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O Caráter Perpétuo das Medidas de Segurança

http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20060809115009620 em 19.10.2007 às 23:13

09/08/2006-11:50
Autor: Lara Gomides de Souza;

Medida de segurança é o tratamento aplicado àqueles indivíduos


inimputáveis que cometem um delito penal. A questão, no entanto, é envolta pelo
problema da definição do tempo de duração desta medida. A lei diz que será por prazo
indeterminado, até que perdure a periculosidade. Mas cabe a nós tentar completar os
espaços em branco deixados pelo legislador.

Pelo sistema dualista, pode-se afirmar que coexistem duas modalidades


de sanção penal: pena e medida de segurança. René Ariel Dotti traça as maiores
distinções entre os dois institutos. Vejamos: a pena pressupõe culpabilidade; a medida
de segurança, periculosidade. A pena tem seus limites mínimo e máximo
predeterminados (CP, arts. 53, 54, 55, 58 e 75); a medida de segurança tem um prazo
mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, porém o máximo da duração é indeterminado,
perdurando a sua aplicação enquanto não for averiguada a cessação da periculosidade
(CP, art. 97, §1º).

A pena exige a individualização, atendendo às condições pessoais do


agente e às circunstâncias do fato (CP, arts. 59 e 60); a medida de segurança é
generalizada à situação de periculosidade do agente, limitando-se a duas únicas
espécies (internação e tratamento ambulatorial), conforme determinado pelo art. 96
do Código Penal. A pena quer retribuir e o mal causado e prevenir outro futuro; as
medidas de segurança são meramente preventivas. A pena é aplicada aos imputáveis e
semi-imputáveis; a medida de segurança não se aplica aos imputáveis. A pena não
previne, não cura, não defende, não trata, não ressocializa, não reabilita: apenas pune
o agente.

Apesar de tantas diferenças, é indispensável ressaltar que, nas palavras


do iminente doutrinador Luiz Flávio Gomes, as medidas de segurança são tão aflitivas
quanto as penas, razão porque assevera que ?o Estado não pode exercer seu ius
puniendi eternamente, perpetuamente, sobre uma pessoa?. Não há como negar que
ambas restringem a liberdade do indivíduo e violam seus direitos fundamentais. Por
este motivo é que ambas devem estar sujeitas às mesmas garantias e limites. Nesse
rumo, é fácil concluir que o prazo indeterminado de duração das medidas de segurança
vai de encontro à vedação constitucional à prisão perpétua.

O tema medida de segurança é tratado desde a Antigüidade. No início,


as pessoas que apresentavam alguma deformidade mental eram tratadas como filhos
do demônio, repudiadas pela sociedade, às vezes até mesmo mortas. O mundo
evoluiu, mas ainda hoje o ordenamento brasileiro mantém o temor pelos inimputáveis,
impondo-lhes uma pena que, para muitos, tem caráter perpétuo, mantendo-o para
sempre afastado da vida em sociedade.
A medida de segurança não tem finalidade punitiva, mas sim, curativa e
de reintegração do indivíduo na sociedade. O problema levantado por muitos é que
nossos hospitais e casas especializadas, na grande maioria, não estão preparados para
oferecer esse tipo de serviço. Por inúmeras vezes vemos os jornais noticiando casos de
total desprezo pelos doentes, um tratamento que fica muito aquém do mínimo
necessário para uma vida digna.

O tema toca não só o aspecto social da questão, mas também viola


princípios básicos e basilares de nosso sistema jurídico, contrariando o próprio Estado
Democrático de Direito, a dignidade e até mesmo a condição de ser humano. Ao se
tentar impor permanência perpétua de uma pessoa junto a um manicômio judiciário,
esquece-se que, mesmo sendo doente mental, não se deixa de ser pessoa humana,
tendo, portanto, os mesmos direitos que qualquer um de nós nos orgulhamos em ter,
mesmo que não saibamos defende-los na maioria das vezes.

Ao contrário do que muitos imaginam, a enfermidade mental pode ser


controlada com remédios e tratamento terapêutico adequado, sendo esta circunstância
inteiramente capaz de propiciar ao doente a plena convivência em sociedade, ao lado
de sua família. A incompetência estatal, que na maioria das vezes, se não sempre, não
é capaz de ?curar o paciente?, não pode, de modo algum, contribuir com o
cerceamento da liberdade dos particulares, devendo o Estado, ao contrário, privilegiar
o retorno dessas pessoas ao convívio social.

Nunca é demais registrar que o problema criminal, carcerário, bem como


aquele referente à reintrodução do infrator na sociedade é, antes de tudo, um
problema social que, como tal, merece ser tratado. Isso também quer dizer que nós,
como membros de uma sociedade, temos responsabilidade e devemos nos preocupar
com isso.

Não é deixando o doente à margem da sociedade que conseguiremos ?


ressocializá-lo?. Ele sequer foi um dia socializado. Por esta razão, deve o Estado dispor
dos meios que possibilitem ao agente enfermo se reintegrar à sociedade, sob pena de
não se prestigiar os mais básicos princípios e conceitos que regem o nosso direito e a
própria finalidade da medida de segurança.

A nosso ver, afastar para sempre um ser humano do meio social e do


convívio familiar parece medida simplista e sem a menor razoabilidade que não pode,
de forma alguma, ser admitida por nós juristas. O doente mental, como qualquer outra
pessoa, tem direito a tratamento digno e reintegrativo por parte do Estado, sendo que
a sentença absolutória imprópria que lhe é aplicada não pode condená-lo a viver
perpetuamente num ?circo de horrores?, como será demonstrado que são os
manicômios jurídicos, sem o mínimo de dignidade e esperança no amanhã.

Parece perfeitamente possível afirmar que as medidas de segurança


também não poderiam ultrapassar o prazo de 30 anos de duração. Mesmo porque, se
o que se busca com a internação é o tratamento e a cura, ou recuperação do internado
e não sua punição, 30 anos é um prazo bastante razoável para se conseguir esse fim.
O caso mais famoso e assombroso no Brasil é, sem sombra de dúvida, o do Índio
Febrônio do Brasil, que ficou 57 anos num hospital de custódia no Rio de Janeiro. Lá
entrou com 27 e morreu com 84 anos, prazo que cumpriu integralmente dentro do
hospital, sendo submetido à medida de segurança.
Filiamo-nos à corrente minoritária até então, que vê no prazo indeterminado para
duração da medida provisória inconstitucionalidade latente, haja vista ferir inúmeros direitos e
garantias fundamentais, dentre eles:

● Direito à igualdade. A discriminação entre imputável e inimputável, impossibilitando este


de saber o limite máximo de intervenção estatal sobre sua liberdade, é circunstância a ser
repudiada, sobretudo porque afronta a isonomia entre pessoas que merecem pleno
conhecimento acerca dos castigos que lhes são aplicados pelo Estado. Se para um
(imputável) é dado ciência do limite temporal de atuação do Estado sobre sua liberdade,
parece evidente que ao outro (inimputável) também se faz necessária esta garantia.
Analise-se, por exemplo, que, ao imputável que praticar o crime mais grave do Código
Penal, a pena que lhe será aplicada terá um limite máximo de cumprimento equivalente a
trinta anos e, ao inimputável que praticar o crime menos grave da legislação penal, será
passível de cumprir uma sanção perpétua, uma vez que não há limite máximo legal da
execução da medida de segurança;

● Direito à humanidade ou à humanização. É incontestável que a medida de segurança,


quando de sua aplicação e execução, deve primar pelo respeito da pessoa humana,
proporcionando ao indivíduo que se encontra segregado a possibilidade de retorno ao meio
social do qual foi retirado para tratamento e recuperação. Nenhuma sociedade ou legislação
moderna pode concordar com a possibilidade de se submeter um indivíduo a um mal tão
grande, a ponto de privar totalmente suas chances de reinserção à sociedade. Violar o
conteúdo do princípio da humanidade, quando da aplicação e execução das medidas de
segurança, é como negar a própria condição humana a pessoas que, paradoxalmente, foram
absolvidas do ilícito que cometeram;

● Direito à dignidade da pessoa humana. O princípio da dignidade humana exige que as


autoridades competentes confiram ao doente mental delinqüente condições mínimas de
tratamento, tais como a salubridade do ambiente, a presença de profissionais habilitados, a
individualização na execução da medida de segurança e a transmissão de valores
necessários à convivência em sociedade. Manicômios desaparelhados, sem estrutura física e
humana, configuram verdadeiros depósitos de uma parte da população menos favorecida
que, invariavelmente, sofre nas mãos do Estado o inaceitável desrespeito à sua condição de
ser humano.

É certo que alguns países já admitem expressamente o princípio da legalidade e


impõe limites a duração da medida de segurança, assim como a Espanha, Portugal e Alemanha.
Diante deste quadro, só nos resta propor uma limitação e determinação do prazo de duração da
medida de segurança. Para o agente inimputável que cometer um ilícito-típico e haja certeza da
periculosidade, este será submetido a uma medida de segurança que não poderá ultrapassar a
pena máxima prevista em lei. Assim, se o inimputável cometer um homicídio simples, será
submetido a uma internação no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico que não poderá ser
superior a 20 anos.

No entanto, se se tratar de semi-imputável que na sentença recebei uma pena


substituída por medida de segurança, o máximo que poderá perdurar a medida é a pena
substituída, porque nesta pena já está reconhecida a intervenção máxima do Estado. Destarte, se o
semi-imputável recebeu uma pena de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses pela prática de um
crime de roubo qualificado, o tratamento não poderá ser superior à pena tributada.

Assim também, se no curso da execução da pena houver a substituição por medida


de segurança, a duração desta está limitada a pena imposta da sentença condenatória transitada
em julgado, em respeito à coisa julgada, descontando-se o período de resgate da pena. Nesse
sentido, se lhe foi imposta uma pena de 06 (seis) anos, estando o sentenciado em cumprimento de
pena, tendo já resgatado dois anos da referida sanção, somente poderá ser submetido a uma
medida de segurança pelo prazo de 04 (quatro) anos.

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