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CAPÍTULO 1

Introdução aos Magmas e


às Rochas Magmáticas

POR QUE ESTUDAR AS • avaliar o risco de um vulcão para comunidades


ROCHAS MAGMÁTICAS? adjacentes com base nos produtos de derrames
passados;
Os objetivos deste livro são despertar o interesse do • investigar a evolução do magma em uma câmara
leitor em rochas e processos magmáticos e desen- magmática subvulcânica;
volver habilidades essenciais relativas à descrição, • documentar a estrutura e a formação da crosta
classificação e nomenclatura dessas rochas, revelan- oceânica ou continental;
do o quanto há a aprender sobre processos ígneos • deduzir acerca de ambientes tectônicos antigos
com base em uma interpretação criteriosa e funda- (por exemplo, uma dorsal meso-oceânica ou um
mentada de texturas e características mineralógicas arco de ilhas) com base na composição de rochas
e geoquímicas. O público-alvo deste volume são os ígneas contemporâneas a eles;
estudantes dos níveis intermediários da geologia, • compreender a formação de depósitos minerais as-
que já dominam os conteúdos elementares de rochas sociados a rochas ígneas;
ígneas. Entretanto, os iniciantes descobrirão que o • estabelecer a idade absoluta de uma sucessão de
primeiro capítulo e os quadros de texto – além do rochas sedimentares e vulcânicas (pois as rochas
Glossário – propiciam uma introdução adequada ígneas são mais fáceis de datar utilizando técnicas
aos temas abordados nesta obra. Este livro foi es- isotópicas, comparadas a rochas sedimentares);
crito com ênfase na investigação prática, sobretudo • identificar a fonte de que um magma se originou
no tocante às técnicas de análise que utilizam a mi- e as condições em que se deu a fusão (investigan-
croscopia de polarização. Logo, dados básicos sobre do a “gênese do magma”, por exemplo);
a identificação de minerais foram incluídos para
• identificar o caráter e distribuição de domínios
reunir em uma única obra todo o aparato necessário
geoquímicos no manto subjacente e sua evolução
durante uma aula prática típica sobre rochas e pro-
no tempo com base no exame de rochas magmá-
cessos ígneos.
ticas eruptivas.
O ponto de partida de uma disciplina de pe-
trologia ígnea consiste em responder a algumas Nesses tipos de investigação, a descrição criterio-
perguntas. Qual é a missão do petrológo, geólogo sa das rochas ígneas tem papel importante, mas,
ou vulcanólogo em seus estudos sobre rochas íg- em termos gerais, o intuito principal é conhecer os
neas? Por que nos dedicamos a essa tarefa? O que processos magmáticos ou as condições em que es-
pretendemos aprender? Quais são as repostas que tes ocorrem. Essa meta – estudar rochas ígneas para
queremos encontrar? Essas questões devem nortear aprender mais sobre processos – é recorrente neste
a mente do petrólogo que embarca em um estudo livro, porque compreender o que acontece em siste-
petrográfico ou geoquímico. Como ciência, a petro- mas magmáticos é o objetivo fundamental de todo
logia vem trilhando um longo caminho evolutivo, petrólogo. As rochas ígneas são fontes de informa-
desde seus primeiros dias, quando a mera descri- ção não somente sobre os processos que hoje ocor-
ção de uma rocha ígnea era um fim em si mesmo. rem sobre a superfície da Terra, mas também:
Contudo, hoje um petrólogo estuda uma suíte de • sobre processos ocorridos no passado ao longo
rochas ígneas com um ou mais objetivos em mente, da história da Terra, e
entre os quais:
• sobre transformações em partes do planeta que
• entender os processos eruptivos; são inacessíveis por via direta, como uma câ-

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2 Rochas e Processos Ígneos

mara magmática originalmente posicionada 5 (a) Material em estado de fusão


km abaixo de um vulcão ativo, mas cujos com-
ponentes – os produtos eruptivos – estejam hoje
expostos na superfície.
Magma
Hoje o estudo de rochas ígneas requer uma gama de
habilidades, como a análise das relações de campo,
a identificação de amostras de mão no local em que
são encontradas, a descrição e interpretação de lâ- Bolha de
minas delgadas, a atribuição de nomes de rocha in- gás
formativos, a interpretação das análises de rochas e
de minerais (muitas vezes incluindo elementos-traço
e razões isotópicas), além da interpretação de cur-
vas experimentais de equilíbrios e de diagrama de Cristais Líquido magmático
fases. Este livro apresenta uma introdução a todas (b) Material solidificado
as habilidades práticas e descritivas citadas, salvo a Composição
primeira. Nosso objetivo não é substituir obras sobre da rocha
as teorias da petrogênese ígnea em nível avançado. total
O restante deste capítulo é dedicado à introdu-
ção do vocabulário básico necessário para uma ex-
plicação detalhada sobre rochas ígneas.

Vesícula
O QUE É O MAGMA?

As rochas ígneas são aquelas formadas a partir da


fusão no interior da Terra. Os petrólogos usam dois
termos para se referir à rocha fundida. Magma1 é o Fenocristais Matriz
termo mais geral, que, descreve misturas de líqui- Figura 1.1 A terminologia utilizada para designar os
do e qualquer cristal que esse líquido contenha em diferentes elementos constituintes de (a) uma lava em
suspensão. Um bom exemplo é uma lava fluindo, estado de fusão e (b) a mesma lava, no estado sólido.
contendo cristais em suspensão no material fundi-
do (Figura 1.1): o termo magma refere-se ao conjun-
to, incluindo os estados sólidos e líquidos da ma- Na verdade o termo “magma” pode ser utiliza-
téria presente na lava. O líquido magmático, por do de modo ainda mais amplo. Em geral, um corpo
outro lado, diz respeito apenas ao material liquefei- de lava em ascensão, ao se aproximar da superfície,
to, livre de qualquer material sólido que possa estar contém bolhas de gás e fenocristais. As bolhas são
em suspensão ou associado a ele de alguma forma. formadas por gás que tende a escapar do líquido
A diferença fica mais clara se pensarmos como farí- magmático devido à redução de pressão inerente
amos a análise química das diferentes composições ao movimento ascendente (ver Quadro 1.4). Com
do magma e do líquido magmático, após a solidi- frequência, o termo “magma” descreve o líquido
ficação do derrame de lava (Figura 1.1). A compo- magmático, os cristais e quaisquer bolhas de gás
sição de um magma poderia ser estimada trituran- presentes nele (Figura 1.1). Uma vez que chega à
do uma amostra da lava solidificada, incluindo os superfície e perde parte de seus gases para a atmos-
fenocristais e a matriz (tomando cuidado para que fera, o líquido magmático passa a ser mais adequa-
estejam presentes em proporções representativas). damente chamado de “lava”. Contudo, conduzir
Contudo, a análise da composição do líquido mag- uma análise química representativa da composição
mático exige que a matriz – o equivalente solidifica- original do magma que inclua seus componentes
do do material fundido entre os fenocristais – seja gasosos seria difícil: quando o líquido magmático
separada e analisada individualmente. solidifica e contrai ao esfriar, os conteúdos gaso-
sos das vesículas escapam para a atmosfera. (Eles
seriam perdidos de qualquer maneira, durante a
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Os termos em negrito são definidos (e, em alguns casos, têm fragmentação da amostra rochosa para análise.)
uma explicação etimológica) no Glossário. Portanto, a determinação da concentração desses

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Capítulo 1 Introdução aos Magmas e às Rochas Magmáticas 3

constituintes voláteis do magma – a partir da rocha No entanto, existem também outras modalida-
sólida, produto final do magmatismo – requer uma des de análise de rochas que são mais práticas em
abordagem analítica diferente, discutida a seguir. condições específicas. Na maioria das vezes, as aná-
A origem dos magmas está na fusão dos mate- lises geoquímicas, que requerem um grau maior de
riais presentes nas profundezas da Terra (Capítulo sofisticação de instalações laboratoriais, não estão
2). Na maioria das vezes, a fusão inicia no manto, disponíveis em campo, quando é comum o geólo-
embora a passagem de magma quente através da go perceber que observações sobre a mineralogia
crosta continental possa provocar fusão adicional, e a textura de amostras de mão representam um
desta vez do material da própria crosta, elevando método mais prático de caracterizar e diferenciar
a complexidade química e petrológica das rochas os variados tipos de rocha presentes na área. Além
continentais. Em áreas oceânicas e continentais, disso, a ocorrência de certos minerais indicadores-
os magmas derivados do manto podem esfriar e -chave – como quartzo, olivina, nefelina, aegirina-
cristalizar parcialmente no interior das câmaras -augita – em lâminas delgadas revela vestígios es-
magmáticas, reservatórios existentes no interior senciais e prontamente observáveis da composição
da crosta em que se eles acumulam (Capítulo 3). química do líquido magmático, sem a necessidade
Esses processos ampliam de modo considerável a de recorrer a uma análise geoquímica. A mineralo-
diversidade de composições do magma que, em gia de uma rocha ígnea também gera informações
algum momento no futuro, entrará em erupção na sobre processos pós-magmáticos (como intemperismo
superfície. e alteração hidrotermal) capazes de influenciar re-
sultados, fazendo com que sua composição quími-
ca não represente a composição do magma parental
A DIVERSIDADE DAS COMPOSIÇÕES (Quadro 1.4).
NATURAIS DOS MAGMAS A petrografia é a ciência que estuda a compo-
sição mineralógica e a textura de uma rocha, uti-
Qual é o significado da composição do lizando o microscópio petrográfico para o exame
magma (ou da rocha)? de lâminas delgadas. A análise petrográfica de
A composição global de uma rocha ígnea pode ser uma rocha ígnea varia de uma simples lista dos
expressa de duas maneiras: materiais observados (e das relações texturais en-
tre eles) a uma análise quantitativa completa de
• uma análise geoquímica quantitativa, que forne- seus volumes relativos mensurados em lâmina
ça os percentuais em massa de cada um dos seus delgada. O exame petrográfico qualitativo antece-
principais constituintes químicos (Quadro 1.1); de a análise geoquímica, pois permite separar as
• uma lista de minerais presentes na rocha e visu- amostras inadequadas ou não representativas de
alizados ao microscópio e que pode incluir uma um conjunto de amostras e, assim, evitar análises
estimativa qualitativa ou quantitativa de suas químicas desnecessárias. Porém, um exame petro-
proporções relativas. gráfico revela muito mais sobre uma rocha do que
Embora essas duas maneiras estejam correlaciona- sua adequabilidade para a análise geoquímica: o
das, elas não são totalmente equivalentes em ter- estudo detalhado da textura dessa rocha fornece
mos das informações que produzem. Ao constituir um volume de informações sobre a erupção e crista-
uma evidência quantitativa da composição química lização do magma.
Depreende-se do exposto que uma análise geo-
que pode ser representada em gráficos (por exem-
química e uma análise petrográfica (da mineralogia)
plo, a Figura 1.2) e utilizada em cálculos, uma aná-
de uma rocha ígnea (com base no mineral) são fontes
lise geoquímica fornece informações mais precisas.
de informações que se complementam e que, isola-
A análise integral (também conhecida por análise
damente, não permitem a total compreensão da ori-
de rocha total) de uma rocha vulcânica dá uma es-
gem e da história dessa rocha.
timativa muito próxima – exceto pela composição
de seus componentes voláteis – da composição do
magma do qual ela se originou, em um estágio an-
Quanto varia a composição natural dos
terior ao início de sua cristalização. Uma análise de- magmas?
talhada de dados geoquímicos revela muito sobre a A Figura 1.2 mostra um diagrama de variação, a
fonte do líquido magmático e as condições (pressão, representação gráfica das composições de dife-
profundidade e extensão da fusão) em que ele ori- rentes rochas vulcânicas, originárias em uma va-
ginalmente se formou. riedade de ambientes geotectônicos, obtidas por

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4 Rochas e Processos Ígneos

Quadro 1.1 As análises químicas de rochas e minerais


A maioria das rochas e dos minerais ígneos, bem nês (MnO), de magnésio (MgO), de cálcio (CaO), de
como dos magmas dos quais se formam, cai na cate- sódio, (Na2O), de potássio (K2O) e de fósforo (P2O5).
goria de compostos químicos chamados de silicatos Uma típica análise de silicatos, que gera a porcen-
– formados por metais combinados com átomos de tagem em massa de cada um dos óxidos citados
silício e oxigênio. (tradicionalmente chamada de análise em porcenta-
A composição química de materiais complexos gem em peso, apesar de o termo não ser correto) é
contendo silicatos é mais facilmente compreendida mostrada na tabela abaixo.* A vantagem de expres-
se a considerarmos como uma mistura de óxidos: sar uma análise em porcentagem de óxidos está na
na maioria das vezes, o dióxido de silício (SiO2, a possibilidade de calcular a quantidade exata de oxi-
“sílica”) é o óxido mais abundante em rochas e mi- gênio, sem precisar analisar o elemento diretamente.
nerais ígneos, embora também estejam presentes, Os elementos listados, cujos óxidos são encontrados
em quantidades significativas, os óxidos de titânio em teores acima de 0,1% em massa, são chamados
(TiO2), de alumínio (Al2O3), de ferro (Fe, que forma de elementos maiores.
os óxidos férrico, Fe2O3, e ferroso, FeO), de manga-

Tabela 1.1.1 Análise de um basalto típico


SiO2 48,3
TiO2 2,591
Al2O3 13,03
Fe2O3 (férrico) 6,84
FeO (ferroso) 7,72
MnO 0,23
MgO 5,46
CaO 10,91
Na2O 2,34
K2O 0,51
P2O5 0,26
H2O+ 1,41
CO2 0,49
Total 100,1

Observe que o ferro pode ser expresso tanto na massa (ppm = μg g–1 = microgramas do elemento por
forma de óxido férrico (ferro trivalente) quanto ferro- grama de amostra) ou, no caso de elementos-traço
so (ferro bivalente). A razão para isso é que o com- mais raros, em partes por bilhão (ppb = ng g–1 = nano-
portamento dos íons Fe+3 e Fe+2 em líquidos mag- gramas do elemento por grama da amostra). Apesar
máticos difere do seu comportamento em cristais de estarem nessas concentrações baixas, os elemen-
minerais, conforme explicado no Quadro 2.6. Mesmo tos-traço fornecem informações importantes sobre a
assim, a maior parte das análises utilizadas hoje re- fonte do magma e suas condições de formação.
vela apenas a quantidade total de óxido de ferro, ex- Hoje, a espectrometria de emissão atômica com
pressa como “ΣFeO” ou “ΣFe2O3”. A letra grega sig- plasma acoplado indutivamente (ICP-AES, sigla de In-
ma (Σ) é o símbolo de somatório. As fórmulas usadas ductively coupled plasma atomic emission spectros-
nesses cálculos são apresentadas no Quadro 2.6. copy) e a espectrometria de fluorescência por raio X
Os dois últimos itens na análise (Tabela 1.1.1) (XRFS, X-Ray Fluorescence Spectroscopy) são os mé-
representam as porcentagens em massa dos dois todos mais usados na análise de rochas. As duas téc-
principais constituintes voláteis da rocha (ver Qua- nicas são capazes de determinar os elementos maio-
dro 1.3). A análise é finalizada com o cálculo de uma res e alguns elementos-traço presentes em rochas
porcentagem total de todos os óxidos determinados, ígneas. Os detalhes desses e de outros métodos, que
uma medida da exatidão dos cálculos que, se a análi- vão além do escopo deste livro, são encontrados em
se tiver sido conduzida corretamente, está entre 99,5 Gill (1997), em que também é descrita a preparação da
e 100,5%, na maioria das vezes. amostra para a análise.
Diversos outros elementos estão presentes em
magmas, em rochas e em minerais em concentrações * As análises de alguns minerais não silicatos (óxidos, car-
menores do que 0,1%. Esses elementos menos abun- bonatos, fosfatos e sulfatos) podem ser conduzidas confor-
dantes são chamados de elementos-traço, e suas con- me apresentado. Nesses casos, o SiO2 é um componente
centrações são expressas em partes por milhão em secundário.

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Capítulo 1 Introdução aos Magmas e às Rochas Magmáticas 5

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12

Na2O + K2O / massa %


10

0
30 40 50 60 70 80
SiO2 / massa %

Figura 1.2 Gráfico do teor de álcalis totais (Na2O + K2O) relativo ao teor de SiO2 (ambos em % em massa) para uma
gama representativa de análises de rochas vulcânicas terrestres (representando composições de líquidos magmá-
ticos ígneos). Os dados foram obtidos por Wilson (1989) com algumas contribuições de Carmichael et al. (1974) e
Cox et al. (1979). Todos os dados foram recalculados em base livre de voláteis (ver Quadro 1.3), exceto no caso das
análises feitas por Wilson (1989), cujos dados sobre voláteis não foram fornecidos provavelmente porque os autores
efetuaram tal correção.

análises geoquímicas. O eixo vertical é a soma dos fatores que desempenham um papel importante na
teores de Na2O e K2O (expressos tanto para cada gênese do magma:
um dos óxidos individuais quanto para a soma de
• A composição e a mineralogia da fonte do mag-
seus teores, em porcentagem em massa [% massa;
ma (por exemplo, a crosta ou o manto)
ver nota de rodapé2], isto é, gramas de óxido por
100 g de rocha) de cada amostra. O eixo horizontal • A profundidade em que ocorre a fusão
representa o teor de SiO2 (também em % em mas- • A extensão (%) da fusão
sa) e cada ponto, ou par de coordenadas Na2O + • Os processos de fracionamento ocorridos em câ-
K2O e SiO2, indica o resultado da análise de uma mara magmática posicionada em pequena pro-
rocha específica. Nesse tipo de diagrama, a análise fundidade, como a cristalização fracionada
de rocha representa a composição original do mag- Os efeitos desses fatores serão discutidos nas se-
ma. Esse gráfico específico é chamado de diagrama ções subsequentes deste livro. Neste ponto, a con-
“álcalis totais vs. sílica” (TAS, total-alkalis vs. silica) clusão relevante é que as composições de rochas
e é muito utilizado na classificação geoquímica de vulcânicas (e magmas) se distribuem ao longo de
rochas vulcânicas (ver Figura 1.4). um amplo intervalo de valores de álcalis totais-SiO2,
A principal finalidade de apresentar um dia- sem quaisquer lacunas nessa distribuição, as quais
grama de variação neste ponto de nossa discussão indicam a necessidade de classificar essas rochas em
é ilustrar o quanto varia a composição dos magmas subgrupos naturais. Em outras palavras, em seu cur-
naturais silicatados: os teores de SiO2 variam de 31 so a natureza cria um continuum de possibilidades
a 76%, e os teores de álcalis totais oscilam entre 1 e para a composição magmática no interior da Terra, e
15%. (Essa faixa de variação vale apenas para mag- qualquer tentativa de categorizar ou subdividir essa
mas silicatados: se os magmas carbonatíticos fossem composição (com o estabelecimento de nomenclatu-
incluídos na análise, a variação composicional seria ras, por exemplo) é arbitrária e artificial.
muito maior.) Uma variação dessa amplitude na
composição pode ser atribuída sobretudo a quatro
OS PARÂMETROS UTILIZADOS PARA
CLASSIFICAR ROCHAS ÍGNEAS
2
Neste livro, o termo “porcentagem em massa” é utilizado
em lugar do termo mais comum, embora menos indicado, A menos que os petrólogos dedicados ao estudo
“porcentagem em peso”. das rochas ígneas venham a desenvolver um méto-

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6 Rochas e Processos Ígneos

do puramente numérico para a classificação desses conforme indica o lado esquerdo da Figura 1.3b. Os
materiais, será necessária uma nomenclatura consis- minerais escuros também são chamados de máficos
tente que permita subdividir esse amplo espectro de ou ferromagnesianos, ao passo que os claros são
composições em campos menores, com nomes espe- denominados minerais félsicos. A porcentagem de
cíficos para as rochas neles contidas, a exemplo da minerais escuros constitui o índice de cor da rocha.
divisão de um estado em municípios e distritos para As mensurações quantitativas das proporções
fins administrativos. de minerais em uma lâmina delgada são executa-
A nomenclatura atual das rochas ígneas está fun- das utilizando uma técnica denominada contagem
damentada em três modalidades de observação, as de pontos. A técnica requer a colocação da lâmina
quais podem influenciar o nome dado a uma rocha: delgada em estudo sobre um dispositivo especial
fixado na platina de um microscópio que permi-
• As observações petrográficas qualitativas (por
te mover a lâmina a intervalos pequenos e prede-
exemplo, a presença ou ausência de quartzo)
finidos ao longo dos eixos x e y pressionando os
• Os dados petrográficos quantitativos (a porcenta- botões específicos para a função. A observação co-
gem de quartzo na rocha) meça próximo a um canto da lâmina, com a iden-
• A composição química (a posição da rocha em tificação do mineral sob o retículo graduado das
um diagrama TAS – Figura 1.4) objetivas enquanto a lâmina delgada é deslocada
Essas modalidades podem ser mais bem ilus- ao longo da platina, e prossegue com o registro do
tradas utilizando três formas básicas de categorizar número de ocorrências de cada mineral presente
rochas ígneas. na amostra. Após a aquisição de centenas de pon-
tos de dados cobrindo uma área significativa da
A classificação com base em critérios lâmina delgada, a porcentagem de cada mineral
qualitativos – o tamanho de grão pode ser calculada com facilidade. Uma vez que as
porcentagens calculadas são proporcionais à área
A Figura 1.3a mostra que as rochas ígneas podem de cada mineral na superfície da lâmina, métodos
ser classificadas, em relação ao tamanho de grão, em como esse permitem determinar as proporções
grossa, média e fina. Essa classificação é obtida com relativas de minerais por volume, não por massa.
base em uma estimativa qualitativa (ou semiquanti- Além disso, a maior parte dos minerais escuros é
tativa) do tamanho médio de grão da matriz da rocha muito mais densa do que os minerais claros, o que
(não do tamanho dos fenocristais presentes). Essa introduz um viés que precisa ser considerado se
estimativa também pode ser feita por observação as proporções do mineral determinadas de acordo
da amostra de mão ou, com maior confiabilidade, com esse método forem comparadas com os resul-
por exame de lâmina delgada. Dependendo da ca- tados de uma análise geoquímica (que são expres-
tegoria de granulação em que é inserida (grão fino, sos em porcentagem por massa).
médio, grosso), uma rocha de mineralogia basáltica, Se forem interpretados rigorosamente, todos
por exemplo, pode ser chamada de basalto, dolerito os descritores mostrados na Figura 1.3b refletem as
3
(no Reino Unido), diabásio (nos Estados Unidos) ou proporções minerais quantitativas determinadas se-
gabro. gundo o procedimento descrito, que é demorado.
Outro exemplo de observação qualitativa utiliza- Contudo, na maioria das averiguações no dia a dia,
da na classificação de rochas é a presença de quartzo esses termos podem ser aplicados com base em uma
ou de nefelina, a qual indica se a rocha analisada é estimativa visual rápida das proporções de minerais
supersaturada ou subsaturada em sílica. escuros e claros.
O leitor poderá achar útil conhecer as origens de
A classificação com base na proporção de termos como melanocrático e leucocrático: eles de-
minerais – o índice de cor rivam dos radicais gregos melano- (“escuro”, como
Os adjetivos “ultramáfico” e “leucocrático”, consa- em melanoma e melancolia), leuco- (“de cor clara”,
grados no estudo de rochas ígneas, dizem respeito como em leucócito, o termo médico que descreve os
às proporções relativas de minerais escuros e claros glóbulos brancos da corrente sanguínea) e -crático
presentes nelas. Os termos “escuro” e “claro” se re- (“governado por”, como em democrático e autocráti-
ferem à aparência dos minerais na amostra de mão, co). O termo mesocrático, apesar de contraditório (já
que uma rocha não pode apresentar o predomínio
3
A Subcomissão para a Sistemática de Rochas Ígneas da IUGS
de algo classificado entre um mineral claro e um es-
(Le Maitre, 2002) recomenda o uso de microgabro em lugar de curo!), aplica-se a rochas com índices de cor no in-
dolerito ou diabásio. tervalo de 35-65.

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Capítulo 1 Introdução aos Magmas e às Rochas Magmáticas 7

(a) Classificação segundo o tamanho dos cristais

Amostra de mão Lâmina delgada


Os cristais da matriz
podem ser identificados Cristais grossos
a olho nu

3 mm
Os cristais da matriz
são muito pequenos Cristais médios
para serem
identificados a olho nu
1 mm
Os cristais da matriz
Cristais finos Nota: rochas muito finas e
são muito pequenos
vítreas (na amostra de mão)
para serem vistos a
podem parecer anormalmente
olho nu (afaníticos)
Porção vítrea escuras em termos de
(hialina) composição, ou mesmo pretas

Nota: “cristais finos” diz respeito ao tamanho dos cristais na


matriz, não nos fenocristais.
(b)
Classes de mineral Categorias petrográficas das rochas ígneas
Índice de cor M (% em volume)

Félsicos 0 Hololeucocratic
Hololeucocráticas
= minerais claros 10
Quartzo
Feldspatos Plagioclásio Leucocráticas
Feldspatos alcalinos Félsicas
Feldspatoides
Muscovita 35

50 Mesocráticas
Máficos = escuros =
minerais ferromagnesianos
65
Olivina Máficas
Piroxênios Clino- Porcentagem de Melanocráticas
Orto- minerais máficos
Anfibólio = ÍNDICE DE
Biotita COR (M) 90
Opacos Holomelanocratic
Holomelanocráticas Ultramáficas

(c) Classificação química das rochas ígneas

Ultrabásicas Básicas Intermediárias Ácidas

40 45 50 52 55 60 63 65 70
% em massa de SiO2 na rocha

Figura 1.3 Três maneiras simplificadas de classificação das rochas ígneas: (a) por tamanho do grão na matriz.
O limite entre granulação média e granulação grossa foi dado em 3 mm, de acordo com Le Maitre (2002); outras
convenções (por exemplo, Cox et al., 1988) utilizam o limite de 5 mm; (b) por proporções em volume de mine-
rais claros (félsicos) e escuros (máficos) observados ao microscópio; (c) por conteúdo de sílica (obtido por aná-
lise química). O limite entre intermediária e ácida é definido em 63% de SiO2, em conformidade com Le Maitre
(2002); convenções anteriores estipulavam o valor de 65%. Uma análise utilizada para determinar se uma amos-
tra é ultrabásica, básica, intermediária ou ácida deve ser recalculada em base livre de voláteis (ver Quadro 1.3).

A classificação com base na composição classificação é baseada no teor de SiO2 presente na


química – rochas ácidas e básicas rocha, como mostra a Figura 1.3c (de acordo com
O primeiro sistema de classificação de rochas íg- os valores adotados pela União Internacional das
neas estudado é aquele que as divide em rochas Ciências Geológicas, IUGS. O teor de SiO2, o pri-
ultrabásicas, básicas, intermediárias e ácidas. Essa meiro parâmetro da análise geoquímica mostrado

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8 Rochas e Processos Ígneos

no Quadro 1.1, é determinado apenas por análise 1 Tal como vulgarmente conhecido, o termo
em laboratório. Essa é a principal desvantagem “vulcânico” (que lembra uma erupção na su-
dessa classificação: ela não pode ser empregada perfície da Terra) pode, em alguns casos, ser
para descrever rochas em campo ou no exame ao difícil de provar em campo. Ainda que em sua
microscópio. maioria os basaltos sejam, na verdade, os pro-
É importante distinguir corretamente o teor dutos de erupções na superfície, os petrólogos
de sílica de uma rocha (que em regra está entre preferem embasar a nomenclatura de rochas
40 e 75%) e o teor de quartzo (raras vezes acima ígneas em critérios descritivos relacionados à
de 30%, quando não é nulo). A sílica (SiO2) é um amostra em estudo, independentemente de
componente químico presente em todos os minerais interpretações feitas em campo. Em outras
silicatados, ao passo que o quartzo (que tem a mes- palavras, uma nomenclatura precisa gerar os
ma composição, SiO2) é um mineral com uma com- subsídios para nomear uma rocha desconheci-
posição e uma estrutura cristalina específicas. O da encontrada em uma gaveta, sem a necessi-
quartzo representa o excesso de SiO2, isto é, o teor dade de conhecer a massa rochosa em que foi
remanescente após todos os outros minerais silica- coletada. A principal característica descritiva
tados terem sequestrado suas respectivas cotas de que diferencia o basalto do dolerito ou do ga-
sílica disponíveis no líquido magmático. bro é que ele é o integrante de granulação fina
O termo “silícico”, menos preciso e amplamen- dessa família de rochas. Uma rocha básica de
te adotado nos Estados Unidos, é muito utilizado grão fino que integra a borda de resfriamento
como sinônimo de “ácido”. de um dique (uma rocha hipabissal), ou mes-
mo de uma inclusão de grande porte (uma ro-
cha plutônica), qualifica-se como um basalto
A CONCEPÇÃO DE UMA NOMENCLATURA da mesma maneira que um derrame de lava
PETROGRÁFICA PARA ROCHAS ÍGNEAS básica. Por outro lado, o núcleo de um derra-
me espesso de lava básica pode ter granulação
O tópico principal inicial deste livro é a nomencla- média (que o qualifica como dolerito) ou, em
tura de rochas com base em observações petrográ- casos extremos, granulação grossa, apesar de
ficas qualitativas, porque estas são mais relevantes ter origem vulcânica comprovada.
para as aulas práticas e viagens a campo em cursos
2 “Piroxênio” não é um termo específico o bas-
de graduação.
tante: o piroxênio rico em cálcio característi-
De modo geral, os nomes de rochas ígneas são co do basalto (como do dolerito e do gabro)
compostos por um nome raiz (como basalto, ande- de modo geral é chamado de augita (Quadro
sito e traquito), antecedido por um ou mais quali- 2.1). Os basaltos podem também conter um pi-
ficadores que indicam características de textura roxênio com baixo teor de cálcio – a enstatita,
e composição que diferenciam a rocha em estudo nunca desacompanhado de um piroxênio rico
(por exemplo, olivina basalto, andesito porfirítico naquele elemento. Logo, uma definição precisa
com fenocristais de plagioclásio e traquito afanítico). de basalto necessita especificar a augita (ou o
piroxênio rico em cálcio) como piroxênio es-
O que é um basalto? sencial em sua composição.
Um célebre dicionário de petrologia define basalto 3 “Labradorita” (An50-An70, ver Quadro 1.2), por
da seguinte forma: outro lado, é um termo muito restritivo. Em al-
De acordo com o uso atual, o basalto é uma rocha vul- guns basaltos terrestres e gabros, os núcleos de
cânica composta essencialmente de labradorita, piro- plagioclásio ficam na faixa mais cálcica da byto-
xênio e minério de ferro, com ou sem vidro ou clorita wnita (An70-An90), enquanto basaltos lunares
intersticial.4 contêm até mesmo anortita (An90-An100). À luz
dessa ampla variação de composição de plagio-
Embora não deixe dúvida de que se trata de uma clásios em basaltos naturais, o melhor a fazer é
definição de basalto, esta tem alguns problemas que simplesmente estipular “plagioclásio cálcico”
precisam ser esclarecidos: (no sentido de qualquer plagioclásio com teores
de anortita acima de 50%) como o plagioclásio
4
Tomkeieff et al. (1983). essencial em um basalto.

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Capítulo 1 Introdução aos Magmas e às Rochas Magmáticas 9

4 A expressão “com ou sem vidro intersticia” é da augita, por exemplo, a rocha seria denomina-
uma redundância em uma definição concisa. da troctolito (Capítulo 4).
5 A clorita é um filossilicato hidratado que nun- 2 Minerais qualificadores: são os minerais cuja
ca cristaliza diretamente do magma nem ocorre presença não afeta o nome raiz, mas permite a
em rochas ígneas. Quando detectada em uma subdivisão qualitativa de um tipo de rocha. Por
rocha ígnea, a clorita é sempre um produto se- exemplo, um olivina gabro contém olivina, além
cundário da alteração hidrotermal de minerais do plagioclásio cálcico e da augita. Os minerais
ígneos como o piroxênio, ou um constituinte dos escolhidos como minerais qualificadores de
veios hidrotermais. Como produto de processos modo geral dão informações acerca da composi-
hidrotermais tardios ou metamórficos de baixo ção da rocha. Por exemplo, a presença de olivina
grau (ou seja, pós-magmático), afetando apenas indica que um gabro é relativamente deficiente
alguns basaltos, a clorita não deve ser incluída em SiO2, ao passo que a aegirina em um sianito
na definição de uma rocha ígnea. sugere que ele é peralcalino.
Uma definição petrográfica mais precisa e sucin- 3 Minerais acessórios: são os minerais presentes em
ta de basalto é: uma rocha (muitas vezes em teores reduzidos)
que nos dizem pouco sobre suas características
O basalto é uma rocha ígnea, de granulação fina, for- químicas. Por essa razão, não contribuem com
mada pelos minerais cálcicos essenciais plagioclásio e uma nomenclatura de rochas ígneas. Exemplos
augita. de minerais acessórios são a cromita, a magneti-
De que modo é possível afirmar o caráter cálcico ou ta, a apatita e a ilmenita.
sódico de um plagioclásio ao microscópio? Uma téc- 4 Minerais pós-magmáticos: são os minerais forma-
nica simples para responder a essa pergunta é descri- dos após a cristalização completa do magma:
ta no Quadro 4.1, mas os detalhes práticos desse pro-
cedimento não são discutidos neste ponto do livro. • Os minerais hidrotermais, que preenchem os
veios e outros vazios de uma rocha (por exem-
Os minerais magmáticos “essenciais”, plo, uma zeolita).
“qualificadores”, “acessórios” e • Os minerais secundários, que substituem os
“pós-magmáticos” minerais originais (por exemplo, um epidoto).
A definição de basalto apresentada se fundamenta na Uma vez que os minerais pós-magmáticos são
presença de dois minerais principais: o piroxênio rico formados por processos hidrotermais tardios,
em cálcio e o plagioclásio cálcico. Qualquer rocha íg- não ígneos, não desempenham papel algum na
nea de granulometria fina contendo esses dois mine- nomenclatura. Contudo, devido à possibilidade
rais pode ser classificada utilizando o termo “basalto” de que sua formação tenha sido acompanhada
como nome raiz. No entanto, os petrólogos dividem por alterações químicas expressivas, a presença
o basalto em subgrupos, de acordo com os outros mi- desses minerais nunca pode ser desprezada.
nerais que apresentam. Por exemplo, a ocorrência de Além disso, é preciso lembrar que um mineral
olivina em um basalto, além da augita e do plagio-
considerado essencial em uma rocha pode ser um
clásio cálcico, insere-o em um importante subgrupo,
mineral qualificador em outra, ou um mineral aces-
chamado de “olivina basalto”. Porém, nem todos os
sório em uma terceira.
minerais presentes em uma rocha são úteis a esse
A Tabela 1.1 mostra alguns exemplos de minerais
propósito. Para dar um nome simples e informativo
essenciais que definem os tipos comuns de rochas
a uma rocha, é importante considerar os minerais que
vulcânicas, assim como seus principais minerais qua-
ela contém com base em quatro conceitos principais:
lificadores. A tabela é uma simplificação da nomen-
1 Minerais essenciais: são os minerais cuja presença clatura quantitativa apresentada em Le Maitre (2002).
na rocha determina seu nome raiz. Por exemplo, Hoje, o procedimento mais comum, se dispomos da
a prevalência de plagioclásio cálcico e augita análise química de elementos maiores, consiste em
em uma rocha de granulação grossa leva, inevita- encontrar o nome raiz de uma rocha de granulação
velmente, ao nome raiz “gabro”. A ausência de fina a partir de sua composição química, conforme
um desses minerais essenciais invalidaria esse representada na Figura 1.4, não com base em critérios
nome. Se a olivina estivesse presente em lugar petrográficos. Uma vez que a Figura 1.4 foi elaborada

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10 Rochas e Processos Ígneos

Quadro 1.2 A expressão da composição de um mineral como solução sólida


A olivina e o plagioclásio estão entre os muitos mine- caso o Mg2SiO4 e o Fe2SiO4. Para termos uma ideia
rais formados por soluções sólidas: toda olivina na- de como essa descrição é elaborada, antes é preci-
tural é uma mistura – em escala molecular – de dois so reescrever a forma alternativa de cada fórmula,
componentes, Mg2SiO4 (a forsterita, comumente abre- (MgO)2(SiO2) e (FeO)(SiO2). Isso mostra que uma mo-
viada por Fo) e o Fe2SiO4 (a faialita, abreviada por Fa). lécula de forsterita (Mg2SiO4), por exemplo, é com-
A Tabela 1.2.1 mostra uma análise simplificada posta pela combinação de duas moléculas de MgO
da olivina, expressa em porcentagens em massa de e uma molécula de SiO2. Esses cálculos ficam mais
SiO2, FeO e MgO (Quadro 1.1). Uma maneira mais fáceis quando a análise original é expressa em nú-
concisa de descrever a composição de um mine- meros que representem o número de moléculas (ou
ral com solução sólida toma como base as porcen- mols) de cada membro extremo presentes, não a
tagens de moléculas de membro extremo, nesse massa em gramas.

Tabela 1.2.1 Cálculo dos membros extremos em uma análise simplificada de uma olivina
Análise simplificada MMR Mols disponíveis Mols Mols Total
da olivina, do por 100 g da alocados a alocados ao de mols
a
% em massa óxido amostrab 2FeO.SiO2c 2MgO.SiO2 alocados Resíduos

SiO2 39,58 60,09 0,6588 0,1157 0,5414 0,6571 0,0017d


Feo 16,63 71,85 0,2315 0,2315 0,2315 0,0000
MgO 43,66 40,32 1,0828 1,0828 1,0828 0,0000
Total 99,87 1,9731
Mols de X2SiO4 0,1157 0,5414 0,6571
% molar de Fa e Fo 17,61% 82,39% 100,00
a
“% de massa de óxido” pode ser vista como gramas de cada óxido por 100 g da amostra.
b
Cada número da coluna 1 dividido pela MMR correspondente na coluna 2 dá o número de mols por 100 g da amostra.
c
Se n mols de FeO estão disponíveis, eles se combinam com 0,5n mols de SiO2 para formar 0,5n mols de faialita.
d
O pequeno excesso de SiO2 (que totaliza 1 parte em 400 partes do SiO2 disponível) pode representar o erro analítico ou o fato
de que pequenas quantidades de CaO e MnO presentes na análise original foram negligenciadas na versão simplificada acima.

com base em uma grande compilação de rochas vul- olivina gabro, hornblenda andesito e muscovita biotita
cânicas muito bem caracterizadas do ponto de vista microgranito*. Em cada um desses nomes compostos,
petrográfico (Le Maitre, 2002), para a maioria delas a um nome raiz é precedido por um ou mais qualifi-
correlação entre a nomenclatura petrográfica e a no- cadores. Os qualificadores mais importantes indi-
menclatura química é consistente. cam os minerais qualificadores presentes (que, com
O leitor que tentar memorizar nomes raiz e suas frequência, dão indícios sobre a composição do mag-
definições não encontrará dificuldade em reduzir as ma). A forma geral do nome petrográfico de rocha é:
definições dadas na Tabela 1.1 a um código simplifica-
(mineral qualificador 3) (mineral qualificador 2) (mi-
do. Por exemplo, um nefelinito pode ser representado
neral qualificador 1)… nome raiz
por “cpx+ne”. Uma rocha equivalente, com granulação
grossa (por exemplo, um ijolito, Tabela 9.3) é represen-
tada pelo mesmo código escrito em letras maiúsculas. * N. de R.T: Na atribuição de nomes petrográficos para rochas íg-
neas, o mais usual é a inserção de hífens entre os minerais qualifi-
cadores de uma rocha, se houver mais de um e se cada um deles
A concepção de um nome contribuir com mais de 5% da mineralogia observada. Assim, um
petrográfico completo microgranito hipotético contendo 6% de muscovita e 8% de biotita
será denominado muscovita-biotita microgranito. O mineral qua-
A hierarquia dos minerais constitui a base para atri- lificador mais abundante será listado sempre por último, de forma
a ficar mais próximo do nome da rocha, assim como recomendado
buir nomes petrográficos para todas as rochas ígne- neste livro. Observe, no entanto, que não há hífen entre o último
as. Ela permite conceber nomes informativos, como mineral listado (o qualificador mais abundante) e o nome da rocha.

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Capítulo 1 Introdução aos Magmas e às Rochas Magmáticas 11

Essa transformação é conseguida dividindo a Anortita An100–An90 (também se refere ao mem-


porcentagem em massa de cada óxido (% em massa bro extremo puro
= massa em g de cada óxido por 100 g de olivina) CaAl2Si2O8)
na coluna 1 pela massa molecular relativa (“MMR” Bytownita An90–An70
na coluna 2). O resultado, exibido na coluna 3, repre-
Labradorita An70–An50
senta o número de mols de cada óxido por 100 g de
olivina. O número de mols de FeO (0,2315) pode ser Andesina An50–An30
combinado com o número de mols de SiO2 (0,2315 Oligoclásio An30–An10
÷ 2 = 0,1157 mols) para dar o número de mols de Albita An10–An0 (também se refere ao mem-
(FeO)2SiO2 (0,1157 mols, ver a tabela). Da mesma bro extremo puro NaAlSi3O8).
forma, 1,0828 mols de MgO podem ser combinados
com 1,0828 mols ÷ 2 = 0,5414 mols de SiO2 para Nos piroxênios, a solução sólida é mais comple-
formar 0,5414 mols de (MgO)SiO2. A divisão de cada xa, pois a representação da composição de um pi-
um desses números pela sua soma (0,6571) e mul- roxênio requer três membros extremos: Mg2Si2O6,
tiplicação por 100 dá a porcentagem molar de cada Fe2Si2O6 e Ca2Si2O6 (conforme explicação no Quadro
membro extremo nessa amostra de olivina. O resul- 2.1). A presença de pequenas quantidades de Al2O3
tado mostrado na tabela pode ser reescrito na forma e TiO2 na maioria dos piroxênios naturais complica
reduzida Fo82, a maneira mais concisa de expressar a um pouco o cálculo, mas para nossos objetivos es-
composição de uma olivina. sas dificuldades podem ser ignoradas. A composição
Cálculos semelhantes permitem expressar as de uma granada é ainda mais intricada, pois exige
composições de plagioclásios em termos de porcen- seis membros extremos (Quadro 5.2). Esses “cálcu-
tagem molar da molécula de anortita (por exemplo, los com fórmulas” são explicados em detalhe em Gill
An56 para um plagioclásio com porcentagens mola- (1996, Capítulo 8).
res de 56% de An e 44% de Ab). Os nomes a seguir
são amplamente empregados para variações especí-
ficas de composição:

Observe que a convenção (Le Maitre 2002) diz que, se nome raiz) pode entrar na classificação dela como
diversos minerais qualificadores são listados em um mineral qualificador. Um augita basalto, por exem-
nome de rocha, o mais abundante é listado por últi- plo, seria uma redundância, já que a presença de au-
mo (isto é, o mais próximo do nome raiz). Portanto, gita é condição essencial para que uma rocha possa
um granito contendo mais biotita do que muscovita ser chamada de basalto e, por essa razão, o termo
seria chamado de muscovita-biotita granito, não biotita não precisa fazer parte da designação.
muscovita granito. A lógica nessa convenção é que a Contudo, no caso de um andesito, em que o mi-
muscovita atua como qualificador menos importante, neral máfico pode ser a augita, um piroxênio pobre
indicando o tipo de biotita granito que temos em mãos. em cálcio, uma hornblenda e/ou uma biotita (Tabela
A decisão acerca de quais minerais devem ser 1.1), seria apropriado especificar a augita como o mi-
rotulados como minerais qualificadores envolve um neral qualificador. Enquanto hornblendas e biotitas
julgamento de natureza petrográfica. A experiência, são características em magmas andesíticos mais evo-
em conjunto com os dados apresentados na Tabela luídos, hidratados e de temperatura baixa, o termo
1.1, indica os minerais que têm importância na defi- augita andesito indica um magma andesítico relativa-
nição da composição de uma rocha ígnea, em cada mente primitivo, anidro ou de temperatura alta.
caso. Porém, uma regra é válida em todas as circuns- A inclusão de minerais qualificadores no nome
tâncias: nenhum mineral com status de essencial em de uma rocha fornece elementos qualitativos úteis
uma dada rocha (indispensável na determinação do (além dos dados informados pelo nome raiz ape-

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12 Rochas e Processos Ígneos

Tabela 1.1 Nomes raiz e minerais essenciais à identificação petrográfica das principais rochas ígneas de
granulação fina. As porcentagens especificadas representam estimativas de % em volume que podem ser
baseadas na avaliação qualitativa visual de uma lâmina delgada. Alguns minerais mencionados podem ser
desconhecidos ao leitor neste estágio (por exemplo, um feldspatoide) e serão apresentados em capítulos
subsequentes. LCP = piroxênio com baixo teor de cálcio que inclui a enstatita e a pigeonita (ver Quadro 2.1),
plag = plagioclásio, plag cálcico = An50-100, plag sódico = An0-50, foid = feldspatoide
Nome raiz Minerais essenciais necessários Possíveis minerais qualificadores

Basalto Augita + plag cálcico Olivina, LCP (→ basalto toleítico1, pouca


nefelina (+ olivina → basalto alcalino1)
Basanito Augita + plag cálcico + foid (>10%) + olivina Nefelina, leucita ou analcita (de acordo com
(>10%) o foid dominante)
Tefrito Augita + plag cálcico + foid (>10%) (olivina <10%) Nefelina, leucita ou analcita (de acordo com
o foid dominante)
Nefelinita Augita + nefelina Olivina, melilita
Leucitita Augita + leucita Olivina, melilita
Traquibasalto Plag cálcico + augita + feldspato alcalino ou foid
Andesito Plag sódico2 + um mineral máfico (piroxênio, Piroxênio, hornblenda ou biotita,
hornblenda ou biotita) dependendo do mineral máfico dominante
presente na rocha
Latito Plag sódico + feldspato alcalino Quartzo (<20%)
3
Traquito Feldspato alcalino ± plag sódico Quartzo (<20%), foid (<10%), aegirina-
augita, biotita
Fonolito Feldspato alcalino3 ± plag sódico + foid (>10%) Aegirina, riebeckita, biotita; é comum
especificar também o foid dominante,
quando não é a nefelina (p. ex., “leucita
fonolito)
Dacito Plag sodico4 + feldspato alcalino + quartzo (>20%) Hornblenda, biotita
3
Riolito Feldspato alcalino ± plag sódico + quartzo (>20%) Biotita, aegirina
1
Esses tipos de basalto geralmente são diferenciados segundo critérios químicos, não mineralógicos. Os conceitos usados nessa
diferenciação são explicados no Capítulo 2 (Quadro 2.4).
2
Fenocristais de plagioclásio, abundantes na maioria das andesitos, muitas vezes encontram-se zonados com núcleos cálcicos;
contudo, a composição média em feldspatos é An<50.
3
O feldspato alcalino excede o plagioclásio.
4
Em regra, os riolitos apresentam matriz vítrea.

nas) sobre a composição química do magma de mesma massa de magma, mas diferentes das
que ela cristalizou, como ficará claro em capítulos condições e do histórico de outra.
posteriores. Os minerais qualificadores permitem • Termos qualificadores de textura, como vesicu-
ao petrólogo diferenciar rochas de tipos semelhan- lar, porfirítica, seriada, esferulítica, soldada,
tes. O mesmo é válido para diversos outros tipos ofítica e poiquilítica fornecem informações so-
de qualificadores que possam ser úteis em dada cir- bre os processos em pequena escala do magma
cunstância e que informem sobre processos erupti- ou sobre as condições de cristalização.
vos e o histórico de cristalização de uma rocha. • A identidade dos fenocristais deve ser informa-
da pelo acréscimo do adjetivo “porfirítico”, se-
• Talvez seja importante salientar as características guido do complemento “com fenocristais de”.
texturais em um nome de rocha se, por exemplo, Por exemplo, um andesito contendo fenocris-
as diferenças de textura observadas permitirem tais de plagioclásio imersos em uma matriz com
discriminar dois subgrupos: as condições de hornblenda será chamado de hornblenda andesito
erupção ou os históricos de cristalização podem porfirítico com fenocristais de plagioclásio. Observe
ser semelhantes para representantes de uma que, embora a presença de plagioclásio já esteja

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Capítulo 1 Introdução aos Magmas e às Rochas Magmáticas 13

16

14 fonolito

foidito
12
tefrifonolito traquito
Na2O + K2O / % em massa

riolito
10
fonotefrito
traquiandesito (traquidacito)
8 tefrito
(ol < 10%) traquian-
basanito desito
6 (ol < 10%) traqui- basáltico
basalto

4 andesito
basalto basáltico andesito dacito
picro-
2 basalto

0
30 40 50 60 70 80
SiO2 / % em massa

Figura 1.4 Diagrama TAS mostrando os campos para os tipos de rochas comuns designados pela Subcomissão
para a Sistemática de Rochas Ígneas da IUGS (Le Maitre, 2002).* Todas as análises exigem uma correção em base
livre de voláteis (Quadro 1.3) antes da elaboração do diagrama.
* O símbolo “ol” representa o teor de olivina normativa (explicado no Quadro 2.4). As composições de rocha no campo do traquito
podem receber o nome de traquidacito se o teor de quartzo representar mais do que 20% do total de minerais félsicos normativos
(quartzo + feldspatos). Esses detalhes não são discutidos neste capítulo.

implícita na simples atribuição do nome ande- rização não basta para descrever uma rocha, como
sito, o fato de ele ocorrer como fenocristais pre- ocorre com uma rocha que contém uma quantidade
cisa ser destacado no nome da rocha. significativa de vidro. Por exemplo, a maioria dos
• Como mostra a Figura 1.1, a identidade dos fe- basaltos submarinos apresenta pequenas quantida-
nocristais em uma rocha vulcânica é fonte de des de cristais de olivina e de plagioclásio (cristais
informações sobre os minerais que cristalizaram de augita são raros) imersos em uma matriz vítrea.
antes da erupção (por exemplo, em uma câmara O vidro vulcânico representa um líquido magmáti-
magmática subvulcânica). co que, por alguma razão (resfriamento rápido, por
• Os petrólogos também utilizam uma variedade exemplo) não teve tempo suficiente para cristalizar.
de termos qualificadores químicos (por exemplo, Por essa razão, uma porção dos componentes quí-
teor baixo ou alto de K, peralcalino, peraluminoso) micos que teriam cristalizado (sob diferentes condi-
para refinar nomes de rochas específicas. Esses pa- ções) formando cristais minerais reconhecíveis – nos
râmetros químicos são descritos na próxima seção. quais um nome petrográfico se embasaria – são reti-
dos na fase vítrea, cuja composição não pode ser es-
A SUBDIVISÃO QUÍMICA DE ROCHAS tabelecida ao microscópio. Para essa rocha, ou uma
ÍGNEAS E MAGMAS rocha cujos cristais da matriz são muito finos para
serem identificados por microscopia, o nome de ro-
Existem circunstâncias em que a nomenclatura pe- cha precisa ser atribuído tomando como base uma
trográfica fundamentada na microscopia de pola- análise geoquímica.

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14 Rochas e Processos Ígneos

Não causa surpresa o fato de a composição mi- calculadas em base livre de voláteis, para eliminar
neralógica de uma rocha, em que a nomenclatura ao máximo distorções resultantes de alteração ou
petrográfica é baseada, ter forte correlação com sua intemperismo (Quadro 1.3).
composição química. Logo, como alternativa para Entretanto, é preciso esclarecer duas restrições.
atribuir nomes raiz, é possível representar as di- A primeira é que a correlação entre mineralogia
visões entre os tipos petrográficos das rochas dis- e composição química não é perfeita e, portanto,
cutidas (mostrados na Tabela 1.1) em diagramas um nome raiz concebido com base na Figura 1.4
apropriados de variação de elementos maiores. A para uma rocha cristalina pode, em alguns casos,
Figura 1.4 mostra um diagrama TAS em que uma diferir de seu nome petrográfico. Logo, um nome
grade de campos classificatórios e linhas limite foi de rocha deve ser gerado com base em critérios
construída de acordo com as recomendações da petrográficos, sempre que possível. A segunda res-
União Internacional das Ciências Geológicas (Le trição diz respeito ao fato de os metais alcalinos
Maitre, 2002). As linhas limite foram traçadas em- Na e K estarem entre os elementos mais móveis
piricamente, de maneira a permitir a sobreposição nos processos hidrotermais pós-magmáticos e, por
mais exata possível da distribuição de minerais de isso, suas concentrações podem variar durante tais
um grande conjunto de amostras de rocha identi- processos de alteração (Quadro 1.4). Isso limita a
ficadas pela via petrográfica (ver Le Maitre, 1976). confiabilidade da Figura 1.4, mesmo após as aná-
Ao representar informações nesse tipo de diagra- lises terem sido refeitas em base livre de voláteis
ma, é importante garantir que elas tenham sido re- (Quadro 1.3).

16

14
fonolito

12 riolito
foidito traquito
tefrifonolito alcalino
Na2O + K2O / % em massa

10
fonotefrito (traquidacito se
q > 20%)
traquiandesito Z
8 tefrito
traquian-
(ol < 10%)
desito
basanito riolito
basáltico
(ol < 10%) subalcalino
6 traqui-
basalto
basalto Y
4 alcalino
andesito andesito dacito
picroba- basáltico
2
salto

basalto
X subalcalino
0
30 40 50 60 70 80
SiO2 / % em massa

Figura 1.5 Diagrama TAS mostrando as divisões entre as séries subalcalinas e alcalinas de rochas vulcânicas: a
linha X-Y representa a linha de divisão de Macdonald e Katsura (1964) para basaltos havaianos, e a linha X-Z mostra
a linha de divisão de Miyashiro (1978) para uma gama mais ampla de rochas vulcânicas. Os basaltos próximos a
essas linhas limite são muitas vezes denominados basaltos transicionais. A figura também apresenta o conjunto de
rochas vulcânicas mostrado na Figura 1.2: os círculos vazios representam as análises de afinidade subalcalina, os
preenchidos indicam as análises de afinidade alcalina. A correção em base livre de voláteis (Quadro 1.3) é necessária
antes da elaboração deste diagrama.

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Capítulo 1 Introdução aos Magmas e às Rochas Magmáticas 15

Essa abordagem química não é utilizada na separação mecânica e a acumulação seletiva de


nomenclatura de rochas de granulação grossa, diferentes tipos de cristais, passíveis de ocorrerem
porque os minerais essenciais e qualificadores durante uma cristalização lenta (que leve à forma-
geralmente estão presentes em cristais grandes o ção de rochas cumuláticas, conforme discutido no
bastante para poderem ser identificados com faci- Quadro 1.4), indicam que a composição química
lidade ao microscópio, ou mesmo em uma amos- de uma rocha plutônica depende das proporções
tra de mão (Tabela 8.1). É preciso lembrar que a dos minerais acumulados em seu interior. Essa

Quadro 1.3 Por que recalcular as análises de uma rocha vulcânica em base livre de
voláteis?
Embora os líquidos magmáticos ígneos nas profun- Em uma análise percentual, a presença de voláteis
dezas contenham teores significativos de H2O, CO2, secundários reduz os teores de outros constituintes
SO2 e outros gases primários dissolvidos, tais cons- (Figura 1.3.1), o que faz surgir diferenças entre amos-
tituintes voláteis são efetivamente perdidos para a tras individuais que se devem meramente às discre-
atmosfera quando o material chega à superfície du- pâncias no grau de alteração dessas rochas. Portan-
rante a erupção. Os teores de H2O e de outros vo- to, embora a análise de elementos maiores sempre
láteis mensurados em rochas vulcânicas naturais inclua uma estimativa do teor de voláteis totais (por
representam, sobretudo, a presença de minerais hi- exemplo, a determinação da perda ao fogo) como
dratados resultantes da alteração hidrotermal inicial meio de observar a alteração, é comum recalcular as
ou do intemperismo e refletem as mudanças pós- análises em base livre de voláteis antes da elabora-
-magmáticas na mineralogia da rocha, não a compo- ção do diagrama de dados geoquímicos de rochas
sição química original do magma. vulcânicas. Isso é feito com a multiplicação da con-
Por conta das razões discutidas no Quadro 1.4, centração de cada elemento ou óxido pelo fator:
durante o trabalho em campo é essencial que o ma-
terial coletado para as análises geoquímicas seja Análise total (%)
sempre o mais inalterado (ou o mais fresco) possível. Análise total (%) – voláteis (%)
Mesmo com esse esforço, em uma coleta represen-
O raciocínio que fundamenta esse cálculo é ex-
tativa de rochas vulcânicas algumas amostras inevi-
plicado na Figura 1.3.1.
tavelmente parecem mais alteradas do que outras.

Voláteis
H2O+CO2
excluídos
100
Outros Outros Outros
90 H2O+CO2
MgO MgO MgO
80 CaO CaO Outros CaO
MgO
Gramas (cumulática)

70 ΣFeO ΣFeO CaO ΣFeO


60 Al2O3 Al2O3 ΣFeO Al2O3
50 Al2O3
40
30 SiO2 SiO2 SiO2 SiO2
20
10
0
100 g de 100 g de rocha 100 g da A mesma análise recal-
magma magmática original amostra de culada em base livre de
original + os voláteis incor- rocha alterada voláteis gera uma melhor
porados nos produtos pulverizada aproximação para a
da alteração da rocha* composição original
*Nota: outros elementos podem ser introduzidos ou excluídos durante uma alteração na rocha.

Figura 1.3.1 A justificativa para refazer uma análise em base livre de voláteis antes da elaboração do diagrama
TAS.

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16 Rochas e Processos Ígneos

composição química da rocha pode estar apenas por Macdonald e Katsura (1964), dividindo os basal-
indiretamente relacionada à composição química tos subalcalinos formadores da maior parte do Havaí
do magma a partir do qual ela cristalizou. (incluindo os vulcões em escudo, como o Kilauea)
daqueles basaltos alcalinos que extrudiram nos es-
Os qualificadores geoquímicos tágios mais recentes do desenvolvimento vulcânico.
A Figura 1.4 mostra como a composição geoquímica Para mostrar como esse critério é aplicado, as análi-
de uma rocha vulcânica pode ser útil na atribuição de ses apresentadas na Figura 1.2 foram reproduzidas
um nome raiz (em que a determinação de um nome na Figura 1.5, em que os basaltos são representados
petrográfico seria complexa). A geoquímica de uma como alcalinos ou subalcalinos, de acordo com a clas-
rocha também fornece alguns qualificadores que per- sificação proposta por Macdonald e Katsura.
mitem subdividir aqueles tipos de rocha oriundos Há muito que os petrólogos reconhecem que os
de magmas com diversas fontes. Por muitos anos, os basaltos subalcalinos tendem a se fracionar (evoluir)
basaltos foram divididos nos subgrupos alcalinos e em líquidos magmáticos evoluídos e pobres em ál-
subalcalinos. Diversos critérios foram concebidos calis, como o dacito e o riolito, enquanto os basal-
para essa finalidade; os mais simples são mostrados tos alcalinos fracionam-se em líquidos magmáticos
na Figura 1.5. A linha XY é a linha limite desenhada evoluídos mais ricos em álcalis, como o traquito ou

Quadro 1.4 A análise de uma rocha ígnea representa a composição do magma?


Na busca pelas origens dos magmas e pelas condi- erupção em rochas vulcânicas eruptivas? Uma das
ções sob as quais se formaram, as análises de ele- abordagens usadas com essa finalidade consiste
mentos maiores, de elementos-traço e de isótopos em analisar o teor de voláteis de inclusões vítreas
em rochas vulcânicas ocupam um lugar de destaque. pequenas (muitas vezes chamadas informalmente
A principal hipótese que norteia esse esforço é a de de inclusões de líquido magmático, porque repre-
que essas análises são uma representação precisa sentam um líquido magmático aprisionado, ainda
das composições químicas dos magmas a partir dos que o material já não esteja nesse estado físico) no
quais essas rochas cristalizaram. Porém, até que pon- interior de fenocristais individuais, como mostra a
to essa hipótese pode ser aceita? Quais são os fato- Prancha 6.11. A tensão no cristal circundante atua
res que limitam sua aplicação? como uma espécie de armadura para a inclusão de
líquido magmático contra a ruptura e a perda de
gases durante a ascenção do magma à superfície.
A DESGASEIFICAÇÃO E A LIBERAÇÃO DE
A microanálise do teor de voláteis aprisionados
VOLÁTEIS nessas inclusões vítreas representa a melhor medi-
da do teor de voláteis presentes no líquido magmá-
O magma confinado em profundidade na Terra
tico não desgaseificado (ver Hammer, 2006).
contém gases dissolvidos no líquido magmático.
À medida que a pressão diminui com a ascensão
desse magma à superfície, esses gases gradativa- A ALTERAÇÃO HIDROTERMAL E O
mente se desprendem da solução, formando bolhas METAMORFISMO DE BAIXO GRAU
de gás (muitas vezes visíveis como vesículas em
lavas eruptivas), que escapam para a atmosfera (Fi- Os minerais anidros formados nas temperaturas de
gura 2.7). Esse processo de desgaseificação (perda liquefação do magma, como a olivina e o plagio-
de gases) é comum a todos os magmas confinados clásio, estão propensos a reagir e recristalizar na
em câmaras situadas a baixa profundidade ou que forma de minerais hidratados secundários, como a
irromperam na superfície. Com isso, o teor de vo- esmectita, a serpentina, a clorita e o epidoto. Isso
láteis medido em uma amostra de rocha vulcânica ocorre quando esses minerais são expostos a flui-
recém-formada muitas vezes é menor do que o teor dos hidratados a baixas temperaturas durante o res-
originalmente dissolvido no líquido magmático, em friamento (por exemplo, quando os fluidos circulam
profundidade. por uma sequência vulcânica espessa). Portanto, a
Assim, de que maneira determinamos os teores análise de uma rocha vulcânica que tenha passado
reais de voláteis “magmáticos” presentes antes da por esse tipo de alteração ou reações metamórficas

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Capítulo 1 Introdução aos Magmas e às Rochas Magmáticas 17

o fonolito. Logo, é apropriado não apenas dividir traquiandesito basáltico e o andesito basáltico, entre
os basaltos nas classes alcalina e subalcalina, mas o traquiandesito e o andesito e entre o traquito e o
também aplicar a mesma distinção a suas respecti- dacito. A mesma curva também divide o campo em
vas famílias de líquidos magmáticos residuais. Com que se encontram os riolitos em campos menores,
essa finalidade, Miyashiro (1978) calculou uma linha definindo variedades subalcalinas e alcalinas típicas
divisória, a curva XZ apresentada na Figura 1.5. As de diferentes ambientes tectônicos.
composições de líquidos magmáticos mais evoluí- Um diagrama semelhante muito utilizado para
dos exibidas na Figura 1.5 também são simbolizadas subdividir rochas vulcânicas associadas à subduc-
de acordo com o lado da linha em que se encontram. ção é mostrado na Figura 1.6. Em muitos arcos de
A divisão simples em campos alcalino e subalca- ilhas, o teor de potássio em rochas vulcânicas au-
lino da Figura 1.5, em parte segundo a linha definida menta de modo sistemático com a distância do sítio
por Miyashiro, não é um mero artifício de nomen- eruptivo em relação à fossa ou, para sermos mais
clatura; ela reflete uma distinção profunda de natu- precisos, com a profundidade da zona de subduc-
reza petrológica, conforme explicado no Capítulo 9. ção abaixo do ponto de erupção. Nesse sentido, é
Portanto, não é por acaso que a curva XZ esteja pró- necessária uma nomenclatura que reflita essas va-
xima às linhas limite estipuladas pela IUGS entre o riações e, portanto, os basaltos, os andesitos e os

de baixo grau apresenta níveis elevados de H2O e mulações de cristais precoces têm razões Mg/Fe
outras espécies voláteis, introduzidas por essas rea- (no caso de minerais ferromagnesianos) ou Ca/Na
ções pós-magmáticas, mas sem relação com o teor (em plagioclásios) geralmente elevadas, compara-
original de voláteis no magma. Esse teor de voláteis das às do líquido magmático de que se separaram
secundários não pode ser desprezado (ver Quadro (ver a Figura 3.4).
1.3), embora seja muito mais difícil de corrigir para Embora os efeitos mais importantes dos proces-
qualquer alteração nos teores de elementos relati- sos de acumulação de cristais sejam vistos em intru-
vamente não voláteis como o Na2O, o K2O e o CaO, sões estratificadas de grande porte (Capítulo 4), es-
os quais podem ter participado dessas reações. Por ses processos também são observados em intrusões
essa razão, a investigação geoquímica precisa ser menores ou mesmo em derrames de lava espessos
fundamentada em amostras inalteradas cujos teores (Capítulo 2). Ao passo que a formação de minerais
desses minerais pós-magmáticos ao microscópio em rochas vulcânicas pode ser governada pela com-
sejam negligenciáveis. posição química do magma, em rochas plutônicas
nas quais houve a separação de cristais vale o opos-
to: a composição química da rocha total é em parte
A ACUMULAÇÃO DE CRISTAIS
o resultado dos minerais presentes e das proporções
Em câmaras magmáticas localizadas em grandes em que estão combinados.
profundidades, onde o resfriamento é lento, os
cristais podem afundar ou flutuar no líquido mag- OS XENOCRISTAIS E OS XENÓLITOS
mático, dependendo da densidade e do tamanho
que apresentam. Podem também formar depósitos Muitas rochas ígneas contêm materiais estranhos na
em que um mineral (ou mais de um) é concentrado forma de xenólitos (Figura 5.3), arrancados das pa-
de modo seletivo em horizontes específicos. Alter- redes do conduto durante a ascensão do magma ou
nativamente, um determinado tipo de cristal pode presentes em um estado desagregado como xeno-
formar núcleos de maneira mais eficiente no fun- cristais individualizados. Uma análise integral da ro-
do e nas paredes da câmara, comparado a outros cha encaixante não gerará uma representação confi-
minerais, e portanto se concentrar também de ma- ável da composição do magma encaixante, a menos
neira seletiva nesse local. A existência desses pro- que essa matéria externa tenha sido selecionada com
cessos de acumulação seletiva, que transcorrem cuidado durante a preparação da amostra. Mesmo
em diversas escalas, significa que a composição de que corpos estranhos visíveis tenham sido removi-
uma amostra de mão de uma rocha plutônica não dos, a análise sofrerá um viés causado pela troca quí-
reflete com precisão a composição do líquido mag- mica entre magma e xenólitos, sobretudo em rochas
mático de que ela cristalizou. Além disso, as acu- encaixantes plutônicas esfriadas.

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18 Rochas e Processos Ígneos

Basalto
Andesito
Andesito Dacito + riolito Este capítulo apresentou a sintaxe básica sobre a
basalto
4,0 qual se fundamenta a “linguagem” petrográfica da
Associação
shoshonítica nomenclatura de rochas ígneas. Vimos que a varia-
-K
ção composicional do magma natural retratada nas
3,0 alto análises de rochas vulcânicas coletadas em diferen-
K2O (% em massa)

ina
l cal
cal
cia tes locais é descrita essencialmente por um conti-
o
iaçã nuum. Quando linhas retas são traçadas em um dia-
2,0 soc
As grama, como o mostrado na Figura 1.4, para definir
dio-K
alin a mé o domínio de cada nome de rocha, é preciso lembrar
o ca lcialc
ciaçã que, tal qual a cerca em um campo, a posição des-
1,0 Asso
sas retas é arbitrada de acordo com a conveniência
o de ilhas) e a convenção em vigor, não com base em variações
-k (toleítos de arc
Associação baixo bruscas na composição do magma. Assim como es-
50 55 60 65 sas cercas são deslocadas e as acepções de uma pa-
SiO2 (% em massa)
lavra podem variar com o tempo, também os limites
Figura 1.6 Diagrama K2O vs. SiO2 mostrando as linhas
petrográficos mudam de posição à medida que se re-
limite usadas para subdividir rochas vulcânicas asso- finam os aspectos definidores de uma nomenclatu-
ciadas à subducção. As análises exigem uma correção ra, resultado dos esforços da pesquisa sobre rochas
para base livre de voláteis (Quadro 1.3) antes da elabo- ígneas. Por exemplo, as linhas limite mostradas na
ração do gráfico. As linhas limite mostradas são aquelas Figura 1.6 têm posições ligeiramente diferentes, de-
definidas por Le Maitre (2002), exceto a linha que separa pendendo do estudo publicado. Isso ressalta o cará-
a associação shoshonítica, elaborada por Peccerillo e ter arbitrário das linhas limite mostradas na Figura
Taylor (1976). 1.4 sem afetar sua validade.
Por outro lado, a ampla divisão de basaltos e dos
produtos de seu fracionamento nos domínios alca-
dacitos associados à subducção são muitas vezes lino e subalcalino mostrada na Figura 1.5 represen-
atribuídos às séries magmáticas baixo-K, médio-K ta um limite petrológico fundamental que dirige o
e alto-K. Essas divisões não são válidas para rochas curso da evolução do líquido magmático, conforme
vulcânicas do interior de placas tectônicas ou em discutido em detalhe no Capítulo 9.
margens divergentes. Expressões como “de granulação fina”, “mela-
Os demais exemplos de como os qualificadores nocrático” e “ultrabásico” são respaldadas por uma
geoquímicos são utilizados para refinar a nomencla- variedade de observações quantitativas e qualitati-
tura de rochas são discutidos nos capítulos seguintes vas de uma rocha.
(ver, por exemplo, as Figuras 6.8b e c, 8.14, 8.19, 9.8.1 Para esclarecer os princípios básicos de uma no-
e 9.24). menclatura de rochas ígneas, os minerais presentes
em uma rocha ígnea são separados (neste livro) em
quatro categorias conceituais: os mineirais essen-
REVISÃO ciais (as quais determinam o nome raiz da rocha,
como na Tabela 1.1), os minerais qualificadores, os
O estudo de rochas ígneas tem muito em comum
acessórios e os pós-magmáticos. Essa classificação é
com o aprendizado de um novo idioma. O sucesso
um mero artifício que permite codificar, ou colocar
depende de três aspectos essenciais:
em termos explícitos, uma abordagem que todo pe-
• O vocabulário – aprender um conjunto de pa- trólogo utiliza tacitamente na concepção de nomes
lavras novas, tanto substantivos (os nomes das para rochas ígneas.
rochas) quanto adjetivos (os qualificadores textu-
rais, mineralógicos e geoquímicos).
EXERCÍCIOS
• A gramática – aprender as regras, as convenções
e a estrutura (tal como definidas em Le Maitre, 1.1 Uma lâmina delgada de uma rocha ígnea con-
2002, por exemplo) em que essas descrições pre- tém fenocristais cujo tamanho varia entre 2
cisas se apoiam. e 6 mm, e uma matriz composta por cristais
• Muita prática, que permite ao estudante con- menores do que 0,05 mm. Essa rocha deve ser
quistar a confiança e a fluência de que precisa, classificada como apresentando granulação
gradativamente (ver os exercícios abaixo). fina, média ou grossa?

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Capítulo 1 Introdução aos Magmas e às Rochas Magmáticas 19

1.2 Uma amostra de rocha de granulação grossa 1.4 Utilizando a Tabela 1.1, encontre os nomes
consiste em 40% de augita (SiO2 51,3%), 55% de adequados de rocha (nomes raiz e os quali-
enstatita (SiO2 50,9%) e 5% de plagioclásio (SiO2 ficadores necessários) para rochas ígneas de
55,1%). Quais dos adjetivos abaixo podem ser granulação fina compostas pelos seguintes
utilizados para descrever essa rocha? (a) ultra- minerais:
básica, (b) ultramáfica, (c) melanocrática ou (d) (i) feldspato alcalino + baixo teor de plagio-
holomelanocrática? Justifique sua escolha. clásio sódico + baixo teor de biotita;
1.3 Determine os nomes apropriados para rochas (ii) plagioclásio cálcico + augita + nefelina
vulcânicas que apresentam as composições (>10%);
apresentadas na tabela abaixo (dadas em base
(iii) plagioclásio cálcico + feldspato alcalino
livre de voláteis):
(em teores aproximadamente iguais) +
baixo teor de quartzo;
A B C (iv) nefelina + augita + baixo teor de olivina;
SiO2 48,30 56,29 55,59 (v) plagioclásio sódico + hornblenda (sem
quartzo).
TiO2 1,94 0,95 0,54
Al2O3 14,32 16,97 18,44
∑Fe2O3 10,45 8,09 8,09
MnO 0,15 0,13 0,27
MgO 10,00 3,83 0,57
Cao 9,50 8,02 2,64
Na2O 3,20 2,52 7,96
K2O 1,05 2,80 5,57
P2O5 0,39 0,40 0,33

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