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tem uns 15% de mulheres que você olha e são Justiça de São Paulo
homens. Estas mulheres usam o cabelo bem curto, anula julgamentos de
PMs pelo massacre
com aquelas riscas que jogador de futebol faz, elas
do Carandiru
têm trejeitos de homem. Se você faz uma
observação mais cuidadosa percebe que elas não se Massacre do
Carandiru: 111
depilam. Quando eu fui examiná-las, percebi que
mortos e um par de
elas não usam calcinha, usam cueca, e tops bem salames
apertados para esconder o seio.
Essas mulheres que têm aparência masculina são sapatões. Na rua é uma
palavra pejorativa. Na cadeia não. Elas falam assim: “Sou casada com um
sapatão”, com o maior respeito. As que têm o estereótipo feminino não
são sapatões, já entram na categoria das entendidas. E com o tempo
percebi que não se pode dividir em duas categorias, porque existem vários
subtipos: o sapatão original, que já era lésbica do lado de fora, sapatão
sacola, que é hetero nas ruas, mas na cadeia assume outra identidade de
gênero, sapatão badarosca, sustentada pela parceira, e a chinelinho, que
elas dizem que sai da cadeia e abandona o homossexualismo, calça o
chinelinho de cristal e vai atrás do príncipe encantado.
R. Existem comportamentos
P. A população carcerária no
Brasil não para de crescer. Precisamos estar
Estamos enxugando gelo? conscientes de que a
repressão não reduz a
R. Como a sociedade age? É criminalidade. É uma
preciso ter alguma repressão ao
guerra perdida
crime. Senão vira uma tragédia
social, ninguém sai de casa. Só
que precisamos estar
conscientes de que a repressão não reduz a criminalidade. É uma guerra
perdida. Nos anos 90 tínhamos 90.000 presos no Brasil. Agora temos
675.000. Aumentou 700%. E a criminalidade não caiu, a insegurança é
cada vez maior. Então aprisionar não reduz a criminalidade.
R. Elas reprimem as que fazem aborto. Não podem conviver, são expulsas,
vão para o seguro [ala da prisão destinada a estupradores e jurados de
morte]. É malvisto quase como um estuprador no presídio masculino, mas
com um pouco mais de tolerância, porque elas não matam a que fez
aborto. Elas dizem que quem pratica aborto “mata criancinhas”.
R. Elas não pagam mensalidade sob a justificativa de que elas são mães,
que têm criança para cuidar. Os homens do PCC pagam 600 reais.
Quando elas são presas, as famílias têm o mesmo direito a uma cesta
básica. Se elas são casadas com alguém do PCC, são chamadas de
cunhadas. As do PCC são as irmãs. Cunhadas e irmãs são
respeitadíssimas. Elas têm autoridade no presídio, mas recebem ordens
de fora, da torre geral [apelido dado à cúpula da organização]. As
mulheres ocupam o degrau inferior, a base do PCC. Uma ou outra que se
destaca pode fazer parte da torre. Mas o comando é dos homens, é uma
organização totalmente machista.
R. Não, acho difícil. Porque se existisse iria competir com o PCC, e isso é
impossível. Eles são muito violentos com concorrentes e com quem vai
contra eles.
R. Hoje não existe mais. Tinha estupro antigamente, uma mulher mais
forte obrigava a outra a fazer sexo com ela, apesar do estupro sempre ter
sido reprimido na cadeia feminina. É curioso. O homem não aceita o
estupro, muito embora o faça. Existe um trabalho interessante sobre
orangotangos que ajuda a entender isso. O macho desses primatas
costuma ter 90 kg, mas tem um outro tipo de macho que tem 40kg, o
mesmo peso que uma fêmea. E as fêmeas só querem saber dos machos
grandes, mais fortes, o que é compreensível do ponto de vista evolutivo. Aí
os machos pequenos tentam estuprar as fêmeas, e elas enlouquecem,
chegam a correr pelo chão e gritar. Se um macho grande vê isso, ele vem
ao socorro. Se o pequeno não escapa ele é morto. O curioso é que
orangotangos brigam com frequência, mas nunca acaba em morte. A
única situação que acaba em morte é com estuprador.
R. Eles viram que não dava certo para eles, né? Veja quantos morreram
em maio de 2006 [naquele mês a facção desencadeou ataques contra
agentes de segurança pública, seguidos por uma retaliação de grupos de
extermínio]. Você acha que mataram filho de investigador e não morreu
ninguém da família de membros do PCC? Fizeram esse tipo de ação em
outros Estados, em São Paulo de jeito nenhum. Existe um interesse
econômico muito grande. Eles faturam 500 milhões por ano. Imagina.
Sem imposto. Que empresa fatura isso?
P. Como retratar as presas de
Ninguém é vítima. Elas forma a não vitimizá-las nem
entraram por esse retratá-las como monstros?
caminho do crime por
alguma lógica delas. E
R. É uma coisa meio natural,
independente do que
fizeram, elas não perdem que eu faço desde o Carandiru.
sua condição humana Pensei muito nisso ao escrever
o Carandiru. Não gosto de ler
livros quando percebo uma
intenção oculta do autor. É
lógico que toda história passa pelo filtro de quem escreve, mas não posso
tomar partido enquanto estou escrevendo. Eu tento contar a história
como um narrador que está vendo de fora. Ninguém é vítima. Elas
entraram por esse caminho do crime por alguma lógica delas. E
independentemente do que fizeram, elas não perdem sua condição
humana.
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