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REPORTAGEM
Adriano Fortunato da Silva, 30 anos, dois filhos, foi morto em abril de 2017, ao
ser confundido com um bandido na sede da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) do Amapá, no centro de Macapá.
“Um tiro foi no braço, por trás, disparado pelos policiais que cercavam a OAB
pelos fundos, e os outros dois pegaram no peito, pelos policiais que estavam na
frente do prédio”, lembra o irmão Renan da Silva Alves, de 29 anos.
No dia anterior, o vigia “fez o que mais apreciava”, lembra o irmão. “Passou o
domingo com os irmãos, pais, amigos e passeou com as filhas e a esposa pouco
antes de ir ao trabalho. Parecia uma despedida”, recorda.
Adriano morreu ao sair do posto para ver o que acontecia no lado de fora da
OAB. Momentos antes, um grupo havia tentado roubar uma agência bancária,
que fica localizada nos fundos do mesmo prédio. A quadrilha se escondeu da
polícia nas dependências do edifício.
Adriano saiu do prédio e acabou confundido com um dos bandidos. Ele havia
levantado os braços e informado que era funcionário da OAB, relata a família.
Não adiantou: os três tiros o mataram na hora.
Adriano trabalhava havia mais de três anos como vigilante na OAB mas sonhava
em ser policial militar. A prova estava marcada para o segundo semestre de
2017.
“Seis meses antes de morrer, ele decidiu largar qualquer tipo de lazer para se
dedicar aos estudos, com o sonho de ser policial. Ele levava a mochila com os
livros e apostilas para a OAB e ficava estudando à noite. Pela manhã, seguia
direto para o cursinho preparatório e, à tarde, para outro”, disse o irmão.
A morte do vigilante integra uma dura estatística que afeta a imagem da Polícia
Militar amapaense desde 2015, considerada uma das mais respeitadas
instituições do estado, que abriga quase 800 mil habitantes, segundo o IBGE.
Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que entre
2015 e 2017 a PM amapaense matou mais do que o divulgado pelo Anuário
Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o anuário, foram 132 mortes no
período, mas os dados corretos indicam 184 homicídios.
“Quando falamos em números absolutos, ele pode parecer alto, mas, quando a
gente faz um parâmetro, por exemplo, nós temos neste ano um número de
apreensão de 193 armas de fogo, ou seja, a Polícia Militar se deparou 193 vezes
com meliantes armados. Daí, se você for usar o número de mortes por
intervenção policial, você vai ver que é bastante reduzido”, falou, referindo-se à
quantidade de mortos em 2018.
REPORTAGEM
Coronel Rodolfo Pereira: quando se fala nos índices é preciso usar parâmetros para um conhecimento
“sensato”
O promotor Eli Pinheiro, que passou a sofrer ameaças desde que começou a investigar a PM amapaense.
Uma das causas que justificam os homicídios cometidos por policiais militares é
a impunidade, avalia o Ministério Público (MP) amapaense. Ao serem
apontados como autores de um crime durante as ocorrências, os militares
poderão ser julgados em duas esferas. Além de responderem na Justiça, eles têm
de passar por investigação interna na Corregedoria da PM.
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Dados obtidos pela Agência Pública por meio da LAI mostram que não há
punição na polícia como resultado de instauração de IPMs.
Para Eli Pinheiro, o que poderia inibir esse número expressivo de mortes por
PMs seria a própria corporação auxiliar em dar celeridade às investigações e
punições aos maus policiais, sem esperar que a Justiça comum tome alguma
medida. “Bandido bom é bandido preso e julgado”, opina.
Outro fator que colabora para a incidência de crimes cometidos por PMs
durante intervenções é a imagem dos próprios policiais criada pelos moradores
das regiões onde os crimes ocorrem e a banalização da violência, avaliam Ana
Bonfim Pereira e José Luís Leal, cientistas sociais com estudos sobre a temática
de domínio público pela Universidade Federal do Amapá (Unifap).
“A forma como o Bope atua nessa área é vista como um espetáculo. A entrada é
sempre triunfal, com arsenal de armamentos, um cenário de guerra, do Estado
contra o tráfico de drogas. O que rende a fama a esses policiais de “heróis” que
lutam contra a criminalidade”, analisa Pereira.
Cenas forjadas
Para
o advogado Maurício Pereira, estudioso
REPORTAGEMe membro da Comissão
Nacional
de Direitos Humanos da OAB, alguns policiais estão desvalorizando a vida,
colocando, muitas vezes, o patrimônio acima da vida, ou prejulgando os que
estão sofrendo intervenção policial. “Assim, surgem essas intervenções
desastrosas, com mortes de civis”, observou. Segundo ele, via de regra, essas
ações vêm depois com uma camuflagem.
“Eles tentam dar àquela cena a conotação de que houve um embate entre o
suposto meliante e a guarnição policial. Vários dos casos concretos que tenho
acompanhado e tenho estudado mostram isso, que a cena do crime é
adulterada”, disse, reforçando a existência da prática de colocação de arma na
mão da pessoa morta, inclusive, com o disparo de tiro para que fiquem os
resíduos.
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Para Maurício Pereira, o número significativo de mortes por policiais não é fruto
de despreparo. “A polícia do Amapá é bem preparada, bem equipada e bem
remunerada. Não justificaria essas ações tão violentas”, acredita.
Um ponto que pode estar relacionado ao alto índice, sugere Pereira, é a forma
como as autoridades vinham tratando esse tipo de caso, com omissão, segundo
ele, na apuração onde há o envolvimento de policiais. “Mais recentemente, o MP
vem fazendo um trabalho para reverter isso, e alguns agentes já estão sendo
condenados”, lembrou.
Tal apologia acaba sendo endossada pelos próprios PMs em redes sociais. Em
grupos de WhatsApp locais, eles expõem um enaltecimento aos crimes
cometidos contra suspeitos por colegas de farda. Frases como “vag… tem que
morrer” ou ofensas ao MP e Comissão de Direitos Humanos são comuns.
“A
Polícia Militar, como instituição,REPORTAGEM
tem que atuar com documentos
oficiais.
Se
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violência policial
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