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HOMEM E O TRABALHO
PALAVRAS-CHAVE:
Homem, humanismo, trabalho,
empresa, ge~ncia, ~tica.
KEYWORDS:
Man, humanism, work, firm,
management, ethic .
• , de Emp~
pela EAESP/FGV, Mestrando
em Administração Pública e
f
Professor do Programa de Edu-
cação ContInuada em Adminis-
tração de Emprasas da EBAPI
FGV.
nhar na vida uma tarefa concreta e pes- tornar o homem insubstituível; o que a pro-
soal, derivada do seu caráter de algo úni- fissão faz é simplesmente dar-lhe a oportuni-
co e irrepetível, uma missão. dade para vir a sê-lo".
O conteúdo dessa missão é duplo. Em outras palavras, o caráter insubsti-
Com efeito, a missão não muda apenas tuível da vida humana, aquela impossi-
de homem para homem, em consonância bilidade do homem ser representado por
com o caráter de algo único da pessoa. outrem no que só ele pode e deve fazer,
Muda também de hora a hora, em decor- o seu "caráter de algo único" e irrepetí-
rência do caráter irrepetível de cada si- vel, a que temos nos referido, sempre de-
tuação. Vejamos o que Scheler 12 denomi- pende do homem: não do que ele faz,
nou "valores de situação". Estes valores mas de quem o faz e do modo como o
funcionam como se estivessem à espera faz.
de que sua hora chegasse, à espera de
que um homem aproveite a ocasião irre- Evolução do Trabalho
petível de realizá-los, a ocasião que se Se o trabalho, em sua essência, perma-
deixa passar será perdida irremediavel- nece inalterado, o tipo de trabalho, con-
mente e o valor da situação fica para tudo, transformou-se e con-
sempre irrealizado - o ho- tinua transforman-
mem desperdiçou-o. do-se ao longo da
As teorias de Pla- história. Da pri-
nejamento Estraté- mitiva colheita e
gico, desde os caça, do trabalho
anos 60, desta- industrial para o
caram a impor- pós-industrial, as
tância de uma mudanças fo-
empresa definir ram tão signifi-
claramente a sua cativas que di-
missão e atuar em ficultam prever
conseqüência. Se os novos rumos.
isso é verdade para Em qualquer caso,
uma empresa, muito haverá trabalho, mesmo
mais para o homem, que é a razão de ser que seja simplesmente organizar o ócio.
de uma atividade empresarial. A modernidade recusa a idéia clássica
Em particular, diz Frankl ": "o trabalho de que a contemplação, a teoria - o sim-
pode representar o campo em que o 'caráter ples olhar desinteressado - seja a mais
de algo único' do indivíduo se relaciona com alta atividade humana. A teoria é priva-
a comunidade, recebendo assim o seu sentido da da sua posição dominante, para ser
e o seu valor. Contudo, este sentido e valor reduzida a uma função problematizado-
são inerentes, em cada caso, à realização (à ra e crítica, quase sempre negativa.
realização com que se contribui para a comu- Ao perder a capacidade de distinção e
nidade) e não à profissão concreta como tal. orientação da teoria, as diversas ativida-
Não é, por conseguinte, um determinado tipo des tendem a confundir-se entre si, a re-
de profissão o que oferece ao homem a possi- duzirem-se em atividade transformadora
bilidade de atingir a plenitude. Nesse senti- do mundo físico: a técnica, o trabalho
do, pode-se dizer que nenhuma profissão faz produtivo.
o homem feliz. E, se há muitos, principal- Certamente, a técnica moderna é uma
mente entre os neuróticos, que afirmam que das mais fascinantes conquistas da hu-
se teriam realizado plenamente, caso tives- manidade. A sensatez não nos permite
sem escolhido outra profissão, o que se encer- imaginar o retorno a um mundo bucóli-
co, pré-tecnológico. 12. SCHELER, Max. Ética mate-
ra nessa afirmação é uma deturpação do sen- rial de los valores, In: DERISI,
tido do trabalho profissional ou a atitude de Portanto, não se trata de prescindir da Octávio. Crítica filosófica, Ma-
quem se engana a si mesmo. Nos casos em técnica e sim discutir a validade de to- drid: E.M.E.S.A., 1979, p, 61-
que a profissão concreta não traz consigo ne- má-la como algo absoluto, que pode 80.
nhuma sensação de plena satisfação, a culpa obscurecer outras capacidades do ho- 13. FRANKL, Victor E. Psicote-
é do homem que a exerce, não da profissão. A mem empobrecendo a qualidade da vi- rapia e o sentido da vida. São
profissão em si não é ainda suficiente para da humana. Paulo: Quadrante, 1986, p.160.
o trabalho de controle
Não podemos ignorar o prejuízo an-
tropológico causado nos indivíduos
quando separamos do seu agir dois as-
pectos que o integram essencialmente. É
como dividir o próprio homem. A cons-
ciência do custo antropológico que acar-
reta essa divisão está ligada à consciência
do custo utilitário: menor confiança e en-
volvimento por parte dos executores, im-
perícia executiva por parte dos planeja-
dores, surgimento de um antagonismo
mútuo entre os dois grupos, situação dis-
juntiva, segundo a qual uns ganham e
outros perdem.
Este custo utilitário tem uma conse-
qüência relevante para a organização. No
meio do trabalho gerencial, que assinala algum tipo de função gerencial, isto é, es-
as regras, e do trabalho operacional, que tarão deixando a sua marca pessoal num
procede conforme as regras assinaladas, trabalho, aparentemente, só operacional.
aparece, necessariamente, o trabalho de Além disso, por mais que um gerente
controle que procura fazer com que os procure encastelar-se na sua torre de
operadores se comportem conforme as marfim, terminará mistificando a gerên-
indicações do gerente. cia com trabalhos operativos múltiplos.
À medida que o operador se faz mais Se é inevitável, às vezes, sob certos aspec-
homem, mais racional, adquire capaci- tos mencionados, separar o gerencial do
dade para questionar as regras assinala- operacional, por força da organização,
das e pôr à prova a sua validade. a ge- também é inevitável, por força da estru-
rente não hesitará, a fim de manter a de- tura do ser humano, que essa separação
sejável ou inevitável separação dos tra- conviva com uma mescla de ambos os ti-
balhos, em convocar os trabalhadores de pos de trabalhos, seja querida ou não, de-
"colarinho branco"com o inconveniente sejada ou não, desde o ponto de vista es-
de que o controle não é produtivo por si tritamente administrativo e tecnológico.
mesmo: não deve confundir-se o contar Poderíamos dizer que não existem só
o produzido, com produzir o que se dirigentes, nem só operadores, mas que
conta. Desta forma, a organização do todos dirigem e operam em seu nível. O
trabalho gera uma não desejada qualifi- trabalhador como homem deve exercer
cação de pessoas: os gerentes, os opera- ambas dimensões do trabalho.
dores e os controladores, os quais, por Como ainda adverte Llano ", "a divisão
força do antagonismo antes menciona- dos trabalhos, necessária para a eficaz dinâ- 15. LLANO, Carlos. Op. cit. p. 28
do, consideram-se uns aos outros sábios, mica da sociedade, não nos autoriza a divisão
párias e espiões. do trabalho, que constitui a alienação radical. 16. Idem, ibidem, p. 28-9.
°
do autocontrole.
grau de necessidade do controle ex-
terno vem determinado pela qualidade
uma realidade.
À luz dessas considerações podemos
intuir que uma autêntica "Teoria Geren-
do sistema informal, que, por sua vez, é cial" é, sobretudo, uma "Teoria da Lide-
determinado pela qualidade ética dos rança", que deve possibilitar a um geren-
sujeitos. E ela determina o valor social - te a capacidade de nos diversos campos
o valor para os outros - das ações que o da atividade empresarial:
sujeito informahnente decide executar.
1. desenhar estratégias que permitam
CONCLUSÃO atingir os objetivos por parte de todos
os que participam da empresa;
Analisar o trabalho humano dentro 2. desenvolver as capacidades operacio-
das organizações exige como premissa nais das pessoas que trabalham na em-
definir o que é o ser humano. presa de tal modo que se obtenha uma
Nossa definição foi extraída da antro- competência específica, uma capacida-
pologia do homem-superior: uma criatu- de de fazer bem uma série de coisas
ra racional de matéria e espírito - única e determinadas, o que constitui o objeto
irrepetível - com uma missão de caráter dessa empresa;
transcendente. 3. configurar e comunicar uma missão ca-
Esse homem-superior, protagonista paz de mover as pessoas pelo sentido,
principal das transformações sociais a pelo valor, que reconhecem na sua
que assistimos, já não aceita viver nas contribuição à tarefa coletiva que reali-
ruínas da modernidade. za a empresa.
É preciso algo novo. Os valores mo-
dernos esgotaram-se. Essa liderança terá que subordinar a
As organizações, como arenas do exer- racionalidade econômica ao desenvolvi-
cício do trabalho humano, cedem a esse mento humano dos subordinados. A lon-
homem os instrumentos de realização. A go prazo, e dada a necessidade dos siste-
organização será cada vez melhor organi- mas informais para o êxito da empresa, o
zação, quando o homem que nela atua único racional é investir no desenvolvi-
for cada vez mais homem. A conexão en- mento ético das pessoas que formam par-
tre o desenvolvimento da qualidade étíca te de uma organização .
32 Artigo recebido pela Redação da RAE em abril/93, avaliado em 20/04/93, 19/05/93, 05/08/93 e 15/10/93, aprovado para publicação em outubro/93.