Alegoria e ironia: o deboche do Cinema Marginal diante da modernização conservadora
Introdução
O cinema marginal insere-se no contexto de radicalizações políticas e culturais
relacionadas aos anos finais da década de 1960. Passado o choque do golpe civil-militar, que impunha uma forte derrota aos anseios dos setores de esquerda em torno das reformas de base propagadas por João Goulart, artistas e intelectuais progressistas viam- se em meio a um impasse: radicalizar as propostas de revolução ou procurar formas de ação mais adequadas à nova ordem política? As respostas foram variadas. O Cinema Novo, importante porta-voz das utopias de transformação social no período pré-64, entrou, após a tomada do poder político pelos militares, em uma fase de autocrítica. O papel do intelectual de esquerda na sociedade motivou reflexões em filmes como O Desafio (1965), de Paulo César Saraceni, e Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha. As certezas revolucionárias da primeira fase desse cinema de esquerda, “quando o movimento da história em escala mundial parecia eleger como epicentro de transformação o chamado Terceiro Mundo” (XAVIER, 2012, p. 29), deram espaço, então, às incertezas naquele momento de crise e mal-estar social. Por outro lado, a partir de 1967 emergem no campo artístico novas formas e abordagens de temas ligados àquela conjuntura, como a modernização conservadora, o autoritarismo e a busca de uma cultura genuinamente nacional. A Tropicália e o Cinema Marginal são os principais exemplos dessa nova arte que, apelando a uma estética agressiva, marcada pela ironia, distanciava-se das concepções de Brasil construídas pelo governo ditatorial e pelas esquerdas tradicionais.