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BRASIL

Drauzio Varella: “O único lugar


em que a mulher tem liberdade
sexual é na cadeia”
Em novo livro sobre uma penitenciária feminina, oncologista
discute as marcas do machismo na trajetória das presas

Drauzio Varella em seu consultório em São Paulo. FERNANDO CAVALCANTI

GIL ALESSI | MARINA ROSSI

São Paulo - 9 JUL 2017 - 15:57 CEST

"A prisão é um experimento sádico da nossa sociedade”, afirma o


oncologista e escritor Drauzio Varella. Mas sem ignorar a dor provocada
pelo confinamento, abandono e distanciamento dos filhos e familiares, o
médico vislumbra no cárcere um espaço onde mulheres conseguem se
livrar, ao menos temporariamente, da repressão machista que impera do
outro lado do muro. “As mulheres são reprimidas desde que nascem, não
existe nenhum outro local na sociedade onde ela é livre assim como na
cadeia”, afirma Varella em entrevista ao EL PAÍS. Atrás das grades da
Penitenciária Feminina da Capital, no Carandiru, convivem em harmonia
diversos tipos de sapatões (homossexuais que assumem aparência
masculina), entendidas (homossexuais que mantêm aparência feminina) e
mulheríssimas (heterossexuais que ocasionalmente tem relações com
mulheres) - os termos foram criados pelas próprias presas. A exceção são
as aborteiras, que precisam ficar em celas isoladas.

O escritor relata suas experiências tratando de detentas no livro


Prisioneiras (Companhia das Letras). A obra fecha uma trilogia – os outros
são Carandiru e Carcereiros ambos publicados pela mesma editora - sobre
sua vivência de décadas atendendo de forma voluntária presos e presas
paulistas. "Cadeia é um lugar muito sensível de uma sociedade. Se você
visitar uma cadeia, um pronto socorro e um estádio de futebol lotado,
você consegue fazer uma ideia de como é uma sociedade", afirma.

Pergunta. Existe comportamento homossexual nos presídios femininos?

Resposta. O comportamento homossexual entre as


MAIS INFORMAÇÕES
presas é muito mais abrangente do que aparenta no
Sobrevivente do
início. Isso leva tempo para perceber. Porque essas Carandiru: “Se a
relações femininas são mais sutis. Na cadeia de porta abrir, você vive.
Se não, vou te
homens você percebe que alguns presos são
executar”
notadamente homossexuais. Mesmo que não sejam
travestis, são homossexuais, andam com outro 100 comentários
machistas que as
homem que você sabe que é o marido dele. Na
mulheres escutam
cadeia feminina não. Entre elas as relações desde meninas, num
adquirem uma outra dinâmica. Um número muito curta de 5 minutos

grande de presas tem comportamento Drauzio Varella, o


homossexual, é a maioria esmagadora! Gira em doutor tranquilo e
torno de 80%, talvez até mais. favorável (e escritor e
P. No livro você fala sobre os diferentes perfis de maratonista e
apresentador...)
homossexualidade no presídio feminino. O que lhe
chamou a atenção? Do Carandiru a
Manaus, Brasil lota
presídios para
R. O contato com essas diferenças de sexualidade é combater tráfico sem
imediato. Quando você entra numa cadeia feminina sucesso

tem uns 15% de mulheres que você olha e são Justiça de São Paulo
homens. Estas mulheres usam o cabelo bem curto, anula julgamentos de
PMs pelo massacre
com aquelas riscas que jogador de futebol faz, elas
do Carandiru
têm trejeitos de homem. Se você faz uma
observação mais cuidadosa percebe que elas não se Massacre do
Carandiru: 111
depilam. Quando eu fui examiná-las, percebi que
mortos e um par de
elas não usam calcinha, usam cueca, e tops bem salames
apertados para esconder o seio.

Essas mulheres que têm aparência masculina são sapatões. Na rua é uma
palavra pejorativa. Na cadeia não. Elas falam assim: “Sou casada com um
sapatão”, com o maior respeito. As que têm o estereótipo feminino não
são sapatões, já entram na categoria das entendidas. E com o tempo
percebi que não se pode dividir em duas categorias, porque existem vários
subtipos: o sapatão original, que já era lésbica do lado de fora, sapatão
sacola, que é hetero nas ruas, mas na cadeia assume outra identidade de
gênero, sapatão badarosca, sustentada pela parceira, e a chinelinho, que
elas dizem que sai da cadeia e abandona o homossexualismo, calça o
chinelinho de cristal e vai atrás do príncipe encantado.

P. Por que você acha que o comportamento homossexual predomina nos


presídios femininos?

R. O único lugar em que a mulher tem liberdade sexual é na cadeia. Não


existe nenhum outro local na sociedade onde ela é livre assim. As
mulheres são reprimidas desde que nascem: a menina de dois anos de
idade senta com a perna aberta e a mãe diz “fecha a perna”. Essa
repressão ocorre o tempo inteiro. Comportamentos que são aceitos e
naturalizados para um homem são execrados para mulheres. E no
presídio, sem os homens, não existe essa repressão social. Isso faz com
que elas tenham o comportamento social que desejarem ter. A
homossexualidade está muito mais próxima do universo feminino do que
do masculino, e o que a cadeia faz é criar condições que dão liberdade
para que a mulher se comporte do jeito que ela achar melhor, sem
repressão. E do outro lado você tem a solidão. Essa mulher vive
praticamente sozinha, pouquíssimas recebem visitas íntimas, apenas
umas 120 de um total de 2.200.

P. Nenhum comportamento sexual é malvisto na cadeia feminina?

R. Existem comportamentos

Existem comportamentos sexuais que não são bem vistos,


sexuais que não são bem mas não são reprimidos. Elas
vistos, mas não são não se diminuem de jeito
reprimidos. Elas não se nenhum por ter essa ou aquela
diminuem de jeito conduta sexual. Uma sapatão
nenhum por ter essa ou original, por exemplo, não pode
aquela conduta sexual ficar com outra sapatão original.
Elas dizem que é “pederastia”.
A lógica interna delas é: se você
é sapatão original você é um
homem, está vendendo a imagem de um homem. Não pode “rebolar”,
como elas dizem. O sapatão original nem se deixa tocar e não tira a roupa
de jeito nenhum. Na hora do exame você percebe que tem um certo
constrangimento, eu tenho sempre muito cuidado. Eu examino uma
mulher com muito mais liberdade do que um sapatão. Eu digo “olha, vou
ter que levantar a camiseta para poder te auscultar”. É algo que fui
aprendendo na prática.

P. A sexualidade então é muito diferente de um presídio masculino...


R. O homossexual ou a travesti no presídio masculino não pode nada. Não
pode distribuir comida, não pode brigar com outro, não pode gritar com
malandro... Não pode enfrentar jamais. Na detenção morria gente quando
acontecia isso. Já no feminino tudo é visto com naturalidade. “Minha
mulher”, elas falam. “Sou casada com fulana”, “meu amor foi para o
regime semiaberto, estou sozinha, estou triste”. E as guardas, a diretoria,
todo mundo respeita, ninguém cria caso.

P. Que outras diferenças você observa entre um presídio masculino e um


feminino?

R. A diferença fundamental é que essas mulheres todas têm filhos. É


muito raro encontrar alguma sem filhos. O homem quando está preso
pode até estar preocupado com os filhos dele - alguns nem aí, né? Mas ele
sabe que tem uma mulher cuidando das crianças: uma irmã, uma tia, a
mãe... Mas gravidez indesejada é problema para a mulher, não para os
homens, porque eles simplesmente abandonam. A mulher vai pra cadeia e
perde o controle da família. Ela sabe que as crianças vão ficar
desprotegidas: as pessoas abusam de criança com a mãe presa. E os
filhos muitas vezes são espalhados. Imagina três irmãos, acostumados a
ficarem juntos, e quando a mãe é presa vai cada um para um lado. Imagina
a dor dessas crianças. E a mulher sabe disso, sabe que quem está
causando isso é ela, ela foi a responsável pela separação. Ainda que de
forma involuntária, foi algo provocado pelo crime que ela cometeu.

Quer machismo mais evidente do que um cara ser preso e condenado a


mais de 25 anos de cadeia, e a mulher não pode abandonar ele, ter que
fazer visita íntima todo final de semana? E quando a mulher vai presa o
cara simplesmente desaparece.

P. Um número grande de mulheres foi presa por tráfico de drogas. Como


se aproximam desse universo?
R. Muitas vezes o crime foi a forma de sobrevivência que ela encontrou.
Não quer dizer que ela tenha a mentalidade perversa. Ela começou a
traficar droga, usava um pouco, conhecia os traficantes... Na periferia o
traficante muitas vezes é o seu colega de classe, você brincava com ele no
recreio. E de repente ele está no crime. Aí num aperto ou até por vontade
de melhorar de vida, a mulher tem ali a pessoa que oferece uma
oportunidade de trabalho que ela não teria de outra forma. Sem ter que
passar por aquela condição sofrida, com um esforço enorme de
deslocamento para ir trabalhar, horas e horas todo dia por um salário
ruim. E uma vez que elas começam a ganhar dinheiro traficando, esquece.

P. A população carcerária no
Brasil não para de crescer. Precisamos estar
Estamos enxugando gelo? conscientes de que a
repressão não reduz a
R. Como a sociedade age? É criminalidade. É uma
preciso ter alguma repressão ao
guerra perdida
crime. Senão vira uma tragédia
social, ninguém sai de casa. Só
que precisamos estar
conscientes de que a repressão não reduz a criminalidade. É uma guerra
perdida. Nos anos 90 tínhamos 90.000 presos no Brasil. Agora temos
675.000. Aumentou 700%. E a criminalidade não caiu, a insegurança é
cada vez maior. Então aprisionar não reduz a criminalidade.

É preciso que a sociedade reflita: estamos prendendo pessoas que têm


que ser presas? Crimes que não são violentos devem ser punidos com
prisão? Isso custa caro, não só a manutenção de um preso lá dentro, mas
o fato de que ele vai sair pior. Não é à toa que eles chamam cadeia de
faculdade do crime. O cara sai de lá articulado, conhecendo muita gente. A
cadeia congrega.

P. Se prender não é a solução, como se resolve esse problema?


R. Quer atacar o problema da violência? Tem que ir lá atrás. Três
condições aumentam o risco de violência. Por que ela se dissemina nas
classes mais pobres? Porque lá estão os fatores de risco. São as crianças
que sofreram abuso na infância ou tiveram uma infância abandonada. Que
na adolescência não tiveram imposição de limites ou conviveram com
outros mais violentos. É a condição de milhões de brasileiros. É de
estranhar que não tenhamos mais gente ainda envolvida com o crime.

P. Por que aumentou o número de mulheres presas?

A menina que tem filho aos 14 anos faz o que? Para de


estudar. E ao parar de estudar ela comprometeu o futuro
dela e da criança também

R. São muitos fatores. Primeiro há uma liberdade maior para a mulher.


Antes ela ficava trancada em casa. Só que esses direitos que as mulheres
conquistaram não foram distribuídos igualmente. Nas classes mais
pobres a situação melhorou, mas elas não se beneficiaram tanto dessa
evolução econômica e social. Elas ainda vivem numa sociedade
profundamente machista. E isso se reflete na iniciação sexual precoce e
na gravidez na adolescência. A menina que tem filho aos 14 anos faz o
que? Para de estudar. 75% delas param, porque não tem com quem
deixar a criança. E ao parar de estudar ela comprometeu o futuro dela e da
criança também.

P. Como as presas lidam com quem fez aborto?

R. Elas reprimem as que fazem aborto. Não podem conviver, são expulsas,
vão para o seguro [ala da prisão destinada a estupradores e jurados de
morte]. É malvisto quase como um estuprador no presídio masculino, mas
com um pouco mais de tolerância, porque elas não matam a que fez
aborto. Elas dizem que quem pratica aborto “mata criancinhas”.

P. Quais os maiores problemas de saúde das presas?

R. O problema básico delas é a obesidade. Porque lá elas são sedentárias


e tem uma dieta rica em carboidratos. Elas ganham peso e ficam
hipertensas e diabéticas. Isso é muito comum, assim como a dor nas
costas e problemas ortopédicos provocados pelo excesso de peso.

E elas também têm doenças pulmonares relacionadas ao cigarro. Muitas


começaram a fumar com 10 anos. Essas têm os lábios azulados e os olhos
cheios de vasinhos de sangue. Quando elas entram para o exame eu tenho
uma técnica de aterrorizar mesmo. Eu digo “olha, morte por enfisema não
desejo pro meu pior inimigo. Olha bem nos meus olhos. Sou médico, não
tenho interesse nenhum em você morrer ou ficar viva, não faz diferença
nenhuma na minha vida, mas eu tenho obrigação de dizer o que vai
acontecer”. Elas ficam muito assustadas, mas nem todas param.

P. Qual a vantagem para um preso de ser do Primeiro Comando da Capital


(PCC)?

R. O PCC é uma ideologia. Muito

As mulheres ocupam o mais do que uma organização


degrau inferior, a base do criminosa. Eles se impuseram
PCC.  O Comando é dos primeiro com a violência, mas
homens, é uma só isso não basta, então
organização totalmente desenvolveram uma ideologia.
machista Qual a justificativa? Primeiro,
acabar com a repressão no
sistema. E segundo, vingar a
morte dos 111 do Massacre do
Carandiru. O PCC é consequência direta do massacre, isso está no
estatuto deles. Extorsão das famílias e roubos das coisas que elas traziam
para os presos eram comuns. Aí o PCC fala: “nosso problema é se
defender do sistema”. Qual a vantagem de ser do PCC? Você tem a
segurança dos irmãos [nome dado aos integrantes] em todo o país. No
presídio e na rua. E ninguém mais morre na cadeia. Todo mundo diz que o
maior sonho de quem está preso é a liberdade. Não é. É se manter vivo. E
o PCC garante isso. As famílias do preso recebem cesta básica todo mês...
Em compensação, você obedece ordens. Se mandarem matar, você mata.

P. E o papel das mulheres no PCC?

R. Elas não pagam mensalidade sob a justificativa de que elas são mães,
que têm criança para cuidar. Os homens do PCC pagam 600 reais.
Quando elas são presas, as famílias têm o mesmo direito a uma cesta
básica. Se elas são casadas com alguém do PCC, são chamadas de
cunhadas. As do PCC são as irmãs. Cunhadas e irmãs são
respeitadíssimas. Elas têm autoridade no presídio, mas recebem ordens
de fora, da torre geral [apelido dado à cúpula da organização]. As
mulheres ocupam o degrau inferior, a base do PCC. Uma ou outra que se
destaca pode fazer parte da torre. Mas o comando é dos homens, é uma
organização totalmente machista.

P. É possível que surja uma facção só das mulheres?

R. Não, acho difícil. Porque se existisse iria competir com o PCC, e isso é
impossível. Eles são muito violentos com concorrentes e com quem vai
contra eles.

P. Quem é mais cruel no presídio, homens ou mulheres?

R. Acho que os homens são mais violentos do que as mulheres. A violência


da mulher é de outro tipo, não é tanto física, é mais uma tortura
psicológica. As histórias que eu escuto das presas antigas são
assustadoras. Chegava uma menina bonitinha na cadeia, a sapatão olha e
a mulher dela ficava com ciúmes. Aí metia uma gilete na cara da novata.
Eu conheço várias mulheres mais velhas, com 50 anos, com cicatriz no
rosto. O diretor da cadeia, Maurício Guarnieri, diz que “o homem quando
tem um problema com o outro vai lá e mata. A mulher quer ver sofrer”.

P. O estupro é aceito na cadeia feminina?

R. Hoje não existe mais. Tinha estupro antigamente, uma mulher mais
forte obrigava a outra a fazer sexo com ela, apesar do estupro sempre ter
sido reprimido na cadeia feminina. É curioso. O homem não aceita o
estupro, muito embora o faça. Existe um trabalho interessante sobre
orangotangos que ajuda a entender isso. O macho desses primatas
costuma ter 90 kg, mas tem um outro tipo de macho que tem 40kg, o
mesmo peso que uma fêmea. E as fêmeas só querem saber dos machos
grandes, mais fortes, o que é compreensível do ponto de vista evolutivo. Aí
os machos pequenos tentam estuprar as fêmeas, e elas enlouquecem,
chegam a correr pelo chão e gritar. Se um macho grande vê isso, ele vem
ao socorro. Se o pequeno não escapa ele é morto. O curioso é que
orangotangos brigam com frequência, mas nunca acaba em morte. A
única situação que acaba em morte é com estuprador.

O cara mata um pai de família, comete um latrocínio, e é


bem visto na prisão. Estuprador morre. As maiores
barbaridades que eu vi na cadeia foram contra
estupradores

Oito milhões de anos de evolução, e o comportamento se repete entre os


homo sapiens: o cara mata um pai de família, comete um latrocínio, e é
bem visto na prisão. Estuprador morre. As maiores barbaridades que eu vi
na cadeia foram contra estupradores. É inesquecível, nos momentos mais
inesperados volta a imagem daqueles corpos mutilados.

P. A situação dos presídios de São Paulo é péssima. Porque não temos


mais rebeliões?

R. Existem dois lados desta questão. São Paulo desenvolveu um sistema


de administração penitenciária muito competente, que envolve os
funcionários, carcereiros e a administração. Existe um setor de
inteligência que fica interceptando chamadas telefônicas, juntando
pedaços de um quebra cabeça. E tentam se antecipar: “esse cara está
levando informação pra lá, vamos transferir”. É um jogo de gato e rato.

Por outro lado, rebelião atrapalha muito os negócios do crime. Existe um


interesse do PCC. Já ouviu falar de fuga em São Paulo? Há muito tempo
não se fala de fuga. Em nenhuma cadeia do mundo você tem isso. O
próprio PCC sabe que não pode bater de frente, já fizeram isso no
passado. Mas ir para o enfrentamento causa problemas que repercutem
aqui fora. O PCC amadureceu muito com os anos, surgiu com uma
violência absurda, mas foi se moderando.

P. O PCC tirou o pé da luta contra o Estado que apregoavam no estatuto?

R. Eles viram que não dava certo para eles, né? Veja quantos morreram
em maio de 2006 [naquele mês a facção desencadeou ataques contra
agentes de segurança pública, seguidos por uma retaliação de grupos de
extermínio]. Você acha que mataram filho de investigador e não morreu
ninguém da família de membros do PCC? Fizeram esse tipo de ação em
outros Estados, em São Paulo de jeito nenhum. Existe um interesse
econômico muito grande. Eles faturam 500 milhões por ano. Imagina.
Sem imposto. Que empresa fatura isso?
P. Como retratar as presas de
Ninguém é vítima. Elas forma a não vitimizá-las nem
entraram por esse retratá-las como monstros?
caminho do crime por
alguma lógica delas. E
R. É uma coisa meio natural,
independente do que
fizeram, elas não perdem que eu faço desde o Carandiru.
sua condição humana Pensei muito nisso ao escrever
o Carandiru. Não gosto de ler
livros quando percebo uma
intenção oculta do autor. É
lógico que toda história passa pelo filtro de quem escreve, mas não posso
tomar partido enquanto estou escrevendo. Eu tento contar a história
como um narrador que está vendo de fora. Ninguém é vítima. Elas
entraram por esse caminho do crime por alguma lógica delas. E
independentemente do que fizeram, elas não perdem sua condição
humana.

P. O que mais te comoveu em todos esses anos de trabalhos nos


presídios?

R. Acho que as cenas que mais me tocam são as cenas de estupro. No


Brasil 100% das mulheres sofreram algum tipo de abuso sexual. É um
cara que põe a mão na perna, fala um absurdo, aproveita o aperto do
ônibus... E isso independe de classe social. Mas é lógico que é pior nas
classes sociais mais baixas. E grande parte dos estupros são cometidos
por familiares. É o avô, padrasto, vizinho, namorado da mãe... Estupram
crianças de seis anos. Imagina que futuro, o que pode acontecer com uma
criança que passou por uma coisa dessas... Essas histórias são tão
comuns...

P. Toda essa convivência com presos fez de você alguém melhor?


R. Melhor não sei, acho que mais interessante (risos). Porque você não
passa por uma experiência dessas incólume. Isso te molda. Penso que se
eu não tivesse essa experiência toda eu não teria a visão social que eu
tenho. Cadeia é um lugar muito sensível de uma sociedade. Se você visitar
uma cadeia, um pronto socorro e um estádio de futebol lotado, você
consegue fazer uma ideia de como é uma sociedade. Confinar pessoas em
cadeias é um experimento sádico. Como as pessoas se comportam nessa
situação? Que regras se estabelecem? Os primatas se organizam.

ARQUIVADO EM:

Dráuzio Varella · Instituições penitenciárias · Transexualidade · Gays


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