros, é acolhida, fa z·se um a' coleta para ela. contra a ação dissolvente da miséria~ul Trélat, o a.lienista, o célebre autor de La
A mulher abandonada por ~eu homem, no lavadouro, onde a presença mascu- Folie /ucide (1861) é um aos relatores.
lina é redu zida aos meninos irrequietos. goza de uma simpatia particular. Uma
criança abandonada certamente enco ntrará ali uma mãe, como conta o ro-
mance po puhir de Ca rdóze. La Reille du Lavoir (1893). Os lavadouros são lo-
. Lavar, lavar-se. sempre m ais. Mas também ganhar tempo, este tempo do
qual as donas-de· casa são pródigas, mas que "elas poderiam empregar alhures
mais proveitosamente'~ escreve Barberet que calcula o núm ero d; horas passa-
••
cais de feminismo prático. As mulheres os freqüentam djversas· vezes po r se-
mana, duas ou três, ~m média, geralmente muitas vezes po r dia, no caminho
da escola. A cada ano, a mj-,arêm~ festa das lavadeiras, atrai toda a população
das e seu equivalente mo netário: em Paris, trinta a trinta e cinco milbões d.e
irancoJ por ano. Começo de uma rep exão sobre o tempo e o valor do trabalho ••
..
••
doméstico, o lavadouro é também o canal de .s ua mecanização. Depois de
do bairro para a eleição da rainha. Seria o triunfo da lava deira sobre a peixei- 1880, cria·se·u.ma verdadeira indústria do lavar, com grandes lavanderias mo-
ra, sobe ran a do Ca rnavaJ? Na metade do século, a m;-caréme sobrepõe-se à
dernas a vapo r, o nde o trabalho é concentrado, dividido, o rd enado, hierarqui- ,
Terça-feira Go rda na o.rdem das festas urbanas .. "O
No lavadouro. enfim, esboçam-se formas de organização origin-ais. As
lavadeiras profissio nais estão entre as mais turbulentas assalariadas, prontas
zado, o pessoal reduzido e masculinizado. Os homens controlam as máquinas
e as mulheres conservam os empregos O1a~u a i s subordinados. Provavelm en ~e ••..
••
O sofrimento do corpo é dim inu ído. mas, COntO sempre, esta diminuição é
para a coalizão e a greve, tanto em Paris quanto ~o interior, profundamen te li-
paga com O aU.I1} ento do con trole. O lavaao uro torna -se menos acessivel, me~
. gadas às febres da cidade. Em 1848, ~s lavadeiras parisienses formaram uma
nos fe minino, menos engraçado. As donas-de· casa .são bombardeadas com

••
sociedade, lançaram cooperativas e. em Bondy sobretudo; acolheram· em suas
fileiras as mulheres - prostitutas geraJmente -liberadas de Saint-Lazare, assim
prescrições. têm suas práticas criticadas: é preciso deixar dê lado a escova o e
batedor, lavár cientificamente. O q ue era às vezes um prazer, pretext~ para en-
comd os militares fugidos da prisão militar de Saint.:Germa.in-en-Laye que,

••
contros, torna-se um dever pesado, uma. necessidade codificada. Decidida-,
graças à Revol ução, tentam viver de outra maneira. Apaixonante e breve expe·
mente, o lavadouro não é mais o que era!
riência. Experi ência que tem razões para suscitar a cólera do poder.
Napoleão IH, que fugira da prisão em wn veiculo de la~adeira) sabe
quanto estes lugares são perigosos? Seu reino começa o grande .desmantela:
menta dos barcos-Iayadouros que usurpam o espaço da circulação fluvial e a A DONA-DE-CASA, GUARDIÃ DA PERIFERIA ••
implantação dos lavado uros em terra, cada vez mais distantes do centro d'a ca-
. pital, com o a clientela popular, expulsa para a periferia pelas modi(icações ur· ._
banas liromovidas por Haussmann.
A dona-de·casa é a alma do bairro e,'por isso, o ,nó ·de uma cultura po-
. pul~r original que se· opõe a.o modernismo uni ficador. Mui!as vez.es, fe·i-se das

,.
••,.
- IMais~'~umerosos, mais r~gulamentados, os lavado uros to rnam -se as 01101-
van c,s d.e Uma campanha.d.e higiene, em q ue a limpeza ~ apresentada como a
irmã,- da moral: "A limpeza não.é ~o menle uma condição de sa úde, ela auxilia
nuilh.eres·os agentes plásticos das novas m oqas. Em nossos dias, a publicidade
as assalta e tenta agradá-las para melhor governá- Ias. No passado, as sed uções
do ve ndedor a mbulant~· o u da loja' não tinham o poder de envolvimento da

também a dignida'de, a rTloralidade humana, ela saneia, emb'eleza o mais pobre
r~ca'nto, a mansarda mais miserável, e supõç,~ nas famílias, m esmo -as mais in-
r mídia. Bem ao contrário, a mulher do povo urbano aparece'como a trama das
tradições dos migrantes e, na medida em que a autonomia cultural é uma ga-
rantia de independência, como fermento de um c~ntra-poder. . .
. . , \
. I
1'40 FAURE. AJain. Paris Car~me-p,.ellant: Du <:;"arnavalll Paris ali XIX! sitele. Paris:
, Hathette, 1978. p. 133 et seq. ! 141 BARBERET, 1. Monograpl1ies professiomrelles. Paris: Ikrge(· Levrault, 1886. t. 1, p. 280.
I. ' "

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·' Olp(h/Jo ,
MuI/lera no tnWlIlIlO Ao !tU/li/o- pop •• ~r rclldde

,
"
Na Paris do século 19, os que chegam agrupam-se por bairros cuja uni .. A palavra das mulheres co,{,Serva muita liberdade de expressão; ela ~e­
dade é a casa-pátio, sobrevivência da fazenda do vilarejo. As mulheres reinam ~ siste à polidez, à beatice de Louis-Philippe. A sexualidade não lhe faz medo,
sobre estes pátios superpovoados onde, nos dias de fes ta , paira o odor dalj'co- tampouco a escatologia. As h.istórias de lavadouros enfurecem os filantropo;.
unhas regionais. As refeições familiares são o momento de "falar da região'~ A Contida nos bairros da periferi~, reguiada pelas feitas, 'esta palavra livre, rude
corporação de operários manuais devou à dignidade de "mães" estas mulhe- e abundánte, explode nas cidades nos dias de Carnaval, festa da zombaria e da
res estalajadeiras qu-e ~bergam os "passa ntes", informam-nos sobre as possibi- i~júria. \U Descrevendo. por volta de 1846, a sala comum das mulheres no De-
lidades de emprego, servem-lhes de secretárias, de tesoureir.as, única mulher- pósito de Paris, Alhoy e Lurine 'se surpreendem: "Todas aquelas ciganas (eles
é verdade - ;dmitida no banquete corporativo anual. Enquanto se cria uma falam em sentido figurado ) cantam com vozes roucas, juram com vozes char-
"grande culjnária burguesa, n~asculina, açucarada e gordurosa, preocupada
Ol
mosas, dançam com seus tamancos, falam de amor blasfeman~o, traduzem a
em afirmar por sua riqueza a ruptura co"m o rústico, as mulheres cozinham as p,~esia 'em gíria, parodiam a justiça, "Zombam da p'olícia cor.recional, brincam
receitas.prQvinciais. Os "chefs" zonlbam do conservadorismo das cozinheiras. ,-alegremente com a caddra de rélJ, com a golilha, com a guilhotina, cantando
O confli to das cozinhas é tanto cultural quanto sexual. a ária de urna ' nova romança. Comparada à .sala das mulheres, a sala dos ho-
Mestras das panelas, as mulheres também são as mestras das palavras. mens mereceria um certificado de boas maneiras e bons costumes~144
Boatos, rumores, notícias são trocadas nas escadas, nos pátios, na fonte, no la- Por sua falta 'de respeito, sua ironia, sua espo~taneidade, a palavra das
vadouro, em todos os locais dê mercado espalhados ~o longo'das ruas antes de mulheres é cheia de subversões. Ela mantém esta reserva, esta dhtância que
serem fechados nas lojas. Por volta de 1840, 'a.5' leiteiras instalam-se a cada ma - ,perriiite aos humildes preservar a sua identidade. Salvar sua memória. ~ tam -
nhã sob os portais. "Enquanto o mercador de vi nho vê a chegada de uma muI: bém pelas mulheres - mulheres crepuscuiare$ - que se transmite, e geralm en-
tiôão de clientes freqOentes, homens, aliciados pela isca de um copo de vinho te de mãe para' fUha, a longa cadeia das histórias de ou dos vilarejos. Enquan-
branco, de uma gota de aguardente, ou de um jornal, a população feminina se to a escola, as formas modernas de organização, o próprio sindicãlismo, cons-
aperta em tor'n o da leiteira. Lá eSLí estabelecido o entreposto, das notícias do troem histórias oficiais, depuradas e finalizadas, as mulheres conservall,1 o tra-
dia e dós mexericos do bairro. A mulhçr do primeiro andar apanhou do mari- ç<rdo que se gostaria de 'rejeitar. Para escrever a h~stória popular da Revolução
do; o ve ndedor de refrigerantes foi à falênfia; a filha dos locatários do, quinto Francesa, Michelet interrogava as mulheres. Através delas, sobretudo, conser-
andar está sehdo cortejada por um estu'dante; o gato da porteira morreu de in- vou-se, no coração das Cévennes, os gestos dos Camisards ( protest~.ntes calvi-
~ digestão; o padein? vendia com o peso errado; 'o serralheiro voltou para c~sa­ nistas). As lembranças da escravid50, a~olida somente em 1888, pers:istem no
bêbado .. .'~ Id La Bédollier.e esboça aqui a duaHdade dos espaços; de umladoJ no .' póvo brasileiro pelas velhas ancestrais_E os pesq"uisadores d,e história oral sa-
cabaré, os homens, o vinho, a política (o jornal); de outro lado, na rua, as ~u._
lh'?res, o leite. . as histórias dó dia-a-dia. Mas, por trás do insignificante, esta pa-
bem,
, .
po r sua experiência, que diferença de relações homens e ,mulheres ali-
menlam com o passado: homens mudos, que esqueceram quase tudo o que
'" lavr~ das ~nl1lheres mantém toda uma rede de com unicações ho(izonta~s que 'não tem relação cóm a vida"do trabalh?; mulhe~es falantes, que devem apenas
escapa aos ouvidos do poder. Por terem sido os primeiros alfabetizados, os ho· deixar brotar as lembranças, desde que as interroguemos sozinhas: o homem
m~ns são capturados pelas ·redes de' uma escrita que, para começar, ve~' de tem de~~js o hábjto de impor o silêncio às mulheres, de taxar s'uas afirmações
' cima, e pouco a pouco os modela e os normaliza, ao passo que as mulheres ..I como bobagens, para que as mulheres õusem faJar e,m sua presença.
màntêm, com seus murmúrios, a independência do povo.
- - - -o-'--, I . 143 FAURE, Alain. Paris Carlme-Prenant. Du Carnaval d Paris au )(J)(,e silcle. Paris:
Hachette, 1978, sobre' a linguagem das pe'iXeiras, p..65 et seq. ' ,
l0-
142

<
ae:OOLLlt:RE.,1,es lndustriels. 'Méri1s el Professions en Francc. Paris: ls:n,l. '
1842. p. 27.

"
• ,,' _\" ....
.
144 .AJhoye Lurine, Les PrisOIlS de Paris, 1846, p. 5.
'

2 16 , 217
Ptlrt.: 2 Cnpltulo 7
Mul/,cres 110 rrllbll/lra Ao "'lll/tU papu/nr r~bcMc

RESIST~NCLA DO IMAGINÁRIO
, '
trair-se ao ol~ar médico, este ol.har que ausculta, mede, classifica, elimina e,
para terminar, envia a pessoa ao hospital maldito. I.'
Fazer as mulheres se calarem. -Civilizá-Ias_ Ensinar-lhes a ler. Mas·o ima-
ginár:io feminino foge,. recusa"7se a deixar-se colonizar pela via da ciência e da
razão. L:eitoras de rom;ances populares, as mulheres fazem o . .sucesso de Euge- .FAZER AS MULHERES SE CALAREM
ne Sue e de todos a'q~eles autores baratos cuja libertinagem e a persistente in-
disciplina são deploradas por Alfred Nettement e Charles Nissard.'~s Da-r boas Esta cultura cobre o povo como uma carapaça isolante e protet,o ra ao
leituras às mU,l heres torna-se wu tema do regim e imperial. A cr,iação do Perir · me~mo tempo. Dissonante em ,relação ;0
djscurso do p'rogresso, ela é perigo-
JoumqJ, em 1863, as facilidades que Ule são concedidas (dispensa do controle sa não 'SOmente pó~ se r sempr~ s~scetível de alimentar uma resistência, mas
prévio) para pennitir,
, servido pelos servjços de mensagens Hachette e pela es- ainda mah por manter na dissidência um povo ";e1vagem:', escondido dos
trada de ferro, que ele chegasse antes de todos os outros, são uma tentativa olhos do ,poder. Daí a irritaçjio que se manifesta cada vez mais contra o "atra-
bem-·sucedida para colonizar o imaginário do povo. Trata-se de substituir pelo so" das ' donas-de-c~sa e,a vontade de educá-Ias. '
charme do folhetim regular -1! decente ":' as broch'uras aleatórias dp vendedor A separação dos sexos na cidade, o recuo da convivência mista são um "
,ambulante subme tido aos riscos da viagem a pé. O fulgurante sucesso do Petit dos caminhos da ordem que suspeita das promiscuidades duvidosas. 00-
JOllrnal (um milhão de exemplares por vo lta de 1900) repousa, em grande par,:, rothy,Thompson mostro,u como, no fim do século 18, as mulheres inglesas
te,/na atração de ~eus folhetins sobre suas "fiéis leitoras". No entanto~ ao olhar- ficam junto do'S homens, seus companheiros) nas tavernas) inns ou ale hotl-
mos de pe~to, ele só pôde ter sucesso ao -se adaptar a seus gostos. Definitiva-' ses, bebe~do ou cantando com eles, e..toman·dQ parte das discussões p~líticas.
mente, o folheti~l , é ~bral\apen",~ por seu fim que exclui os ca~amentos co m ~ voz das mulheres explode nos tumultos radicais do início do.século. D~­
pessoas de classe inferior, faz morrer os usurpadores, devolve o filho a seus pais . pois, 'elas são observadas, olhadas, fazem-nas sentar,se. auto.rizam-nas a to.
legítimôs e desmascara os falsários. Suas peripécias,.cheias de barulho e de fu- !..mar a' palavra: como na s primeiras assembléias cartistas: Enfim, por volta de
ror, refletem uma violência singular.I'" 1850, os Pllbs tornam-se locais purament~masculinos, onq,e as ,mulheres não
É ainda de cultura do corpo que convém falar: Antes de serem as au.u- são "dmitidas, excluídas, ao mesrt;lo tempo, das trade-ulIio/15 que fazem ali
Bares reverentes, ansiosas e sempre culpadas dos médicos, as mulher~s do po,:,~ -se us encontros. lU
foram , ao contrari'o, suas principais rivais e as continuadoras de uma medici--
na popular cujas virtudes se tende a reavaliar nos dias de hoje._Elas usa m to-
147 Numerosas anotações sobre este tema em Le Play, A mulher do carpinteiro de Paris
dos o,s recursos de uma farmacopéia multissecular, çophecem cem maneiras de~
"acredha se r experiente em certas prátiéas da medicina usual, e trata eJa mesma as
- aliviar a.s pequenas dores cotic!.ianas que deixam tantas vezes a me'dicrna eru'"- indisposições que acontecem na família. Con fiante nas idéias higiênicas' de um
dit~desarmada. Analisando de perto, estes "remédios de mulhú" revelariam, pr.itico popular, ela faz grande uso de água sedativa e dC" preparações C<lnforadas
prd~avelmente um real saber sobre o~ sofrimentos do povo, pl,"eocupado em (...) A maioria de suas práticas de higient'. muito habituais em outras regiões, são
ev{tar a despes~.. rn.~s tainbém em conser:var' su~ autonomia corporal e 'sub-
encontradas comumente ent re as mulheres dos operários parisienses que têm, (re...,
qUentemente, na família a atribuição das (unçOes de médico e, transmitem, entre
si, também. um certo número de receitas tradicionais": Ouvriers des Deux-Mondes,
t. I, p. 31, li158.
145 A. Nettement, Srudes critiques Sllr le feuilleton-roman, 1847, sobretudo t. li. p. 442, . ,
148 Dorothy Thompson, "The missing presenc<. The withdrawal of Women (rom
. , car;ta a "La femme d'intérieur': .
\ working dass organization in the Early Nineteenth CenturY.', inédito, parcialmente
146 'Segundo as ' Pesquisas de tvelyne Oiéboit e sua tese sobre os folhetins do Petit retomado em MITCHELl... l.; OAKLEY. A_ Tlle Rig/lt5 and Wrongs ofWomen, New
Journal. ' York.: Penguin Books, 1976.
"
, '"
218 '. , 219 .
""""
' Mulheres no ImOOlllO
Ctpltulo -'
Ao mulher popultlr rebcld.

.,
Com as modalidades cliferentes, o mesmo movimento de retirada dese- PRÁTICAS FEMININAS E SINDICALISMO
.',
nhau-se na França. A alegre liberdade das festas e dos bailes de barreiras com
. suas damas despenteadas - "ali, dançam sem sapatos e rodopiando sem cessar, o movimento operário, mesmo fazendo o elogio da dona-de-casa, prefe-
homens e mulheres que, ao cabo de uma hora, levantam tanta poeira que no re que ela fique em casa e desconfia de suas intervenções intempestivas. Pode-se
fim, não se pode maiS vê-los", escreve Sebastien Mercier, a respeito do baile de ver"'in\1ito bem esta posição, nos tumultos de carestia de 1911. QuaI?do, no verão
Vaugirard 10 - dá lugar a composturas mais afetadas em que se inscreve a
I " .
his- c!e Í911, os laticínios e cettos produtos secos começam a subir, as donas-de-casa
tória' da dança. A rigorosa separação dos sexos do círculo burguês irn'põe"'seu do Norte da França se agitam como o faziam outrora para o pão. Os incidentes
mo'delo às associações populares. Na Baixa Provença, por exemplo, as Cham - coriieçam nas feiras da região de Maubeuge, estendem-s~para todo o Norte mi~
brées~ antigo modo de reuniõe~ plebéias. expulsam pouco a P?UCO as muUle- neiro e têxtil, e multiplicam-se um pouco em toda parte, de Saint-Quentin .a Le
res pois elas não votam. O sufrágio universal acentuou a tendência à separação Creusot, para terminar, nos portos industriais do Oeste. De ·maneira geral, o
dos sexos, Q.3 medida em que a e~:hicação política do povo pelo direito de' votO mapa dos t\lmultos é industrial: as mulheres de operários são o motor do movi-
dirigiu-se por muito tempo ao homem, e apenas a e1e. no Ora, o sindicalismo mento. Elas manifestam ·cantando a "lnternacional da manteiga a quinze tos-
funciona segundo o modelo parlamentar. Em Roubaix, em Lille, por volta de
tões" e se organizam em."Ligas de Donas~d~-C~sa" para obter. das l'refeituras
1880, os estatutos das' câm;\ras sindicais estipulam que qualquer mulher que municipais a taxação dos produtos. Em segwda, greves edodem em toda a par-
quiser tomar a palavra deve apresentar um pedido escrito por intermédio de , te, os operári·os - seus maridos - seguem os seus passos; há afrontamentos vio-
um membro de sua família! Mesmo nos sindicatos mais feminiza'dos, como o
lentos e mortes. Diante delas, no entanto, O sindicalismo se ctivide. Alguns vêem
dos Tabacos, que contam com excelep.tes oradoras, é muito raro ver uma mu-
na ação m~ciça e "espontânea" das mulheres um "l1].ovimento. soberb·o': exemplo
lher ocupar a tribuna.
de ação concreta, popular. democrática, capaz de sacudir os operários "indolen-
Um exemplo ainda~ tirádo das Memórias de UOflard, de Martin Na-
tes" efatalistas diante da alta dos preços. Mas a maioria teme a vil>l!ncia daque-
daud, levará a 'compreender este silenciamento dãs mulheres, até nos vilarejos,
l~l<movimento CUIioso': a fugacidade de tais irrupções de cólera, a efemerid;de
peja modernidade masculina e urbana. Q uando, no início do iriverno, ós pe-
l das Liga~ ,e sonha em tra~"Sfdrmá ..Jas em movimento I\viril': consciente e orga-
dreiros da Creuse voltam à região, aureolados do prestígio de Paris, a visão de
.nizado: "o sindicalismo deve alçar o povo à possibilidade de uma revolta mascu-
sua bolsa ~eia de dinheiro n'ovo, faz chorar as mães, seus presehtes encantam
lina': Em diversos locais, os militantes tentam transformar as ~gas em I<sindica-
as moças, seus relatos fascinam os que ficaram: quer-se saber ·mais. E sua jo-_.
tos de donas-de~casa'~ ensinar às mulhéres os méritos da organização permanen-
vem e máscula palavra, onde brilham os fogos da Capital, ;eduz ao mutismo
t~, tomar o movimento nas mãos para educ:.\-Io, canalizá-lo. No ano seguinte, no
as velhas mulheres guardiãs da memória - como a Fouissounei parteira e mé=-
congresso da CGTJ na cida~e qe Le Havre, preoon.iz.i-~e a "educação _da Dona-
dica do vilarejo - cujos contos embalavam as vigüias. Elas se retiram, aos pou-
de-Casa para a melhor. utilizaçãQ de seu orçamento e para a aquisiçãÚ\de noções
cos, parà a sombra, tristes e silencÍosas. ' .
de higiene alimentar'~UI
, Este episódio ilustra um dos n\l~erosos mal-entendidos
,. --
- , que..naquela aUrora do sécu1~, separavam sincticalismo e movimento das ~ulbe-t
res. O sincticalismo retusa as. formas de expreSSão das rrlUlheres como selvagens,
,
149 Tableaux de Prlris,' 1783. sobre as festas. "Ver o estudo de RÂNCItRE. Jacq;es. te
)51 Sobre estes tumulíos, o livro de h-mile W3te1et, Les rkenteJ. troubles du Nord de la
I',.
bom temps ou 13 barriere ~es plaisirs. Réfltet logiqutS. n. 7, printempslétt 1978.
France. e sobretudo l.-M. Flonneau, ..Crise.de·vie chere. Rlamons populairtS el ~hzc­
15(> AGULHOM, Maurice. Histoire et ethnolpgie: les Chambrtei en Basse Provence. tions syndicales. Dissertação (Mestraçlo), Paris, 1966 (inédita), resumida em "Crise
Revue Iristorique, àvril/juin 1971. 1
de vie jchere et mouvement syndical~ ?eMOlll/emen t social. juiJ./sept. 1970. '
....
.
~

220 221
Pane 1
Mul/IUCJ no tr'tlba/ho
.,

irresponsáveis, pouco adequa~as à dignidade dos trabalhadores. Em Montceau- Capitulo 8


les-Mines, durant~ a grande greve de 1899, as mulheres vão em passeata a Chã-
,
lons para pedir audiência ao sub-prefeito e quando ele, pouco preocupado em'
recebê-las, aparece na sacada, elas se voltam e, num perfeito movimento de con-
junto. que supõe conivência, elas lhe mostram os fundilhos. lnversãe,-derrisão:
armas clássicas das mulheres. Este traço, transmitido pela tradição local, chocou
a respeitabilidade sindical que _o apagou de seus relatos. Ainda um outro exem-
plo: em Vizille. durante a longa greve das tecelãs de seda (cem dias de 1905). as
-MULHERES E MÁQUINAS NO SÉCULO 19*
mulheres organizam algazarras .noturnas; armadas de panelas e de utensílios de
cozinha, elas apupam os patrões, o prefeito municipal e se us assistentes, por di-
versos dias seguidos, na mais franca alegria, como outrora, na companhia dos jo-
vens do vilarejo, elas faziam para os velhotes que se casavam com jovenzinhas.
Até o dia em que ~s );ocialistas da cidade, temendo tanto os afrontamentOs com _' Segundo uma lenda tenaz, a m~quina seria, no século 19, a grande alia-
as forças da.ordem quanto o ridículo, pediram-lhes para abster-se e utilizar ou- da das mulheres, abri'ndo-llies, com'o Moisés, a terra prometida do assa'laria-
lras formas de ação, mais decen~es, A greve não poderi;" ser uma festa, ,
men,to e, com isso, a igualdade e a promoção. Tecnicista, ou mais sutiln,l ente
Um ideal conjugado de viriljdade e çle respeitabilidade rejeitou a rusti-
marxista p~r ser mediatizada pela dialética social, esta tese vê na industrilliza-
cidade camponesa, as truculências populares e a~ formas de expressão femini-
ção a chave do progresso feminino, em que a máquina conjura a inferioridade
nas que ge ralm ente as prolongam. Entre o sindica.1ismo e as mulheres, há ~ais
biológica e fisica.
do que um problema de desorganização: um conflito sobre os modÇ>s de inter-
ve nção e de expressão enc?brindo uma diferença de,cultura e de ~stên(;ia.
Neste momento da história, os homens são mais políticos, as muUleres mais
"folclóricas" no sentido mais profundo do termo e, por isso, rejeitadas, recusa- . MÁQUINAS LI~GENDÁRIA~
das pela -modernidacje.
As mulher ~s não são nem passivas nem submissas. A mi s~ria , a opres:...;. Na primeir;a metade do século, a mecanização do setor têxtil provoca o
são, a dominação, por mais reais que sejam, não bastam para contar a sua his- afluxo' das mulheres nas fábri cas mistas, pivÔ de sua soci~lização e de sua
tória.·Elas estão presentes aqui e acolá. Elas são diferentes. Afirmam-se por ou- emancipaçijo. Na segunda metade, a máquira de c?stura lhes permite a impos-
. por outros gestos. Na Gidade: até mesmo na fábrica, elas_têm ' o~-=-:.
tras\. palavras, sível conciliação entre as tarefas domésticas e o assalariamento. Por meio des-
tras' prâtieas cotidianas, formas concretas de resistêllcia - à hierarquia, à disci- ta inovação, "a mais inlportante na produção dos bens de consumo desde ·a in-
p~ra - que frustram ~ ~acionaíidade do poder e estão·diretamente enxertadas venção do tear mecânico ( ...) ,as mulheres podiam Liberar~se de uma longa es-
em seu uso próprio do espaço e do tempo. Elas traçam um caminho que seria cr,avidão", escreve David Lmdes" s2 A "costureira de ferro" coloca, de certa for-
preciso reencontrar. Urpa história diferente. ma, a fábri ca a seu,s pés e as consagra como rainhas da técnica. "Parece que a
Uma outra história.
,
'.
,.
·1 .I . ...
'* Femmes et Mach ines au XIXe siecle. ROllullltisme, "1..'\ Machine fin·de·siecle~ 4 !J,
p. 6- t7. t983. · •
, 152 -bANDES. David. L'Europe tecluticienlle. Paris: Gallirriard, 1975.
-'

222 223
\
~
Parte J'
Mulheres nll cidad~

/
f
I
inscrevem-se neste cal'npq.l Ao publiqlI os escritos ppHticos de George Sand i'
(1843:.1850)' e Femmes publiques,~ participei desta renovação h istoriográfica. ,-
I
Capitulo 11
, Os textos que se segu'em são Influenciados por U!TIa dimeqsão; presen- .f
!
te "desde a origem. mas singular!Dente intensificada há dez anO$. Cidade tem
aqui duas acepções: úm sentido jürídico e-político relativo à existencia dos di-
reitos e mais amplam-ente à <Cpubliada~eJ>, no sentido entendido por .]ürgen PODER DOS HOMENS, FORÇA
Habern:.as: a construção de uma esfera pública ~as mulheres, ou sua participa-
ção no espaço'; na opinião. na
comunicação públicos.. Em segundo lugar. um DAS MULHERES?
sentido espadaJ que toca O espaç~ urbano. Esta probl~mátic..'\ do 'espaço deve .0 EXEMPLO DO SÉCULO 19*
muito a Foucault, este "novo cartógrafo",! tão sens,ível à inscrição dos poderes
na materialid.ade dos lugares e dos olhares, a ponto de' ter suscitado um' ques-
tionamento geográfico.' ,
A publicidade das mulheres, 'a saber, seu lugar, sua função, seu papel ·no ; A questão do poder está. no centro da reflexão contemporânea, Ob!as,
espaço público, na formaç~o di!.. opinião e do imaginário publicos incitam a
como a'de Hanna Arendt ou de; Michel Foucault, são inteiramente, consagra-
cruzar mais vigorosatnente o Gênero e a C)pâde.
das ~ ela. Filósofos, antropólogos, sociólogos chegam a um~ visão complexa e
nuançada c;io poder, de sua artic~lação e de seu JuncÍonamento. Não há ape-
"
nas um, fi.as diversos poderes m.u1tiplicados no corpo social. O poder não tem .
sua se~e apenas no centrb, no Estado: existe todo um sistema de mic'ropodé-
res, de relações. e de revezamento. Por outro Ia.do, o exercício do poder não pas-
sa :somente pela repressão, mas - sobretudo nas sociedades democráticas ~
2 FAUru:.. Christine. <'Di r,). Encyc10pédie flistorique ef po/itique des femtlles. P~fis: ' pela regulamentação do ÍJlfi~no, pela organização ,dos espaços, pel~ m..ediaçã~, ·
PUF, 19~7; LE BRA5-CHOPARD, Armelle; MOSSUZ-LAVAU, ),nine (Dir.). Les _ pela persuasão, pela sedução, pelo cOJ)sentimento. Além dissô, O exercício do
femmes et la poJitique. Paris: I'Harmattan, 1997; CORBIN, Alaio;' LALOUETTE.
Jac'queline; RlOT-SARCEY, Mic'htle. Les Femmes dans 'la Çité au XIX! siec1e. Paris:
(ou. dos)
- poder(es)
. não se resume ao-constrangimento e à tomada de decisão;
Créaphis, 1997; PISANO, Laura; VEAUVY, Christiane. Les Femmes Cf la cotlstruc· ele consiste mais ainda na produção dos pensamentos, ?OS
seres e da s coisas
! tio" de l'êtat-natiol1 e/fi Fraricc et Cf! Ifalie. Paris: . A. CoIU;, 1997; "Femmes eo
.Politique;', n. esp. de Pouvoirs, 82,lX- 1997.
i por todo um conjunto de estratégias e de táticas em que a educação, a discipli~
na, as formas de repr~sentãção revestem-se de üma importância maior. O po-
3 SANO. George, Po/itique ct Polémiqllcs (1843-1850). Présenté' par Michelle Perrot.
Paris: Imprimerie Nationale. 1997, ... der é' uma maquinaria cujas fontes'de energi~, C\ljos moto,res e as engrenageI1s
"
Michelle. Felllt1les publiques. Entretiens avec Jean Lebrun, Paris: Textuel , variam ao longo do tempo, No século 19, a distinção lio público e do privado
;4 PERROT,
1997. ' . . é uma de suas modalidades; e a higiene tem um lugar central em uma polÜiq~.
,
•1
5 OELEUZE, Gilles, Écrivain, non: W1e no~veau cartographe, Critique, Xli, p. 1.207-
1.227,1975 .
I . ·. que é freqüentement.e uma "biopolítica" (M. Foucault)._

6 RAFFESTIN; Claude. Foucault aurait-il pJ révolutionner la géographie? In: Au 1


,
..1 risqué de Foucault. Paris: Centre- Michel fi,ucault et Centre Georges Pompidou, , * Pouvoir des hommes, puissance des fenunes? L'exemple du XIXC siecle. In: Femmes .
1997. p. 141-151; Géopolitiqlle et Histo;,e (avec Dario Lopreno et Yvan Pasteur). Pouvoirs. Sous la direction de L. Courtois. J. Pirotte. F. Rosart. Colóquio de
I'
el
. , .
·Paris: Payot,)995.
"
, Louvain, Nauwelaerts. 1992. p, 131-143.
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...., .
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MilU'nd FI" t idntk
O ~lIIploJo Jicu/o 19

A esta representação co mplexa do poder superpõe~ se uma visão igual ~ der no sentido r~trito do termo, e~as t!m a influência muito mais difusa e efi-
mente mais 'complicada das relações entre os sexos que atravessa o conjunto do caz dos costum es. Em todos os tempos, os hom ~ns tiveram medo das mulhe~
campo dos estudos feministas e, conseqüentemente, a história. das mulheres. res. A Mulher .é a Outra, a e5lJangeira, a sombra, a noite, a armadilha, a inimi-
Seguindo as americanas/ distingue~se o sexo,~bioI6gico, e O gênero ( tradução ga. A Mulher é }udite ou Dalila, que se aproveita do son,o do homem para cor-
na verdade. insu6ciente.qe Gender), construção sociocultural, produto das re~ tar-lhe os cabelos': a sua força. Este medo ancêstral, primitivo, ligado talvez à'
lações sociais desenv~l~jdas no tempo ~ ~ue se pode, conseqüentemente, des~ "'" sexualidade (e que a: psicanálise tanto expressa' quanto tenta elucid'ar), encon-
construir. Tomar este ponto de vista, a meu ver muito fecundo, é interrogar-se tra, em cada época, sua expressa0 própria. 10
. sobre a evolução das relações entre os sexos, ao longo da l:ustória, em todos os Do século 17 ao século 19, tais discursos são recorrentes. A idade barro-
ruveis da t<;oria e 4a prática, das'maQeiras de pensar, de dizer, no nível da lin- / ca representa as mulheres triunfantes, e~ apoteose na pintura. 11 Celebra.::se o
guagem qué é talvez (esta é ao luenos a ~pinião de· }oali Scott) ;:instância de~' c'mérilo das Damas", como Saint-Gabriel (1640) que em seu livro defende a
cisiv~. ~ tentar refletir enl termos de front.eiras, de partilhas, de equilíbrio; de tese da superioridade do sexo feminino e o mal-estar senti~o pelos homens. u
sedução e de amor; mas também de conflitos e de concessões, de deslocame~~ No século 19, a idéia segundo â quat as mulheres têm o "verdadeiro" po-
tos, de poderes e de contra~oderes. São todas palavras-chave para estud..ar as der é m~ito difundida, sobretudo na França. "Embora legalmente as mulheres
,
relações dos homens e das m.ulher~s nos sistemas históricos çe poderes, de ma- ocup em uma P9sição muito inferior aos homens, elas constituem, na prática~
neira 'não des~ritiva e estatística, mas problemática c dinâmica. A tarefa é o sexo superior. Elas são o poder que se esconde atrás do trono", segundo.um
imensa, provavelmente interminável. Ela parece tentar cada vez maior núme- viajante inglês de 1830. 13 Segundo Balza~ "nas classes inferiores, a mulher é
ro de hjstoriadores" .A:presentarernQs como sem pretensão as observações que não somente superior ao home~, mas ainda, ela governà -sempre':u Barbey
se seguem, que se baseiam no século 19.' . d'Aurevilly diz das mulheres do povos, das comadres da rua, que elas são poe _ jC

tizas em miniatura ( ... )" matronas da invenção humana que modelam, à sua
. maneira, as reaHdades da histÓ"r;ia'~.u Poderíamos multipliCar as citações de au- ,
DA FORÇA DAS MULHERES: OS TEMORES DO tores, conhecidos ou obscuros, geralmente muito próximos, quando se trata da
SÉCULO -19- diferença dos sexos. Todas traduzem a idéia de que as mullleres controlam os .
, I ' .... .

"As niulheres: que .força!': exclama Michelet, traduzindo uma repres.en-


'-- 10 Sobre o medos das mulheres, cf. LEDERER. W. GytlOpllobia ou In .peur des femmes.
t~ç.:i.O comumente cómp~rtilhada segundo a qual se as mulheres não têm o po-: _ Paris: Payot, 1970. Sobre o pensamento filosófico da djferença dos sexos,l~remos,
em breve; os estudos de Genevieve Fraisse e de Françoise Collin respectivamente
nos t. IV (si<;ulo 19) e V (skulo 20) da Storia deUe DO/lne. Roma: Laterza, ~91 e
7 SCOTI. J03n W. S;etlder and the Politics of Histo ry. New York: Columbia University Paris: Plon, 1991 ~ 1?92. .. ~ ,
Press, I ~88.
1 t MOSIUS, Heiga. La Fetwne à I'dge barroque, Paris: PUF, 1985.
8 A titulo de exemplo, CHAUSSlNAND-NOGARET, Guy. La Vie quotidietlne des
femmes dll roi. D'Agtlts Sord ~ Marie-Atlroillette. Paris: Hachette~ 1990. "',
12 Comunicação de Dominique Bertrand no colóquio' de Reid HalI , Paris, dezembro
1989 sobre NLe pouvoir des femmes~ ' - ,
9 Este breve rel~to lnscreve ~ se em uma ref]e.x3p iniciada em Une histoire des femmes
13 Apud ZELDIN, Th~odore. Lo FranÇaUes. Paris: Laffont, 1933. p. 403.
t.Sl~ e.l1e Possib\e? &I. par M. Perrot. Marsdlle: Rivages. 1984; cf. Id., Les femmes, le
pouvoir, I'histoire. Ibid., p. 206-222; e el1\ um artigo das Annales, março/abril de 14 OEAUCOURT. Jean-Louis. Les' concierges d· Paris ' au XW sitcle. Th~se de
"
1986; Cécile Dal~phin, Arlette ·Farge et aI. ; "Culture el pouvoir de~ femmes. ESsai I'Universilé de Paris VII, 1989, U. p. 492:
d'historiog.r:.lphie~ p. 271-295. 1 lS Ibid" 11, p, 804 , '\
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Poder dor /romem, forra deu nmllrtrt:"
. MIj/I,uil 1111 ddad~ .
O exemplo 110 liculo 19-
,

fios do poder político e da vida dom ésti ca. Ein suas mãos, os homens se riam Iheres ao pesado obscurantismo tão contrário ao progresso, o século 19 fan - J

outra coisa além de marionetes? tasia I) poder feminino.


Mas qual é, então, a natureza deste poder feminino? Ele é oculto, esco n- Ele lhe. confere também ur:na historicidade através do Matriarcado des-
dido, s~cre lo, encoberto pelas sO,m bras, na noite, doce ou maléfi ço, é da ordem crito pelos antropÓlogos: Bachofen, Morgan, inspira ndo Engels. As sociedades
da astúcia que envolve e surpreende. A mulher é a água que dorme, o pântano bárbaras eram matri arcais e matrilineares; elas'eram quietas, felizes, mas estag-
no qual o guerreiro se. .áfunda, o silêncio que dissimula. Um mundo do mis'té- - nantes. A irrupção da violencia na História - a "grande derrota do sexo fem i-
" (
rio, do desconhecido, angustiante, terrificante. Os homens do sêculo 19 so- nino" - é também O in ic io, o progresso: A virilidade é guerreira, mas produti-
nham c~m a idéia de enclausurar as mulheres; mas ao mesmo tempo, eles se va. A feminilidade é doçura lânguida: E sempre a afeminação ameaça enviscar
interroga m: o que se trama 'no m~ndo da s mulheres? Até mesmo <> rum or dos as sociedades. I' Esta representação reproduz a forma mais tradicional do olhar
lavado uros suscita inquietação. I' sob re a diferença dos sexos. Mas, ao m esmo tempo; ela os projeta em um tem-
Este poder das mulheres é, ao ~esmo tempo, ligado à Natureza e liga- po histórico ricó em evoluções possíveis.
do aos "costumes'~ A primeira ~rdem, pei'ú:nce a imagem da força da mãe re- Sobre o que repousa este temor do poder das mulheres, na família, na
produtora, assustador poder de vida escondido naquele ventre fecundo, mais · história, na sociedade? Ao colocar a sexualidade no centro de sua pesquisa, a
temivel ainda se ele recusa procriar. Junta-se a ele o temor dos estranhos sabe- psica nálise tenta responder a esta pergunta.
res da mulher feiticeira que escapam à cultura solar dos homens. Além di sso, O senti.m ento, tão angustiante, da ~alteridade feminina , fato funda·
quanto mais um grupo social está próximo da natureza, mais o poder das mu-
J m ental, foi reforçado no século 19, pela própria vontade de divisã.o sexual
Uleres afirma-se ali. Ass im como o Po,,:,o, selvagem e feminino - '" selvagem por- dos papéis, das tarefas, dos espaços, pela recusa do 'trabalho misro que leva a
que feminino. l ? um a segregação sexuàl mais viva. O distanciamento aum enta O sentimento
No que se refere aos costumes, é por meio del es que as mulheres, so- de estranheza.
bretudo as m ães~ "seguram os destinos do g~nero hum ano': segund o Lo uis - Enfim. este medo se alimenta das co nquistas femininas do sécul o 19,
Ai mé Martin . l ' Os hom en s do século 19 apóiam-se sobre uma dupla expe- deste ilnpulso continuo que as mulheres exercem em iodos os domínios e d,?
riência: a do poder dos costumes, mais,fortes do que as leis~ e contra os quais qual o feminismo é apenas a expressão mais aguda. Segue-se uma cr ise de
se chocam as Vo ntades revolucionárias m ais afirmadas, e a decisão poHtica vi- identidade sexual dos homens ~despossuídos de suas prerrogativas, crise ce- .
ril tropeça na socieaade civil repleta de feminilidade. A outra expe riência re- corrente, mas que atinge. se m dúvida, um paroxismo no iníCio do século-
20. M Ela pr.ovoca uma dupla reação: de misoginia tradicional (obscenidade,
I, ; side na resistência da família, na eficiência da educação, e, con seqüentemen-
te, n~ tç)ln ~da de co'nsciên~ia qo p;ô der das mães. O ~~culo 19 acredita nas 2a- derri&ão, sarcasmo, caricatura são suas formas mais banais) e de anti-femi-
·. pacidaáes morais das mulheres; por um lado ele as exalta, co mo uma força de nism~ pond~ra.do. .
regen~ração, uma trama de co ntinuidade; por outro lado, cle as teme como ' Século de ruptura ede m ode rnidade quanto à diferença dos sexos, o sé- o
um bloco de inércia que freia a modernidade. Da missão civilizadora das mu - culo 19 é também oséculo de seu m~l-estar.

16 SEGALEN. Ma rtine. Mar; et femme dans la société paysantlt~. Paris: FlammariOl1,


1980, ' , 19 GEORGOUDI, Stella. Bachofen. te ;natriarcat et le monde anlique. Réflaion sur
17 RANO~ Jacques. Couru·voyages au pay~ du Peuple. Paris: Seuil, 1990. 1- la création d'un mythe. in: Sloria delle. Don"elHistoire. des Fe.mmes. Sous la .direc-
tion de Pauline Scbmitt-Pantel. Paris: Plon, 1991. t. 1 (Antiquité).

i"

I,
" -
18 MARTIN, L. A. De. ,'édllcarion des meres de famille. 011 de la civilisarion _du'genre
illlmain par les femmes. Paris: Gosselin, 1834-
' : , '
20 MAUGUE, Anne-Lise. L'idenlilé masculine e.n crise. Marseille: Rivages, 1987.

266 ~
267

f "
Cupl1U11I lJ
~ Part' J
PoMr tlllslfOmtll.l, fll'flJ das mllU~tr
, Mull'tru "" ,Idade O ClttlllpW tio Jkuw J9
I

LIMITAR :g CANALIZAR OS PODERES DAS estão do lado da razão e da inteligênda que fundam a cultura; a eles cabe a de-
cisão, a ação e, conseqO'c nternente, a esfeu pública. A$ mulheres se enraízam
MULHERES. EXALTAR A MULHER
na Natureza; elas têm o coração. a sensibilidade, a fraqueza também. A sombra
da casa lhes pertç.nce. f: O que dizem - à maneira dos Antigos - os maiores _
o ~ue fazer diante deJal força das mulheres? Ouçamos o Parsifal de
Hegel, Fichte ou Cornte - e, num tom mais alto, o coro barulhento dos epígo-
Wagner: "A salvação ~o.nsiste em exorcizar a ameaça que a mulher representa
nos. Marca de um século 19 mwto medi~jzado: a referência ao biológico. As
pa~a que uma ordem dos homens triunfe)~
mulheres são doentes em seus corpos, em sua matriz, em seú cérebro, cuja prÓ-
Duas soluções: impor silêncio às mulheres; ou bem torná-las cúmplices
pria estrutura as exclui da criação. Estas afirmações são retomadas pelos orga-
dos hOlnens.exaltando a Mulher. "A Mulher é uma escrava que é preciso fre-
'nizadores da sociedade: políticos como Guizot, escritores ~omo Ruskin ..
qUentemente colocar no trono" (Balzac).
, A direção da Cidade s6 pode ser masculina, e, conseqüentemente, a po-
Convém limitar seus poderes, sua ascendência; ~onter sua influência;
- lítica, A Revolução Francesa reconhece a mulher civil, mas não a cidadã. Ao ex-
mas tambélTl usar o imenso potencial que das representam, não somente no
cluir as mulheres das novas formas de representação, ela provoca, em certos (3- '
domínio doméstico; mas cada vez mais no social, pela filantropia, e depois, pelo
sos, uma regressão de $ua situação em relação às sociedades do Antigo Regime. lJ
trabalho social. Dai todo um arsenal, juridico, educativo, e umaorg~zação ra-
O privado, do qual os homens continuam a ser os senhores em última
cional da sociedade do qual a teoria das esferas (pública/privada) é \lma das for-
instância, é, no entanto. deixado mais para as mulheres, cujo papel doméstico
mas mais el aborada~, Nestas soti~dades em vias de demoçratização, não é mais
.g.familia: se vê revalorizado e até mesmo exaltado. O século 19 não nega o va-
possível usar somente da violência (ainda que as mulheres continuem a ser um
lor das mulheres, bem ao contrário; 'apeJa-se para suas qualidades específicas
alvo privilegiado da violência);21 entre os homens e as mulheres, um novo equi-
no interesse de todos. Na segunda metade do século, sobretudo. elas são exor-
líbrio dos poderes se instaura. Por meio de quais discursos, de quais práticas se
tada s a exercer seu poder fora de casa: a controlar os bons costumes e as desi-
operam estas novas partilhas, esboçam-se estas fronteiras diferentes? São neces-
guãldades por meio da filantropia, gestão privada da "questão so~ial", Certos
sárias .ainda muitas pesquisas de detalhe, até mesmo de micro-história (qllal é,
setores lhes são destinados: as crianças. os doéntes, os pobres.,. Elas serão ,!-s __
por exemplo, o novo papel do Salão, cada vez mais feminizado .no século 19 e,
pioreiras do trabalho social. A casa burguesa não é nem um barém nem um
ao que parec~.t. despolitizado?) para chegar a um'a visão de conju~to. .
ginecf1u. Ela se abre para o mundo. E é .conveniente sair. dela.
Não se pode di zer que a divisão sexual dos papéiS, das tarefas e dos es-
A separação das esferas é muito mais sutil do que pareCI;. Não SO mente
paços esteja veédadeiramente teorizadíl. O pensamento filosófico da diferença"-
, exclusão, enclausura'm ento. fechamento; mas também distinção, utilização, li-
dos sexos é rela~ivamen te. pobre;ll e o ctisc'u rso erudito se aproxima, sobre este
. mites. Por outro lado, não há adequação 'e ntre os sexds e as esferas, Nem todo
ponto, do discurso popuJar. Ambos repetern ql;1e existem, em suma, duas "es
o público é mascUlino, ou o privado ~ feminino. A,espacialização' faz fortemen-
pécies" dotadas de qualidades diferentes e de aptidões particulares. Os homens
te o seu papel, no entanto, ela não comanda tudo. O exercício do poder não se
, reduz evidentemente a uma geografia,
/21 SOHN. Anne-M.uie. Les attentats ~ la pudcur sur les fillettes tt la sexualiti quotidi-
emlf! ell France (1870-1939). ln: Men talités. Paris: lmago, 1989. n. 3: Violences sex-
• ueUes. p. 71 - 113; de LOUIS. Mari~- Victoire. Le droit de cuissnge en France (111 ~ 23 FAUAA'christine. La dimocrotie sans It:s femmes. Essni sur le libiralismt: t:1I Filmei .
sikle. Paris: L'Atelier, 1995. Paris: PUF, 1985; FRAlSSE, Genevieve. Muse dt: la RaUou. LA dimocmlie exclusivt:
22 Cf. os estudos de Genevi~~e Praisse e FrnnÇfise..~l1in. Histoire d~ Ftmmts, op. cit. , , I ou la diffirenct: des sues. MarseiLle: Alinéa. 1989.,

. - I
t. IV e V; LE DEUFF, Mich~le . L'étude et It rouet. Paris: Seuil, 1989. t.

,
!
"
.i

268 -. 269
Pllrte J Ctlp(flllo 1/
Mu/ITerd na cidtlrle Podu dOI Jlllltlem, força das lIlulhenJl
O rJCtmplo do sklllo 19 .

A lei, expressão de um poder patriarcal cada vez mais condenado à con- I O âcesso à escrita, domínio sagrado, é também uma zona de an-onta-
cessão, faz do Direito urn terreno maior de afrontamento dós sexos. No inicip I mentos e de controvérsias. Se não é mai s possível "proibir q\!e as mulheres
do século 19, após as turbulênciàs e as modificações da Revolu ção, os Códigos, 'aprendam a ler e a escrever", como desejava Sylvain Maréchal, em um projeto ,
em toda a Europa, de"finem a ordem civil e cívica. Recusan do a mulher ávica,· de lei apenas ~l1aginá~io/f> ao menos pode-se isolá-l~s em modos de escrita~
a Revolução Fran cesa reconhecera a existência de uma....!l1u1her civil que pode privada Cá correspondência familiar, por exemplo ) e formas públicas especifi-
herdar, contratar, casat;se livremente (casamento ;:;:; c~ntrato civil), divorciar- cas (obras de educação). A «mulher autora': esta "pre'ten sa literata" qetestada,
se. O Código Cle Napoleão col6ca restrições em toda a parte, a tal ponto que atra i para ~i todos os sa rcasmos. v Uma mulher que escreve, e so bretudo que
para certas questões e par~ certas categorias sociais)o,..o Antigo Regime eca me- publica. é uma f!1ulher desnaturada que prefere abrigar-s~ sob um pseudôni-
lhor.l~ B sobretudo o casamento 9ue fa z a diferença. A mulher solteira é uma
mo masculmo. Seu sucesso provoca escândalo: ele é depreciado. Vejamos
"mulher maior" que dis'põe de direitos iguais. A mulher casada é uma menor,
George Sand e seus "romances rústicos", Relegados à prateleira da Biblioteca
submissa a s~u marido até no segredo de sua correspondência. Se ela trabalha} " , ' ,
Verde para adolescentes (La Petite Fadette, La mare all Diable), eles fizeram es""
ela não recebe nem mesm õ o seu salário.-E a··lei de 1907 que, na Fran ça, reco-
~uecer a obra niultifonhe de unla escritora imens~, que redescobrimos apenas
nhece enfim este seu 4ireito tom a como argumento a sallde da economia do- ,
nos d ias de hoje.
' méstica e o cuidado dos filhos, que, ao"menos, poderão se beneficiar do salá-
Os limit~s ao que as mulheres podem fazer não são somen~e de ordetp
rio de sua mãe, no caso de incúria do pai. Segundo o C6digç, Civil, a ord~m .
jurídica, evi?entemente. Eles repousam sobre 'a, opinião pública, amplamente
pública repousa sobre o "bom cidadqo': a ordem doméstica, sobre "o bom es-
modelada pelo sexo dominante, vigilante en:t ~efinir A Mulher- como,-deve ~ser
°
poso, bom pai': de que nos fala Portalis. Ao proib'i/o divórcio, a maioria dos
(A Mulher corume-il-faut). ,O interesse do sé~ulo 19, sua moderi'lidade, é que
Restauradores Cna França, léi Bo nald de 1816) agr~va ainda a suj~ição femini-
estes limites mudaram:-
na. Nesta s co ndições, compreend~- se a dimensão jurídica do feminismo: nos-
Fazer mulheres adaptadas a suas tarefas Un; turais" - esposas, mães, do-
sos "direitos': Dizem as mulh eres.
nas-de-casa - é o papel de uma educação que continuou por muito tempo pri-
I ' Outros tipos delimites: o acesso ao trab~lho assalariado, submetido, na
I prática, às vezes no ~1ireito (sobretudo nos países germânicos) à condição p,a-
vada. questão familiar e maternal, questão das Igrejas. A instrução propria:"
mente dita ocupa inicialmente, e por muito tempo, um lugar Il'ienor, ao lado
trir~lOnial e ao-poder do pai. Na Alemanha, por ext:mplo, o celibato é exigido
das práticas 'domésticas, morais e caritativas. Os vínculos entre mulheres e re-
no ensino. Vastos campos profissionais são praticamente proibidos às mulhe-
ligíão são antigos, poderosos, ambivalentes. Sujeição e liberação, o pressão e
res. Saber o que elas podem fazer é, aliás, Um debate da econom i ~ política que
constr6i, através de seú discurso,_a noção de " trab~dhos" femininos, de "profi,s- poder estão ali imbricados de maneira quase indiss·o lúvel. Os primeiros te>..'tos
'_sões" femininas, que se baseiam em supostas '.<qualidades inatas", dissim ulan- - a primeira tomadá da palavra das mulheres na hist6 ria ocidental - pIovê~1
do. de' fatb~' aptidões' adquir~das.n das mártires ~ristãs: 'como a carta de Santa Perpétua que ence,rra o primeiro
I' ( vo lume da Storia ...delIe DontJe.i • Se sua voz infla-se na Idade Média, ê graçafl às

~4 Ponto polêmico: cf. Centre: Georges Pompidou/Centre de Recherches


lnterdiscipli'naires de VaucreSson. La ràmilfe, la Loi; rEtat. De la Révolutiofl mi Code 2,6 , FRAISSE, Genevieve, Muse de la Raisotl. La détllocmtie exclusive ou la différence des
Óyi!. Testes réunis et présentés par lrene Thery et Christi3n Biet, P3,-is: lrnprimerie sexes, Marseille: A1inéa, 1989, eStuda longamente esta história. '
-Nãtionale. 1989. ' 27 PLANT~ Christine.LA petite soellr de Balzac. Essa; sur lafemllle alllellr au)([)(t sie-
~ 25 J030 W. Scott,, '~La tr3vailleuse", t. IV (~cul~ XIX) da Storia delle Domle/Hütoire des c1e, Paris: $euil. 1989. 1
Fe~"lIIes, estuda particulamlente como o d!scurso da economia poUtica constrói a 28 T. I. L'arrtiquité. Sous la direction de Pauline Schmitt-Panel. Roma: Laterza, 1990;
I noção de "trabalhq feminino" e COl)10 a dir isão sexual, ~o trabal~o é inici;.llmente ..Paris: Plon, 1991. -
I
umyefeito de linguag~m.: Paris: Plon. 1991, p. 419-422. ' '''-
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I·' , 270
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271

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Podu d OI homttll. forf" dtu mul/,eres? .
MIIUleft:l ti .. cidade
o enmplo do IkIlJo 19

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Ordens e aos convent~s.u Eles não abrigam apenas a sua resignação e sua fugai . integração, apesar de._um ensil!o. não misto reafirmado sem cessar, para man-
eles lhes conferem poder, enca rnado em fortes figuras de santas ou de abades- ter as dife renças. Ela substitUía ""3 religião pela mor~l , de m aneira-constrange-
r o "-

sas. A Igreja trabalha pela proteção das solitárias e dás viúvas, pelo reconheci- dora. Mas ela contribuía também para a co nsciência..crescente da impoitânciã
mento da dignidade fe~inin a, pela necessidade do consen tim ento no casa- , ' ," d:as mu.lheres. Ainda que yalles escreves; e: "Esta Universi da.de! - Ela é tão ca~
menta de uma mulher)ndividualiza-da. Tudo isto não poderia ser s u~estima-. ·rola ,9,uanto a Igreja, e mais covarde! Prisão por prisãq, prefuo o convento io
do. Mesmo no séculá 19, em que a religião tende para O lado da submissão das liceu ~11fa meilinas;·Professores por professores, gosto mais,das religiosas ·t ta-.
mulheres, as coisas são complexas, com muitas nuanças e diferenças segundo _ dicionais do que as peonas envifldas pelo ministério'~31 Um espaço de indepen-
os credos, ricos em modelos educativos variado~ : ·dência - ou até de li berdade - era, sem dúvida, aber to às mulheres. Professo-
\. Entre os católicos inflexíveis contra o plUndo moderno, o chalnado .. ras primá;ias e ;ecundárias forneceriam um gqmde 'número de pioneiras do
constante das· mulheres para seus deveres de guardiãs da ordem patriarcal é o : o, femmismo.J!
mais forte. Às mulheres devem renunciar, obedecer e conse ntir a sua própria As relaç?es entre relig.iões, laicidade e relações entre os sexos são, em
sujeição. N~ entanto, a exaltação. da diferença, do feminino (figura da Virgem o, todo caso, um grande tema de reflexão e de pesquisa.
Maria) pôde alimentar uma for te consciência de gênero e, com isso, um. femi-
nism o cr-istão, às ve~s missionário ~ combativo, base-;do na promÇ>ção elos va:" ,
la res femininos como forma de· salvação.)!) . AS MULHERES: EXERCI CIO .a CONQUISTA
O protestantismo oferece mai~ brechás. Sua co ncepção da diferenç~ do's DOS PQDERES J
sexos é profundamente diferente. . Por' exemplo, em , nome da Bíblia, ~le faVO!~­ •
ceu " alfabetização ·das men'inas mais precocemente do que nos países católl- Em uma sociedade globalmente dominada pelo poder masculino, as
. coso Os Reyjya/s (Alvoradas), tanto na América qu anto n ~ Grã-Bretanha, fo- -mulheres exerceram, en.tr~tanto, todo o podei p9ssível. As mulheres do século
o
r,aro muito propícios à influência das mulh eres devotas. De uma certa manei-
, o
e
19 - provavelmente em todos os te~pos - não foram so ment~ vitimas ou su~
ca, as mulheres de pastores participa'm do ministérioi em pleno florescimento • . jeitos passivos. qiilizando os espaços e as tarefas que lhes eram ·deixados o·u
as diaconisas Jambém. A i'nfl uência das protestantes no desenyolvimento de confiados. elas claboraram; às vezes, con trap9deres que po<,iiam subverter os
numerosos mevimentos feministas (sobretudo os que lutam contra a' prosti-.. , papéis apArentes. Há abunda~tes irragens de mulheres resplandecentes, de
tuição) foi considel:ável. ,-- avós reinando sobre sua linhagem , de mães "abusivas", de donas-de-casa áuto-
Na França, o protestantismo, sustentáculo da República~ contribuiu for- " ritárias que dirigem se us emp regados, d o nas-de~casa populares que os homen s
tem ente para o estabelecimento de um modelo laico que não pode ser visto- chamam de "a burgu esa" porque eles lhe~ entregam seu pagamet:lto e elas con-
como á simples recondução de modelos reli giosos nem como o equivalen te da trolam seus lazeres, mulheres cotidianas ou excepcionais que investem SO,~re a
libef~ção feminina. A e'sco)~ laica permitia às menipas reais po.ssibillçlades de (
vida diária ou o social. 0 ,reforço da image1n da mãe e de seus poderes domés-
o o I
I ' , o

29 Daniê:le ~égnier-B.ohler, Voix de femmes, no 1. U (Idade Média)' da Staria delle 31 Jules Vallê:s, 1e Révcil, 24 novo 1881 . reproduzido e~ CEuvres. Sous la directiori de
D'cm ne/Histoire des Femmes, Roma: [s.n.). 1990; Paris: Plon, 1991. Organizado por Roger BeBet. Paris: Pléiade, 1989. t. n, p. 727~731 (a respeito da lei Camille Sé.e
Christiane Klapisch-Zuber. " ' organizando os liceus de meninas e o ensino secundário fem inino). .
.. 30 SM ITH, Bonpie G. 111C ladi~s of th~ Lei4ure 'Class, TlJe Bourg~o.iSes of NortlJelí1l 32 Cf. estudo recente de MARGADANT, Jo ~urr. Madame le Pr~fesseur. Womcn
Fr~.Jlie in theXlxr" century. Prmceton: Pri llteton University Press. 198 1; tr. fr. Paris: Educators in, ·the Third 'Re/JUblie. Princétoo: Princeton University Press. 1990;
Perri n, 19890 I o. OZ6UF, Jacques et Mona. La Rép",blique des institutCII;.s, Paris: EHESS, .1992.
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272 273
Capllulo J 1.
Parte J Pode,. dOI homcus.j<>rça das mullrc''Cl r
MulhueJ lia cidadc O exemplo do J«lIlo 19

ticos é um dos temas do antifeminismo do inicio do século 20. "As Mães!", es- 'espaço da casa, da rua ou da vizinhança, como elas mantêm ali redes de solida-
creve André Breton; "Encontr'!mos o horror de Fausto, somos tom"!-dos, como riedade que excedem amplamente a família, para estruturar às vezes o vilarejo
,ele, por uma c0Il1:0ção elétrica unicamente com o som destas síJabas nas quais \ ou o bairro, como elas organizam o"{cmpo do trabalho doméstico, tanto sobre-
se ~sc~ndem -as poderosas de~sas que escapam ao tempo e ao lugar".)) ~as carregado q~anto .frouxo, que pode lhes deixar liberdades, sempre wn pouco
como distinguir o que constitui justamente fantasia masculina, medo da mu- furtivas: a leitura, por exemplo, flgura por muito tempo como um gozo rouba-
dança, mutação real?.. . /' . do. Tais pesquisas esclarecem as modalidades do poder cotidiano das mulheres.:'6
- ,
,. As observ~ções
.. que se seguem não dão nenhuma resposta mas procu- .~ I
Essencial, a gestão econômif.a do lar, a relação co m o dinheiro e, conse-
ram esboçar um programa. qüentemente, nos- lares populares, cpm o pagamento. . As burguesas gerem o
A organização do cotidiaDo continua a ser o grande teatro da vida das que o seu marido lhes dá para o funcionamento da casa cuja contabilidade lhes
mulheres e a base de seu poder, o local de seu trabalho, de seus sofrimentos, é atribuída. As mulheres do povo, ao menos n(l França, exigem e geralmente
mas também de se us.. prazeres. Elas encontram ali compensações cuja nature- obtêJ.TI que seus esposos lhes confiem seus sa~ários, se m muito desconto, no dia
za deve ser questionada . .Pois se a massa das. mu lheres consente em seu papel, do pagamento, dia pe alegria mas também de conflito nos bairros operários;
encontra nele justificativa e freqüentemente felicidade, sentido de sua existên- elas lhes devolvem a ~e~ada que lh~ é necessária. Ao menos, este $eri ~ um
cia e até mesmo sentin~ento de superioridade em relação às independe~tes que ideal, longe de ser respeitad~ e, de quaJquer maneira, cheio de conflitos. No en-
recusa m a sujeição ao casan1ento, o destino _mais comum (90% das mulheres - . tanto; esle poder de Uministro das finanças" - as donas-de-casa são chamadas
e"ainda mais dos homens cas~m'l'se~l)o sé~u lo 19), não é unicamente pela fo~­ . assim - é menos brilhante do ·que parece. Responsáveis pelo ' orçamellto. as
ça das coisas.jAo menos, esta força da~ coisas reveste-se, nas socie4a~e mais de- . lnulher!~ també~ são culpadas por 'ele; ~m caso de restrições, as privações as
mocráticas do século 19, de formas mais doéês e mais sutis. ' , atingem em primeiro lugar. Elas são fr'eqüentemente subnutridas. Ao contrá-
À maneira de Baudrihard,~ seria necessário fazer a história dos prazeres rio, quando tudo vai bem, elas se empanturram e engordam. A relação das mu-
e das servidões da sedução: a galantaria, a coqueteria, a recusa e o dom de si· nas lheres com a comida é assim atravessada por relações de poder.
relações entre os sexoSi o papel do corpo e das aparências nas estratégias de ca- . Na área dOf!1éstica, as mulheres - a~ esposas sobretudo -= exercem pode-
,sarnento em que a beleza faz cada vez mai; parte dos termos da trocaj o poder reS, delegados e compensadore§, so bre seus subordinados: ascendentes, geral-
sexual das mulheres no casal. Fazer a história dos poderes do amor e no amor. 'mente maltratados, filhos repreendidos, empregadas domésticas, mulheres go-
O exerdcio do poder doméstico, do qual Frédéric Le Play foi um dos pri--- , veJ;nadas por outras mulber;es, O que coloca de maneira ruidosa a relação
, meiros observadores em ~uas famosas' monografias de fumilia, ~ol o objeto de sexo/classe. No caso de família ampliada--e de coabitação das gerações, rn'uito
nUfl:1erosos trabalhos que seria preciso recolocar em perspectiva sob o' ângujo~_ praticada ainda em certas zonas rurais, a autoridade das sogras .sobre seus gen-
. _ das relações de poder. Yvonne Verdier e Martine Segalen estudarám as campo- ros é gerall'hente inflexível. Assim se recon stroem bjerarquias, .pirâmides orlde
nesa~l; Arlne Martin-Fugier, Genevieve Fraisse, Bonnie Smith sobretudo (pára ~.:.. o poder patriarcal, sobredeterrninante, aparece, no entanto, como diluído, ex~
lar apenas da França) acompanharam as donas-de-casa burgue~si eu me inte.: terior, longínquo. ~
res/ei pelas donas-de-casa populares." Ver'como as mUlheres tomam posse do -'

1983; FRAlSSE, Gencviêve. Femmes toutes mains. Essai sur le service domestique.
33 Histoire de ·la yje privée. t. IV: Século XIX, dtad<! p. l 55. Pnr'is: Seuil, 1989; Michelle Perrot, Histoire de la vie privée, t. IV, p. l43-J46 e diver-
sos artigos.
~ 34 J. B~'udrillar~, De la séductiorl. _ 1_
36 Encontraremos uma notável análise das relações masculinas-femininas no mundo
35 Além das publicações já citadas de M. ~egal~n e Bonnie Smith, lcf. MARTIN-
operário contempor~neo em SCHWARTZ. Olivier. te Monde privé. des ouvriers.
FlJGIER, Anne. Lp Bourgeoise. Fel1lllle arl temps de PtIUI Botlrget..Paris: Crasset, . . .
, - Hom/!Ics ef femmes du.Nord .. Paris: PUF, 1990.
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274 - -. 275
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M ulhtrn IUI titltJd,:
O eumplo do mula 19

Tem-se o costume de opora artimanha feminina à violência masculina. Elas investiram todas as suas energias na construção de wna esfera pri-
Provavelmente se,ria necessário d~sconstruir a parte de estereótipo nestes dois , vada, autÔnoma, geralmente àlegre, que dava coerência à sua ,vida, que elas eri-
aspectos. A violência física e sexual exercida sobre as mulheres é, certamente,' •i giam em wn sistema de valores, até mesmo em uma verdadeua.mfstica femini-
cada vez mais reprovada no século 19j menos, no entanto, do que a violência na e fundamento de úma cultura feminina e de uma "consciência de gênero~")t
'So bre as crianças, para as quais .se esboça Uln3 proteção legal (na França, leis Com isso, elas edificaram um poder social muitas vezes conquistador e
de 1889 sobre a perãa' do poder pate,rnQ ,e de 1898 sobre as crianças maltrata- asswnuam uma missão morá1 da qual a filantropia foi a forma ma~s corren te. ..-
No sentido inverso', o exercido da mantropia as iniciava às questões da Cida- cI
das). Um silêncio cúmplice envolve as mulheres agredidas (sobretudo nos
de. Nos Estados Unidos, assim çomo na Grã-Bretanha, as matronas e dama s,de
meios populn.res, mas não somente). violadas, violentadas. Os pedidos de se-
caridade das décadas de 1830-1840 fo,ram. freqüentemente as miles das femi-
paração de corpos (em 80% de origem feminina) e de divórcio (quando ele é
nistas da geração seguinte.
legai: na França, entre 179 1 e 1816 ~ 'desde 1884) alegam, no entanto, majori- .( Hav:ia aí uma forma de femin1sll)0 menos preocupado em reivindicar a
tariamente as sevícias corporais, Uma reflexão sobre o poder não poderia eco-
igualdade com os homens, vistos às vezes COm uma certa pena condescenden~
nomizar pesquisas sobre as mulheres vitimas cujo corpo dolorido é a exata an-
te, do que em promover uma óutra visão do mundo,·apoiada n~s ideais femi-
títese do corpo glorioso e etéreo da Musa e da Madona." '
I -, ninos{qua se uma alternativa, critico da sociedade tal como os homens a fize-
A constituição de uma esfera privada autônoma foi uma outra tática. ram. 40 Isto podia chegar até a uma cultura .separatista, ao sonho de um' univer-
Eln uma carta a Madame Swetchine (1856), TocquevilJe deplorava que so feminino sem os homens, que encontram.os em diversos palses, particular-
a educação, e sobretudo a religião, ;tenham contribuído p~ra enclausurar as ,mente na Alemanha. O poder feminino como contrapoder e como poder mo_ o
,mulheres de seu tempo unicamente I)a esfera privada: delo, Ao mulheres como fermento de regeneração da humanidade. Não há
nada.Q.e espantoso no fato de que tal modelo tenha raizes e influências forte-
Vejo um grande número de mulheres que t~m mil virtudes privadas nas ql.Jais
a ação direta e benfazeja da religião se deix3 perceber. Que, graças a elas, são espo-
.m ente religiosas,
sas muito fiéis, excelentes mães, que se most.ram justas e indulgentes com seus em· , Enf~, last but ,10t [east, é toda a história das lutas feministas pela igual-
pregados, cariêlosas com os pobres, .. Mas quanto a esta parte dos deveres que se re· dade dos dois sexos, tornadas possíveis pelas contradições da Revolução Fran-
fere à vida pública, elas não parecem ler a' mesma idéia . Não somente elas nllo as cesa e da democracia nascente (mas excludellte): história imensa, relativamen-
praticam pará:si mesmas, o que é bastante natural, mas elas não parecem nem mes·
te pem conhecída, devido à multiplicação dos trabalhos" 1.Seria prtciso reler
mo ter o pensamento de inculcá-Ias àqueles sobre qúem elas têm uma inAuência, t - j
uma face ...da educaçã~ que lhes é invislvel. M •
"
':\ 39 Entre os estudos e;c:emplares, o de Bonnie Smith, já citado, de corr, Nancy. n,e
Muitas ~ulh~es ratificam, de fala, sua exclusão por seu desinteresst ou Bonds of Womattllood. \1'oman's Sphere in New Englalld, 1780-1835. New Haven:
pela,&esv~íorização das questões ijúblicas e da políticai a preocupação dos bo-' ,Yale University Press, 1977; VARfKAS, Eleni. 'La Rtvolte des dames. Genbe d'une
cotlscience féministe dans la Grece duJUXt siecle. These (Doctorat), Paris V1I, 1982.
mens, desinteressante, até mesmo fútil, não é para as mulheres. 40 ~ muito senslvel no feminismo saint·simonista, por exemplo: cf. RIOT.SAR~EY,
Mjeh!le. ParcoJlrs de femmts dam I'apprentis.sage de la dbllocratit (1830· 1870) . .
Désirée Gay. !ean;ft Deroi", Eugénie Niboyet. The5e de l'Université -de Paris I, 1990,
37 Além dos estudos de A, M, $ohn e de M. V.:Loois. citados cf. CLAVERlE, tlisabeth:
41 Vis10 de conjunto no"'t . IV da Storia delle Donne/Histoirt des Femmes. por Anne-
lAMAlSON. Pierre. L'/",possiblt m!,ria$t.~Violt;"e tI parenté en Gbaudan. Paris:
Mar ie K!ippelli, Scenes fémitfis re$; citemos também KLEIMAN, Laurenct;
Hachette, 1982. . 1-' . . ,
38 (Ellvres completes de Tocqu.c-~ille. Sous la'· direction de Pierre Gibert. Pâris:
ROÇHEFORT, Florenee. L'Sgalité en marche. Histo;re du fbnini$me $OIlS la
Trois;eme Rt!publique. Paris: Fondation nationale des Sciences PoÚti<fues/~itions
Gallimard, 1983. t. XV, p, 292 (carta ~e IO je
novembro de 1856),
'-
des Femmes, 1989. .

" ,
276
II
"
277
Pllrtc J
,
[, '. MulllcrN 1111 cillndc

es ta história sob o ângulo do(dos) poder(es). Que poderes reivindicam as mu- CapItulo 12
lheres? Q ue concepções elas têm da pol.ítica, ~sobret\ldo? Porque há ~nanirni­
dade sobre os ~ireitos civis, em 'matéria de educaçao e até me~mo de trabalho, j

e divergências sobre os direitos cívicos? Como compreender - por exemplo-


o conflito que opõe as feministas de 1848 ~ como Eugénie Niboyet, Jeanne De-
roin, Désirée Gay - a George: Sand, grande figura de mulher emancipada, que
faz da igualdade civil o preâmbulo absoluto para a jgualdade poütica: "As mu-
SAIR*
lheres devem participar um dia ga vida polít.ica? Sim, acre~ito que sirp [... ]Mas
este dia está próximo? Acredito.que não, e para que a condição das mulheres
seja assim transfonnada, é preciso que a sociedade seja tran sfo rmada radical-
mente", De~e-se fazer os escravos votar? Ma~ as mulheres são escravas? Juridi-
cam en te si m, socialmente, não:
"Uma mulher não deve sair do ((rculo estreito traçado em torno dela",
Como os costumes chegaram a este ponto em que a mulher reina no maior nú-
mero de famílias, e que há abuso (festa autoridade conquistada pela habilidade, pela • diz Marie-Reine Guindorf, operária saint-simo.nista, obstinada em quebrar
tenacidade e pela astúcia, não há nada a temer que a lei se encontre à frente dos cos-
. I
este cerco e q u~ se suicidará com seu fracasso,~l Os homens ~o século 1~ eu-
,
tlnnes. Ao contrário. para mim. ela se encontra atrasada em rela}ão a eles. U
- ropeu tentaram, de filto, isolar a fo rça crescente das mu.llieres, tão fortemente
sentida na era das Luzes e nas Revo luções, cujas infelicidades lhes seriam mui-
Então? Recoloca~ os relógios' na hora e agir por etapas: esta é a posição tas vezes atribuídas. não somente enclausurando-as em casa, e excluindo-as,
de Sand, ilustrando um do~ grandes debates do século'sobre a força e o poder de certos domínios de atividade - a criação literária e artística, a produção in-
dos dois sexos. dustrial e as trocas, a política e a hlst6da - mas também, e ainda mais. cana-
A modernidade do século '19 foi ter colocado estes problemas que, de )izando sua energia para D doméstico revalorizado, e até mesmo para O socia!
certa maneira, ainda são os n.9ssos, nos djas de hoje. domesticado. A teoria das "esferas", de que Ruskin se faz o intérprete (O!
Queen's Gardens, 1864L é uma maneira de pensar a divisão , sexual do mundo
e de organizar racionalmente, na harmon iosa complementaridbde dos papéis,
das tarefas e dos espaços, reconciliando assim a vocação "natural" cOm a uti-
lidade social.
As -mulheres souberam apossar-s~ dos espaços que lhes eram deixados
ou ccinfiados , 'para desenvolver sua inAuência junto às portas do poder. Elas
\ enconlraram ali os contornos de uma cultura, matriz de uma "consdênci., de
r
,. Sortir. In: Histoire des femmes en O«ident. Sous la dir«tion de G. Duby et M.
•1' I
PerroL Paris: Plon, 1991-l992. t. IV: Le XIXe sikle, p. 467-494 .
42 G~rge Sand, Á propos de la fetllme dam la société politique. LeNTe tUa membres du 43 La Tribune des Fcmmcs, 2° ano, apud RJOT-SARCEY, Michêle. ParcouN de femmes '
Comité central, em 1848, Souven;rs et idéd(
,
.
,,
,
dans l'apprentissage de la
. d~mocratie. Th~se, Paris I, 1990.
\

278 279
PllTt, J
Mulll~rts 1111 cidildc

este sucesso a pec~urba. E 'c omo Emma ~oldman , ela se lança na peregrinação Capltlllo) 4
militante e oratória. Sua família, sobretudo sua mãe, jnquieta-se com suas ex-,
cu rsões em bairros distantes e suas voltas para casa muito tardias.IA cidade, a
noite não são para as jovet;s mulheres. Ela adquire uma reputação por' sua fa-
dl.idade oratória, tão .excepcional que os operários se interrogam sobre sua
identidade. Os mü~eiros de Styrie a véem como uma arquiduquesai os tecelães
dizem que ela é provavelmente um homem fantasiado de mulher: " Pois so-
As MULHERES E A CIDADANLA NA
mente os bonie~s sabem falar assim'~ ~ :.
FRANÇA: HISTORIA DE ÚMA EXCLUSÃ0*
Bem entendido, pode:se perguntar: por que este desejo de palavra públi-
ca? Por que esta vontade de s,u blr à tribuna para se dirigir aos outros? Por 'que
preferir a arte oratória à arte dã conversa, à troca, ao jogo mais igualitário .da
palavrã privada? P):ovavelmente, existe aí.~ triunfo de uma concepção masculi-
na, e assimilacionista, em ,d etrimento de uma via alternativa fia ~ociabilidade. A cidadania é uma noção complexa. polêmica, plural.' No sentidp am-
Talvez: Mas o uso da palavra pública significa outra coisa. Ele é símbolo do po- plo, ela significa participação na vida da Cidade (ela própria definida como o
der.e forma o acesso à 'esfera pública da 'qual as mulheres são e..xcluidas, segun- conjunto dos cidadãos), ~ozo dos direitos que são ligados a ela, exercício dos
do co nsta, devido à sua voz fraca, rouca, aguda e sua incontinêncià verbal. deveres que lhe são itribuídos. Poderíamos distinguir. também uma cidadania
Apropriarjse do discUrso e dominá-lo era apropriar-se do mWldó e ten- civil, uma cida4ania social, uma cidadania política, e, todas, colocaram proble-
tar o esboço de . uma revÇ>l~ção. si~bólica inacabada - interminável? - qlte está mas de acesso para as mulheres. Entrar na Cidade, com direitos reconhecidos
no ce ntro do m'o vimento das mulheres. Uma grandf7 aventura, em suma. e iguais, sempre foi um
problema para das. Mas entre estes direitos. os direi-
tos ~vicos e polítioos constituir!lm um drculo de cidadania particularmente
resi stente e fechado. E, na França mais!do q.ue em outros lugares.
Na história contem~orânea da democracia ocidental, il França se distin- -
gue, de fato, pel~ altura do'obstáculo oposto às mulheres no triplo nível do di-
.- reito de voto, "outorgado" de certa maneira por um decreto de De Ga ulle. de
1944; da representação, q~er seja local ou ainda mais Jegisla.tiva, que continua
a ser uma da m<!is fracas da Europai enfim, dã participação no executivo. Esta
última sempr~ foi a "escolha do principe" quer este príncipe se chame Léon

/ •
(
Bluffi , Valéiy Giscard d'Estaing, François Mitterránd ou Jacques Chicac, como
se fosse preciso um .talismã particular para abrir as portas do templo, ;'um'
~bre-te sésamo" para fazer separarem-se aS paredes da gruta misteriosa. Eos
'contrastados episódios, dos quais Édith CreSson ou as "Jupettes" (apelido dad~

I lt" Les femmes e:t la citofenneté en France. Histoire d'une: exclusion. ln: ú.s Femmes et
'. I la politique. Sous la direction de Armelle I..c Bras-Chopard et Janine Mossuz-Lavau,
,! '- Paris: L'l-!.armattan, 1997. p. 23-39.
,- . .""'

326 327
-
CIlP/wlo J4
"'''''
Mullltrts na cid"," AI ",ulhe," e <I tidadm,w n<l Fru/lf4;

, história tU! umll crduJil/)


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, às ministras e secretárias de Estado do primeiro gabinete Juppé depois de sua A DEMOCRACIA SEM.AS MULHERES
destituiçãorforam as infelizes protagonistas. ilustram a fragilidade do acess?
(ia mulheres a este último núcleo do poder poütico. g.,te foi O título de um livro pioneiro de Christine Fauré (1985). Obser-
Esta situação intriga por ocorrer em um pais pioneiro na proclamação vemos, d'e imeruato, a dificuldade, a ambigüidade do vocabulário. Trata-se de
dos Direitos do Homem
, e do Cidadão e no estabelecimento
. da democracia e .da excluir as nlulhtres J definitiva ou provisoriamente? Trata-se de uma inclusão
República. "Enigóia", dizia Madeleine Rebérioux em uma troca com Pierre Ro- progressiva, ligada à sua obtenção de capacidade prévia? Os debates· não faltam
sanvallon (a respeito do Sacredu Citore", i992). Convém falar somente de "atra- sobre todas estaS questões.
w" de uma França q~e se ar~asta e em seguida resigna-se a admitir as 'mulheres De início) a Revolução Francesa define uma cidada;nia seletiva em seu
no mei~ dos Santos? Genevihe Fraisse reeus,:, esta expressão que lhe parece ne- i

conteúdo e em seus protagonistas. A cidadania .civil é distinta da cidadania po-


gligent,\ demais (1995 ). COnvém então fui ar de "singularidade" (OZOUF, 1995), , litica; As mulheres ·têm acesso à primeira, em 4ma certa medida e até certo
ou até meSfllO de "especificidade" francesa? Mas então. ligadas a quê? ponto, mas que não pode ser negligenc;ávei. A igualdade na herança rom"e
Pareçe que numerosos trabalhos realizados há'illguns anos permitem com costumes antigos, freqilentemente nada igualitários. Assim, a abolição do
ver esta questão mais claro. Observemos como eles s㺠recentes. Por um direj to normando, particularmente machista, está.na origem do crime de Pier-
lado, ~ãQ das mulheres da poli.tica parecia tão natural Ql!e não..J:e.pre- re Riviere: ele mata sua mãe porque "as mulheres tomaram o poder", escreve
stntava um problema e que nossos manuais escolares citaram trangüilamen- ele em sua célebre confis.são (FOUCAULT, 1973). O estabelecimento do casa-
~Q "sufrágio uniyersal" implantado em 1848, sem preocupar-se com o fato mento como contrato civil, suscetível de ser rompido pelo divórcio, inclusive
~ q!1e ele e.rã apenas masculino. Por outro lado, nem a política, nem mesmo por consentimento mútuo, é um avanço considerávef sobre o qual o Córugo
o poder, foram a primeira, inquietação de uma história das mulheres desen- Civil.napolcônico voltará atrás, fazendo do casamento patriarcal a pedra an-
volvida nos anos 1970, na dependência de um movimento mais preocupado gular/da família e da sociedade. A partir de então, vai se fazer a dlstinção e~tre
COIJ'I o corpo, com os costumes ou a cultura. As mulheres como "sujeitos po- u
as "moças maiores , solteiras relatiyamente iguais em direitos e as mulheres ca-
o:
líticos" não era a preocupação maior. A primeira incitação veio, é lógico, sadas, sub metidas à autoridade do marido, chefe de família, como as menores.
j

dos polit610gos (MOSSUZ-LAVAL, SINEAU, 1983). A atualidade teve sua Mais uma brecha foi criada.
contribuição: as come morações (da Revoiução Francesa, da Liberação) e os Em contrapa.x:tida, as mulheres são excluídas do ~ercícioJ do direito de
debates, recentes e atuais, sobre a paridade, estimulo maior. Porém, houve cidadania. Elas são cidadãs passivas como as CÍianças, os pobres e os'estrangei-
também a influência do desenvolvimento próprio de uma reflexão sobre po- ros. Siéyts, principal organizador do voto em 1789, isso dizia claramente: CI Ta_
der e relações entre os sexos (poder e gênero) da qual a política é sOlpeote dos têm direito à proteção de sua 'pessoa, de-.sua propriedade, de sua liberda-
tim caso particular. Os trabalhos são atualmente numerosos e até mesm o de, etc. Mas nem todos têm direito a tornar parte ativa na formação dos pode-
abu~d~ntes,-sobretudo no que se refere a dois po ntos: a-'Revolução Francesa, res-públicos; nem todos são cidadãos ativos. As mulheres, aomcpos no cstndQ
l ena 'p.rimitiva, exemplar, sem ce)sar revisitada; as lutas de mulheres e o fe- .â!!!ãl-as crianças, os estrange~os, agueles ainda ql.le não coniribuirem iem
minii~o, de. que "temos agora um conhecimento quase panorâmico, graças , nada para manter o estabelecimento público; não devem in.fluenciar ~tivam~~­
aos tnibalh~s das jovens hiítoriadoras que restituíram às-prQtagonistas da .: te a coisà pública". O enunciado é claro. Ele instaura um-a ruptura entre sbcie-
peça toda a·sua estatura. , dade civil e sociedade politica, sublinha a especificidade da ação pública e po-
. .Mas é tempo de co meçar o eSPftác.ulo. inicialmente, para lembrar os , . lítica e exclui dela as mulheres, presentemente incap~zes de ter acesso a e,la. S~
prin<::i pais epis6dios,. Em seguida, para tentar compreender o n6 da' intriga e o gundo Portalis, redator do Código Civil, deve-se a elas "uma proteção perpé-
jogo das interações. ! . ., tua em ,troca de um sacriflcio irrevogável".

,
328 329 ~
Cap/lulp 14
, Parte J
Mulllrrti lia âdad~
N mu/hut$ e li âdadUlrill lU'! Frllllfa;
IrÍJIÓ';O deY'"1l exdllsdo

Esta exclusão seria evidente, natural? Siri"l. para o conjunto dos homens '\ nem trabalhar' sem sua autorização), contradição sobre a qual não se re-
e para grande parte das mulheres que co ntinuam a ser, em sua maioria, cam- fletiu suficientemente.
ponesas e afastadas desta nova cena. Somente uma minoria reivindica o sufrá-
gio para as mulheres; Co~dorcet (De ['administrariaM des femmes QU drait de. A revolução de 1848 é, sob este ângulo, uma etapa decisiva. A despeito
Cité. 1790), que contesta todos os argumentos opostos voto das mulheres, de um feminismo excepcionalmente: ativo, expresso em jornais. clubes, na can-
. - ou Guyomar (Sr:ÉOZlEWSKI; 1989,1991). Enquant OI m de Gou es, m didatura de Jeann'e Oeroin (RIOT-SARCEY, 1994), ela opera uma ruptura de-
Ol~~ sua Declaração dos direitos da mulher e da cidadã (1791), em dezessete artig~s, . cisiva entre socialismo, movimento operário e feminismo, unidos pelo saint-
J.
\AI. r reivindica claramente a total igualdade politicl. Es~a girondina seria guilhoti-
na~a e seu processo é rico em ensi,~ame~tos quanto à desqualificação das mu-
lheres na politica. Chaumette declara: "Lembre-se desta virago, desta mulher-
simonismo que fazia dos profetários e das mulheres os dois pilares da mudan-
ça. Doravante o feminismo será chamado de j'burg~ês" e o movimento operá-
rio funda sua identidade sobre a virilidade. Em se u curso no CoUege de Fran-
homem, a-impudente Olympe d~ Go uges, que abandt:mou todos os cuidados ce (1850), Michelet t'en'de até mesmo a acusar as mulheres pela fracasso da Re-
de sua casa porque 'queria .engajai-se na'~olitica e cometer crimes· {. .. ] Este es-
pública, incriminando su~s ligações com os padres, tese clássica. Daí. acre.scen-
quecimento,das virtudes de seu sexo levou·a ao cadafalso" (SCOP, 1996). Os
ta ele, a necessidade de educá-Ias.
clubes de mulheres serão fechàdos, bem como a Sociedade das Cidadãs Repu-
O $egundo Império aprofunda ainda um pouco mais o abismo políti-
blicanas Revolucionárias, que serviam de locais de expressão e çle aprendiza-
, co entre os sexos. Por um lado, a Igreja acentua a sua influência sob(e as mu-
dos políticos para as mulheres (GOOINEAU, 1989; FRAISSE, 1995):
lheres, por outro, Proudhorl retifica a divisão se.xual dos papéis•.fundruldo-os
na natureza; a dona-de-casa é, a seus olhos, como aliás aos olhos de Michelet,
a única identidade possível para uma mulher, o que será repetido à saciedade
UMA EXCLUSÀO ACENTUADA PELAS SEGUNDA
pelo movimento operário. Todavia, o debate continua, amplia-se e progressos
E TERCEIRA REPÚBLICAS consideráve.is são realizadqs sobretudo no dominio da instrução. Em 1861, Ju -
lie Daubié torna-se a primeira francesa a passar no exame do baccalauréat.... ·
Hti. um abismo cada vez mais p~ofundo entre cidadania social e cidada-
não sem amargas contestações, ant~ de fazer também uma licenciatura e pu-
nia poUtica, por um lado, entre homens e mulheres por outro lado, no exer:.:cí-
blicar La Femme pallvre. Enquanto isso, O ministro Victor Duruy obrjgava as
cio da cidadania, por diversas razões:
comunas, de mais de mil habitantes a abrir wna escola primária para. meninas
e criava os pr~meiros ucursos secundários" para as moçaS". .
pelo fato de qu'e o sufrágio ~amado de "universal" se torna o critério ·
A Terceira República amplia consideràvelmente este esboço de igualda-
da soberania e que ele é concedido ao conjunto dos homens em 1848, .
de na instrução. A Escola de Jules .Ferry não é mista, mas é resolutamente igua-
fazendo as mulher~ se sentirem ainda mais rejeitaqas.
J no entanto, o,papel social da,s mulheres-é mais reconhecido; sua-educa-
ção se dçsenvolve -e se apela cada vez mais para a sua caridade o,u para a
litária (OZOUF, 1992) e Paul Bert abre os primeiros liceus de moças (lei de
1880). O que responde ao desejo republicano de ter "companheiras inteligen· ~
': tes': capaze.s de barrar o caminho da Igreja; mas responde também a uma for-
sua filantropia, e até mesmo pa~a' a sua experiênci~.
te demanda de uma pequena t uma média burguesias preocupadas com o
a lei de 1848, criando a liberdadeI sindical, reconhece esta liberdade
.
para,
todos, homens e mulheres. As ;mulheres casadas podiam aderir a um
sindi~ato sem a permissão de ~u marido (ao passo que ela não pode
1 • • _. '-.,
Eume realizado 'ao fim dos estudos secundários. (N.T.)
.' .,
, ,
330 331
, I'IIrtc J
ClIpírulo 14
I\J ",ulllua'!II (~lill
MjjUII~m ,,/I tiJMf! fIQ FtUl1(4:
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acesso de Suas filhas ao trabalho assalariado (ISAMBERT-jAMAT1, (995). Os . versidad~s, aclimatando resolutamente a figura da universitáJ'ia enquanto, com
tempos mud~: os cabelos cortados curtos e as saias nos joelh~s, a figura feminina se libera dos
,
A Terceira...República vai enfim reconhecer a cidadania política das mu- constrangimentos do pré-guerra. Belo exemplo de força de obstrução das mu-
llieres? Muitos eSperam que)sto aconteç.a, como Hubertine Audert no Con- lheres que seguem obstinadamente selt cami~o na sociedade civil. .
gresso Operário de Marselha (1879) e em seu jo~nallA Ciroyemle, ond$ ela de- Mas o domínio político continuou a se fechar, Rapidamente reorgani-
senvolve 'uma argU~entação sólida e arrazoada (KLEJMAN, ROCHEFORT, zado, geralmente com os mesmos dirigentes. renovado, no entanto. pelo apoio
1989j SCOTT, 1996). Muitos, homens, mesmo democratas, hesitam ainda das primeiras gerações de "mulheres intelectuais" (professoras primárias, se-
(como Léon Ricber, que era porém feminista ~e maçom. Entretanto, é verdade
cundárias, advogadas), o feminismo faz do direito de voto seu objetivo princi-
que a maçonaria nao estava ~3. vanguarda do combate sufragista).
pal, brandindo'bandeirolas e car~azes e cantando o famoso "as mulheres que-
Por vólta de 1900, eminentes juristas - Duguit, Hauriau, Esmein - in- / .
rem votar", Desfiles e passeatas se sucedem, sobretudo diante do Senado, tem -
terrogall1":'se. Ele's não vêem r011..1,o jurfd.ica válida para recusar o sufrágio pàra
plo da virilidade onde algumas delas se acorrentam para mostrar sua determi- .
as mulheres, a partir de 1906, alguns se declaram até mesmo favoráveis ele. a nação (BARD, (995 ). Mas ao desdenho da direita ,(excetuando Louis Marin),
Mas para eles,. a Nação excede a Cidadania, As mulheres pertencem à primei-
junta-se a hostilidade decJarada do Partido Radical e a relativa indiferença da
ra, não necessar.iarnente à segunda, O direito de sufrágio é uma função, não
SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária) que não faz desta questão
um direito (o que já dizia Siéyes). Eles insistem na complementaridade dos se-
uma de suas prioridades, Decorre daI a decepção causada pelo Front Popular.
xos, Hauriou pensá que as multteres não podem governar: <lemine,ntemente
Evidentemente, Léon Blum nomeia pela primeira vez três mulheres (Cécile
discontínuas, elas se dobrarão dificilmente ao trabalho dos poHricosi nem elas
desejarão exercê-lo, nem os eleitores desejarão confiá-lo a elas" (ORTlZ, 1995).
Bruncschvicg~ Irene Joliot-Curie e Suzanne Lacorre) como subsecretárias de
Estado. Mas a quest.~o do sufrágio das mulheres' não figura no programa do
Durante este tempo se desenvolve um feminismo sufragista que, mes-
Rassemblement Populaire (Reunião Popular) e nenhum projeto de lei foi en-
mo sem ter o brilho do movimento britânico, não deixa de ser vigoroso. A
opinião publica evolui: a das mulheres, cada vez inai,s aesejosas de votar, viado neste sentido ( BARD, 1996). Ao passo. que. nas manifestações de ruas e
como mostra a rapidez de quinhentas mil dentre elas a ,r esponder positiva- nas fábricas ocupadas. ve-se cada vez mais mulheres, /"
mente a IDn referendo organiZ<1do s9br~ esta questão, por um grande jornal. En"l nQme do "eterno' feminino" e da ordem familiar, o regime de Vichy
"As mulheres (o u as 'Francesas) querem votar" torna-se um slogan repetido ·" pre~oniza uma representação das mulheres nos co.n selhos munkipais (MUEL-
ent~e as duas guerras~ A opinião dos deputados evolui também, pois,' em DREYFUS, 1996), não como indivíduos, mas como mães, r •

1914, uma maioria se declara favorável ao sufrágio feminino. O Senadoíaz A Assembléia Consultiva de Argel, pelo decreto de 21 de abril de \9,44
fr&cassar este projeto de lei, em um cenário que se reproduzirá seis vezes du- (artigo 17), define a questão: "As mulheres são eleitor~s e elegiveis nas mesmas
, . condições que os homens'~ Enfjm, Não sem as últimas objeções relativas à au-
r,a nte o entreguerras,
j Durante a gu~rra de 1914-1918, as.feministas d~põ~rr). as armas e se alis- sência dos homens erisioneiros que poderiam tornar aventureiros os votos,de
. (tam, em s~a maioria,. no esforço de guerra, Mas, enquanto em clivçrsos países esposas privadas de "seus educadores naturais" (DU ROY. 19.94). Argumento
eurôpe.usi o direito de voto é reconhecido p'ara as mulheres ao fim do conflito, repetido da incapacidade "natural" das mulheres para
, exercer
. a vida dvica, que
a França política de após o armisticio é resolutamente hostil às mulheres,~ , encontramos ainda subjacente nas últimas propostas do governo JuPpÇ (mar-
jejtadas jl seu papel de mãe e dOQª-dc-~asíl às q"ais §e solicita que deixem os -, ço de 1997): Antes de pretender obter "cotas" aceitáveis nas eleições legislati,
locais de traballio. Elas resistirão firmeIVente a estas injunções tanto para o as- vas, as mulheres devem ser testad~s _nas eleições européias, nas\eleições regio-
. salariámento quanto para a natalidade. ~ as m~ças começam a afluir nas uni- nais e locais,
- , "
,.
332 333
,
P/u1a.3 Cnp/tllU, 14
, Mulllerd na cidade AI mulhueJ e a cidndnl1in /In Fmnfn:
hist6ria de uma .:uIIlJilo

Em todo caso, em 1945, as mulheres francesas votavam pela primeira


mo tempo devota e virago (LE GOFF, 1996), e Catarina de Médicis, para Mi-
vez em sua história. 5,6% delas elegeram-se deputadas. proporção quase idên·
c~elet, o
. ~ ,
exemplo encarnado da catástrofe que representa o poder transforma-
tica à de hoje (6%). Mas um
quarto dentre elas 'eram viú~as. Deputada~ sim;
do em mullier. A tradição ,britânica é, sob este ~specto bCl1"l ·diferente (ZER-
fi m~s como substitutas de um
homem ausente.
MON-DAVIS, 1991 ). Ora, a Revolução, por um_decreto de}' de·outubro de
1789. reconduz a lei sálica, transformando-a assim em uma lej ·constitucional
/'
da nova monarquia (FRAlSSE; 1995).
G!NERO E POLíTICA. ELEMENTOS DE UMA
Da mesma forma. as mulheres não detêm feudos. elo essencial do f6W,:
ESPECIFICIDADE FRANCESA ~dalismo, Elas não exercem a suserania sobre um território e sobre ho'mens. O
modelo do feudo informa e for~ata a representação política moderna em CUf-
É impor-tante lembrar um~ vez mais: o acesso das mulheres ao poder. e, o so no sistema das circunscrições e do escrutlnio majoritário uninominal. Elas
singularmente aQ poder p0lítico, foi sempre difícil em toda a parte. A Cidade aparecem aí. uma vez mais, somente como substitutas de um membro de sua
Grega, primeiro modelo da democracia,' ~ão freqüenten:ente invocada pelÇ>s família. Aliás I notável que este..sistema ~cione particularmente bem para o
l

republicanos e peios revolucioo,ários franceses, as excluía radi:almente. E qua- . Front National.* Na ideologia de extrema direita, as mulheres não têm indivi-
. se tanto quanto a república romana. No mundo contempor~eo. damos fre- ~ualidade e prolonga.m a família ou o casal que as incorporam. A "queda de
qüentemente .como exemplo a lndia ou o .?aqujstão:Mas convém sublinhar o pára-qu edas~' de candidatas, na França, é muito mal vista, principalme~lte pe-
papel da família em tais acessões:, as mulheres sub"Stituem um pai, um esposo las próprias mulheres.
falecidos, de môrte violenta ger,!-lmente. li1as perpetuam sua presença e seu Outra herança do passado: o modelo de 'Corte que form,atou de manei-
corpo. E quando elas se recusam a fazê-Io l são criticadas, como a nor,~:de In- ra eficaz a "civilizaÇão dos costumes" (Elias) e instaurou um certo tipo de re-
dira Ganclhi, 50nia, pouco entusiasmada em suc~dh seu-marido . assassinado.
, lações, insinuando, entre homens 6 millheres, a relação de cortesia (DUBY.
Nada de i.ndividual nestes casos, bem ao contrário. Citamos igualmente o caso . ,
19~1 ) , de galantaria (HEPP, 1992) cujo aparente ,e ncanto recobre uma m~nei-
Thatcher, primeira mulher a tornar-se Primeira Ministr~ (1979) na Europa'
ra de colocar as mulheres a distância das coisas sérias, em órbita em volta dos ·
Ocidental. Más além do fato que bfetival)1ente a tradição anglo-saxã é"mais .
homens que, como astros incandescentes. estariaJ!1 fora do alcance delas, para
aberta ao p"ode~ das mulheres~ Margaret Thatcher, devido à crise, consegue im-
sempre, A galantaria afasta-as mulheres das lutas políticas onde sua frágil be-
por-se em seu partido, e por meiC? dele, na Inglaterra. A «dama d.e ferro" ins-
leza não tem nada a fazer. EJa~ são fei,tas para o amor e para o repouso do guer- '
creve-se no mito da muUler salvadora, tão perigoso quanto seu contr~rio. a
reir~, não p~ra a guerra. A galantaria, tão elogiada, de uma doce frança des-
m~lh~r feiticei,ra ou' d~moiúaca).e baseada nunla ~déia simétrica da naturalida-
de /do feminino. provida assim· de guerrp. entre 'OS sexos, ao con?"ário do 'detestável modelo ,
I .Éntretanto, ~s bloqueio,s .parecem particularmente fortes na França. americano, é~ de fato, profundamente discri.n1inatória. Yvette Roudy contava a
~oda uma série de: fatores foram identificados e podem pe.CI'p.itir a compreen- Mariette Sineau que Lhe era "impossi.vel falar de política com François Mitter-
tão dest'a idenllificação, teórica e prática, do político aos hOrriens~'. , rand, devido à sua goilantaria instintiva" (5IN~U, 1988), Ela dissimula igual-
. .
I· Ipkialinente o peso 4o'passado, tão pres,ente neste "caro e velho país ci-
l
:
mente u~la grande desconfiança quanto à influência política d~ s mulheres
mentado.por su~ hÍstóri~. A herança dos Fráncos exclui as mulheres da s,uces- cuja figura sÚllbolo foi Maria Antonieta. e que é colocada em evidência pelos
são ao .trono, elas podem' ser apenas ' regerites. Toda regência é apreendida revolucionários e pelos organizadores da Cidade, para justificar o distancia-
'. como um m.omento peiigoso.,propicio ~ todas as' intrigas e a todos os desre: ,.
graméntos. Nas duas extremidades do dpectro:
, . Blandle de, 'CastiJha', :ao mes- ~
Fronl National- partido fr,ancês de extrema direita., (N.T.)
'.

,
,
'334 335
.C"plllllo 14
Pune J
ÁJ 1I1I.U~1't1 e 11
cidada"ia /'111 FNllf":
Mulhnn lI" ridlUk
hjlrória d~ 1111111 ac/11S46

mento das mulheres da prática politica: elas a perverteriam. A política é, deci· a este direito por estas razões. principalmente entre as duas guerras e mesmo
_didamente, coisa séria demais para ser abandonada aos salões e à conversa das na Assembléia de Argel de 1944. Sua desconfiança era reforçada então pela .
mulheres, dizia Guizot, que, assim com_o Barante, Rémusat ou Royer-Collard, construção de um feminismo cristão adept? do voto das mulheres (BARO,
in.stauradores da política moderna, recusa a «frivolidade" de ~um século 18 . 1995). As mulheres foram uma questão do jogo de poder constante entre a
muito feminino (R9SANVALLON, 1985). O "grande homem" com o qual eles Igreja e a laicidade.
sonham decididá~l.ente toma distância em relação à mulher que não pode set Enfim, a construção de uma cidada~a universalista e individualista
"grande>~ apenas "um.a mulherzinha" (de Paris). " criou, para as mulheres, uma situação inextricável. As mlllheres não são reÇQ -
~Segundo conjunto de fatores: a maneira fomo se operou a ruptura eo· nnecidas como indivíduos nem Ror sua natureza. nem p~r sua função. Elas
l

lírica eotrs Q Antigo Regimee a modernidade é igualmente esclarecedora. Ela .não têm as capacidades física s para sê-lo. Thomas L.1queur mostrou como, no
contribuiu para sacralizar o po~er poUt..ico. O Cidadão toma 'o lugar do Rei, século 18, o desenvolvimento das ciências naturais e médicas deu um caráter
°
decapita:do. Ele recebe, por me'io deste 'sacrificio, batismo de sangue. Este se...xual aos 'gêneros, pensados, desde a Renascença, de maneira mais abstrata e
processo vitimário e dramático impede qualquer banalízação e coloca a poU:· ontológica. Neste esquema, as mulheres são, mais do que nunca, marcadas p or
ticá sob re o altar dos grandes ritos. O Cidadão veste os tributos e a majestade seu corpo.. ancoradas em uma feminilidade limitadora. Destinadas à ~eprodu­
, do monarca "imolado. Objeto de urna conquista, o poderl'olítico tem algo do ção, elas são o útero vazio que recebe"a semente. O excesso de seu 'sangue as
santuário e da fortaleza, como, mais tarde} o É.ysée* será wn palácio. Tal trans- torna doentes e até mesmo histéricas. No século 19, descobre-se que ,d as tem
ferência de sacralidade opera-se soinente em beneficio do mam,o, único digno ~nervos especialmente irritáveis, um c~rebro menos bem organizado. O espaço
da Sagração do cidadão (ROSANVALLON, 1992). Nesta complexa tradição
\
público' não é para elas; elas são feita~ para "çsconder SUa vida" (Jules Simon)
francesa, feita de uma mistura de Antigo Regime e de Revolução, co m caracte- e vag;lC na sombra protetora do lar.
rísticas de Tocqueville, a atividade mais nobre e ~ se rviço público pertencem a Pois a famUia é a parte que lhes cabe. seu lugar e seu d.ever. Desta fami-
este substitut? dos príncipes, que são os_homens. li~ , elas são os membros indispens~veis, mas submetidos à autoridade do pai
~que, ao mesmo tempo. govern~ e representa a familia. Ora, a famUia é o prin-
A.guestão da lareja e da cultura católica vêm ainda acabar de rnasculi-
~ nizar o npYº poder poHtiCS). Suspeitas de aliança com a Igreja, que efeti~1·
cipal interlocutor do Estado. Anne Verjus mostra o quanto o sistema censitá-
rio "de ~frágiQ eÍ"a farnj1ia!j5la; até mesmo a exclusã~)dos empregados domé$-
mente aposta nelas no século 19, suspeitas de sujeição em relação aos padres,-
. ,
qUi, supõem-se, manipulam-nas pela co nfissão, as mulheres aparecem como ,
- !icos se justificava a~sim por pertencerem à· ,criadagem de uma famUia, ~ao m e-
tr~idoras em potencial: É todo o tema'do poder oculto e noturno das mulhe- ·nos até 1848 que, deste ponto de vista também, constitui um corte. Esta con-
cepção fan\ilialista dura muito tempo e é a"este título que se encara a po~
res que rC!:"UIge. Michelet, convencido da importância estratégica das mulne·
/. , lid;tdes das mulheres chegarem ao "eleitorado: como viúvas ou substitutas de '
-rrs) torna-se o intérprete de~ta tese (cf. La Femme et le prêtre). Ele "atribui a
um,marido ausente (cf. Vichy).
élas o' fracasso da .Revolu ~~~ e da" República de 1848. Mais razão ainda p.ra
Pierre Rosanvallon insistiu muito nesta dificuldade política e estrutural
'que ele pregue a sua ed ucação, atr.lindo para o College de. france, em 1850,
( 1992). ,Ele opOs, sobre esta questão, o feminismo ~ancês, obrigado a <lefender
"um auditório feminino nUJ)1eroso e fervente (Michelet, 1995). O argumento
a capacidade individual ~as mullieres, ~e o fçminismo inglês, capaz de reivindi -
da catolicidade continua a ser iovocado para recusar o direito ao sufrágio. Ra-
car o acesso .010 político em termos de identidade. «Na abordagem utiljtária da
dicais e maçons, vigias 'd o Livre pensamento, eram particularmente r~ticentes
, <kmOcraÇla...qUe domina nos palses anglo-saxãos, as mulheres conguistam os'
direitos 'políticos em razão de sua especificidade. Con~jdera'-se que e)as intro-
~ .. ·0 t:lysée é a r~sidência oficial e local d~, trabalho do Presidente: da Re~Í1blica. (N.T.)
, duzem na es~ra política preocupações e uma, c.1pacidade de avaliaçã.o própria
,
':
. 336 - 337
Ctlpltll/o 14
F'!Jrtc J AJ mll/llCrtl e a til/adania na Frunfrl:
Mulheres 11<1 ddatlc
Ilist6ria de uma exduloo

[.. ·1· f: na condição de mulheres, e não como indivíduos, que elas são chama- Desde el?tào, a política se organiza co mo um ~ i s tel11a masculino em que
das às urnas", Porque as mulheres representam as mulheres; sem sua presença. as mulheres são totalmente desq~alificàdas, visto que elas não podem escolher,
a metade da humanidade não está representada. Estes eram os argumentos nem governar, e ainda menos representar (FRAISSE, 1995). Pode-se tornar a
eI"l:unciados por 1vlrs. Fawcett. M.rs. Pan.khurst e seu aliado, John Stuart Mill. Na feminilidade como emblem~, saturar o espaço público de símbolos femini~os
Grã-Bretanha, as femioistã s.reivindicam a política em nome do sexo, ao passo (AGULHON, 1979. e 1989), Mas as mulheres não podem ser nem eleitoras
que na França, estéÍnesrno sexo é um elemento que-desqualifica. A "consciên- nem deputadas.
cia de gênero" é. do mesmo modo fucjljtada Da Grã-Bretanha enquanto "! A poHtica é uma pQbre atividade, um trabalho de homens. ligado à cul-
França ela é constan temente ameaçada pela atomizacão. A atitude de George tura viril, à cultura das qualidades inatas (a abstração, a vontade da d~cisão, a
Sand, que considerava prem~turo. em 1848, dar o direito de voto às mulheres coragem) e cada vez mais a competênciás adquiridas por Grandes Escolas, fe-
porque elas "não tinham individualidade própria" e fazia da aquisição dos di- chadas às mulheres. ~ um local de exe~dcio da palavra pú\>lica, do afronta-
reitos civis um pré-requisito absolu to, fortaleceria esta tese,argumentada e se- mento, eventualmente brutal. Ela se apóia nos Cí rculos, equivalentes franceses
I dutora que tem o mérito de atacar diretamente o problelna e de tratá-lo em
d os clubes ingleses e ig4a1m en te masculinos (AG ULHON, 1977), onde se for-
1 termos de lógica política. Pode-se, no entanto, objetar que o argumento indi-
talecem e se soldam as fratrias freqüentemente nascida,s no colégio ou no liceu.
J vidualista também é empregado.pelas anglo-saxãs, e que, ao contrário, as fran-
Ult~riorJ11ente, os pal'tidos, politicos retomam o modelo da fratria masculin a
cesas'não se pdvam de colocar em primeiro lugar o j'nós, ~s mulhere~" do gê-
de uma sociedade
. monossexual
.onde as mulheres s30, inicialmente, impensá-
nero (cf. , Si.n Fran"ce Reynolds, qomunicação inédita), Enfun, "a fraqueza ·do '
~ ,~

veis, em se~ui'da, deslocadas, vistas como uma dolorosa intrusão, uma estra-
feminismo francês': tão freqüentemente invocada, vem em parte da ignorân-'
nheza incongruente.
cia historiográfi~a que se tinha a este respeito, e que os trabalhos das jovens
O que dizer do "look" político? Ele tampouco foi elaborado para as mu -
historiadoras dissiparam amplamente. A den sidade mais forte da s~ciabiljda- ,
~ femininas demai" elas suscitam O desejo,que as transforma em objeto.
de feminina no mundo anglo-saxão explica, por outro lado, uma identidade
mais afirmada. Mais masculinas, elas atraem para si o sarcasmo. ~ preferível ter um a cer ta ida-o
de e uma aparência maternal. Na cena política, a mulher é um_objeto desloca-
Sobre estes fu,ndamentos, a política se define e se organiza como um do-
mínio masculino e excludente das mulheres. 'do. oferecido aos olhares masculinos.
~a definição se baseia DO século 19 sob re a teoria das esferas, tentativa
A política supõe tempo, horários i1imitado's, ~m lazer oposto ao tempo
européia de racional ização da sociedade em que os papéis, as tarefas e os espa- doméstico das mulheres (GASPARD, 1995),
ços são equival,~ntes dos sexos. O público, cujo C?tação é ocupado pela políti- Enfun, a própria doncepção da poHtica como competição sem miseri-
ca/ pertence aos homens. 'O privado, cujo centro é ocupado pela casa, é delega- ' córdia, batalha e execução (ao menos simbólica) é distanciada dos cha,inados
d9 às mulheres (sob o controle dos homens). A família opera a junção entre os. valores femininos. Há, na política, uma singular violência que não atrai neces-
dois. O Código Civil atesta seu caráter patriarcal. sa riamente as mulheres:
f
i Esta defini ão é funda ell ' o 'd a Natureza, de Estas condições podem cOl1tdbuir para· explicar Q engajamento relati-
que já falamos, e o da utilidade socia ,que or coisas muito mais aceItá- vamente fraco ~as mulheres na política. No século 19, ex'!.. ur.na situação inad-
veis. Este século, que compreendeu a dinâmica dos costumes, mais fortes.do missível. E a experiência) ao mesmo tem'po e.xcepCional e paradoxal, de Gçor-
que a lei, segundo alguns, e da equéação, chave da produção dos humanos,ce- ge Sand, é sigriific,!tiva em 'sua originalidade. George Sand que estava implica-
,
,I
lebra a importância das mulheres e sua cidadania. social. Não teriam elãs o 'd a pro~dam·ente com o Governo Provisório da República de 1848, cujos Bo-
"verdadeiro" p~der? Qual o pr~b}ema e~ deix:á-Ias ter acesso à política? .", letins ela redigia, distancia-se quando as circunstâncias - no caso as jornadas
.'

338 339
, Pun, J CapttlllQ 14
Mulhertl na mMt NIIIIIU,nu c 11 d dlldlllli .. fUI Fnl~:
hilt6rill rk IINJQ t.XrlllJ~

de junho - enfraquecem a posição de se us amigais, para um-a posição de rela- tivamente pouco e que a dupla jornada de trabalho, o peso e a preocupação
ti-9a exterioridade Iigada- à cidadania da mulher. das responsabilidades cotidianas continuam a s.er o habitual, pru;.a a majoria
A dificuldade é tão grand~ para se aventurar neste campo que muitas' das mulheres.
mulheres desistem. Campo em que s6 se recebem golpes, como dizem todas as Em suma, existe?1 dois empecilhos principais à entrada das m"lheres
mulheres públicas', co~o mostram as dificuldades de Nicole Notat (Secretária n~ca: os panjdos e..o..La.t..
Geral da CFDT) ~l'f novembro de 1995 e novan;ente no outono de 1996, em Estes empecilhos estão ligados aO sjstema de yalorçs que cimenta a so-
. que se vê ressurgir as atitudes m.ais misóginas, referindo-se às mulheres de ca- siedaqç. Em um livro recente, MasculiJtIFéminin. La pensée de la dilférence
belos raspados da Liberação. Coloca-se também 9 problema 90 consentjmen- (1996), Françoise Héritier, co~o antrçpóloga, mostra as raIzes da desigualda-
to ou da aquiescênda di[ mulhereS a seU papel. ai~da mais por 9ue ele ~ cele- de n.o pensamento simb61ico e a exist.ência, ernJodas as sociedades, de um do-
brado e magnificado por um 'discurso mais ou menos ambíguo, invocando os m1nio reSerV3?0 masculino, considerado como instância superior de prestíg~o
. costumes mais fortes do que a lei 'e celebrando a força das mulheres. Por outro e ç:le poder. Este domínio não é imuta~e1; mas ele se recompõe e se reoefipe em
' lado, as mulberet desenvolveram, com a caridade e a fLiantropia, transforma- função ·das hierarquias próprias às diferentes épocas, Nas sociedades democrá-
das geralmente em trábalho social mais profissional, upla intervenção na Ci- ticas, a politica é uma destas instâncias superiores, e. mais ainda na França,
dade que lhes conferiu um verd~deiro conhecimento de peritas e o sentimen- onde, por todas as razões históricas inc;!icadas, ele é objeto de uma valorização ·
to de uma cidadania social eficaz. Ao lado do ~stado providência, não .havia específica. DaI a resi.stência dos home.!ls neste n6 gó~dio do poder, <lpanágiQ vi-
uma maternidade 'sodaJ, paralela, .complementar? Porque a política era inaces- ril tão contrário à doçura de uma feminilidade erigida em mito. Não é sur-
sível para elas, as mulheres puder~ desvalorizá~a, negligenciá-la, até ~esmo preendente que a~ mulheres encontrem tais dificuldades-para chegar ali.
em seu alcance simbólic? e sua especificidade. A politica? Jogos masculinos, Os atuais d~bates e co mbates pela paridade na política mostram ta:lto
fúteis e bastante Vãos. As mulheres não têm nada melhor a fazer? a evbluçãO dos espíritos quanto a força da crispação.
Epflm. as mulheres investiram, na França - e esta é realmente uma es- Neste fim de século - e de milênio - novas divisões se esboçam entre
pecificidade - um esforço consideráyel para ter acesso ao assalariarnento, des- os sexos.
de a metade do século 19, servidas pelas nec~ssidades de mão-de-obra do' n1er-" E para que Cidade?
cado francê,s e pelas necessidades econômicas de uma pequena burguesia em-
pobrecida e desejosa
. de instrução e de emprego para, as suas filhas. Assim, des::.
de-às vésperas do primeiro conflito mundial, o nível de atividade das mulhe- . I
res na França, inclusive das mulheres casadas, era um dos mais altos da Euro- I
pa. Ele continua a ser, ainda hoje: aproximadamente igual ao da Dinam~rca. I,
Es~ integ'ração ~aciça das mulh~res ao assaJatiament?, com perfis de' carrei-' .
rap permanentes ao longo de toda a vida, é o acontecimento ~aior dos últimos
~inta anos, que a crise estimujou~ 'em vez de frear. A independência e>a auto-o
nomia das mulheres, confrontadas, por outro lado, à profunda mod~cação
"
das formas da familia (familias rnonoparentai's com grande dominação femi- ("
nina; por' exemplo), a partir de agora, pas~am por estàs questões.
,. ,
ConseqÜentemente pão é fácil de k.pcootrar tempo livre para a polfu-
oca. Ainda mais que a clivisão das tarefas domésticas e familiares evoluiu rela-
- I, ,
. ,.

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