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esenha do livro Encruzilhadas da liberdade

Karinne Nevesi

Encruzilhadas da liberdade é um livro que fora escrito e publicado no ano de dois mil e seis
pelo autor Walter Fraga Filho, doutor em História Social pela Universidade Estadual em
Campinas, atualmente é professor da Universidade Federal da Bahia tendo experiência na área
de História com ênfase em história do Brasil Império atuando nos seguintes temas: Bahia ,
pobreza, escravidão, abolição e pós-abolição. Nesta obra, o autor retrata a questão das duas
últimas temáticas aprofundando através das fontes todas as questões que levaram ao fim da
escravidão. Inicialmente defendida como tese de doutorado em História na Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), o livro traz uma análise profunda das relações entre
escravos e senhores de engenho na região do Recôncavo Baiano, local que abrigava os maiores
engenhos que não produziam somente cana-de-açúcar mas, diversos produtos agrícolas entre
os quais: fumo, mandioca, feijão, milho dentre outros, nos períodos que antecederam e
precederam à escravidão. Por vezes essas relações mostrar-se-ão conflituosas por serem vista
de formas diferenciadas. Por ser um local de grande produção, subentende-se que havia
umadependência por mão-de-obra barata, nesse caso, a escrava. A lavoura açucareira vinha
enfrentando uma crise desde o início da década de 1870, que segundo Filho, era
extremamente dependente do trabalho escravo, e vinha sofrendo as conseqüências da
extinção do tráfico africano, em 1850, e com as sucessivas leis emancipacionistas das décadas
de 1870 e 1880, (2006;31).
Após a descrição do local o autor relatará os conflitos causados pela implantação dessas leis e
logo em seguida a abolição. É interessante notar que antes mesmo de decretar o fim da
escravidão já existia a expectativa nos escravos e o temor nos senhores, defensores de uma
medida lenta e gradual que pudesse manter a questão da ordem e do controle por parte
desses. De acordo com José Murilo de Carvalho1a abolição imediata parecia a todos
impraticável pois, perturbaria toda a produção e, a ser feita com indenização , arruinaria as
finanças do país . Daí o mal menor era a abolição gradual acompanhada de medidas
acauteladoras para enfrentar o provável aumento das inquietações escravas e mesmo
possíveis rebeliões, (CARVALHO; 2008). Outra questão que é desconstruída pelo autor, é a
passividade dos escravos,.Na obra pode-se observar que estes estavam mais informados
acerca d
os debates sobre a liberdade , negociavam com os seus senhores , esses cada vez mais
temerosos emperder o braço escravo , sustentáculo da lavoura .

.
Muitos cativos fugiam coletivamente o que demonstra o elo de ligação entre eles que o
cativeiro não pôde romper. Para o senhor de engenho esses atos eram vistos como
desobediência e insubordinação uma vez que sempre enxergaram nessa relação uma questão
de controle; para os escravos era uma forma de imposição e luta pela liberdade. Vale ressaltar
nesse caso a importância do papel dos abolicionistas que através de panfletos que eram
distribuídos nos engenhos, alertavam os negros sobre sua atual situação. Os conflitos agora
estendiam-se e passavam a ser entre senhores e abolicionistas e não somente senhores e
escravos . Por vezes os primeiros acusavam-nos de que a intenção desse grupo era seduzir os
escravos e se apossar dos seus pecúlios. A cidade de Cachoeira vivenciou esses embates, foi
nela que os confrontos mais espetaculares entre esses dois grupos ocorreram.
Todo esse processo de pressão por parte dos abolicionistas, o esclarecimento dos cativos
acerca de sua possível liberdade, foram conduzindo a caminhos estratégicos, especialmente
por parte dos senhores dependentes dessa mão-de-obra lucrativa. A primeira delas foi a
concessão de alforrias coletivas que, não foi um ato de bondade do senhor mas sim , uma das
estratégias para não perderem de vez os escravos eprejudicarem a plantação, pois procuravam
dessa forma , antecipar-se à decisão do Império ou conter a crescente insatisfação da
população cativa , ------ uma vez que os panfletos distribuídos pelos abolicionistas estavam
provocando um clima de agitação dentro dos engenhos------ e evitar distúrbios na produção .
Eles revelavam suas estratégias ao ver que o sistema escravista estava com seus dias contados.
No dia 13 de maio de 1888, foi decretado o fim da escravidão. Walter Fraga Filho nos traz uma
descrição dessa data, focalizando especialmente os festejos da população que de cativa
passava a ser livre. Nessa análise o autor utiliza fontes documentais, especialmente os diários
escritos pelos senhores , que revelaram a visão destes acerca não só dos festejos mas ,
especialmente a abolição da escravatura, é o que nos conta os registros feitos pelo barão de
Vila Viçosa , grande proprietário de engenho na cidade de Santo Amaro, ao afirmar que na
referente data os escravos se recusavam a trabalhar inclinando-se a embriaguez e a vadiagem,
se isso representava a visão desse grupo, para os antigos cativos era a comemoração da
liberdade, a possível concretização de suas aspirações. Como já fora mencionado
anteriormente, a questão referente à manutenção da ordem era o que mais preocupava os
senhores. Ao observarem os festejos do13 de maio, umagrande quantidade de escravos
comemorando a liberdade, encheram-se de temor. Temia-se que os antigos escravos
reivindicasse seus direitos, ressaltando que liberdade para esses significava o livre acesso a
terra, além do que agora teriam que dividir entre essa população livre o maior sinônimo de
prestígio, riqueza e poder: as terras. Viram-se em todo o tempo manobrando a situação a seu
próprio favor, utilizando o que podemos chamar de força moral, coerção física para manter
esse status,e de repente vêem-se ameaçados em perder todo esse monopólio, sem contar que
nos engenhos o clima era perturbador. Ao saberem que agora eram livres muitos ex-cativos
recusavam trabalhar nos engenhos, o que provocava o temor de uma perda na produção, uma
vez que o braço escravo havia durante todo aquele tempo praticamente sustentado a lavoura
açucareira. Essas mudanças como já foram analisadas, afetavam economicamente a produção,
para manter os ex-escravos nas lavouras os ex-senhores, teriam que negociar, pagando
salários o que resultava em uma maior despesa para essa classe. Só que a crise que afetou a
lavoura açucareira, que coincidiu por sinal com o fim da escravidão, vem alterar essa situação,
especialmente se tratando dos ex-cativos. Segundo Walter Fraga Filho, tudo indica que as
dificuldades de subsistência diminuíram o poder de barganha doliberto (2006;203 ), uma vez
que não produzindo em grande quantidade não necessitariam mais do braço escravo e nem
teriam que negociar por medo de perdê-los; outra questão é que para fugir da fome,
resultante dessa crise, os escravos tiveram que aceitar trabalhar por qualquer salário.
Sempre retomando às estratégias dos ex-escravos para lidar com a sua nova condição , a obra
traz um enfoque especial e uma análise do engenho Maracangalha, demonstrando que os
mesmos, agiam quando a situação parecia não favorecer-lhes . Ao saberem que a propriedade
passara às mãos do barão Moniz Aragão, se negaram a trabalhar para o mesmo, que vê-se
obrigado a utilizar das estratégias para lidar com essa nova situação. Talvez porque a mudança
de proprietário lembrasse a antiga condição em que os escravos eram vendidos e negociados
entre os senhores de engenho. A primeira atitude desse novo proprietário é pôr na função de
feitor alguns libertos, só que o mundo da liberdade revelava o que talvez o senhor não
entendia ou não pretendia compreender , os ex-cativos não suportavam a idéia de ter um
senhor manipulando e ordenando seus trabalhos, para eles isso era algo que lembrava o os
tempos da escravidão.
De acordo com o autor, os incidentes envolvendo libertos e ex-senhores eram a manifestação
de projetos distintos e conflitantes em relação àdefinição das condições materiais de
sobrevivência no interior da grande lavoura (2006) . No livro Encruzilhadas da liberdade, há um
diálogo também com outras fontes, ao mencionar o já citado engenho Maracangalha , Walter
Fraga Filho faz uma breve análise da letra da canção de Dorival Caymmi relacionando-a com a
história do local, na música a mesma aparece como um lugar de refúgio ,e isso reforça a
afirmação do autor, ao analisar que na música a mesma aparece como um lugar de refúgio ,e
isso reforça a afirmação do autor que, nessas terras os antigos cativos podiam desfrutar de
uma certa liberdade , plantando roças e vivendo sem sujeição (2006;204)
A obra traz um recorte entre o pré e pós abolição, retratando as negociações que revelavam
aspectos interessantes de serem analisados . Ao exercerem esse poder de barganha os libertos
se colocavam frente às pretensões dos antigos senhores, que viam essa atitude como
atrevimento por parte dos ex-escravos. Abordando a situação vivida por esses dois grupos,
Filho traz uma relação que se estabeleceu entre esses dois momentos anteriormente citados.
O fato de a maior parte dos braços da lavoura açucareira ter vivido a experiência da escravidão
foi decisiva para definir os contornos das relações cotidianas que se formaram depois da
abolição, (2006;214). A liberdade portanto, era vista porângulos diferentes, e através das
fontes documentais , como as correspondências de Aristides Novis um negociante e
correspondente que conhecia de perto a situação financeira do Recôncavo (2006;218),
manteve com o barão de Cotegipe , ao longo do ano de 1888 permitem observar as
negociações que eram mantidas entre ex-senhores e ex-cativos , onde o Novis confidenciava
sobre os últimos acontecimentos que revelavam as tensões nas lavouras açucareiras. Mais
uma vez essas correspondências apontam para a visão de desordem que os antigos senhores
tinham acerca da abolição. As negociações que ocorriam não eram feitas de modo
homogêneas, tudo dependia das circunstâncias que vale ressaltar, os antigos escravos
utilizavam a seu próprio favor, lutando por determinadas garantias, mostravam que sabiam
colocar-se. Uma das questões que resultaram em conflitos e relevaram o poder de barganha
dos libertos era o tempo dedicado à lavoura do senhor e o tempo dedicado às suas roças de
subsistência, era então óbvio que estivessem lutando pelo direito de usufruir do seu tempo,
plantando na sua própria terra e reafirmando seus lugares e suas novas condições, pois
ganhando o seu próprio sustento teriam condições de comprar, de exercer atividade comuns a
qualquer cidadão os quais no tempo do cativeiro nunca puderam fazer , é nesse aspecto que
fica claro eevidente que os libertos desejavam viver qualquer situação que não lembrasse o
cativeiro e toda possibilidade de usufruir de sua liberdade era a concretização de suas
aspirações. Um ponto estratégico utilizado também por eles era a permanência nas localidades
em que nasceram ou serviram como escravos, e muito mais do que parece um ato de
benevolência por parte dos senhores ou alguma relação paternalista, na verdade, o que estava
em jogo eram outras questões, dessa forma a permanência nesses locais estava intrisicamente
associado ao posicionamento estratégico no período pós-abolição. Vários fatores contribuíram
para que os mesmos permanecessem nessas terras, as questões climáticas e financeiras vividas
naquele tempo impediram os ex-cativos de migrarem do Recôncavo para outros lugares,
interessante frisar também que, apesar da abolição já ter ocorrido nesse período, a
mentalidade da sociedade na época ainda entendia os libertos como escravos e segundo o
Walter Fraga Filho um ex-escravo distante de sua localidade de origem podia ser considerado
um forasteiro e, facilmente , preso como “suspeito” ou vagabundo , nesse caso fica evidente
que a tarefa de colocar-se como cidadão livre era árdua uma vez que a sociedade ainda
carregava marcas do período da escravidão, (2006;249) , outros permaneciam ali para
poderem usufruir das terras emboraisso nada tenha a ver com a submissão pois, os libertos
sempre se colocavam frente a sua nova condição, outros permaneciam nessas terras por
questões de vínculos e laços que ali foram estabelecidos e criados no período da escravidão. O
que nos chama a atenção na obra desse autor é a análise que ele faz do próprio escravo, acerca
de suas perspectivas, anseios e aspirações, revelando que como sujeito eles agiam
estrategicamente e que foram participantes ativos no processo da abolição. José Murilo de
Carvalho em sua obra “A Construção da Ordem (O Rei contra os barões) analisa de uma forma
diferenciada esse mesmo processo que levou a abolição da escravatura, focalizando mais nos
interesses dos senhores em manter a ordem ou criar uma medida lenta e gradual, do que nas
perspectivas dos escravos acerca da liberdade. No entanto, essas análises terminam por se
completarem uma vez que, durante a leitura do livro, Encruzilhadas da liberdade, percebe-se
que os senhores de engenho temiam que a desordem se instalasse no país, ou que os escravos
assumissem novas posições. Tudo que era relacionado a essa nova condição era retratado por
estes como vadiagem, como deixam claras várias correspondências trocadas por antigos
senhores, via-se claramente o posicionamento destes, sempre afirmando e nunca
compreendendo que muitos libertos não mais queriamtrabalhar nas lavouras.
As negociações e os conflitos no pós abolição revelaram um ponto importante, uma vez que a
historiografia brasileira sempre estudou a questão da escravidão de uma forma muito rígida.
João José Reis 2em sua obra Negociações e conflitos revela um posicionamento muito parecido
com a temática de Walter Fraga Filho, ambos abordam as relações que se estabeleceram entre
os dois pólos ou grupos desse processo, senhores e escravos, revelando mais do que uma
relação unívoca mas sim , negociações , barganhas , conflitos, resistência,acomodação . Esses
autores, dessa forma, propõem uma releitura do tema, revelando pequenas conquistas dos
escravos e libertos no dia-a-dia muito diferente daquelas análises em que o mesmo era
sempre refém do sistema escravista. Todas essas negociações revelavam um aspecto comum,
que se constituía no desejo dos libertos e escravos constituírem o seu próprio modo de vida.

Os últimos capítulos trarão a situação dos ex-cativos após o fim do cativeiro, demonstrando o
modo como os mesmos conseguiram se reafirmarem na nova condição de libertos, sendo
assim a obra traz um recorte temporal, ao analisar a vivências dos antigos escravos nesse
período. É importante frisar que os mesmos, em todo o tempo lutaram para demonstrar a sua
nova condição, as migrações ocorridas nesse tempo demonstramo quando elas se constituem
importante fator afirmação de liberdade, pois agora, poderiam se deslocar sem necessitar de
permissão de um senhor. Traçando o cotidiano após o fim da escravidão, fica evidente um
fator, o período da escravidão continuou a marcar as vivências e trajetórias daquelas famílias,
ou seja, os laços que foram mantidos durante a escravidão tinha relação com a nova vida dos
cativos , agora na condição de libertos, muitos migraram por conta desse fato, buscando rever
seus parentes, pois durante a escravidão quando ainda eram vendidos e negociados muitos
eram separados de suas esposas, maridos e filhos, na atual condição de libertos poderiam
buscar manter esses laços, essas famílias . A liberdade portanto, tornava concreto antigas
aspirações dos escravos,que não somente se constituíam na questão de uma busca por um
pedaço de terra. As comunidades constituídas não tinha uma formação única mas , diversa .
No interior delas os ex-escravos puderam manter ou recriar tradições religiosas sem a
interferência dos ex-senhores , que anteriormente controlavam também essas questões.
A nova condição de livres também repercutia na ocupação dos ex-cativos no mercado de
trabalho, muitos ocupavam ao migrar para os centros urbanos profissões que eram aprendidas
nos engenhos, só que como já fora analisado anteriormente, essatarefa não seria fácil, uma vez
que a sociedade ainda enxergava os negros como escravos e por isso enfrentavam
preconceitos ao ocuparem determinados ofícios. Durante o século XX, a elite baiana temia que
esses ex-escravos engrossassem as filas dos desempregados e que a partir disso se inclinassem
à vadiagem, recorriam muitas vezes às autoridades policiais que chegaram a colocar em prática
medidas de repressão aos antigos cativos que deixavam os engenhos.
Diante de toda essa abordagem, a obra Encruzilhadas da Liberdade, buscou demonstrar não
somente a situação dos negros no pré e pós abolição mas também, deixar claro que
reorganizando suas vidas após o cativeiro, esses teriam que lutar contra uma sociedade
também marcada pelo preconceito. Analisando os escravos, seus anseios, o modo como se
colocaram nessa nova condição, Walter Fraga Filho mostra com clareza que o processo da
abolição envolveu não somente os senhores afetados pela perda de braços na produção, mas
os escravos que como sujeitos afetados por esse sistema escravista souberam reagir, lutar,
negociar e busca ampliar seus direitos , que vale ressaltar mais uma vez , não estava fincado
apenas no livre acesso à terra , mas em outras questões como relações de parentesco e a
liberdade de poderem viver suas próprias tradições.

Resenha: FRAGA, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: história de escravos e libertos na Bahia


(1870 – 1910). São Paulo; Ed. Unicamp; 2006.
Walter da Silva Fraga Filho se formou em História, em 1988, na Universidade Federal da Bahia,
UFBA. Em 1994 fez mestrado em História Social pela mesma universidade. Conclui o doutorado
em História Social pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, no ano de 2004. É
professor adjunto da Universidade Federal da Bahia desde 2008. Suas linhas de pesquisa são:
estudos sobre populações afro-brasileiras e cultura e memória . O livro aqui resenhado é a tese
de doutorado em história na UNICAMP. Esta obra foi publicada em inglês em 2011, pela
editora Durham, da Carolina do Norte, Estados Unidos, com o título: Crossroads of Freedom:
the post-abolition in Bahia, Brazil, 1870-1910 . O autor é uma autoridade no assunto abordado
pelo livro, assim como, possui domínio da metodologia utilizada na pesquisa, a de História
Social, que é a sua área de formação; ao ler a obra se pode apreciar o quão requintada é.
O livro trata da abolição da escravidão no recôncavo baiano. Faz uma análise da vida do negro
no período imediatamente anterior à aprovaçãoda lei do ventre livre e, por volta de, duas
décadas após a aprovação da lei Áurea, em 13 de Maio de 1988. A base estrutural do livro é
partir de um fato específico e a partir dele, analisar o acontecimento, as causas que levaram a
ele, as relações sociais dos dois lados evolvidos (quando os documentos o permitem fazê-lo),
conta um pouco da história dos principais agentes envolvidos e por fim - neste caso também
dependo dos documentos- expõe como ficaram as coisas após o acontecimento que ele traz.
Fraga faz isso com mestria. Cada capítulo aborda um acontecimento diferente em engenhos
diferentes mais todos no recôncavo baiano. Um caso ilustrativo da estrutura capitular do livro
está presente no capítulo 2 e trata da morte do frade e administrador do Engenho do Carmo,
João Lucas do Monte Carmelo, da ordem dos carmelitas. Morto pelos escravos da propriedade,
no ano de 1882. João Lucas era muito severo quanto à disciplinar os cativos. O fato se deu
porque o frade prendeu um escravo por desobediência, e os outros escravos ao intercederem
por ele, tendo recebido por parte do frade uma resposta negativa e uma ameaça de castigo
pelo ato que acabavam de realizar, esses atacaram ofrade com ferramentas de trabalho e o
mataram. O Autor parte do fato, conta a história do engenho, do frade, dos escravos
envolvidos, da apuração do caso, do tratamento do carmelita em relação aos escravos, etc.
Neste caso tenta mostrar o comportamento dos escravos no período entre a Lei do Ventre
Livre e a Lei Áurea, traz uma nova mentalidade se formando em relação aos maus tratos.
A escolha do período não é em vão, Fraga quis mostrar as atitudes dos escravos em um
período onde as discussões sobre o fim da escravidão estavam muito inflamadas, ele faz
questão de mostrar que os escravos tinham consciência destas e que não eram sujeitos
passivos ante a situação que se formava, principalmente após a lei de 1971. Esta gerou um
clima de maior possibilidade de alforria, outra postura assumida é que os escravos, dentro da
lógica da nova possibilidade que a lei abria, começaram se revoltar com maus tratos e buscar
autoridades para denunciar estes atos, um direito adquirido com a Lei do Ventre Livre.
A obra é bem reveladora quanto à condição de vida dos escravos, suas relações sociais e
práticas cotidianas. Mostra como os escravos foram adquirindo alguns direitos, como é o
casode uma parte de terra, na propriedade de seu senhor, para cultivar e criar animais para
sua subsistência e a venda dos excedentes nos mercados. Esta concessão era boa para o
senhor, pois, o escravo produzia o seu sustendo não ficando dependente apenas da “ração”
fornecida pelo senhor, era uma forma de complementar sua dieta. Este pedaço de terra
passou a ser visto pelos negros escravos ou libertos com uma noção de propriedade.
Uma questão bem explorada pelo autor é como foram os primeiros dias imediatos após a
promulgação da Lei de 13 de Maio de 1988, que declarava o fim da escravidão. Como os
senhores reagiram à nova realidade, com a lógica de dominação abalada; com suas ordens não
mais sendo acatadas. É uma situação realmente forte o autor mostra até um caso que o
senhor não consegue conceber esta nova realidade, começa a enlouquecer e acaba
cometendo suicídio. Do outro lado, mostra que os escravos se impuseram a fim de garantir, de
fato, a liberdade conquistada e que atitudes eles domaram neste sentido, como não aceitar a
ração dada pelo senhor, não queriam trabalhar em suas antigas ocupações, pois, estas lhes
traziam a recordação do servilismo, não agir mais com adeferência habitual, entre outras. Uma
atitude marcante neste sentido é buscar manter o direito de cultivo das “suas roças”, e se
esforçar cada vez mais para ter uma quantidade de dias na semana para trabalhar para si
mesmos, é o que chamavam de ”semana partida”.
O autor também elucida casos em que os escravos se colocavam a disposição dos seus
senhores para trabalhar, após o 13 de Maio, outros que se mantinham nos engenhos, como se
colocando sob a condição de protegido como forma de se movimentar no mundo dos brancos
e garantir o acesso a terra. Uma das diversas contribuições informativas da obra é a
participação política dos libertos como manifestações nos aniversários da abolição e os
protestos antirrepublicanos.
O Autor tem a preocupação de mostrar qual era a expectativa dos escravos em relação à
liberdade, e como esta “liberdade” se deu de fato. No prefácio do livro feito por Robert W.
Slenes, que foi o orientador desta tese que virou livro, diz que: Walter optou por “abolir a
radical dissociação entre “escravidão” e “liberdade” que havia levado muitos historiadores a
ver a Lei Áurea como o término de um estrada (e pesquisa) histórica ou o início de outra” . A
própriaopção que faz pelo período mostra esta percepção do autor, ao escolher décadas
anteriores e posteriores ao marco da Abolição. No mais na conclusão ele deixa bem claro que
foram tomadas algumas medidas diferenciadas em relação à “população de cor”, sobretudo
quanto às práticas que lembrasse o “africanismo”. O fragmento a seguir resume bem a
condição dos libertos: “Muitos indivíduos da primeira geração de descendente de libertos no
13 de Maio migraram para outras regiões(...) Mas logo eles perceberam que, para onde quer
que fossem, a luta pela liberdade se tornaria algo constante em sua vida” .
A obra é muito coerente, traz um trabalho bastante denso e aprofundado, com um trabalho de
pesquisa muito consistente. Foram usados diversos tipos de fonte: listas de pagamento,
documentos de cartório, inventários, livro de entrada de doentes, registros criminais, e
bibliografia. É um trabalho de referência, voltado ao público acadêmico e que abre perspectiva
para novos estudos sobre o tema. Fraga em momento algum fugiu aos limites do recôncavo
incorrendo no erro de generalizar eventos regionais a todo território nacional, limitando
inclusive suas conclusões à província estudada.

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Ênio José da Costa Brito

Rever • Ano 11 • N

01 • Jan/Jun 2011

eram vistas como uma inter erência em questões de soberania; a Inglaterra, porsua vez,
sentia-se prejudicada nos negócios na Á rica e na América. Essa tensão oi reiterada em um
incidente diplomático ocorrido em 1877, quando o Conselhode Estado do Império negou a
permanência no país de dezesseis a ricanos libertosvindos de Lagos para se estabelecer em
Salvador. Quinze deles viajavam legalmentecom passaportes ingleses, e um possuía, ainda,
documento brasileiro.Em 6 de agosto de 1877, o che e de polícia Amphilophio Botelho Freire
deCarvalho é avisado pelo scal da al ândega de Salvador da chegada de dezesseisa
ricanos no patacho Paraguassú. Após constatar que se tratavam de libertos,envia
correspondência ao presidente da província, Henrique Pereira de Lucena,in ormando o
ocorrido e pedindo uma orientação a respeito de como se compor-tar. Isso porque as
deportações de a ricanos, que ocorriam desde 1831 e haviamsido intensi cadas após 1835,
visavam, em 1870, desmobilizar as redes comerciase religiosas atuantes na província.O
trânsito entre Lagos (anexada em 1861 pela Grã-Bretanha) e Salvador era intenso por razões
comerciais e religiosas. Ex-escravos que re zeram a vida emLagos e comerciantes em Salvador
tiravam proveito do comércio com produtosa ricanos.O dinâmico cônsul inglês John Morgan,
que vivia no país desde 1852,de endeu como pôde a permanência dos a ricanos,
granjeando até o apoio dopresidente da província, Henrique Pereira de Lucena. Levado ao
Conselhode Estado, o pedido oi inde erido pelos membros da seção de justiça, que,uma
vez mais, recorreram a arti ícios jurídicos rea irmando a proibição da entrada de qualquer
homem de cor no Brasil, evitando deixar transparecercritérios raciais. As seções do Conselho
de Estado ocorriam na aprazível Quinta da Boa Vista - presente de um tra cante de escravos a
Dom João VI. Nelas se discutiamas grandes questões da agenda política imperial. Uma
preocupação presente nosdebates jurídicos travados entre os membros do Conselho de
Justiça desde a década de 1860 era a questão da

“preponderância da raça a ricana no Brasil”

. Um princípiose havia consolidado ao longo do tempo, o de que

“pessoas de cor não podiam imigrar para o Brasil”

- no contexto de desarticulação da escravidão, a regra precisava sermantida, mas sem lançar


mão de uma legislação racista.Na realidade, um projeto social excludente vinha sendo
sorrateiramentegestado e consolidado pela prática jurídica vigente, como demonstra o
parecerdado pelos membros no Conselho no caso dos dezesseis a ricanos libertos. Nabuco
Araújo, o visconde de Jequitinhonha, e Eusébio de Queiroz, utilizando-se de ma-labarismos
jurídicos que evitavam explicitar qualquer critério racial, decretaram a deportação dos a
ricanos. Para Albuquerque,

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O jogo da dissimulação. Abolição e cidadania negra no Brasil

Rever • Ano 11 • N

01 • Jan/Jun 2011
em 1877, a habilidade do Ministério de Justiça para atrair imigrantes europeuse a astar a
ricanos e asiáticos explica que por dentro do projeto emancipacio-nista corria de modo velado,
subterrâneo, uma orma de se pensar as relaçõessociais a partir de uma noção racial

(p.75).

Diante da insistência do cônsul inglês e do presidente da província, o Con-selho emitiu um


novo parecer, duro e ríspido, desdenhando tanto as pretensõesinglesas quanto as
preocupações baianas, exigindo a deportação imediata dosa ricanos. Ordem que oi
cumprida com a morosidade pela província da Bahia.Para a autora, os projetos sociais
abolicionistas não só se di erenciam “

quantorevelavam signifcados distintos para o fm da escravidão, a cidadania dos homens de cor


e a ‘preponderância da ração a ricana’”

(p.81).

“Problemas sim, tempestade não!” –

Uma questão de undo preocupava a todos: a quem caberia o encaminhamento da questão


servil? Não havia consensonem mesmo entre as sociedades abolicionistas como a Sociedade
Libertadora Baiana, a Sete de Setembro e a Dois de Julho.Para muitos, uma divisão muito clara
vinha se estabelecendo entre raça emancipadora e raça emancipada, entre abolicionistas
brancos e abolicionistaspretos, como Manuel Roque, Manuel Querino e Salustiano Pedro. Os
primeirosse movendo dentro de um âmbito legal, os segundos mais propensos a aliançascom a
gente do povo. Daí a observação certeira da autora:

Os vínculos entre as sociedades abolicionistas, coiteiros a ricanos e escravos ugitivos


desvendam uma teia de interpretações peculiares sobre os papéispolíticos reservados a cada
um naquele contexto. (p.90).

A Lei Nº 3353, de 13 de maio de 1888, libertou poucos escravos, é verdade.Em compensação,


gerou preocupações em todos os segmentos da sociedade. Sua importância está no seu caráter
irreversível e desarticulador de antigas hierarquiassociais. Para o presidente da província,
Manuel do Nascimento, a Abolição nãoprovocou problemas graves na Bahia, apesar de a
região contar ainda com muitosagora ex-escravos.Como em outras partes do Império, na Bahia
os azendeiros, mesmo de- endendo o gradual término da escravidão, pensavam
solucionar o problema da mão-de-obra com os imigrantes - a imigração europeia para a Bahia,
diga-se depassagem, nunca vingou. O pós-Abolição trouxe problemas, mas não a
tempestadeesperada e temida. A agravamento da crise do escravismo na década de 1880
expôs a ragilidadeda polícia, seu pequeno e etivo, alta de preparo e ausência de
orça moral. A elitebranca via por toda a parte o antasma da anarquia, da subversão das
normas

O jogo da dissimulação — Abolição e cidadania negra no Brasil, de Wlamyra R. De


Albuquerque. Prefácio de Maria Clementina Pereira da Cunha Editora Companhia das Letras,
320 páginas. R$ 52

Maria Helena Pereira Toledo Machado

O livro de Wlamyra de Albuquerque, “O jogo da dissimulação”, inserese em amplo debate que


tem tomado corpo na historiografia social da escravidão e do pós-Abolição no Brasil das
últimas décadas. Isso porque, após longo silêncio a respeito dos processos de abolição que
tiveram lugar em diferentes contextos regionais e escravistas brasileiros, o tema parece ter
voltado à pauta.

O silêncio se justificava pela ideia, compartilhada por movimentos sociais e por certos setores
intelectuais, de que a penada da princesa havia sido uma manipulação política, representando
o contrário do que dizia. O processo de descarte da Abolição como fato relevante da História
dos movimentos sociais afro-descendentes aparecia como resposta a uma apropriação desse
movimento por setores conservadores.

Dizia-se que a Abolição refletia interesses das elites humanitáriopaternalistas e de seus


seguidores das camadas médias urbanas, que buscavam consolidar uma visão de civilização
que excluía qualquer possibilidade de integração dos afro-descendentes ao processo
civilizatório. É implicitamente contestando essas visões, ainda hoje repetidas por uma
historiografia que, embora se apresente com nova roupagem, se mantém conservadora em sua
formulação, que Wlamyra, em “O jogo da dissimulação”, retoma discussões cruciais que
antecederam e sucederam ao 13 de Maio.

Tendo como foco a Bahia, o livro de Wlamyra foi redigido em torno de quatro casos, ou, como
ela ressalta, em torno de quatro episódios, que surgem como janelas que convidam o leitor a
se debruçar sobre diferentes momentos e problemas que marcaram o tortuoso processo de
declínio da escravidão, assim como o processo de ressignificação da liberdade que o
acompanhou.

O contexto baiano, com sua História de convivência com vasta população africana, aparece
aqui como tema recorrente, a imprimir a especificidade do processo de abolição local.

A moldura historiográfica montada por Wlamyra escora-se em pesquisa inédita de fontes e


numa bibliografia bastante atual, que a permite trafegar pelas décadas imediatamente
anteriores e posteriores à Abolição, período marcado pela Lei do Ventre Livre de 1871 e o
advento da República, em 1889, com riqueza de detalhes.

Como afirma a autora, a questão da crise da escravidão no Brasil encontra sua referência mais
na discussão do domínio do que propriamente na eternização da escravidão, já em si
ideologicamente desacreditada desde a década de 1870, amparando-se apenas no argumento
da necessidade imediata das lavouras para atravessar as inúmeras crises, além da crescente
oposição dos próprios escravos.

Já o ponto final de “O jogo da dissimulação” é a república higienizadora e civilizatória, capaz de


propor uma nova abordagem das liberdades e direitos civis dos afro-descendentes, agora
emoldurados não pela questão jurídica da propriedade, mas sim por discursos e práticas
sociais, aberta ou sub-repticiamente, racializados. O objetivo principal de Wlamyra é mostrar a
articulação do processo de extinção da escravidão com a emergência de um novo paradigma
social, o qual ressignificou os conceitos de liberdade e de gozo de cidadania através de
discursos racializados, que justificaram a criação de barreiras para a inclusão dos libertos, dos
“13 de maio” e, em geral, dos homens livres despossuídos.
Certamente a tese de Wlamyra é muito bem-vinda: em termos historiográficos estamos ainda
engatinhando na compreensão dos efeitos dos discursos raciais e racializados sobre nossas
práticas sociais. A autora sublinha o caráter marcante das teorias de hibridação, poligenia e
darwinismo social como instrumentos utilizados pelas elites senhoriais, pelos políticos, por
médicos e outros bem pensantes para recolocar o problema da liberdade dos afro-
descendentes em moldes confortáveis à eternização de relações de subserviência e domínio.
Embora o leitor atento fique por vezes frustrado com a ausência de uma melhor
contextualização das ideias racialistas então em voga, o livro evita dois problemas que afligem
os estudos do tema em nosso ambiente historiográfico: um primeiro, o de tomar essas teorias
como um corpo de verdades bem estabelecidas quando, na realidade, eram essas
interpretadas na prática social de maneira bastante aberta e ambivalente.

Assim, se alguns “homens de ciência” articularam corpos teóricos relativamente coerentes, a


prática das teorias raciais mostra, como bem sublinhou Martha Hodes em seu artigo sobre
conceitos de raça em voga nos EUA e no Caribe da era da Guerra Civil — “The mercurial
nature and abiding power of race: A transnational family story” (“The American Historical
Review”, 2003), que a grande força do conceito de raça deriva exatamente de seu caráter ao
mesmo tempo fluido e classificatório.

Um segundo aspecto referese ao problema da recepção das teorias racialistas, conceito já


superado por uma historiografia crítica de uma posição colonial. Como já mostraram os teóricos
sociais, os conhecimentos são produzidos em instâncias dialógicas, sendo a recepção apenas
um dos aspectos da questão, que, se tomada por si só, empobrece nossa percepção da
riqueza das engrenagens sociais investidas na produção do conhecimento nas áreas coloniais
e pós-coloniais. Mais ainda se justifica este cuidado quando se verifica que o Brasil foi espaço
privilegiado de produção dessas mesmas teorias, portanto, estando longe de ser um mero
receptor das mesmas.

Por todas essas razões, o livro de Wlamyra pode ser lido com prazer e debatido com vigor,
contribuindo para o aprofundamento de nossos conhecimentos sobre a Abolição.

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