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PROBLEMA 06 – PREOCUPAÇÃO JUSTIFICÁVEL

1) Estudar o mecanismo de agressão dos vírus.

Introdução

Os que defendem que o vírus não é um ser vivo partem do princípio de que ele
não tem vida livre, pois sua replicação só é possível dentro de uma célula viva. Além
disso, alguns desses agentes possuem a capacidade de se cristalizar quando submetido
a situações adversas. Entretanto, os que o classificam como ser vivo se apoiam em
duas características. A primeira se refere à sua capacidade de replicação que os
diferem de outros agentes, tais como as toxinas bacterianas; e a segunda, à presença de
uma estrutura protetora de seu material genético, ausente nos plasmídeos (molécula de
DNA circular).
Apesar de terem a capacidade de se replicar, os vírus não possuem um aparato
enzimático suficiente para a replicação, necessitando, assim, da maquinaria celular
para completar o seu ciclo replicativo, o que o torna um parasita intracelular
obrigatório.
Sua fragilidade aparente, por ser estritamente dependente da célula, é
descartada pela capacidade de controle e redirecionamento do metabolismo celular
para o seu próprio benefício. Apesar da baixa complexidade estrutural, pode causar
grandes danos à célula hospedeira, mesmo apresentando morfologicamente apenas o
material genético, um capsídeo e, em alguns vírus, um envelope.
Algumas propriedades distinguem os vírus de outros microrganismos. A
primeira está relacionada ao seu tamanho, o qual pode variar de 10 a 300 nm. Dessa
forma, são considerados os menores microrganismos existentes, podendo ser
visualizados apenas através da microscopia eletrônica. Para fins de comparação,
lembramos que as bactérias e as hemácias possuem, em média, 10 a 15 vezes o
tamanho dos vírus, o que possibilita a identificação destes por meio da microscopia
ótica.
A segunda propriedade se refere ao genoma viral, que pode ser DNA ou
RNA, com exceção do Mimivírus (família: Mimiviridae), o qual apresenta em seu
genoma os dois ácidos nucleicos (DNA e RNA), descoberto em 2003, por
pesquisadores da Universidade Mediterranée, em Marseille, França. O ácido nucleico
contém os genes responsáveis pelas informações genéticas para a codificação de
proteínas com composição química bem definida, capazes de induzir respostas
imunológicas específicas. Esta especificidade é uma das características virais, ou seja,
quando somos acometidos por uma infecção viral, o nosso sistema imune produz
anticorpos específicos, que podem ser identificados através do diagnóstico sorológico.
O mecanismo de replicação viral favorece as frequentes mutações, burlando, assim, o
sistema imune.
Outra importante propriedade dos vírus é a sua natureza particulada, já que ele
é capaz de se replicar, formando seus componentes separadamente, sendo o ácido
nucleico uma das primeiras moléculas a ser formada. Como mencionado
anteriormente, o vírus precisa necessariamente de uma célula viva para realizar seu
ciclo. Dessa forma, tratam-se de parasitas estritos, não possuindo atividade metabólica
fora das células hospedeiras. Estas células podem ser de animais, vegetais ou
microrganismos.
As propriedades físico-químicas dos vírus os tornam capazes de infectar o
organismo através de receptores de membrana específicos, presentes nas células
hospedeiras. O fato de o vírus apresentar tropismo celular vai influenciar no tipo de
doença causada. Por exemplo, um vírus que possui afinidade por células do sistema
imune compromete a sua função. Assim, a interação vírus-hospedeiro é a chave de
muitos aspectos das doenças virais, tanto da transmissão quanto da capacidade de o
vírus de se sobrepor às defesas do hospedeiro. Uma resposta imune exacerbada do
hospedeiro pode, também, contribuir para causar maiores danos, agravando a
enfermidade.
O mais importante de todo esse princípio é que os vírus podem ser agrupados
de acordo com as suas propriedades físicas, químicas e biológicas, assim como as das
células que infectam. Dessa forma, os vírus podem ser classificados de acordo com o
tipo de ácido nucleico, simetria do capsídeo, presença ou ausência do envelope,
tamanho e sensibilidade às substancias químicas.
Quanto ao genoma dos vírus, este pode ser constituído por fita simples (ss) ou
dupla (ds), linear ou circular, de polaridade positiva ou negativa. As diferentes
características do ácido nucleico conduzirão a variadas estratégias de replicação.
Alguns vírus são capazes de realizar recombinações genéticas e montagens incorretas
de partículas virais, podendo produzir vírus provenientes de diferentes ancestrais.
Certos vírus, como o HIV, têm seus ácidos nucleicos incorporados ao genoma da
célula hospedeira. Logo, através da taxonomia, não È possível associarmos uma
espécie de vírus a um ancestral comum.
Uma outra classificação viral foi definida por David Baltimore, em 1971, a fim
de correlacionar as características do ácido nucleico com as estratégias de replicação.
Esta classificação não tem finalidade taxonômica, uma vez que o autor utiliza a já
existente.
Classificação de Baltimore:
 Classe I - DNA de fita dupla – Ex.: Adenovírus, Herpesvírus e Poxvírus;
 Classe II - DNA de fita simples positiva – Ex.: Parvovírus;
 Classe III - RNA de fita dupla – Ex.: Reovírus, Birnavírus;
 Classe IV - RNA de fita simples positiva – Ex.: Picornavírus e Togavírus;
 Classe V - RNA de fita simples negativa – Ex.: Orthomixovírus e
Rhabdovírus;
 Classe VI - RNA de fita simples positiva, com DNA intermediário no ciclo
biológico do vírus – Ex.: Retrovírus
 Classe VII - DNA de fita dupla com RNA intermediário - Ex.:
Hepadnavírus

Estrutura viral

Basicamente os vírus são constituídos por dois componentes essenciais: a parte


central, que recebe o nome de cerne, onde se encontra o genoma, e que pode ser DNA
ou RNA (salvo exceção); associado a uma capa proteica denominada capsídeo,
formando ambos o nucleocapsídeo.
Ao final da replicação, a progênie viral é constituída por partículas completas
(vírion), as quais são infecciosas, e por outras partículas incompletas e não infecciosas.
Em alguns gêneros, com o Poliovírus e o Adenovírus, os vírions consistem
unicamente de nucleocapsídeo. Já em outros gêneros, como o Mixovírus, o
Herpesvírus e o Poxvírus, os vírions são constituídos por uma membrana lipoproteica
externa, o envelope. Muitos vírus adquirem o envelope durante sua saída da célula
hospedeira, para onde levam parte da membrana celular.
Os vírus possuem propriedades físico-químicas e biológicas importantes na
interação com a célula hospedeira. Entre elas, podemos destacar: massa molecular,
pH, temperatura, estabilidade iônica, densidade, suscetibilidade a agentes físicos e
químicos, composição proteica (de carboidratos e de lipídios), natureza e afinidade
antigênica, tropismo, transmissão e patogenicidade.
A partir do arranjo estrutural do nucleocapsídeo, os vírus apresentam as
seguintes simetrias: icosaédrica, helicoidal e complexa. Na forma icosaédrica, o
capsídeo está organizado como um polígono retangular. Nos vértices dos triângulos
são encontrados os capsômeros, classificados em Hexâmeros, quando possuem seis
lados, e em Pentâmeros, quando constituídos por cinco lados. Dessa forma, os vírus
icosaédricos assemelham-se a cristais. O número e a arrumação dos capsômeros são
úteis na identificação desses vírus. Como exemplos destes vírus existem os
Adenovírus, os Picornavírus, os Rinovírus, dentre outros.
Nos vírus com morfologia helicoidal, o ácido nucleico é circundado por um
capsídeo cilíndrico como uma estrutura de hélice. Esta forma pode ser de dois tipos:
helicoidal rígido, que se assemelha a bastonetes, e helicoidal frouxo, cujos
nucleocapsídeos se dobram em forma de novelos, geralmente irregulares, assumindo
um aspecto polimórfico. Exemplificando este grupo de vírus existem o Influenza e o
vírus do Mosaico do Tabaco, dentre outros.
A grande maioria dos vírus tem seus elementos organizados segundo as
simetrias icosaédrica ou helicoidal. Entretanto, alguns vírus, como o Poxvírus,
apresentam uma organização morfológica mais complexa, pois podem apresentar duas
cadeias peptídicas na constituição do capsídeo. Sua forma resulta da suborganização
de cada um dos componentes da partícula viral, como é o caso dos bacteriófagos.
Estes últimos agentes parasitam as bactérias, introduzindo nestas o material genético.
Para tanto, os bacteriófagos possuem uma estrutura composta de cabeça poligonal,
cauda, bainha contrátil, placa basal e fibras.
Existem também bacteriófagos com estrutura icosaédrica. A estrutura do
genoma depende se o vírus é RNA ou DNA, pois o DNA apresenta os nucleotídeos
citosina, guanina, adenosina e timina, enquanto que o RNA possui a uracila no lugar
da timina. O genoma de RNA ou DNA pode ser constituído por uma única fita (ss) ou
por duas fitas (ds). Fitas positivas de RNA são fitas que contém o código que será
traduzido pelos ribossomos. Fitas positivas de DNA são fitas que contém a mesma
base sequencial do RNA mensageiro. Fita negativa de RNA ou DNA é a fita com base
sequencial complementar à fita positiva.
Concluindo, o vírus é constituído basicamente por duas estruturas: ácido
nucleico e capsídeo, sendo que, em alguns grupos, apresentam também o envelope ou
invólucros. A função do ácido nucleico é albergar a informação genética (replicação
viral) e a do capsídeo é a proteção do genoma. Além disso, esta estrutura é a principal
responsável pela indução da resposta imune do hospedeiro. Em vírus envelopados, os
lipídeos se apresentam na forma de fosfolípideos, o que auxilia a entrada do vírus na
célula hospedeira e confere uma maior proteção do microrganismo.

Ciclo Viral

A replicação viral, que ocorre no interior da célula do hospedeiro, evolui


seguindo as etapas de adsorção, penetração, desnudamento, transcrição e tradução
(síntese), maturação e liberação.

Adsorção: É a ligação de uma molécula presente na superfície da partícula viral com


os receptores específicos da membrana celular do hospedeiro. Nos vírus envelopados,
as estruturas de ligação geralmente se apresentam sob a forma de espículas, como nos
Paramyxovírus e nos vírus sem envelope. A ligação célula-vírus geralmente está
relacionada a um ou grupo de polipeptídeos estruturais, como acontece nos
Papilomavírus. A presença ou ausência de receptores celulares determina o tropismo
viral, ou seja, o tipo de célula em que são capazes de ser replicados. Para haver a
adsorção, é necessária uma ponte entre as proteínas mediadas por íons livres de cálcio
e magnésio, uma vez que as proteínas apresentam carga negativa. Outros fatores vão
influenciar diretamente na adsorção do vírus na membrana celular, tais como,
temperatura, pH e envoltórios com glicoproteínas.

Penetração: É a entrada do vírus na célula. Esta pode ser feita de duas maneiras:
fusão e viropexia. A fusão é quando a membrana celular e o envelope do vírus se
fundem, permitindo a entrada deste no citosol da célula. No caso da família
Paramixoviridae, a proteína F catalisa a ligação da membrana com o envelope. A
viropexia é uma invaginação da membrana celular mediada por receptores e por
proteínas, denominadas clatrinas, que revestem a membrana internamente. Nos dois
mecanismos existe uma dependência em relação à temperatura adequada, que fica em
torno de 37ºC, em vírus que replicam em células de vertebrado.
Desnudamento: Neste processo, o capsídeo é removido pela ação de enzimas
celulares existentes nos lisossomos, expondo o genoma viral. Além disso, se observa a
fase de eclipse, onde não há aumento do número de partículas infecciosas na célula
hospedeira. De uma maneira geral, o vírus que possui como ácido nucleico o DNA faz
síntese no núcleo, com exceção do Poxvírus, uma vez que precisa da enzima
polimerase, encontrada no núcleo da célula. O vírus que possui como genoma o RNA
faz a síntese viral no citoplasma, com exceção do vírus Influenza, pois já possui a
enzima polimerase.

Síntese viral: A síntese viral compreende a formação das proteínas estruturais e não
estruturais a partir dos processos de transcrição e tradução. Os vírus foram agrupados
em sete classes propostas por Baltimore em 1971, de acordo com as características do
ácido nucleico e as estratégias de replicação.
Nos vírus inseridos nas classes I, III, IV e V, o processo de tradução do RNA
mensageiro ocorre no citoplasma da célula hospedeira. Já nos vírus da classe II, este
processo ocorre no núcleo. Em todas estas classes, o RNA mensageiro sintetizado vai
se ligar aos ribossomos, codificando a síntese das proteínas virais. As primeiras
proteínas a serem sintetizadas são chamadas de estruturais, pois vão formar a partícula
viral. As tardias são as proteínas não estruturais, que participam do processo de
replicação viral.
Na classe VI, os vírus de RNA realizam a transcrição reversa formando o DNA
complementar (RNA’ DNA’ RNA), devido a presença da enzima transcriptase
reversa (família Retroviridae). Os vírus da classe VII apresentam um RNA
intermediário de fita simples, maior do que o DNA de cadeia dupla que o originou
(DNA’ RNA’ DNA). Resumindo, abaixo estão descritas as características
principais de cada classe.
 Classe I: Ocorre no citoplasma, independente do genoma celular, que é
bloqueado.
 Classe II: É realizada no núcleo, simultaneamente à síntese do genoma celular.
 Classe III: Processa-se no citoplasma; sendo, no início, apenas umas das fitas
do ácido nucleico copiada.
 Classe IV: Ocorre no citoplasma, por meio de um processo complexo, ainda
pouco esclarecido.
 Classe V: A fita simples de RNA serve de molde para a formação de genoma
viral e síntese de RNA mensageiro.
 Classe VI: Pertence a essa classe a família Retroviridae, que possui uma
enzima chamada Transcriptase Reversa, responsável pela síntese de DNA a
partir de RNA.
 Classe VII: Tem como exemplo a família Hepadnaviridae, cuja característica
principal é a formação de um RNA intermediário.

Montagem e maturação: Nessa fase, as proteínas vão se agregando ao genoma,


formando o nucleocapsídeo. Alguns vírus, como o Rotavírus, apresentam mais de um
capsídeo. A maturação consiste na formação das partículas virais completas, ou
vírions, que, em alguns casos, requerem a obtenção do envoltório lipídico ou
envelope. Este processo, dependente de enzimas tanto do vírus quanto da célula
hospedeira, podendo ocorrer no citoplasma ou no núcleo da célula. De uma forma
geral, os vírus que possuem genoma constituído de DNA condensam as suas partes no
núcleo, enquanto os de RNA, no citoplasma.

Liberação: A saída do vírus da célula pode ocorrer por lise celular ou brotamento. Na
lise celular (ciclo lítico), a quantidade de vírus produzida no interior da célula é tão
grande que a célula se rompe, liberando novas partículas virais que vão entrar em
outras células. Geralmente, os vírus não envelopados realizam este ciclo, ao passo que
os envelopados saem da célula por brotamento. Neste caso, os nucleocapsídeos
migram para a face interna da membrana celular e saem por brotamento, levando parte
da membrana.

1.1) Explicar o mecanismo de agressão da dengue.

A dengue é uma doença infecciosa febril aguda causada por um vírus pertence
à família Flaviviridae, do gênero Flavivírus. O vírus da dengue apresenta quatro
sorotipos, em geral, denominados DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Esses
também são classificados como arbovírus, ou seja, são normalmente transmitidos por
mosquitos. No Brasil, os vírus da dengue são transmitidos pela fêmea do
mosquito Aedes aegypti (quando também infectada pelos vírus) e podem causar tanto
a manifestação clássica da doença quanto a forma considerada hemorrágica.
O vírus se liga às células hospedeiras permissivas via endocitose mediada por
receptor. É consenso geral que células da linhagem fagocítica mononuclear
(monócitos, macrófagos e células dendríticas) são alvos primários in vivo. A
internalização e acidificação no endossomo e fusão das membranas viral e vesicular
permitem a entrada do nucleocapsídeo no citoplasma e desempacotamento do genoma.
Em seguida, tem início a replicação do genoma e montagem de novas partículas virais.
O genoma viral (RNA fita simples de polaridade positiva, com 10,2 kb) tem
uma única janela aberta de leitura (open reading frame, ORF), codificando uma
poliproteína, que após processamento origina três proteínas estruturais (capsídeo,
membrana e envelope) e sete proteínas não-estruturais (NS1, NS2A, NS2B, NS3,
NS4A, NS4B e NS5).
A proteína C (proteína do capsídeo) tem um peso molecular em torno de 13,5
kDa e é o primeiro polipeptídeo sintetizado durante a tradução. Possui uma alta
proporção de aminoácidos básicos que parece neutralizar a carga negativa da molécula
de RNA viral com a qual está associada.
Duas formas de proteínas M têm sido caracterizadas: prM (pré-membrana)
contida em vírions intracelulares imaturos e a proteína M (membrana) contida em
vírions maduros extracelulares. A clivagem específica de prM (22 kDa) durante a
maturação viral resulta na formação da proteína M (8 kDa). Esta clivagem parece
preceder a liberação do vírus da célula e ser um evento terminal na morfogênese do
vírion, resultando na reorganização da estrutura superficial do vírus para exposição do
domínio de ligação do receptor E, e consequente aumento da infectividade viral.
Acredita-se que a prM proteja a proteína E da reorganização induzida por pH e fusão
prematura durante a secreção, servindo, possivelmente, como uma chaperona para
empacotamento apropriado e montagem da proteína E na superfície do vírus.
A glicoproteína do envelope (E) é a maior proteína do envelope do vírus (51-
60 kDa), tem um papel chave em importantes processos, incluindo ligação ao receptor,
hemaglutinação de células sanguíneas, indução de resposta imune protetora, fusão
específica de membrana e montagem viral. Todos os Flavivírus têm um grupo de
epítopos comum na proteína do envelope que resulta em reações cruzadas em testes
sorológicos. Proteínas E do vírus dengue são glicosiladas diferentemente, de acordo
com o sorotipo e as células em que o vírus é propagado. A glicosilação de E tem sido
relacionada com a ligação ao receptor e fusão endossomal.
A glicoproteína NS1 (46 kDa) atua na fase precoce da infecção viral e é
expressa em três formas: uma forma residente no retículo endoplasmático (RE) que
co-localiza com o complexo de replicação viral, uma forma ancorada na membrana e
uma forma secretada (sNS1). Essa forma secretada, assim como a glicoproteína E, é
um alvo dominante da imunidade humoral e pode ter um papel significante na
patogênese da doença.
A proteína NS2A (22 kDa), uma das pequenas proteínas não estruturais
(NS2A, NS2B, NS4A e NS4B), é requerida para o apropriado processamento
proteolítico de NS1. A proteína NS2B (14,5 kDa) está envolvida na função protease
do complexo NS2B-NS3.
Das proteínas não estruturais, a melhor caracterizada é a NS3 (70 kDa). Ela
tem sido implicada na interação com a proteína de ligação do receptor nuclear
humano, que modula o tráfego intracelular entre o retículo endoplasmático e o
complexo de Golgi; possui atividade de helicase e de protease. Epítopos de NS3 são
comumente encontrados no repertório de linfócitos T citotóxicos específicos contra o
vírus dengue.
As proteínas NS4A (16 kDa) e NS4B (27 kDa) estão implicadas na localização
apropriada de proteínas virais e montagem do vírion. Tem sido citada a capacidade de
NS4A, juntamente com NS2A, de bloquear a tradução de sinal mediada por interferon
(IFN). NS4 é um potente inibidor de sinalização de interferon β (IFN- β) e interferon γ
(IFN- γ).
Tem sido sugerido que NS2A, NS4A e NS4B servem para ancorar a replicase
viral às membranas celulares.
A proteína NS5 (105 kDa) é a maior e mais conservada proteína entre as
proteínas dos Flavivirus. Ela serve como RNA polimerase viral RNA-dependente.
NS5 também pode induzir a transcrição e tradução de IL-8.
A replicação do genoma ocorre nas membranas intracelulares. A montagem do
vírion ocorre na superfície do retículo endoplasmático (RE) quando as proteínas
estruturais e RNA recém-sintetizados ocupam o lúmen do RE. As partículas virais
imaturas e partículas subvirais, ambas não infecciosas, são transportadas pela rede
trans-Golgi. Partículas virais imaturas são clivadas pela furina protease do hospedeiro,
resultando em partículas maduras (infecciosas). Partículas subvirais também são
clivadas pela furina e juntamente com as partículas maduras são subsequentemente
liberadas por exocitose.
Além de serem classificados em 04 sorotipos, de acordo com a variabilidade
antigênica, baseada na capacidade de neutralização do vírus pelo soro, também é
possível classificar o vírus dengue em genótipos, baseando-se na variação genômica
entre os sorotipos. Essas diferenças genotípicas parecem estar associadas com a
diferença na virulência. A classificação genética depende da região do genoma
estudada, do método e da análise utilizados no estudo.
Através de análises filogenéticas e epidemiológicas tem-se buscado demonstrar
se existem genótipos que possam estar associados às formas graves, enquanto outros
causem apenas a forma clássica da doença. A caracterização molecular de amostras
virais associadas às epidemias, determinação da variabilidade genética, padrões de
transmissão destas cepas são fundamentais para o desenvolvimento de estratégias
efetivas no controle da doença.

2) Conhecer a resposta imunológica contra os vírus.

Resposta imune inata

Os principais componentes da resposta inata contra vírus são representados


pelas DCs (células dendríticas), IFN-I (interferon i), sistema complemento e células
NK (natural killer). Esses mecanismos são desencadeados sequencialmente após a
infecção vírica e antecedem o desenvolvimento dos mecanismos específicos.

Células Dendríticas
As DCs constituem uma população heterogênea de células que diferem entre si
em relação à origem, localização, expressão de receptores e habilidade na
apresentação de antígenos. As DCs que se originam de progenitores mieloides da
medula óssea são semelhantes aos monócitos e são denominadas de DCs mieloides
(mDCs). As DCs que se originam dos progenitores linfoides são denominadas de DCs
plasmacitoides (pDCs) e se assemelham aos plasmócitos. As mDCs são encontradas
em quase todos os tecidos e órgãos, com exceção do cérebro, dos olhos e dos
testículos. São especialmente abundantes nos linfonodos, na pele e em tecidos
subjacentes a superfícies mucosas, locais frequentes de penetração de agentes virais.
As células de Langerhans (LC), por exemplo, estão localizadas na epiderme; DCs
intersticiais estão localizadas na derme, nas mucosas e em tecidos periféricos. As
mDCs desempenham a importante função de apresentar antígenos aos linfócitos T e
transferir antígenos aos linfócitos B, eventos que se constituem no principal elo entre a
imunidade inata e a imunidade adquirida. As pDCs, por sua vez, encontram-se
principalmente nos órgãos linfoides, como a medula óssea, timo, baço, tonsilas e
linfonodos e são as principais células produtoras de IFN-I durante as infecções virais,
participando ativamente da estimulação das células NK.
A capacidade das células do sistema imune natural, principalmente das DCs,
em reconhecer componentes microbianos depende de componentes inerentes aos
microrganismos e componentes inerentes às células. Os micro-organismos possuem
um “padrão molecular” peculiar, genericamente denominado de Padrão Molecular
Associado aos Patógenos (PAMP) que se constitui em uma espécie de “código de
barras” dos microrganismos, pelo qual poderá ser identificado pelas células do sistema
imune natural. Por outro lado, as células do sistema imune natural possuem a
capacidade de decifrar esse “código de barras”, por meio de receptores específicos,
denominados, de forma geral, de Receptores de Reconhecimento Padrão (PRRs). Os
principais tipos de PRRs das células dendríticas são denominados TLRs (Toll-like
receptors), RLRs (retinoic acid-inducible gene I [RIG]-like receptors) e NLRs
(nucleotide oligomerization domain [NOD]-like receptors). Os vírus presentes no
meio extracelular são reconhecidos pelos PRRs presentes na membrana das células
imunológicas. Por outro lado, durante a infecção das células, os componentes virais
gerados no ambiente intracelular (RNA de fita simples, RNA de fita dupla, DNA com
padrão CpG) são reconhecidos por PRRs presentes em organelas intracelulares,
principalmente os endolisossomos.
A detecção dos componentes virais pelos PRRs é um pré-requisito para a
ativação das DCs, as quais ativam, rapidamente, uma cascata de sinais intracelulares
que culmina com a produção de interferon tipo I (IFN- I), citocinas e quimiocinas e
estimula a expressão de diversos correceptores (CD40, CD80, CD86) e moléculas do
complexo de histocompatibilidade principal (MHC). A produção de IFN-I é de
fundamental importância para iniciar um estado de resistência antiviral, e a expressão
de moléculas correceptoras é necessária para a etapa subsequente da defesa antiviral,
que é o transporte dos antígenos virais até os órgãos imunológicos secundários,
principalmente linfonodos, onde os antígenos virais serão transferidos para os
linfócitos B, os quais, juntamente com as DCs, irão fazer, então, a apresentação desses
antígenos aos linfócitos T. O papel das DCs na apresentação de antígenos e
estimulação do sistema imune específico será discutido separadamente mais adiante.

Interação entre as DCs e as células NK


As interações entre DCs e células NK são mediadas por componentes solúveis
e contato direto e contribuem para a ativação tanto das DCs quanto das células NK. O
IFN-I produzido pelas DCs é essencial para a ativação das células NK, particularmente
na indução da capacidade citotóxica. Outras citocinas derivadas das DCs, como as IL-
12 e IL-18, estimulam as células NK a também produzir IFN-I; e a IL-15 derivada das
DCs estimula a proliferação e sobrevivência das células NK.
Por outro lado, a ativação das DCs pelas células NK depende de contato direto,
da proporção NK:DCs e de citocinas, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-a).
Células NK pré-ativadas por IL-2 são potentes estimuladoras das DCs, agindo tanto de
forma isolada quanto em sinergismo com estímulos inflamatórios, como os
lipopolissacarídeos (LPS). A interação entre as células NK e DCs parece ocorrer nos
locais da infecção, onde existem DCs imaturas residentes e para onde migram as
células NK em resposta a estímulos inflamatórios. Essa interação pode ocorrer
também nos linfonodos e em outros órgãos linfoides secundários, para onde as DCs
migram após capturar antígenos nos tecidos periféricos. Células NK são importantes
para controlar o início da infecção por micro-organismos intracelulares, como
demonstrado a seguir.
É importante observar que, além da necessidade recíproca de interação, DCs e
células NK compartilham importantes funções antivirais. Estudos recentes
identificaram DCs com atividade citotóxica similar àquela das células NK. Além
disso, foram identificadas células NK que produzem moléculas coestimulatórias e
capacidade de apresentar antígenos associados ao MHC.

Células Natural killer (NK)


As células NK são derivadas de progenitores linfoides da medula óssea e foram
assim denominadas em razão de sua capacidade de destruir células tumorais e células
infectadas por vírus na ausência de um reconhecimento antígeno-específico.
Constituem o que se convencionou chamar de terceira população de linfócitos
(linfócitos B, T e células NK). Por não possuírem marcadores específicos de linfócitos
B ou de linfócitos T, foram inicialmente chamadas de células nulas (null cells). As
células NK estão presentes principalmente nos tecidos linfoides periféricos e atuam de
forma direta, destruindo células infectadas, e de forma indireta, pela secreção de
citocinas. A atividade das células NK precede a ativação da resposta imune específica.
A destruição de células infectadas por vírus é realizada inicialmente pelas células NK
e, posteriormente, pelos linfócitos Tc.
A capacidade das células NK em distinguir células infectadas de células não-
infectadas está relacionada com a presença de receptores inibidores da destruição
(killing inhibitory receptors = KIR) na sua superfície. Esses receptores reconhecem as
moléculas do complexo de histocompatibilidade principal do tipo I (MHC-I), que
estão presentes na superfície de, virtualmente, todas as células do organismo. A
ligação dos KIR em moléculas do MHC-I inibe a ação das células NK. No entanto, a
expressão do MHC-I está geralmente reduzida em células infectadas por vírus e em
células tumorais. Dessa forma, utilizando os receptores KIR, as células NK podem
detectar se uma célula está expressando moléculas do MHC-I em níveis normais. No
caso da expressão das moléculas de MHC-I estar reduzida, essa célula torna-se alvo de
destruição pelas células NK.
O mecanismo utilizado pelas células NK para destruir as células-alvo é
semelhante ao utilizado pelos linfócitos Tc. O contato com a célula infectada estimula
as NK a liberarem substâncias chamadas perforinas no meio extracelular. As
perforinas são proteínas semelhantes aos componentes C5-C9 do complemento e
produzem pequenos poros na membrana plasmática da célula-alvo. As células NK
liberam então as granzimas, que penetram por esses poros e induzem a morte celular
por apoptose.
Durante a resposta inata, as células NK destroem células infectadas
independentemente do reconhecimento de antígenos específicos. No curso da resposta
imune específica e após a produção de anticorpos antivirais, as células NK também
podem participar da destruição de células infectadas. Nesse caso, anticorpos
produzidos contra antígenos virais se ligam em antígenos virais presentes na superfície
das células infectadas. Essa ligação facilita o seu reconhecimento pelas células NK,
pois estas possuem receptores para a porção Fc das imunoglobulinas. Essa atividade é
denominada citotoxicidade celular dependente de anticorpos (antibody dependent
cellular cytotoxicity, ADCC) e também pode ser mediada por outras células que
possuem receptores para a porção Fc (macrófagos, neutrófilos e eosinófilos).
Além de destruir células infectadas por vírus, as células NK contribuem para a
defesa antiviral pela secreção de várias citocinas, incluindo o IFN-I. Elas também têm
um importante papel no controle imediato de infecções virais. No entanto, estudos
recentes indicam que a atividade das células NK se prolonga por várias semanas e, em
alguns casos, até meses após a infecção. Mais importante ainda, a atividade citotóxica
das células NK pode ser transferida de um indivíduo para outro e, nestes novos
indivíduos, pode ser reestimulada, sugerindo uma capacidade de “memória”
imunológica similar àquela observada nos linfócitos B e T.

Interferon tipo I (IFN-I)


A detecção de componentes virais (PAMPs) por meio dos PRR das células
imunes, principalmente das DCs, estimula uma cascata de eventos intracelulares que
resulta na produção de moléculas antivirais. Entre essas moléculas, destaca-se o IFN-I.
O termo “interferon” denota a capacidade dessa molécula em interferir na replicação
viral. O IFN-I compreende dois tipos principais: interferon alfa (IFN-α) e interferon
beta (IFN-β). Vários vírus são potentes indutores de IFN-I, e a sua indução é derivada
da produção de RNA de fita dupla no interior da célula durante a replicação viral.
Qualquer célula nucleada é capaz de produzir IFN-I em resposta a uma infecção por
vírus, mas evidências recentes indicam que as DCs plasmacitoides (pDCs)
representam a principal fonte dessa citocina.
O IFN-I produzido por células infectadas é secretado no meio extracelular e se
distribui localmente, interagindo com as células vizinhas e induzindo um estado de
resistência antiviral. Essa interação é mediada por receptores específicos na superfície
celular, que estão amplamente distribuídos nos tecidos. A ligação do IFN-I aos
receptores celulares desencadeia uma série de reações intracelulares que levam à
expressão da enzima 2-5-adenilato sintetase. Essa enzima sintetiza oligômeros de
adenina (oligo-A), que, por sua vez, ativam a endorribonuclease L (RNAse L). A
ativação da RNAse L resulta na degradação de mRNA celulares e virais. Além disso,
o IFN-I promove a ativação da enzima proteína quinase R (PKR), que fosforila e
inativa o fator de iniciação da tradução (elongation initiation factor 2 - eIF-2). Com
isso, a tradução de mRNAs celulares e virais também fica inibida. Outro grupo de
IFN-I induz um estado antiviral pela indução das proteínas Mx, que também
contribuem para a inibição da síntese proteica celular. Dessa forma, o IFN-I induz a
inibição da síntese de proteínas na célula-alvo, tornando-a um meio impróprio para a
replicação viral, uma vez que os vírus dependem integralmente da maquinaria celular
de síntese proteica para a sua replicação.
O IFN-I atua também como fator de sobrevivência para as DCs, promove o
desenvolvimento, maturação e atividade microbiocida dos macrófagos e ativa as
células NK, que, por sua vez, interagem sinergisticamente com as DCs.
Além de seu papel na imunidade inata, o IFN-I possui um papel importante no
desenvolvimento da imunidade específica, por meio de diferentes mecanismos, tais
como:
a) indução da expressão de moléculas do MHC-I pelas células, o que favorece o
processamento e a apresentação de antígenos endógenos (e virais);
b) ativação das DCs, produzindo um aumento da expressão de receptores e produção
de citocinas;
c) estimulação da sobrevivência e proliferação de linfócitos T de memória;
d) estimulação da produção de interferon gama (IFN-g) pelas DCs e linfócitos T;
e) participação direta e indireta na diferenciação e atividade dos linfócitos B.
Os mecanismos de ativação e as atividades desempenhadas pelo IFN-I na
resposta imune às infecções víricas estão ilustrados na figura 9.2.
Sistema complemento
O sistema complemento é composto por um conjunto de proteínas presentes no
plasma sanguíneo na forma inativa. Essas proteínas podem ser ativadas pela presença
de complexos imunes, formados pela ligação de imunoglobulinas com antígenos (via
clássica de ativação), pela deposição espontânea do componente C3b do complemento
na superfície de micro-organismos (via alternativa) ou devido à ligação com proteínas
que se ligam à manose (via da lecitina). A ativação do complemento por qualquer uma
dessas vias resulta em uma cascata de ativação sequencial, com a formação de
moléculas intermediárias que possuem diversas atividades biológicas, principalmente
ligadas à ativação do processo inflamatório. Dentre as funções dos componentes
ativados do complemento, destacam-se: opsonização; quimiotaxia e ativação de
neutrófilos e outras células inflamatórias; degranulação de mastócitos com
consequente vasodilatação e aumento da permeabilidade capilar e formação do
complexo de ataque à membrana (membrane attack complex, MAC), formado pela
associação dos componentes C5-9 que se inserem na membrana de células infectadas
ou no envelope de vírions, resultando na sua destruição.
O componente mais importante do complemento é denominado C3, que, a
partir da ativação da cascata, é clivado de forma contínua e espontânea, gerando os
produtos C3a e C3b. Uma vez produzido, o C3b se deposita em superfícies que não
possuam ácido siálico, como o envelope de diversos vírus, e, assim, desencadeia a
cascata de ativação do complemento, que culmina com a formação do MAC e com a
destruição dos vírions. A presença de ácido siálico na superfície das células animais (e
eventualmente em algumas bactérias e fungos) torna-as resistentes ao complemento,
pois inibe a ligação de alguns componentes que dão continuidade à cascata e posterior
formação do MAC. O papel do sistema do complemento no controle de infecções
víricas é mais importante durante a viremia ou durante o processo inflamatório,
quando ocorre extravasamento dos componentes do sistema do complemento até o
local da inflamação.
Uma representação dos mecanismos componentes da resposta imune inata, em
resposta às infecções víricas, está apresentada na figura 9.3.
Resposta Imune Adquirida

Os mecanismos imunológicos específicos contra as infecções víricas são


desencadeados após a estimulação direta ou indireta dos linfócitos T e B pelos
antígenos virais e possuem como características principais: especificidade (cada
linfócito reconhece apenas um determinante antigênico), diversidade (capacidade da
população de células de reconhecer uma grande variedade de antígenos) e memória
imunológica (capacidade de produzir uma resposta qualitativa e quantitativamente
diferente em exposições subsequentes a um determinado antígeno). Além disso, a
resposta imune específica se caracteriza pela tolerância a antígenos do próprio
organismo.
De acordo com os mecanismos efetores, a resposta imune específica pode ser
dividida em celular e humoral. A resposta celular é mediada pelos linfócitos T
auxiliares (T helper ou Th) e linfócitos T citotóxicos (Tc). A resposta humoral é
mediada pelos anticorpos produzidos pelos plasmócitos, que são células derivadas dos
linfócitos B. Embora sejam tratados separadamente com fins didáticos, os mecanismos
envolvidos nessas duas respostas são complementares e atuam conjuntamente no
combate às infecções. A importância relativa desses mecanismos, no entanto, varia
entre os diferentes vírus, de acordo com a sua biologia. Para alguns vírus, a resposta
mediada por linfócitos Tc é fundamental na erradicação da infecção; para outros, a
resposta humoral desempenha um papel mais importante na proteção. O
conhecimento dos mecanismos específicos envolvidos na resposta imunológica
contra cada vírus em particular é fundamental para a elaboração de vacinas.
A etapa inicial da resposta imunológica específica é o reconhecimento de
antígenos pelos linfócitos Th, Tc e B. Em resposta ao contato com o antígeno, os
linfócitos Th secretam várias citocinas, que estimulam a atividade de outras células
envolvidas na resposta imunológica. Os linfócitos Tc reconhecem e destroem células
infectadas por vírus e também secretam algumas citocinas. Estimulados pelo contato
com o antígeno, os linfócitos B proliferam e se diferenciam em plasmócitos, os quais
produzem anticorpos.
A capacidade de distinguir antígenos próprios de antígenos não-próprios (neste
caso, os antígenos virais) se constitui no evento central da resposta imune adquirida.
Antígenos não-próprios devem ser reconhecidos como tal, e o seu reconhecimento
deve induzir uma resposta que resulte na sua eliminação e/ou inativação. Por outro
lado, os antígenos próprios devem ser igualmente reconhecidos, porém devem ser
tolerados. Ou seja, antígenos do próprio organismo não devem estimular uma resposta
imunológica.

O papel das DCs na estimulação do sistema imune específico


As DCs constituem o principal elo entre a imunidade natural e a imunidade
específica. A importância das DCs na resposta imune específica deve-se a diversos
fatores:
a) as DCs encontram-se nos principais locais de penetração dos vírus e também nos
linfonodos e em outros tecidos linfoides secundários. Consequentemente, o contato
dos vírus ou de suas proteínas (PAMPs) com os receptores (PRRs) das DCs é
praticamente inevitável e é fundamental para dar início à estimulação das próprias
DCs e fazer com que processem adequadamente os antígenos virais e os apresentem às
diferentes populações de linfócitos;
b) as DC são capazes de processar esses antígenos e associá-los às moléculas do
MHC. Os antígenos virais capturados no exterior das células, também denominados
antígenos exógenos, são processados e unidos ao MHC-II e apresentados aos
linfócitos Th, enquanto que os antígenos virais produzidos dentro das células
dendríticas, denominados de antígenos endógenos, são unidos ao MHC-I e
apresentados aos linfócitos Tc. Além disso, existe também a possibilidade de ocorrer,
em determinadas situações não bem definidas ainda, o processo de cross-priming, ou
seja, antígenos exógenos serem associados ao MHC-I, resultando também na ativação
de linfócitos Tc;
c) as DCs podem migrar dos locais de penetração dos antígenos até os órgãos
linfoides, onde se concentram os linfócitos, e lhes apresentar os antígenos microbianos
associados ao MHC em um ambiente repleto de estímulos secundários, como citocinas
e correceptores;
d) as DCs podem fornecer os estímulos secundários, na forma de citocinas e moléculas
correceptoras, para a ativação integral das diferentes populações de linfócitos;
e) as DCs possuem prolongamentos citoplasmáticos denominados dendritos, que
aumentam a sua superfície, facilitando, com isso, a interação com as demais células do
sistema imunológico;
f) as DCs são capazes de capturar e armazenar antígenos em pequenas esferas na sua
superfície, denominadas icossomos. Dessa forma, as DCs podem oferecer e transferir
antígenos para outras DCs, para macrófagos e mesmo para os linfócitos B.
Além de se constituir no evento central da imunidade adquirida, o
reconhecimento de antígeno e a consequente estimulação de populações de linfócitos
T e B representam a etapa inicial da resposta imunológica específica. O desfecho da
resposta imune antiviral depende, portanto, da natureza da interação entre as DCs e os
antígenos virais e do mecanismo de apresentação desses antígenos aos linfócitos. Os
mecanismos de processamento e apresentação de antígenos pelas DCs e estimulação
da resposta imune específica serão discutidos a seguir.
As interações entre as DCs e as células envolvidas na resposta imune adquirida
estão ilustradas na figura 9.4.
As DCs e a estimulação de linfócitos
O reconhecimento de antígenos pelos linfócitos T é complexo e requer que o
antígeno seja previamente processado e apresentado por células que apresentem
antígenos (APCs), as quais disponibilizam o antígeno viral em um contexto favorável
para reconhecimento pelos linfócitos. Os linfócitos T não são capazes de responder a
antígenos em sua forma nativa, solúvel ou não, e somente são estimulados por
antígenos proteicos (timo dependentes). Dependendo da sua origem e da forma como
são processadas, as proteínas virais podem ser reconhecidas pelos linfócitos Th, pelos
Tc ou por ambos. A forma de reconhecimento de antígenos por esses dois tipos de
linfócitos, no entanto, é diferente e depende basicamente da associação desse antígeno
com as moléculas do MHC presentes nas APCs.
Estimulação dos linfócitos Th
Os linfócitos Th reconhecem antígenos virais por meio de receptores de
membrana, denominados TCRs (T cell receptors), juntamente com a molécula
acessória CD4. Por isso, são também chamados de linfócitos T CD4+.
Para que um antígeno proteico seja reconhecido pelo complexo
TCR+CD4 e estimule o linfócito Th, esse antígeno deve ser previamente
processado e apresentado de forma adequada por APCs, preferencialmente por
DCs. Conforme indicado anteriormente, nas superfícies corporais ou locais de
infecção viral, as DCs, por meio de seus PRR, reconhecem os PAMPs e
iniciam sua internalização, por endocitose ou fagocitose, e clivagem enzimática
nos fagolisossomos, resultando em peptídeos de 12 a 16 aminoácidos, os quais
são então conjugados com moléculas do MHC-II. Os complexos MHC-II +
peptídeo são então transportados até a superfície celular, onde ficam expostos à
espera do reconhecimento pelos linfócitos Th. Simultaneamente, as APCs
secretam citocinas, expressam moléculas correceptoras e migram para os
linfonodos. Vírions e proteínas virais liberados pelas células infectadas no
meio extracelular após a lise celular, por se encontrarem no meio extracelular,
são considerados antígenos exógenos e apresentados no contexto do MHC-II.
Nos linfonodos, o complexo peptídeo viral + MHC-II é reconhecido por
meio do TCR/CD4 presente nos linfócitos Th. Citocinas e moléculas
correceptoras produzidas pelas DCs contribuem para a estimulação dos
linfócitos Th.
É importante ressaltar que, nos linfonodos, por meio de seus
prolongamentos citoplasmáticos e icossomos, as DCs podem transferir
antígenos aos linfócitos B. Estes, por sua vez, podem processar esses antígenos
e apresentá-los, associados ao MHC-II, aos linfócitos Th. Assim, os linfócitos
Th previamente estimulados pelas DCs podem reconhecer o complexo MHC-II
na superfície dos linfócitos B e induzir sua proliferação e diferenciação,
resultando em plasmócitos secretores de anticorpos e em células de memória.
A estimulação induzida pelos linfócitos Th é mediada pela secreção de
citocinas. A subpopulação de linfócitos Th1 secreta predominantemente TNF-
α, IFN-I, IL-2 e IL-12 e estimula preferencialmente uma resposta imune do
tipo celular (linfócitos Tc, DCs, células NK e macrófagos), enquanto que a
subpopulação de linfócitos Th2 secreta IL-4, IL-5, IL-6, IL-10 e IL-13 e
estimula preferencialmente uma resposta imune humoral. Essas citocinas
possuem papel importante na ativação, proliferação e diferenciação de
linfócitos B e secreção de anticorpos. Ou seja, as citocinas produzidas pelos Th
em resposta ao antígeno estimulam tanto a resposta celular quanto a resposta
humoral. O balanço entre as respostas do tipo Th1 e Th2 depende da
biologia de cada vírus e de suas interações com o sistema imunológico.
Além das DCs e linfócitos B, macrófagos, células interdigitantes,
células NK e mesmo neutrófilos podem apresentar antígenos pela via exógena.
A via exógena de apresentação de antígenos aos linfócitos Th está representada
esquematicamente na figura 9.5.

Estimulação de linfócitos Tc – resposta imune celular


Os linfócitos Tc reconhecem proteínas virais por meio dos TCRs,
juntamente com a molécula acessória CD8. Por isso, essas células são também
chamadas de linfócitos T CD8+. Para que as proteínas virais sejam
reconhecidas pelos receptores TCR+CD8 e estimulem os linfócitos Tc,
também devem ser adequadamente processadas e apresentadas. No entanto,
essa forma de processamento e apresentação ocorre preferencialmente com
proteínas sintetizadas no interior das células, durante a infecção, e não com
proteínas capturadas no meio extracelular. Por isso, essa via de apresentação de
antígeno é denominada endógena.
A estimulação dos linfócitos Tc também depende preferencialmente das
DCs. Nesse caso, as DCs, por possuírem inúmeros receptores em sua superfície
e estarem naturalmente presentes nos principais sítios de infecção viral, são
passíveis de sofrerem infecções virais. Nesses casos, as proteínas virais
produzidas em seu interior, durante o ciclo de replicação viral, são clivadas
enzimaticamente em peptídeos de 8 a 12 aminoácidos e conjugadas com
moléculas do MHC-I. Os complexos MHC-I + peptídeos virais são
transportados até a superfície celular, onde ficam expostos. Esse mecanismo de
processamento proteico é um processo fisiológico e resulta também na
apresentação de fragmentos de proteínas celulares. No entanto, apenas os
peptídeos resultantes da clivagem das proteínas virais são capazes de estimular
os linfócitos Tc. As DCs contendo os complexos MHC-I + peptídeo migram
para os linfonodos, onde serão reconhecidas por meio do TCR/CD8 presente
nos linfócitos Tc. Citocinas e moléculas correceptoras produzidas pelas DCs
contribuem para a estimulação dos linfócitos Tc. É importante observar que
linfócitos Th e linfócitos Tc podem ser estimulados simultaneamente pelas
DCs e que as citocinas secretadas por linfócitos Th também contribuem para a
ativação dos linfócitos Tc. Linfócitos Tc assim estimulados estão aptos a deixar
os linfonodos e a circular pelo organismo à procura de complexos MHC-I +
peptídeo viral idênticos àqueles que induziram sua ativação e destruir as
células infectadas. Dessa forma, os linfócitos Tc darão continuidade ao
trabalho realizado até então pelas células NK. Os linfócitos Tc farão a lise de
células infectadas por vírus, só que, agora, de forma mais eficaz e específica.
No organismo, virtualmente, todas as células nucleadas – com exceção
dos neurônios – expressam o MHC-I. Quando infectadas por vírus, essas
células processam proteínas virais e associam os peptídeos resultantes ao
MCH-I para transporte e exposição na superfície celular, tornando-se, assim,
alvos da atividade lítica dos linfócitos Tc previamente estimulados pelas DCs.
Tanto as proteínas estruturais como as não-estruturais produzidas
durante a replicação viral podem ser processadas e apresentadas aos linfócitos
Tc. A via endógena de apresentação de antígenos aos linfócitos Tc está
representada esquematicamente na figura 9.6.

A função principal dos Tc na resposta antiviral é a destruição de células


infectadas por vírus. Para muitas infecções víricas, a resposta mediada pelos Tc
representa a forma mais eficiente de combate e erradicação da infecção. Os
complexos peptídeo-MHC-I são reconhecidos exclusivamente pelo TCR e CD8
dos linfócitos Tc. Após a sua ativação pelas DCs, os linfócitos tornam-se
competentes para destruir as células que apresentem o mesmo complexo
peptídeo-MHC-I que induziu a sua estimulação. Esses complexos serão
encontrados nas células que albergam o vírus infectante. Os linfócitos Tc
ativados e capazes de destruir células infectadas são denominados CTLs
(cytotoxic T lymphocytes). Ao entrar em contato com a célula infectada, os
linfócitos Tc aderem a ela por meio do complexo TCR/CD8 e de outras
moléculas de superfície. Essas interações resultam na reorganização do
citoesqueleto, polarizando o linfócito Tc com o objetivo de descarregar o seu
arsenal citotóxico sobre a célula infectada. Entre os componentes citotóxicos
dos linfócitos Tc, encontram-se as perforinas, que possuem a capacidade de
induzir a formação de poros na célula-alvo. Os linfócitos Tc também secretam
as granzimas, que penetram nas células através dos poros e ativam mecanismos
intracelulares que culminam com a morte programada da célula (apoptose).
Posteriormente, o linfócito Tc desprende-se da célula e parte em busca de
novas células-alvo, característica que lhe confere o codinome de serial killer
entre as células do sistema imunológico. O mecanismo de destruição celular
pelos linfócitos Tc é similar ao desencadeado pelas células NK.

Importância dos linfócitos Tc na imunidade antiviral


Células infectadas por vírus podem produzir milhões de novas
partículas virais em um período de poucas horas. A disseminação dos
vírions entre as células ocorre pela liberação de partículas virais no
meio extracelular ou pela transmissão direta dos vírions entre células. A
transmissão direta entre células minimiza a possibilidade de um
encontro indesejado dos vírions com as células e moléculas do sistema
imunológico. Nesse caso, as únicas defesas das células infectadas são a
produção de IFN-I e a apresentação dos antígenos virais associados ao
MHC-I. Dessa forma, a presença do vírus no interior das células pode
ser detectada pelas células vizinhas (via IFN-I) e pelos linfócitos Tc.
A estratégia do organismo em utilizar os linfócitos Tc para
destruir precocemente células infectadas é muito apropriada, pois é
preferível destruir pequenas fábricas de vírions a tentar inativar milhões
de partículas víricas disseminadas no organismo e com o potencial de
infectar novas células. O processamento e apresentação de proteínas
virais aos linfócitos Tc em fases iniciais da infecção permite ao
hospedeiro identificar e destruir as células infectadas antes do início da
produção da progênie viral. No entanto, alguns vírus desenvolveram
estratégias para evitar ou retardar o reconhecimento de células
infectadas, a fim de assegurar a conclusão do ciclo replicativo e a
liberação de progênie viral.

Resposta imune humoral


A resposta imune humoral é mediada por imunoglobulinas (anticorpos). As
imunoglobulinas são formas solúveis do receptor dos linfócitos B (BCR) produzidas
por plasmócitos, os quais resultam da proliferação e diferenciação de linfócitos B
maduros presentes nos órgãos linfoides secundários.

Reconhecimento de antígenos pelos linfócitos B e produção de


imunoglobulinas
Os linfócitos B maduros (ou virgens) originam-se dos progenitores
linfoides presentes na medula óssea. Os linfócitos B possuem receptores de
membrana denominados BCRs (B cell receptors) por meio dos quais
reconhecem os mais variados tipos de antígenos. Os BCRs são moléculas de
imunoglobulinas das classes IgD e IgM que possuem uma região altamente
variável, capaz de se ligar a uma variedade muito grande de determinantes
antigênicos. Os BCRs podem se ligar a antígenos de qualquer natureza
química, tanto proteínas, carboidratos, lipídios, como outras macromoléculas.
Ou seja, os linfócitos B podem reconhecer e responder a antígenos proteicos e
não-proteicos, desde que estes possuam regiões complementares às regiões
variáveis dos seus BCRs. Isso faz com que os linfócitos B reconheçam
antígenos na sua forma nativa, solúvel ou não, sem a necessidade de
processamento prévio. No caso dos vírus, os principais antígenos reconhecidos
pelos linfócitos B são as proteínas de superfície dos vírions, devido à sua
localização e acessibilidade aos BCRs. Linfócitos B não migram para os
tecidos em busca dos antígenos; portanto, o contato do antígeno viral com o
BCR depende do transporte desses antígenos até os tecidos linfoides
secundários, onde se concentram os linfócitos e o ambiente é favorável à
estimulação dos mesmos. Os antígenos virais chegam até os linfócitos B pelo
sistema de drenagem linfática ou carreados por DCs, as quais, por meio de seus
prolongamentos citoplasmáticos e capacidade de armazenar antígenos em
pequenas esferas (icossomos), podem facilmente transferir antígenos aos
linfócitos B. Assim, os linfócitos B, por meio de seus BCRs, têm a
oportunidade de também reconhecer os antígenos invasores e iniciar a resposta
imune humoral, que será mediada pelas imunoglobulinas.
Proteínas virais inseridas em membranas celulares, além de proteínas
virais secretadas pelas células infectadas, também podem estimular os
linfócitos B. Antígenos de natureza não-proteica podem estimular os linfócitos
B independentemente da presença de linfócitos Th e são denominados de
antígeno timo-independente. Por outro lado, antígenos proteicos (timo-
dependentes) são processados pelos linfócitos B e unidos às moléculas de
MHC classe II para posterior apresentação aos linfócitos Th. Nesse caso, os
linfócitos B atuam como APCs, Comforme descrito para as DCs.
A resposta específica humoral é mediada pelas imunoglobulinas (Igs),
popularmente conhecidas como anticorpos. As Igs são produzidas e secretadas
pelos plasmócitos, que são células originadas da proliferação e diferenciação
dos linfócitos B em resposta a antígenos. As Igs apresentam cinco classes
principais, com estrutura e funções diferentes: IgG, IgM, IgA, IgE e IgD.
Imunoglobulinas das classes IgM e IgD são também encontradas na superfície
dos linfócitos B, onde servem de receptores (BCRs) para o reconhecimento de
antígenos por essas células.
Devido aos mecanismos de diversidade e especificidade, cada linfócito
B e a sua progênie possuem BCRs idênticos entre si e, assim, possuem a
capacidade para reconhecer um único determinante antigênico. Felizmente, o
organismo possui bilhões de linfócitos B com BCRs diferentes e, por isso,
capazes de reconhecer e responder a uma variedade virtualmente infinita de
antígenos. A capacidade de reconhecimento de antígenos pelos linfócitos B
depende exclusivamente do BCR; consequentemente, os linfócitos B podem
reconhecer antígenos solúveis e também antígenos não-proteicos, ou seja, os
linfócitos B reconhecem os antígenos em sua forma nativa, sem a necessidade
de processamento e apresentação prévios, como ocorre com os linfócitos T.
A ativação dos linfócitos B depende da sua interação com os antígenos
virais (via BCR) e da ação de citocinas secretadas pelos linfócitos Th, também
em resposta ao reconhecimento do antígeno. As DCs desempenham um papel
fundamental nesse processo, pois podem transferir antígenos aos linfócitos B
por meio dos icossomos e, simultaneamente, apresentar antígenos aos
linfócitos Th (Figuras 9.4 e 9.7).

Por outro lado, os linfócitos B, após reconhecerem um antígeno, podem


interagir diretamente com os linfócitos Th, em um processo de estimulação
recíproca. É importante ressaltar que os linfócitos B, além de secretarem
imunoglobulinas, também são excelentes APCs, ou seja, podem apresentar
antígenos, associados ao MHC-II, aos linfócitos Th. As citocinas produzidas
pelos Th, juntamente com o reconhecimento do antígeno pelo BCR, resultam
em estimulação, proliferação e diferenciação dos linfócitos B em plasmócitos,
células secretoras de anticorpos. As DCs também podem fornecer citocinas
importantes para uma adequada estimulação dos linfócitos B.
O contato com o antígeno e as citocinas produzidas pelos Th estimulam
os linfócitos B a se multiplicarem de forma rápida e abundante. As células
resultantes dessa proliferação podem ter dois destinos: a grande maioria se
diferencia em plasmócitos, e uma minoria se diferencia em células de memória.
Os plasmócitos possuem vida relativamente curta; as células de memória
possuem vida longa. Tanto os BCRs presentes na membrana dos linfócitos B
de memória como as imunoglobulinas secretadas pelos plasmócitos possuem a
mesma especificidade dos BCRs do linfócito B que lhes deu origem. A
estimulação e proliferação dos linfócitos B ocorrem nos órgãos linfoides
secundários, sobretudo nos linfonodos. Os anticorpos produzidos são
secretados no meio extracelular e, através dos vasos eferentes, podem ter
acesso à corrente sanguínea e, posteriormente, aos tecidos. As etapas de
reconhecimento do antígeno, ativação, proliferação e diferenciação dos
linfócitos B estão ilustradas esquematicamente na figura 9.7.

As imunoglobulinas na defesa viral


A importância dos anticorpos na imunidade antiviral tem sido muito discutida e
parece variar de acordo com a biologia do vírus e também com o estágio da infecção
(infecção primária versus reinfecção). Como os anticorpos aparecem apenas
tardiamente durante a infecção primária, acredita-se que desempenhem um papel
secundário na erradicação dessa infecção. O papel principal nesses casos seria
assumido pelos linfócitos Tc. Os anticorpos teriam participação mais efetiva na
proteção em casos de reinfecção, quando atuariam limitando e restringindo a
penetração e disseminação do vírus no organismo. Além dessa diferença, a
importância relativa dos anticorpos e da imunidade celular variam de acordo com a
biologia e interações de cada vírus com o hospedeiro.
Os principais locais de produção de anticorpos pelos plasmócitos são os
centros germinativos dos linfonodos e as regiões equivalentes dos outros órgãos
linfoides secundários. As Igs estão presentes nos fluidos do organismo (plasma
sanguíneo, saliva, lágrima, urina, colostro/leite, muco, secreções, líquido
cefalorraquidiano e líquido sinovial) e são capazes de se ligar especificamente no
determinante antigênico que induziu a sua formação. Para várias infecções virais, a
quantidade de Igs específicas presentes no soro sanguíneo pode ser correlacionada
com proteção. Por isso, esse parâmetro é utilizado para o monitoramento dos
prováveis níveis de proteção e da necessidade de novas imunizações. Considerando-se
que a resistência antiviral deve-se, em grande parte, à atividade dos linfócitos Tc (que
efetivamente destroem células infectadas), a quantificação dos anticorpos não pode ser
considerada o indicador único de proteção. No entanto, a sorologia é muito utilizada
para se avaliar os níveis de imunidade como um todo, visto que os métodos para
detectar e quantificar a função de linfócitos T são de difícil aplicação.

Mecanismos de ação das imunoglobulinas


As Igs possuem várias atividades biológicas que potencialmente podem
estar envolvidas na resposta antiviral. Algumas dessas atividades já foram
demonstradas in vivo e a sua participação na resposta antiviral parece ser
inquestionável; outras somente foram demonstradas inequivocadamente in
vitro e/ou possuem um papel controverso na resposta imunológica contra os
vírus. A seguir, são listadas as principais atividades antivirais dos anticorpos
(as atividades dos anticorpos na defesa contra vírus estão ilustradas na Figura
9.8).
– neutralização: a interação dos vírions com os receptores celulares para o
início da infecção é mediada por regiões específicas das proteínas de superfície
dos vírions (antirreceptores). Anticorpos produzidos contra essas regiões
possuem a capacidade de se ligar aos vírions e impedir a interação com os
receptores celulares, neutralizando a sua infectividade. Esses anticorpos são
denominados genericamente de neutralizantes e constituem uma parcela do
total de anticorpos produzidos contra os vírus. Anticorpos com atividade
neutralizante são direcionados contra proteínas de superfície dos vírions. A
neutralização de partículas virais pode ocorrer por Igs da classe IgA, presente
nas mucosas e em secreções; ou por IgM e IgG, presentes no plasma
sanguíneo. Um dos desafios da vacinologia é a indução de proteção sólida nas
mucosas, pela estimulação de IgA com capacidade de neutralizar as partículas
víricas nos locais mais frequentes de penetração viral (sistema respiratório,
digestório e reprodutivo) e, assim, impedir a instalação da infecção. A
neutralização da infectividade é o mecanismo mais direto de ação dos
anticorpos contra vírus e, talvez, o mais importante;
– aglutinação: as IgM e IgG possuem a capacidade de aglutinar partículas
virais e, com isso, facilitar a sua remoção mediada pelo sistema complemento e
por células fagocíticas;
– opsonização: o revestimento de partículas víricas por moléculas de
imunoglobulinas (IgM e IgG) facilita a ligação e remoção dessas partículas
pelas células fagocíticas, via receptores para a porção Fc das Igs. A ativação do
sistema do complemento também gera fragmentos capazes de opsonização
viral (C3b);
– ativação do complemento: a ligação das Igs aos antígenos resulta em
alterações tridimensionais na sua região Fc, expondo sítios de ligação para o
componente C1 do complemento, iniciando a sua ativação em cascata. O
resultado é a estimulação de vários mecanismos da imunidade inata
(vasodilatação, aumento da permeabilidade capilar, quimiotaxia para fagócitos,
entre outros) e a formação do MAC (complexo de ataque a membranas) sobre a
superfície dos vírions, o que pode resultar na inativação da infectividade dos
vírus envelopados. A ligação de anticorpos em proteínas virais inseridas na
membrana de células infectadas pode ativar o complemento e levar à formação
do MAC. Com isso, a célula infectada pode sofrer lise osmótica. Esse
mecanismo pode também ocorrer com bactérias;
– citotoxicidade mediada por células dependente de anticorpos (ADCC):
durante a replicação de alguns vírus, certas proteínas virais podem ser inseridas
na membrana plasmática das células infectadas. Anticorpos específicos,
produzidos contra essas proteínas, se ligam a elas na superfície celular. Com
isso, a célula infectada fica recoberta por Igs e se torna alvo para algumas
células do sistema imunológico que possuem receptores para a porção Fc das
Igs (células NK e neutrófilos), resultando na destruição da célula infectada.
Embora a ADCC tenha sido amplamente demonstrada in vitro, a sua
importância in vivo ainda é desconhecida;
– outras atividades dos anticorpos: embora as Igs desempenhem funções
benéficas para a manutenção da integridade e funcionalidade do organismo,
pelo combate a agentes infecciosos potencialmente nocivos, eventualmente
podem participar de processos que são prejudiciais ao hospedeiro. A presença
de grande quantidade de antígenos no plasma sanguíneo pode levar à formação
disseminada de complexos antígeno-anticorpo. Esses complexos geralmente
são removidos pelas células fagocíticas. No entanto, quando estão em excesso,
depositam-se no endotélio vascular e, frequentemente, estão relacionados a
quadros imunopatológicos. O revestimento de vírions com Igs sem atividade
neutralizante pode, ao invés de neutralizá-los, potencializar a sua infectividade.
Essas Igs são reconhecidas por células que possuem receptores para a porção
Fc (monócitos e macrófagos), resultando na internalização eficiente de vírions
recobertos com anticorpos, facilitando a infecção dessas células, ou seja, os
anticorpos aumentam a eficiência de penetração desses vírions. Esse
mecanismo é denominado Antibody Dependent Enhancement (ADE) e tem
sido descrito para vários vírus, dentre os quais o vírus da dengue, o
coronavírus felino e o vírus da imunodeficiência humana (HIV). O papel
da ADE na patogenia dessas doenças, no entanto, ainda é tema de debates.

Resposta imune primária e secundária/memória imunológica


Os linfócitos possuem um período de vida relativamente curto após a sua
produção a partir dos progenitores linfoides na medula óssea. No entanto, a sua
sobrevivência pode ser prolongada desde que encontrem o antígeno que os estimule a
proliferar e se diferenciar. Ou seja, os linfócitos que não encontram o antígeno que os
estimule a proliferar possuem vida curta; aqueles que encontram o antígeno
complementar ao seu BCR têm a sua vida prolongada. Dessa forma, a presença de
antígenos específicos no organismo literalmente resgata os linfócitos da morte,
estimulando-os a proliferar e se diferenciar, gerando uma resposta imune, denominada
resposta primária. O principal evento da resposta primária é a expansão dos clones de
linfócitos que possuem receptores para os antígenos introduzidos pela primeira vez no
organismo. Porém, a maioria das células originadas pela expansão clonal se
diferenciará em células de vida curta, os plasmócitos, que exercem a sua função de
secreção de Igs e sobrevivem por algumas semanas ou meses. Felizmente, após a
expansão clonal, uma fração pequena dos linfócitos estimulados não se diferencia em
plasmócitos, e sim em células de memória. Estas mantêm a capacidade de
reconhecimento do mesmo antígeno que as estimulou (pois possuem os BCRs com
especificidade idêntica aos da célula original) e sobrevivem no organismo por um
longo tempo. As células de memória habitam a medula óssea e circulam pelo
organismo. Ao encontrarem o mesmo antígeno que as estimulou previamente (vírions
ou proteínas virais), essas células respondem rapidamente, produzindo uma resposta
proliferativa e de diferenciação rápida e intensa. Essa resposta é denominada resposta
imune secundária. Embora mais estudados em linfócitos B, pela facilidade de
quantificação dos anticorpos, os eventos envolvidos na resposta primária e secundária
provavelmente ocorrem de forma semelhante com os linfócitos T. A resposta primária
a um determinado vírus pode resultar de infecção natural ou de vacinação e prepara o
sistema imunológico para responder e montar uma resposta secundária caso ocorra
uma exposição subsequente ao mesmo agente.
A memória imunológica de linfócitos B e T é diferente. A produção contínua
de anticorpos específicos tem sido detectada várias décadas após a infecção por alguns
vírus. Como a vida média dos anticorpos no organismo é de poucas semanas, ocorre
uma produção contínua de anticorpos, para que os níveis sejam mantidos. Uma
possível explicação para esse fato é que linfócitos B de memória seriam
constantemente reestimulados a se diferenciar em plasmócitos secretores de Igs, pois
os plasmócitos possuem vida curta. O contato frequente com o antígeno – e as
consequentes reestimulações – pode decorrer da reexposição ao próprio micro-
organismo ou resultar de reatividade cruzada com antígenos semelhantes, próprios ou
heterólogos. Além disso, as DCs possuem a capacidade de armazenar antígenos em
seus dendritos por períodos prolongados e liberá-los lentamente para os linfócitos de
memória, provocando a sua reestimulação contínua. Isso poderia proporcionar uma
estimulação prolongada não somente dos linfócitos de memória, mas também de
linfócitos que ainda não haviam sido estimulados (naive ou virgens). Estes, ao
chegarem aos órgãos linfoides, encontrariam com o antígeno pela primeira vez,
gerando novamente uma resposta imune primária e, consequentemente, a produção de
mais linfócitos de memória.
Ao contrário da fase efetora da resposta humoral – cuja produção de anticorpos
pode persistir por longo período –, a fase efetora da resposta celular é de curta
duração. A presença prolongada de linfócitos Th e Tc efetores seria deletéria para
o organismo, pois a secreção persistente de citocinas e a atividade citolítica
continuada poderiam resultar em imunopatologia. Após a fase efetora, as células T
de memória são encontradas com frequência mais alta e podem responder com mais
rapidez e eficiência a estímulos antigênicos secundários. A rapidez e eficiência com
que as células T de memória se deslocam para os sítios de infecção e respondem a
estímulos secundários faz com que não seja necessária a preexistência de células
efetoras para gerar uma resposta protetora.
Uma das questões fundamentais na resposta imune está relacionada com os
mecanismos que garantem a sobrevivência e manutenção das células T e B de
memória. A estabilidade da memória dos linfócitos Tc, por exemplo, é mantida por
divisões celulares lentas e contínuas. As células B de memória podem ser mantidas
por estimulações paralelas, ou seja, por citocinas produzidas pelas células Th e DCs
em resposta a outros antígenos. No entanto, embora a medula óssea apresente o
ambiente ideal para a manutenção, replicação e sobrevivência dessas células, acredita-
se que a reexposição e o contato com o antígeno sejam importantes para a manutenção
das células B de memória. Com isso, as reestimulações contribuiriam para a reposição
das células secretoras de Igs e a consequente manutenção dos níveis de anticorpos
circulantes.
O conhecimento dos eventos que ocorrem durante a resposta primária e
secundária é fundamental para o entendimento das bases imunológicas da proteção
induzida por vacinas. A vacinação induz uma resposta primária, com a consequente
expansão de clones de linfócitos B e T específicos para os antígenos vacinais. Com
isso, são produzidos plasmócitos e linfócitos T efetores, que possuem vida curta, e,
principalmente, células B e T de memória, que possuem vida longa e são capazes de
responder ao mesmo padrão antigênico que induziu a sua proliferação. A infecção
subsequente de um animal vacinado irá induzir uma resposta secundária, com
estimulação e proliferação muito mais rápida e intensa de linfócitos T e B, pois o
número dessas células específicas para o antígeno agora é muito maior, resultado da
expansão clonal da resposta primária induzida no momento da vacinação. Essa
infecção resulta em estimulação dos linfócitos de memória, que proliferam e se
diferenciam em células efetoras, a exemplo do que ocorreu na resposta primária,
porém com muito maior eficiência e rapidez. O resultado é a produção de linfócitos Th
e Tc efetores e de plasmócitos secretores de anticorpos, que se encarregam de
combater o vírus invasor.
A possibilidade de uma resposta imune secundária também tem sido
recentemente investigada em células NK. Em modelos murinos, a “memória”
imunológica das células NK para determinados vírus pode ser transferida para animais
não infectados ou ser preferencialmente estimulada em animais previamente
infectados em comparação com células NK não-estimuladas (naive). Parece que, uma
vez ativadas, as células NK, ou pelo menos uma subpopulação delas, têm a capacidade
de manter um imprint do antígeno e ser preferencialmente reestimuladas em um
encontro subsequente.

3) Compreender a fisiopatologia e fisiopatogenia dos vírus da dengue (simples e


hemorrágica).

Fisiopatogenia

Após serem inoculados através da picada do mosquito, os vírus do dengue


fazem uma primeira replicação em células musculares estriadas, lisas e fibroblastos,
bem como em linfonodos locais. Seguindo tal multiplicação, tem início viremia,
disseminando-se por todo o organismo. Os vírus podem circular livres, no plasma ou
no interior de monócitos/macrófagos. Sabe-se que os vírus do dengue têm tropismo
por essas células fagocitárias, as quais são os maiores sítios de replicação viral.
Os sintomas gerais do dengue com febre e mal-estar surgem após período de
incubação de dois a sete dias, coincidindo com a viremia. Esses sintomas relacionam-
se a níveis séricos elevados de citocinas liberadas por macrófagos ao interagirem com
linfócitos T (LT) helper ativados. Observam-se altos teores séricos de IL-2 e de seu
receptor solúvel, de CD4 solúvel, IFN-γ, IFN-α que se mantêm elevado até a
convalescença, TNF-α, IL-1β e o fator de ativação de plaquetas (PAF). A leucopenia e
a discreta e transitória depressão medular que se apresentam nesses casos, também,
relacionam-se aos altos teores de citocinas macrofágicas. As mialgias são
consequentes, em parte, à multiplicação viral no próprio tecido muscular e são
acometidos, inclusive músculos oculomotores, sendo responsáveis pela cefaleia
retroorbitária que muitos pacientes apresentam.
A febre do dengue, nas formas indiferenciada e clássica é autolimitada e o
desaparecimento da doença coincide com o aparecimento de vigorosa resposta imune.
Os anticorpos, principalmente os que se ligam a epítopos da proteína E, promovem
lise do envelope ou bloqueio de seus receptores com consequente neutralização viral.
A proteína E, localizada nas espículas do envelope dos vírus do dengue, é fundamental
para a ligação viral ao receptor de membrana e possui os mais importantes domínios
antigênicos desses microrganismos. Os epítopos da proteína E definem a produção de
anticorpos específicos para o tipo viral e para o gênero dengue e podem ser detectados
por múltiplos testes sorológicos (ensaios imunoenzimáticos e de imunofluorescência;
testes de neutralização, de inibição da hemaglutinação e de facilitação da
infectividade). A estrutura tridimensional da proteína E consiste de um complexo
dimérico com duas subunidades idênticas. E é subdividida em três regiões distintas: I -
região central da molécula, contendo o radical amina terminal; II - contém a maior
parte dos contatos do dímero; III - inclui o C terminal e tem relação com a virulência
de determinadas cepas virais. Os dímeros da proteína E, quando expostos a pH ácido
(pH<6,5), sofrem uma transformação conformacional, sendo rearranjados em trímeros.
Após a ligação viral ao receptor de membrana e a entrada da partícula no citoplasma
por pinocitose, a conformação em trímeros da proteína E seria fundamental para o
processo de fusão do envelope viral com a membrana endossômica. Os anticorpos
contra a proteína E são dirigidos a epítopos existentes em toda a superfície externa da
molécula. Os anticorpos neutralizantes relacionam-se à específica conformação do
epítopo da proteína E nas regiões I e II para um determinado vírus. O mecanismo de
neutralização relaciona-se à dissociação do dímero E pela presença do anticorpo,
impedindo as alterações conformacionais que levam à formação dos trímeros da
molécula. A neutralização também pode ocorrer com anticorpos ligados à região III,
obstruindo o sítio de ligação viral ao receptor de membrana celular.
Anticorpos, produzidos contra o antígeno/proteína NS1, promovem lise viral
fixando o complemento. A NS1, com 40 KDa, possui atividade na maturação viral e é
encontrada na superfície, ligada à membrana da célula infectada sendo, também,
secretada. A imunização com NS1 é capaz de proteger camundongos da encefalite,
após serem inoculados com vírus do dengue. Entretanto, o mecanismo de proteção
conferido pelas NS1 não é neutralizante das partículas virais e relaciona-se à
destruição das células infectadas previamente à liberação da progênie viral. Anticorpos
contra NS1 atuam como mediadores de fenômenos de citotoxidade por linfócitos,
através de seus receptores para a porção Fc de imunoglobulinas. A NS3, que se
apresenta em contato com a superfície celular ou é secretada, também, possui
capacidade imunogênica. Essa proteína, com 69 KDa, é uma enzima bifuncional
nucleotídea trifosfatase/helicase viral. A presença de NS3 estimula a destruição das
células infectadas por LT citóxicos. LT helper e citotóxicos de pacientes com dengue
apresentam capacidade de reconhecer epítopos de E, NS1 e NS3.
Nos pacientes com dengue, a resposta humoral, produzida por plasmócitos
resultantes da ativação de linfócitos B costuma ser vigorosa. Os anticorpos IgM
específicos são detectáveis a partir do quarto dia, após o início dos sintomas, atingindo
os níveis mais elevados por volta do sétimo ou oitavo dia e declinando lentamente,
passando a não ser detectáveis após alguns meses. As IgG específicas são observadas,
em níveis baixos, a partir do quarto dia após o início dos sintomas, elevam-se
gradualmente, atingindo altos teores em duas semanas e mantêm-se detectáveis por
vários anos, conferindo imunidade contra o tipo infectante, provavelmente, por toda a
vida. Anticorpos obtidos durante infecção por um tipo de dengue, também, protegem
da infecção por outros tipos, entretanto, tal imunidade é mais curta, com duração de
meses ou poucos anos. Infecções por dengue, em indivíduos que já tiveram contato
com outros sorotipos do vírus ou, mesmo, outros Flavivirus (como os vacinados
contra a febre amarela), podem alterar o perfil da resposta imune, que passa a ser do
tipo anamnéstico ou de infecção secundária (reinfecção), com baixa produção de IgM
e liberação intensa e precoce de IgG.
A resposta imune celular citotóxica por LT ocorre sob estímulo das proteínas
NS1, NS3 e E dos vírus do dengue. LT helper atuam na presença das células
infectadas com dengue que expressam receptores HLA tipo II, produzindo IFN-γ, IL-2
e o fator estimulador de colônias de macrófagos e granulócitos. Os linfócitos
citotóxicos agridem diretamente as células infectadas com dengue, que expressam
receptores HLA tipo I, lisando-as. Portanto, as células T participam ativamente na
resposta imune, reduzindo o número de células infectadas com o vírus, e conferindo
proteção contra reinfecção.
A segunda forma de resposta imune aos vírus do dengue é paradoxal, ou seja,
prejudica o hospedeiro infectado e é responsável pela imunopatologia do dengue
hemorrágico/síndrome de choque do dengue (dengue hemorrhagic fever/dengue shock
syndrome – DHF/DSS). Essa resposta imune pode ser observada em dois grupos de
indivíduos: acima de um ano de idade com uma segunda infecção por dengue (mais de
90% dos casos) e crianças, menores de um ano, infectadas pela primeira vez, filhos de
mães possuidoras de anticorpos para dengue. DHF/DSS é comum em países do
Sudeste Asiático e Oceano Pacífico Ocidental, onde a virose ocorre endemicamente,
com circulação simultânea de mais de um tipo viral. Naqueles locais, a doença
acomete, mais comumente, crianças. No Brasil, atualmente, vive-se a mesma situação
com a circulação simultânea dos vírus dengue tipo 1 e 2. Entretanto, em surtos de
DHF/DSS ocorridos nas Américas e, particularmente, no Brasil, os doentes são,
predominantemente, indivíduos adultos de ambos os sexos.
Uma sequência de infecções por dengue foi claramente definida como
importante fator de risco para DHF/DSS. Em epidemias ocorridas no Sudeste Asiático
e Ilhas do Oceano Pacífico, observou-se que pacientes com DHF/DSS sofreram, com
maior frequência, infecção inicial por dengue tipo 1, 3 ou 4, seguida, após intervalo de
um a cinco anos, de infecção por dengue tipo 2. Em 1981, na epidemia de DHF/DSS,
ocorrida em Cuba, isolou-se de pacientes o tipo 2, quatro anos após a ocorrência de
uma epidemia benigna pelo tipo 1. Na ocasião, determinou-se que o risco de
DHF/DSS, em infecção secundária, seria aproximadamente cem vezes maior do que
em uma primoinfecção. A importância de uma infecção secundária ou terciária por
dengue, aumentando o risco de DHF/DSS, foi corroborada em estudo mais recente,
efetuado em Myanmar.

Fisiopatologia

Após a inoculação do vírus do dengue através da picada do mosquito, este faz a


sua primeira replicação em linfonodos locais, em células musculares estriadas e lisas e
fibroblastos. Com esta replicação inicial se produz a viremia e se dissemina o
microrganismo por todo o organismo, livre no plasma ou no interior de monócitos e
macrófagos. Os vírus do dengue têm tropismo por estas células fagocitárias, as quais
são importantes sítios para sua replicação.
Acredita-se que existam duas formas opostas de reposta imune ao dengue. A
primeira previne a infecção e propicia a recuperação nas infecções. A segunda se
relaciona à imunopatologia do dengue hemorrágico.
Para a prevenção e cura das infecções por dengue, tem importância a resposta
humoral. Os anticorpos, ligando-se principalmente a epítopos da proteína E, no
envelope, promovem lise viral ou bloqueio dos receptores, com consequente
neutralização viral. Anticorpos contra a proteína NS1 promovem lise viral, fixando
complemento. Além disso, os anticorpos atuam como mediadores de fenômenos de
citotoxicidade por linfócitos T8, através de seus receptores para a porção Fc de
imunoglobulinas.
A infecção primária (primoinfecção) por dengue estimula a produção de
anticorpos IgM, detectáveis a partir do quarto dia após o início dos sintomas,
atingindo os níveis mais elevados por volta do sétimo ou oitavo dia e declinando
lentamente, passando a não serem detectáveis após alguns meses. As IgG são
observadas, em níveis baixos, a partir do quarto dia após o início dos sintomas,
elevam-se gradualmente atingindo altos valores em duas semanas e mantêm-se
detectáveis por vários anos, conferindo imunidade contra o sorotipo infectante
provavelmente por toda a vida. Os anticorpos obtidos durante infecção por um tipo de
dengue também protegem da infecção por outros tipos virais; entretanto, esta
imunidade é mais curta, com duração de meses ou poucos anos.
Resposta imunocelular citotóxica por linfócitos T é descrita sob estímulos das
proteínas NS1, NS3 e E dos vírus do dengue. Linfócitos T4 lisam células infectadas
pelo vírus, portando receptores HLA do tipo II, produzem interferon gama (IFN-γ),
interleucina-2 (IL-2) e o fator estimulador de colônias de macrófagos e granulócitos. A
ação imunomoduladora dessas linfocinas é pouco conhecida. Linfócitos T8 lisam
células infectadas com dengue, portando receptores HLA do tipo I. Portanto, as células
T devem participar ativamente na resposta imune, reduzindo o número de células
infectadas com o vírus. Nos quadros de dengue, a sintomatologia geral de febre e mal-
estar se relaciona à presença, em níveis elevados, de citocinas séricas, como o fator de
necrose tumoral (TNF), IL-6 e IFN. As mialgias se relacionam, em parte, à
multiplicação viral no próprio tecido muscular, inclusive o oculomotor é acometido,
produzindo cefaleia retrorbitária.

Fatores envolvidos no desenvolvimento da FHD

Vários trabalhos demonstraram a importância tanto da resposta imune do


organismo quanto da variedade fenotípica do vírus do dengue para o desenvolvimento
de febre hemorrágica do dengue (FHD) e síndrome do choque do dengue (SCD). A
presença de anticorpos contra o vírus e células T de memória parecem possuir
importante papel nesse quadro fisiopatológico.
FHD parece ocorrer mais frequentemente em indivíduos que experimentaram
uma infecção prévia com um sorotipo diferente do vírus do dengue, sugerindo uma
base imunopatogênica para as formas graves da doença. Existe também a hipótese de
que a FHD ocorra em crianças filhas de mães com história de dengue e que ainda
apresentam anticorpos maternos, passados ao feto por via transplacentária.
O grau de imunidade que existe, a um ou a vários sorotipos virais, determinará
a resposta ante uma reinfecção e esta dependerá tanto do tempo decorrido desde a
infecção primária como do sorotipo infectante. Os principais fatores de risco para
desenvolvimento da SCD são infecção secundária por DEN-2, seguido de infecções
prévias por DEN-1, DEN-2 ou DEN-4, em ordem decrescente. A resposta humoral de
pacientes na fase aguda de infecções secundárias é maior do que aquela de pacientes
que apresentam infecção primária. Isso ocorre provavelmente devido aos altos níveis
de anticorpos IgG em infecções secundárias e a presença apenas de IgM em infecções
primárias. Estudo com 168 crianças da Tailândia, determinou que 81% dos pacientes
apresentaram infecção secundária com doença mais severa. Também foi demonstrado
que títulos mais elevados de anticorpos estavam associados a um aumento da
severidade da doença.
A FHD parece acometer mais indivíduos do sexo feminino. Lactentes menores
de um ano, devido à existência de anticorpos maternos, e crianças entre três e sete
anos com infecção secundária parecem desenvolver mais esta forma da doença. Em
relação à raça, um estudo da epidemia de dengue de 1981, em Cuba, mostrou uma
maior incidência da forma hemorrágica em indivíduos brancos, em comparação com
mulatos e negros. Estudo realizado de 1994 a 1996, perceberam uma maior resistência
de indivíduos negros ao desenvolvimento de FHD.
Os casos de FHD e SCD têm relação com a presença de patologias crônicas
nos pacientes. Em um estudo realizado em Cuba, verificou que 16,5% dos pacientes
tinham história de asma brônquica e que 14% apresentavam hipertensão arterial
sistêmica. Verificou-se, também, em outro estudo, que o índice de mortalidade por
dengue nos pacientes asmáticos era o dobro que na população em geral. Em relação ao
diabetes mellitus, observou-se uma taxa de mortalidade quatro vezes maior em
pacientes com essa patologia comparada com a população geral.
Os fagócitos mononucleares são implicados na fisiopatologia do dengue
hemorrágico. Estudos sobre a resposta imune na infecção sequencial por dengue
mostram que anticorpos preexistentes podem não neutralizar um segundo vírus
infectante de sorotipo diferente e, em muitos casos, paradoxalmente, amplificam a
infecção, facilitando a este novo tipo infectante a penetração em macrófagos,
utilizando, para isso, os receptores de membrana Fcg. Agrava este quadro o estímulo
causado pela liberação de IFNγ por células CD4 ativadas, causando uma aumentada
exposição pelos macrófagos em membrana de receptores Fcg e, assim, tornando-os
mais permissíveis ao vírus. Acredita-se que indivíduos com febre hemorrágica
possuam populações de macrófagos maciçamente infectadas e produzam viremias
elevadas. Uma presença aumentada de moléculas HLA dos tipos I e II nos macrófagos
estimulados pelo IFNγ facilitaria o reconhecimento de um maior número de epítopos
virais pelos linfócitos CD4 e CD8, com consequente liberação aumentada de
linfocinas.
A presença de antígenos de dengue expressos na membrana macrofágica induz
fenômenos de eliminação imune por linfócitos T CD4 e CD8 citotóxicos. Os
macrófagos, ativados pelos linfócitos e agredidos ou lisados pelas células citotóxicas,
liberam tromboplastina, que inicia os fenômenos da coagulação e, também, liberam
proteases ativadoras do complemento, causadoras da lise celular e do choque. O TNFα
de origem macrofágica e linfocitária foi observado com níveis elevados em casos de
febre hemorrágica do dengue. O TNFα afeta células inflamatórias e endoteliais,
podendo contribuir para a trombocitopenia e induz a IL-8, estimulando a liberação de
histamina pelos basófilos e aumentando a permeabilidade vascular. A IL-6 foi
observada com níveis elevados em alguns casos graves de dengue hemorrágico, e foi
relacionada a hipertermia apresentada pelos pacientes. Anafilotoxinas como C3a e
C5a, leucotrienos, histamina e o fator inibidor do ativador do plasminogênio (que
impede a fibrinólise e leva à deposição de fibrina intravascular) encontram-se
presentes por curto tempo. Dessa forma, no dengue hemorrágico ocorre aumento da
permeabilidade por má função vascular endotelial sem destruição do endotélio,
causando queda da pressão arterial e manifestações hemorrágicas, associadas a
trombocitopenia.

Patologia

A infecção pelo vírus do dengue causa uma doença sistêmica caracterizada por
haver supressão transitória da medula óssea, que pode acarretar neutropenia e febre.
Em pessoas previamente expostas ao vírus, os anticorpos podem intensificar a
captação do microrganismo pelas células do hospedeiro e causar choque e morte. As
alterações patológicas observadas no dengue se referem principalmente a esses casos
mais graves (febre hemorrágica do dengue e síndrome do choque por dengue). Na
necrópsia são observadas muitas vezes hemorragias cutâneas em trato gastrointestinal,
no septo interventricular cardíaco, no pericárdio, em espaços subaracnóideos e
superfícies viscerais. A hepatomegalia e os derrames cavitários são achados
frequentes, geralmente com alto teor protéico (predomínio de albumina) e com pouco
material hemorrágico.
À microscopia pode ser visualizado edema perivascular com grande
extravasamento de hemácias e infiltrado rico em monócitos e linfócitos,
megacariócitos em capilares pulmonares, glomérulos renais, sinusóides hepáticos e
esplênicos, evidências de coagulação intravascular disseminada (CID). Em linfonodos
e baço há proliferação linfoplasmocitária com grande atividade celular e necrose de
centros germinativos. Na medula óssea ocorre bloqueio da maturação megacariocítica
e de outras linhagens celulares. No fígado se observam hiperplasia e necrose hialina
das células de Kuppfer, a presença, em sinusóides, de células mononucleares com
citoplasma acidófilo e vacuolizado e hepatócitos em esteatose e necrose mediozonal.
Os rins podem apresentar glomerulonefrite, provavelmente relacionada à deposição de
imunocomplexos em membrana basal glomerular. Assim, o dengue hemorrágico causa
uma síndrome semelhante a CID. As mortes associadas à infecção pelo vírus do
dengue, que são mais frequentes em crianças, são causadas por hemorragias nos
pulmões e cérebro.

Diagnóstico laboratorial

Critérios diagnósticos baseados em observação do quadro clínico têm sido


propostos pela OMS, incluindo: 1) febre; 2) manifestações hemorrágicas, incluindo
pelo menos uma "prova do laço" positiva e um maior ou menor fenômeno
hemorrágico; 3) hepatomegalia; e 4) choque (taquicardia e diminuição da pressão de
pulso a 20 mmHg ou menos, ou hipotensão).
Apesar dos critérios, achados laboratoriais se tornam de grande valia para o
diagnóstico de dengue clássico e de febre hemorrágica do dengue, principalmente
quando associados a suspeita clínica. Trombocitopenia (£100.000 plaquetas/mm3) e
hemoconcentração (aumento do hematócrito em 20%) são sugestivos dessa
arbovirose, e trombocitopenia com concomitantes níveis elevados de hematócrito
diferenciam febre hemorrágica da sua apresentação clássica.
O diagnóstico definitivo de dengue pode ser feito apenas em laboratório e
depende do achado de anticorpos séricos específicos, do isolamento do vírus ou da
detecção de antígeno viral ou do RNA viral no soro do paciente. Os vírus circulantes
permanecem detectáveis no sangue durante o período febril (por cerca de cinco dias
depois do início dos sintomas), desaparecendo rapidamente, para o aparecimento dos
anticorpos relativos. Uma amostra de sangue da fase aguda da doença sempre deve ser
retirada o mais breve possível depois do início dos sintomas e uma amostra da fase de
convalescença deve ser obtida duas a três semanas depois. Devido à dificuldade
frequente de obter-se amostras dessa última fase da doença, uma segunda amostra de
sangue deve ser obtida dos pacientes no dia da alta hospitalar.
Cinco testes sorológicos básicos têm sido usados para o diagnóstico de
infecção por dengue: inibição de hemaglutinação (IH), fixação do complemento (FC),
teste de neutralização (TN), Elisa para detecção de IgM e Elisa para detecção de IgG.
Independentemente do teste utilizado, o diagnóstico sorológico depende de um
aumento significativo na taxa de anticorpos específicos entre as amostras de soro entre
a fase aguda e a fase de convalescença.
O método Elisa tem se tornado o teste sorológico mais amplamente usado para
o diagnóstico de dengue nos últimos anos. É de simples e rápida realização, requer
equipamento muito pouco sofisticado e sua especificidade é similar a do método de
inibição de hemaglutinação. O anticorpo IgM antidengue, a ser detectado por Elisa,
desenvolve-se um pouco mais rápido do que o anticorpo IgG. IgM se torna detectável
durante a fase aguda da doença, e 90% dos pacientes são IgM positivos ao sexto dia
depois do início dos sintomas, embora a rapidez com a qual IgM se desenvolve varie
consideravelmente entre pacientes. Esse anticorpo permanece detectável por cerca de
60 dias é produzido por pacientes com infecção primária ou secundária e
provavelmente por pessoas com infecção terciária, embora a resposta em algumas
infecções secundárias e provavelmente na maioria das terciárias é transitória e em
baixos níveis. Uma pequena porcentagem de pacientes com infecções secundárias não
tem IgM detectável.
A cultura em células de mosquito é a mais recente aquisição à metodologia de
isolamento do vírus do dengue. É um método rápido e econômico, cuja sensibilidade é
menor do que a da inoculação intratorácica em mosquitos e que varia possivelmente
com a cepa viral. Três linhas de células de sensibilidade comparável são mais
frequentemente usadas, dentre as quais a linha de clones C6/C36 de células de Aedes
albopictus foi a primeira a ser desenvolvida e ainda é a mais amplamente usada. O
antígeno do dengue pode ser detectado nas culturas infectadas por imunofluorescência
direta ou indireta.
A reação em cadeia da polimerase (PCR) para transcriptase reversa (RT) tem
sido desenvolvida para um grande número de RNA-vírus nos últimos anos e tem
potencial para revolucionar o diagnóstico laboratorial. Para o dengue, RT-PCR
promove um diagnóstico sorotipo-específico rápido. O método se mostra tão sensível
quanto o isolamento viral em cultura de células C6/C36; é simples, rápido e confiável
se apropriadamente controlado; pode ser usado para detectar RNA viral em amostras
clínicas humanas, em tecidos de autópsia ou em mosquitos. Deve ser enfatizado, no
entanto, que RT-PCR não deve ser considerado um substituto para o isolamento viral,
já que este último se torna muito importante para caracterizar a diferença entre cepas
virais, informações fundamentais para estudos de vigilância epidemiológica e de
patogênese.
Um grande problema no diagnóstico laboratorial de dengue tem sido a
confirmação em casos fatais. Na maioria destes casos, apenas uma amostra sérica é
obtida, tendo os testes sorológicos, portanto, valor limitado. Além disso, a maioria dos
pacientes morre no momento ou pouco depois da defervescência, quando o isolamento
viral é difícil. Com os novos métodos de imunoistoquímica, é possível detectar-se o
antígeno viral do dengue em uma variedade de tecidos. Embora os testes de
imunofluorescência tenham sido utilizados no passado, novos métodos envolvendo
conjugados de enzimas (como peroxidase e fosfatase associadas a anticorpos
monoclonais e policlonais) têm sido desenvolvidos.

Conduta e tratamento

Como na maior parte das viroses não existe tratamento específico para a
infecção do dengue, as medidas de suporte devem ser instituídas, de acordo com sinais
e sintomas específicos das manifestações da infecção.

Febre do dengue
A febre do dengue é uma doença autolimitada e raramente oferece risco de
morte. O tratamento básico consiste em repouso, hidratação oral, antipiréticos e
analgésicos. Devido a febre alta, vômitos e anorexia, ocorre desidratação. O paciente
deve ser orientado a aumentar a ingestão de líquidos, sendo as soluções de reidratação
oral, sucos de frutas e água de coco preferíveis em relação à água pura. A solução de
reidratação oral proposta pela OMS (a mesma que para diarreia) é recomendada. Pode
ser necessária hidratação venosa.
A febre e a mialgia podem ser tratadas com dipirona ou paracetamol. A febre é
alta e pode não haver normalização da temperatura com o uso da medicação. Outros
agentes anti-inflamatórios não esteroidais, especialmente a aspirina, devem ser
evitados, pelos riscos de sangramento, devido à inibição da função plaquetária e pelo
risco de desenvolvimento de síndrome de Reye em crianças. O prurido pode ser
tratado com anti-histamínicos e, caso não melhore, pode-se fazer bolsas de gelo para
alívio temporário. Os sintomas gastrointestinais como náuseas e vômitos podem ser
medicados com antieméticos usuais (metoclopramida, bromoprida). Não se deve
utilizar antidiarreicos e, caso a diarreia persista, deve-se aumentar a hidratação com
soluções salinas orais. Além das medidas gerais, a principal assistência ao paciente
com dengue consiste em avaliá-lo meticulosamente e prestar informações precisas aos
familiares quanto a sinais e sintomas que sugiram o desenvolvimento de
complicações, como evidências precoces do desenvolvimento de FHD ou SCD.
As manifestações hemorrágicas, mesmo que sem evidências de aumento da
permeabilidade plasmática (não FHD), podem ser severas o suficiente para justificar
transfusão sanguínea e estão geralmente relacionadas com intensa plaquetopenia e, nos
casos mais graves, com coagulação intravascular disseminada. Transfusões de
plaquetas raramente são efetuadas, mas podem ser benéficas em pacientes com
contagem menor que 10.000/mm3 e que ainda estejam sangrando.
Fluxograma para hidratação no paciente com febre hemorrágica do dengue e
hemoconcentração ³ 20%. Fonte: World Health Organization.

Febre hemorrágica do dengue / síndrome do choque do dengue


Não existe necessidade de internamento de todos pacientes com febre
hemorrágica do dengue (FHD). O prognóstico depende basicamente do
reconhecimento precoce e do grau de comprometimento ou severidade da doença
quando o paciente busca assistência médica.
Nos casos mais leves e especialmente nos que recebem cuidados médicos
precoces a reidratação oral pode ser suficiente. Entretanto, devido à própria dinâmica
da doença, ocorrendo geralmente nas 24 horas após a defervescência da febre, quando
a vigilância sobre o paciente diminui, pode haver demora no diagnóstico ou na busca
de atenção médica pelo paciente ou seus familiares. Dessa forma, é de fundamental
importância orientar o enfermo, os familiares e a equipe de saúde sobre essa
circunstância e torná-los aptos a reconhecer rapidamente os sinais de alerta, bem como
instalar precocemente as condutas terapêuticas. Sendo o período crítico a transição da
fase febril para afebril, geralmente com a FHD ocorrendo entre o terceiro e sétimo dia
da doença, é recomendável que se façam mensurações diárias do hematócrito a partir
do terceiro dia até um ou dois dias após a resolução da febre.
Com sinais de piora do quadro clínico ou alterações hemodinâmicas é
importante a obtenção rápida de acesso venoso. A OMS traz como indicações de
internação hospitalar para terapia de reidratação venosa com rápida expansão de
volume os seguintes sinais: taquicardia, tempo de enchimento capilar maior que dois
segundos, extremidades pálidas, frias e úmidas, pulsos periféricos diminuídos,
alteração do estado mental, oligúria, aumento abrupto de hematócrito ou hematócrito
alto mesmo após a administração de fluidos, diminuição do gradiente de pressão
(pressão convergente) e hipotensão.
A terapia mais importante no paciente com significante perda plasmática no
dengue consiste em oferecer volume por via endovenosa. Devido à perda ser de
plasma, as soluções utilizadas para reidratação devem ser isotônicas. De uma maneira
geral, o tratamento consiste na utilização de soluções cristalóides (Ringer lactato, soro
fisiológico) e, caso não haja resposta satisfatória ou ocorra aprofundamento do
choque, soluções colóides (dextran, gelatinas, albumina humana 5%). A OMS
recomenda ainda como solução cristalóide, uma solução glicofisiológica de glicose a
5% diluída de 1:2 ou 1:1 em soro fisiológico (0,9%).
No paciente com hemoconcentração, desidratado e com sinais leves de
alterações hemodinâmicas, mas sem choque, deve-se utilizar a solução glicofisiológia
proposta pela OMS, com volume total sendo o volume de manutenção mais volume de
reposição, assumindo 5% de déficit plasmático (10 mL/kg de peso para cada 1% de
déficit).
Para o paciente com choque, o volume não é administrado de maneira
constante. Faz-se bolus (ministrado em menos de 20 minutos) de 10-20 mL/kg de peso
de solução cristalóide glicofisiológica e, caso seja necessário, pode-se repetir com
bolus com 20-30 mL/kg de peso, mantendo-se infusão de 10-20 mL/kg/hora. Se não
houver melhora, o paciente deve receber oxigênio, para prevenir a anóxia, e ter seu
hematócrito avaliado. Um aumento no hematócrito indica perda de volume
plasmático, apesar do volume infundido. Estão então indicadas as soluções colóides
(dextran, gelatinas, albumina humana 5%), fazendo-se bolus de 10-20 mL/kg de peso,
podendo-se repetir com volume de 20-30 mL/kg de peso.

Figura 2 - Fluxograma de hidratação para paciente com síndrome de choque do dengue.

O uso entre colóides como terapia inicial ainda é controverso, entretanto eles já
têm indicação formal de serem instituídos precocemente nos pacientes com
manifestações atípicas do dengue como insuficiência hepática e encefalopatia.
Teoricamente as soluções colóides ofereceriam vantagens sobre as cristalóides, pois
promovem expansão de volume maior que o volume administrado devido à pressão
oncótica exercida pelas moléculas colóides que direciona o fluxo de líquidos do
interstício para os vasos. Entretanto, em situações de aumento de permeabilidade
vascular, é possível que essas moléculas atravessem os vasos e se depositem no
interstício, aumentando a perda de líquido do vaso para o interstício. Em pacientes
com choque os sinais vitais devem ser medidos a cada 30 minutos e o hematócrito,
avaliado a cada duas a quatro horas. Esses períodos podem ser mais espaçados à
medida que o paciente se estabilize e apresente melhora do quadro geral. Para
monitoramento do paciente devem ser avaliados: pressão sanguínea, hematócrito,
contagem de plaquetas, identificação de hemorragias, coagulograma, eletrólitos,
gasometria arterial, débito urinário e nível de consciência. Deve-se lembrar que uma
diminuição do gradiente de pressão, mesmo com pressão sistólica normal (p. ex.: 100
x 90 mmHg) é indicador de hipovolemia, podendo surgir antes da hipotensão. A
diminuição abrupta do número de plaquetas e alterações no coagulograma pode
indicar coagulação intravascular disseminada e sugerir sua severidade. A acidose deve
ser corrigida com bicarbonato, pois caso não corrigida pode levar à coagulação
intravascular disseminada.
Após o retorno à permeabilidade vascular normal, todo o plasma extravasado é
rapidamente absorvido, causando queda no hematócrito. Desta forma, a hidratação
deve ser baseada no hematócrito, ajustando-se o volume infundido ao hematócrito do
paciente. É importante observar que uma queda no hematócrito na fase de melhora
clínica não deve ser interpretada como sendo causada por hemorragia interna.
Cuidados devem ser tomados ao se fazer hidratação venosa. Ela não deve ser
insuficiente, desta forma não evitando que o paciente evolua para choque, nem
excessiva, que poderá ocasionar derrames maciços, comprometimento da função
respiratória por edema pulmonar e sinais de insuficiência cardíaca congestiva. Caso
haja hidratação excessiva, pode-se utilizar um diurético de alça. Os corticóides não
têm emprego na SCD. Estudos realizados com o uso de hidrocortisona e
metilprednisolona não demonstraram nenhum efeito benéfico quanto ao prognóstico
do paciente.

4) Discutir sobre a epidemiologia da dengue. (Distribuição no espaço, tempo, entre


pessoas, cadeia epidemiológica, prevenção).

Cadeia epidemiológica/Cadeia de Transmissão/Cadeia de infecção representa


um conjunto de elementos (fonte de infecção, via de eliminação, via de transmissão,
porta de entrada, susceptível) relacionados, que demonstra o processo de propagação
de doenças transmissíveis em populações animais.
1 – Agente causal específico: São espécies de vírus do gênero flavivirus,
pertenecentes da família Flaviviridae (Dengue e Zika); alphavirus, da família
Togaviridae (Chikungunya);
2 – Reservatório: Ser humano infectado;
3 – Porta de saída do agente: Dengue (pele – mosquito retira); Zika (pele e placenta),
Chikungunya (pele);
4 – Modo de transmissão do agente: Dengue (Transmissao da mãe para o feto,
transfusão sanguínea); Zika (Transmissão sexual; da mãe para o feto relacionada a
danos fetais; transfusão sanguínea); Chikungunya (pode haver transmissão no parto;
transfusão sanguínea). Transmissão indireta através do vetor (Mosquito Aedes
infectado) - Américas: Aedes aegypti e Ásia: Aedes albopictus.
5 – Porta de entrada do novo hospedeiro: Dengue: pele; Zika: pele e placentária;
Chikungunya: pele.
6 – Susceptibilidade do hospedeiro: Fatores genéticos; Fatores gerais de resistência a
doença; Condições de imunidade específica para cada doença.

A prevenção é a única arma contra a doença. A melhor forma de se evitar a dengue


é combater os focos de acúmulo de água, locais propícios para a criação do mosquito
transmissor da doença. Para isso, é importante não acumular água em latas,
embalagens, copos plásticos, tampinhas de refrigerantes, pneus velhos, vasinhos de
plantas, jarros de flores, garrafas, caixas d´água, tambores, latões, cisternas, sacos
plásticos e lixeiras, entre outros.
Epidemiologia

Em 2017, entre a semana epidemiológica (SE) 1 a SE 52, foram registrados


251.711 casos prováveis de dengue, e em 2016, 1.483.623. Em 2018, até a SE 3
(31/12/2017 a 20/01/2018), foram registrados 9.399 casos prováveis de dengue no
país, com uma incidência de 4,5 casos/100 mil hab., e outros 1.595 casos suspeitos
foram descartados.
Em 2018, até a SE 3, a região Sudeste apresentou o maior número de casos
prováveis (4.066 casos; 43,3%) em relação ao total do país. Em seguida aparecem as
regiões Centro-Oeste (2.481 casos; 26,4%), Norte (1.056 casos; 11,2%), Nordeste
(914 casos; 9,7%) e Sul (882 casos; 9,4%).
A análise da taxa de incidência de casos prováveis de dengue (número de
casos/100 mil hab.), em 2018, até a SE 3, segundo regiões geográficas, evidencia que
as regiões Centro-Oeste e Norte apresentam as maiores taxas de incidência: 15,6
casos/100 mil hab. e 5,9 casos/100 mil hab., respectivamente. Entre as Unidades da
Federação (UFs), destacam-se Acre (47,6 casos/100 mil hab.), Goiás (26,6 casos/100
mil hab.) e Tocantins (13,4 casos/100 mil hab.).
Entre os municípios com as maiores incidências de casos prováveis de dengue
registradas em janeiro, segundo estrato populacional (menos de 100 mil habitantes, de
100 a 499 mil, de 500 a 999 mil e acima de 1 milhão de habitantes), destacamse: São
Simão/GO, com 654,9 casos/100 mil hab.; Várzea Grande/MT com 94,5 casos/100
mil hab.; São José dos Campos/SP, com 47,4 casos/100 mil hab.; e Goiânia/GO, com
14,0 casos/100 mil hab., respectivamente.

Casos graves e óbitos de dengue

Em 2018, até a SE 3, foram confirmados três casos de dengue grave e 26 casos


de dengue com sinais de alarme. No mesmo período de 2017, foram confirmados 25
casos de dengue grave e 230 casos de dengue com sinais de alarme. Em 2018, até a SE
3, observou-se que a região Centro-Oeste apresentou o maior número de casos
confirmados de dengue com sinais de alarme com 23 casos e a região Sudeste
apresentou a maior número de casos confirmados de dengue grave com três casos.
Nenhum óbito foi confirmado por dengue até a SE 3 de 2018. No mesmo
período de 2017, foram confirmados 13 óbitos. Existem ainda em investigação, em
2018, oito casos de dengue grave ou dengue com sinais de alarme e 10 óbitos que
podem ser confirmados ou descartados (dados não apresentados nas tabelas).

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