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Psiquiatria Sumário
UMA PUBLICAÇÃO DO Departamento de Saúde
Mental da Faculdade de Medicina da UFMG e da Editorial ..................................................................................................1
Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas
Gerais – AAP-MG, Federada da Associação Auto-relatos
Brasileira de Psiquiatria - ABP
Fé e vida sem vida até ...............................................................................3
Conselho Editorial Nasci e morri louco...................................................................................6
André Lúcio Pinto Coelho Stroppa (Residência UFJF strop-
pa@medician.ufjf.br) • Carlos Eduardo Leal Vidal
(Residência Barbacena – FHEMIG celv@uol.com.br) • Artigos Originais
Cláudio Costa (Residência Centro Psicopedagógico –
FHEMIG clcosta@uai.com.br) • Guilherme Gregório Sintomas psiquiátricos na doença de Parkinson avançada .....................9
(Residência UFU ggregório@ufu.br) • Hélio Lauar Antonio L. Teixeira-Jr, João V. Salgado
(Residência Instituto Raul Soares – FHEMIG
lauar2000@uol.com.br) • Humberto Campolina França Jr. Abuso de substância psicoativa: relato de três casos...............................12
(Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas Gerais – José Antônio Zago, Sérgio Augusto Monteiro dos Santos, José Carlos Salzani
AAP-MG hcampolina@globo.com) • Maria Cristina de
Oliveira Contigli (Associação Mineira de Psiquiatria – Um caso de dependência alcoólica e suas possíveis relações com o
AMP amp@psiquiatriamg.org) • Maurício Viotti Daker
(Residência UFMG e AAP-MG, Coordenador do Conselho trabalho: um estudo de psicopatologia do trabalho................................16
Editorial daker@medicina.ufmg.br) • Paulo José Teixeira Lílian Erichsen Nassif
(Residência IPSEMG teixeirapaulo@uol.com.br)
Um caso clínico de esquizofrenia paranóide e possíveis implicações
Comissão Editorial com o trabalho...........................................................................................22
Alexandre Lins Keusen • Alfred Kraus • Antônio Márcio Mauro Nogueira Cardoso, Rafael Alvarenga Cosenza, Ricardo Argemiro Franco,
Ribeiro Teixeira • Betty Liseta Marx de Castro Pires •
Carlos Roberto Hojaij • Carol Sonenreich • Cassio Ada Ávila Assunção
Machado de Campos Bottino • Cleto Brasileiro Pontes •
Delcir Antônio da Costa • Eduardo Antônio de Queiroz • Parafrenia fantástica é esquizofrenia?........................................................27
Eduardo Iacoponi • Erikson Felipe Furtado • Fábio Lopes João Vinícius Salgado, Antônio Lúcio Teixeira-Jr., Ronan Rodrigues Rêgo
Rocha • Flávio Kapczinski • Francisco Alonso-Fernández •
Francisco Baptista Assumpção Jr. • Francisco Lotufo Neto Reação esquizofrênica em paciente indígena.............................................30
• Hamilton Miguel Grabowski • Hélio Durães de Alkmin • Maximiliano Loiola Ponte de Souza
Helio Elkis • Henrique Schützer Del Nero • Irismar Reis de
Oliveira • Jarbas Moacir Portela • Jerson Laks • John Transtornos alimentares em discussão multidisciplinar ............................33
Christian Gillin • Jorge Paprocki • José Alberto Del Porto • José Carlos Souza, Paulo André Machado Borges, Rosângela dos Santos Ferreira,
José Carlos Rosa Pires de Souza • José Raimundo da Silva et al.
Lippi • Luis Guilherme Streb • Luiz Alberto Bechelli
Hetem • Michael Schmidt-Degenhard • Marco Antônio Transtorno de conduta hipercinética: diagnóstico, abordagem
Marcolin • Maria Elizabeth Uchôa Demichelli • Mário
Renato Villefort de Bessa • Mário Rodrigues Louzã Neto • ludoterápica e conduta terapêutica abrangente ........................................38
Miguel Chalub • Miguel Roberto Jorge • Olavo Pinto • Marcelo Calcagno Reinhardt, Ceres Leonor Tavares Guedes
Osvaldo Pereira de Almeida • Othon Coelho Bastos Filho •
Paulo Dalgalarrondo • Paulo Mattos • Pedro Antônio Sessão Especial de Casos Clínicos
Schmidt do Prado Lima • Pedro Gabriel Delgado • Ricardo
Alberto Moreno • Roberto Piedade • Ronaldo Simões XX Congresso Brasileiro de Psiquiatria ....................................................45
Coelho • Sérgio Paulo Rigonatti • Saulo Castel • Sylvio de Coordenação: Hélio Elkis, Maurício Viotti Daker
Magalhães Velloso • Talvane Martins de Moraes • Tatiana
Tscherbakowsky de Guimarães Mourão
Casos Literários
Diretor Executivo
Amadeu Roselli-Cruz
Natal, mais uma vez ..................................................................................89
Editora Centenário de Pedro Nava e a Psiquiatria...............................................89
Cooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda (Coopmed)
Doncovim, Proncovô, Oncotô .................................................................91
Capa, projeto gráfico, composição eletrônica e produção
Folium Comunicação Ltda
Caso Histórico
Periodicidade: semestral
Um caso de hebefrenia descrito por Hecker ...........................................92
Tiragem: 5.000 exemplares
La circunstancia de que haya una revista de psiquiatría al The existence of a psychiatric journal with a reserved space
menos con un espacio reservado para la exposición de casos clíni- for clinical cases fulfils me with joy and proud. The feeling of joy
cos es un dato que me llena de júbilo y orgullo. Siento júbilo por- is because nowadays the publications have imposed too much
que en estos tiempos se ha impuesto en las revistas un modo de scientificism. The scientificism is disguised with statistical elabo-
publicación que con demasiada frecuencia incurre en el cientifis- ration that contains in more than 50% of the cases some kind of
mo. Se trata de un cientifismo enmascarado con una elaboración error. The dedication direct and prompt to the exam has been pos-
estadística, que contiene en más del 50% de las veces algún error
tponed and the assistance to the patient hic et nunc (here and
de cierto relieve. Se viene postergando la dedicación directa e
now) constitutes the usual procedure of the traditional clinical
inmediata al examen y la asistencia del enfermo hic et nunc (aquí
sessions. We cannot forget a popular saying “there are three types
y ahora) constituyen la pauta habitual de las sesiones clínicas tra-
dicionales, de las sesiones clínicas de siempre. No olvidemos por of truth: the absolute truth, the relative truth and the statistical
otra parte el dicho que se ha hecho popular de que "hay tres tipos truth”.
de verdades: las verdades absolutas, las verdades relativas, y las The psychiatric practice exemplified through individual case
verdades estadísticas". studies continues to be an essential formative and experiential
La ejemplificación de la práctica psiquiátrica a través del estu- component, even though very much delayed. There are psychia-
dio del caso individual continua siendo una pauta formativa y trists with “clinical eye” and psychiatrists with difficulties to
experiencial imprescindible, aunque demasiado postergada. Hay conduct the patient. The insight that we call “clinical eye” is
psiquiatras con "ojo clínico" y psiquiatras con dificultades para based more in previous similar cases than in theoretical knowled-
orientarse hacia el enfermo. Esta perspicacia que llamamos "ojo ge. Thus, the best of the formative is concentrated in psychiatric
clínico" se basa más en la evocación de otros enfermos análogos practice with theoretical knowledge. The dissociation between
vistos con anterioridad que en la actualización de conocimientos
practice and theory leads us to undesirable extremes: the unfoun-
teóricos. Desde luego, el respeto formativo máximo se concentra
ded speculation and the practionaire. The publication of clinical
en la práctica psiquiátrica con fundamento teórico. La escisión
cases will help us to avoid both extremes.
entre práctica y teoría nos lleva a dos polos indeseables: la especu-
lación gratuita y la practiconería. La publicación de casos clínicos As a psychiatric professor I have always adopted at least one
nos va a ayudar a salvar ambos extremos. clinical session per week, in which a patient is examined. This is
Como profesor de psiquiatría he celebrado siempre por siste- followed by discussion and a final conclusion in form of diagno-
ma al menos una sesión clínica a la semana, en la que se exponía sis and treatment. The clinical diagnosis is not a mere label nor
un enfermo y a continuación se establecía un debate, y al final una the patient is framed according to the book-catalogues such as
conclusión en forma del diagnóstico y el tratamiento. El diagnós- DSM and ICD (consultation books but not clinical).
tico clínico no es una mera etiqueta, pero tampoco es encasillar con The clinical diagnosis in the sessions under my supervision
"pista de detective" al enfermo en los libros-catálogo tipo los DSM was divided into the following: psychopathological diagnosis,
y los ICD (libros de consulta, pero no clínicos). syndromic, etiological, personality, somatic/biological, social and
El diagnóstico clínico en las sesiones por mí dirigidas se divi- as colophone, the nosologic diagnosis. It is always recommen-
día en los siguientes juicios: diagnóstico psicopatológico, sindró-
ded to start from the psychopathology, data avoided in the men-
mico, etiológico, de personalidad, somático/biológico, social, y
tioned books, when psychopathology continues to be the ground
como colofón, el diagnóstico nosológico. Siempre es recomendable
partir de la psicopatología, dato soslayado en los libros antes men- of psychiatry. However, to reach the true psychopathology it is
cionados, cuando la psicopatología sigue siendo el fundamento de necessary to master the phenomenological method, in one of its
la psiquiatría. Pero para llegar a la verdadera psicopatología se variants mainly the comprehensive phenomenology and the
precisa manejar el método fenómenológico, en algunas de sus structural phenomenology (see my book Basis of Current
variantes, sobre todo estas dos: la fenomenología comprensiva y la Psychiatry).
fenomenología estructural (véase mi libro Fundamentos de la As I said at the beginning, I also feel proud, and this is due
Psiquiatría actual). to the fact that one of the advanced publications in this aspect is
Como decía al principio también siento orgullo, y ello se debe from Brazil, people who I admire very much, besides it is run by
a que una de las revistas adelantadas en este aspecto sea del Brasil, psychiatrists to whom I am attached firmly with affection and
pueblo al que estimo muchísimo, y además estar dirigida por psi- friendship.
quiatras con los que me une un sólido vínculo de afecto y amistad. One final remark: please, avoid the confusion of misinterpre-
Una advertencia final: por favor, no se dejen llevar por la con-
ting classification and diagnosis. Classification is a theoretical
fusión de tomar como sinónimos clasificar y diagnosticar. La cla-
task magnificently performed by Linnaeus and his disciples.
sificación es una tarea teórica magnificamente realizada por
Linneo y sus discipulos. En cambio, el diagnóstico, debidamente Conversely, diagnosis, duly structured and accompanied by a
estructurado, y acompañado de una impresión pronóstica y una prognostic impression and a therapeutic orientation, constitutes
orientación terapéutica, constituye la tarea fundamental del clíni- the principal task of the clinician who knows how to perceive, to
co que sabe entender, comprender y ayudar a sus enfermos. understand and to support his patients.
Prezado Editor, bom dia e PAZ PLENA. meus escolhidos está o Padre Z.A.X., para o qual já escrevi qua-
tro cartas, expondo minhas teses bíblicas ou teológicas, como:
Estou enviando-lhe cópia de uma das minhas cartas, que é a 1) "Deus não Perdoa Nunca".
segunda para o teólogo Leonardo Boff, onde comento trechos de 2) "O Tentador de Jesus é o mesmo Espírito, que Moisés consi-
um dos livros dele e conto uma fantástica experiência que vivi no derou como Deus: Iahweh".
dia 2/2/1991, quando tive uma parada de coração por 15, 30 3) "A carta Joanina", que foi baseada no Evangelho Segundo São
horas. Durante essa experiência, tomei banho, dirigi carro, ali- João Evangelista".
mentei com alimentos líquidos e não consegui comer as refeições 4) "O Deus imperfeito da Bíblia ou o incompleto (ou errado)
normais. ensino sobre a Bíblia".
Estou à disposição para fazer outros esclarecimentos que o 5) "As comunicações bíblicas entre os planos visível e invisível".
senhor julgar necessários. Recebi respostas das duas primeiras cartas em dois cartões,
Paz Plena para todos no Planeta Terra. mas da terceira e quarta, escritas em 21/7/1993 e 2/1/1994, até
O amigo, hoje só o silêncio veio como reposta. Apesar de todo o silêncio e
Paulo B. Linhares de todas as portas fechadas, continuo escrevendo, pois tenho
plena certeza que escrevo para muitos no presente e no futuro,
Leonardo Boff, que o amor e a luz de Jesus possam envolver por isso tiro cópias de tudo e depois vou divulgando para outras
a todos nós, que a humildade, sabedoria e intuição de São pessoas. Essa é a minha responsabilidade, não posso ser omisso e
Francisco de Assis venham em nosso auxílio e assim possamos infiel a Deus-Pai-Mãe, que confiou e confia muito em mim. Dele
é que recebi essa missão.
encontrar, compreender e divulgar a Verdade, que liberta e paci-
A razão dessa carta é porque fui interrogado sobre o seu
fica o nosso espírito.
livro: "Brasa sob Cinzas", que foi lançado em Belo Horizonte no
Essa é a segunda carta que lhe envio, pois a primeira foi escri-
dia 16/4/1997. Depois, a mesma pessoa mostrou-me o livro e leu
ta em 12/2/1990 e nem sei se chegou ao seu conhecimento, pois
um pouco para mim dos capítulos I e II, que me espantou e até
até hoje não recebi resposta. Quando comentei com outras pes-
chocou. Enquanto ouvia a leitura, decidi comprar e ler o livro,
soas sobre a primeira carta, que ainda estava sem resposta, recebi
como também escrever-lhe. Mesmo que não venha a me respon-
o seguinte comentário:
der, mas tinha que pôr em prática a intuição recebida: "Deus
-"O Frei Leonardo Boff é muito ocupado e muito importan-
escreve certo em linhas tortas, mas não foi Deus que fez as
te para ler tudo o que lhe é enviado. Quase tudo passa ao crivo linhas tortas".
de uma secretária e ela decide se ele deve ou não tomar conheci- Com referência a Verônica, digo que você viu apenas o efei-
mento do assunto". to, mas para tudo temos que buscar a causa. Não podemos ver na
Atualmente sou um pesquisador teológico independente e observação da jovem algo sem causa. A doença dela não foi fruto
estudo a "Bíblia Sagrada" sem nenhum compromisso com esta ou do acaso ou uma falha na perfeita criação de Deus-Pai-Mãe, o
aquela doutrina, ou mesmo preconceito desta ou daquela doutri- pleno de AMOR E PERFEIÇÃO. O acaso não existe, para tudo
na. O meu compromisso é com DEUS-PAI-MÃE e com a VER- temos que buscar uma explicação, compreensão e entendimento
DADE. Por isso cheguei a conclusões muito interessantes, que do porquê e não lamentar o efeito. A justiça invisível é perfeita e
deveriam ser analisadas por especialistas em exegese, que tenham justiça é sempre cega, como também cobra até ao último centavo.
suas mentes abertas e "coragem para pensar no já pensado". Já a comparação do caso de Verônica, a jovem que morreu de
Com esse objetivo, já escrevi para muitos teólogos, membros leucemia e "virgem sem se sentir virgem", com a triste história
da Hierarquia da Igreja Católica Apostólica Romana, mas esses bíblica de Jefté e sua filha, julguei-a muito infeliz. Decepcionei-
homens estão muito ocupados com seus trabalhos, "quase profis- me muito mesmo com a sua atitude, pois você não condenou o
sionais" e não têm tempo de "buscar a ovelha perdida"; ou pos- nefando e vil voto e sua realização, mas justificou o choro das
suem um severo compromisso com o "direito canônico", por isso amigas da inocente jovem "porque ela não experimentou o êxta-
respondem-me com o silêncio, ou ainda considerando-me um se e o amor fecundo de um homem" (Vide Juízes, 11).
herege do século XX. Esquecem que "DEUS" é onipotente e Para mim, você perdeu uma ótima ocasião para condenar o
livremente escolhe os seus enviados ou mensageiros. Entre os bárbaro erro e crime do guerreiro Jefté, que cumpriu o vil voto
*. O autor, de nome fictício, publicou auto-relato “Revelações” em Casos Clin Psiquit 1999; 1(1):3-11, discutido por Helio Elkis.
feito a um tirano invisível e nunca a Deus-Pai-Mãe-Amor. Se um tem que perdoar. Quem defende qualquer tipo de pecado, como
ato como aquele fosse realizado hoje seria crime perante a socie- ofensa a Deus, é um ignorante da sabedoria, perfeição e onisciên-
dade e perante Deus, então na antigüidade também deveria ser: cia de Deus.
quem evoluiu foram os homens e não Deus! Ou será que Deus Também o conceito do "Inferno Eterno" para aqueles que
também se aperfeiçoou? Para mim é mais outra grande ignorân- ofenderam e ofendem a Deus é um grande e grave erro filósofo
cia e os teólogos se calam perante o povo!!! dos teólogos católicos e protestantes, que no fundo são mais bito-
Existem muitos acontecimento bíblicos, que hoje seriam lados ainda, pois acreditam plenamente que tudo que está na
considerados como atos de "magia negra". Se hoje são, ontem Bíblia vem de Deus. Mas muitas coisas bíblicas vêm dos homens
também o eram. Não podemos nunca pensar que Deus-Pai-Mãe- e de "falsos deuses", que defendiam e ainda defendem seus terri-
Amor pôde aprovar atos de magia negra, como expus na quarta tórios conquistados; isto é: aqueles que os temem e adoram
carta para o Padre Z.A.X. cegamente.
No caso do seu encontro e diálogo, após o batizado, do capítulo Nós temos que perdoar, quando sentimos a ofensa e pedir
II, fiquei perplexo com sua meditação e vergonha de você perdão a quem ofendemos. Quem é beneficiado, perante as leis
mesmo. Aquele ato, ao qual você refere, nunca seria a expressão evolutivas, é aquele que perdoa, e não quem recebe o perdão, já
de um amor maior. Para mim, você faria um ato de muito amor que foi este que causou a ofensa. Quem ofende agride a Lei evo-
mesmo, se voltasse lá e a tratasse como uma pessoa digna de ouvir lutiva e Lei é sempre lei e é cega.
de sua boca o que Jesus nos ensinou a ensinar e amá-la como É um erro e muito orgulho nosso pensar que temos capaci-
Jesus nos ensinou a amar. Dizer para ela o que Jesus disse para a dade de ofender a plenitude da perfeição divina ou a presença
mulher adúltera (Jo 8,2 a 11) e para defender Maria, que derra- onisciente de Deus entre nós.
mou em seus pés nardo puro, ungindo-o (Jo 12,1 a 8). Em "A terra dos justos e dos bons", podemos ver a constan-
Nos dias de hoje, se confundem muito o ato sexual como te busca do paraíso perdido. Ensinar que este encontro só acon-
uma prova de amor e entrega, mas só o ato sexual coloca o ser tece com a morte física do corpo é ainda uma decepcionante fór-
humano num nível inferior aos animais irracionais, pois estes pro- mula de nos ensinar a beleza da vida, da libertação e da ressurrei-
curam e fazem o acasalamento só na época do cio para a repro- ção. Jesus mesmo já nos ensinou: "Conhecereis a Verdade e a
dução, não existindo amor e fidelidade plenos. Já o ser humano Verdade vos libertará" (Jo 8,32) e "Eu vim para que tenham vida
se guarda para aquele ou aquela, que juntos irão viver a beleza da e vida em abundância" (Jo 10,10), também: "O Reino de Deus
entrega de si mesmo em completa fidelidade. Só haverá a pleni- está dentro de vós". Temos que viver o "céu" já aqui na terra
tude do amor físico e da paz na terra quando existir fidelidade, mesmo. Céu não é um lugar, mas um "estado de espírito".
amor e entrega dos dois lados. Não havendo fidelidade plena, No capítulo XII: "Abraçar árvores", gostei de ler o relato de
existe o adultério, assim nos ensinou o mestre Jesus, ou o que está sua experiência e vivência com uma árvore. Mas é preciso ter
escrito é falso? Muitos confundem o amor com a infidelidade e muito cuidado para não cairmos no "monismo ou mesmo no pan-
traição, e a liberdade como a libertinagem!!! teismo", conceitos filosóficos contrários ao "dualismo". Quando
A nossa educação de católicos não nos preparou e nem prepara nos sentimos como árvores, como a natureza ou deixamos de ser
para a libertação e a vitória pela morte; isto é: a ressurreição, após nós mesmos e a natureza deixa de ser a natureza, temos um retro-
uma vida digna, honesta e pura, mesmo que seja em condições cesso com a negação do dualismo. Não existindo a dualidade,
indignas. O que vale, espiritualmente falando, é aquilo que as tra- então é o mesmo que defender o nosso fim, pois sempre quando
ças ou a ferrugem não consomem. um ser inferior se aproxima do (ou soma com o) superior, aquele
Do capítulo VIII: "A lata de lixo que Deus não tem", faço os pode desaparecer na imensidão deste. É como o sumiço dos rios
seguintes comentários: de água doce na vastidão das águas salgadas dos mares,
- "Deus não é família, mas utiliza da família para a evolução quase infinitos.
de sua obra e assim, pois, possamos vivenciar o seu grande amor, Tenho uma forte coincidência com o achado de Nag
já que participamos intensamente da evolução de sua obra criada Hammadi, pois foram 45 textos descobertos em 1945 e nasci em
e com muito amor, sendo nós mesmos os responsáveis por nossa 1945. Como para tudo existem planos e o dedo de Deus dirige
evolução (salvação). A trindade ensinada sobre Deus-Pai-Mãe foi tudo, respeitando plenamente a liberdade de todos, então a coin-
e é uma imensa gafe, como também um grande sofisma, que a cidência foi planejada. Em 1945, também, ocorreu o término da
ortodoxia buscou nos ensinamentos do Egito e Oriente (Índia) e 2ª grande guerra européia, asiática e africana, pois não houve
nos fez engolir algo como o "Mistério da Santíssima Trindade": batalhas na América.
um dogma e mistério, que nos foi imposto. Quem evolui somos nós, os seres humanos. Na hora certa,
Só existe "mistério" por causa da ignorância e orgulho dos que só o Pai sabe, Deus-Pai-Mãe intervém e vai se revelando à
sábios e "dogma" é a fórmula encontrada por aquele (ou aqueles) medida que aparece alguém que pode receber, entender e divul-
que mandavam ou mandam e sabem menos, impor a vontade gar a revelação do próprio "Espírito Incriado", que é Deus-Pai-
dele, já que quem discordava era considerado como um exco- Mãe. Esse alguém tem que ter coragem para enfrentar as estrutu-
mungado ou herege. Tivemos que calar perante muitos pseudo- ras organizadas, que só aceitam aquilo que está de acordo com
dogmas impostos como a verdade pura e cristalina. Como já disse elas ou com o interesse de seus dirigentes. Jesus foi crucificado
que: "Deus não Perdoa Nunca" e isso ocorre porque Deus-Pai- por causa disso. Quem escolhe os representantes de Deus na terra
Mãe é tão sábio, amoroso, bom, humilde, compreensivo e liberal é o próprio Deus e não as estruturas humanas, que foram e são
que nunca foi ofendido. Como Deus nunca foi ofendido, nada orientadas para só receberem aquilo que querem receber como
Prates, senti o meu coração dar um forte pulo dentro do meu libertador, mas ele não sabia quem eu realmente era e quem era e
peito, como se fosse dada uma bombada muito forte dentro de é o meu protetor. Eu estava trabalhando mentalmente para o fim
um balão vazio e depois voltou à plena calmaria. Contei à minha da "Guerra do Golfo" e agia contra os objetivos dele. Ele queria
esposa e ela perguntou-me se precisava parar o carro, disse que a vitória do Iraque e eu, mentalmente, forçava a retirada das tro-
não e que tudo estava sob controle. Os pulos foram repetindo e pas iraquianas do Kuweit, por forçar mentalmente uma decisão
diminuindo o intervalo de tempo entre eles, até que voltou tudo do líder iraquiano, Saddam Hussein, em abandonar o Kuweit.
ao normal, após uns seis a sete minutos". O "Velho Jó" me orienta para trabalhar para a "PAZ
Depois vim a saber que tudo que aconteceu comigo no dia PLENA" em todo o Planeta Terra e em qualquer situação. Aqui
2/2/1991 foi um terrível ataque de alguém (um espírito), que que- está a principal razão dessa carta: PAZ PLENA para todos.
ria me enganar e derrotar, como ocorreu na luta de Jacó com um Um abraço de quem é dirigido pelos poderes de São Francisco de
anjo (um espírito, que agia contra o Patriarca Jacó) e também no Assis e de São João Evangelista, como João Batista "caminhou
"drama do Getsâmani com Jesus". O objetivo desse espírito era com o espírito e poder de Elias..." (Lc 1,17).
me retirar do plano físico pela desencarnação, pois eu estava atra- Desejo-lhe muita paz, luz e liberdade...
palhando os planos dele e ainda desejava aparecer como o meu Paulo B. Linhares
N.C.T.* Depois de três a sete dias que ocorre um motivo para a depres-
são, vou sentindo lentamente que ela está chegando e vou per-
De repente surge uma sensação gostosa e incontrolável. E eu, dendo as energias e me entregando a ela. Interessante que o meu
a partir deste momento, não comando mais o meu senso crítico, médico psiquiatra atual já identificou por duas vezes que eu esta-
as regras da sociedade ou as leis não existem, e começa o surto ou va em depressão, mas que foi considerada normal e não patológi-
a fase da crise “maníaca” da doença identificada como ca. Tinha realmente motivos fortes para estar em depressão.
Transtorno Bipolar. Na maioria das situações, existiu um motivo Nos últimos anos tive a oportunidade de conhecer algumas
para que eu tivesse agido daquela forma, em outras, não. pessoas portadoras do Transtorno Afetivo Bipolar. E a conclusão
É como se “algo” me dominasse e fizesse com que eu agisse
a que cheguei é que, apesar do diagnóstico ser o mesmo, cada
daquela forma, sem raciocinar ou avaliar em conseqüências pre-
caso é um caso. Alguns têm tendência a ter crises de mania,
sentes ou futuras. É como um arrepio enorme, e uma força inte-
outros de depressão, outros podem intercalar ou misturar essas
rior que me domina e me impulsiona a agir através do meu corpo,
crises. O período das crises também pode variar muito. Existem
apesar de eu, muitas vezes, não concordar com o que estou fazen-
do. Mas a partir do momento que eu começo, não consigo, de casos de pacientes que já ficaram até 15 anos sem a manifestação
forma natural, parar. E vai num crescendo, agindo de acordo com de alguma crise, apesar de a doença não ter cura.
o momento e com as oportunidades. Estes são os meus momen- Outro aspecto importante é que essa doença é, na maioria
tos de “euforia” ou de “mania” denominados pelos médicos. dos casos, hereditária. Na minha família só conhecia a existência
O outro lado da doença, que se chama Transtorno Afetivo de um tio materno, que era esquizofrênico. Posteriormente, vim
Bipolar, é a depressão. É impressionante como estou mais vulne- a saber e descobrir que, na família do meu pai, também existiram
rável a depressões do que a maioria das pessoas. E também, quan- alguns tios e primos com problemas mentais, apesar de nunca
do ela me pega, parece que é mais profunda e mais duradoura. terem sido declarados como tal para o restante da família.
Meus comentários a propósito do auto-relato apresentado O senhor N.C.T. faz um relato didático evidenciando aspec-
nada podem dizer a respeito do relatado. Isso porque o editor da tos característicos da clínica, evolução e ônus causados pela doen-
revista de Casos Clínicos em Psiquiatria me solicitou explicita- ça bipolar. Nos primeiros parágrafos, relata a evolução da mania,
mente que os apresentasse na condição de portador de transtor- descreve seu curso autônomo e a perda progressiva da crítica e da
no mental - que sou - e sem utilizar-me de minha experiência edu- capacidade de julgar a realidade. Relata a progressão rápida do
cacional e acadêmica na matéria. Ainda que há mais de década eu episódio depressivo e aponta para possíveis sintomas residuais
atue na área de saúde mental, sendo inclusive meu mestrado e que muitas vezes passam desapercebidos para o médico. Vale a
doutorado em História e Filosofia da Educação, o primeiro, e pena ressaltar este fato já que sintomas depressivos residuais são
Filosofia da Educação, o segundo, ambos na área de saúde men- um dos principais desafios do tratamento e se correlacionam com
tal. O pedido de que eu me pronuncie apenas como portador, risco aumentado de recorrência e com a manutenção do prejuízo
feito pela Faculdade de Medicina da UFMG, representa, assim, a funcional. O caráter cíclico e recorrente da doença, o padrão
mesma estigmatização que também enfrentei junto à Faculdade individual variado dos episódios depressivos, maníacos e do
de Medicina da USP, que recusou meu pós-doutorado, apesar de intervalo livre de sintomas também é descrito.
seu Departamento de Psiquiatria o ter aceito. A diferença é que o A identificação de novos casos na família de N.C.T. é outro
estigma que me atinge vindo do Prof. Maurício Viotti é ameno e aspecto relevante e acontece com freqüência em portadores e
diluído na simpatia mineira da fala mansa, enquanto os mandões quando ele diz: “Muita tristeza, dor e sofrimento poderiam ter
da Medicina uspiana costumam ser sempre gente sisuda de cara sido evitados, se a postura e o comportamento das pessoas, inclu-
feia e sem tempo pra prosa de café com broa. Não creio que os sive o meu e principalmente o dos médicos psiquiatras e psicólo-
melhores médicos tenham preconceitos, como é o caso do Prof. gos, tivessem sido diferentes” aponta para a necessidade de inter-
Viotti e de muitos sisudos paulistas, o que sucede é que o estigma venção educacional para o paciente, sua família, seus amigos e
me persegue. Uma das principais características do estigma, demais interessados, sobre o Transtorno Bipolar. Infelizmente a
segundo ensina Erwin Goffmann, é a identificação na pessoa ape- vida do senhor N.C.T. não é muito diferente da de alguns clien-
nas de seus traços distintivos referentes às suas feridas-cicatrizes, tes bipolares, que tiveram prejuízos importantes na esfera pes-
deixando-se de se enxergar a pessoa como o todo que ela é e por soal, marital, profissional, declínio no status socioeconômico e até
todo o seu potencial. De tal sorte, pondero que se estivesse dis- problemas judiciais. Isso evidencia o ônus que o Transtorno
posto a atender às ordens de catedráticos, sejam mineiros ou pau- Bipolar pode ocasionar em função de baixa adesão ao tratamen-
listas, eu poderia comentar o texto conforme solicitado, na con- to, recorrências sucessivas ou efeito colateral de medicamentos,
dição de portador, e, neste caso, inevitavelmente estaria apresen- entre outros. Por outro lado, o senhor N.C.T. não perde a espe-
tando novo auto-relato meu. O que não é minha intenção no rança e pensa no seu futuro, relatando ainda ter muitas coisas
momento, até porque a prioridade de publicação pertence ao para fazer. Mudanças no estilo de vida e aprender a conviver com
auto-relato que recebi para análise. Não me sentiria à vontade, a doença são fatores que melhoram o prognóstico e dão esperan-
tampouco, analisando auto-relatos de pessoas que sofrem ou ça para os portadores. Novos tratamentos, como os relatados
sofreram tanto quanto sofri e por vezes volto a sofrer. Diante pelo paciente, também aumentam a chance de uma vida normal
deles, cabe-me o respeito, e não a análise. ou no mínimo com qualidade.
*Mestre em História e Filosofia da Educação - USP - Doutor em Filosofia da Educação - USP - Administrador de Empresas - FGV - E-mail:: lfbarros@hydra.com.br
**Professor do Departamento de Psiquiatria da FMUSP
Coordenador do Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) – Instituto de Psiquiatria – HC FMUSP
Além da incapacidade motora, a paciente queixava-se de sin- súbita de estado off para on da paciente, com boa capacidade de
tomas depressivos presentes há um ano, acentuados nos dois deambulação, conforme sua própria conveniência. Era capaz de
meses que antecederam a internação. Descrevia sentimentos de comer sozinha, irritando-se se insinuassem auxílio. Foi flagrada
tristeza e fadiga intensos, além de idéias recorrentes de desvalia e também consumindo medicações que trazia consigo e desprezan-
morte, enfatizando: "Estou no meu limite." Referia também a do as que lhe eram oferecidas pela enfermagem. Eventualmente,
ocorrência de episódios esporádicos de ansiedade intensa, acom- suplicava à enfermagem a administração de maior dose de levo-
panhada de taquicardia, sudorese, dispnéia e idéia de morte, dopa que a proposta na prescrição.
sobretudo quando encontrava-se sozinha. Queixava-se de solidão Diante das evidências de alternância de acinesia e de capaci-
e da precariedade do suporte familiar. dade de movimentos conforme a presença do médico-assistente e
sem associação com o uso da levodopa, e de manipulação volun-
História social tária das drogas antiparkinsonianas com recusa e/ou automedica-
ção, levantamos a hipótese diagnóstica de transtorno factício.
Aposentada desde os 37 anos de idade, morava com o filho de 16 Outro dado que corroborou essa hipótese foi a incongruência
anos. Uma empregada doméstica a auxiliava nos cuidados com a entre o relato de imobilidade praticamente contínua e o fato de
casa e, eventualmente, nos cuidados pessoais. ser relativamente autônoma no domicílio.
Optamos, então, por manter o seguinte esquema antiparkin-
História familiar: ndn soniano: levodopa/benserazida 100/25 mg de 3/3 h e tolcapone
100 mg BID, evitando efetuar novas modificações. Mantivemos
Exame clínico: A paciente mostrava-se alerta, eufásica, nor- também a nortriptilina 75 mg MID. Não confrontamos a pacien-
motenaz, orientada, com pensamento de curso normal, lógico, te com a hipótese levantada. Mostrou-se impermeável a uma
com idéias de desvalia, humor deprimido, emotiva e choro fácil. intervenção psicoterápica breve, limitando o conteúdo discursivo
O escore no miniexame do estado mental foi 28/30. Encontrava- a questões relacionadas à DP.
se restrita ao leito, com grande dificuldade para realizar movi- Após 20 dias de internação, a paciente recebeu alta hospita-
mentos voluntários com os membros, praticamente acinética. lar, com quadro motor parkinsoniano inalterado. Relatava ate-
Exibia tremores de repouso de grande amplitude, sobretudo em nuação dos sintomas depressivos, não tendo referido episódios de
dimídio esquerdo, e significativa rigidez. Discinesias não foram pânico no período de internação. Recusou acompanhamento psi-
observadas no primeiro exame. quiátrico em nível ambulatorial.
No acompanhamento após a alta hospitalar, a paciente man-
Evolução clínica teve o quadro de DP avançada estático, com discinesias significa-
tivas e flutuações clínicas. Manteve o relato de imobilidade prati-
A paciente foi submetida a extensa avaliação laboratorial que camente contínua, a despeito de ainda morar apenas com o filho
não mostrou qualquer alteração. Modificações no esquema anti- e desempenhar algumas atividades domiciliares sem ajuda.
parkinsoniano foram sendo progressivamente implementadas e o Sintomas ansiosos e depressivos persistentes, menos intensos,
antidepressivo nortriptilina foi iniciado. também foram relatados. Modificou, por conta própria, o esque-
Nos primeiros dias de internação, apresentava episódios de ma de uso da levodopa, assim como suspendeu a nortriptilina e o
choro de longa duração associados a sentimentos de angústia e tolcapone.
idéias de morte. Dizia que "não iria resistir à internação". O dis-
curso limitava-se a questionar a gravidade da doença e as perspec-
Discussão
tivas terapêuticas. Queixava-se de múltiplas dores pelo corpo.
Com o acompanhamento, os sintomas ansiosos e depressivos A paciente apresenta DP de início precoce (antes dos 40 anos
atenuaram-se. Entretanto, a despeito da otimização da terapêuti- de idade), já avançada clinicamente, com significativas complica-
ca antiparkinsoniana, a paciente mantinha inalteradas as queixas ções motoras. As discinesias observadas, capazes de dificultar a
de fadiga e de imobilidade. Mostrava ainda crescente incômodo execução de inúmeras tarefas motoras, exibiam típico padrão de
com as mudanças nos medicamentos, questionando a eficácia dos pico de dose de levodopa e não podiam ser suprimidas nos exa-
mesmos e reclamando, reiteradamente, "que não era compreen- mes clínicos, dado o caráter involuntário das mesmas. A "acine-
dida". Passamos, então, a examinar a paciente, pelo menos, qua- sia" da paciente, por outro lado, não apresentava relação com os
tro vezes ao dia, procurando observá-la em períodos on (sob pos- níveis séricos de levodopa, mas com a presença do médico-assis-
sível efeito da levodopa, portanto, após a administração da droga) tente nas avaliações. A paciente tendia ainda a superdimensionar,
e em períodos off (na ausência de efeito da levodopa). Nos exa- em seu relato, a duração e a gravidade dos períodos off. Essas
mes clínicos, independentemente do horário, a paciente sempre observações associadas ao fato da paciente manipular deliberada-
se mostrava muito lentificada, incapaz de levantar-se do leito ou mente a prescrição médica, rejeitando drogas ou automedicando-
deambular. Discinesias difusas e de moderada amplitude eram se, motivou o diagnóstico de transtorno factício.
observadas nos exames após a administração da levodopa. A primeira distinção necessária seria com simulação (ou
Entretanto, outros pacientes da enfermaria e os técnicos de enfer- malingering, do inglês). A paciente não apresentaria qualquer
magem relataram-nos que a paciente freqüentemente saía do leito benefício objetivo, seja de ordem financeira ou legal, assumindo
para ir ao banheiro ou para dirigir-se a outros setores do hospital. intencionalmente atitudes que poderiam prejudicar a si própria,
Fomos surpreendidos, em uma oportunidade, com mudança o que torna improvável a hipótese de simulação. O caráter inten-
de sobriedade. A impulsividade seria, então, o fator determinan- pode também ser considerado uma forma de dipsomania ou
te dos três casos? semelhante à dipsomania?
Vallejo Nagera6 descreve dipsomania como ingestões perió- A dipsomania é uma forma rara de alcoolismo (Kerbikov et
dicas de alcoólicos por indivíduos aparentemente normais, inte- al).11 Os dois casos de abuso de cocaína, sem evolução para a
grados na vida familiar, social e do trabalho e que não são alcoo- dependência, à semelhança da dipsomania, também são raros em
listas. Os períodos de abstinência tendem a diminuir. Essas inges- nossa casuística. Na literatura especializada, as referências sobre
tões alcoólicas ocorrem repentinamente, sem relação com estímu- dipsomania são igualmente raras e apenas descrevem esse
los ambientais, como se fosse um “ataque”. Por isso, alguns auto- tipo de transtorno.
res acreditavam que a dipsomania seria um equivalente epilépti- Qual ou quais causas determinariam o comportamento des-
co. Provas eletroencefalográficas e resultados de testes projetivos, ses pacientes para usarem abusivamente, de modo periódico, a
como o Rorschach, de pacientes com dipsomania não comprova- substância, mantendo vida normal na abstinência?
ram a hipótese da equivalência epiléptica. O autor supõe que a Parece que é difícil compreender esses casos de abuso de
etiologia da dipsomania pode ser um transtorno afetivo. substância que não evolui para a dependência apenas pela ótica
Entretanto, sua causa permanece desconhecida, nem existe orien- de adição à substância.
tação terapêutica confirmada. Também, explicações psicodinâmi- Pedinielli et al 12 questionam a CID-103 e o DSM-IV4 por
cas não são convincentes. Bons resultados, dentro do mau prog- separarem os vários transtornos de adição: os relacionados à
nóstico da dipsomania, têm sido obtidos com medicações antide- substância (alcoolismo e outras drogas), dos transtornos da ali-
pressivas, ansiolíticas ou psicoterapia. mentação (anorexia, bulimia) e dos transtornos dos impulsos
Estudo conduzido por Silveira e Jorge7 sobre comorbidade (cleptomania, jogos patológicos, comportamento de risco).
psiquiátrica em dependentes de substâncias psicoativas confir- Embora sejam entidades nosográficas diversas, para esses auto-
mam outras pesquisas de que os transtornos depressivos estão res, a questão da dependência ou da adição permite um agrupa-
mais freqüentemente associados às dependências. mento porque suas características comportamentais e psicopato-
Para Ribeiro8, é impossível afirmar de maneira definitiva lógicas são comuns.
sobre a causalidade e a casualidade de transtornos de personali- Assim, o conceito de adição compreenderia um universo
dade ou condições psiquiátricas no alcoolismo especificamente. mais abrangente do que especificamente relacionado à substância
Simon9 refere que a drogadição aguda, mesmo em indivíduos psicoativa: num primeiro círculo, as relacionadas às substâncias;
não-adictos, é resultante de uma crise adaptativa por aquisição ou num segundo, os transtornos da alimentação; e, num terceiro cír-
perda. Ou seja, diante de uma situação de sucesso ou de fracasso culo, as condutas como cleptomania, condutas de risco, gestos
o indivíduo, adicto ou não, pode partir para a ingestão abusiva de suicidas interativos, gestos repetitivos para as adições sexuais e
uma substância, como se o “remédio-droga” aliviasse a angústia, jogos patológicos.12
sentimento predominante da crise adaptativa, frente ao novo ou Esse enfoque pode abrir novas perspectivas de pesquisas
ao desconhecido. para a questão do abuso de substância que não evolui para a
Nos casos estudados, não foram detectados transtornos de dependência. Quer dizer, não vinculando essa forma de abuso
personalidade ou situação de crise adaptativa. No caso 1, que exclusivamente em relação à substância, mas na expansão do uni-
associa o abuso de alcoólicos com problemas financeiros, talvez verso das adições, ou seja, levando-se em conta, por exemplo, os
possa ser considerada uma crise adaptativa. Entretanto, no con- hábitos alimentares do paciente (o beber e o consumir drogas
tato com o paciente, esse argumento parecia mais um mecanismo aqui não poderiam ser considerados formas alteradas de alimen-
de racionalização. tação?) e os transtornos dos impulsos (comportamentos de risco,
Quanto à comorbidade psiquiátrica, o caso 2 apresenta buli- condutas semelhantes às compras compulsivas ou a esforços físi-
mia nos períodos de abstinência. Para Halmi10, não é incomum cos exagerados).
um transtorno alimentar em dependentes químicos, sendo mais A segunda, quanto à prática terapêutica.
freqüente no alcoolismo. Smukler (1984), citado por Halmi10, No ambiente protegido, esses pacientes não se identificaram
afirma que a bulimia se enquadra bem na adição. Assim, a buli- com os outros pacientes internados por dependência de substân-
mia como comorbidade da dependência de substância psicoativa cia. Por terem vida familiar, social e do trabalho preservadas nos
é também uma forma de conduta adita. Provavelmente, como períodos de abstinência, diferentemente dos casos de dependên-
maneira de substituir o uso da substância, já que a bulimia se cia, nos quais o comportamento visa, basicamente, a obter a subs-
manifestava no período de abstinência. tância com prejuízo da vida familiar, social, escolar e do trabalho,
O comportamento do caso 1 está conforme a definição de esses casos se consideravam comparativamente “não-graves” ou
Vallejo Nagera (1976, p. 327-328)6: “não-problemáticos”.
Pelo que detectamos, o caso 2 compareceu durante dois anos
“La dipsomania es un síndrome complejo en el destacan
à psicoterapia mais para cumprir uma exigência judicial do que
episodios accesionales de ingestión de alcohol en indivi-
por uma proposta de mudança pessoal. Terminado o prazo de
duos que, en realidad, no son alcohólicos o que al menos
tratamento estabelecido pela decisão judicial, automaticamente
lo son de un modo completamente distinto a todos los
deixou a terapia. Além disso, por várias vezes interrompeu por
demás”.
conta própria a medicação prescrita, isto é, não dando continui-
Na definição de dipsomania, “episodios accesionales” seria dade ao acompanhamento psiquiátrico. O caso 3, que ficou seis
sinônimo de impulsividade? O abuso de cocaína, casos 2 e 3, meses em abstinência com alprazolam e carbamazepina, também
Lílian Erichsen Nassif* escolhemos o caso de Carlos (nome fictício), vigilante noturno
lotado no Departamento de Serviços Gerais (DSG)/UFMG,
Resumo encaminhado ao SAST pelo seu chefe, em 1996, devido ao uso de
bebidas alcoólicas durante o trabalho.
A história clínica do vigilante noturno portador de um qua-
dro de dependência alcoólica é parte de uma pesquisa de cunho Dados Biográficos e a Dependência do Álcool
exploratório, cujo objetivo foi avaliar os fatores presentes na
situação de trabalho que poderiam estar associados aos quadros Carlos nasceu em 1954, sendo o segundo de quatro filhos.
de dependência de álcool dos servidores técnicos e administrati- Seus pais sempre moraram em zona rural, onde o pai trabalhava
vos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foram como lavrador. Carlos trabalhou com a família até pouco depois
realizadas entrevistas em profundidade e observações das situa- de seus 18 anos de idade, quando saiu da sua terra natal, em
ções de trabalho a partir dos pressupostos da Psicopatologia do busca de melhores condições de trabalho e de estudos. Por ter
Trabalho formulados pelo psiquiatra Louis Le Guillant, da vivido em zona rural, não teve muitas possibilidades de estudar e
Ergonomia e da Psiquiatria. Tendo em vista as condições de tra- somente ao sair da cidade natal é que iniciou o supletivo. Porém,
balho encontradas na UFMG, aliadas às características da ativida- não conseguiu concluir o ensino médio.
de desenvolvidas pelo sujeito da pesquisa e à sua história de vida, Carlos afirma ter sido muito tímido e inibido, relacionando
foi possível levantar algumas hipóteses sobre como a organização essas características à criação muito severa que teve. Segundo ele,
e as condições de trabalho na UFMG contribuem para a incidên- seu temperamento dificultava o relacionamento com as pessoas,
cia e a prevalência dos quadros de dependência química entre os principalmente na adolescência e no início da idade adulta. Por
servidores. outro lado, percebeu-se, na história de Carlos, a influência de
fatores familiares na formação de sua personalidade, particular-
Palavras-chave: História; Psicopatologia; Saúde Ocupacional; mente o alcoolismo do pai. Na localidade onde passou a infância
Dependência Alcoólica; Trabalho. e parte da adolescência, a restrição das opções de lazer, a influên-
cia dos amigos, incluindo comemorações e outras situações
Introdução sociais, tanto no âmbito do trabalho, quanto em outros contextos,
são razões identificadas por ele como propiciadoras de condições
O caso clínico aqui apresentado é parte de uma pesquisa favoráveis à ingestão de substância alcoólica.
qualitativa, de caráter exploratório (não havendo, portanto, ela- Carlos revela nunca ter tido pretensões de contrair matrimô-
boração de hipóteses a serem testadas, na medida em que, nesse nio, pois um casamento poderia “tirar-lhe a liberdade”. Contudo,
tipo de pesquisa, a intenção é buscar maiores informações sobre sua namorada engravidou e ele, aos 31 anos de idade, viu-se obri-
determinado tema), desenvolvida para fins do trabalho de mes- gado a casar, o que não era seu desejo. Continuou tendo os mes-
trado. Foram estudados cinco casos de servidores técnicos e mos costumes de quando era solteiro, o que gerava conflitos
administrativos da Universidade Federal de Minas Gerais conjugais.
(UFMG), portadores do diagnóstico de Dependência Alcoólica Quanto aos sintomas da dependência, a maior tolerância aos
(conforme CID-101 e DSM-IV2), identificados por meio dos efeitos da substância alcoólica era claramente percebida por
arquivos médico-periciais do SAST / UFMG (Serviço de Atenção Carlos pelo aumento da quantidade ingerida. A compulsão era
à Saúde do Servidor).a Concomitantemente às entrevistas clínicas identificada por meio da intenção de parar ou de diminuir o con-
com os sujeitos da amostra, formam realizadas observações in sumo de bebidas sem conseguir levar a cabo esse intento. Carlos
loco das situações concretas de trabalho. E, para se compreender também aprendeu que a ingestão de substância alcoólica aliviava
a relação com o trabalho, foi feita a escolha pela história de vida os sintomas da síndrome de abstinência. Foi possível perceber a
como estratégia de captação de informações, enfoque dado pelo diminuição dos seus interesses vitais e a restrição de suas ativida-
psiquiatra Le Guillant.3 des de lazer, familiares, etc., às situações em que havia a presença
Coerentemente, decidimos apresentar os dados obtidos por de etílicos. Ocorreram conseqüências de ordem financeira, fami-
meio de casos clínicos. Para fins de ilustração do presente artigo, liar, social e de saúde que, embora sendo claramente percebidas
a Os sujeitos foram informados sobre os objetivos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido exigido pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
b Este questionário é recomendado para avaliar a severidade da Síndrome de Dependência Alcoólica e só deve ser utilizado em casos de alcoolismo já identificados. Foi
desenvolvido na Inglaterra, em 1983, por Raistrick e Davidson e consiste em 15 questões com quatro alternativas de resposta: nunca, poucas vezes, muitas vezes e sem-
pre. Conforme a somatória de pontos alcançada, o sujeito é classificado da seguinte forma: 1 a 9 pontos, baixa dependência; 10 a 19 pontos, média dependência; 20 a 45
pontos, alta dependência.
c “Trabalhar em trecho” é o mesmo que trabalhar em obras nas estradas.
d Plano Único de Classificação e Redistribuição de Cargos e Empregos, Ministério do Trabalho, 1990.5
e Tem sido bastante estudada a influência do turno noturno fixo nos distúrbios psíquicos, na medida em que a maioria das pessoas tem suas funções orientadas para ati-
vidades diurnas, sendo a noite o horário de descanso. Também existem estudos que relacionam períodos prolongados de privação do sono com uma desorganização psíqui-
ca. A relação entre alcoolismo e o trabalho em turno noturno também já foi estabelecida, especialmente porque os trabalhadores recorrem ao álcool para se manter acorda-
dos no trabalho ou para conseguir relaxar e dormir durante o dia.
no cara e já partindo para a violência. Hoje não. Hoje, se tiver prova de bala, etc.), as responsabilidades e o risco à própria vida
que resolver qualquer tipo de ocorrência, é na base do diálogo geram situações de estresse, aumentando-lhe a tensão e o medo.
mesmo.” Além das responsabilidades descritas, a abordagem a suspei-
tos é outro risco a que está submetido o vigilante na UFMG.
Além disso, o vigilante utiliza sua capacidade de aten- Devido às suas características (amplitude, pouca iluminação,
ção/concentração, de planejamento (definição das estratégias de existência de matas, trilhas e animais perigosos, tais como cobras
abordagem), de antecipação de problemas, de memória visual e
e escorpiões), o Campus Pampulha passa a ser um local privile-
conhecimentos escolares, muitas vezes recorrendo a várias delas
giado para ser usado como esconderijo de fugitivos da polícia,
ao mesmo tempo. As dificuldades de Carlos na realização dessas
usuários e traficantes de drogas. Sobre isso, segue-se um depoi-
tarefas e o papel facilitador que o álcool exercia nessas situações
mento de Carlos:
ficam patentes no seguinte depoimento:
“As condições de trabalho na UFMG são deficientes. Você acha
“A nossa ocorrência tem que ser bem-feita e o meu português é
que eu vou correr atrás? De jeito nenhum, porque não tem con-
péssimo. Mas quando eu bebia, eu tinha mais facilidade.
Incrível! Não sei por quê, às vezes, um assunto que eu não sabia dição de entrar no meio do mato desarmado. Vai é tomar tiro
expressar, se eu tivesse tonto, ah, rapidinho eu soltava uma ocor- pela cara. E na época que eu bebia eu ia tranqüilo, entrava nessa
rência lá de todo tamanho, explicando tudo o que aconteceu lá.” mata aí de noite. A bebida dava coragem. Hoje, sem bebida não
tenho essa coragem, de jeito nenhum. Tem muitos riscos.”
A execução das tarefas reais do vigilante, algumas vezes, é
dificultada pelas condições de trabalhof,6, na medida em que exis- A autonomia é, às vezes, imprescindível ao vigilante, na
tem somente duas viaturas novas que são utilizadas no trabalho. medida em que sua atividade apresenta variações dos modos ope-
As demais têm vários anos de uso e, mesmo as novas, têm direção ratóriosg,7, comportando um leque de situações que requerem
pesada, que dificulta a tarefa, na medida em que o vigilante é rápida adaptação do trabalhador. Uma dessas variações diz res-
obrigado a realizar várias manobras para fazer a ronda entre os peito à jornada noturna de 12 horas, que pode repercutir na resis-
prédios e nas trilhas das matas, conduzindo os veículos em cami- tência física e emocional, na medida em que esse período de tra-
nhos de terra, por sobre a grama ou subindo no meio-fio para ter balho acarreta variações no ritmo sono/vigília. Mas, de 1991 a
acesso às trilhas. Isso lhe causa dores nos braços e acentua a fadi- 1996, seu turno de trabalho foi alterado, passando a ser diurno.
ga. As condições físicas dos locais em que o vigilante conduz as Ele afirma que, durante o dia, ao contrário do que supunham
viaturas, com freqüência, são ruins e/ou não são compatíveis com seus superiores, passou a beber mais, pois bebia durante o expe-
as características dessas viaturas, implicando maiores exigências diente e também à noite, por não conseguir dormir, tão acostuma-
das capacidades do vigilante. do já estava com o trabalho noturno. É importante observarmos
O cargo de vigilante também comporta relacionamento com que, só na UFMG, ele trabalhou durante sete anos ininterruptos
o público que, no caso da UFMG, é constituído por docentes, no turno da noite, seguidos de cinco anos durante o dia e, nova-
discentes e o pessoal técnico e administrativo, mas que, por ser mente, retornando para a noite, turno em que permanece há
um espaço aberto ao cidadão, recebe pessoas dos mais variados seis anos.
tipos. Essas relações entre o vigilante e os usuários podem com-
prometer a qualidade do trabalho e serem geradoras de estresse. “A gente acostuma com o horário noturno e quando está de
Para compreender isso, é preciso analisarmos tais relações à luz folga não consegue dormir. Ás vezes, quando trabalho aqui à
das responsabilidades do vigilante, da sua autonomia e da sua noite, fico mais de 24 horas sem dormir e também não costumo
capacidade de decisão. dormir mais que seis horas. Parece que quanto mais cansado e
O vigilante tem a responsabilidade “pelo serviço executado, sono a gente tem, mais difícil fica de dormir. Aí, quando eu ia
pelo material de consumo, equipamentos e material permanente beber, só chegava em casa de madrugada. Hoje, quando não fico
a sua disposição” (cf. PUCRECE5). Ou seja, é responsável pela a noite toda na televisão eu arranjo outra coisa até vir o sono.”
realização da ronda no local a ele designado, em seu turno, pela
viatura que conduz e pela maneira como exerce essas tarefas. O ritmo de trabalho também sofre variações impostas pela
Entretanto, verificamos que suas responsabilidades vão além do demanda maior ou menor de solicitações de serviços, evidencian-
que é prescrito, na medida em que lida com a segurança de pes- do o caráter de imprevisibilidade da atividade, a qual implica,
soas, inclusive a dele próprio, e do patrimônio da Instituição. naturalmente, períodos de espera. Isso demonstra que a natureza
Compreende-se que algumas características das condições de da tarefa de vigilante é aguardar o inesperado para poder agir.
trabalho, como segurança e proteção individual (armas, colete a Contudo, essa característica da atividade gera também longos
f Condições de trabalho são “... as pressões físicas, mecânicas, químicas e biológicas do posto de trabalho” (Dejours, Abdoucheli, Jayet).6 Outro importante conceito é o de
organização do trabalho: “... a divisão do trabalho: divisão de tarefas entre os operadores, repartição; cadência e, enfim o modo operatório prescrito; e por outro lado a divi-
são de homens: repartição das responsabilidades, hierarquia, comando, controle, etc.”6 Ela caracteriza-se por ser o meio pelo qual se exerce o controle sobre a atividade de
trabalho, a partir de uma configuração determinada do seu processo, considerando-se os instrumentos de trabalho, o objeto trabalhado e a atividade humana. Contudo, os
dois termos são complementares, estando o primeiro relacionado mais diretamente com o funcionamento psíquico e o segundo, com o corpo.
g Modos operatórios são os comportamentos observáveis do trabalhador em seu posto de trabalho, sua postura, gestos, comunicações gestuais ou verbais, além de ser “o
resultado de um compromisso entre os objetivos produtivos, os meios de trabalho, os resultados produzidos ou as informações disponíveis sobre estes resultados e o estado
interno dos operadores” (Telles7).
h Tradução do texto original: “La constelación definidora de la personalidad preslcoholómana es una construcción propia de los sujetos que tienen una capacidad para el
contacto interhumano insuficientemente desarollada y una intolerancia grande hacia las frustraciones, reaccionando ante ellas, sobre todo en las formas de quedar adheri-
dos al obstáculo o producir un sentimiento de culpa”.8
substitutos deles, participam ativamente na construção da perso- dormir nos dias em que não estava trabalhando, sendo mais um
nalidade básica dos alcoolistas. As famílias nas quais um dos pais motivo para recorrer à bebida. Durante os cinco anos em que
é dependente de álcool podem influenciar o desenvolvimento do esteve trabalhando no turno diurno, a ingestão da substância foi
alcoolismo nos filhos de duas formas: a) impedindo o desenvolvi- intensificada, devido à dificuldade de enfrentar as alterações do
mento de hábitos comunicativos e a tolerância às frustrações; b) ritmo biológico impostas pela mudança brusca de horário de tra-
pela vinculação dos filhos com o adulto alcoolista por laços de balho. Acrescenta-se a isso a dupla jornada de trabalho enfrenta-
identificação estruturante. Isso parece corroborar os dados da por Carlos na atividade de taxista, para complementar o baixo
encontrados. salário recebido na UFMG.
Apesar de Carlos ter iniciado o consumo de álcool na adoles- Os períodos de ociosidade durante a jornada de trabalho e os
cência, esse hábito foi intensificado mais tarde na sua vida, ou períodos de greve são relevantes para se entender o uso de álcool,
seja, após sua mudança de Ipatinga para Belo Horizonte. Viu-se na medida em que os vigilantes, nessas ocasiões, passavam o
que, nessa época, ele começou a exercer a atividade de vigilante, tempo bebendo, enquanto jogavam e cozinhavam. Além da
abdicando do seu ideal de ser caminhoneiro. Mais tarde, foi cons- ausência do trabalho, é possível observar, nessas circunstâncias, a
tatada a frustração gerada por essa escolha, quando a gravidez forte influência dos colegas de trabalho. Isso é importante de ser
precoce da parceira o fez acreditar que seu retorno a essa ativida- considerado, na medida em que Ames e Rebhun (1996)12 já se
de ficaria ainda mais difícil porque afastava-o da família que referiram à cultura organizacional como fator importante nos
começava a se formar. Ele mesmo afirmou o quanto essas eram estudos sobre alcoolismo, devendo-se levar em conta o tempo
situações que o induziam a procurar a bebida. vivido com os companheiros de trabalho, durante o expediente
Além das suas características de personalidade e das frustra- ou fora dele, quando eles bebem juntos no almoço, depois do tra-
ções sofridas ao longo da vida, também as atividades realizadas balho ou em situações sociais.
antes do ingresso na UFMG apresentaram fatores que serviram Algumas características da atividade desenvolvida por Carlos
de ressonância e anteparo aos hábitos que já trazia consigo. são geradoras de emoções como raiva, frustração, medo, tristeza,
Citam-se aqui as influências dos colegas de trabalho, a maior ou ansiedade, vergonha, etc., que, em maior ou menor grau, podem
menor permissividade ao uso de álcool (controle externo) e algu- funcionar como sinalizadores para a ingestão de bebidas, uma vez
mas características da organização do trabalho. Isso nos remete aprendido que o álcool alivia a sensação de desprazer gerada por
ao estudo realizado com coletores de lixo, no qual Santos9 consi- elas (Marlatt & Gordon13). Na impossibilidade de criar outras
derou a influência da “pressão social para beber” existente entre estratégias de enfrentamento das situações difíceis do trabalho, às
os trabalhadores, afirmando que a bebida pode facilitar os conta- vezes, em função mesmo das suas características de personalida-
tos interpessoais ou mesmo atuar como forma de reconhecimen- de, o trabalhador se apropria da bebida como instrumento de
to e de introdução desses indivíduos no círculo social. Também combate e diminuição do estresse e da ansiedade vividos no coti-
Sonenreich,10 citando Sielicka, apontou para a importante diano dessa atividade.
influência dos “camaradas de trabalho” no uso excessivo de Carlos nunca gostou da atividade de vigilante, a qual esco-
álcool na Polônia. E Edwards11 demonstra que o aumento da dis- lheu para evitar algumas outras condições de trabalho. Ser vigi-
ponibilidade de substâncias alcoólicas parece encorajar o seu lante não lhe traz satisfações ou representa um dos fatores que lhe
consumo. dariam sentido à vida (Frankl14). Na verdade, essa atividade e o
Quanto às especificidades do trabalho na UFMG, pode-se seu significado social, trazem-lhe sentimentos de vergonha e de
identificar a procura pelo álcool em decorrência dos riscos ofere- desqualificação, diminuindo sua auto-estima. No entanto, estes
cidos pelas atividades; da inadequada divisão de tarefas entre os sentimentos vêm de sua história pessoal e de vivências que ante-
trabalhadores; do relacionamento com superiores hierárquicos; cederam até mesmo suas experiências profissionais (relaciona-
do caráter punitivo de algumas normas a que estão submetidos os mento familiar, rigidez na educação, dificuldades materiais, etc.).
trabalhadores; das condições de trabalho muitas vezes precárias Assim, os aspectos que giram em torno de sua atividade profissio-
ou inadequadas às exigências do cargo, no que tange a equipa- nal (o desprezo dos usuários, as arbitrariedades da chefia, a dis-
mentos e características físicas do posto de trabalho; da ausência criminação que ele sofre pelos usuários do Campus, etc.) servem
de regras que definam critérios objetivos para a embriaguez; etc. para reativar esse sentimento, para o qual ele aprendeu a dar alí-
As políticas de Recursos Humanos da instituição, na medida em vio, principalmente, por meio do álcool.
que não oferecem um plano de carreira, salário atraente, progra- Constata-se, ainda, que as normas de controle sobre a produ-
mas de desenvolvimento, incentivos à produtividade, etc., tam- tividade e a qualidade do trabalho, sobre a assiduidade e condu-
bém parecem reforçar a continuidade do hábito de ingestão de tas dos servidores são relativamente complacentes na UFMG. Ao
bebidas alcoólicas, ao manterem a falta de perspectiva de melho- contrário do que poderia parecer, para Carlos, essas característi-
ria da qualidade de vida, a auto-estima baixa e as frustrações já cas parecem representar mais um risco para o uso da substância,
adquiridas ao longo da vida. Ou seja, em vez de propiciarem con- uma vez que mantêm frustrações já existentes, não promovem
dições mais positivas, as estratégias de Recursos Humanos repre- estímulos para o desenvolvimento profissional e, ao mesmo
sentaram uma continuidade às experiências de vida de Carlos. tempo, possibilitam acomodação reforçada pela estabilidade do
Um ponto bastante importante, neste caso, é a influência do emprego público. Esses fatos corroboram os resultados da pes-
horário noturno de trabalho no consumo de bebidas alcoólicas. quisa que resultou na tese de doutorado de Sonenreich9, em que
Viu-se como a alteração do ciclo sono/vigília, provocado por os servidores públicos foram apontados com um contingente
vários anos de trabalho noturno, acarretava-lhe dificuldades para acima de normal de alcoolistas.
Mauro Nogueira Cardoso* Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Desde o iní-
Rafael Alvarenga Cosenza* cio do contato com o caso, chamou atenção a presença no discur-
Ricardo Argemiro Franco* so da paciente de vivências no trabalho, como pode ser observa-
Ada Ávila Assunção** do nos relatos colhidos.
Adotou-se a abordagem do psiquiatra francês Le Guillant,2,3
Resumo que contribuiu para o entendimento do surgimento e do desapa-
recimento dos distúrbios mentais em várias categorias profissio-
Trata-se de um caso de esquizofrenia paranóide, no qual se nais. Os métodos de investigação do autor foram acatados e
suspeitou de possíveis relações com o trabalho, pois, durante a desenvolvidos no Brasil por Lima.3,4 As proposições de ambos os
investigação e tratamento do caso, a paciente expressava de manei- autores buscam estabelecer possíveis associações e esclarecer
ra não negligenciável os componentes do trabalho. A paciente foi sobre o peso das organizações patogênicas do trabalho no desen-
encaminhada para esclarecimento diagnóstico ao Ambulatório de cadeamento de quadros psiquiátricos. Eles atentam para a neces-
Doenças Profissionais, onde se levantou a história da paciente e se sidade de mais estudos aprofundados sobre a problemática do
procurou identificar elementos que pudessem esclarecer o peso de adoecimento mental relacionado ao trabalho.
suas atividades laborais na evolução dos sintomas. Os trabalhos do O quadro clínico e os relatos durante as consultas levaram os
psiquiatra francês Le Guillant permitiram a elaboração de uma
autores a investigar o desenrolar da doença e sua relação com o
metodologia para estabelecer possíveis associações e esclarecer
trabalho, bem como a levantar dados que pudessem fornecer
sobre o peso das organizações patogênicas do trabalho no desenca-
informações sobre uma possível personalidade pré-mórbida e de
deamento de quadros psiquiátricos. Os autores atentam para a
como esta, associada às circunstâncias patogênicas da organiza-
necessidade de mais estudos aprofundados sobre a problemática
ção do trabalho, puderam desencadear a psicose.
do adoecimento mental relacionado ao trabalho.
Pelas entrevistas, foi levantada a história de vida da paciente.
Palavras-Chave: Esquizofrenia Paranóide; Saúde Ocupacional;
Foram obtidos dados do prontuário para estudo do quadro clíni-
Trabalho. co e de sua evolução. Discussões e esclarecimentos adicionais
sobre o tema e a respeito da paciente foram colhidos com os pro-
fissionais responsáveis pelo caso, no âmbito da Psiquiatria e da
Introdução Medicina do Trabalho. Elementos da organização do trabalho em
A Esquizofrenia é definida, de acordo com o DSM-IV1, que se inseria a paciente foram extraídos de seus relatos.
como um quadro que dura por pelo menos seis meses e que
inclui, ao menos durante um mês, dois ou mais dos seguintes sin- Descrição do caso
tomas: (1) delírios, (2) alucinações, (3) discurso desorganizado,
(4) comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico, Paciente atendida no Serviço de Psiquiatria do Hospital das
(5) sintomas negativos, que incluem embotamento afetivo, alogia Clínicas da UFMG em meados de 1999. Apresentava sinais psi-
ou avolição. O subtipo paranóide é aquele no qual os seguintes quiátricos compatíveis com quadro psicótico paranóide e foi ini-
critérios são encontrados: (a) preocupação com um ou mais de ciado tratamento medicamentoso para Esquizofrenia Paranóide
um delírio ou alucinações auditivas freqüentes, e (b) nenhum dos (CID–10, F20.0).
seguintes sintomas são proeminentes: discurso desorganizado,
comportamento desorganizado ou catatônico, ou afeto embotado Identificação
ou inapropriado.
O objetivo deste trabalho consiste em definir e caracterizar Lúcia (nome fictício), 29 anos, natural de Contagem (Região
fatores estressores ocupacionais e discutir o papel deles como Metropolitana de Belo Horizonte), residente em Belo Horizonte
possíveis desencadeadores ou precipitadores de um quadro psi- com os pais desde os cinco anos de idade. Solteira, sem filhos.
quiátrico típico diagnosticado como esquizofrenia paranóide, Segundo grau completo, caixa de supermercado até recentemen-
acompanhado pelo Serviço de Psiquiatria do Hospital das te, atualmente desempregada.
a escola devido à pressão no serviço. Lúcia tinha forte suspeita de muito estressada com a avaliação, segundo relato da irmã. Esse
que as funcionárias roubavam mercadorias. Segundo a irmã, trabalho era realizado por outro funcionário anteriormente e afir-
Lúcia comentou em casa algumas vezes sobre tais suspeitas. A ma que, na época, não sabia o porquê da promoção. Acredita que
filha do dono da padaria teria descoberto tais desfalques, que, no foi escolhida para “vigiar” os outros caixas por ser uma pessoa de
entanto, não teriam resultado em retaliações para as funcionárias. confiança. Após a confirmação das suspeitas de roubo, o sistema
Não importava se estivesse gripada ou febril, ia trabalhar foi trocado. Instalou-se uma central de processamento de dados
assim mesmo: “O patrão dizia que atestado não existe”. Pediu que recebia simultaneamente as informações de todos os caixas e
demissão, mas o patrão não queria que ela se demitisse. Conta as registrava. Máquinas sofisticadas foram adquiridas para agili-
que a ameaçou com uma briga judicial, pois ela deveria pagar zar o serviço e evitar fraudes. Havia muitos comentários por parte
uma certa quantia em dinheiro caso quisesse se demitir: “Não sou dos funcionários sobre os roubos na empresa, porém ninguém
agressiva, mas por defesa me torno forte para lutar contra os sabia o que de fato estava ocorrendo.
outros”. Lúcia contou para sua irmã que esse tipo de comporta- Lúcia relata que seu caixa era o que menos dava problemas,
mento do patrão era uma forma de retaliação, visto que ela nunca em apenas duas ocasiões isso ocorreu. Uma vez teve descontados
“quisera sair” com ele e negava seus presentes, coisa que as outras de seu salário cerca de 36 reais e, em outra, cerca de 50 reais.
funcionárias não faziam. Começou a desconfiar de que quando tinha que se ausentar por
Trabalhou na padaria dos 17 aos 21 anos. Deixou o emprego pouco tempo, como para ir ao banheiro, os funcionários que a
quando o patrão decidiu vender a padaria, aproveitando o acerto substituíam sabotavam o seu numerário. Passou a contar o
que ele teria que fazer com todas as funcionárias. dinheiro disponível em caixa antes de sair e, assim, confirmou a
Conseguiu seu segundo e atual emprego por meio de uma suspeita. O substituto tinha uma relação estreita com o seu encar-
agência, como caixa de uma grande rede de supermercados: “No regado; ela suspeitou que eles dividiam os lucros. Em uma oca-
começo, tudo era novidade”. Trabalhava de segunda a sábado, no sião, questionou o substituto quanto à diferença de valores, tendo
turno da tarde. A porta do supermercado era fechada às 18h, mas sido por ele advertida de que, caso ela o denunciasse, nada muda-
só podia ir embora após o último cliente. Por isso, o término de ria e que os roubos iriam continuar, pois havia outros funcioná-
sua jornada de trabalho era em torno de 19h20 e, quando passa- rios superiores envolvidos.
va desse horário, às vezes recebia hora-extra. Pelo relato da irmã, Foi forçada a tirar férias após uma discussão com seus supe-
Lúcia saía de casa às 6h e retornava às 22h, quando não fazia um riores a respeito de uma nota de caixa que havia desaparecido.
horário no qual saía as 22h e chegava em casa por volta da meia- Segundo Lúcia, ela tinha certeza de que o valor por ela computa-
noite, dependendo da determinação da empresa. O volume de do no caixa estava correto, pois era um valor alto e ela se recor-
dinheiro que circulava em suas mãos era bem maior e enfrentou dava bem. Como seus superiores não estavam conseguindo
dificuldades para lidar com os códigos de barra. Ficou bastante encontrar a nota do caixa, acusavam-na de ter desaparecido com
temerosa, achando que não daria conta das novas exigências. o dinheiro. Quando Lúcia disse que iria ligar para o cliente para
Tinha que ter mais atenção, pois se houvesse diferença entre a que ele trouxesse a segunda via, a nota do caixa reapareceu
soma vendida e o dinheiro em caixa no final do expediente o pre- repentinamente. Quando voltou após as férias forçadas, nem seu
juízo era descontado do salário dos funcionários. Lúcia apreciou encarregado nem seus substitutos estavam mais lá. Lúcia pensa
contar com um salário fixo no final de cada mês, o que era uma que foi forçada a tirar férias para não atrapalhar uma provável
experiência nova para ela. No início, gostava do emprego, ganha- investigação. A irmã de Lúcia confirma ter ouvido história seme-
va bem, ficou satisfeita por dois anos, diz a irmã. lhante, pelo relato da própria irmã na época do ocorrido.
No emprego, ela era subordinada ao seu encarregado de Passou a sentir olhares “tortos” para ela, havia comentários
caixa, que, por sua vez, era subordinado ao diretor. Quando tinha sobre encarregado sendo pego roubando. “Era muita fofoca, era
queixas sobre a organização do trabalho, Lúcia costumava passar a 'rádio peão'.” O clima no ambiente de trabalho parecia muito
por cima da hierarquia. Reclamava que as condições de trabalho pesado. Conta que não havia acusação direta pela empresa, mas
da empresa não estavam de acordo com as normas de ergonomia que havia observação constante, vigilância severa, os funcionários
e segurança que ela havia aprendido em seu curso técnico. Relata tinham que mostrar seus pertences e roupas na entrada e na saída.
ter sido assediada pelo encarregado: “Não queria sair com “Eu prestava muita atenção e tentava não perder a concentração
homem nenhum”. Se determinado homem demonstrava interes- no caixa”. Conta que colegas de caixa e pessoas mais próximas a
se, Lúcia explicava de forma natural que não pretendia relaciona- ela passaram a ser investigadas: “Havia uma salinha de tortura, eu
mento com ele. não sabia o que se passava lá, mas era um tipo de investigação”.
Para relaxar, a paciente saía à noite com a irmã para ir a fes- Também contava que a polícia aparecia lá para levar alguns fun-
tas e boates, muitas vezes acompanhadas por outros colegas do cionários presos em camburão, e que eles nunca mais voltavam:
supermercado. Lúcia considerava o lazer um direito seu. “Não sabia se estava vivo ou se morreu”. Afirma que as pessoas
Em seu trabalho, novamente foi solicitada a exercer outras presas pela polícia provavelmente eram culpadas dos roubos, mas
atividades além de caixa. Havia suspeitas de que poderiam estar que havia a participação de diretores: “Tinha uma máfia, um
ocorrendo discrepâncias propositais nos valores contabilizados esquema de roubo com gente engravatada”. As fraudes, segundo
em cada caixa. Durante o período correspondente às suas férias, a paciente, teriam o envolvimento de dinheiro, mercadorias e
Lúcia chegou a ficar um mês responsável por contabilizar caixa notas fiscais.
por caixa e por registrar os valores anotados durante o dia. Para Sua relação com os chefes não estava boa. Passou a não con-
exercer tal função, Lúcia foi submetida a um teste, tendo ficado fiar neles. “Até então era calma, tranqüila. Aceitava tudo. Passei
Iniciou tratamento psiquiátrico a contragosto, com médicos 3. Lúcia chegou a apresentar comportamento estereotipado
indicados pela empresa. Não gostou do primeiro médico porque dentro da empresa, antes da instalação do quadro psiquiátrico
ele tinha comportamentos estranhos e sua sala era decorada com típico. Vale mencionar que na psicopatologia do trabalho é con-
objetos bizarros. Foi tratada com fluoxetina. Tinha certeza de que siderado que, usualmente, os quadros psiquiátricos típicos se ins-
o remédio lhe fazia mal. Sentia completa falta de vontade de rea- talam gradativamente, podendo eclodir de forma aguda por cer-
lizar suas tarefas diárias, mesmo as que anteriormente lhe davam tos desencadeantes diretamente relacionados ao trabalho.2
prazer. Continuava com delírios, desrealizações, do tipo sentir 4. A organização do trabalho instituída na empresa de Lúcia
que saía de seu corpo. Suspeitava que os remédios eram nocivos,
apresentava características que propiciavam o desencadeamento
porque eram manipulados em farmácias indicadas pelos psiquia-
de conflitos e ansiedade (vigilância, controle de produtividade,
tras que eram indicados pelo médico da sua empresa. Passou a
penalização por erros, etc.). Além da própria organização ineren-
desconfiar também de sua família. Pensava que sua mãe começou
a colocar remédios, primeiramente em maçãs e, depois, em todo te à função, a empresa passava por um período crítico de descon-
tipo de comida. Desejou morrer, o que abalou toda a sua família. fianças, investigações, possivelmente prisões, etc.
Lembra-se que chegou a ir a um neurologista e fazer “um exame 5. Pouca ciência e carência de informações de familiares e
cheio de fios na cabeça” (EEG), antes de trocar de psiquiatra. colegas de profissão sobre o caso.
Lúcia diz que experimentou de cinco a sete tipos de medicações, Ainda restam várias lacunas no campo de investigação das
das quais não se lembra o nome. Conta que teve momentos de possíveis relações saúde mental e trabalho. Não foi possível obter
“altos e baixos”. Ainda apresentava alucinações auditivas, delí- respaldo da literatura para se fazer uma correlação envolvendo o
rios e desrealizações: “Fui no túnel da morte”. Tinha medo de caso relatado e o trabalho da paciente. No entanto, ele reafirma
sair de casa. as questões postas por Dejours:6 “Existem transtornos mentais
Durante esse período, que durou cerca de dois anos, mante- em cuja origem está o trabalho, que apareçam unicamente em
ve-se afastada do trabalho a custa de atestados. O psiquiatra che- determinadas situações, ou seja, em relação a um trabalho concre-
gou a liberá-la por um tempo. Voltou a trabalhar por uma sema- to?” Ou então: “O trabalho contribui na aparição de transtornos
na no guarda-volumes do estabelecimento e foi demitida. Uma mentais que não são especificamente profissionais, como a esqui-
vez demitida, encerrou-se o seu convênio médico. Como a situa-
zofrenia, a histeria ou a depressão ou, pelo menos, produz crises
ção financeira de sua família não permitia pagar as consultas, seu
e episódios agudos desses transtornos cuja sintomatologia, uma
atendimento passou a ser prejudicado e ela procurou o serviço
público do Hospital das Clínicas da UFMG em meados de 1999. vez que chega a ser manifesta, é independente do trabalho?”
Discussão Summary
Médicos e demais profissionais da área de saúde freqüente- The authors report a case of paranoid schizophrenia in which
mente se deparam com queixas relacionadas ao estado psíquico possible relations to the work were raised because during the exa-
de seus pacientes. Também não é raro deparar com situações nas mination and treatment, the patient described important work
quais o trabalho é apontado como responsável por sintomas components. The patient was directed to the clinic of occupatio-
somáticos ou psicogênicos. A prática da assistência, nos seus mais nal diseases for diagnostic clarification, where her life history was
amplos aspectos, não pode se basear no princípio de que o raised and efforts were made to evaluate the role of labor activi-
paciente é um compartimento hermético, livre da influência de ties on the evolution of her symptoms. Several works by the
seus familiares, de suas experiências infantis e, principalmente, French psychiatrist Le Guillant permitted the elaboration of a
do seu trabalho, que se tornou o cerne da vida social moderna. A methodology to establish possible associations and to elucidate
questão se torna muito mais complexa quando o doente inclui the influence of pathogenic organizations in psychiatric condi-
seu trabalho na temática ou no conteúdo de seus sintomas psíqui- tions. The authors comment the need for new knowledge in
cos ou os atribui a seu trabalho. the area.
Apesar das dificuldades em se estabelecer objetivamente
uma relação de causalidade entre doença mental e trabalho, Key-Words: Paranoid Schizophrenia; Occupational Health;
alguns aspectos relevantes referentes a este caso precisam ser Work.
ressaltados.
1. Lúcia refere a ocorrência de sintomas dentro e fora da
Agradecimento
esfera profissional, mas o que realmente chama a atenção é que
seus surtos agudos ocorrem, pelo menos por duas vezes, durante Os autores agradecem a orientação de Antônio Márcio
a jornada e são precipitados pelos eventos do trabalho. Além Teixeira, Professor do Departamento de Psiquiatria e Neurologia
disso, mesmo quando seus sintomas apareciam fora do ambiente da FMUFMG.
de trabalho, o conteúdo estava a ele relacionado.
2. O levantamento da história de vida de Lúcia não indicou Referências bibliográficas
fatores da vida familiar ou afetiva suficientes que, por si, pudes-
sem ter papel preponderante no desencadeamento da doença. 1. American Psychiatric Association. Diagnostic Criteria from
Em outras palavras, o trabalho era o desencadeante de sua aflição DSM-IV. 4th ed. Washington: American Psychiatric
e de seu descontrole. Association, 1994:638.
João Vinícius Salgado * va. Segundo Iracy Doyle2, o problema do portador de delírio aluci-
Antônio Lúcio Teixeira-Jr.** natório é de ordem perceptiva, o do delírio interpretativo é de
Ronan Rodrigues Rêgo *** ordem lógica (sobre o significado de fatos reais), enquanto o deli-
rante imaginativo transporta para o mundo exterior suas criações
Resumo subjetivas, conferindo-lhes caracteres de objetividade e realidade.
Kraepelin também propôs a existência de um grupo de psico-
Os autores relatam o caso de uma paciente de 56 anos com ses caracterizadas por um trabalho delirante em que se imbricam
quadro psicótico crônico caracterizado por delírios fantásticos sin- atividades alucinatórias e fabulatórias para formar ficções bastante
gulares, sem deterioração do funcionamento geral. Houve remissão ricas e caóticas, sem debilitação terminal. Propôs chamar esse grupo
parcial dos sintomas com olanzapina 5 mg/dia. O caso assemelha-se de psicoses delirantes crônicas de parafrenias, que se dividiriam nas
sobremaneira às descrições clássicas do Delírio de Imaginação de formas sistemática, expansiva, confabulatória e fantástica2. A para-
Dupré e Logre, assim como da Parafrenia de Kraepelin. No DSM- frenia seria, portanto, uma entidade intermediária entre a paranóia
IV e no CID-10, a paciente receberia o diagnóstico de esquizofrenia e a esquizofrenia paranóide. Diferiria da primeira pela extravagân-
paranóide. Entretanto, esta entidade nosológica inclui quadros clí- cia dos delírios e presença de alucinações, da segunda, pela evolu-
nicos bastante heterogêneos. Acreditamos que o abandono dos ter- ção não-deficitária. As parafrenias fantásticas e confabulatórias cor-
mos clássicos mencionados resulta em significativo empobrecimen- responderiam ao delírio de imaginação proposto por Dupré
to dos sistemas de classificação psiquiátrica. e Logre1.
A seguir relatamos o caso de uma paciente com quadro psicó-
Palavras-chave: Parafrenia; Delírio de Imaginação; Esquizofrenia; tico crônico com as características clínicas correspondentes aos delí-
Sistemas de Classificação Psiquiátrica. rios de imaginação e parafrenia. Discutimos o lugar dessas descri-
ções clássicas nos sistemas atuais de classificação psiquiátrica.
Introdução
Caso Clínico
Alguns delírios crônicos são marcados pela riqueza imaginativa
dos temas delirantes, ocorrendo justaposição de um mundo fantás- Uma senhora de 56 anos, solteira e sem filhos, compareceu
tico ao mundo real, ao qual o doente permanece bem-adaptado, desacompanhada ao ambulatório de psiquiatria do Hospital das
sem apresentar evolução deficitária. Dupré e Logre, entre 1910 e Clínicas (HC-UFMG) em agosto de 2001. A paciente não apresen-
1914, propuseram agrupar esses quadros sob o nome de delírios de tava qualquer queixa. Dizia apenas ter sido encaminhada por "-
imaginação1. Tais delírios, que se assentam em um fundo constitu- outros médicos". De fato, fora encaminhada para avaliação psiquiá-
cional mitomaníaco e de fabulação, seriam distintos de outros delí- trica por psicólogo do serviço de mastologia, com relato de "hipo-
rios crônicos como os de base alucinatória ou de base interpretati- mania e idéias delirantes"
* - Professor de Neuroanatomia e Neurofisiologia da Faculdade ** - Doutorando em Biologia Celular pela UFMG. Ex-residente da
Metropolitana de Belo Horizonte. Doutor em Neurociências pela Residência de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da UFMG.
Universidade Louis Pasteur de Estrasburgo e pela USP-Ribeirão Membro da AAP-MG
Preto. Ex-residente da Residência de Psiquiatria do Hospital das *** - Preceptor da Residência de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da UFMG. Membro da Associação Acadêmica Clínicas da UFMG. Membro da AAP-MG.
Psiquiátrica de Minas Gerais - AAP-MG.
Apresentava-se vestida com esmero, lúcida, orientada auto- e vas e genéricas. Admitia também que os “fenômenos” às vezes inter-
alopsiquicamente, sem déficits de memória. O discurso da paciente feriam no sono.
era prolixo e a linguagem empolada, com excessivo uso de termos Iniciou-se, então, olanzapina 2,5 mg/dia, suspendendo-se a
técnicos e generalizações. O sotaque também não era característico amitriptilina. Houve melhora parcial do sono, mas os pensamentos
da região onde sempre viveu. Notava-se aparente falta de familiari- permaneceram inalterados: "Eles estão sempre lá. Tem dias que
dade da paciente com o conteúdo do próprio discurso. O afeto era sinto uma depressão. Não, é uma pressão, uma pressão diabólica.
constrito, o humor, eutímico. Neste contato, não foi possível identi- Mas é só reagir que desaparece. Eu me cuido, vou à igreja de dia e
ficar sintomas psicóticos. de noite. Se não reagir fica esquisito, como se houvesse algo presen-
A paciente nasceu e passou a maior parte da vida em um sítio te, espiritual. Parece radiação, um foco que incomoda". Quando
na zona rural do interior de Minas Gerais, onde residia com a mãe. questionada sobre se os "fenômenos" ocorriam continuamente, res-
Estudou até completar o ensino médio. Trabalhava com confecção pondeu: "Não. Em geral, é na quinta-feira e no sábado, que são dias
de roupas. Vidas social e afetiva pregressa pobres, relatando estar em que há mais ligação com principados, potentados, coisas que
"noiva há 20 anos" de um homem residente em Belo Horizonte atuam no ar. Faz o clima ficar ruim. Vejo seres bons e maus, seme-
(contato posterior, por telefone, com o noivo da paciente, confir- lhantes a pessoas. Não tenho medo. Eles também me xingam. Nem
mou o relato dela). sempre vejo o que escuto. Eles se escondem".
Negava uso de álcool ou drogas. Negava história familiar de A dose da olanzapina foi elevada para 5 mg/dia e, após dois
transtornos neurológicos ou psiquiátricos. meses de uso, a paciente relatou redução significativa dos “fenôme-
Quatro anos antes, a paciente descobriu ser portadora de cân- nos” e melhora adicional do sono. Pouco tempo depois, entretanto,
cer de mama, mas escondeu o fato dos familiares durante dois anos, após o falecimento súbito do noivo por problemas cardiovasculares,
pois “não queria incomodar”. Quando a família ficou ciente, a a paciente desenvolveu quadro depressivo, com tristeza, anedonia,
paciente concordou em iniciar o tratamento, que incluía ressecção abulia, preocupações somáticas e idéias de ruína. Associou-se fluo-
da mama e quimioterapia. Desde o início da quimioterapia, usava xetina 20 mg/dia, ocorrendo remissão desses sintomas depressivos.
regularmente antidepressivo, amitriptilina 50 mg/dia. Fazia também Mantém, atualmente, uso regular de olanzapina 5 mg/dia, com qua-
uso de tamoxifeno 20 mg/dia. dro clínico estável, referindo remissão quase total dos “fenômenos”
Nas primeiras consultas subseqüentes, a paciente mantinha o previamente descritos.
discurso circunstancial, sem apresentar queixas. Após seis meses de
acompanhamento, passamos a perceber idéias delirantes de caráter Discussão do Caso
fantástico no discurso da paciente.
Salienta-se a complexidade do quadro psicótico da paciente,
Em uma das consultas, logo no início da entrevista, a paciente
sobretudo dos delírios, associada à preservação do funcionamento
colocou sobre a mesa peças de roupa íntima feminina, livros em
geral e o curso clínico sem deterioração. A paciente exibe também
árabe, pedaços de jornal velho e fotos antigas. Nos jornais, que data- várias características clínicas que definem o delírio de imaginação
vam da década de 1980, constavam textos de sua autoria e fotos em sua formulação original1,2: 1) Pensamento paralógico: o delírio
com "o noivo", que a paciente dizia ser árabe e proprietário do jor- imaginativo ou fantástico é formado a partir do pensamento mági-
nal em questão. Seus textos utilizavam linguagem rebuscada, meta- co desenfreado, sem preocupação com verossimilhança lógica. 2)
fórica e desprovida de sentido lógico. A paciente, no entanto, defi- Megalomania: Temas de influência (domínio maléfico, espiritismo)
nia-os como "crítica política e social". Afirmava ainda que: "Na e de perseguição (inclusive por forças espirituais ou sobrenaturais)
época, o pessoal não ficou muito contente com os textos, não. Acho fazem desses doentes vítimas atormentadas por perseguidores como
que cutuquei muita gente". o demônio e forças do mal. A megalomania manifesta-se pela parti-
Ao ser questionada sobre vivências peculiares ou sobrenaturais, cipação do delirante na trama, em geral joguete ou prêmio de com-
a paciente respondeu enfaticamente que ocorriam o tempo todo, bates gigantescos, com identificação especial com profetas ou com
desde a infância. Citou "visões, ruídos, vultos" e percepção de Deus. 3) Primazia da fabulação sobre as alucinações: é raro que este
influências benignas e malignas, denominando-os de "fenômenos". tipo de delírio não esteja acompanhado de alucinações. Em geral, é
"Muita gente pensa que são ETs, mas são espíritos que caíram do por meio de vozes ou visões que o delirante entra em contato com
céu... Mas não sou só eu. Vários profetas também viam... Já dese- seu mundo fantástico. Porém, a alucinação cede à fabulação, e é sob
nhei vários e um pastor da Universal (Igreja Evangélica) confirmou a forma de uma produção imaginativa exuberante que este delírio é
que são demônios... Antes eles me incomodavam, pois não sabia o expresso nos relatos prolixos dos doentes. 4) Integridade paradoxal
que eram, mas agora encontrei a resposta na Bíblia e tudo está da unidade da síntese psíquica: Os delírios fabulosos não impedem
bem". Relatava ainda o dom da premonição, sendo capaz de prever o doente de estar bem-inserido na realidade da existência cotidiana.
guerras, catástrofes naturais. Apesar da loquacidade, não se obser- A capacidade intelectual, a atividade laborativa e o comportamento
vavam taquipsiquismo ou elevação do humor. Falava sempre de social permanecem notavelmente intactos.
modo indiferente sobre suas vivências. Parece-nos razoável, portanto, classificar o quadro da paciente
Ao contrário do ocorrido nas consultas iniciais, passou a apre- como delírio crônico de imaginação de Dupré e Logre ou na para-
sentar queixas, especialmente insônia. Justificava a própria dificul- frenia fantástica de Kraepelin, com algumas ressalvas. As parafre-
dade para dormir: "estava trabalhando muito para voltar ao merca- nias iriam manifestar-se, geralmente, após a terceira década de vida,
do de trabalho como empresária de moda". Indagada sobre fatos mas a paciente relata vivências anormais desde a infância. É impos-
objetivos relacionados ao trabalho, sempre conferia respostas evasi- sível definir, devido à ausência de relato de acompanhante, se isso é
Maximiliano Loiola Ponte de Souza * área encontram-se concentradas principalmente em grandes áreas
temáticas, tais como alcoolismo1 e suicídio.2,3 Desconhecemos
Resumo trabalhos que tenham como foco principal a discussão diagnósti-
ca, ou descrição fenomenológica da sintomatologia apresentada
O autor descreve o caso de paciente indígena que desenvol-
por PI.
veu episódios psicóticos recorrentes, com sintomas positivos que
Em trabalho anterior4, demonstramos que o atendimento
surgiam quando a paciente saía de sua comunidade, remitindo
com seu retorno. O autor discute a dificuldade de utilização dos psiquiátrico aos PI no Amazonas é bastante deficiente. Baseamo-
critérios do DSM-IV e propõe como alternativa o diagnóstico de nos no fato de que o atendimento aos PI foi realizado principal-
reação esquizofrênica. mente em nível emergencial, caracterizado por avaliação por psi-
quiatras em sistema de rodízio, levando a: multiplicidade diag-
Palavras-chave: Psiquiatria Transcultural; Índios Sul-americanos; nóstica, baixo vínculo com um profissional de referência e baixa
Reação Esquizofrênica; Psicose. aderência ao tratamento. Dessa forma, a partir de 2001, passamos
a centralizar o atendimento psiquiátrico dos PI no Estado, visan-
Introdução do a minimizar os aspectos negativos descritos acima.
Assim, deparamo-nos com inúmeras situações em que a sin-
Estima-se a existência de cerca de 206 sociedades indígenas
tomatologia apresentada pelos PI consistia em desafio diagnósti-
no Brasil, distribuídas em 562 terras indígenas, correspondendo
co, principalmente quando se objetivava realizar diagnóstico
a uma população de cerca de 315 mil índios. Estes estão concen-
trados, em sua maioria – 70% do total –, numa parcela da baseado nos critérios padronizados (DSM IV ou CID-10). A rele-
Amazônia Legal que engloba seis estados brasileiros: Amazonas, vância em descrever um caso como o que será aqui apresentado,
Acre, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Pará. ao nosso ver, deve-se a: i) carência de relatos semelhantes na lite-
Uma primeira dificuldade ao se lidar com a temática de ratura nacional; ii) demonstrar a dificuldade da utilização de
transtornos mentais em População Indígena (PI) é ao fato de a códigos de classificação de transtornos mentais em contextos cul-
literatura nacional sobre o tema ser escassa. As pesquisas nessa turais distintos.
Discussão
Histórico da moléstia atual
Neste momento, tentaremos evidenciar as dificuldades em
A paciente estava assintomática até aproximadamente 12
construir uma hipótese diagnóstica utilizando como referência os
dias antecedendo a entrevista, quando teve que vir para Manaus
critérios do DSM-IV5.
para realizar tratamento ortopédico devido a fratura no membro
Considerando que a paciente passou a apresentar o quadro
inferior direito. A paciente veio para Manaus de barco. Segundo
após a saída de seu ambiente social, ou seja, na presença de um
o esposo, a partir do segundo dia de viagem a paciente começou
estressor identificável, poderíamos, inicialmente, pensar na hipó-
a apresentar alteração do comportamento, dizia haver pessoas
tese de um Transtorno de Adaptação. Entretanto, tal proposta não
querendo matá-la, bem como seu esposo e filhos, que ouvia vozes
se aplica, uma vez que, nessa categoria diagnóstica, não se incluem
que a ameaçavam, falava sozinha, mostrava-se assustada, isolada
sintomas psicóticos, apenas emocionais e comportamentais.
e não dormia, por medo de “que algo de mal acontecesse” com
Como o primeiro episódio descrito ocorreu após a vivência
ela ou com seus parentes. Chegando em Manaus, foi para a Casa
de um evento envolvendo a morte de uma pessoa, e que as alte-
de Saúde Indígena de Manaus (CASAI), mantendo o mesmo
rações psicopatológicas são semelhantes àquelas que apresentou
comportamento, além de passar a dizer que os outros índios que
após a exposição ao evento traumático, isso nos remeteria à hipó-
estavam na CASAI tramavam contra ela, bem como se mostrava
tese de um Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Entretanto,
reticente em alimentar-se.
não se trata de recordações aflitivas ou intrusivas, sonhos aflitivos
e recorrentes ou agir como se estivesse vivenciando o evento trau-
História Familiar mático, o que também afasta essa hipótese.
Desconhece casos psiquiátricos na família. Direcionando o olhar para a presença de sintomas psicóticos,
os seguintes diagnósticos poderiam ser aventados: Transtorno
Psicótico Devido a uma Condição Médica Geral, Transtorno
Exame mental Psicótico Induzido por Substância, Transtorno do Humor com
Paciente adequadamente vestida, boa higiene, algo envelhe- sintomas psicóticos, Esquizofrenia, Transtorno
cida, tala gessada em membro inferior direito, orientada halo e Esquizofreniforme e Transtorno Psicótico Breve. Não existem
autopsiquicamente, memória globalmente preservada, delírios evidências, quer na história ou nos exames, que corroborem as
persecutórios, alucinações auditivas, referia estar se sentindo duas primeiras hipóteses. Em relação à terceira possibilidade,
bem, embora sua apresentação fosse perplexa e assustada, cola- teríamos a seu favor apenas o desenvolvimento de sintomas psi-
borativa com a entrevista, juízo crítico prejudicado. cóticos em padrão episódico; por outro lado, a ausência de alte-
rações do humor afasta essa proposição. Em relação às demais
hipóteses, o fator tempo é crucial. Entretanto, aqui encontramos
Exames laboratoriais
um obstáculo diagnóstico. Segundo o esposo, a duração da alte-
Hemograma, bioquímica, sorologia para Toxoplasmose, sífi- ração comportamental é semelhante ao tempo que permanece
lis e HIV e Tomografia de Crânio, sem anormalidades. fora da aldeia. Supondo que a paciente ficasse seis meses, um mês
ou uma semana longe da aldeia, procederíamos, respectivamente,
Evolução aos diagnósticos de Esquizofrenia, Transtorno Esquizofreniforme
ou Transtorno Psicótico Breve? Essa opção não nos parece razoá-
Como a paciente teria que permanecer em Manaus por um vel, uma vez que, no caso, não traria nenhum esclarecimento adi-
período de, no mínimo, um mês para tratamento ortopédico, cional. Por outro lado, manter a paciente longe de seu ambiente
optou-se pela seguinte conduta: Haloperidol dez gotas de 12/12h apenas por uma vaidade diagnóstica seria no mínimo antiético.
e Clonazepam 0,25 mg de 12/12h e reavaliações semanais. No Considerando a situação real, em que os sintomas duraram entre
primeiro retorno, o quadro estava inalterado, apenas com discre- um e seis meses, a hipótese de Transtorno Esquizofreniforme
ta melhora no padrão de sono, dessa forma mantive as medica- poderia ser considerada para o último episódio, entretanto não
ções, dobrando a dose. No segundo, terceiro e quarto retornos explicaria a recorrência dos sintomas.
apresentava melhora importante e progressiva das alucinações, A particularidade deste caso demonstra certa fragilidade dos
com melhora discreta da sintomatologia persecutória. Com um critérios diagnósticos do DSM IV. Assim, tivemos que buscar
mês em Manaus, recebeu alta da ortopedia, com liberação para subsídios em autores clássicos da psicopatologia,6,7,8 principal-
retornar para a aldeia A conduta psiquiátrica foi de manter as mente no que se refere ao conceito de Reação Esquizofrênica,
que nos parece ser uma opção diagnóstica razoável. Maris9 traba- Referências Bibliográficas
lha esse conceito, a partir da obra de Nobre Melo, que caracteri-
zaria a Reação Esquizofrênica como: a) quadro de início súbito, 1. Aguiar JIA, Souza JA. Alcoolismo em população Terena no
de evolução aguda, com características paranóide ou catatônica; Estado do Mato Grosso do Sul - Impacto da sociedade envol-
b) inexistência de diferença na apresentação clínica quando com- vente. Anais do Seminário de Alcoolismo e DST/AIDS entre
parado a esquizofrenia; c) difere desta por estar ligada a “fatores os povos indígenas, 2001.
psicogenéticos” e por remitir tão longo seja removida a situação 2. Erthal R.M. O suicídio Tikúna no Alto Solimões: uma expres-
que a desencadeou. são de conflitos. Cad Saúde Pública 2001; 17(2):299-311.
Os códigos de classificação de doenças trouxeram importan- 3. Levcotivz S. Kandiré: O paraíso Terral – O suicídio entre os
tes contribuições para a prática da psiquiatria, entretanto, não se índios guaranis do Brasil. Belo Horizonte (MG): Te Cora
pode deixar de admitir que trouxeram consigo um engessamento Editora, 1998.
do pensamento clínico e uma tendência à simplificação da psico- 4. Souza MLP. Atendimento psiquiátrico à pacientes indígenas
patologia. Ou seja, como nos diz Nunes10: “O uso indiscrimina- no Estado do Amazonas. Rev Psiquiatr Clin 30 (1):
do de DSMs e CIDs vem transformando a psiquiatria numa espe- 39-40, 2003.
cialidade extremamente fácil. Os sintomas são descritos de modo
5. APA. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
simplista e as pessoas acreditam conhecer a especialidade pelo
Mentais -DSM-IV. Porto Alegre (RS): Artes Médicas, 1995.
manejo facilitário dessas bulas. Muitos jovens sabem apenas da
6. Schneider K. Patopsicologia clínica. Madrid: Paz Montalvo,
existência de um certo Karl Jasper que costumava complicar cou-
sas simples tal como os DSMs e CIDs vieram a comprovar”. 1951.
Por outro lado, a singularidade deste caso aponta para con- 7. Jaspers K. Psicopatologia geral. Rio de Janeiro: Atheneu,
clusões semelhantes de pesquisadores nacionais, que evidenciam 1973.
a necessidade de que os estudos em psiquiatria levem em consi- 8. Nobre de Melo AL. Psicopatologia da reação esquizofrênica.
deração a diversidade cultural e étnica de nosso povo,11 visto que Rio de Janeiro, 1954.
o contato com realidades culturais diferentes atua como agente 9. Marins ND. Revisitando a psicopatologia: uma leitura da tese
estressor para o surgimento de transtornos mentais,12 bem como Psicopatologia da Reação Esquizofrência, de A.L. Nobre
a apresentação clínica destes podem apresentar variações cultu- deMelo, (2a parte). J Bras de Psiquiatr 2003; vol 52(1):35-41.
rais relevantes,13 trazendo desafios para utilização dos modelos 10. Nunes PN. Prefácio. In: Bastos LB. Manual do Exame
classificatórios atuais14. Psíquico: Uma Introdução Prática à Psicopatologia. 2a
Edição. Rio de Janeiro: Revinter; 2000.
Summary 11. Barreto AP, Cavalcante AM. Loucura e cultura. J Bras
Psiquiatr 1987; 36(5):299-300.
The author describes a case of a female Brazilian Indian who
developed recurrent psychotic episodes with positive symptoms 12. Shirakawa I, Nakagawa D, Miyasaka LS. Emigração e trans-
when she lefts her community, remitting in the return. The author tornos mentais de brasileiros no Japão. J Bras Psiquiatr 2003;
discusses the difficulty to use the DSM-IV criteria and proposes vol 52(1):75-80.
as alternative the diagnostic of schizophrenic reaction. 13. Sougey EB. Aspectos transculturais das depressões J Bras
Psiquiatr 1992; 41(4):177-183.
Keywords: Cross-cultural Psychiatry; South American Indians; 14. Valença AM, Queiroz V. A psiquiatria, os transtornos mentais
Schizophrenic Reaction; Psicosis. e as variáveis culturais J. bras. Psiquiatr 1997; 46(11):583-587.
José Carlos Souza1 pode exigir busto grande e cintura fina, e, no ano seguinte, a figu-
Paulo André Machado Borges2 ra de uma “tábua” é a ordem do dia. Ninguém jamais duvida que,
Rosângela dos Santos Ferreira3 de alguma forma, como num passe de mágica, será difícil as
Carlos Eduardo Gaudioso4 mulheres conseguirem sempre encaixar-se aos padrões exigidos.
Alvina Ishikawa5 De acordo com Laurrence,1,2 a anorexia nervosa afeta uma
Thaís Helena de Paula6 área fundamental de toda experiência e preocupações humanas:
Alberto Alvarez7 o relacionamento entre nós e nosso corpo, entre nós e o que
Marta Vilela8 comemos. As reações de outras pessoas à anorexia parecem con-
Cristiane Aparecida Cruz de Souza9 firmar a idéia de que ela toca em pontos comuns a todos, princi-
Paulo Márcio Bacha10 palmente às mulheres. Geralmente, elas estão conscientes e não
Sandra Gaban11 inteiramente felizes quanto à parte de suas vidas referente à ali-
Francisco Gomes12 mentação e ao físico. Dizer que a anorexia desafia a compreensão
Nilton Genobie13 lógica é quase certamente uma verdade; porém, muitos sentimen-
tos “normais” de outras pessoas em relação à comida e ao ato de
comer, ao nosso corpo e nosso peso, também não são aspectos
Resumo
particularmente lógicos de nossa própria experiência. Sendo
Os autores apresentam caso clínico de anorexia e bulimia assim, a anorexia pode passar a ser vista por alguns, subjetiva-
com depressão maior. Segue discussão por equipe multidiscipli- mente, não como problema, mas como solução.
nar. A apresentação e a discussão ocorreram durante curso sobre Segundo o DSM-IV,3 “as características essenciais da anore-
transtornos alimentares, sendo focados aspectos culturais, diag- xia nervosa são a recusa do indivíduo a manter um peso corporal
nósticos, psicológicos (psicologia profunda e cognitivo-compor- na faixa normal mínima, um temor intenso de ganhar peso e uma
tamental) e nutricionais. perturbação significativa na percepção da forma ou tamanho do
corpo”. Alguns indivíduos acham que têm um excesso de peso
Palavras-chaves: Transtornos Alimentares; Anorexia Nervosa; global, outros percebem que estão magros, mas ainda assim se
Bulimia; Obesidade; Equipe Multidisciplinar. preocupam com o fato de certas partes do corpo, particularmen-
te abdômen, nádegas e coxas, estarem muito gordas. Crisp4 suge-
Introdução re que a anorexia nervosa estaria associada às tensões sexuais e
sociais vividas pelas mudanças físicas da puberdade, constituindo
Desde o mais antigo registro que se tem da moda, espera-se assim uma resposta de evitação fóbica à comida. De acordo com
e exige-se que as mulheres se adaptem aos estereótipos físicos o DSM-IV,2 os indivíduos com anorexia nervosa, quando muito
prevalecentes. Isso não é novidade. Da prática chinesa de amar- abaixo de seus pesos, apresentam sintomas depressivos como:
rar os pés das meninas para conservá-los pequenos, às cinturas de humor deprimido, retraimento social, irritabilidade, insônia e
vespas de nossas ancestrais elizabetanas, a moda raramente signi- desinteresse por sexo, podendo também apresentar sintomas que
ficou algo tão simples como apenas vestir a roupa certa. Ela cos- satisfazem os critérios para transtorno depressivo maior.
tuma também impor mudanças no corpo das mulheres para que Em se tratando da bulimia nervosa, o DSM-IV3 aponta que
as roupas caiam bem. A moda não pára: numa estação, o estilo suas características essenciais consistem de compulsões periódi-
1 - Psiquiatra; Mestre em Psicologia; Doutor em Saúde Mental (UNI- Grupo de Estudos Psicanalíticos de Mato Grosso do Sul (GESP-MS).
CAMP); Professor da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), 10 - Psiquiatra, Psicanalista e Presidente do GESP-MS.
a Discussão de caso clínico por equipe multidisciplinar no curso “Transtornos Alimentares”, realizado em Campo Grande, MS, ao longo do dia 15 de setembro de 2001.
Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS.
cas (em um período limitado de tempo, de uma quantidade de ali- A irmã e M. sempre brigavam, a irmã a chamava de “gorda, feia e
mento maior do que o normal) e métodos compensatórios inade- encalhada”.
quados para evitar ganho de peso (laxantes, purgativos, indução de Entrou em escola particular com cinco/seis anos, lembra-se que
vômitos). Com o ganho de peso pode haver a obesidade como con- ia de fraldas e com a babá. Tinha muito medo e vergonha de pedir
seqüência. Segundo Kaplan,4 “não existem evidências substanciais à professora para ir ao banheiro. Na escola, sempre foi “ótima
que apoiem qualquer hipótese causal para essa perturbação”. A aluna”. Segundo a mãe, sua entrada na escola foi muito difícil: ao
compulsão periódica freqüentemente começa durante ou após um mesmo tempo que queria ir, já que amigos vizinhos iam, tinha que
episódio de dieta. Conforme o DSM-IV, os indivíduos com bulimia ser acompanhada por familiar.
nervosa apresentam sintomas depressivos ou transtornos do humor, Aos sete anos mudou-se do interior para Campo Grande. Veio
podendo haver também a presença de sintomas de ansiedade. com a idéia de que morar em cidade grande era “legal”, mas com o
Os presentes autores, profissionais de diversas áreas da saúde, tempo sentiu-se sozinha.
preocupados com o aumento da prevalência da anorexia, da buli- Sua “tão esperada” menarca aconteceu aos 11 anos, sua mens-
mia e da obesidade, ministraram curso técnico e informativo para truação é irregular, às vezes passa meses sem menstruar e quando
profissionais e estudantes da área de saúde com os seguintes temas: ocorre é intensa. Apaixonou-se a primeira vez aos 11 anos e não foi
Causas e Diagnóstico dos Transtornos Alimentares; Aspectos correspondida. Aos 14 anos teve o segundo namoro, também logo
Culturais; O corpo e a sua imagem; Obesidade; Tratamento interrompido por ele ser “muito problemático”. Aos 16 anos conhe-
Cirúrgico da Obesidade; Aspectos nutricionais; Aspectos endocri- ceu seu último namorado, sendo que terminaram porque ela não
nológicos na Anorexia e Bulimia Nervosa; Enfoque psicanalítico queria ter relacionamento sexual. Seus primeiros relacionamentos
para o tratamento de Transtornos Alimentares; A Psicoterapia não duraram mais que um mês e o último, três meses. Ela teme o
Cognitivo-Comportamental e os Transtornos Alimentares e a atua- sexo, não se sente preparada, por achar que não pode satisfazer as
ção da Terapia Ocupacional. Ao fim das aulas, foi discutido um caso expectativas de seus parceiros e por seu corpo ser “observado”.
clínico verídico, que fora distribuído previamente aos ministrantes Tem a pele seca e apresenta alopécia.
e alunos do curso, o qual será relatado a seguir. Hoje sua única responsabilidade é estudar e o que mais gosta
de fazer é ficar sozinha.
Relato do casob
História familiar
Sua mãe é de família rica e estudou em colégio interno. O pai é
Identificação
de família humilde e se formou em administração de empresas. Os
M., sexo feminino, 18 anos, solteira, estudante universitária, pais sempre trabalharam fora, mas à noite davam bastante atenção
1,62 m de altura, 42 kg, cabelos loiros e curtos. aos filhos. O relacionamento com as filhas sempre foi muito aberto,
de diálogo. Não são moralmente rígidos, existindo apenas um
História da Moléstia Atual ciúme natural. A paciente não se relaciona muito bem hoje com sua
irmã, porque esta teria muito ciúmes dela com a mãe. A paciente e
Aos 15 anos sentiu uma calça jeans apertar. Na época, pesava sua mãe são muito amigas. O relacionamento de seus pais sempre
50 kg; todos diziam que não estava gorda, mas estava insatisfeita foi muito “bonito”, saem para namorar, são carinhosos (sic). A
com seu corpo. Emagreceu 5 kg em um mês. Após longo período união dos pais e da família se abalou muito com a descoberta do
alimentando-se mal, começou a comer muito e a achar que o inge- único segredo que já existiu entre eles, a “anorexia e bulimia nervo-
rido a fazia engordar, por isso provocava vômitos. Fazia muita bici- sa”. O pai passou a fazer uso acentuado de etílicos, julgava-se cul-
cleta ergométrica, a ponto de deitar-se na cama tremendo. Isso pas- pado e que não teria sido um bom pai. Os pais quase se separaram,
sou a ser freqüente e escondido. Ainda hoje, sempre que percebe mas agora estão “bem” (sic).
que engordou “graminhas”, tranca-se no quarto e “malha” muito Embora a mãe relate sobre prima com anorexia, segundo a
(sic). paciente não haveria em sua família casos de anorexia e bulimia ner-
Segundo a mãe, tudo iniciou após M. ter ficado ouvindo seu vosa. Há, sim, de depressão, tanto por parte de pai quanto de mãe
cunhado comentar sobre uma prima que tinha anorexia. Contava (as avós). Por parte de pai há casos de bronquite alérgica e de mãe,
tudo com detalhes, que a prima teria se tornado o centro das aten- câncer. O biotipo da família de sua mãe é de obesos ou com tendên-
ções. Esses comentários foram freqüentes, mas M. afirma que já cia a engordar e, na de seu pai, só alguns são obesos.
apresentava seu transtorno um ano antes disso.
Relatório da escola
Antecedentes pessoais
“Respondendo a sua solicitação sobre a aluna M., matriculada
Nasceu pesando 3.200 g. Apresentou enurese noturna até os no corrente ano (2000) neste Estabelecimento de Ensino na 3ª Série
sete anos, idade em que começou a controlar o esfíncter vesical. do Ensino Médio, nada constatamos em sua conduta que nos des-
Filha caçula, três anos mais nova que sua irmã. M. sempre foi pertasse atenção especial. M. sempre se apresentou de forma corda-
“muito calma”, ao passo que sua irmã era irritada e chorava muito. ta e gentil, com excelente relacionamento com professores e funcio-
b Os dados aqui apresentados são de caso verídico, porém mudaram-se as informações que poderiam permitir a identificação da paciente. Houve autorização prévia dela de
sua família.
somente pode ser demandado apresentando-se previamente das à bulimia e à anorexia, apresentou abstração seletiva como:
como excluído. “eu só me sinto bem quando estou magra”; raciocínio dicotômi-
Pensando nos contos de fada, poderíamos imaginar esse co ou do tipo tudo ou nada: “eu não sei ter relacionamento com
outro como uma mescla entre o Ogro Devorador e a madrasta da qualquer pessoa, ou eu namoro ou não fico com ninguém”; per-
Branca de Neve. Lembremos que, no conto, a madrasta pergun- sonalização e auto-referência: “eu fico sem graça e não consigo
ta ao espelho quem é a mulher mais bela do mundo e o espelho comer quando tem alguém me vendo”.
sempre responde que é ela, que não há lugar para nenhuma outra No inventário de depressão de Beck,9 a cliente apresentou 29
mulher. Quando aparece Branca de Neve como rival, desata-se pontos, o que pode ser classificado como uma depressão de
um ódio assassino na madrasta e Branca de Neve tem que fugir. moderada a grave. Para o plano terapêutico, o diagnóstico deve
Ela encontra um lugar entre os anões, onde pode manter o corpo ser complementado com o Inventário dos Transtornos
de menina. Seu corpo de mulher não está nesse espaço regressi- Alimentares10 e a Escala para Auto-estima11.
vo. A maçã envenenada nos dá um simbolismo rico com referên-
cia à oralidade, ao alimento-veneno e o pecado. Qual é o pecado b) Plano de Tratamento
de uma mulher em relação à sua mãe? Aparece como querer ser
reconhecida por ela como outra mulher. Não no lugar da mãe, 1) Fazer a devolutiva e discutir o plano de tratamento.
senão como outra, e por isso mesmo requerendo, nesse momen- 2) Ajudar a paciente a manter controle sobre sua perda de
to, algo do pai. peso e vômitos (isso se dará por meio do diário e de discussão
A alternância anorexia/bulimia pode ser entendida como em com a cliente a cada sessão).
G. Pommier,7 que define assim bulimia em seu artigo: “Bruscos 3) Discutir com a paciente a influência do fator cognitivo
impulsos devoradores, por regressão à pulsão oral, quando o que (pensamentos) em seu comportamento.
acaba de produzir-se no fantasma é a morte do pai”. O autor 4) Explicação do modelo de tratamento cognitivo comporta-
esclarece que, muitas vezes, um sonho pode desatar o inicio de mental para anorexia e bulimia.
um período de bulimia. Existe uma tensão entre regressão à pul- 5) Trabalhar as crenças irracionais gerais e específicas por
são oral e progressão no fantasma de matar o pai. Nessa tensão meio de:
entre ambos extremos é que podemos entender os ciclos de ano- 5.1. Identificação de cognições disfuncionais associadas
rexia-bulimia. Aparecem poucas referências ao pai no relato e as a comer, peso e forma corporal.
mesmas não o mostram como alguém potente e que possa sobre- 5.2. Uso de técnica de desafio dos pensamentos, junta-
por-se a esses embates assassinos. mente com discussão junto ao terapeuta, em abordagem
cooperativa e didática.
6) Abordar outras áreas da vida da paciente tais como: auto-
Abordagem cognitivo-comportamental
estima, depressão, profissão, família e relacionamentos sociais.
Raciocinando de outro modo, em terapia comportamental 7) Aplicar técnicas de imaginação, visualização e relaxamen-
cognitiva, após receber a avaliação médica da paciente, procede-se to específicas e adaptadas para bulimia e anorexia.
à avaliação psicológica, que se compõe dos dois passos seguintes. O tratamento será planejado para duas sessões semanais e
deverá durar em média seis meses. Após esse período, se estiver
a) O Diagnóstico bem, a paciente entrará em processo de alta.
ga, interrompido também por razões financeiras. Enfatizo, igual- O= orientado auto e alopsiquicamente
mente, o peso que recai sobre R. ao tomar o lugar de “homem da M= sem alterações
casa”, pois tem dormido com a mãe “no lugar do pai” (há dois I= acima da média clínica (avaliação de inteligência realizado
meses). A mãe parece assimilar bem essas informações, mesmo com teste de Matrizes Coloridas de J C Raven, obtendo nível I
que em alguns momentos franza a testa em sinal de pouco que corresponde a Inteligência Superior, para a idade de 11 anos)
entendimento. A= arrogante, hostil segundo relatos da mãe
O pai de R. comparece a duas sessões, quando já havia volta- P= predominantemente lógico, fio associativo mantido,
do a morar em Pelotas, cerca de dois meses após o início do tra- idéias supervalorizadas de desvalia, onipotência e persecutórias
tamento, transferido para uma função menos remunerada. C= prejuízo nas atividades estudantis e no relacionamento
Aparenta ser um adolescente, com aparelho fixo nos dentes. interpessoal, isolacionismo, agressividade verbal e física, hiperati-
Afirma executar todas as abordagens que sugiro, mostrando-se vidade, dificuldade na concentração e na coordenação
perfeito demais, o que não condiz com o relato da esposa. Na motora fina
segunda entrevista, conseguimos colocar situações reais e exami- L= normolalia
ná-las, como uma em que o pai bateu o recorde em um jogo de
videogame e R. ficou muito frustrado. O pai se comporta como Evolução
uma criança, “de igual para igual”. Sugiro maneiras em que possa
se colocar na postura de pai, como propondo que o paciente Sessão de 26-4-02
jogue em seu colo, dando-lhe dicas de como vencer, elogiando-o
Brincadeira com bonecos de borracha da Turma do
na vitória e dividindo a derrota. Procuro igualmente reforçar que
Pernalonga. Estes portam instrumentos musicais, sendo que o
dissesse a R. de seu interesse em entendê-lo, em relação ao medo
paciente distribui os personagens entre nós dois. Deveríamos
de dormir sozinho à noite, o que o leva a solicitar que a mãe fique
fazê-los brigar utilizando seus “poderes”, seja pelo som, seja pelo
em seu quarto, porque “o pai não me entende”.
uso do instrumento como arma. Ele então fica com um persona-
Na entrevista subseqüente da mãe (3/7), esta aponta o alcoo-
gem diferente, era o Mickey “aprendiz de feiticeiro”, teria pode-
lismo do pai como fator rechaçante por parte do paciente, e de
res especiais, jogava “feitiços” sobre seus oponentes. R. “transfor-
como se acalma quando a mãe o coloca para dormir.
ma-se” neste personagem, pega meu guarda-chuva como “vari-
Combinamos procurar atividades que o estimulem pelo gosto e
nha” e coloca um “chapéu” de saco de plástico sobre a cabeça.
pelo contato interpessoal, como leitura e escoteiros, sendo a pri-
Joga feitiços sobre mim, um deles de “dor de barriga”, e contro-
meira aceita por ele e a segunda, não.
lava com outro feitiço, de “aliviar”, que eu pudesse “evacuar”.
Em maio/2002 houve uma entrevista com a psicóloga e a
Obs.: Desejo de extravasar sua raiva, ao mesmo tempo
coordenadora disciplinar da escola onde o paciente estuda.
podendo controlá-la. Isso reflete também o medo de ser agredi-
Foram abordadas as situações em que ele perturba as atividades
do, precisando controlar o objeto.
em aula ou no recreio. Procurei mostrar suas dificuldades e
entender as dos professores, chegando ao acordo de que deveria
Sessão de 3-5-02
ser mostrada ao paciente sua conduta desadaptada (ex.: não espe-
rar sua vez), sendo que, ao não aceitar a colocação, seria explica- Brincadeira de que eu sou o “monstro de olhos verdes” e ele
do o porquê de ser chamado o coordenador pedagógico. Este é o feiticeiro. Ele estava caindo da mesa em minha sala e pedia
daria importância ao motivo pelo qual fora desencadeada a raiva que eu o salvasse, eu o levantava do chão. R. dizia que eu era forte
do paciente e posterior atitude hostil. Em relação ao recreio e à por conseguir erguê-lo. Propõe que brinquemos então de estar
saída, foi constatado alto grau de ansiedade desencadeado por “caindo em um abismo e quem cair por baixo morrerá esmaga-
brincadeiras de grande desempenho físico, como corridas, do”. Ficamos no chão e R. pede que eu não o deixe ficar por cima
“pegar”, assim como não ser buscado pelos pais no horário. Em de mim, segurando-o no chão “pra valer”, o que faço. Por mais
relação à primeira, discutimos a possibilidade de visitas à biblio- que ele tente, contenho-o. Em um dado momento pede que eu
teca acompanhado por coordenador, desde que explicado o con- permita que ele saia, ele então fica sobre mim e pede que eu tente
vite, ou brincadeiras menos vigorosas. Em relação à saída da esco- fazê-lo novamente ficar por baixo. Depois brincamos de cavali-
la, fiz reforço pessoal nesse sentido com os pais, o que seria asses- nho e ele consegue colocar que seu pai está voltando para morar
sorado pelos profissionais da escola. com a família em Pelotas, “uma notícia boa”, mas que irá perder
A psicóloga relata situação ocorrida há um mês, em que a seu cargo de gerente e “passarão dificuldades financeiras, uma
mãe de R. “fizera um escândalo” por este ter caído sobre sua notícia péssima...”. Pergunta se deverá se preocupar com isso.
cadela poodle, dizendo que ele era “um diabo” e que “consegui- Procuro mostrar como seria bom o pai por perto e que não deve-
ra matar o animal de estimação”, coincidindo com um período de ria se preocupar com o dinheiro, seus pais, adultos, “dariam um
piora no relacionamento escolar. jeito”. Voltamos à brincadeira da queda no abismo, ele diz que o
“monstro idiota, bicha, nojento e feio iria perder para o mocinho
Exame das funções mentais bonito, forte e inteligente”, que seria ele, e me vence “quebrando
meu pescoço”. Porém me devolve a vida com um feitiço e nós
C= lúcido “acabamos amigos”.
A= normovigil e hipertenaz Obs.: Pede a alguém que o segure. Em outro momento, con-
S= nada relatado segue compartilhar problemas de família. Ao final, consegue
somente uma tampa, e que eu poderia buscá-la depois. Em Sessões de retorno das férias (6 e 13-9-02)
seguida R. inventa uma brincadeira em que ele é um vampiro,
Na primeira consulta, R. fala de como está com dificuldade
“Lestat”, e eu sou o “monstro dos olhos verdes”, que não posso
para dormir à noite. Pede ajuda. Ao mesmo tempo, não parece
me deixar morder por ele. Ambos temos poderes e à medida que
satisfeito com nenhuma de minhas “iniciativas” de sugestões para
brincamos inventamos novos poderes, ele consegue elogiar os
que resolvamos o problema, já que se recusa a me ouvir. Digo que
que invento e achar “legal”, o que igualmente faço. Ele então
ele parece ter se sentido “não-ouvido” pelas férias, ele não res-
tem uma “garra”, transforma-se em lobo, solta bolas de fogo pela
ponde. Na consulta seguinte, eu já havia entrevistado os pais e R.
boca. Eu tenho um golpe seqüencial de socos, tenho meu filho,
fala que o fato de o pai o levar para dormir “não era tão ruim
um rinoceronte de pelúcia, que o ataca, e sou grande e forte.
assim...”, e que estava triste pela viagem de sua mãe a trabalho.
Esta brincadeira se repete em duas sessões (sete e 14) e no dia 21
Brincamos de “Lestat” (paciente) e o homem mais forte do
não tivemos sessão devido à Copa do Mundo de Futebol. No dia mundo” (eu), este com as mesmas características do “monstro de
28, comento sobre ele ter vindo e não haver consulta (problema olhos verdes”. O tom se dá quando ele me acerta na região geni-
na secretaria ao não comunicar à mãe dele), consegue dizer que tal e se assusta, brinco de olhar sob as calças e “me alivio” quan-
não gostou. do encontro “tudo em ordem”. Ele pede que eu o acerte “ali”
Proponho jogarmos xadrez, ele dizia gostar. R., então, passa também e repete de forma parecida.
45 minutos em uma única partida comigo. Inicialmente, ridicu- Obs.: Alívio do temor da castração.
lariza minhas jogadas. À medida que não ajo da mesma forma –
ao contrário, elogio as suas –, explico o motivo de ter jogado de Sessão de 27-9-02
uma dada forma, ele torna-se neutro nos comentários, até que
pergunta se sei jogar “mesmo”. Digo que sim, que aprendi há R., pela primeira vez, aceita uma sugestão minha de brinca-
muito tempo. Indaga se já ganhei “alguma coisa” e falo de dois deira sem criticá-la negativamente e aceita também que eu lidere
campeonatos em meu 2º grau, quando fui vice-campeão em parte do jogo: cada um com uma folha de papel, um diria em voz
ambos. Ele então me elogia ao mesmo tempo que comenta: alta características que seu “monstro” teria e ambos o desenha-
“Então se tu és bom assim, estás me deixando ganhar...”. Digo vam, depois comparando-os. Elogia a idéia e depois pede para
que ele joga muito bem e que gostava de jogar com ele, sendo levar para casa os desenhos. Alternávamos no “líder”.
que poderia dar-lhe dicas de como ganhar. Ele não aceita,
porém, quando lhe mostro algumas formas de jogar e deixo que Sessões de outubro de 2002
se decida, acaba por fazer o que eu sugerira, o que elogio como Compareço a apenas três sessões das cinco possíveis neste
jogada dele, deixando-o contente. Ao final, diz ter me ganhado, mês por compromissos extracurriculares, estas sendo intercala-
o que digo que sim. R. fica entusiasmado, me ajuda a guardar as das. R. parece mais agressivo no início e “se solta” aos poucos. Na
peças. Ao sair, comenta que sua mãe ficaria muito brava se sou- segunda sessão, R. propõe jogarmos futebol, o que ele nunca fize-
besse que passamos todo o tempo jogando e que ele não me con- ra por considerar-se ruim. Está tão “solto” que consegue sair-se
tara que está dormindo melhor, sendo uma noite ela, outra o pai muito bem, o que aponto. Isso aparece na entrevista com o pai,
a cuidá-lo. Digo que será nosso segredo. visto que R. está jogando igualmente com os colegas, conseguin-
do ser aceito nos jogos em grupo. Na terceira sessão, após chegar
Sessão de 5-7-02 muito irritado por sua mãe insistir que o paciente estaria com
R. chega e vamos à sala de brinquedos, lá estavam outra pânico, novamente jogamos futebol, sendo que em um chute seu
colega e sua paciente de cinco anos. Ele vai até a menina e para o alto atinge a lâmpada do teto, que cai e se quebra no chão.
comenta de um brinquedo dela que estava ao chão, elogia-o e R. fica muito assustado, começa a culpar-se, enquanto procuro
então vamos escolher outros para brincar. Escolhe “Comandos explicar sobre o acidente, mantendo-me tranqüilo. Em seguida,
em ação”, que levamos até nossa sala. R. inventa uma história notando que ele também pode ficar calmo, sugiro que varrêsse-
com assassinatos, fala muitos palavrões, surgem conteúdos mos o chão. R. a princípio se nega: “então, se não tenho culpa não
homossexuais em sua história e frases. Comento que não deveria preciso varrer...”, com arrogância. Porém, à medida que mostro
gostar que falassem certas coisas dele. Fala que, quando os cole- que entendia o fato de ele estar chateado com o ocorrido e que
gas dizem isso, fica chateado. Diz então que seria minha vez de gostaria de ajudá-lo a varrer, R. acaba por ceder e limpamos a
inventar uma história, mas não deixa, quer fazer de novo sozi- sala cantando.
nho. Digo que ele parece não aceitar sugestões, então “permite”
Sessão de 1º-11-02
que eu participe, ainda com dificuldades em aceitar que eu o
faça ativamente. Sua mãe havia me contado que, na semana ante- Nesse dia, R. escolhe os bonecos Playmobil de piratas.
rior, por ocasião da final do mundial de futebol, pela primeira Passamos a maior parte da sessão dividindo-os entre nós e arru-
vez R. aceitara sair do portão de casa e brincar com outros meni- mando-os com seus pertences nos barcos. Ao final, frustra-se com
nos da vizinhança. Apesar de brigar, a mãe tentou não se envol- o pouco tempo para brincar, combino que poderíamos continuar
ver. Ele contou da briga para ela posteriormente. Combino com na sessão seguinte. R. reluta, diz que “não vai ter graça”, mas se
a mãe que o levasse à Biblioteca Pública, o que ela faria no horá- tranqüiliza quando digo que ele parece ficar muito triste pensan-
rio em que conversaríamos na semana seguinte, o que não ocor- do que eu não cumprirei o que estava prometendo, que brincaría-
reu por “falta de tempo” pelas atividades da mãe. mos sim, o que ele aceita e me ajuda a guardar os brinquedos.
– Orientação e acompanhamento familiar – compreensão do Emotionally Unstable Personality Disorder. Several psycho- and
paciente e de suas necessidades, reforçando a importância dos ludotherapic sessions are described which have allowed a more
papéis de pai e mãe mais definidos profound interpretation of the case. Methilphenidate was the
– Farmacoterapia – melhorar atenção e diminuir compound used. Broad objectives of the treatments are
hiperatividade delineated.
– Tratamento psicopedagógico – recuperar déficit motor
O prognóstico nos parece reservado devido aos conflitos dos Key-words: Hyperkinetic Conduct Disorder; Attention-
pais, ficando impedidos de fornecerem ao paciente o suporte afe- Deficit/Hyperactivity Disorder; Oppositional Defiant Conduct
tivo necessário para lidar com o transtorno de conduta associado.
Disorder; Specific Developmental Disorder of Motor Function;
Por outro lado, o paciente pode ser beneficiado pela boa dispo-
Emotionally Unstable Personality Disorder; Ludoteraphy;
nibilidade para estabelecer vínculos positivos e pelos pais terem
Methilphenidate.
buscado ajuda profissional, o que indica pontos sadios e tratáveis
nesta família.
Referências bibliográficas
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Pg. 68
Keila Albuquerque. R3 da Residência Médica em Osmar Gouveia Mario R. Louzã Neto T. Esquizotípico
Psiquiatria do Hospital das Clínicas da UFPE Miguel Chalub T. Borderline
Pg. 75
Flávio José Gosling. R2 da Residência de Luisa de Marillac Terroni Albina Rodrigues Torres TOC
Psiquiatria do Hospital do servidor Público Carlos Eduardo da Rocha T. Delirante
Estadual de São Paulo e Silva Depressão
Ana Paula Gonzaga da Costa. R3 da Residência de Sérgio Paulo Rigonatti Giordano Estevão Catatonia Pg. 82
Psiquiatria do Instituto de Psiquiatria da USP Salomão Rodrigues Filho ECT
* Residente de Psiquiatria do segundo ano, Hospital Nossa Senhora Endereço para correspondência:
da Conceição, Porto Alegre. Apresentadora. M.Juruena@iop.kcl.ac.uk
** Professor do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da
Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCM-
PA). Section of Neurobiology of Mood Disorders, Institute of
Psychiatry, University of London. Supervisor.
[Vídeo]
História familiar
É a quarta de uma prole de seis irmãos. Um irmão é alcoolis-
HD
ta e mora com a mãe. Sua mãe tem 76 anos, faz tratamento para
depressão há três anos e parece ter tido personalidade depressiva Eixo I: CID 10: TAB, episódio misto (F 31.6).
durante a maior parte de sua vida. Tem um tio alcoolista e um DSM-IV-TR: Transtorno Depressivo Maior, episódio atual mode-
primo que se suicidou aos oito anos de idade (jogou-se de uma rado, com características atípicas e períodos de sintomatologia
ponte), ambos por parte de mãe. psicótica. Obs.: não fecha critérios para Bipolar II ou Ciclotimia.
Eixo II: DSM-IV-TR: traços de Personalidade Histriônica; O conceito de bipolaridade ainda se encontra em desenvol-
temperamento pré-mórbido hipertímico, segundo Akiskal 1. vimento, o que pode ser visto no renascimento dos estados mis-
Eixo IV: Mãe severa e rígida; perda do pai aos 15 anos de tos, já descritos por Kraepelin7. Sabe-se que pacientes com mania
idade; história familiar de alcoolismo e depressão; discórdia com aguda ou hipomania podem experienciar sintomas depressivos
chefia; discórdia no relacionamento com o filho; falta de amigos proeminentes, condição esta ainda cercada de considerável ambi-
e apoio familiar por isolamento da paciente; má adesão ao trata- güidade e mais comumente conhecida por mania disfórica ou
mento medicamentoso; trabalho noturno no início da doença. mista7,13. Dados recentes sugerem que irritabilidade, distraibili-
Eixo V: autocuidados: 3; família: 4; social: 4; trabalho: 5. dade e aceleração de pensamentos são as características hipoma-
níacas mais comuns presentes durante a depressão bipolar II15.
Evolução Klein e Davis17 propuseram o termo “disforia histeróide”
para descrever um subgrupo de pacientes, geralmente mulheres,
No início da internação no hospital-dia, relutava em partici- que apresentavam depressão com características atípicas e tinham
par das atividades propostas, preferia ficar sozinha. Em determi- comportamento histriônico e extrema intolerância a rejeição. O
nados momentos, demonstrava mais ânimo, contava piadas e sor- estilo de vida agitado dessas pacientes sugere uma conexão ao
ria; em outros, baixava sua cabeça e chorava, demonstrando Transtorno Bipolar II e a outros transtornos do espectro bipo-
intenso sofrimento. Optou-se por suspender os antidepressivos e lar.18 A paciente descrita neste relato apresentou quadro de
iniciar com carbonato de lítio. depressão atípica se classificada pelo DSM IV, com todas as
Depois de um mês sem os antidepressivos e com litemia 0,8 características da disforia histeróide proposta por Klein e Davis.
mEq/l, a paciente mostrou-se mais amigável com os colegas e con- Já pela CID 10 ela se enquadrou no grupo dos Transtornos
seguiu ordenar melhor sua casa, mas permanecia com momentos Bipolares, episódio misto.
de desânimo e desesperança. Também permanecia com a sensação A depressão agitada não é considerada um estado misto nas
de ouvir alguém chamar seu nome, esporadicamente. classificações formais, de modo que a maioria dos psiquiatras
Em nova litemia solicitada, obteve-se resultado 0,2 mEq/l, o hoje a considera uma forma de depressão com ansiedade.2 O uso
que comprovou a dificuldade na adesão ao tratamento. Com nova extensivo de antidepressivos no tratamento de todos os tipos de
litemia de 0.7 mEq/l e com a paciente ainda sentindo ansiedade depressão, sem questionar a natureza real da depressão agitada,
intensa em alguns momentos, além de pensamentos intrusivos de faz com que esses pacientes tenham um desfecho adverso,
morte, optou-se por acrescentar ácido valpróico. Uma semana
incluindo aumento da agitação, da insônia, risco aumentado de
após dosagem de 1.500 mg/dia (dosagem sérica 95 mg/l), a
suicídio e início de sintomas psicóticos19,20,21.
paciente começou a conseguir participar de forma espontânea e
De acordo com Mc Elroy,13 a depressão agitada representa-
amigável das tarefas, e seus momentos de isolamento e labilidade
ria uma depressão grave com mania leve, e a mania disfórica, uma
afetiva diminuíram. Cessaram as alucinações auditivas.
depressão grave com mania severa. A depressão agitada, também
Após alta do hospital-dia, a paciente continuou acompanha-
chamada de estado depressivo misto por alguns autores,6,22 apre-
mento ambulatorial, com sessões de psicoterapia semanais e bom
senta perfil sintomatológico de depressão com aspectos psicóti-
vínculo com o terapeuta. Mantiveram-se 900 mg/dia de lítio e
cos e agitação, humor irritável, pressão da fala e aceleração de
1500 mg/dia de ácido valpróico. Os sintomas disfóricos e psicó-
pensamentos21. De acordo com Akiskal,21 a depressão mista pode
ticos do início da internação já não existiam mais, porém perma-
ser sugerida pela coexistência de sintomas polares (Quadro 3) e a
neceram as queixas de tristeza e desânimo, as quais vêm impedin-
agitação poderá, primeiramente, aparecer após o uso dos antide-
do a paciente de realizar com entusiasmo e dedicação suas obri-
gações de mãe e de dona-de-casa. pressivos tricíclicos.
Após cerca de seis meses de tratamento com o esquema des- A paciente descrita neste relato vivenciou um quadro bipolar
crito e razoável estabilização do humor, iniciou-se olanzapina 10 misto (estado depressivo misto ou depressão agitada), pois apre-
mg/dia, pois a paciente, além dos sintomas depressivos leves sentava sintomas depressivos concomitantes aos maníacos, além
resistentes, de tempos em tempos se queixava de medo de des- de ter apresentado maior gravidade dos sintomas com o uso de
controlar-se e fazer alguma “maldade” contra si e contra seu filho, antidepressivos. Autores referem que a presença de diferentes
com extrema angústia e desesperança. temperamentos afetivos podem influenciar a fenomenologia da
Duas semanas após o início da olanzapina, a paciente não mania19,23,25. De acordo com Akiskal,27 os episódios afetivos mis-
mais referiu ideação suicida e os episódios de ansiedade intensa a tos derivam de temperamentos de polaridade oposta; não são
que esporadicamente referia cessaram. Seu humor e ânimo tam- meramente a superposição de dois estados afetivos opostos, como
bém obtiveram melhora. Passaram-se seis meses desde então. descrito no DSM IV e na CID-10. A paciente em questão apre-
sentou, durante sua vida, temperamento hipertímico (Quadro 4),
o que a ajudou a subir na vida e a conseguir sucesso profissional.
Discussão diagnóstica apresentada pelo supervisor
Quando um hipertímico se torna deprimido, elementos desse
Dados recentes indicam que cerca de um terço dos casos de temperamento aparecem na depressão, mascarando o quadro e
depressão nas unidades psiquiátricas e de atenção primária per- tornando-o disfórico8. Dessa forma, a investigação do tempera-
tencem ao espectro bipolar soft,2 o qual inclui outros transtornos mento terá papel importante na investigação diagnóstica e no
do humor relativamente leves com expressões hipomaníacas estabelecimento das fronteiras entre os transtornos depressivos e
súbitas6. bipolares27.
Olavo Pinto**
* Professora Titular de Psicofarmacologia e Livre-Docente em Psiquiatria Clínica, Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de Medicina.
** Diretor da Clínica de Neuropsiquiatria, Rio de Janeiro, Brasil. Membro do International Mood Center. Universidade da Califórnia, San Diego, Estados Unidos da
América.
personalidade não dizem nada. Eles migrarão para o eixo I, com doenças afetivas: bipolares, unipolares e até de pacientes normais.
exceção da personalidade anti-social. Não tem sentido evitação Remeto vocês ao trabalho de Sangerschen, publicado no Archives
social, borderline... Organização borderline, sim, se quiserem em 1985, em que ele fala de presença de bipolaridade
colocar organização como o conceito de Kernberg no eixo II, mas nessas famílias.
não como um transtorno de personalidade. Gostaria de falar bre- Esta moça está em uso de drogas que provocam ganho de
vemente sobre essa questão da análise do temperamento. Uma peso em doença afetiva: estabilizadores de humor lítio e dival-
pessoa hipertímica como ela, quando deprime, cai, por definição, proato, e a olanzapina. É uma preocupação que eu trazia, mas
no estado misto. Essa pessoa carrega sintomas do seu tempera- vimos no vídeo que ela está muito bem fisicamente.
mento-base e, se prescrevermos um antidepressivo, sem cobertu- Gostaria, finalmente, de retornar a essa questão do tempera-
ra com estabilizador, sempre resultará no ocorrido. A questão dos mento, que a colega coloca no eixo II. Considero que pensou de
estados mistos do DSM-IV é criticada por vários autores ameri- forma correta, embora isso não seja contemplado nas classifica-
canos, como Susan McElroy e outros, especialmente o estado ções oficiais: no eixo II do DSM-IV, se encontram transtornos de
misto visto do lado depressivo, a depressão agitada como estado personalidade, além de retardo mental. É o que se permite, mas
misto. Remeto vocês a artigo de Koukopoulos escrito na Clínica que, no caso, não nos ajuda. Já a análise do temperamento, de que
Psiquiátrica de setembro de 1999, trabalho magistral sobre a própria paciente tanto falou, permite-nos prever para onde ela
depressão agitada como estado misto. Temos que dissecar o caso migrará quando deprimir. Uma pessoa hipertímica não fará uma
apresentado porque contém exemplarmente essa questão do esta- depressão maior. Será sempre um estado misto (não no conceito
do misto e a questão da comorbidade. A comorbidade com doen- do DSM-IV), porque, quando deprime, carrega elementos do
ça ansiosa: começam a aparecer diagnósticos de pânico, de ansie- temperamento Geralmente os elementos são acelerações do pen-
dade social, elementos de TOC, tudo isso no âmbito do estado samento, uma certa agitação, que às vezes é grave porque a cog-
misto. Estado misto é uma fonte inesgotável de sintomas e síndro- nição depressiva pode trazer idéias como a de morte e de suicí-
mes. É a grande imitadora da psiquiatria atual. O que a tubercu- dio, sendo que essa pessoa está acostumada a agir. É uma pessoa
lose foi para a medicina nos anos 40 e 50, em que para qualquer de ação, é uma pessoa que tem a idéia e age, de modo que a
caso clínico se pesquisava TBC, hoje, para qualquer paciente que depressão num paciente desses é quase uma emergência clínica.
vocês receberem, esteja ele em delirium, em quadro psicótico, em Ela não vai apenas ruminar com a ideação suicida, ela tende a
quadro afetivo, em quadro ansioso, procurem estado misto. O agir. Confesso ter ficado surpreso à leitura de cada parágrafo
estado misto é um camaleão, uma hora ele de apresenta com uma desse caso, quase não acreditei no impacto que muito da pesqui-
face, outra hora com outra. E quando se indroduz antidepressivo sa de nosso grupo teve aqui, em Porto Alegre e em outros luga-
sem proteção, ocorre o que vimos nesse caso. res, onde vemos pessoas falarem com intimidade sobre nosso
Outro aspecto interessante do caso é mostrar a evolução do conceito de estado misto, nosso conceito de temperamento, de
tratamento. Mostrar que o lítio não é tão efetivo nessas formas, e espectro bipolar. Como nos Estados Unidos, onde também está
da grande utilidade de certos anticonvulsivantes e, principalmen- havendo essa repercussão, muito embora paralela ao sistema ofi-
te, dos antipsicóticos atípicos. Lembrar que a fase em que nossa cial. Para vocês terem uma idéia, houve uma reunião de consen-
colega assumiu a paciente já era uma fase extremamente resisten- so sobre doença afetiva no Instituto Nacional de Saúde Mental há
te. Aquilo que se dizia de borderline, que era estável na instabili- dois meses e a palavra bipolar sequer foi mencionada. Falou-se
dade, na realidade serve para definir estado misto: é instável, mas apenas de depressão unipolar. O sistema oficial ainda continua na
é estável. E é agora uma forma já resistente ao tratamento. É pre- dualidade borderline, depressão e esquizofrenia, quer dizer, trans-
ciso muita tenacidade, a paciente já está esgotada, como ela torno de personalidade borderline associado a depressão e a
demonstrou no vídeo, desesperançada, porque, na realidade, esquizofrenia. E assim marchamos. Há uma resistência da oficia-
estes pacientes não são entendidos. lidade muito grande, mas nos consultórios vejo pessoas do Brasil
Outra coisa: depressão atípica. É uma pena que o sistema inteiro falando: “o que é isso? A partir do momento de ler isso ou
DSM só trouxe depressão atípica na edição IV. Até o DSM-III-R, ler aquilo, no meu consultório só encontro bipolar, eu reconheço
atípico era sem outra especificação. Não trazem a realidade cien- é bipolar, eu estou com algum problema?” Não, é a realidade!
tífica, a de que esse quadro é mais ligado ao transtorno bipolar do Virá artigo do Angst, a ser publicado em breve,a com uma preva-
tipo II. Eles poderiam colocar um pequeno asterisco: “em presen- lência de 25% de transtorno bipolar no cohort dele de Zurique e
ça de depressão atípica, pensar bipolar, pesquisar bipolar”. Não de 10% de unipolar. Quer dizer, as evidências estão emergindo, a
precisa dizer que é bipolar, pois existem muitas depressões uni- pressão está vindo de baixo para cima, são as pessoas que estão
polares que preenchem critérios da atipicidade, mas pensar no front, é você que está no front, que vêem essa nova realidade.
em bipolar. Em congressos 15 anos atrás havia grande número de palestras
Também o fato de esquemas diagnósticos não incorporarem sobre depressão resistente. Essas palestras praticamente sumi-
a história familiar. Vocês notaram que a história familiar é carac- ram, qual a explicação? Esses mesmos pacientes estão sendo vis-
terística. Quem teve a oportunidade de estar no Rio ou em São tos de uma forma diferente. Que paciente é esse que não melho-
Paulo na palestra do professor Akiskal mostrando heredogramas ra com vários antidepressivos, mas adiciono o lítio e ele melhora?
em que suicídio, impulsividade, abuso de drogas, depressão, Parabéns, excelente. Recomendaria a cada um refletir sobre
depressão unipolar se encontram na história familiar de todas esse caso, isso mudará a vida de muita gente. No próximo con-
28 Swann AC, Secunda SK, Katz MM, Croughan, J. Specificity 29 Akiskal HS. The Depressive Phase of Bipolar Disorder: Focus
of mixed affective states: clinical comparison of dysphoric on Bipolar II. 154th Annual Meeting of the American
mania and agitated depression. J. Affect. Disord 1993; 28:81-89 Psychiatric Association. Day 1 – May 5, 2001.
* Psiquiatra da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – FHEMIG, Coordenadora do Departamento de Psiquiatria da Infância e Adolescência da
Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP.
Gostei muito das escalas, acho que elevam muito o nível do mico. Quem olha essa criança nesse referencial vai se lembrar e
diagnóstico. Acredito que não há mais dúvidas nesse diagnóstico pensar, claramente, que estamos lidando com uma criança border-
da paciente. line. Então, o que estamos tentando lembrar e trazer à discussão
Em resumo, gostaria de colocar que concordo com o diag- é que, como ainda não está claro conceitualmente se temos algo
nóstico. É preciso fazer esse diagnóstico diferencial, principal- nessa esfera, em termos de nível de organização funcional, ou se
mente de hiperatividade, transtorno de oposição desafiante e temos uma doença psiquiátrica maior ativa, pelo menos vamos
transtorno de conduta. Não se falou da questão da personalidade pensar nesta possibilidade de doença psiquiátrica ativa. Vamos
e do temperamento, que influenciam no prognóstico e na condu- lançar mão de uma medicação e ver qual é a resposta, enquanto
ta. E, principalmente, não se abordou a questão da intervenção talvez se possa trabalhar outras questões estruturais, outra abor-
familiar. dagem, outra aproximação do caso.
Apenas para encerrar: penso que nós da infantil não pode-
mos esquecer da questão da psicologia evolutiva. De como está o Sandra Petresco
desenvolvimento da criança, do que é normal em cada época. E
não apenas o desenvolvimento da criança, mas também em rela- Gostaria de falar sobre a questão familiar. Não foi feito um
ção ao desenvolvimento da doença na criança. Primeiramente, diagnóstico desses parentes e tratamento. Só do avô materno, que
quando o psiquiatra infantil atua, deve ser a nível de prevenção. realmente foi internado por tentativa de suicídio, possui história
No primeiro caso apresentado, parece que a discussão foi muito de depressão, mas também de promiscuidade e gastos excessivos.
em cima da apresentação prévia de algum sintoma pela paciente. Quer dizer, são dados sugestivos de Transtorno Bipolar na famí-
Talvez, se ela tivesse sido vista antes com os olhos da psiquiatria lia. Isso foi citado na apresentação. Já seu pai – e isso não men-
infantil, não chegaria a apresentar aquele tipo de problema. cionei – usa drogas e tem gastos excessivos, é uma pessoa bem
Era o que desejava falar. Parabenizo pelo caso. Muito obriga- instável, com uma vida bem desordenada. A mãe me parece uma
da pela oportunidade. pessoa, no mínimo, distímica e com história de sintomas sugesti-
vos de depressão na infância. Não é nada conclusivo, mas são
Luis Augusto Rohde dados sugestivos de história familiar positiva para transtorno
bipolar.
Gostaria de falar sobre alguns pontos do que foi comentado.
Essa preocupação com a história familiar temos tido bastante, já Marcos Tomanik Mercadante*
que a questão do diagnóstico do Transtorno do Humor Bipolar é
ainda muito controverso na infância. Até mesmo na evolução do Primeiro, gostaria de agradecer à oportunidade de participar
pensamento a respeito do diagnóstico dessa criança se pensou e, segundo, de parabenizar a Sandra pelo caso. É uma oportuni-
muito na possibilidade de hiperatividade. Muitas vezes, encontra- dade vermos um caso da psiquiatria infantil, muito bem-apresen-
mos nesses casos a dificuldade de diferenciar, como você colocou, tado e extremamente rico.
os transtornos de conduta ou de oposição e desafio e hiperativi- Pena que não pudemos ver o quadro da paciente com uma
dade. Mas o que temos visto, e que fica muito claro nesta situa- idade menor. Para quem tem experiência com criança, a dificul-
ção da paciente, é que nesses quadros de Transtorno Bipolar há dade maior de fazer o diagnóstico diferencial entre transtorno de
uma intensidade de sintomas, algo de ordem de prioridade maior, hiperatividade, déficit de atenção e um Transtorno Bipolar ocor-
que não é explicável somente pela história clínica e pelo curso re com crianças menores. Mas nessa criança, que é pré-adolescen-
que normalmente vemos em desatenção e hiperatividade. te, é um pouco mais fácil de percebermos o caráter da oscilação
A razão de nossa felicidade, apenas para ficar claro, é que do humor. Em crianças menores a irritabilidade, a hiperatividade
nós, psiquiatras de criança e adolescente, passamos a vida inteira e o padrão disfórico complicam muito e essa provavelmente deve
procurando adaptar sistemas classificatórios e de diagnóstico de ter sido a dificuldade que o psiquiatra anterior teve, quando ima-
adultos para poder aplicar em crianças e adolescentes. A hipera- ginou um quadro do padrão de hiperatividade e medicou a meni-
tividade, eu sempre brinco, é a nossa vingança, porque hoje em na, possivelmente pensando no efeito da desipramina.
dia os psiquiatras de adultos estão tendo que trabalhar para adap- A título de contribuição, outra coisa que tem me chamado
tar um diagnóstico que inicialmente era de crianças para a psi- atenção ao trabalhar com crianças: temos muita dificuldade em
quiatria de adultos. pensar nos quadros de personalidade, até porque a personalida-
Sem dúvida, temos dado muita atenção à história familiar, de ainda não está formada e só conseguiremos fazer esse diagnós-
acho que tens toda a razão. Talvez pelo fato de o pai estar em tico posteriormente, no final da adolescência. Mas é uma possibi-
outra cidade não tenhamos conseguido avaliar isso melhor. Como lidade para pensarmos, além da discussão entre o quadro bipolar
ainda é um quadro controverso, temos dado muito peso à presen- e o transtorno hiperativo – déficit de atenção. Essa outra possibi-
ça de história familiar como indicador positivo a mais em termos lidade seria de um caso de personalidade limítrofe, com uma labi-
do diagnóstico. Completa concordância contigo nesse sentido. lidade do humor, pensando até no padrão de comportamento um
Esse caso ilustra muito um outro aspecto, para nós que tam- pouco aberrante da paciente. Isso levaria a uma discussão interes-
bém temos uma trajetória muito comum entre psiquiatras de sante do ponto de vista das bases neurofisiológicas, porque o tra-
criança e adolescente, a de vir de um referencial mais psicodinâ- tamento, a princípio, também seria com estabilizador do humor.
* Professor Adjunto, Programa de Pós-graduação Distúrbios do Desenvolvimento Universidade Presbiteriana Mackenzie, Affiliate Researcher Yale Child Study
Center.
* Residente do terceiro ano de psiquiatria do Hospital das Clínicas Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Minas Gerais. Supervisor.
Gerais. Apresentador.
** Acadêmico do sexto ano da Faculdade de Medicina da UFMG Endereço para correspondência:
*** Professor Adjunto do Departamento de Psiquiatria e e-mail: leandroapsilva@ig.com.br
*Coordenador do Departamento de Diagnóstico e Classificação da ABP. Doutor em Medicina, Universidade Livre de Berlim. Membro do Comitê de Psicopatologia
Clínica da Associação Mundial de Psiquiatria
de e me agrada muito ver a sala lotada, porque esse tipo de ativida- concordem, mas, vendo a entrevista, ela não parece uma paciente
de é realmente muito proveitosa. A discussão de casos clínicos, psicótica. A mim “não me tocou psicoticamente”, digamos. E, afe-
ainda mais com entrevista filmada, pode ser muito enriquecedora tivamente, de uma forma muito histeriforme, eu diria.
para todos. Eu me lembro de uma antiga categoria, não sei quem a desen-
Aliás, confesso agora, após ver a entrevista filmada, que tenho volveu, talvez o Maurício possa dizer, não sei se Kraepelin ou
vontade de pegar tudo o que escrevi e preparei e jogar fora. Porque Bleuler. Não havia uma histeria esquizofreniforme, ou uma esquizo-
é diferente quando se vê o paciente. Lemos a história, vemos os frenia histeriforme? Não havia um quadro assim também? É uma
dados de anamnese, pensamos uma série de coisas, mas vendo a pena que os nossos sistemas modernos de classificação, na tentativa
pessoa e vendo a entrevista, mudou completamente! E tenho que de simplificar, eliminem determinados diagnósticos, determinados
confessar para vocês que, realmente, não sei o que dizer agora, não conceitos, que poderiam nos ajudar muito a chegar a um diagnósti-
tenho o que fazer com estas minhas anotações! co em casos difíceis como esse.
De qualquer forma, gostaria de fazer algumas observações teó- Para resumir, pois eu acho que o Itiro também tem algumas...
ricas que penso relacionarem-se às dificuldades que o apresentador Aliás me impressionou muito que ela melhorou com cerveja. Eu
e o supervisor tiveram no atendimento à paciente. queria saber a marca da cerveja! [Risos da platéia]. Para eventual-
Se atentarmos à história, observamos um curso interessante, na mente receitar. E se ela melhorou com cerveja, talvez, de fato, não
medida em que é realmente atípico, difícil. Não conseguimos vê-lo seja algum transtorno basicamente psicótico, porque não melhora-
em nenhuma das grandes categorias. Começa aos 15 anos (primei- ria com cerveja. Mas essa é só uma hipótese farmacodinâmica!
ro detalhe). Vários estudos epidemiológicos já demonstraram que a Viram que o diagnóstico utilizado foi a CID. Está bem assim,
idade de início da psicose esquizoafetiva é 30 anos (mais ou menos correto. Temos que usar e conhecer a CID. Mas se saímos da CID
dois ou três anos). Portanto, esse dado já pode nos ajudar. O que para ver o que existe de critérios diagnósticos, não só para esquizo-
sobraria? Resta algum transtorno do grupo das esquizofrenias. 15 frenia, mas como para psicoses esquizoafetivas, verificaremos que
anos, antes dos 20: será que algum transtorno hebefrênico? Bem, ela existe uma variedade muito grande e muito interessante de sistemas
possui alguns dados na história, como timidez, como retração social diagnósticos, especialmente para psicose esquizoafetiva. Gostaria
na infância, que poderiam nos sustentar nessa hipótese, mas apenas de mencionar especialmente um que pude conhecer melhor, uma
isso também. O quadro em si tem muito pouco da síndrome hebe- proposta diagnóstica de um psiquiatra grego, Marneros, que desen-
frênica clássica. Isso quanto ao primeiro surto. volveu todo um estudo em Colônia, Alemanha, com pacientes que
Sobre a história civil, conforme informação do marido, depois ele pôde examinar durante 30 anos, que já vinham do Schneider
desse surto e até os 32 anos, parece que a história de vida dela foi (parece-me que eram pacientes do Kurt Schneider, em Colônia). Ele
“relativamente” normal. É pouco provável que isso tenha aconteci- propôs um sistema diagnóstico muito interessante para psicose
do, muito pouco provável. Se investigássemos, talvez, um pouco esquizoafetiva. Uma idéia importante: sugere que pacientes esqui-
mais na anamnese, poderíamos obter alguns elementos psicopatoló- zoafetivos possam ter episódios puros, ou seja, só esquizofrênicos
gicos importantes. ou esquizofreniformes hoje, por exemplo. No futuro, ou no passa-
Chama-me a atenção que ela foi atendida em março agora, mas do, só maníacos ou só depressivos. Ou seja, ele sustenta que a exi-
que, na verdade, ela está desde 1998, desde os 32 anos de idade, em gência existente na CID, de simultaneidade (pelo menos em algum
momento num mesmo episódio) de sintomas do grupo esquizofrê-
“surto”, porque se observarem na descrição do caso, ela está com
nico e do grupo afetivo não é importante. Se adotarmos esses crité-
sintomatologia ativa há cinco anos, das mais variadas formas. Então
rios diagnósticos do Marneros, a estabilidade diagnóstica dos
não se trata de um episódio o que temos. Isso é uma evolução, e
pacientes com transtorno esquizoafetivo aumenta tremendamente.
uma evolução que, digamos, mistura, muito claramente, elementos
Se usarmos os critérios da CID, sabe-se que a estabilidade diagnós-
psicóticos importantes. Curiosamente, num primeiro momento só
tica de um paciente que um dia recebeu diagnóstico de esquizoafe-
alucinatórios, e apenas agora, bem no fim, já durante o tratamento,
tivo é de 40%. Usando critérios de Marneros, verifiquei estabilida-
é que aparece sintomatologia delirante persecutória. Este é, portan-
de de 86% no meu estudo de doutorado.
to, um elemento que apareceu recentemente, apesar de tratamento.
Para finalizar, eu diria que não sei qual o diagnóstico. Parece,
É curioso isso.
talvez, um transtorno histeriforme grave com manifestações pseu-
Na verdade, a psiquiatria do século passado descreveu mais de
dopsicóticas, pseudoesquizofrênicas, com uma sintomatologia afeti-
100 cursos possíveis para a esquizofrenia. Atualmente se aceitam 15
va associada, mas que a mim não me “palpitou” (como se diz no Rio
cursos, ou algo aproximado, quer dizer, existem várias formas de
Grande), não me tocou. Mas gostaria de ouvir o Itiro e depois abrir
evolução do transtorno esquizofrênico.
para a platéia, para que possamos discutir mais.
Pesquisei algo sobre a evolução do transtorno esquizoafetivo.
Também é altamente variável. Geralmente começa com sintomato- Itiro Shirakawa *
logia mais para o pólo esquizofrênico e, com o tempo, vai terminan-
do com sintomatologia afetiva. Quer dizer, usando os dados de evo- Primeiramente as minhas queixas ao Dr. Maurício Viotti,
lução que se conhece, isso não nos ajudará muito para chegar a um que, no ano passado, também me convidou para um caso de
diagnóstico desta paciente. esquizofrenia que era um transtorno de personalidade, e me vi em
O que eu queria dizer em relação ao filme, e que talvez seja o dificuldades, procurando recordar conhecimentos antigos. Eu
mais importante em relação a tudo isso... Não sei, espero que vocês não sei se aceitarei no ano que vem! Ele está me ajudando, quem
* Professor Titular de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina
essas confusões de diagnóstico, algo que sempre deve ser pensa- tivos (isso ocorreu num draft ou rascunho da CID-10, mas não
do quando temos dúvida quanto ao diagnóstico. teria ocorrido na CID-8, nota do editor) na CID-9 dos esquizo-
Achei brilhante a conclusão da mesa e a exposição do caso frênicos, na CID-10 numa linhagem específica, quer dizer, será
também foi muito boa. que na CID-11 teremos ainda transtornos esquizoafetivos
ou não?
Leandro Augusto Paula da Silva Uma outra questão, Leandro, que considero fundamental.
Mais do que discutirmos o diagnóstico, seria discutir assim:
Eu gostaria de tentar responder a ambos os questionamen- como podemos trabalhar com esse tipo de paciente? E nesses
tos, que são muito parecidos. Uma coisa que a gente fez, se não casos difíceis temos um furor farmacológico, começamos a fazer
semanalmente, mas com muita freqüência, foi exatamente ques- associações que muitas vezes são indevidas teoricamente ou até
tionar o diagnóstico e até por isso estamos trazendo o caso aqui. mascaram quadros. Mas, aqui, penso que existem dois pontos
Inicialmente, pensamos no quadro depressivo, talvez pela apre- fundamentais. Primeiro, é o exercício do trabalho e a reflexão
sentação da paciente na primeira consulta, que não foi a apresen- dos casos em equipe e, se possível, numa equipe multiprofissio-
tada no vídeo. A primeira consulta chamou muito nossa atenção nal, que possa fazer leituras distintas em relação ao caso.
nesse sentido da depressão e, inicialmente, pretendíamos seguir Segundo ponto, a possibilidade de, nesses casos, pensarmos em
a estratégia de iniciar um antidepressivo e diminuir os serviços de atendimento mais intensivo, como, por exemplo,
antipsicóticos. uma hospitalização parcial, tipo hospital-dia, onde possamos
Optamos também por um acompanhamento semanal dessa acompanhar a evolução desse paciente.
paciente, achamos que haveria uma possibilidade adicional de Portanto, penso nessa perspectiva de poder refletir a respei-
melhora da paciente com esse acompanhamento mais próximo. to desses casos numa outra concepção. Eu também não sou psi-
E, gradativamente, fomos aumentando a imipramina e tentando canalista, não tenho formação psicodinâmica. Nem acho que a
reduzir os antipsicóticos. psicanálise se reduza a cinco sessões por semana. Muitas vezes
O que chamou muito nossa atenção – acho interessante a pode haver uma leitura mais intensiva, uma leitura de psicotera-
observação do Prof. Itiro sobre isso – foi o fato de ela ter piora- pia breve e que pode contribuir numa perspectiva de evolução
do tanto com a retirada do haloperidol. Em vários momentos, muito boa para essa paciente, que não se baseia apenas e pura-
tínhamos pensado em ganho secundário, em vários momentos mente na questão medicamentosa. Obrigado.
pensamos em quadro histeriforme. Mas com a manifestação após
a retirada, então, entrou uma outra questão. Como foi colocado Hélio Elkis
pelo Dr. Eudes, como é que está a histeria hoje em dia? Porque
senão, de uma certa maneira, podemos até falar que os nossos Precisamos passar para a outra mesa. Se não houver respos-
sistemas classificatórios, como colocou o Dr. Luís Guilherme, ta, o Prof. Maurício, na ausência do supervisor, quer comentar,
são completamente falhos em alguns casos, como neste. Não há pois conhece o caso.
como classificá-lo pela CID e pela DSM. Essa paciente é inclas-
sificável se considerarmos todos os critérios. Então ficamos per- Maurício Viotti Daker
didos nesse caso. E mais, não tem como classificar e, se formos
recorrer à psiquiatria atual, o tratamento também é muito difícil. Tive a oportunidade de ver umas poucas vezes essa paciente
Tratar como? Por onde? É interessante que temos um psicanalis- e gostaria de lembrar que, de fato, esse vídeo foi feito numa
ta didata da IPA no nosso serviço e ele até sugere umas idéias etapa mais inicial, quando a sintomatologia estava mais nebulo-
interessantes, mas em termos de ambulatório psiquiátrico da sa do ponto de vista dos sintomas psicóticos. Depois a vi no dia
UFMG também fica difícil conduzir da forma como sugere, uma em que chegou naquele estado, totalmente em surto, e não me
análise cinco vezes por semana durante anos seguidos... Quer pareceu nada de “faz-de-conta”, nem de “sombra”, nem de
dizer, é difícil também, como vamos fazer isso? “parece que é” ou de “como se”. Já havia a suspeita desse qua-
Fica aqui, portanto, a questão da classificação, de como dro dissociativo, de algum ganho secundário, mas quando che-
alguns casos seriam pouco privilegiados hoje e como também gou nesse surto, de psicótico tinha sim! Porque ela alucinava, eu
alguns casos são extremamente difíceis de conduzir. a vi vendo coisas. E os vultos eram relatados na ocasião como
Também concordamos que há uma polifarmácia, procura- imagens vívidas, de pessoas sangrentas. As vozes também, ao que
mos manejar isso. Mas, ao mesmo tempo, ficamos receosos, pois tudo indica, ouvidas com nitidez. O comportamento e a fácies de
foi muito difícil e demorado chegar ao equilíbrio a que chegamos pavor, realmente em pânico. Era uma paciente plenamente sur-
hoje. Houve respostas aos medicamentos, nem que parciais. tada, em surto psicótico. Se é esquizoafetivo, se é psicose aguda,
Felizmente, pelo menos razoavelmente controlada ela se encon- esquizofreniforme, psicose histérica ou o que for, não sei, mas
tra no momento. que ela apresentou aí sintomas psicóticos claros e evidentes, pelo
menos naqueles dias, disso não tenho dúvidas. E certamente nin-
Luís Fernando Paulin (Bragança Paulista, SP) guém esperaria que piorasse tanto para estar ali na hora com
uma câmera de vídeo. Não foi filmado, infelizmente, pois gosta-
Eu concordo já com algumas colocações. Principalmente, eu ria de ter a opinião dos colegas a respeito dessa fase também.
até perguntaria para o Prof. Luís Guilherme: na CID-8, os trans- Mais algum comentário? Teremos a outra mesa. Sim, vamos ver
tornos esquizoafetivos estavam na linhagem dos transtornos afe- se o Louzã agora resolve!…
Keila Albuquerque * nia, apesar de não haver manifestação presente ou passada de ano-
Osmar Gouveia ** malias esquizofrênicas definidas e características”.
Maria de Fátima Diniz *** Spitzer et al.4 levantaram a hipótese de que a síndrome bor-
derline incluía dois diagnósticos distintos. O primeiro, contem-
Resumo plado com a denominação borderline, caracterizava-se, principal-
mente, pela instabilidade dos relacionamentos interpessoais e
Os autores relatam o caso de um paciente com transtornos de acentuada impulsividade, tendo certo parentesco com os trans-
personalidade borderline e esquizotípico e a sua evolução após a tornos do humor; o segundo diagnóstico foi denominado de
introdução da clozapina. São discutidos os aspectos psicopatoló- transtorno esquizotípico, cuja característica essencial era um défi-
gicos e históricos dos termos borderline e esquizotípico. Segue cit social e interpessoal, marcado por reduzida capacidade para
discussão com debatedores e platéia. relacionamentos íntimos, além de distorções cognitivas ou da per-
cepção, sendo então sugerida uma relação entre esse quadro e
Palavras-chave: Transtorno de Personalidade Borderline; a esquizofrenia.
Transtorno de Personalidade Esquizotípico.
Relato do Caso
Introdução
Apoiados em Berrios,1 passamos a uma breve revisão do con- Identificação
ceito de borderline.
Inicialmente, a síndrome borderline surge como categoria BGAT, 39 anos, solteira, doméstica, segundo grau completo,
vaga e imprecisa, que compreende sintomas que se estendem natural e procedente do interior de Pernambuco.
desde o “neurótico”, passando pelos distúrbios de personalidade,
até o “psicótico”. Podemos considerar como precursores do con- Queixa principal
ceito de borderline entidades como a “manie sans délire”, de Pinel
(1809), a “moral insanity”, de Prichard (1835), assim como a “folie Encaminhada à enfermaria de psiquiatria da Unidade de
raisonnante”, de Esquirol (1838), que eram consideradas transtor- Saúde Mental do Hospital das Clínicas da Universidade Federal
nos mentais graves, mas sem sintomas claros de loucura. Em 1890, de Pernambuco devido à tentativa de suicídio por meio de inges-
Kahlbaum descreve uma síndrome denominada heboidofrenia, tão excessiva de psicofármacos.
presente em indivíduos pré-esquizofrênicos, negativistas, mal-
humorados, impulsivos e entregues a uma espécie de “autismo HMA
moroso”. Posteriormente, temos outros autores, como Eugen
Bleuler (1911), que denominou de esquizofrenia latente aquela Paciente com transtorno mental evoluindo de longa data,
que, apesar de um comportamento social mais adequado, trariam tendo o quadro mórbido iniciado na adolescência. Aos 17 anos,
consigo elementos de esquizofrenia, conceito esse semelhante ao teve a sua primeira tentativa de suicídio, por meio de ingestão de
que Zilborg, em 1941, designou esquizofrenia ambulatorial. Stern fármacos de sua genitora. Após esse episódio, mudou-se para São
foi o primeiro autor a utilizar o termo borderline, em 1938. Paulo onde morou durante 20 anos e passou a ser acompanhada,
Deutsch, em 1942, referindo-se a esses estados borderline entre a nesse período, por psiquiatra e psicólogo naquela cidade. Teve
psicose e a neurose, cunha o termo “personalidade como se”. Kurt vários internamentos, todos pontuados por tentativas de suicídio,
Schneider, em 1965, no livro Psicopatologia Clínica,2 denomina de uma tendo ocorrido numa enfermaria psiquiátrica, onde quebrou
psicopatas instáveis de ânimo aquelas pessoas de humor depressi- uma lâmpada e cortou os pulsos. Chegou a utilizar vários psico-
vo que, inopinadamente, se excitam, quadro freqüentemente asso- fármacos: antidepressivos (tricíclicos e inibidores seletivos da
ciado a impulsividade e ao abuso de álcool. A CID-9,3 de 1976, recaptura de serotonina), estabilizadores do humor (carbonato de
denomina de esquizofrenia latente ou borderline “um quadro lítio e carbamazepina), haloperidol, este último por curto perío-
mental que se manifesta através de comportamento excêntrico ou do de tempo, além de realizar várias sessões de ECT, sem obter
inconseqüente e de anomalias que dão a impressão de esquizofre- resposta satisfatória. Há aproximadamente dois anos e oito
Sempre foi considerada tímida e calada, não gostava de dizer Diagnóstico provisório
o que sentia para os familiares. Não tinha facilidade de fazer ami-
zades, recorda-se apenas de uma amiga na infância, preferia mais Transtorno de personalidade borderline.
atividades solitárias. Sofreu abuso sexual do genitor na infância e
na adolescência. Tratamento e evolução
Aos 17 anos, mudou-se para São Paulo devido aos constan-
tes abusos sofridos por parte de seu pai. Concluiu o segundo grau Mantivemos, no início do internamento, os psicofármacos
e cursou dois anos de psicologia, porém abandonou os estudos que vinham em uso: sertralina 75 mg/dia, carbamazepina 800
posteriormente e nunca mais retornou a estudar. Teve diversos mg/dia (chegamos a aumentar para 1000 mg/dia) e diazepam 10
empregos: trabalhou como doméstica e balconista em um frigorí- mg/dia.
fico, sendo constantes as mudanças de emprego. O último foi o Durante as entrevistas posteriores na enfermaria, sempre se
de caixa de supermercado. Atualmente, está aposentada devido apresentava reticente, com aparência estranha, evitando o conta-
ao transtorno mental após quatro anos de benefício no INSS. to visual. Chegou a referir que havia sofrido abuso sexual do seu
Teve dois relacionamentos amorosos, o primeiro durou um genitor em sua infância e sentia-se muito culpada, pois achava
mês e o segundo aproximadamente três anos. Era um relaciona- que não merecia ser perdoada por ter traído a sua genitora, e atri-
mento bastante conflituoso. Chegaram a conviver maritalmente, buía esse fato como causa das suas repetidas tentativas de suicí-
sendo freqüentes as brigas e a paciente geralmente quebrava dio. Relatou ainda que tinha muita raiva de seu pai e de uma de
objetos enquanto discutia com o seu companheiro. O rompimen- suas irmãs, além de todos os outros pacientes da enfermaria, dos
to ocorreu em dezembro de 1999, época em que resolveu voltar quais referia não suportar sequer a presença próxima a ela,
para sua cidade natal e morar na casa de uma de suas irmãs. mesmo não tendo motivo aparente para apresentar esse sentimen-
Durante os 20 anos que passou em São Paulo, nunca foi visitar to. Algumas vezes relatou, sem demonstrar qualquer expressão
familiares em Pernambuco e raramente telefonava para saber de raiva ou remorso, que ficava imaginando a sua irmã esquarte-
como eles estavam. jada dentro de uma grande caixa. Não conseguimos evidenciar
nenhum sintoma claramente psicótico. O comportamento na
Exame físico enfermaria tendia ao isolamento, evitando qualquer contato com
os outros pacientes. Ficou vários dias dizendo que estava sentin-
Sem anormalidades. do um desejo muito grande de quebrar uma vidraça da enferma-
ria. Certa ocasião, após consulta com a psicóloga, consumou o Para maior clareza, fornecemos adiante o diagnóstico multi-
seu intento. Evoluiu com grande impulsividade, sendo atendida axial no DSM-IV-TR9 e a respectiva codificação da CID-10.10
de urgência algumas vezes. Durante os finais de semana domici-
liares, necessitava de vigilância contínua dos familiares, pois ten- HD
tava colocar a mão nas tomadas elétricas e queria se auto-agredir.
Com um mês de internamento, permanecia com séria ideação sui- CID-10: - F60.31 Transtorno de personalidade emocional-
cida e intensa impulsividade. mente instável: tipo borderline
Apoiados em alguns trabalhos como o de Beneditti et al.5, - F21 Transtorno esquizotípico
Colombo et al.6 e relato de caso de Chengappa et al.7, que DSM-IV
demonstraram considerável melhora de pacientes portadores de Eixo I: Nenhum diagnóstico.
transtornos de personalidade borderline com o uso da clozapina, Eixo II: 301.83 – Transtorno de personalidade borderline
optamos por iniciar este antipsicótico. Ao atingirmos a dose de 301.22 – Transtorno de personalidade esquizotípica
100 mg/dia, já eram visíveis os primeiros resultados, como melho- Uso freqüente de atuação (acting out)
ra da impulsividade e do humor. Aumentamos a dose para 300 Eixo III: Hipertensão
mg/dia. Recebeu alta com dois meses de internamento e desde Eixo IV: Vítima de abuso sexual na infância
então vem sendo acompanhada semanalmente conosco com a Eixo V: AGF (admissão): 10
mesma dose de clozapina. Nesse período de acompanhamento, AGF (alta): 65
não apresentou nenhuma tentativa de suicídio, o humor apresen-
ta algumas oscilações episódicas e, no relacionamento com os [Vídeo]
familiares, houve melhora importante. O contato durante as
entrevistas está bem melhor, não se apresenta mais reticente, con-
seguindo falar mais sobre si mesma. Disse: “é, eu sei que tenho de Debate
me cuidar, eu quero melhorar e sei que isso depende também de Mário Rodrigues Louzã Neto*
mim”. Antes não havia modulação afetiva nos conteúdos de pen-
samento dela; atualmente, quando fala da família, já se expressa Gostaria de agradecer o convite para participar dessa discus-
modulando o afeto, concordante com o conteúdo. Ainda persiste são e queria parabenizar a equipe que coordenou a seleção dos
com ansiedade social e possui apenas uma amiga. Porém, diante casos, por ter escolhido dois quadros histéricos para
do quadro apresentado pela paciente antes e durante o interna- discutirmos hoje!
mento, consideramos que houve melhora significativa em seu Estou dizendo dois quadros histéricos porque, historicamen-
funcionamento global. te, uma parte da antiga histeria migrou para borderline. Portanto,
não é de todo absurdo usar essa expressão, quer dizer, borderline
Comentários finais brotou ou adveio do conceito antigo de histeria, que provavel-
mente era amplo demais e acabou esquartejado nas
O que nos chama a atenção no presente caso são os aspectos classificações atuais.
que passaremos a resumir. Trata-se de uma paciente de 39 anos Certamente todo mundo conhece o Nelson Rodrigues como
cuja primeira de uma série de tentativas de suicídio foi aos 17 escritor de teatro, mas que também era cronista de futebol.
anos. Durante os 20 anos que separam esta primeira tentativa do Escrevia para os jornais crônicas dos jogos que haviam aconteci-
instante atual, conta com vários internamentos psiquiátricos. do. E muito freqüentemente se queixavam dele, dizendo que a
Usou vários tipos de medicações sem resultado, à exceção do crônica não tinha nada a ver com o jogo. Ele respondia simples-
antipsicótico atípico referido no relato do caso. O acompanha- mente: “pior para os fatos”. Ele não se preocupava muito com o
mento realizado no HC da UFPE desde o internamento mostra jogo, queria era fazer um comentário qualquer.
uma paciente afastada do convívio com as outras pessoas na Estou citando essa idéia, “pior para os fatos”, porque nosso
enfermaria, bastante reticente durante as entrevistas clínicas, caso é o contrário. Se o paciente não encaixa nos livros, pior para
marcando sua relação com o examinador por um contato distan- os livros. Não é “pior para o paciente”. Isso é fundamental por-
te, com conteúdo de pensamento monótono, concentrado em que, se não, perdemos a noção do que estamos vendo diante de
temas autodepreciativos e, embora reticente, auto-acusatórios. O nós. Ficamos muito preocupados em encaixar o doente em uma
afeto que acompanhava esses temas era sem modulação e não fôrma e, bem, ninguém corta o pé para encaixar o sapato, você
revelava um sentimento que promovesse entendimento empático ajusta o sapato para o pé. Temos que tomar esse cuidado, os
por parte do entrevistador. Com base nesses achados, parece-nos pacientes não vão preencher toda a lista de critérios sempre, não
lícito firmar o diagnóstico de transtornos de personalidade bor- vão se encaixar. Eles não leram o DSM nem a CID! E é impor-
derline e esquizotípica. O que nos levou a este duplo diagnóstico tante não nos precipitarmos, pois muitas vezes acabamos tentan-
foi a presença concomitante de comportamento impulsivo, verba- do medicar um sintoma aqui, outro ali e começa a tal polifarmá-
lizações de raivas, sentimentos hostis, repetidas tentativas de sui- cia e as confusões inerentes a ela.
cídio e, paralelamente, a ausência de modulação afetiva, remon- Não vou entrar nos detalhes da história do quadro dessa
tando ao conceito clássico de atimormia de Dide e Guiraud.8 paciente. Há toda uma história de vida, provavelmente muito
* Doutor em Medicina pela Universidade de Würzburg, Médico Assistente e Coordenador do Projeto Esquizofrenia/ PROJESQ – Ipq USP.
* Professor de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Psicanalista.
O exame psíquico tem que ser descrito e, depois, elaborada coisa com essa ideação suicida. Eu diria que essa paciente – tem
uma súmula psicopatológica, em que, então, usaremos os termos uma palavra que se perdeu na psicopatologia – apresenta auto-
adequados sob o ponto de vista psicopatológico. quíria. Significa a mão contra si própria, é uma paciente que se
Notei um termo com o qual não sei bem o que a apresenta- agride muito. Evidentemente, em algum momento, até pode
dora quis dizer: “a paciente tem hipotimia”. Tenho a impressão acontecer o suicídio, mas ela não quer suicídio, ela quer ficar se
que ela quis dizer que a paciente apresenta hipoforia. Temos que agredindo e, certamente, agredindo também aquelas pessoas com
respeitar as raízes gregas. Se você quer dizer que ela estava triste, quem possui relação afetiva.
abatida, acabrunhada, é hipoforia; hipotimia se refere aos nexos Está bem, a clozapina ajudou, melhorou, mas essa paciente,
afetivos, a relações afetivas que ela tem com as pessoas. Se ela tem pra mim, é elegível para psicoterapia. Se não for possível a psico-
hipotimia, significa que tem um embotamento afetivo, e não me terapia bem-estabelecida, não importa, é paciente de psicotera-
parece que seja bem isso. pia, de alguma forma ela tem que ser ajudada a não ficar de mal
Aí eu também sigo o Dr. Louzã. Não sei de onde surgiu essa com a vida, e ajudada a encarar sua obesidade nessa idade, ajuda-
hipótese de transtorno esquizotípico. Não há nada na história da a encarar sua hipertensão. É uma hipertensão familiar e ela é
dessa paciente, nada no exame, para se pensar em transtorno candidata a um AVC futuro. Ajudada pela psicoterapia. A medi-
esquizotípico. E é muito bom tomar cuidado com esses chavões cação, pra mim, neste caso, é sintomática. Pode até ser a clozapi-
psiquiátricos: “ah é calada, meio retraída, fala pouco. . então deve na, mas é basicamente sintomática, tentando corrigir a impulsivi-
ser coisa de esquizofrenia ou por aí”. Devemos tomar cuidado dade ou corrigir alguma outra anomalia que torne difícil a convi-
com isso, porque pode não ser nada absolutamente, apenas um vência com ela em casa ou no hospital.
aspecto de personalidade; não há nada relacionado com transtor- A senhora me desculpe, mas esses meus cabelos brancos e
no do tipo esquizofrênico ou esquizofreniforme. Portanto, trans- minha idade me perdoam por falar essas coisas. Muito obrigado.
torno esquizotípico ficou, pra mim, totalmente fora de propósito
pelos dados apresentados. Pode até ser, mas só posso raciocinar Keila Albuquerque
pelo que foi apresentado, só posso discutir o que foi apresentado.
Quanto ao diagnóstico, aceito o transtorno de personalidade
Gostaria de falar um pouco sobre a entrevista que fizemos
emocionalmente instável, mas eu não diria borderline. Penso que
com a paciente agora, em que falou sobre vozes, sendo que isso
é impulsivo. O transtorno borderline, e por isso chama-se border-
não foi comentado. Na verdade, durante o internamento e até
line, fronteiriço, está na fronteira, significa que há muitos sinto-
agora ela nunca tinha relatado isso, foi a primeira vez que ela che-
mas de natureza esquizofreniforme, maniforme, depressiva, que
gou a trazer isso, e foi na entrevista para a Sessão de Casos
há um pool de sintomas, insuficientes para caracterizarem uma
Clínicos. Infelizmente, tivemos que gravar essa fita por duas
entidade nosológica determinada, como esquizofrenia, mania,
vezes, porque houve problema de áudio. Na primeira fita ela dis-
depressão. Mas o seu conjunto “confunde” nesse sentido. Assim
corria mais sobre essas vozes, que não eram alucinações. Referia
entendo o diagnóstico borderline, quer dizer, está à margem de
que eram pensamentos que vinham até contra a vontade.
um quadro psicótico, sem configurar um quadro psicótico.
Essa paciente é impulsiva, e ela mesma disse isso. Também a Pareciam ser obsessivos e com essas idéias de tentar se matar.
caracteriza, não apenas na entrevista filmada como na história, ser Mas, em nenhum momento, ela trouxe que vinham de fora.
uma pessoa com um rancor quase permanente, é alguém que está Questionamos especificamente isso e ela não trouxe nenhum
de mal com a vida. Isso é a pessoa com transtorno de personali- dado nesse sentido. Realmente, não parecia ser alucinação auditi-
dade instável impulsiva. Há muitas flutuações, ora parece que va. No máximo, poderia ser pseudo-alucinação.
está tudo muito bem, tudo maravilhoso, ora entra nesse quadro, A respeito do exame físico e do exame neurológico, nas nor-
não do tipo depressivo propriamente, mas raivoso, rancoroso. mas da comissão consta que se houver exames normais, eles não
Evidentemente, aí aparece a impulsividade, aparece a agressivida- precisam ser todos descritos. Agora, se não confiam no nosso
de, se chega a tanto. Portanto, para mim, é mais um transtorno de exame, é um pouco complicado, porque temos formação sufi-
personalidade emocionalmente instável de tipo impulsivo. ciente para fazer o exame neurológico.
Outra coisa, a Dra. Keila falou em pensamento bizarro, por- Quanto ao transtorno esquizotípico, que não teria ficado
que a paciente imagina a irmã despedaçada dentro de uma caixa. muito claro, eu gostaria até de lembrar os critérios do DSM-IV-
Isso não é bem um pensamento bizarro, isso pode até ser uma TR, pois ela preenche os cinco necessários. O pensamento, que
idéia fixa, um pensamento obsessivo. O pensamento bizarro, que consideramos bizarro, apesar de o Dr. Chalub não ter considera-
é muito na linha esquizofreniforme, é mais no sentido de que não do assim. A desconfiança, que ela mesma trouxe na fita.
há uma lógica racional, não possui apoio na realidade factual, Indagamos sobre isso porque ela não interagia. Temia as pessoas,
concreta, visível. Isso é um pensamento bizarro, não porque é desconfiava delas. A terceira característica seria a aparência
uma idéia estranha, feia, uma idéia que nos causa uma certa esquisita e excêntrica. Vocês a estão vendo agora, após dois anos
repugnância, um certo horror, como imaginar a própria irmã des- de tratamento, mas na enfermaria era unanimidade, todos a acha-
pedaçada dentro de um caixão, de um ataúde. Então não é, real- vam esquisita. Ela sempre ficava evitando contato visual com
mente, uma idéia bizarra. todos. Não tem amigos íntimos e confidentes, o que seria outro
O que essa paciente tem é uma ideação suicida permanente. critério. Apresenta também ansiedade social excessiva, de longa
Mas isso tem 20 anos de história, não é? 20 anos de ideação sui- data. Portanto, acreditamos que esses cinco critérios seriam
cida, realmente. . Então suicida! Se não suicida, logo tem alguma preenchidos no DSM-IV-TR.
levantada tendo em vista essa história familiar. E a questão da nos pautar por eles de alguma forma, como os palestrantes bri-
hipertensão familiar foi muito interessante também, porque pra- lhantemente têm procurado fazer.
ticamente todos os membros da família são hipertensos. Essa Temos que encerrar e agradecemos muito a participação de
seria, então, uma família interessante para se estudar do ponto de todos. Estão convidados para amanhã.
vista genético.
A paciente começou a sentir-se suja. Chegava a tomar de três a Antecedentes pessoais e dados familiares
quatro banhos por dia para aliviar-se. Começou a ter problemas no
Nascida de parto normal, sem intercorrências. Gestação e
emprego. Seus colegas a incomodavam, irritava-se facilmente.
desenvolvimento neuropsicomotor sem alterações. Aos oito anos
Durante muito tempo não falou com ninguém. Mas, como começou teve meningite e foi internada em estado grave, recuperou-se.
a ficar muito chorosa e reclusa, há cerca de cinco anos comentou o Estudou até a oitava série. Era boa aluna e muito preocupada
fato com alguns parentes. Então, foi levada a centros espíritas e se com seu desempenho nas provas. Aos 18 anos, trabalhou como
submeteu a tratamentos nessa linha. Era dito a ela que estava com doméstica durante um ano e três meses. Em seguida sua mãe
encosto e que era influenciada por falecidos. necessitou de cuidados. Após a morte da mãe, foi trabalhar em
firmas de confecção. Chegou a trabalhar em quatro empresas.
Há cerca de dois anos foi a um psicólogo em um posto de saúde.
Fazia serviço de arrematadeira, botoneira e ajudante geral.
Chegou a freqüentar terapia em grupo durante menos de um mês. Permaneceu três anos na última firma. Em decorrência dos sinto-
Não a agradou o tratamento. Foi indicada consulta com o psiquiatra mas, teve dificuldade de trabalhar. Há cerca de cinco anos está
e a paciente não compareceu. desempregada.
Era reticente ao falar sobre o que sentia. Receava acharem que Foi uma adolescente tímida e sem namorados. Aos 27 anos
estava louca, omitindo-se. Acredita que são idéias de sua cabeça, mas conheceu seu marido. Namoraram alguns anos e romperam, já
que a paciente insistia na questão do mau cheiro. O marido nega-
não consegue controlá-las.
va, mas não adiantava. Reataram namoro e, após algum tempo,
Nega intercorrências durante a gestação, apenas a permanência dos
foram morar juntos. Refere bom contato sexual, primeira relação
sintomas. O parto também foi sem alterações. No primeiro dia após íntima aos 27 anos com o marido, seu único parceiro sexual. O
o parto, sentiu-se mal. Parentes notaram que estava diferente. marido trabalha como auto-elétrico, sendo a situação
Segundo eles, estava mais quieta e desanimada. Mesmo assim recebeu econômica estável.
alta. Ao chegar em casa, relata que ficou muito preocupada, pois não Nega tabagismo, etilismo e uso de drogas.
queria que o bebê sentisse seu mau cheiro. Acreditava que não con- Nega doenças clínicas.
Um episódio de desmaio na firma em que trabalhava. Perdeu
seguiria cuidar de sua filha. Trancou-se no banheiro e ateou fogo em
a consciência, vomitou e caiu. Não caracteriza epilepsia.
si mesma, pois a morte seria sua única saída Não havia premeditado Nega uso de outras medicações.
isso, refere que o ato foi um impulso.
Inicialmente, veio encaminhada do Santa Marcelina com hipótese História familiar
diagnóstica de quadro depressivo puerperal. Já havia sido prescrita
nortriptilina pelos médicos do Serviço de Queimados. Optamos por Mãe falecida em decorrência de infecção no pé. Apresentava
hiperceratose excessiva e não fazia acompanhamento médico
manter a conduta e aumentamos a dose para 100 mg/dia. Ocorreram
adequado. Seu pai é vivo e tem história de etilismo.
algumas descontinuações no tratamento, relacionadas à piora do qua- Durante anos ficou sem falar com o pai. Culpava-o pela
dro clínico geral, mas a paciente evoluiu com melhora do estado men- morte da mãe, que não recebeu tratamento adequado.
tal. Estava mais animada e dizia que aquelas idéias estavam Atualmente tem pouco contato com o pai.
menos intensas. Possui três irmãos e uma irmã. Todos são saudáveis.
Nega intercorrências durante a gestação, apenas a permanência A filha nasceu sem intercorrências, primogenitura.
dos sintomas. O parto também foi sem alterações. No primeiro dia No momento, reside com a sogra.
após o parto, sentiu-se mal. Parentes notaram que estava diferente.
Exame psíquico inicial (na enfermaria de queimados)
Segundo eles, estava mais quieta e desanimada. Mesmo assim recebeu
alta. Ao chegar em casa, relata que ficou muito preocupada, pois não Encontro a paciente no leito, apresenta lesões por todo o
queria que o bebê sentisse seu mau cheiro. Acreditava que não con- corpo devido às queimaduras. Dificuldades na articulação da fala.
seguiria cuidar de sua filha. Trancou-se no banheiro e ateou fogo em Mostra-se consciente, orientada auto e alopsiquicamente.
Memória sem alterações. Capacidade de atenção preservada.
si mesma, pois a morte seria sua única saída Não havia premeditado
Curso de pensamento lentificado. Latência entre perguntas e res-
isso, refere que o ato foi um impulso. postas aumentada. Humor depressivo com incontinência emocio-
Inicialmente, veio encaminhada do Santa Marcelina com hipóte- nal, choro fácil e conteúdo ideativo em torno do arrependimento
se diagnóstica de quadro depressivo puerperal. Já havia sido prescri- e da culpa.
ta nortriptilina pelos médicos do Serviço de Queimados. Optamos
por manter a conduta e aumentamos a dose para 100 mg/dia. Exame psíquico na evolução
Ocorreram algumas descontinuações no tratamento, relacionadas à
Paciente vem à consulta adequadamente trajada, com curati-
piora do quadro clínico geral, mas a paciente evoluiu com melhora do vos das queimaduras. Consciente, orientada globalmente, memó-
estado mental. Estava mais animada e dizia que aquelas idéias esta- ria e atenção preservadas. Curso do pensamento sem alterações.
vam menos intensas. Presença de vivências sugestivas de alucinações olfativas. Idéias
tornos delirantes, só que ali o monotema é hipocondríaco. Isso É um caso interessantíssimo do ponto de vista clínico, tera-
pode aparecer na forma olfativa, na forma de halitose, na forma pêutico, psicopatológico e psicodinâmico. Essa tentativa dramá-
de dismorfofobia delirante e na forma daqueles delírios de tica de suicídio, algo de autoflagelação, pautada por uma crença
infestação, vermes que penetram na pele ou insetos estranhos patológica crônica de dez anos de história, mas que, no momen-
sobre ela. Esse paciente raramente aparece em hospital psiquiá- to, indicam um sofrimento extremo e um desespero. É algo
trico, vão para ambulatórios de dermatologia ou de neurologia. impulsivo, uma atitude em momento de desespero. Indica um
O último lugar em que eles aparecem é em ambulatórios psi- prejuízo da crítica. Ninguém faz isso se está em dúvida, quer
quiátricos, geralmente são encaminhados. Vê-se que essa dizer, era um momento de mal-estar absoluto e uma tentativa
paciente apareceu no Serviço de Queimados, depois de uma desesperada de se sentir melhor.
tentativa de suicídio. É uma crença patológica compreensível dinamicamente pela
Esses transtornos delirantes monossintomáticos hipocon- história de vida. Isso deve ser salientado, a história da gangrena
dríacos se caracterizam pela dificuldade, muitas vezes, de dis- da mãe é muito marcante. Ela esteve numa situação em que a mãe
tinguir, como no caso, se o que a paciente tem é um delírio ou – era uma preocupação real da mãe – estava com o pé apodrecen-
uma alucinação olfativa. Não conseguimos fazer essa distinção. do, fétido. Esteve ao lado da mãe naquele dia, sentindo aquilo e
Talvez aí teria que se esmiuçar melhor a vivência dela, no sen- tendo que negá-lo à mãe. Portanto, isso é uma marca na vida dela.
tido de que ela pudesse descrever o que realmente estava se Então, quando ela se torna mãe, não quer que a filha passe por
passando com ela, a qualidade disso. Embora ela dê uma dica aquilo que ela sentiu enquanto filha. A vergonha, fala do cheiro,
no final, fala assim “de idéia fixa”. Ela tinha uma idéia fixa, e dessa lembrança. Eu fico me perguntando, pensando, sobre o
que ela olhava para as pessoas e achava que estavam se referin- nojo, a incapacidade, a raiva, possivelmente sobre a culpa que ela
do ao mau cheiro dela. Ou seja, ela tem uma idéia fixa nesse sentia em relação àquela mãe doente. E essa coisa de se sentir
sentido aí delirante, um delírio. O delírio não apresenta, neces- suja, a relação simbólica entre o sentir-se suja, sentir-se cheirando
sariamente, uma convicção plena 24 horas por dia. Podemos
mal e a sujeira moral e a culpa. Isso é básico no quadro dela, acho
ter – até Jaspers pensava assim – um delírio parcial. E ela inter-
que a questão da culpa a acompanha.
preta evidências do meio para corroborar essa crença dela.
Sem dúvida alguma, um quadro relacionado com auto-esti-
Esse transtorno delirante monossintomático, esse subtipo
ma baixa, com auto-referência, o ruim está nela e se espalha para
somático delirante, é raro. O autor que mais estudou isso
o mundo. Isso é algo que lembra depressão e lembra TOC. Isso,
recentemente foi Munroe. Ele tem uma monografia em que
antigamente, era chamado de síndrome de referência olfatória, ou
coletou 50 casos, foi o grupo dele que influenciou a entrada
bromidrosifobia, autodisosmofobia. A terminação “fobia” apro-
desse subtipo no DSM-IIIR e na CID, atualmente. Ele preconi-
xima esses quadros, historicamente, mais das neuroses do que das
za o uso de antipsicótico, é um transtorno delirante, ou seja,
um quadro psicótico. Relata, o que é discutível, que o melhor psicoses. Assim como a dismorfofobia aproxima um pouco mais
antipsicótico, com que obteve mais êxito, é o pimozide (não sei das neuroses. Ao lado, como o Carlos falou, dos delírios de para-
exatamente por que este e não outro). Ele também menciona sitose e de dismorfose. Sempre esses delírios hipocondríacos, a
que alguns pacientes aparentemente melhoram com antide- hipocondria monossitomática delirante, foram relacionados à
pressivo. Eles se tranqüilizam e mantêm uma certa indiferença expressão simbólica da culpa, principalmente em relação
em relação ao monossintoma. Mas seria um efeito instável e à sexualidade.
que, também aqui, o tratamento mais adequado seria com o O conceito de Kraepelin de paranóia englobava a paranóia
antipsicótico. hipocondríaca, que era o corpo como traidor, o corpo como não-
Essa paciente estava deprimida, quando falam do exame confiável, com esses conteúdos de feiura imaginária, defeito físi-
psíquico inicial e da apresentação dela no Serviço de co, infestação parasitária e mau cheiro corporal. Fico pensando
Queimados. É algo para se discutir, se ela não apresentou um nessa moça como uma pessoa com características meio obsessivas
quadro, pelo menos na época, de depressão instalada sobre um de personalidade, boa aluna, preocupada com o desempenho
transtorno delirante, em que podemos pensar para não partir o escolar e tímida. Ela parece ter características meio fóbicas sociais
diagnóstico em depressão psicótica. desde mais cedo. Tem um início de vida sexual-afetiva mais tar-
Outra questão é que o próprio Munroe estabelece que em diamente. E o mau cheiro está muito relacionado com esse peso
alguns casos é muito difícil fazer essa distinção entre a relação social. Fico pensando nesse pai alcoolista, a raiva que ela tinha
que existe entre esses transtornos delirantes hipocondríacos e a dele pela morte da mãe. E vendo esse caso, ocorreu-me, como
depressão, que em alguns casos há um vínculo em que não se hipótese: será que esse pai não era um abusador? Que culpa é
consegue separar uma coisa da outra. Agora, de TOC eu acho essa que a acompanha ao longo da vida e que a faz sentir-se tão
que ela não tem absolutamente nada. podre, tão suja? É apenas uma hipótese.
A meningite dela aos oito anos. É importante dizer que são
Albina Rodrigues Torres* freqüentes os relatos de transtorno delirante somático antecedido
por fatores orgânicos cerebrais. Em homens, principalmente o
Gostaria também de agradecer muito o convite, porque o uso abusivo de álcool e droga e, mais tarde, o desenvolvimento de
caso é lindo, numa área que me entusiasma. transtornos delirantes.
mos em diagnósticos diferentes. Por fim, ao final do seguimento, Quando falam em diagnóstico, em relação ao eixo 1 e eixo 2,
e pela terapêutica introduzida, pela evolução clínica, pela apre- acho que isso foi suficientemente discutido. Chamou-me a atenção,
sentação, pela descrição clínica da paciente e por suas vivências e talvez tenha sido pouco falada, a questão do eixo 3 dessa pacien-
nesses anos todos, nós concluímos por um único diagnóstico. Por te. Ela tem uma história de meningite e foi internada em estado
um transtorno apenas que, em vários momentos, até pelo puerpé- grave, quer dizer, “deve ter sido algo sério”. Em termos de uma
rio e pela gravidez, assumiu significados diferentes para ela. investigação diagnóstica, essa paciente foi submetida a uma tomo-
Talvez tenha ocorrido uma descompensação, uma astenia dos grafia, que pode não ser suficiente, principalmente quando investi-
processos psíquicos e ela se apresentou de maneiras diversas gamos quadros psiquiátricos. E a um eletroencefalograma. Ou seja,
durante essa evolução. Mas essas colaborações dos debatedores só foram realizados esses exames, essas investigações.
nos fazem remeter a outros diagnósticos que merecem atenção. Não ficou claro se ela “achava” que sentia mau cheiro ou se ela
“efetivamente sentia” mau cheiro. Podemos pensar que uma coisa
Cesar Ricardo Skaf (Curitiba) é alucinação num quadro funcional, outra coisa seria um foco em
uma região como o uncus, que é uma área extremamente vulnerá-
O caso é muito interessante e a discussão também de um vel e que pode, a partir daí, gerar uma vivência anormal. Talvez, em
nível muito bom, parabenizo-os. Comentarei especialmente sobre cima de traços prévios dela. Penso que isso deveria ter sido inves-
a depressão psicótica. tigado ou que mereça ainda vir a ser investigado.
Chama-me a atenção, no caso dessa paciente, a impulsivida- Outra coisa que não ficou clara, com referência a essa história
de com que tentou o suicídio, quero dizer, a semiologia subjacen- de meningite, é que ficou um vácuo na história da infância. Ela foi
te a essa tentativa suicida. Isso tendo em conta a preocupação uma boa aluna, mas essa é a única informação de que disponho do
atual, com o seguimento. A paciente parece ter apresentado um desenvolvimento dela. Alguém que tenha uma meningite grave
momento depressivo importante no puerpério e uma remissão dificilmente terá um desenvolvimento tão normal assim. É impor-
(não entendi muito bem o quão rápida). Ela sai desse pólo tante que na história tentemos levantar determinadas seqüelas, se
depressivo algum tempo depois, tanto assim que, já na seqüência não cognitivas em termos de aprendizado, mas seqüelas comporta-
do exame psíquico inicial, temos outra descrição. mentais, até do tipo da impulsividade. Seria interessante saber se
Sobre a depressão psicótica, há uma revisão muito interes- ela se tornou mais impulsiva, diferente, mais retraída, com algumas
sante pelo grupo dos italianos, que têm sistematizado essa ques- dificuldades que possam justificar ou embasar melhor uma manei-
tão da psicopatologia da depressão psicótica. Lattuada e Serretti ra diferente de ela lidar com os problemas que possa ter na vida.
publicaram, em 1998, no Journal of Affectiv Disorders, uma análi- Portanto, é algo que não senti ter sido muito bem-detalhado.
se fatorial sobre as formulações delirantes na depressão psicótica. Parece que a história dela começou há dez anos, até então tudo
E me chama atenção esse monotema do pensamento da paciente vinha bem, sendo que ela teve uma meningite grave aos oito anos.
e sua persistência, a despeito da mudança na polarização do Há um hiato na história que não foi bem-caracterizado e penso que
humor. Ao meu exame, ela parecia um pouco instável na fita, valeria a pena, como sugestão, caracterizá-lo melhor.
quero dizer, o tom de voz um pouco impulsivo, mexia um pouco
demais com as mãos – alguma coisa hipertímica? –, haveria algo Luísa de Marillac Terroni
nesse humor. Porém, mesmo quando ela melhora do aspecto do
humor, ela segue com a formulação delirante, ou com o que está As observações são muito pertinentes e chegamos a pensar
acontecendo no conteúdo do pensamento, seja obsessivo, seja nisso. Procuramos investigar o que nos foi possível quanto a instru-
delirante, seja deliróide. Isso dificulta a possibilidade de pensar- mentos laboratoriais, à história psiquiátrica e à história médica,
mos em depressão psicótica, que exigiria a remissão do que se com ela própria e com alguns familiares que às vezes compareciam
passa no conteúdo do pensamento no momento em que o humor à consulta. E não foi encontrada nenhuma alteração dessa ordem
se normaliza. que pudesse suportar essa idéia. Mas acho que todo esse quadro
Minha preocupação persiste nesse aspecto da impulsividade. psíquico, a nosso ver, pode ter relação com esse dado antigo. Isso
A psicoterapia é essencial, a Albina marcou isso muito bem. Mas não impede que ela seja tratada como vem sendo, mas não esque-
nessa questão da seleção medicamentosa, preocupa um pouco cendo essas observações que você fez, que, com certeza, são
esse caráter da impulsividade. É preciso monitorar muito de pertinentes.
perto como ela vai respondendo, à medida que algum antidepres-
sivo é introduzido e sua dose elevada, porque esse comportamen- Carlos Eduardo da Rocha Silva
to um pouco hipertímico poderia tornar a impulsividade mais
problemática. Ainda mais quando alcançamos doses altas. É uma Faria um comentário, até porque a Dra. Albina mencionou
comorbidade muito difícil entre TOC e humor nesse sentido, isso. Nesses transtornos delirantes, de um modo geral, existe uma
porque precisamos alcançar doses elevadas. história de organicidade, no sentido de traumatismo, de álcool. O
que a Márcia falou procede, existe esse histórico.
Márcia Rozenthal (Rio de Janeiro)
Hélio Elkis
Parabenizo também pelo caso. Não disponho do caso aqui e
o que falarei talvez esteja pautado em dados que eu tenha Gostaria de complementar que hoje de manhã foi apresenta-
perdido. do um trabalho desenvolvido no IPq-USP pelo André Abrão e
Ana Paula Gonzaga da Costa* QP (maio de 2002, Pronto Socorro Psiquiátrico do Complexo
Carlos Henrique Rodrigues dos Santos** do Juqueri)
Sérgio Paulo Rigonatti***
Segundo a mãe, “não se alimenta, não fala e fica imóvel na
cama há dez dias”.
Resumo
A catatonia é uma síndrome de desintegração psicomotora, HMA
caracterizada pela inércia e pela perda de iniciativa motora com
fenômenos semi-automáticos e semi-intencionais como catalepsia, Ao completar 14 anos, em agosto de 1999, seu comporta-
flexibilidade cérea, paracinesias, oposição negativista e sugestiona- mento começou a modificar-se. Lia a Bíblia em voz alta, apresen-
bilidade. Destacam-se também impulsos súbitos e agitação catatôni- tava risos imotivados (dizia que seus pensamentos a faziam rir),
ca. Os distúrbios psicomotores manifestam uma experiência fanta- estava insone, irritada, explosiva; por vezes aparentava ansiedade,
siosa ou imaginária caótica. Descreve-se o caso de uma menina de com sudorese intensa. Tornou-se agressiva com os familiares, rea-
16 anos, estudante, com quadro catatônico que provocou debilida- gia de maneira explosiva e coprolálica sempre que julgava que o
des físicas. Foi submetida a tratamento medicamentoso associado a olhar ou o comportamento deles era diferente. Seu rendimento
Eletroconvulsoterapia (ECT), obtendo remissão completa. escolar decaiu significativamente, escrevia nomes estranhos e
fazia desenhos bizarros no chão. Sua escrita se modificou, tornan-
Palavras-chave: Catatonia; Esquizofrenia Catatônica; Bush-Francis do-se quase incompreensível. Em alguns momentos, permanecia
Catatonia Screening Instrument; Eletroconvulsoterapia; olhando para a parede, sempre com fácies muito apreensiva,
Antipsicóticos; Hipotireoidismo. muito inquieta e dizendo: “não, não quero, não quero!” Muito
aflita, xingava e atirava objetos contra a parede, e quando os fami-
liares lhe perguntavam o porquê disso, dizia que via na parede
Introdução
pessoas conhecidas lhe fazendo propostas sexuais. Eram essas
A catatonia é uma síndrome de desintegração psicomotora propostas que ela escrevia e desenhava no chão.
caracterizada pela inércia e pela perda da iniciativa motora com Após três meses do início desses sintomas, no final de 1999,
fenômenos semi-automáticos e semi-intencionais como catalepsia, a família procurou tratamento ambulatorial psiquiátrico. Fez uso
flexibilidade cérea, paracinesias, oposição negativista e sugestiona- de clorpromazina 25 mg/dia, posteriormente substituída por
bilidade. Dentro do quadro de estupor catatônico se destacam tam- haloperidol 5 mg/dia. Apresentou episódios de distonia aguda e
bém impulsos súbitos e grandes crises hipercinéticas de agitação foi acrescido biperideno 2 mg/dia e reduzido haloperidol para 2
catatônica. A catatonia se acompanha quase sempre de um conteú- mg/dia. Apresentou remissão parcial dos sintomas psicóticos em
do onírico ou delirante e os distúrbios psicomotores manifestam aproximadamente dois meses, mantendo tratamento de forma
experiência fantasiosa ou imaginária, geralmente caótica1.Pode ser irregular por oito meses e interrompeu o seguimento. Após um
encontrada como um subtipo de esquizofrenia ou uma forma de mês, reiniciaram os sintomas, com piora progressiva e gradual.
reação do sistema nervoso a agressões variadas (infecções, intoxica- Permanecia grandes períodos olhando para as paredes. Por vezes
ções, lesões vasculares, tumores), também nos transtornos do apresentava inquietação motora, trancava-se horas no banheiro,
humor, especialmente na depressão2. apresentava risos imotivados, conversava sozinha como se estives-
O presente caso foi escolhido por ser a catatonia um quadro se brigando com alguém, batia nas paredes, dizia que tudo era
relativamente raro nos dias atuais, pela gravidade dos sintomas uma ilusão desagradável e pedia que Deus a levasse.
apresentados pela paciente e por haver indicação de ECT em jovem. Em maio de 2001, já não se alimentava adequadamente e,
quando o fazia, era com a boca direto no prato. Permanecia gran-
Relato do caso de parte do tempo deitada, incomunicável. Não tinha cuidados
próprios com a higiene. Começou a apresentar rigidez muscular,
Identificação sendo então levada a um serviço psiquiátrico e logo internada por
Paciente do sexo feminino com 17 anos, solteira, branca, quatro meses. Durante a internação, apresentou melhora parcial
católica, estudante do 1° grau (cursou até a 7a série). nos dois primeiros meses, quando em uso de 600 mg/dia de tio-
* Os autores enviaram breve revisão bibliográfica sobre catatonia, que não foi apresentada no congresso e se encontra anexada adiante.
** Médico psiquiatra, Diretor Técnico da Pax Clínica Psiquiátrica de Goiânia
Nessa mesma linha, eu aqui faço uma ressalva. Considero do momento. A prioridade foi o ECT para que ela melhorasse
que, entre esse mecanismo de ação proposto para o ECT e o mais rápido. E no Juqueri, realmente, é mais complicado para
mecanismo de ação dos neurolépticos, há um antagonismo. Os solicitar esse tratamento.
neuroléticos, se vocês se lembram bem da história, começaram Também a paciente e sua família são muito simples para
com a tentativa de bloquear as reações do organismo, quando o entenderem uma medicação e para fazerem uso dela. Há todas
organismo sujeito a uma agressão reagia de maneira extraordiná- essas dificuldades para mudar a medicação. É difícil aceitarem
ria, de tal modo que era a reação do organismo pior do que o pró- tratamento. Sempre demoraram muito para procurar atendimen-
prio ferimento. Cena: guerra da Indochina, franceses no front, to para a paciente.
amputação de perna, torniquete, boas condições circulatórias por Revendo a literatura, de fato, o haloperidol não seria a medi-
causa do torniquete, mas morte antes de chegar no hospital. Por cação mais indicada, mas estamos tentando fazer ainda o melhor
quê? Porque a reação à agressão era mais intensa do que a pró- para essa paciente.
pria organização, e pela dor e tudo levava o paciente à morte. Foi
essa uma observação feita por Baruck, na época, que começou, Sérgio Paulo Rigonatti
entre outros, com tentativas de fazer diminuir a temperatura, de
hibernar os pacientes. Ele começou a usar o RP 4560, que é a Gostaria de acrescentar, em relação ao nível mental que você
atual clorpromazina, quando se deu conta dos efeitos psicológi- comentou, que ela é limítrofe, e é a melhor da família. É uma difi-
cos. Então passaram um “e-mail” para o Prof. Delay e o Prof. culdade trabalhar com essa família.
Deniker: “olha, tem algo aí que vocês devem experimentar, por- E o vídeo dessa maneira, até com minha presença, requer jus-
que tentando isso eu percebi que esses pacientes ficavam mais tificativas a meus amigos. Gravamos os casos mais difíceis, mais
calmos, tinham desinteresse pelo ambiente”. Deu-se início ao tra- raros e, inicialmente, este seria mais um caso para nossos arqui-
tamento neuroléptico, o primeiro utilizado foi a clorpromazina, o vos. Posteriormente, resolvemos apresentá-lo e falamos com o Dr.
RP 4560, sendo o primeiro experimento da clorpromazina de Elkis, que nos apoiou. Muito obrigado.
forma isolada em pacientes psiquiátricos feito por Deniker e
Delay. Com Deniker, tive a oportunidade de trabalhar há Giordano Estevão*
muitos anos.
Nessa situação, tenho a impressão de que a indicação de
Queria apenas de lembrar a todos que em julho deste ano
ECT concomitante ao neuroléptico é problemática. Mesmo por-
saiu uma normatização do Conselho Federal de Medicina a res-
que, em tempos anteriores, quando se usava a reserpina como
peito da aplicação do ECT. Está aqui o Salomão, que foi um dos
neuroléptico, essa associação era fatal. Porque a reserpina, como
colegas que ajudou na elaboração dessa normatização.
neuroléptico, possui uma ação nos centros vasomotores muito
Gostaria de, em público, cumprimentá-lo e também pedir
mais pronunciada que a clorpromazina, e ainda mais em relação
aos colegas que tomem conhecimento dessa normatização, por-
ao haloperidol.
que foi algo de muito positivo a respeito da eletroconvulsotera-
A proposta do ECT como manutenção é muito procedente e
acredito que isso deva ser mais lembrado. O que observamos com pia. É um ato médico, dispensa legislação. Não há necessidade,
a utilização do ECT de vez em quando nos impressiona. Se nunca para aplicar o ECT, de fazer uma votação, como se pretendia
vimos um caso tão grave como esse, que ao fim do quinto ECT anteriormente. A responsabilidade é do médico. O consentimen-
mostra tal grau de recuperação, não faremos idéia do benefício to é obrigatório. Quando não há familiar, a responsabilidade do
para o paciente que esse tratamento pode proporcionar. Por médico que aplica é implicada. Portanto, vale a pena que todos
outro lado, neste caso seria de se pensar num tratamento neuro- tomem conhecimento dessa resolução.
léptico ou em qualquer outro, uma vez que, se formos fazer o
ECT, o faremos por quanto tempo? Ela tem 17 anos agora, é uma Sérgio Paulo Rigonatti
paciente com expectativa de vida longa.
Achei o caso muito bem-elaborado, muito bem-descrito. Vejam bem, esse caso é muito interessante porque é um caso
Sempre que tenho meus reveses com os ECT, com os pacientes e de psiquiatria infantil, como vocês estão vendo. E a resolução é
com tudo mais, eu me apoio no meu amigo Rigonatti, que tam- muito inteligente quando não proíbe, mas pede melhores investi-
bém é um paladino desse tratamento. Assim, deixo meus gações a respeito. Em alguns países que conhecemos está simples-
comentários. mente proibido fazer ECT em menores. A legislação brasileira é
realmente sábia. Eu faço minhas as palavras do Giordano em
Ana Paula Gonzaga da Costa relação à comissão. E ao Salomão, meus parabéns.
como uma síndrome nosologicamente inespecífica.2,3 Na esquizo- Os pacientes esquizofrênicos catatônicos podem ser candida-
frenia, ela ocorre como catatonia inibida ou estuporosa e como tos a ECT na fase aguda9. O ECT é um tratamento efetivo para
catatonia excitada. Na catatonia estuporosa, o paciente pode psicose em pacientes no primeiro surto, especialmente com agita-
estar num estado de completo estupor ou mostrar uma diminui- ção, hiperatividade, alucinações ou delírios, em pacientes jovens
ção nos movimentos e atividades expontâneos, ele pode estar com efeitos debilitantes de doença crônica e em indivíduos com
quase ou totalmente mudo e pode demonstrar negativismo, este- síndromes características de catatonia, sintomas positivos de psi-
reotipias, ecopraxia ou obediência automática. Fica de pé ou sen- cose ou esquizoafetivos10. As evidências disponíveis sugerem que
tado imóvel por longos períodos de tempo e pode, subitamente e o uso de ECT associado a antipsicóticos mostra-se superior ao
sem provocação, ter um surto de violência e agitação. uso dos mesmos isolados no tratamento destes quadros. O ECT
Geralmente, exibe catalepsia ou flexibilidade cérea. de manutenção deve ser considerado para pacientes que respon-
Já os pacientes com catatonia excitada encontram-se em esta- dem ao ECT, para os quais apenas a profilaxia farmacológica tem
do de extrema agitação psicomotora, falam e gritam continua- sido ineficaz ou não pode ser tolerada9.
mente. As produções verbais são incoerentes e o comportamento Um estudo em Nova York demonstrou que, nos casos de
parece influenciado por estímulos internos. Freqüentemente catatonia, há uma perfusão diminuída no córtex motor e parietal
estão destrutivos e violentos para com outros e a excitação pode e foi sugerido o uso de SPECT como método de monitorização
fazer com que se firam ou entrem em colapso por exaustão. da resposta ao tratamento da catatonia11.
Necessitam por isso de controle físico e médico urgente.
Anteriormente os indivíduos com estados catatônicos excitados Referências bibliográficas
que não podiam ser controlados com sedação eram chamados de
1. EY H, Bernard P, Brisset C. Manual de psiquiatria. 2a ed.
catatonia perniciosa ou fatal.
Barcelona: Toray Masson S.A, 1974:112-113, 588-589.
Há também um subtipo chamado de catatonia periódica que
2. Pfuhlmann B, Stober G. The different conceptions of catato-
é uma forma rara e intrigante. Neste caso, os indivíduos têm epi-
nia: historical overview and critical discussion Eur Arch
sódios periódicos de catatonia estuporosa ou excitada separados
Psychiatry Clin Neurosci 2001; 251 Suppl 1:I 4-7.
por remissões e há correlação com mudanças nos níveis de hor-
3. Pataki J, Zervas IM, Jandorf L. Catatonia in a University
mônio tireoideano e balanço nitrogenado. Estes respondem a
Inpatient Service (1985-1990) Convuls Ther 1992; 8(3):
administração de tiroxina combinada com antipsicóticos.4 Num 163-173.
estudo na Universidade de Würzburg, Alemanha, a transmissão 4. Kaplan HI, Sadock BJ. Tratado de Psiquiatria. 6a Vol 1: 1053.
familiar da doença era evidente em 44% dos casos de catatonia 5. Stober G, Franzek E, Beckmann H, Schmidtke A. Exposure
periódica, e de apenas 3% em casos de catatonia sistemática. Por to prenatal infections, genetics and risk of systematic and
outro lado, ficou evidente que os indivíduos com catatonia siste- periodic catatonia J. Neural Transm 2002 May; 109(5-6):
mática tinham maior prevalência de exposição a infecções pré- 921-9.
natais (34% dos casos contra 8% de catatônicos periódicos).5 6. Peralta V, Cuesta MJ, Serrano JF, Martinz-Larrea JÁ
Anteriormente eram usados critérios mais restritivos para Classification issues in catatonia Eur Arch Psychiatry Clin
definir a catatonia, como o sistema de Leonhard, em que era vista Neurosci 2001; 251 Suppl 1:I 14-6.
como uma psicose ciclóide.6 Num estudo feito em Viena, os casos 7. Stompe T, Ortwein-Swoboda G, Ritter K, Schanda H,
foram revisados e redefinidos segundo os critérios atuais do Friedmann Are we witnessing the disappearance of catatonic
DSM-IV. Notou-se decréscimo na freqüência dos casos de 35% schizophrenia? Compr Psychiatry 2002 May-Jun; 43(3):167-
para 25%. Isso pode ser explicado pelo desenvolvimento socio- 74.
cultural e pelo amplo uso de medicação neuroléptica, que faz 8. Ebert MH, Loosen PT, Nurcombe BC. Psiquiatria diagnósti-
com que haja diminuição nos casos de hipercinesias, agitações ou co e tratamento. 1a Ed.: 165.
impulsividades, enquanto produz anormalidades motoras de rigi- 9. American Psychiatric Association Diretrizes no tratamento da
dez que podem ser pouco valorizadas e atribuídas somente Esquizofrenia - 2000:77, 80.
à medicação7. 10. Fink M, Sackeim HÁ. Convulsive therapy in schizophrenia?
A catatonia é uma situação de emergência que requer trata- Schizophr Bull 1996; 22(1):27-39.
mento hospitalar imediato. A desidratação e o estupor são com- 11. Galynker II, Weiss J, Ongseng F,Finestone H. ECT treatment
plicações importantes que podem ser fatais. É indicada uma ava- and cerebral perfusion in Catatonia. J Nucl Med 1997 Feb;
liação médica minuciosa8. 38(2):251-4.
Em 2003, comemoramos o centenário do nascimento, em Juiz Psiquiatria ministrado em 1927, que intitulamos “A Faculdade de
de Fora, de Pedro Nava (1903-1984), graduado em 1927 pela Medicina”. Acrescentamos, em seguida, outros trechos de suas
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. obras que intitulamos “Vivência Médica e Sensibilidade” e
Sua turma foi a primeira após a reunião das faculdades na recém- “Reflexões Pré-melancólicas? Um Instante Entre Dois Abismos as
criada Universidade de Minas Gerais, daí se autodenominarem pri- Decisões”.
mogênitos. Juscelino Kubitschek, depois Presidente da República, e
Pedro Sales, o notável historiador da medicina, foram seus colegas A Faculdade de Medicina
de formatura. Por três anos foi contemporâneo de Guimarães Rosa,
“Nossos professores no sexto ano foram Leontino Cunha,
o mais original ficcionista da língua, formado em 1930. Também foi Medicina Legal; Washington Ferreira Pires, Neurologia; Galba
conviva de vida universitária do aluno de Farmácia Carlos Moss Veloso, Livre Docente regendo Psiquiatria; Eduardo Borges
Drummond de Andrade, o poeta maior, diplomado em 1925. Nava Ribeiro da Costa, Primeira Clínica Cirúrgica; Otto Pires Cirne,
veio a ser o fundador da Reumatologia como especialidade formal Obstetrícia; Hugo Furquim Werneck, Ginecologia; Alfredo Balena,
no país. Após aposentar-se da Clínica e da Reumatologia, ele, que Primeira Clínica Médica; Abílio José de Castro, Substituto Interino,
antes fora qualificado de poeta bissexto, passou a escrever suas Higiene. O Docente Galba Moss Veloso era apenas um pouco mais
memórias e veio a ser considerado o maior memorialista da língua. velho que seus alunos e vários dentre nós tínhamos a prerrogativa
Por outro lado, era aplaudido desenhista e caricaturista. de sermos seus amigos de fora da Faculdade. Isto aconteceu na
Como homenagem a esse notável médico e artista, reproduzi- turma de 1926 com Francisco de Sá Pires e Joaquim Nunes
remos o que consta de seu livro Beira-Mar sobre o curso de Coutinho Cavalcanti. Ele freqüentava muito o nosso Grupo do
Estrela, sempre com seu inseparável Iago Pimentel. Eram ambos experiência humana nascida de cinqüenta e sete anos de convivên-
particularmente amigos de Alberto e Mário Campos e por intermé- cia com tudo que o nosso semelhante pode dar de mais alto e de
dio desses dois é que vim conhecer aqueles jovens médicos. Eles se mais sórdido. Guardei dessa lição só o seu lado positivo e apesar das
distinguiam pelo fino humanismo e pela cultura geral que eram sua decepções, das amarguras, das ingratidões que sofri – insisto, me
marca. Para mim foi um prazer encontrar entre meus mestres do obstino, persevero, me afinco no entusiasmo intacto e no amor à
sexto ano o Galba, como eu o chamava, já que nossa convivência e nossa profissão. E tenho a mais profunda fé no bem, na purificação
simpatia tinham permitido que eu lhe tirasse o doutor e não preci- e no pentecostes que ela representa para quem a exerce com since-
sasse lhe dar agora o Professor. A ele devo essa admirável experiên- ridade e na compreensão inteira do que significa o alto papel de ser
cia do mestre próximo e acessível e as vantagens que disso advém Médico. E como! Amigos, pus toda alma na configuração desse per-
para o aproveitamento de seus alunos. Muito atualizado, o Galba sonagem. Nele fui sincero. O que fiz – não fingi que fiz. Porque os
procurou nos dar um conhecimento aproximado da importância da que fingem que estão sendo e que se fazem pagar por isto, na reali-
Psiquiatria, da classificação das doenças mentais, detendo-se sem- dade não são – vivem na permanência duma espécie de carona.
pre, na prática, quando os pacientes do Raul Soares lhe permitiam Cumpri dentro das minhas forças o juramento que pronunciei
mostrar quadros ao vivo. Mais do que isso, foi do Galba que ouvi- naquela manhã na Secretaria da Faculdade, lendo suas letras e sen-
mos os primeiros ensinamentos sobre o valor da Psicanálise como tindo que elas se gravavam em mim como marca de fogo e não
recurso de indagação psicológica e a profunda revolução que Freud como palavras soltas ao vento, pronunciadas por pronunciar, no
e seus seguidores representavam para a Psiquiatria.”1 decurso duma cerimônia.”3
A Faculdade, fundada em 1911, designou, em 1914, Álvaro de
Barros para reger a cátedra de Neurologia e Psiquiatria, que foi des- Reflexões Pré-melancólicas? Um Instante Entre Dois Abismos
dobrada em 1918, ficando Barros regendo apenas a de Psiquiatria. as Decisões
Em 1926, Hermelino Lopes Rodrigues, aprovado em concurso, é o
primeiro e único catedrático. Em 1927, licencia-se, passando a “A gente pensa que a vida sem variações é chavão que não
regente Galba Moss Veloso, e, em 1929, Rodrigues reassume. A par- muda e que uma rotina adquirida de existência é espécie de enche-
tir de nova licença deste, foram regentes, sucessivamente, até a fede- lingüiça. Engano. Não só os dias que se sucedem não repetem
ralização da Universidade: Paulo Elejalde (1936), Austregésilo nuvem que seja, nem vento, nem mesmo cada anoitecer, tampouco
Mendonça (1939) e Sílvio Cunha (1948)2. nossos amigos e, em casa, nossa gente. É imperceptível mas é assim
e nós também variamos em obediência ao destino, ao fadário, à dei-
dade, a de cada um, – a naturam sui corporis e ao inflexível “recado
Vivência Médica e Sensibilidade
genético” – onde se inscrevem, em caracteres que ainda não tiveram
“Meio século em que tenho vivido mergulhado numa grossa seu Champollion, o nosso dia de adolescer, madurar, pensar que
onda de humanidade. Em que tomei parte não digo em vários dra- estabilizou, ir caindo tão de leve! De repente as brancas, as calvas,
mas mas num só que é a vida terrível do médico dotado de um dedo as bocas banguelando, a broxura sorrateira – tão paciente quanto
de compreensão.” ...“Não há nada que não tenha visto em nossa moléstia velhice morte todas pacientes, todas seguras da sua hora. E
profissão. Fui interno de clínica médica, tisiologia, cirurgia, obstetrí- lá vamos, instáveis no instável, móveis dentro do movente. Mas
cia, ginecologia e psiquiatria. Fui monitor, estagiário, assistente, dando-nos ao luxo do tédio pela vida, que parece igual, no seu dia-
chefe de serviço, professor livre, interino, catedrático, emérito e a-dia sempre diferente, sempre diferente, no sobe desce engrossafi-
honoris causa. Ensinei – eterno estudante – continuo aprendendo. na estridente ou surdina Bolero de Ravel. Mas dentro da eternidade
Para servir, aceitei, três vezes, encargos de administração médica – dos seus anos vinte o Egon achava seus dias invariáveis. E como
o que é ato heróico e significa, para quem tem sensibilidade moral, não? Manhã, Santa Casa Ari Ferreira pneumotorax diz trintaitrês
acometimento e arrojo semelhantes ao daquele que se dispusesse a minha filha Padre Rolim almoço da prima Diva...”4
caminhar descalço num serpentário. Clínico de roça, fui médico, “Estação da Central, Jardim da Praça da Estação. . Imagens
operador e parteiro. Fui delegado de polícia sanitária e chefe de indissoluvelmente ligadas à do Ribeirão de Arrudas. Lembro dele,
posto epidemiológico. Conheço todas as clínicas – a de “lombo de de minhas andanças nas suas ribas. Quando suas águas passavam
burro” que experimentei no interior de Minas, a de caminhão e dos sobre o dorso Bahia-Januária, parecia um riacho de roça. Para os
fordes que pratiquei nos cafezais do Oeste Paulista, a clínica dura lados da estação ele aparecia canalizado, suas margens ligadas por
do subúrbio carioca e a clínica elegante dos arranha-céus do centro. pontes de cimento. Nelas me debrucei muitas vezes em noites de
Entrei em todas as casas, desde a choça do sertão e do barraco dos solidão total, deixando pender a cabeça, ficando em pontas de pé,
morros, aos solares dos ricos e aos palácios presidenciais. Vi todas empurrando todo o peso do corpo para a frente, peitoril agora na
as agonias da carne e da alma. Todas as misérias do pobre corpo virilha (só largar, esticar os braços e o equilíbrio será rompido) –
humano. Todas as suas dores, todas as suas desagregações, todas as vamos, Pedro! Coragem! Mais um impulso e tudo ficará resolvido
suas mortes. Além de todas as doenças, vi, também, toda qualidade lá embaixo apenas um corpo meio mergulhado na água um fio de
de doente. O rico e o pobre, o veraz e o fabulador, o amigável e o sangue da cabeça quebrada nos calhaus teus miolos rolando
hostil, o cooperante e o negativista, o reconhecido e o ingrato, o Arrudas Velhas São Franciscoceano... Ficava um instante entre dois
deprimido e o otimista, o realmente doente e o doente imaginário. abismos as decisões, optava por assentar os calcanhares e seguir
E vi também os colegas. O santo, o sábio, o heróico, o desprendido, olhando as estrelas correndo na onda de nanquim como as flores
o dedicado, o sincero, o altruísta – vivendo para os doentes e tratan- astros de diamante descendo nas madeixas do óleo de Winterhalter
do dos doentes – o homem de branco. E o pérfido, o imprestável, o que representa Elizabeth de Wittelsbach antes da fatalidade.
ignorante, o comodista, o rapace, o egoísta, o fariseu vivendo para Lembro da madrugada em que – morre não morre pula não pula –
si e tratando só do próprio ventre – o médico marrom. Sou dono da estava errando desse jeito e que, debruçado no extremo oposto da
Mineiro Anônimo Brasil trem doidimais sô! Quaiscaí dendapia! Fiquei sensabê doncovim,
proncovô, oncotô. Oi procevê quilocura! GraçaDeus ninguém
Sapassado, era sessetembro, taveu na cuzinha tomano ua pin- simaxucô!
cumel e cuzinhánumkidicarne com mastumate pra fazê ua macarro-
nácum galinha assada. Quaiscaí de susto, quando ouvi um barui Palavras-chave: Psiquiatria Fenomenal Transcultural; Esquizofasia;
vino de didendoforno, pareceno um tidiguerra. A receita mandopô Verbigeração; Neologismo; Desorientação Alopsíquica ou Total;
midipipoca denda galinha prassá. O fornisquentô, o miistorô e u..da Afasia Sensorial; Outros Transtornos Específicos de Personalidade
galin ispludiu! Nossinhora! Fiquei branquinem um lidileite. Foi um (Mineira).
* Filosofia à beira do fogão a lenha (se ôcê num intendê num é diminas).
* Primeiro caso de hebefrenia entre os sete apresentados por Ewald Hecker, discípulo de Kahlbaum, em Die Hebephrenie. Archiv für pathologische Anatomie und
Physiologie und für klinische Medicin. Editado por Rudolf Virchow. Berlin: Georg Reimer, 1871. Volume 52:394-429. Tradução de Maurício Viotti Daker.
Sebastião Abrão Salim** Hélio gerou o embrião da Psiquiatria atual da FMUFMG. Essa
é uma história longa e ele foi seu iniciante. Quando se afastou da
O falecimento do Hélio Alkmin deixou-me triste pela amiza- Faculdade, já havia um corpo docente em formação. Essa era
de, pela gratidão e pela admiração que eu sempre mantive por uma de suas preocupações. A outra era a de resgatar a Psiquiatria
ele. Acredito que falo por todos nós que compartilhamos de sua como especialidade médica, tirando-a do descrédito para onde
companhia. fora lançada.
Nosso Hélio marcou, para sempre, sua presença entre nós, A Psiquiatria mineira tem o dever de velar sua memória.
por sua postura ímpar de atenção e companheirismo. Sua postu- Foram inestimáveis os serviços prestados por ele ao longo da sua
ra de príncipe tocou a nós todos de forma indelével, macia e res- incansável busca de nos propiciar, por sua competência e seu
peitosa. Foi inigualável na prática da relação afetuosa conosco, exemplo, o exercício digno da especialidade médica que escolhe-
seus residentes, seus alunos, seus pacientes e seus amigos. mos e pela melhoria de nossas instituições de ensino e assistência.
Tinha um espírito religioso que se manifestou muito cedo, Oxalá tenhamos espaço dentro de nós para guardá-lo com o cari-
quando há 40 anos, aproximadamente, auxiliava a Dra. Helena nho que sempre nos dispensou.
Antipoff em sua obra social, atendendo gratuitamente seus
pacientes deficientes. Esse espírito acompanhou-o até as vésperas Nota do editor:
de sua morte. Até recentemente, de forma discreta, ele ajudava os
pobres com doações materiais e espirituais por meio de seu vín- No American Journal of Psychiatry de abril de 1964, foi
culo com a Igreja. publicado o artigo “Psychiatry in Portuguese America (Brazil)”,
Hélio Alkmin foi, verdadeiramente, meu primeiro professor páginas 959-961, autor Eugene B. Brody. Quatro psiquiatras bra-
de Psiquiatria. Nosso Hélio havia chegado dos Estados Unidos sileiros foram citados: Prof. José Leme Lopes (Rio), Prof. Luis
da América, por volta do início dos anos ‘60, depois de fazer lá Viana Paulo Guedes (Porto Alegre), Prof. A. C. Pacheco e Silva
brilhante formação psiquiátrica. Ele foi convidado pelo Dr. José (São Paulo) e Dr. Hélio D. Alkmim. Após menção dos serviços
Geraldo Albernas, então catedrático da Neurologia, para assumir dos três primeiros, segue o parágrafo: “The schools in Ribero
a direção da disciplina de Psiquiatria da Faculdade. Tinha todos Preto, in the state of Sao Paulo, in Recife, and in Belo Horizonte
os méritos para tanto. Era o ano de 1963. Ele era o único e tam- are others with actual departments of psychiatry but they are not
bém o primeiro psiquiatra mineiro com formação acadêmica reco- yet organizationally mature. Belo Horizonte which has become
nhecida. Mostrou isso logo de início. Reuniu alguns interessados one of the leading schools with several American-trained,
e eu me incluí entre eles. Precisou vencer o conceito pejorativo Rockefeller-supported professors, has recently appointed Dr.
que se formara na Faculdade a respeito da Psiquiatria. Organizou Helio D. Alkmim, one of its own graduates trained in psychiatry
um programa teórico-prático sério para o curso de graduação. at Northwestern, to act as head of its developing unit”.
VINTE ANOS DE PSIQUIATRIA BIOLÓGICA! mado editor e membro da AAP-MG Delcir da Costa. São muitos os
seus méritos nessa jornada e longa a história que nos tem a contar.
Tantos foram os eventos e congressos com as maiores autoridades
Dignos de nota os vinte anos da Associação Brasileira de Psiquiatria mundiais da psiquiatria, aqui em Minas e aqui no Brasil. Nossos
Biológica - ABPB, fundada e atualmente presidida pelo nosso esti- parabéns ao Delcir e à ABPB!
*Hélio Alkmin era sócio honorário da Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas Gerais - AAP-MG e editor de Casos Clínicos em Psiquiatria
** Psiquiatra e Psicanalista, Professor Sênior do Departamento de Psiquiatria e Neurologia (atual Saúde Mental) da FMUFMG. Membro da Associação
Acadêmica Psiquiátrica de Minas Gerais – AAP-MG
1 - A revista Casos Clínicos em Psiquiatria destina-se à a) título (com tradução para o inglês); Seamenn WB. The case of the pancreatic pseu-
publicação de casos clínicos psiquiátricos em diversas b) nome completo do autor (ou autores), acompanha- docyst. Hosp Pract 1981; 16 (sep):24-25.
modalidades, bem como discussões e comentários sobre do(s) de seu(s) respectivos(s) título(s); 8.2 - LIVROS E OUTRAS MONOGRAFIAS
os mesmos. c) citação da instituição onde foi realizado o a) Autor(es) - pessoa física:
2 - A revista tem periodicidade semestral (junho e dezem- trabalho; Eisen HN. Immunology: an introduction to mole-
bro) com a seguinte estrutura: Editorial, Auto-relatos, d) endereço do autor para correspondências; cular and cellular principles of the immune respon-
Artigos Originais, Casos Literários, Patografia, Caso e) resumo do trabalho em português, sem exceder o se. 5th. New York: Harper and How, 1974:406.
Histórico, Descrições Clásssicas/Homenagem, limite de 150 palavras;
Seguimento, Cartas e Index CCP. b) Editor, compilador, coordenador como autor:
f) Palavras-chave (três a dez), de acordo com a lista
2.1 - Para efeito de categorização dos artigos, considera-se: Dausset J, Colombanij D. eds. Histocompatibility
Medical Subject Headings (MeSH) do Index
a) Auto-relato: descrição pelo próprio portador de Medicus; testing. Copenhague: Munksgaard; 1973:12-18.
transtorno mental de sua condição, envolvendo sua g) Texto: Artigos originais devem procurar seguir o 8.2.1 - Capítulo de livro:
vivência pessoal, a sintomatologia, as repercussões padrão de uma anamnese psiquiátrica (identifi- Weinstein L, Swartz MN. Pathogenic properties of
psicossociais, o tratamento ou outras questões que cação, queixa principal, história da moléstia atual, invading microorganisms. In: Sodeman WA Jr,
julgue pertinente, acompanhada eventualmente de antecedentes pessoais, história familiar, exame Sodeman WA. eds. Pathologic physiology: mecha-
complementos por membro do Corpo Editorial e psíquico, hipóteses diagnósticas, conduta, evolução nisms, of disease. Philadelphia: WB Saunders;
de comentário ou discussão por especialista em seu e outros itens considerados necessários), eventual- 1974:457-472.
caso. mente precedido por introdução e seguido de dis- 8.2.2 - Trabalhos apresentados em congressos, seminários, reu-
b) Artigos Originais: casos clínicos que apresentam a cussão e conclusão. niões, etc:
experiência psiquiátrica, ou de profissional que lide h) Summary (resumo em língua inglesa), consistindo DuPont B. Bone marrow transplantation in severe
com portadores de transtorno mental, em função da na correta versão do resumo para aquela combined immunodeficiency with and unrelated
discussão do raciocínio, lógica, ética, abordagem, língua;
tática, estratégia, modo, alerta de problemas usuais MLC complatible donor. In: Whithe HJ, Smith R.
i) Key-words (palavras-chave em língua inglesa) de eds. Proceedings of the third annual meeting of the
ou não, que ressaltam sua importância na atuação acordo com a lista Medical Subject Headings
clínica ou psicossocial e mostrem caminho, condu- International Society for Experimental
(MeSH) do Index Medicus;
ta e comportamento para sua solução. Hematology, 1974:44-46.
j) Agradecimentos (opcional);
c) Caso Literário: trabalhos que se relacionem a k) Referências bibliográficas como especificado no 8.2.3 - Monografia que forma parte de uma série:
descrições literárias envolvendo transtornos mentais item 8. Hunninghake GW, Gadeck JE, Szapiel SV et al.
ou traços de personalidade. 7 - As ilustrações devem ser colocadas imediatamente após The human alveolar macrophage. In: Harris CC.
d) Patografia: casos clínicos focados na biografia de a referência a elas. Dentro de cada categoria deverão ser ed. Cultured human cells and tissues in biomedical
determinada personalidade de renome portadora de numeradas seqüencialmente durante o texto. Exemplo: research. New York: Academic Press, 1980:54-56
transtorno mental, com o objetivo de apresentar ele- (Tabela 1, Figura 1). Cada ilustração deve ter um título (Stoner GD. ed. Methods and perspectives in cell
mentos psicopatológicos interessantes e o significa- e a fonte de onde foi extraída. Cabeçalhos e legendas biology; vol. 1).
do destes para sua obra. devem ser suficientemente claros e compreensíveis sem 8.2.4 - Publicação de um organismo:
e) Caso Histórico: casos clínicos de valor histórico sob necessidade de consulta ao texto. As referências às ilus-
aspecto descritivo, diagnóstico, terapêutico ou out- Ranofsky AL. Surgical operations in short-estay
trações no texto deverão ser mencionadas entre parênte- hospitals: United States - 1975. Hyattsville,
ros, eventualmente acompanhados de nota intro-
ses, indicando a categoria e o número da tabela ou figu- Maryland: National Center for Helth Statistics.
dutória, comentários ou discussão.
ra. Ex: (Tabela 1). As fotografias deverão ser em preto e 1978; Dhew publication num. (PHS) 78-1785
f) Descrição Clássica/Homenagem: Divulgação de trabal-
branco, apresentadas em envelope à parte, serem nítidas (Vital and Health statistics; serie 13, nm. 34).
ho descritivo clássico de transtorno mental ou tra-
e de bom contraste, feitas em papel brilhante e trazer no
balho descritivo de autor a ser homenageado. 8.3 - TESES
verso: nome do autor, título do artigo e número com
Homenagens, por razões especiais a membros de Caims RB. Infrared spectroscopic studies of solid oxi-
que irão figurar no texto.
CCP. gens (Tesis doctoral). Berkeley, California: University of
8 - As referências bibliográficas são numeradas consecuti-
g) Seguimento: notas sobre a evolução de caso apresenta- California; 1965; 156pp.
vamente, na ordem em que são mencionadas pela pri-
do em edições anteriores. 8.4 - ARTIGO DE JORNAL (não científico)
h) Cartas: comentários por parte do leitor sobre o con- meira vez no texto. São apresentadas de acordo com as
normas do Comitê Internacional de Editores de Shaffer RA. Advances in chemistry are starting to
teúdo dos artigos ou sobre a revista, com possibili-
Revistas Médicas, citado no item 5. Os títulos das revis- unlock musteiries of the brain: discoveries could help
dade de réplica pelo autor ou pelos editores.
tas são abreviados de acordo com o Index Medicus, na cure alcoholism and insomnia, explain mental illness.
i) Index CCP: compilação por títulos, palavras-chave,
key-words, autores clássicos e epônimos dos casos publicação “List of Journals Indexed in Index Medicus”, How the messengers work. Wall Street Journal, 1977;
de edições anteriores (index completo encontra-se que se publica anualmente como parte do número de ago. 12:1 (col. 1). 10 (cl. 1).
on-line). janeiro, em separata. As referências no texto devem ser 8.5 - ARTIGO DE REVISTA (não científica)
3 - Os trabalhos recebidos serão analisados pelo Corpo citadas mediante número arábico sobrescrito e após a Roueche B. Annals of Medicine: the Santa Claus
Editorial de Casos Clínicos em Psiquiatria, que se reser- pontuação, quando for o caso, correspondendo às refe- culture. The New Yorker, 1971; sep. 4:66-81.
va o direito de recusar trabalhos ou fazer sugestões rências no final do artigo. Nas referências bibliográficas, 9 - Agradecimentos devem constar de parágrafo à parte,
quanto à estruturação e redação para tornar mais práti- citar como abaixo: colocado antes das referências bibliográficas, após as
ca a publicação e manter certa uniformidade. No caso de 8.1 - PERIÓDICOS
key-words.
artigos muito extensos, a revista Casos Clínicos em a) Artigo padrão de revista. Incluir o nome de todos os
autores, quando são seis ou menos. Se são sete ou 10 - As medidas de comprimento, altura, peso e volume
Psiquiatria se reserva o direito de publicá-los em quan- devem ser expressas em unidades do sistema métrico
tas edições julgar necessárias. mais, anotar os três primeiros, seguidos de et al.
You CH, Lee HY, Chey RY, Menguy R. decimal (metro, quilo, litro) ou seus múltiplos e
4 - Os trabalhos devem vir por e-mail ou em duas vias, digi-
Electrogastrografic study of patients with unexplai- submúltiplos; as temperaturas, em graus Celsius; os
tados em espaço duplo, impresso em papel padrão ISO
A4 (210 x 297mm), com margens de 25mm, trazendo ned nausea, bloating and vomiting. Gastroenteroly valores de pressão arterial, em milímetros de mercúrio.
na última página o endereço e telefone do autor e a indi- 1980; 79:311-314. Abreviaturas e símbolos devem obedecer padrões
cação da categoria do artigo, conforme item 2.1, acom- b) Autor corporativo: internacionais. Ao empregar pela primeira vez uma
panhado do disquete com o arquivo nos padrões Word The Royal Marsden Hospital Bone-Marrow abreviatura, esta deve ser precedida do termo ou
6.0 ou superior, fonte Arial ou Times New Roman Transplantation Team. Failure os syngeneic bone- expressão completos, salvo se se tratar de uma unidade
tamanho 12. marrow graft without preconditioning in post hepa- de medida comum.
5 - Para efeito de normatização, serão adotados os titis marrow aplasia. Lancet 1977; 2:242-244. 11 - Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão
Requerimentos do Comitê Internacional de Editores de c) Sem autoria (entrar pelo título): Editorial.
Revistas Médicas (Estilo Vancouver), que são seguidos Coffee drinking and cancer of the pancreas 12 - A publicação não se responsabiliza pelas opiniões emi-
pelas mais conceituadas revistas científicas internacio- (Editorial). Br Med J 1981; 283:628. tidas nos artigos.
nais. Estas normas poderão ser encontradas na íntegra d) Suplemento de revista:
13 - Os artigos devem ser enviados para:
nas seguintes publicações: Revista ABP-APAL (atual Mastri AR. Neuropathy of diabetic neurogenic
Revista Brasileira de Psiquiatria) 1998; 20(1):31-38, bladder. Ann Intern Med 1980; 92 (2 pt 2):316-
International Committé of Medical Journal, Editors, 318. Casos Clínicos em Psiquiatria
Uniforms requeriments for manuscripts submitted to Frumin AM, Nussabaum J, Esposito M. Functional Av. Prof. Alfredo Balena, 190
biomedical journals, Can Med Assoc J 1995; asplenia: demonstration of esplenic activity by bone 30130-100 - Belo Horizonte - MG
152(9):1459-65, em espanhol no Bol Of Sanit Panam marrow sean (resumem). Blood 1979; 54 (supl Tel: (31) 3273 1955
1989; 107 (5):422-31. 1):26. Fax: (31) 3226 7955
6 - Todo trabalho deverá ter a seguinte estrutura e ordem: e) Revistas paginadas por fascículos: e-mail: ccp@medicina.ufmg.br