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DE UMA PSICANÁLISE
( 1950 )
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sentidos como ameaçadores para o objeto amado. Quero sugerir que essas
duas formas de ansiedade abrangem todas as situações de ansiedade pelas
quais a criança passa. Dessa forma, o medo de ser devorado, de ser enve
nenado, de ser castrado, o medo de ataques “ dentro” do corpo pertencem
à ansiedade persecutória, ao passo que todas as ansiedades relativas a
objetos amados são de natureza depressiva. No entanto, apesar de con-
ceitualmente distintas uma da outra, as ansiedades persecutória e depres
siva estão freqüentemente misturadas clinicamente. Por exemplo: defini o
medo de castração, a principal ansiedade no homem, como persecutória.
Esse medo se mesòla com a ansiedade depressiva, na medida em que sus
cita o sentimento de que ele não pode fertilizar uma mulher; não pode, no
fundo, fertilizar a mãe amada e, portanto, não é capaz de fazer reparação
pelo dano causado a ela por seus impulsos sádicos. Não preciso lembrá-
los de que a impotência freqüentemente leva nos homens a uma depressão
grave. Consideremos agora a principal ansiedade nas mulheres. O medo
da menina de que a mãe temida vá atacar seu corpo e os bebês que ele
contém, que é na minha concepção a situação fundamental de ansiedade
na mulher, é persecutório por definição. No entanto, como esse medo im
plica a destruição de seus objetos amados —os bebês que ela sente esta
rem dentro delalÉ, ele contém um forte elemento de ansiedade depressiva.
Em harmonia com minha tese, é uma precondição para o desenvolvi
mento normal que as ansiedades persecutória e depressiva devam ter sido
em grande parte reduzidas e modificadas. Portanto, como espero que te
nha ficado claro na exposição precedente, minha abordagem ao problema
do término de análises, tanto de criança quanto de adulto, pode ser defini-
da da seguinte forma: a ansiedade persecutória e a depressiva deveríam
estar suficientemente reduzidas e^issoja em minha concepção —pressupõe
a análise das primeiras experiências de luto.
Devo dizer de passagem que mesmo que a análise retroceda aos está
gios mais antigos do desenvolvimento, que é a base para meu novo crité
rio, os resultados ainda assim poderão variar de acordo com a severidade
e a estrutura do caso. Em outras palavras, apesar do progresso feito em
nossa teoria e nossa técnica, devemos ter em mente as limitações da tera
pia psicanalftica.
Surge a questão de saber o quanto essa abordagem que estou sugerin
do está relacionada a alguns dos critérios bem conhecidos, tais como uma
potência e heterossexualidade estabelecidas, capacidade de amar, estabe
lecer relações de objeto e trabalhar, e certas características do ego que
operam a favor da estabilidade mental e estão ligadas a defesas adequa
das. Todos esses aspectos do desenvolvimento estão inter-relacionados
com a modificação das ansiedades persecutória e depressiva. Quanto às
capacidades de amar e de estabelecer relações de objeto, pode-se facil
mente perceber que elas só se desenvolvem livremente se a ansiedade |>er-
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secutòria e a ansiedade depressiva não forem excessivas. A questão é
mais complexa no que se refere ao desenvolvimento do ego. Dois aspec
tos são geralmente enfatizados a esse respeito: maior estabilidade e mais
senso de realidade; mas eu sustento que a expansão na profundidade do
ego é igualmente essencial. Um elemento intrínseco a uma personalidade
profunda e plena é a riqueza da vida de fantasia e a capacidade para vi-
venciar emoções livremente. Penso que essas características pressupõem a
elaboração da posição depressiva infantil, ou seja, que toda a gama de
amor e ódio, ansiedade, pesar e culpa em relação aos objetos primários
tenha sido vivenciada repetidas vezes. Esse desenvolvimento emocional
está vinculado à natureza das defesas. O fracasso na elaboração da posi
ção depressiva está indissoluvelmente ligado a uma predominância de de
fesas que acarretam necessariamente uma asfixia das emoções e da vida
de fantasia e impedem o insight. Essas defesas, que eu denominei “defe
sas maníacas” , apesar de não serem incompatíveis com certo grau de es
tabilidade e força do ego, vêm acompanhadas por superficialidade. Se,
durante a análise, conseguimos reduzir as ansiedades persecutòria e de
pressiva e, conseqüentemente, diminuir as defesas maníacas, um dos re
sultados será um aumento na força bem como na profundidade do ego.
Mesmo quando resultados satisfatórios são alcançados, o término de
uma análise fatalmente desperta sentimentos dolorosos e revive ansieda
des arcaicas —equivale a um estado de luto. Quando a perda representada
pelo final da análise ocorre, o paciente ainda tem que se encarregar por si
mesmo de parte do trabalho de luto. Acho que isso explica o fato de que,
frequentemente, após o término de uma análise um progresso adicional é
ainda alcançado; podemos prever com maior facilidade até que ponto isso
provavelmente acontecerá se aplicarmos o critério por mim sugerido. Isto
porque somente se as ansiedades persecutòria e depressiva tiverem sido
amplamente modificadas é que o paciente poderá conduzir por si mesmo a
parte final do trabalhe de luto, o que novamente implica um teste de reali
dade. Além disso, quando decidimos que uma análise pode ser levada a
um final, penso que é muito útil que se deixe o paciente saber a data do
término com uma antecedência de vários meses. Isso o ajuda a elaborar e
diminuir a dor inevitável da separação enquanto ele ainda está em análise
e prepara o caminho para que termine com êxito, sozinho, o trabalho de
luto.
Deixei claro, ao longo deste artigo, que o critério sugerido por mim
pressupõe que a análise tenha sido conduzida de volta aos estágios ini
ciais do desenvolvimento e às camadas profundas da mente e tenha in
cluído a elaboração das ansiedades persecutòria e depressiva,
affijfllsso me leva a uma conclusão com respeito à técnica. Durante uma
análise, o psicanalista freqüentemente aparece como uma figura idealiza-
ida. A idealização é usada como uma defesa contra a ansiedade persecutó-
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ria e é seu corolário. Se o analista permite que persista uma idealização
excessiva —quer dizer, se ele confia principalmente na transferência posi
tiva ele poderá, é verdade, ser capaz de conseguir alguma melhora. No
entanto, poder-se-ia dizer o mesmo a respeito de qualquer psicoterapia
bem-sucedida. É apenas através da análise da transferência negativa as
sim como da positiva que a ansiedade é reduzida na raiz. Durante o trata
mento, o psicanalista chega a representar, na situação de transferência,
uma variedade de figuras correspondentes àquelas introjetadas no desen
volvimento inicial (Klein, 1929; Strachey, 1934). Portanto, ele éyàs vezes
introjetado como perseguidor, às vezes como uma figura ideai, com todas
as tonalidades e todos os graus intermediários.
Na medida em que as ansiedades persecutória e depressiva são viven-
ciadas e em última instância reduzidas durante a análise, surge uma sínte
se maior dos diversos aspectos do analista, juntamente com uma síntese
maior dos diversos aspectos do superego. Em outras palavras, as figuras
assustadoras mais antigas passam por uma alteração essencial na mente do
paciente —pode-se dizer que elas basicamente progridem. Objetos bons —
distintos dos idealizados — só podem ser estabelecidos seguramente na
mente se a intensa cisão entre figuras persecutórias e ideais tiver diminuí
do, se os impulsos agressivos e libidinais tiverem se aproximado e o ódio
tiver sido mitigado pelo amor. Um avanço assim na capacidade de sinteti
zar é uma prova de que os processos de cisão —que, a meu ver, se origi
nam na mais remota infância —diminuíram e de que aconteceu uma inte
gração do ego em profundidade. .Quando esses aspectos positivos estão
suficientemente estabelecidos, justifica-se pensar que o término de uma
análise não é prematuro, ainda que ele possa fazer reviver até mesmo uma
7 ansiedade aguda.