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INTRODUÇÃO

REPENSAR O DESENVOLVIMENTO

ELI DINIZ
FLAVIO GAITÁN

N OS ÚLTIMOS QUARENTA ANOS , os estudos sobre desenvolvimento


têm sido caracterizados por duas grandes transições. Os anos 1980
marcaram o declínio do projeto desenvolvimentista, seguido da emer-
gência e consolidação do pensamento ortodoxo. O neoliberalismo pro-
curou conformar-se em pensamento ecumênico, na tentativa de expres-
sar um único modelo de capitalismo eficiente, defendendo a premissa de
que todos os países deviam abrir seus mercados e liberalizar e desregular
suas economias, com o objetivo de atingir altas taxas de crescimento. Na
América Latina, o projeto neoliberal representou um ataque direto à
intervenção do Estado. No Brasil, representou o fim da Era Vargas e
expressou a busca pela minimização do poder do Estado o poder do
Estado na definição da agenda de políticas públicas.
Na última década aconteceu um segundo ponto de inflexão nas aná-
lises sobre a relação entre Estado, Mercado e Desenvolvimento. Uma série
de elementos permitiram que a primeira década do Novo Milênio fosse
marcada por uma rejeição da agenda neoliberal. O fracasso do projeto
neoliberal (incapaz de cumprir com a promessa de maior crescimento
econômico), as manifestações populares de rejeição aos planos de ajuste
estrutural, a erosão da coalizão de apoio e a articulação de uma aliança
integrando setores do empresariado nacional e do mundo do trabalho
(Diniz, 2007; Diniz & Boschi, 2007; Diniz, Boschi & Gaitán, 2012)
possibilitaram a revitalização do debate sobre as políticas públicas para o
crescimento e o bem-estar. Essa mudança de clima ideológico abriu ja-
nelas de oportunidade para repensar a problemática do desenvolvimento.

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Desde a formação do pensamento estruturalista e a consolidação
de experiências nacionais defensoras da industrialização e da proteção do
mercado interno, o Estado ocupou, tanto nas análises acadêmicas hete-
rodoxas quanto na práxis política, o papel de ator estratégico na geração
de condições institucionais para o desenvolvimento, com o objetivo de
superar tendências que eram consideradas próprias da situação periféri-
ca. Na prática, significava que o Estado devia assumir papel ativo não
apenas na regulação do mercado, mas também na órbita da produção de
bens e oferta de serviços. Todavia, o declínio do modelo de substituição
de importações e diferentes fatores externos (como a consolidação do
pensamento neoconservador e a crise financeira de forte impacto na
América Latina, logo após o aumento dos juros financeiros nos Estados
Unidos, em 1979) debilitaram o poder interventor do Estado.
A última década, decorrente da crise do projeto neoliberal e da
chegada ao poder de coalizões intervencionistas em diferentes países da
América Latina, tomou força, a partir de diferentes abordagens, a discus-
são sobre o neodesenvolvimentismo. É difícil afirmar que represente um
arcabouço teórico consistente. De fato, apesar dos esforços feitos em
diferentes universidades (FGV-SP, IE-UFRJ, Iesp-Uerj, IE-Uerj,
Unicamp) ou organismos públicos nacionais (Ipea) ou internacionais
(Cepal) há diferentes visões sobre as causas do desenvolvimento e a agenda
necessária para consolidar o crescimento e os processos de catching up.
No entanto, as diversas abordagens têm alguns pontos comuns. Assim, o
desenvolvimentismo do século XXI pode ser definido como a formula-
ção de um projeto nacional que postula a formação de um espaço de
coordenação entre as esferas pública e privada, com o intuito de aumen-
tar a renda nacional e os parâmetros de bem-estar social (Boschi &
Gaitán, 2013; Diniz, Boschi & Gaitán, 2012).
O desenvolvimentismo do século XXI representa um modelo em
formação, o qual busca levar à frente processos de transformação estru-
tural da economia, de modo que crie núcleos dinâmicos associados à
inovação e a garantia do bem-estar social. A literatura levanta uma série
de elementos-chave da agenda em consolidação, composta por fatores
estratégicos para consolidar uma matriz de inovação e distribuição: a
estabilidade macroeconômica orientada a reduzir os riscos derivados da
volatilidade, a incorporação e difusão de fontes de inovação tecnológica,
a competitividade dos diferentes setores da economia, em particular a
industria, a criação de um arcabouço institucional de financiamento para

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a produção e a proteção social a definição de uma estratégia de inserção
externa baseada na defesa dos interesses nacionais e a consolidação de
núcleos de interlocução e intermediação entre os setores público e priva-
do, entre outros (De Paula, 2006; Cepal, 2012; Sicsú, Paula & Michel,
2005; Machinea, 2007; Boschi & Gaitán, 2012; Gala, 2010; Bresser-
-Pereira, 2005; 2012; Nogueira da Costa, 2012; Bielschowsky, 2012).
O novo desenvolvimentismo continua e aggiorna as reflexões gera-
das a partir do pensamento estruturalista. Os textos originais do estrutu-
ralismo cepalino analisavam um mundo de economias semifechadas e
altamente protegidas, o que acabou possibilitando a adoção de modelos
fordistas de produção. Há, no entanto, duas características distintivas do
modo de produção capitalista na fase atual que geram pressões adicio-
nais para entender quais os determinantes do desenvolvimento na condi-
ção periférica: a fragmentação das cadeias de valor e a circulação dos
capitais financeiros; fatores que atuam como condicionantes de uma es-
tratégia de desenvolvimento.
Os caminhos que se delineiam para a retomada do crescimento se
situariam na definição de um modelo de desenvolvimento que combinaria
elementos de trajetórias, recuperando o papel protagonista do Estado
que remonta ao período desenvolvimentista, mas, ao mesmo tempo, incor-
porando alguns elementos do modelo instaurado pelo processo das refor-
mas de mercado (Boschi & Diniz, 2007; Diniz, 2007; 2008; 2010; 2011).
Assim, o enfraquecimento do neoliberalismo abre uma série de questões
relevantes para a análise do desenvolvimentismo, entendido como um
processo definido por uma ideologia nacionalista (Nogueira da Costa,
neste volume). Em primeiro lugar, como analisar, no modo de produção
capitalista nas características atuais, uma dinâmica de desenvolvimento,
entendida como uma transformação estrutural da política, da economia e
da sociedade de modo que obtenha eficiência sistêmica. Em segundo
lugar, qual o papel do Estado e da política na consolidação de percursos
virtuosos de crescimento sustentável. Em terceiro lugar, entendido o de-
senvolvimento como processo político, qual a capacidade de agência dos
atores nacionais para criar e fortalecer rotas de crescimento e bem-estar.
A discussão sobre o desenvolvimento no contexto pós-neoliberal
recupera o papel do Estado, das instituições a das capacidades, salientan-
do, simultaneamente, a importância dos atores predominantes. Nos anos
1980, com o intuito de gerar um pensamento alternativo às visões
sociocêntricas no paradigma de políticas públicas, uma série de autores

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tentou “trazer o Estado de volta” (Skocpol et al., 1985). Nesse sentido,
vários estudos sobre o sucesso dos Estados desenvolvimentistas tentaram
apresentar os casos bem-sucedidos das economias do Leste Asiático como
combinação virtuosa da capacidade de seguir caminhos autônomos por
meio de uma firme intervenção do Estado (Amsden, 2001; Evans, 1995;
Wade, 1990).
O papel do Estado seria reconhecido também, ainda que tardia-
mente, por diferentes organismos internacionais. O Relatório sobre desen-
volvimento humano de 1991 admitia a intervenção do Estado, sempre
que estivesse em harmonia como o mercado, que devia ser assistido mas
com limitados graus de proteção. O Relatório sobre desenvolvimento mun-
dial de 1997 foi, talvez, o primeiro com um viés institucionalista com a
novidade de descartar a existência de fórmulas únicas. No ano seguinte,
escrevendo para o Banco Mundial, Joseph Stiglitz foi além afirmando
que a crise do Leste Asiático ocorreu por falta de regulação pública. De
fato, afirmava que os críticos da ação do Estado na economia ignoraram
que: a) o processo de desenvolvimento bem-sucedido dos países do Leste
Asiático aconteceu pelo forte intervencionismo estatal; b) no período
prévio à ação do Estado na economia, as sociedades tinham sido incapazes
de desenvolver plenamente suas capacidades; c) na fase anterior a governos
fortes, as economias capitalistas eram altamente instáveis. Por último, o
Relatório sobre desenvolvimento mundial de 1999 analisou o conceito de
governança (Diniz, 2011; 2013). A características comum dos diferentes
esforços de “resgatar o Estado” é que foram feitos de modo contemporâneo
à implementação das reformas orientadas para o mercado. Pode-se falar
de uma recuperação no marco da hegemonia neoliberal (Stiglitz, 2002).
A retração do neoliberalismo e a vitória eleitoral de coalizões
autoidentificadas como a rejeição dessa agenda e a recuperação do papel
do Estado criaram janelas de oportunidades para debater os limites da
intervenção pública orientada ao desenvolvimento. Não apenas a teoria,
mas fundamentalmente a história, apoiam a suposição de que sem Esta-
do desenvolvimentista não há possibilidade de um país se desenvolver
(Evans, 2010; Diniz, 2011; Mkandawire, 2010). O vínculo entre Estado
e desenvolvimento foi estreito nos países que tiveram sucesso em conci-
liar industrialização, crescimento econômico e bem-estar social. Em úl-
tima instância, não há capitalismo sem Estado, uma vez que o aparelho
estatal respalda o funcionamento da economia capitalista. Na América
Latina, a intervenção do Estado ocorreu de modo prévio às reflexões

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sistemáticas sobre desenvolvimento e esteve ligada ao esgotamento do
modelo primário exportador e a processos de ampliação do arcabouço
institucional do aparelho estatal, consolidados com a hegemonia de ali-
anças intervencionistas em meados de século XX. Pode-se observar uma
relação entre modalidades de intervenção do Estado e características do
capitalismo em cada momento histórico. Entre o final do século XIX e a
crise de 1929, os países foram essencialmente provedores de matérias-
-primas e o Estado teve papel de promotor da iniciativa privada. O pe-
ríodo posterior à crise facilitou a formação de coalizões intervencionistas
e, durante quase meio século, o Estado ampliou suas funções e usufruiu
de maiores graus de autonomia em relação aos interesses privados.
No contexto pós-neoliberal, a recuperação da intervenção do Es-
tado é pensada como fenômeno de correção do período das reformas de
mercado, das distorções sociais e infraestruturais geradas por décadas e
aprofundadas durante a primazia da ortodoxia neoclássica. Esse é apenas
o ponto de partida. Salientar a importância do Estado orientado para o
desenvolvimento significa considerar o desenvolvimentismo como pro-
cesso político que demanda tarefas, habilidades e recursos (Mkandawire,
2010). O reconhecimento da importância do Estado para o desenvolvi-
mento não pode apenas ser analisado em chave dicotômica relacionada
com o grau de intervenção do Estado (ausência-presença do Estado)
mas também em relação à qualidade da intervenção. Reconhecer um
papel maior papel do Estado é apenas um ponto de partida. É necessário
entender o modo como se pode pôr em marcha uma plataforma
desenvolvimentista sustentável no médio e no longo prazo. Repensar o
papel do Estado exige ir além da afirmação de ser necessário um maior
rol interventor e regulador. Deve-se discutir a orientação das instituições
políticas e do governo, o posicionamento das elites estratégicas, a con-
formação de instâncias de articulação entre atores estratégicos com o
objetivo de delinear uma modalidade consensual de desenvolvimento e
a possibilidade de mudança institucional (Amable & Palombarini,
2009; Hall & Thelen, 2009; Boschi & Gaitán, 2010; 2012; 2013;
Weiss, 2003).
As instituições ocupam papel-chave na geração de capacidades es-
tatais para o desenvolvimento. Uma série de análises tem enfatizado a
convergência institucional para uma única modalidade de capitalismo
ante um cenário de hegemonia do mercado, abertura comercial e fluxos
crescentes de capitais e mercadorias com baixos graus de controle.

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No entanto, contra a tese do monocultura institucional, os diferen-
tes países enfrentam os desafios em função de suas rotas de desenvolvi-
mento pregresso, do grau de desenvolvimento de suas forças produtivas,
do tamanho e perfil do Estado e das suas instituições políticas. A discus-
são sobre Estado, capacidades, coalizões e atores predominantes diz res-
peito ao caráter endógeno do desenvolvimento. Mesmo que os espaços
nacionais constituam sistemas abertos em constante adaptação aos de-
terminantes exógenos, as assimetrias explicam-se por fatores endógenos;
ou seja, como se processam, no plano doméstico, os desafios que, a cada
momento particular, são impostos pelo modo de produção capitalista. O
desenvolvimento consiste em um processo nacional no marco de econo-
mias inseridas no contexto mundial. Como afirma Aldo Ferrer (2007, p.
13), esta relacionado com a “[. . .] capacidade de cada país de participar
na criação e difusão de conhecimentos e tecnologias e de incorporá-los
ao conjunto da atividade econômica e relações sociais”.
Em uma outra chave de recuperação da importância das institui-
ções, um conjunto de autores afirma que não há um formato fixo para
construir um Estado pensado para o desenvolvimento. A despeito da
literatura que defende as vantagens do atraso (Gerschenkron, 1962) e da
literatura sobre monocultura institucional (Williamson, 1990), deve ser
reconhecida a necessidade de se identificar as peculiaridades das expe-
riências nacionais. Nesse sentido, no momento de salientar a importân-
cia das instituições para o desenvolvimento (Amable & Palombarini,
2009; Evans, 2003; Chang, 2008; Mahoney & Thelen, 2009) salienta-
-se a diversidade. Evans (2010) recupera a centralidade institucional do
Estado na expansão de seu poder efetivo para atender às exigências de
ordem internacional contemporânea. Analisando o que chama de Estado
desenvolvimentista do século XXI, o autor afirma que o aparelho estatal
deve estar dotado de habilidades para alcançar o status desenvolvimentista,
para o qual deve aperfeiçoar capacidades estatais para prover bens públicos.
O desafio de consolidar um Estado desenvolvimentista está influen-
ciado, de modo particular, pelo arcabouço institucional da democracia.
A ampliação da esfera pública abre uma série de questões relativas à
participação na formulação, implementação e avaliação das políticas pú-
blicas. O envolvimento da sociedade civil no ciclo de políticas se expressa
em um fortalecimento da democracia e no resultado das políticas imple-
mentadas. O fortalecimento das capacidades do Estado aparece como
central. Nesse sentido, junto com a proficiência das capacidades buro-

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cráticas, são salientadas a habilidade de incorporar a participação para
pensar uma direção estratégica, conciliar os objetivos e demandas de
curto, médio e longo prazo e apreender na função cotidiana uma orien-
tação desenvolvimentista.
Junto com a importância das instituições políticas do Estado de-
mocrático, a literatura salienta o papel basilar das coalizões para o desen-
volvimento. Se o novo projeto de desenvolvimento, ainda em formação,
opera com rupturas e continuidades em relação às políticas pregressas,
falta entender de que modo é possível formar coalizões e consensos sobre
a ideia de desenvolvimento nacional e como a formação dessas coalizões
impacta sobre o crescimento, a industrialização e o bem-estar. Nesse
sentido, na pretensão de abordar a dinâmica de funcionamento do aparelho
estatal, é necessário analisá-lo como um conjunto de estruturas, atores e
procedimentos no contexto do modo de produção capitalista. Entendido
dessa forma, o campo estatal se apresenta como uma arena de conflitos,
pautada pelos grupos de interesse do capital e do trabalho, dos atores
coletivos no interior e ao redor do aparato estatal e pela maneira com a
qual se definem as metas, estratégias e meios para alcançar o crescimento
e o desenvolvimento (Boschi, 2011; Diniz, Boschi & Gaitán, 2011).
Ainda que seja um tópico de difícil análise, a literatura enfatiza, de
modo distinto, a relação entre as elites estratégicas e o desenvolvimento.
Leftwich & Hogg (2010) afirmam que o sucesso de uma dinâmica de
desenvolvimento depende de processos políticos que envolvam diferen-
tes líderes e elites representativas de grupos, organizações e interesses no
momento de resolver uma série de problemas de comportamento coletivo.
Isso significa que o desenvolvimento é um problema de natureza políti-
ca. Dito de outro modo, é necessário superar a abordagem determinista e
aprofundar o estudo da agência nos processos de desenvolvimento. Em
última instância, a trajetória de qualquer país está influenciada pela atua-
ção de agentes, particularmente os que ocupam papel estratégico.
De particular importância na possibilidade de pôr em prática es-
tratégias bem-sucedidas de desenvolvimento é o papel dos atores predo-
minantes e a formação de apoio que atue como garantia de possibilidade
de um núcleo básico de políticas. Contar com elites coerentes comprome-
tidas na busca de cooperação ou com capacidade de impedir os potenciais
bloqueios às estratégias adotadas é de fundamental importância para for-
mular políticas em áreas fundamentais para o desenvolvimento (Amsden
et al., 2012; Leftwich & Hogg, 2011; Diniz, Boschi & Gaitán, 2012).

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Entre as elites podem ser incluídos os decisores políticos, o empresariado
e os trabalhadores organizados.
No modo de produção capitalista, a relação que se estabelece entre
Estado e Mercado caracteriza-se por uma dependência estrutural do
Estado em relação ao capital, considerando que são os capitalistas que
conservam a capacidade de investimento (ou, pelo contrário, desinvesti-
mento) em uma economia, atuando como fator condicionante (Przeworski,
1988; Przeworski & Wallerstein, 1982, Lindblom, 1977). Os empresá-
rios podem fazer opção por diferentes medidas que vão desde condicionar
os investimentos até — como aconteceu na Argentina em 2008 — parar
a produção do seu setor. Têm, assim, forte capacidade de pressão. Mas o
poder de veto depende da autonomia do aparelho estatal e de sua capaci-
dade de “disciplinar” o capital (Amsden, 2001). Os trabalhadores orga-
nizados, por sua vez, são um fator estratégico na definição do regime
produtivo, não apenas nos países com uma estrutura “consensual”, nos
quais têm participação na gestão das empresas, mas, em geral, em qual-
quer economia capitalista, considerando o poder de apoiar ou bloquear
medidas do Governo, poder que está diretamente relacionado com a
capacidade organizativa dos sindicatos (Ebbenau, 2012).
A democracia não se traduz, automaticamente, em maior capaci-
dade do Estado. Pensar uma estratégia e uma agenda nacional de desen-
volvimento demanda participação ativa de diferentes atores sociais. Para
isso, as profundas desigualdades devem ser vencidas, no campo social,
político e cultural. Também no desafio inescapável e fundamental de re-
duzir as desigualdades o Estado ocupa papel central. A necessidade de
implementar políticas sociais e de qualificação da mão de obra se relaciona
com a persistência de um núcleo duro de pobreza e alta desigualdade,
resultado da heterogeneidade social de nossa região, na qual coexistem
setores de alta produtividade do trabalho com outros de baixa produtivi-
dade. Nesse sentido, são resultado e potencializadores do subdesenvolvi-
mento. Podem ser considerados uma dimensão a mais do ambiente ins-
titucional de atuação das empresas. Reduzir desigualdades passa por uma
decisão política acompanhada pelo fortalecimento das capacidades bu-
rocráticas do Estado.
Uma estratégia de desenvolvimento associa-se a uma dinâmica gra-
dual, na qual a variável tempo é central (Pierson, 2004; Boschi, 2011). A
incorporação dessa variável significa, por um lado, que longe de ser con-
siderado um ponto de chegada, uma dinâmica de desenvolvimento de-

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manda avaliação permanente. Nesse sentido, o Estado, as instituições e
os atores estratégicos devem incorporar a capacidade de avaliar, sob dife-
rentes prismas, os dilemas para consolidar o crescimento, o investimento
e a distribuição da renda socialmente gerada. De outro lado, significa
que as estratégias de mudança devem ter em conta o caráter gradual,
descartando um ponto fixo de chegada. Em última instância, trata-se de
mudanças de caráter endógeno, do ambiente institucional, ligadas a e
condicionadas por mudanças do capitalismo, que constitui um sistema
procíclico por natureza (Kondratiev, [1926] 1992).
Os pontos de inflexão representam crises para repensar situações
de equilíbrio. A crise dos países centrais, originada na especulação fi-
nanceira dos derivativos nos Estados Unidos, é muito mais que um sim-
ples gargalo no crescimento; expressa uma reacomodação estratégica nas
relações de poder no sistema mundial. De fato, os países desenvolvidos
representavam 63% do PIB mundial em 2002, caindo para 52% em 2011,
com previsão de ser apenas 40% em 2020 (Banco Mundial, 2015). A
hegemonia do eixo atlântico, constituído por Estados Unidos e Europa,
parece estar chegando ao fim. Ante o mundo unipolar, liderado pelos
Estados Unidos, começa a tomar forma um sistema multipolar que abre
janelas para repensar desafios e oportunidades no grau de atuação dos
Estados (especialmente os situados na semiperiferia) no sistema interna-
cional de fluxos comerciais, financeiros e de circulação de tecnologia.
A crise é uma oportunidade para repensar os paradigmas vigentes.
Todavia, persiste o debate entre os defensores do mercado (para quem os
gargalos de eficiência econômica e social derivam de problemas de re-
gulação) e os defensores do Estado. O plano das ideias, junto com o
papel das instituições, adquire relevância na retomada do papel do Esta-
do no processo de desenvolvimento. Levar a cabo políticas públicas sig-
nifica uma eleição entre diferentes alternativas, as quais estão ligadas a
diferentes visões que expressam poderes instituídos e são canalizadas por
meio de comunidades epistêmicas, definidas como uma rede de profis-
sionais com competência reconhecida em um campo específico e com
coincidências em certos valores e nas alternativas de políticas públicas
(Hall, 1986; Schmidt, 2007).
O presente volume é um esforço de refletir, partindo de diferentes
análises conceituais e empíricas, sobre os temas de pesquisa apresentados
anteriormente. Os artigos, na maioria, foram apresentados em evento
organizado pelo INCT-PPED (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia

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em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento para pensar os de-
safios do desenvolvimento do Brasil no século XXI. O volume visa, as-
sim, a recuperar um tema de longa tradição na Economia Política e nas
Ciências Sociais do País como a formação de alternativas ao subdesen-
volvimento. O artigo da professora Eli Diniz, “Desenvolvimento e Esta-
do desenvolvimentista: tensões e desafios da construção de um novo
modelo para o Brasil do século XXI” parte da análise de um conjunto de
estudos produzidos no campo da economia política que consideram, por
um lado, o papel das instituições políticas, as coalizões e os atores estra-
tégicos nas dinâmicas de desenvolvimento e, do outro, o fato histórico de
que sem Estado desenvolvimentista não há processo de desenvolvimento
possível. Com o objetivo de analisar o processo de desenvolvimento como
dinâmica política, a autora salienta quatro pontos: em primeiro lugar,
que não há uma fórmula fixa; em segundo lugar, que desenvolvimento e
Estado desenvolvimentista estão intimamente ligados; em terceiro, que
interpretar a construção de um Estado desenvolvimentista no Brasil re-
quer uma abordagem multidisciplinar de modo que conjugue a teoria do
desenvolvimento com o papel da política e das instituições e, por último,
que o Estado desenvolvimentista vai além das políticas pró-desenvolvi-
mento. Para abordar a complexidade do conceito de desenvolvimento,
claramente polissêmico, recupera diversos autores que analisam a di-
mensão ética. Um ponto central da proposta do capítulo é a indagação
sobre a existência, no Brasil, de um Estado desenvolvimentista. A res-
posta da autora fala em um processo em andamento, originado na Cons-
tituição de 1988 e na consolidação da democracia, na emergência de
novas elites e no debate sobre opções de políticas públicas. O texto re-
presenta assim um aporte original para entender desenvolvimento como
um processo, sujeito a tensões, possíveis de serem respaldadas em uma
coalizão que deve fazer frente às debilidades históricas do poder infra-
estrutural do Estado.
O texto seguinte, da professora Celina Souza, analisa a relação
entre Estado e Desenvolvimento, partindo do conceito de capacidade
para formular, aprovar e implementar políticas públicas. Souza afirma
que “ A capacidade do Estado pode ser analisada a partir da existência ou
não de algumas dimensões: financeira, infraestrutural, informacional, de-
senho das políticas e suas regras, qualidade da burocracia, maioria
legislativa para aprovar políticas, conciliação da política pública com os
interesses privados, políticas prévias, informações sobre políticas seme-

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lhantes (policy learning) e alcance territorial”. Nesse sentido, o artigo
focaliza o período posterior à transição à democracia no Brasil, pondo
ênfase na capacidade burocrática do Estado nos três níveis de governo
(federal, estadual e municipal). Considera, para isso, quatro políticas es-
pecíficas: transferência de renda, ensino fundamental, atenção básica à
saúde e políticas de ajuste fiscal. O texto contribui para o melhor enten-
dimento do processo de formação de políticas. Entre as principais con-
clusões, a autora destaca, primeiramente, que a capacidade do Estado
depende da dimensão conjunta e simultânea de uma conjunção de di-
mensões preexistentes ou que podem ser rapidamente mobilizadas; de
outro lado, que o Estado desenvolvimentista brasileiro foi capaz de ex-
pandir suas capacidades para dar respostas aos principais compromissos
da redemocratização, mas o século XXI trouxe novas e mais complexas
demandas para as quais persiste o desafio da criação de capacidade para
negociar e construir novas coalizões que apoiem outras políticas, assim
como o aprofundamento das atuais.
O capítulo dos pesquisadores do Ipea, Roberto Rocha Pires e Ale-
xandre Gomide, em outra chave analítica de aproximação às capacida-
des, discute a implementação de políticas públicas de caráter desenvolvi-
mentista e a interação com as instituições democráticas vigentes. O artigo
aborda a relação entre instituições da democracia e as políticas de desen-
volvimento, examinando o processo concreto de implementação de polí-
ticas públicas com o intuito de compreender como ocorre a relação entre
a atuação das democracias do Poder Executivo e os mecanismos de con-
trole de participação. Trata, assim, de um estudo que incorpora a im-
portância das instituições democráticas, da multiplicidade de atores e
interesses envolvidos no ciclo de políticas e a capacidade do Estado para
articular políticas de desenvolvimento. Os autores utilizam o conceito de
arranjos institucionais de implementação de políticas públicas, definido
como o conjunto de regras, mecanismos e processos que definem a forma par-
ticular como se coordenam atores e interesses na implementação de uma políti-
ca pública específica. Os arranjos, na opinião dos autores, “dotam o Estado
de capacidade de execução de políticas. No contexto democrático, tais
capacidades podem ser entendidas a partir de dois componentes: o técni-
co-administrativo e o político”. Entre as principais conclusões pode ser
mencionada a importância de analisar o Estado como um conjunto de
estruturas cujas políticas setoriais não têm uma atuação homogênea. De
fato, analisando uma série de políticas públicas, os autores concluem que

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cada setor de política pública conta com capacidades estatais distintas,
em função dos diferentes arranjos de implementação. De outro lado, os
arranjos impactam sobre os resultados que as políticas são capazes de
produzir, estando o nível de execução dos programas relacionado com o
nível de capacidades técnico-administrativas promovidas pelos arranjos.
Por último, a ampliação da democracia, antes que obstáculo para a exe-
cução das políticas públicas, gera abertura para a participação e maior
presença de controles democráticos.
Abordando a relação entre participação e desenvolvimento a partir
de outro enfoque, Moisés Villamil Balestro, Danilo Nolasco Cortes Ma-
rinho e Francisco de Assis Campos da Silva analisam a importância do
diálogo social como fornecedor de legitimidade política para influenciar
as políticas de desenvolvimento. Para isso, o texto começa apresentando
as diferentes concepções teóricas sobre governança tripartite para passar,
em um segundo momento, à análise da governança tripartite no Brasil.
Levando em conta as políticas de qualificação profissional no Brasil na
trajetória recente, os autores enfatizam três momentos específicos da tra-
jetória de institucionalização com relação ao período prévio às reformas,
ao impasse neoliberal e à situação atual. O texto analisa a importância
dos legados do período corporativista, considerando que os mecanismos
políticos e institucionais de formação de acordos influem na condução
de objetivos funcionais ao desenvolvimento socioeconômico. Ao incluir
depoimentos de atores estratégicos envolvidos no processo de governança
triparte, os autores mostram a dificuldade de estabelecer a participação e
a cooperação entre atores com interesses antagônicos. O texto destaca
que há, no Brasil, uma certa desconfiança dos atores envolvidos nas ne-
gociações perante o Governo, como também entre as representações de
trabalhadores e empresários; de outro, a menor participação em instân-
cias de negociação estadual e municipal. O texto destaca a importância
de pensar uma relação sociedade-Estado mais inclusiva e funcional aos
objetivos do desenvolvimento.
Um segundo grupo de trabalhos analisa a emergência e o amadu-
recimento do desenvolvimento como campo de ideias. O aporte do pro-
fessor Luiz Carlos Bresser-Pereira visa a analisar um conjunto de ele-
mentos para o desenvolvimento como parte do debate entre liberais e
desenvolvimentistas. No tocante à conjuntura brasileira, o objetivo do
artigo é salientar os fatos que explicam a situação de quase estagnação
que se estabeleceu no País a partir de 1980, destacando, em primeiro

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lugar, a poupança e o endividamento externo e, em segundo, nos anos
1990, a liberalização financeira e comercial. Entre os principais objeti-
vos de uma política de desenvolvimento, Bresser-Pereira menciona a
política industrial. Na análise, destaca que há uma “falsa alternativa de
política industrial desligada da importância fundamental da política
macroeconômica, em particular, a taxa de cambio”, defendendo a ideia
de que, para que haja o desenvolvimento econômico em um país de ren-
da média como o Brasil é fundamental, de um lado, que o Estado recu-
pere sua capacidade de investimento na infraestrutura, e, de outro, que o
Governo conduza uma política cambial que neutralize a tendência à
sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio. Para o professor
Bresser, o baixo crescimento do Brasil desde 1994 deve-se à preferên-
cia pelo consumo imediato que caracteriza tanto os economistas asso-
ciados à ortodoxia liberal quanto ao keynesianismo vulgar. Essa prefe-
rência os impede de reconhecer a sobreapreciação crônica da taxa de
câmbio como o problema central desde que, com a abertura comercial e
financeira, o Brasil deixou de neutralizar sua doença holandesa; e os leva
a não defender uma política desagradável como é a depreciação cambial,
porque ela reduzirá no curto prazo os rendimentos e o consumo ime-
diato. Além disso, os desenvolvimentistas sobre-estimam o poder da po-
lítica industrial.
O texto de Fernando Nogueira da Costa define o desenvolvimen-
tismo não como uma corrente de pensamento, mas como “uma ideologia
mutante”, entendendo ideologia como um sistema de ideias (crenças,
tradições, princípios e mitos) interdependentes, sustentados por determi-
nado grupo social de qualquer natureza ou dimensão. Seus adeptos refle-
tem, racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos
institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou econômicos.
Com esse marco analítico, o autor apresenta as diferentes raízes da ideo-
logia desenvolvimentista no Brasil como uma ideologia nacionalista, não
necessariamente conservadora. Explora, para isso, as distintas correntes
do pensamento econômico brasileiro dos anos 1950 e 1960, as correntes
estagnacionista e do subconsumo, as contribuições da primeira geração
da Escola de Campinas, o Novo Desenvolvimentismo e a segunda gera-
ção da Unicamp, chamada também de desenvolvimentismo de esquerda.
O artigo ressalta a importância das ideias e das comunidades epistêmicas
na formação do desenvolvimentismo, como processo que deve estar ca-
racterizado pelo que Furtado chamou “seu projeto social subjacente”. O

25
desafio do desenvolvimento atual deriva da equação desenvolvimento-
-crescimento-política social, o que leva a considerar não apenas as polí-
ticas macroeconômicas de curto prazo. Nesse sentido, resta o desafio de
definir o alcance do novo modelo de desenvolvimento, no qual o Estado
mantém sua capacidade de coordenação e negociação entre interesses
trabalhistas e privados, nacionais e estrangeiros, configurando um capi-
talismo de Estado neocorporativo.
O capítulo de Fernando Ferrari Filho e Luiz Fernando de Paula
parte de uma pergunta-chave do desafio de um projeto desenvolvimentista:
como compatibilizar crescimento econômico robusto com uma agenda
de inclusão social e um processo de redistribuição de renda. Os autores
apresentam a literatura aparentemente dicotômica entre os defensores do
crescimento puxado pelas exportações e as visões alternativas de cresci-
mento liderado pelos salários. Para os autores, diferentemente do período
de desenvolvimento do pós-guerra, a peculiaridade do atual ciclo é a
melhoria da distribuição da renda, relacionada com o crescimento do
mercado interno e o consumo de massas, o que leva a denominar falsa
essa discussão entre modelos de crescimento puxados pelas exportações
ante outros dinamizados pelos salários. O paper apresenta uma série de
considerações sobre crescimento econômico e uma breve análise da desa-
celeração recente da economia brasileira, para demonstrar, a seguir, o
que os autores chamam de “proposição keynesiano-brasileira” que tem
como objetivos o crescimento e a distribuição de renda, de modo que
viabilize no Brasil um padrão de crescimento que concilie os regimes
orientados à exportação (export-led) e orientados ao mercado interno e
aumento de salários (wage-led). Para os autores, o crescimento do pro-
duto e do emprego depende da adoção de um mix de políticas macroe-
conômicas que crie um ambiente de estabilidade econômica necessário
para estimular as decisões de investimento dos empresários. Nesse senti-
do, consideram que uma boa coordenação entre as políticas monetária,
fiscal e cambial é imprescindível para a eficácia da política econômica.
Um conjunto de trabalhos aborda um tema de importância funda-
mental para a consolidação de uma agenda de desenvolvimento orienta-
da para o bem-estar. O artigo de Eduardo Salomão Condé analisa as
políticas sociais e a relação com o mercado e desenvolvimento, no intui-
to de superar a abordagem meramente econômica das dinâmicas desen-
volvimentistas. O autor ressalta os dilemas da redistribuição da renda
socialmente gerada, incorporando uma série de elementos que condi-

26
cionam e impactam a capacidade do Estado de construir um regime de
bem-estar: a posição do País no sistema capitalista (se centro, periferia
ou semiperiferia) e as afinidades eletivas entre desenvolvimento e políti-
cas sociais expressas em uma série de políticas. Para o autor, produzir
desenvolvimento supõe debater argumentos de dois campos opostos, de
um lado, adesão à globalização através de mimetismo institucional e
reformas orientadas ao mercado; de outro, a superação do trade off entre
eficiência e equidade, encarando políticas de bem-estar social como par-
te essencial de um projeto de desenvolvimento. Defende, portanto, a ideia
de que a afinidade eletiva entre desenvolvimento e políticas sociais pre-
cisa ser ativada pelo cenário interno em uma conjuntura internacional e
uma estratégia de inserção no sistema-mundo definida. Para Condé, de-
senvolvimento é um aspecto que envolve a lógica da eficiência econômi-
ca e as políticas para equidade, ultrapassando a ilusão de uma compa-
tibilização “insuperável”. O autor afirma ser preciso projetar um outro
patamar civilizatório, para ampliar as possibilidades de inserção interna-
cional em outro patamar e segundo os termos da própria condição peri-
férica, o que significa ampliar as possibilidades em torno do bem-estar
como promotor de igualdade e crescimento. No campo da produção da
dimensão equidade, são as políticas sociais que servem de suporte ao
lado humano, civilizatório, de bem-estar, do que é denominado desen-
volvimento. Trata-se do crescimento que não pode divorciar-se da pro-
dução de bem-estar, com as condições gerais da vida em sociedade, com
educação, saúde, emprego, previdência, habitação, alimentação e condi-
ções sanitárias.
No trabalho seguinte, Celia Lessa Kerstenetzky interroga as rela-
ções entre políticas sociais e desenvolvimento, partindo da pressuposição
de que há mudança qualitativa envolvida na superação da “sublimação
do conflito no campo do desenvolvimento tradicional”. Assim, a autora
explora o caráter “intrinsecamente desenvolvimentista” da política social,
sem reduzir esse tipo de intervenção pública a política de desenvolvi-
mento. Assim, junto com a incidência direta da políticas sociais sobre a
demanda agregada, a autora salienta também um elemento que geral-
mente não é considerado na literatura: o impacto dessas políticas sobre
uma estratégia que contempla a centralidade da inovação tecnológica no
desenvolvimento capitalista contemporâneo. O texto analisa as princi-
pais contribuições das políticas sociais ao campo de estudos do desen-
volvimento. Em um segundo momento, examina o caso brasileiro, que

27
tem a característica, por oposição à experiência do bem-estar dos países
europeus, da persistência da desigualdade. No Brasil, Lessa Kerstenetzky
reconhece que houve um avanço partindo de uma agenda de políticas
sociais passiva para uma perspectiva de direitos sociais que reconhece
maior autonomia ao campo próprio das políticas sociais. Uma combina-
ção de política passiva e avanço de direitos marca o período sucessivo,
entre meados dos anos 1990 e início dos anos 2000. A perspectiva das
políticas sociais economicamente orientadas e das políticas econômicas
socialmente orientadas tornou-se uma estratégia desenvolvimentista que
norteia a ação estatal apenas recentemente, em meados dos anos 2000.
Assim, persiste o desafio de explorar oportunidades derivadas da deman-
da reprimida de bem-estar e serviços sociais.
Arnaldo Provasi Lanzara e Rodrigo Cantu consideram que “o desen-
volvimento capitalista periférico provocou, no Brasil, uma hipertrofia
dos fatores sociais e políticos de dominação burguesa, em consonância
com menor importância do trabalho assalariado”, fator que não impediu
o desenvolvimento de uma cultura reformista, começando pelo enfraqueci-
mento da dominação da oligarquia a partir de 1930. Os autores levam a
cabo uma discussão sobre regimes de bem-estar em contextos de capitalis-
mo periférico e um esforço para situar o Brasil nas tipologias de bem-es-
tar. Para isso, analisam continuidades e rupturas em quatro áreas de polí-
ticas sociais: seguridade social, a articulação entre trabalho e previdência
social, saúde (focando especificamente na relação entre os sistemas público
e privado) e os programas de transferência de renda e sua eficiência no com-
bate à pobreza. Os autores concluem que o sistema de bem-estar social é
heterogêneo, marcado pela heterogeneidade estrutural, situação que se
expressa em ausência de uma provisão universal e maior participação do
setor privado na oferta de serviços sociais como saúde. Ao mesmo tempo,
salientam a necessidade de maior articulação entre emprego e proteção,
levando em conta os fatores desestabilizadores relacionados à precariedade
estrutural do mundo do trabalho. Lanzara e Cantu mencionam nas conclu-
sões do artigo que no Brasil a persistência das desigualdades é um fator
que se situa no centro da sociedade, reproduzindo constantemente a he-
terogeneidade das condições do trabalho que acaba por retroalimentar o
crescimento do número dos excluídos. Relacionado a isso, advertem sobre
o risco de que os programas de transferência se tornem mera assistência
aos mais necessitados. Esse risco é maior tendo em conta o caráter insu-
ficiente para suprir as carências de grandes setores da sociedade.

28
A política externa canaliza e resolve o embate de ideias entre dife-
rentes percepções sobre a posição do País perante o sistema internacio-
nal. Os Estados nacionais formam parte de um sistema de poder que, por
um lado, torna artificial a rígida contraposição entre fatores internos e
externos (Diniz, 2011) e, por outro, salienta a importância de uma polí-
tica com capacidade autônoma (ainda que sempre relativa). Contra o
argumento dos defensores do Estado mínimo, atuar em um sistema in-
terestatal caracterizado por fenômenos que redefinem o sistema capita-
lista como a globalização financeira e a fragmentação das cadeias de
valor, demanda uma ação deliberada capaz de definir um projeto nacio-
nal (Diniz, 2007; Bresser-Pereira, 2005) e graus de autonomia para ado-
tar caminhos próprios (Stiglitz, 2002). Nesse sentido, um outro conjunto
de textos explora, em diferentes chaves analíticas, a importância da polí-
tica externa para o desenvolvimento.
O capítulo de Maria Regina Soares de Lima e Rubens Duarte
compara as agendas de política externa das gestões dos presidentes
Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva
(2003-2010). Os autores mostram que a política externa do Partido dos
Trabalhadores se diferenciou da do predecessor pela ênfase dada à Amé-
rica do Sul e por maior ativismo internacional que levou a globalizar de
fato a presença política do País. O capítulo mostra também a relevância
econômica da América do Sul para o Brasil, expressada em maior inter-
câmbio, fluxo de bens industrializados e iniciativas comerciais de dife-
rente institucionalização. Todavia, os autores salientam que o aumento
da ênfase na América do Sul não provocou o desfavorecimento de outras
regiões. O texto objetiva analisar o sentido da politização da política
externa, entendendo por politização que “as respectivas políticas externas
refletem as concepções e orientações político-partidárias dos dois man-
datários e que, portanto, elas se inserem nas respectivas agendas presi-
denciais”. Uma conclusão central do texto é que a política e a orientação
estratégica importam; a despeito das normas do Itamaraty, as diferentes
coalizões procuram implementar distintos objetivos como parte de suas
modalidades de desenvolvimento socioeconômico.
Bruno Borges e Maurício Santoro analisam as transformações de
política externa dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e
Dilma Rousseff (desde 2011) em relação às políticas de desenvolvimento
tendo em consideração o componente democrático e social. Para os au-
tores, o novo desenvolvimentismo mantém temas e políticas tradicionais

29
do período 1950-1980, promovendo, ao mesmo tempo, um aggiornamento
das práticas para o contexto de uma economia mais integrada aos merca-
dos globais e com uma sociedade civil mais dinâmica. O paper incorpora
diferentes elementos a serem levados em conta: a busca pela autonomia
na política externa, o lugar da democracia, dos direitos humanos e da
participação cidadã na política externa, a relação entre consolidação da
democracia e cooperação internacional do Brasil. Por último, o trabalho
enfatiza particularmente o papel do Brasil nas intervenções humanitá-
rias. Os autores fazem um percurso dos desígnios legitimadores da polí-
tica externa brasileira e afirmam que podem ser identificados novos ob-
jetivos. Todavia, a despeito desses novos objetivos, a história de ampliação
de agenda caracteriza-se também por contradições, recuos, expectativas
crescentes e frustrações, no ambiente de um presidencialismo de coali-
zão que implica acordos complexos com setores muito conservadores da
política brasileira. A análise incorpora a importância da democracia como
parte do novo modelo de inserção externa do País, salientando sua in-
fluência sobre a política exterior de duas maneiras: por uma aproxima-
ção das políticas sociais com a diplomacia, sobretudo por meio da agenda
de cooperação internacional; e pela participação crescente de vários se-
tores sociais na política externa, inclusive pela maior difusão de compe-
tências anteriormente concentradas no Itamaraty.
Por fim, a última seção do volume inclui contribuições que anali-
sam outros aspectos-chave da agenda de desenvolvimento para o século
XXI: a política de infraestrutura, a política industrial e a política de
Ciência e Tecnologia e inovação produtiva. Em diferentes chaves analí-
ticas os textos abordam três temas centrais para a consolidação da dinâ-
mica de desenvolvimento. O artigo de Ignacio Godinho Delgado analisa
a trajetória e desafios atuais da política industrial brasileira. Para isso, o
autor faz interessante descrição da atuação do Estado em relação à in-
dústria desde os anos 1920 até o período de abertura externa. Em um
segundo momento, são analisados os principais programas de política
industrial brasileira desde 98, tais como a Pitce (Política Industrial,
Tecnológica e de Comércio Exterior), o PDP (Programa de Desenvol-
vimento Produtivo) e o PBM (Programa Brasil Maior). Para Delgado, a
trajetória brasileira evidencia as dificuldades para uma resposta mais efe-
tiva das políticas voltadas à inovação, persistindo um conjunto de empe-
cilhos para conformar uma política industrial coerente: a descontinuidade
das políticas, a ausência de agências coordenadores de peso, a baixa ca-

30
pacidade de arregimentação das entidades empresariais e a influência
significativa das multinacionais e do capital financeiro no meio empresa-
rial arrefecem o impacto da política industrial e da resposta empresarial
a ela. A análise de Godinho Delgado chama a importância para a neces-
sidade de contar com uma política macroeconômica favorável à indus-
trialização, consolidar as instâncias de articulação entre as diferentes áreas
do Estado como também de aprofundar os níveis de institucionalização
dos canais de articulação entre Estado e Mercado criados desde 2004.
Esse último ponto é central, toda vez que, em palavras do autor, “a efe-
tuação de escolhas e a sua efetivação num projeto nacional, envolve a
criação de mecanismos permanentes de interação entre os principais
stakeholders e a construção de consenso para suporte das iniciativas a
serem desenvolvidas”.
O capítulo de Carlos Eduardo Santos Pinho analisa o tema da
superação dos gargalos em infraestrutura para a afirmação de uma estra-
tégia de desenvolvimento, contemplando o papel específico das institui-
ções políticas, das elites estratégicas e das coalizões de governo. Posterior-
mente, à luz da (provável) sinergia Estado/Mercado e das capacidades
estatais e burocráticas para definição e implementação de políticas pú-
blicas, procura-se analisar empiricamente a realidade brasileira. Para tanto,
o autor empreende uma identificação, levantamento, sistematização e
análise do “estado do campo” das políticas de concessões na área de
infraestrutura (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e energia) promo-
vidas pelo Governo Dilma Rousseff desde 2012, enfatizando as suas ten-
sões e potencialidades diante da vigência de interesses econômicos
assimétricos acerca dos rumos do desenvolvimento capitalista nacional.
O trabalho considera o desenvolvimento como um processo indubitavel-
mente endógeno, produto de uma relação intrínseca com o Estado, as
coalizões de governo, as instituições políticas e os atores estratégicos que
influenciam o ciclo de políticas públicas, particularmente os trabalhado-
res, o empresariado industrial, a burocracia governamental, os econo-
mistas e intelectuais.
No capítulo final, Victor Mourão analisa o tema-chave da inovação,
ressaltando para isso a construção da institucionalidade das políticas de
Ciência e Tecnologia (C&T), no Brasil, com uma abordagem que enfatiza
a dependência de trajetória ligada à importância do setor público. O au-
tor parte da pressuposição de que uma análise sobre a ligação entre a
ciência, tecnologia, inovação e o desenvolvimento no Brasil contemporâneo

31
requer, primeiramente, um resgate da nossa trajetória histórica de cria-
ção e consolidação das instituições de CTI no Brasil, tentando apreender
os principais momentos de inflexão desse processo. Assim, mostra que a
criação do aparelho organizacional de fomento da ciência e da tecnologia
foi um processo de longo prazo no qual o Estado ocupou papel funda-
mental, imprimindo assim um caráter público à institucionalidade do
setor, que permanece até o presente. Por outro lado, o texto busca responder
quais os principais grupos que se posicionam em relação à política de
C&T, quais seus interesses e seus pontos de tensão e convergência. A
resposta avança para identificar os setores beneficiários das políticas
de inovação no Brasil, apontando os interesses que poderiam bloquear
ou possibilitar o deslanche de uma estratégia nacional de acumulação
de competências no âmbito das políticas de ciência e tecnologia. O autor
tenta ir além das visões dicotômicas que apresentam como principais
beneficiários das políticas, seja o mercado, seja uma parcela da comuni-
dade científica. Por fim, analisa as bases sociopolíticas de um projeto que
permita alavancar a relação entre ciência e tecnologia e o desenvol-
vimento.
O cenário atual é propício para pensar os elementos-chave de uma
dinâmica de transformação estrutural da economia e da sociedade. Em
um texto clássico, Gourevitch (1986) afirma que os anos de crise repre-
sentam conjunturas críticas, nas quais perdem sentido as instituições es-
tabelecidas e deve ser pensado um novo cenário, novas instituições e
novos padrões de atuação. Nesse sentido, a crise capitalista originada no
mercado de derivativos, em 2008, cria um cenário difícil. As alternativas,
como em geral acontece em situações periféricas, são limitadas, mas
existentes. Pensar essas alternativas e a agenda que leve ao desenvolvi-
mento representa não apenas um desafio, mas, antes de tudo, um impe-
rativo ético.

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35
DESENVOLVIMENTO E ESTADO
DESENVOLVIMENTISTA:
Tensões e desafios da onstrução de um novo modelo
para o Brasil no século XXI*

ELI DINIZ

T OMO , COMO PONTO DE PARTIDA das reflexões a serem aqui desen-


volvidas, as palavras de dois autores que integram uma importante
coletânea sobre a África do Sul publicada recentemente, Constructing a
democratic developmental State in South Africa (Edigheji, 2010). Peter Evans,
logo no início de seu artigo (Evans, 2010, p. 37), ressalta que nem os teó-
ricos, nem os policy-makers podem ignorar o papel crucial das instituições
estatais para o êxito do desenvolvimento. Ao resumir seu argumento cen-
tral, afirma que a história e a teoria do desenvolvimento apoiam a propo-
sição de que sem Estado desenvolvimentista, não há desenvolvimento.

* A primeira versão do presente texto foi produzida para a mesa do Painel III
(Fortalecimento do Estado, das Instituições e da Democracia) como parte da programa-
ção da II Conferência do Desenvolvimento promovida pelo Instituto de Pesquisa Econô-
mica Aplicada (Ipea), realizada em Brasília em 23 de novembro de 2011. Posteriormente
a palestra foi publicada no Boletim de Análise Político-Institucional, n.o 2, Brasília: Ipea,
2012, pp. 17-21. Agradeço a Alexandre de Ávila Gomide, diretor de Estudos e Políticas
do Estado, das Instituições e da Democracia, pelo convite para participar do referido
evento. Em um segundo momento, o texto foi reformulado para a palestra que proferi na
mesa “Injunções Políticas, Econômicas e Sociais do Desenvolvimento”, como parte do
VIII Workshop Empresa, Empresários e Sociedade, realizado em Curitiba entre os dias
29 e 31 de maio de 2012. Agradeço a Paulo Roberto Neves Costa pelo convite para par-
ticipar da mesa e escrever sob a forma de artigo a referida palestra. Finalmente, o argumento
central foi reformulado para atender aos objetivos do Seminário Internacional “A Crise
Mundial e os Desafios de um Novo Padrão de Desenvolvimento”. Organizado pelo Centro
de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) em colaboração com o Instituto de Economia
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o seminário foi realizado nos dias 26
e 27 de setembro de 2012, no Auditório Pedro Calmon do IE/UFRJ. Agradeço ao profes-
sor Mariano Laplane, presidente do CGEE, o convite para participar deste evento.

33
Mkandawire (2010, p. 71), por sua vez, chama a atenção para o fato de
que “desenvolvimento” é um processo altamente político, na medida em
que requer distribuição intra e intertemporal de tarefas e recursos.
Consequentemente, mesmo em contextos autoritários, requer coalizões
desenvolvimentistas para alcançar sustentabilidade política. No caso de
regimes democráticos, a amplitude e flexibilidade das alianças implicam
parcerias com múltiplos interesses urbanos e rurais, entre os quais ope-
rários e trabalhadores rurais, interesses que se tornam coesos em torno
de metas comuns, porém sem perda de autonomia do Estado.
Para a compreensão adequada de tais afirmativas, quatro pontos
devem ser desde logo salientados. Em primeiro lugar, não há uma fórmula
fixa universal para construir-se um Estado desenvolvimentista. Transpo-
sições mecânicas a partir de estudos de caso bem-sucedidos ou de mo-
mentos históricos distintos estão fadadas ao fracasso. A construção de
um Estado desenvolvimentista deriva de um processo de experimentação
e aprendizado constantes, que pode beneficiar-se de análises comparati-
vas, mas não pode deixar de levar em conta a trajetória de cada país e suas
condições institucionais peculiares. Em segundo lugar, desenvolvimento
e Estado desenvolvimentista estão estreitamente interligados no proces-
so de produção de novas rotas desenvolvimentistas. Eis por que não po-
dem ser analiticamente separados. Em terceiro lugar, somente uma abor-
dagem multidisciplinar capaz de conjugar os aportes da moderna teoria
do desenvolvimento, com as análises do papel das instituições e da polí-
tica pode responder aos desafios de interpretar essa nova construção.
Finalmente, um Estado desenvolvimentista vai além de políticas gover-
namentais pró-desenvolvimento; portanto não é redutível aos indicado-
res de êxito de suas políticas econômicas. Em uma linha convergente,
como ressalta Weiss (2003), desenvolvimento e Estado desenvolvimentista
são duas faces de um projeto transformativo amplamente compartilhado,
não somente pelas elites políticas e governamentais, mas pelos diferentes
atores econômicos e sociais. Eis por que a noção de convenção do desen-
volvimento atende melhor aos imperativos de mudança de estratégias
desenvolvimentistas na atual etapa do processo de globalização. Tal no-
ção, à diferença da ideia de modelo, traz implícita a busca de adesão pelo
compartilhamento não só de metas econômicas, mas de crenças, ideias e
valores inovadores.
Embora a temática aqui proposta implique uma discussão teórico-
-conceitual de certo nível de abstração, tarefa que exigiria uma análise a

34
partir de uma perspectiva comparada, dar-se-á ênfase aos dilemas e de-
safios enfrentados pelo Brasil para atingir as metas requeridas de forma
que alcance um novo patamar de desenvolvimento no decorrer das pri-
meiras décadas do século XXI.

Desenvolvimento: a complexidade crescente do conceito

A principal questão desta seção pode ser sinteticamente formulada nos


seguintes termos: ao término da primeira década do terceiro milênio, é
possível dizer que existe um novo modelo de desenvolvimento no Brasil?
Uma resposta afirmativa a tal pergunta seria prematura. Podemos,
sim, identificar nitidamente uma agenda pública mais complexa. Tal agen-
da está caracterizada pela coexistência de pontos de continuidade em
relação à última década do século passado (sobretudo na esfera da polí-
tica macroeconômica) e pontos de mudança (representados pela ênfase
em políticas de teor desenvolvimentista), o que pode ser constatado prin-
cipalmente a partir do segundo mandato do presidente Lula, quando se
dá uma inflexão mais claramente pró-desenvolvimento.
Porém, não se delineou um modelo desenvolvimentista no sentido
forte desse termo. Em outras palavras, não é possível identificar um pro-
jeto de longo prazo aglutinando de maneira consistente as diversas di-
mensões de uma nova estratégia de desenvolvimento, com a complexida-
de que alcançou contemporaneamente esse conceito. Além do crescimento
econômico sustentado, são igualmente relevantes, nessa nova acepção, as
dimensões de equidade, bem-estar dos vários segmentos da população,
bem como o alargamento das oportunidades sociais.
Sob esse aspecto, cabe destacar a contribuição de Armatya Sen,
vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 1998. Em dois de seus mais
conhecidos livros, On ethics & economics (Sen, 1987) e Development as
freedom (Sen, 1999), o autor rompe com uma visão unidimensional da
economia, ao enfatizar a dimensão ética e política de problemas econô-
micos prementes de nosso tempo, colocando em xeque a concepção con-
vencional de desenvolvimento. Efetivamente, as visões mais restritas de
desenvolvimento — como crescimento do PIB, aprofundamento da
industrialização ou expansão das exportações — passam ao largo da im-
portante concepção de que liberdades substantivas, como a liberdade
de participação política, a oportunidade de receber educação básica ou

35
assistência médica, estão entre os elementos constitutivos do desenvolvi-
mento.1 Segundo Sen, desenvolvimento deve ser interpretado como um
processo de expansão das liberdades reais de que desfrutam os cidadãos
de um país. Como tal requer, antes de tudo, que se removam as principais
fontes de privação de liberdade, tais como a tirania e a pobreza, a carên-
cia de oportunidades econômicas, a destituição social sistemática, a es-
cassez da oferta de serviços públicos essenciais nas áreas de saúde, edu-
cação fundamental, saneamento básico, habitação e segurança pública.
Tais direitos e oportunidades contribuem para promover a capacidade
geral de cada pessoa.
O crescimento econômico constitui, sem dúvida, um componente
importante, pois contribui não só elevando rendas privadas, mas também
possibilitando ao Estado financiar a seguridade social e a intervenção
governamental ativa. Entretanto, é condição necessária, mas não suficiente.
A contribuição do crescimento econômico tem de ser avaliada não ape-
nas pelo aumento da renda, mas também e, sobretudo, pela expansão dos
serviços sociais básicos que o crescimento pode viabilizar (Sen, 1999;
especialmente cap. 2), tais como o acesso universal ao conhecimento e à
saúde pública.2 Assim, a teoria da expansão das capacidades conecta efeitos
agregados ao bem-estar individual. Os desafios éticos passam para o
centro do debate sobre o desenvolvimento, não só aqueles ligados à
equidade, como também aqueles relativos à institucionalização dos prin-
cípios republicanos, que dizem respeito à primazia do interesse público.
Finalmente, não se pode desconsiderar a dimensão da sustentabi-
lidade, que, no Brasil, só muito recentemente entrou na agenda pública.
Para tanto, a ação dos movimentos ambientalistas em escala mundial e a
realização das várias reuniões de cúpula de desenvolvimento sustentável
foram fundamentais para conscientizar a população de cada país e difun-
dir tais valores entre as diferentes camadas da sociedade.
Por outro lado, como já ressaltado, no Brasil, na primeira década
do século XXI, é possível detectar claramente a existência de uma agen-
1 Para uma interessante discussão sobre a argumentação de Sen no contexto do
liberalismo igualitário, ver Vita (2008); especialmente cap. 3.
2 Nas palavras de Sen: “Talvez o impacto mais importante do tipo de êxito alcan-
çado pelas economias do Leste Asiático [. . .] seja ter solapado esse preconceito tácito [o
de que somente as economias ricas poderiam alcançar o Bem-Estar]. As economias asiá-
ticas buscaram comparativamente mais cedo a expansão em massa da educação e, mais
tarde, também dos serviços de saúde, e o fizeram, em muitos casos antes de romper os
grilhões da pobreza generalizada” (Sen, 1999, p. 58).

36
da desenvolvimentista, cujas diretrizes delineiam-se entre 2004 e 2006,
ganhando força a partir do segundo mandato do presidente Lula. Tal
agenda pautou-se por uma ênfase na inclusão social e por uma visão
estratégica sobre a expansão do mercado interno de consumo de massas
como elemento propulsor de uma nova modalidade de crescimento, tal
como está expresso no Plano Plurianual (PPA/2004-2007).3 Um novo
leque de políticas públicas, envolvendo expansão do crédito, aumento
do salário mínimo, expansão do emprego formal, políticas sociais
abrangentes — como o Programa de Transferência de Renda Condicio-
nada, Bolsa Família — além do crédito consignado e da retomada de
uma política industrial mais assertiva, são os aspectos que caracterizam
essa nova agenda desenvolvimentista. Trata-se certamente de um novo
conjunto de políticas públicas que se tornaram prioritárias entre os anos
de 2004 e 2010.
Nesse sentido, segundo alguns analistas e elites da alta burocracia
governamental (Diniz & Boschi, 2012) torna-se possível identificar, ao
longo da última década, a configuração de uma nova perspectiva de desen-
volvimento. Esta consiste na articulação do crescimento com distribui-
ção de renda, destacando-se ainda a redução da vulnerabilidade externa,
o equilíbrio macroeconômico, a democracia e a inserção internacional
competitiva sob o primado de uma nova visão da soberania nacional.
Entretanto, não se trata propriamente de um novo modelo de desen-
volvimento, capaz, por exemplo, de realizar uma ruptura com um padrão
superado de expansão industrial capitaneado pelo fortalecimento da in-
dústria automobilística, de efeitos nefastos para criar-se uma economia
sustentável e metrópoles dotadas de infraestrutura eficiente de transporte
coletivo e de níveis toleráveis de poluição. O que se tem é, ao contrário,
o reforço de um paradigma produtivo do passado que deveria perder
força paulatinamente com a mudança da matriz energética de acordo
com as novas exigências de redução dos índices das emissões de CO2
(dióxido de carbono).

3 Veja-se o seguinte trecho: “No longo prazo, objetiva-se com o PPA 2004-2007,
inaugurar um processo de crescimento pela expansão do mercado de consumo de massa e
com base na incorporação progressiva das famílias trabalhadoras ao mercado consumidor
das empresas modernas. O modelo é viável, já que está inscrito na lógica de operação da
economia brasileira: toda a vez que ocorre aumento do poder aquisitivo das famílias
trabalhadoras, o que se amplia é a demanda por bens e serviços produzidos pela estrutura
produtiva moderna da economia [. . .]” (Brasil. MPOG, 2003, p. 19).

37
O Estado desenvolvimentista no século XXI:
criando novas capacidades

Cabe, a seguir, passar para uma segunda questão não menos relevante:
“É possível afirmar-se que se tem um Estado desenvolvimentista no Bra-
sil?” Entende-se que a resposta seja negativa. Entretanto, pode-se dizer
que esse tipo de Estado está em construção. Suas bases foram lançadas
como resultado do conjunto de políticas acima referido.
Quais são os fatores indicativos desse processo? Em primeiro lu-
gar, a partir da Constituição Federal de 1988, observou-se no Brasil a
construção da democracia sustentada que se caracteriza fundamental-
mente pela estabilidade do regime. A democracia fortaleceu-se, as regras
do jogo democrático adquiriram primazia para os diferentes atores so-
ciais, incluindo as elites econômicas, que passaram por um processo de
socialização política no tocante à administração dos conflitos de interes-
se de acordo com as normas e princípios da democracia (Diniz, 2010,
pp. 125-35). Além das liberdades clássicas de participação, de organiza-
ção, de expressão e a universalização do direito de voto, o princípio da
alternância do poder passou a ter vigência na democracia brasileira. Novas
elites ascendem ao poder, apoiadas por um tipo de coalizão eleitoral de
centro-esquerda, a qual se consolida em torno de forte aspiração por
mudança no estado de coisas em vigor. Novas opções tornam-se possí-
veis, caracterizando uma inflexão política que daria vez à mudança nas
escolhas de políticas públicas.
Além da mudança política, a construção do Estado desenvolvi-
mentista requer, porém, outras condições de natureza institucional que
ainda não estão dadas. Sob esse aspecto, torna-se necessário considerar
as interconexões entre Estado, democracia e desenvolvimento.
Considerando-se a produção acadêmica contemporânea, observa-
-se pronunciada mudança no que se refere às concepções sobre o papel
do Estado. Verificou-se o abandono do pressuposto neoclássico da inefi-
ciência intrínseca da intervenção do Estado, vista essencialmente sob a
ótica do incentivo à expansão das práticas de rent-seeking, corrupção e
dilapidação dos recursos públicos. Segundo essa forma de análise, o que
se enfatiza é a figura do burocrata típico como maximizador do interesse
próprio (Krueger, 1974). Mais recentemente, esse tipo de interpretação
tornou-se dominante. Entre meados da década de 1980 e durante toda a

38
década de 1990, sob a primazia da visão liberal, reforçada com a vigência
das reformas orientadas para o mercado, ganhou realce a noção de que a
expansão do Estado constituiria aumento supérfluo do gasto público,
com inchaço da burocracia e consequente desperdício de recursos.

As contribuições mais recentes


da abordagem institucionalista do Estado

A abordagem liberal ortodoxa acima referida tem sido recentemente re-


futada à luz da contribuição de alguns autores que se destacam na produ-
ção acadêmica internacional. Entre eles, cabe mencionar Evans (1995;
1997; 2005; 2010), Weiss (2003; 2006; 2009),4 Schmidt (2006) e Chang
(2010), cujos trabalhos aprofundam alguns conceitos básicos que inte-
ressam ao argumento aqui desenvolvido. Entre tais concepções deve-se
ressaltar a já clássica noção de “autonomia inserida” (Evans, 1995), cujo
cerne é a inserção do Estado na sociedade, mantendo simultaneamente
uma burocracia em moldes weberianos, centrada no mérito e no universa-
lismo de procedimentos; o papel das instituições domésticas na media-
ção entre o contexto internacional e a realidade interna de cada país,
além da relevância das capacidades estatais para o sucesso de estratégias
de inserção externa maximizando, ao mesmo tempo, as condições de
desenvolvimento nacional são outros aspectos igualmente relevantes.5
Evans (1997) chama a atenção para os diferentes graus de stateness,
característicos das trajetórias nacionais de desenvolvimento de economias
de mercado. O termo stateness, que, utilizando um neologismo poderia
ser traduzido por estatalidade, significa a centralidade institucional do
Estado,6 a expansão de suas capacidades para atender às novas exigências
da ordem internacional contemporânea. Segundo o argumento de Evans,
a observação das diferentes trajetórias de crescimento regional, em escala
4 Outra versão do referido trabalho foi apresentada no Seminário Internacional
INCT-PPED/Minds, “Reposicionamentos Estratégicos, Políticas e Inovação em Tem-
pos de Crise”, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, de 1.o a 3 de setembro
de 2009.
5 Este último ponto é também enfatizado por Bresser-Pareira & Furquim (2012).
6 Ver Evans (1997). Este, além de vários outros artigos do autor, foram republicados
em Evans (2007), importante obra de consulta para se acompanhar a evolução dos
principais conceitos relativos ao papel do Estado no desenvolvimento das várias modali-
dades de capitalismo.

39
mundial, ao longo dos últimos trinta anos, com destaque para os países
do Leste Asiático ( Japão, Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan) e, mais
recentemente, na Ásia Central, a República Popular da China, é revelado-
ra do peso das instituições. Os estudos de caso demonstram que uma
alta estatalidade pode ser fonte de vantagem institucional comparativa no
percurso de um país para alcançar condições mais favoráveis no contexto
internacional. Os países analisados empregaram distintas estratégias de
desenvolvimento, mas, em todos os casos conhecidos, o Estado desem-
penhou papel fundamental para que se produzisse radical modificação
de sua posição relativa na divisão internacional do trabalho, conquistan-
do maior poder de barganha (ibidem, p. 69).
Em artigo mais recente (Evans, 2005), o autor defende a aborda-
gem ou perspectiva do hibridismo, que consiste em combinar três aspec-
tos que devem ser mantidos em relativo equilíbrio. Em outros termos, a
efetividade das instituições públicas dependeria do hibridismo institucio-
nal, um equilíbrio integrado entre os componentes do tripé em que se
fundamenta a capacidade estatal. Em primeiro lugar, Evans põe em rele-
vo a clássica capacidade burocrática weberiana, incluindo o recrutamen-
to baseado no mérito, a prevalência de normas profissionais, expectativas
de carreira definidas por regras claras, divisão racional do trabalho, pri-
mazia dos procedimentos universalistas, estruturas organizacionais co-
ordenadas, enfim, uma armadura institucional que gere incentivos para o
compromisso do servidor com os fins institucionais e capacite o Estado
a perseguir metas coletivas. Em seguida, destaca o atributo de responsi-
vidade aos sinais de mercado, que fornece informações sobre custos e
benefícios, facilita a alocação eficiente de recursos, proporcionando as
bases para a disciplina fiscal (assegurando que os fins da administração
sejam consistentes com os meios disponíveis). Em terceiro lugar, ressalta
a participação democrática de base, que assegura que os fins administra-
tivos reflitam as necessidades e as preferências dos cidadãos comuns. Os
três referidos suportes contribuem para que o processo administrativo
seja transparente e esteja submetido ao controle público, garantindo a
eficácia dos procedimentos de accountability e de governança econômica.
Na já referida coletânea editada por Edigheji, Evans (2010), salien-
ta que a discussão teórica recente estabelece o que o Estado do século
XXI deve estar capacitado a fazer para alcançar o status desenvolvimen-
tista. O cerne desses requisitos é simples: o Estado desenvolvimentista
do século XXI deve ser um Estado aperfeiçoador de capacidades. Ex-

40
pandir as capacidades do cidadão, ressalta, é o fundamento do cresci-
mento sustentado. A expansão de capacidades está estreitamente relacio-
nada à eficiente provisão de bens coletivos, sobretudo nas áreas de saúde
e educação. Garantir infraestrutura, como os serviços de abastecimento
de água, intrinsecamente conectados com a questão da saúde, prover sa-
neamento básico, transporte público eficiente, entre outros, são atributos
e ao mesmo tempo indicadores da eficácia da estatal. A capacidade ad-
ministrativa para prover de forma eficiente bens coletivos e infraestrutura
requer, por sua vez, fundamentos políticos. Finalmente, instituições de-
mocráticas ativas constituem a necessária fundação da ação econômica
efetiva. Dessa forma, a teoria do desenvolvimento pode definir uma agenda,
mas reconstruir aparatos administrativos é um processo político path-
dependent, mas também criativo (ibidem, p. 38). Fortalecer e ampliar as
estruturas do Estado e as relações Estado–sociedade são, portanto, desa-
fios centrais.
Nessa linha de reflexão, cabe mencionar a contribuição de Weiss
(2003, pp. 247-9), que ressalta o que considera os três ingredientes es-
senciais de qualquer Estado desenvolvimentista: a formulação de me-
tas de transformação, a existência de uma agência piloto relativamente
insulada, responsável pela execução do projeto transformador, além de
relações institucionalizadas de cooperação entre governo e setor privado.
A autora designa esse arranjo institucional por “interdependência gover-
nada”, propiciando um estilo negociado de formulação de políticas sob a
direção de um Estado aberto à interlocução.
Focalizando o caso da África do Sul, em artigo sobre as possibili-
dades de construção do Estado desenvolvimentista capaz de enfrentar os
desafios do século XXI, Chang (2010, pp. 82-96), começa por distinguir
a definição restrita de Estado desenvolvimentista — que baseia sua legi-
timidade na consecução de altos índices de desenvolvimento econômico
— da concepção ampla que envolve múltiplas dimensões e que pode ser
aplicada a distintos países em diferentes graus de desenvolvimento. O
autor parte dos estudos de caso do Leste Asiático e dos caminhos percor-
ridos pelos países capitalistas avançados, no século passado, salientando
as distintas variedades de Estado desenvolvimentista, para, em seguida,
analisar as condições políticas, organizacionais e relativas aos recursos
humanos subjacentes à construção do Estado desenvolvimentista no
momento atual. No que se refere às condições políticas, a África do Sul,
nas palavras do autor, dispõe de um forte partido de massa, o Congresso

41
Nacional Africano, capaz de executar de forma cabal políticas desen-
volvimentistas, desde que haja vontade política para gerar um projeto
desse tipo. Autonomia do Estado, acatamento das regras do jogo demo-
crático e habilidade de articular pactos sociais são condições favoráveis,
que, porém, não são fixas, podendo flutuar de acordo com a conjuntura
política. A África do Sul dispõe também de instrumentos organizacionais
altamente desenvolvidos, capacitados a executar um projeto desenvol-
vimentista, tais como o Banco de Desenvolvimento da África do Sul
(BDAS), a Corporação de Desenvolvimento Industrial (CDI) e fortes
empresas estatais, dotadas de capacidade de pesquisa e desenvolvimento
tecnológico de padrão internacional. Ademais, o Departamento de Co-
mércio e Indústria tem condições de desempenhar o papel de agência
piloto. Há também recursos financeiros e capacidades técnicas de análise
no BDAS e na CDI. Portanto, segundo o autor, existiriam condições
políticas, recursos financeiros e organizacionais, além de recursos hu-
manos treinados em ações e iniciativas inovadoras. Trata-se de potencial
que pode ser útil para a construção de um Estado desenvolvimentista, em
uma linha convergente com os demais autores aqui referidos. Por outro
lado, esclarece Chang (ibidem), a dupla fragilidade das agências de pro-
moção de P&D, bem como a força dos lobbies dos conglomerados de
mineração e energia, constituem obstáculos a serem enfrentados.
Sintetizando as análises até aqui discutidas, é consensual a ênfase
na competência da burocracia como aspecto essencial dos Estados
desenvolvimentistas: recrutamento baseado no mérito, um sistema claro
de regras de ascensão na carreira, primazia dos procedimentos universa-
listas, enfim as características do tipo ideal weberiano correspondente à
administração racional-legal. Outro fator fundamental é a existência de
uma agência central de planejamento nos moldes do Departamento de
Planejamento Econômico da Coreia do Sul, ou do Conselho de Planeja-
mento e Desenvolvimento Econômico, de Taiwan. Não menos crucial é
o papel de uma agência piloto, capaz de liderar um projeto de desenvol-
vimento transformador. Uma vantagem de tais arranjos institucionais é
que eles capacitam o Estado a ter os instrumentos para dar forma e
conteúdo à visão de longo prazo de maneira que garanta sustentabilidade
ao processo de desenvolvimento. Finalmente, se é necessário preservar
uma burocracia autônoma e de teor meritocrático para assegurar o alcance
das metas de longo prazo, bem como a execução das políticas desen-
volvimentistas, não menos relevante é a construção de sólidas conexões

42
com os atores privados estratégicos e demais segmentos da sociedade
civil de forma que garanta o respaldo social e político necessários para
alcançar os objetivos almejados. Em outros termos, o Estado deve capa-
citar-se a ter uma agenda compartilhada, já que esta não é fruto do acaso,
expressando, ao contrário, uma construção política.
Nesse ponto da argumentação cabe retomar o importante argumento
de Evans (2010) sobre a indissociabilidade de desenvolvimento e Estado
desenvolvimentista. O autor toma como ponto de partida as três verten-
tes da moderna teoria do desenvolvimento –– a abordagem da expansão
das capacidades de Sen (1999), a nova teoria do crescimento que enfatiza
a centralidade do capital humano e das ideias, além das teorias institu-
cionalistas que atribuem primazia aos efeitos deletérios da despossessão
e/ou das diferentes formas de privação de capacidades como fatores for-
temente inibidores do desenvolvimento. Mostra a seguir que, apesar de
partirem de fundamentos teóricos e metodológicos distintos, as três cor-
rentes chegam a conclusões muito semelhantes no que se refere à cons-
trução do Estado desenvolvimentista do século XXI: a centralidade dos
serviços coletivos, da expansão do conhecimento e habilidades humanas,
do complexo de instituições, organizações e redes necessárias para gestar
as novas habilidades. Além da expansão do acesso ao estoque de ideias
existentes, gerar novos conhecimentos e ideias, de forma que difunda e
tire proveito desses ativos intangíveis. É interessante notar que Evans
(2010) caracteriza o Estado desenvolvimentista do século XXI de forma
convergente com os argumentos ressaltados ao longo deste texto. Em
primeiro lugar, salienta que desenvolvimento não pode ser dissociado da
produção do bem-estar dos cidadãos. Cabe ao Estado o papel central na
provisão de bens públicos como saúde e educação. Sem burocracias pú-
blicas eficientes, coesas, coerentes e qualificadas, vale dizer, caracteriza-
das por recrutamento e sistema de promoção baseados no mérito, a pro-
visão dos serviços públicos destinados à expansão das capacidades não se
concretizará. O Estado desenvolvimentista do século XXI, além de bu-
rocracias estatais com alto desempenho, requer, ainda, novos tipos de
capacidades, notadamente em termos da habilidade de promover formas
mais abrangentes de enraizamento social ou parcerias com diversos seg-
mentos da sociedade. Em outros termos, a utilidade da ação estatal depende
da medida em que seus resultados correspondam às preferências coleti-
vas das comunidades atendidas (ibidem, p. 49). Para tanto, necessita de
informação precisa sobre as prioridades coletivas na esfera comunitária.

43
A relevância desse tipo de informação para a eficiência da ação estatal,
por sua vez, requer o reforço das instituições deliberativas e participativas.
Estas últimas, ao lado das instituições representativas, representam as
duas faces do fortalecimento do regime democrático, compondo a arma-
dura institucional adequada ao novo momento histórico. Longe de se-
rem aspectos antagônicos do processo democrático, são complementares.
Assim, o engajamento dos atores sociais no processo de execução das
políticas é crucial para as estratégias de expansão das capacidades impli-
cadas na nova acepção de desenvolvimento.
Finalmente, a análise remete-nos à forte conexão entre projeto
desenvolvimentista e a capacidade mobilizadora do Estado desenvolvi-
mentista a que nos referimos na abertura deste trabalho. Trata-se da
noção abrangente de compartilhamento de metas e crenças por parte de
um amplo conjunto de atores, para além das elites governamentais e
tecnocráticas, bem como dos agentes econômicos privados. A esse pro-
pósito cabe lembrar a linha de reflexão desenvolvida por Vivien Schmidt,
em vários de seus trabalhos (Schmidt, 2006). Em suas palavras, “podemos
dizer que a ação do Estado pode ser diferenciada por três aspectos: policies,
polity and politics”. Policy remete às políticas públicas substantivas afe-
tando as diferentes esferas da economia e da sociedade. Polity refere-se a
como as políticas públicas, bem como as interações entre atores econô-
micos e políticos, são moldadas pelo contexto político institucional vi-
gente e, finalmente, politics significa não somente as interações estratégi-
cas entre atores políticos, mas também como as ideias substantivas dos
atores políticos e as interações discursivas entre eles se dão. Trata-se da
perspectiva do institucionalismo discursivo, cuja ênfase nas dimensões das
ideias e discursos permite explicar a dinâmica da mudança na economia
política.

Tensões e desafios para a construção


do Estado desenvolvimentista no Brasil do século XXI

No Brasil, a visão alternativa que marcou o debate político na última


década, posterior às reformas orientadas ao mercado, foi a ênfase na ne-
cessidade de reestruturar o Estado, com o recrutamento de novos quadros
pela via do concurso público, bem como fortalecer a capacidade de in-
tervenção estatal, para viabilizar o enfrentamento das novas prioridades
da agenda pública. Um exemplo, segundo dados levantados por Souza

44
(2010), refere-se ao número de servidores com nível superior de escola-
ridade, em que se verificou expressivo crescimento de 182.303, em 1997,
para 223.404 em 2009, representando, assim, 45% dos servidores civis
ativos da União (Souza, 2010, p. 14). A ênfase desloca-se para a impor-
tância da coordenação estatal para administrar de maneira equilibrada o
aumento do crescimento e da competitividade das economias nacionais
no contexto atual do capitalismo crescentemente globalizado. Recupera-
-se, portanto, a legitimidade do ativismo estatal, destacando-se o papel
de alguns órgãos que se revelaram capazes de exercer uma função estra-
tégica na execução de uma rota desenvolvimentista, como o Ministério
da Fazenda — após a crise de 2005 e da substituição do ministro Anto-
nio Palocci pelo ministro Guido Mantega —, a Casa Civil, o Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação, e o Banco Nacional de Desenvolvi-
mento Econômico e Social (BNDES). Este último destaca-se em fun-
ção de seu papel indutor do desenvolvimento e formulador da política
industrial, à semelhança das agências piloto dos países asiáticos dinâmi-
cos. Esse é também o caso de algumas empresas estatais, como a Petrobras
e a Embrapa. A capitalização de bancos públicos, como o Banco do
Brasil e a Caixa Econômica, foi uma iniciativa importante, já que forne-
ceu o respaldo necessário para a expansão de um modelo ancorado na
formação de um forte mercado interno de consumo de massas. A centra-
lidade das políticas sociais, como o Programa de Transferência Condi-
cionada de Renda, o Benefício de Prestação Continuada, entre outros,
manifestou-se desde o início do Governo Lula, vindo a ocupar espaço
destacado, com a criação, em 2004, do Ministério de Desenvolvimento
Social e de Combate à Fome (MDS). Este apresentou uma trajetória
ascendente com o crescimento absoluto e relativo de seus servidores:
entre 2004 e 2009, houve aumento de 78% de seu quadro funcional.
Ressalte-se ainda que o BNDES e o Itamaraty reafirmam-se como agên-
cias de excelência dentro do aparato estatal, responsáveis que foram pela
condução e articulação de dois importantes pilares da agenda desenvolvi-
mentista do Governo, quais sejam, os planos interno e externo, reforçan-
do-se mutuamente na busca de viabilizar um projeto de país dotado de
uma estratégia de inserção internacional mais assertiva. Por outro lado,
não se observou um processo coerente de reforma e reestruturação da
máquina estatal. Esse esforço de qualificação e de profissionalização não
se estendeu ao conjunto da burocracia pública. Ainda existem expressivas
lacunas que dificultam a ação coesa, coordenada e consistente do aparato

45
governamental no que se refere a setores primordiais das políticas públicas,
nas esferas econômicas, sociais e ambientais. Ademais, não se pode dizer
que temos um Estado forte, a despeito da amplitude dos poderes concen-
trados no Executivo e da recuperação da capacidade intervencionista
estatal.

A debilidade histórica do poder infraestrutural


do Estado e suas implicações

Neste ponto da argumentação, cabe destacar um importante desafio que


ainda persiste a despeito das várias experiências de reforma do Estado
levadas a efeito ao longo das diferentes fases do antigo nacional-desen-
volvimentismo. Refiro-me à debilidade crônica do poder infraestrutural
do Estado, no sentido de Mann (1986). Aqui é preciso fazer a distinção
entre solidez da democracia e capacidade do Estado. Trata-se de proces-
sos interligados, porém distintos. Frequentemente tal distinção é obscu-
recida dada a dificuldade de perceber-se a diferenciação de fronteiras
teóricas entre regime político e natureza do Estado, o que trouxe a impli-
cação de que quanto mais sólida a democracia, maior o vigor do Estado.
Entretanto, deve-se salientar que democracia não se traduz automaticamen-
te em maior capacidade do Estado. Não há dúvida de que o aperfeiçoa-
mento da democracia é fundamental para a construção de um Estado
desenvolvimentista no sentido aqui explicitado. Entretanto, pode haver, e
ocorre com frequência, um descompasso entre, por um lado, o robusteci-
mento da democracia, e por outro, a debilidade do Estado como instituição
pública capaz de prover e universalizar o acesso a bens públicos essenciais,
nas áreas de segurança pública, saúde, educação, habitação e saneamento
básico, o que se traduz em baixo poder infraestrutural do Estado.7
Cabe aprofundar esse tópico, já que converge com a concepção de
desenvolvimento proposta por Amartya Sen (1999) ressaltada anterior-
mente, cujo cerne é, como se viu, a consecução das metas de liberdade e
7 Aplicando à América Latina sua já clássica distinção entre os poderes despótico
e infraestrutural do Estado, Mann destaca: “Poder despótico é a capacidade das elites do
Estado de tomar decisões sem uma rotineira negociação com os grupos da sociedade civil.
Em princípio, democracia não envolve nenhuma forma de poder despótico, embora no
mundo real todos os Estados de alguma forma o pratiquem. Poder infraestrutural é a capa-
cidade do Estado de efetivamente implementar decisões em todo o seu território, não
importa quem tome as decisões. Isso também pode ser chamado de «capacidade ou efi-
ciência do Estado»” (Mann, 2006, pp. 166-7; grifos no original).

46
bem-estar. Em seu percurso histórico, o Estado brasileiro apresenta um
déficit pronunciado de seu poder infraestrutural, traço que se agravou
durante a primazia da agenda neoliberal na década de 1990. Segundo
Mann, o poder infraestrutural traduz-se pela capacidade do Estado de
penetrar na sociedade e implementar logisticamente suas decisões, abar-
cando, em seu âmbito de ação, todo o território nacional e os diferentes
segmentos da população que se quer beneficiar com a execução das po-
líticas públicas. Tal objetivo requer que os Estados tenham infraestruturas
que penetrem universalmente em toda a sociedade civil, para que as eli-
tes políticas possam extrair recursos e fornecer serviços para todos os
cidadãos que fazem parte do território nacional. Logística significa, para
Mann, a existência de técnicas e recursos que permitam ao Estado pene-
trar na sociedade e exercer o seu poder, reforçando a capacidade de for-
mulação e de execução de políticas. Traduz-se, enfim, pelo alcance
territorial da ação do Estado, o que, por sua vez, fundamenta a sua habi-
lidade de persuadir os jogadores-chave a aderir à sua agenda desenvolvi-
mentista. Portanto, pode-se dizer que modernizar o Estado implica, em
parte, o aumento de seu poder infraestrutural.8 Esse aspecto não pode ser
menosprezado, já que é indispensável para viabilizar a concepção mul-
tidimensional do desenvolvimento aqui salientada, indo muito além dos
indicadores econômicos e abarcando de forma interligada as dimensões
da equidade, da ética (no sentido de atender ao interesse público) e da
sustentabilidade. De forma similar, pode-se argumentar que um dos le-
gados mais inibidores de uma concepção de Estado social abrangente e
público foi exatamente essa debilidade do poder estrutural na formação
do Estado-nação não só no Brasil, mas na América Latina em geral.
Analisando a trajetória desse processo na região latino-americana,
Mann (2006, pp. 165-6) ressaltou que os mais eficazes dos Estados mo-
dernos são aqueles caracterizados por sociedades suficientemente iguali-
tárias, de modo que permita o desenvolvimento de um senso comum de
cidadania nacional, o que, por sua vez, permitiria aos Estados desen-
volverem poderes infraestruturais efetivos para mobilizar recursos e, as-
sim, promoverem o desenvolvimento. Em longo prazo, esses Estados
tenderiam a implantar regimes democráticos. Entretanto, adverte, so-
mente os Estados com infraestruturas eficientes alcançarão a plenitude
democrática. Sob esse aspecto, os Estados latino-americanos apresentam

8 Esse argumento converge com a visão de Souza (2010).

47
grandes lacunas, o que configuraria a crise estrutural dos Estados-nação
do continente.
Em outro veio analítico, O’Donnell também enfatizou as peculiari-
dades da formação histórica das novas democracias, no período pós-au-
toautoritário, aí incluindo o Brasil, o que gerou uma fragilidade institu-
cional que sobreviveria às tentativas de mudança ao longo do tempo
(O’Donnell, 1993; 1998; 1999; 2002). Entre tais debilidades, o autor
destaca: a incompletude do processo de constituição da cidadania, resul-
tando importantes lacunas quanto aos direitos civis e sociais (cidadania
de baixa intensidade), o estreitamento dos espaços públicos, além de sé-
rias deficiências quanto à efetividade da lei. Esta estende-se de forma
pronunciadamente irregular sobre o conjunto do território nacional e
sobre as diferentes camadas da população, resultando um amplo contin-
gente que se situa fora da cobertura legal e do alcance das políticas pú-
blicas em diferentes áreas. Nas novas democracias, regiões inteiras per-
manecem à margem do sistema legal sancionado pelo Estado, não apenas
nas áreas rurais, mas também nas periferias das grandes metrópoles. Além
disso, no caso de certos setores sociais discriminados, em todas as regiões,
mesmo nas mais desenvolvidas, a legalidade estatal é também pouco efe-
tiva. Tal particularidade traduz-se na ampliação das chamadas “áreas
marrons”, onde a capacidade de penetração do Estado é muito baixa ou
quase nula (O’Donnell, 1993, pp. 129-30). A fragilidade do sistema le-
gal tem ainda outras consequências que não podem ser minimizadas. A
dimensão republicana, que se refere à credibilidade do Estado como
instituição que opera em nome do interesse público e que é essencial
para a preservação da confiabilidade da democracia, torna-se extrema-
mente debilitada. Em contraposição, um Estado forte caracterizar-se-ia
pela capacidade de estabelecer a legalidade por todo o seu território e de
formular políticas de teor universalista para o conjunto dos cidadãos da
comunidade nacional.
Considerando o caso brasileiro, pode-se constatar que, nas duas
últimas décadas, houve avanços no que se refere às políticas públicas
voltadas para direitos sociais constitucionalizados (artigo 6.o da Consti-
tuição Federal de 1988), como a educação fundamental, a saúde básica e
assistência aos segmentos mais desvalidos da população. Assim, alargou-
-se substancialmente o alcance territorial das políticas relativas à educa-
ção e saúde básicas com a universalização do acesso dos diferentes seg-
mentos da população em todo o território nacional ao ensino fundamental

48
e à rede pública de saúde. De forma similar, é vasto o alcance territorial
das políticas de transferência de renda condicionada, como o programa
Bolsa Família, atingindo, segundo dados de 2010 do Ministério do De-
senvolvimento Social (MDS), 12,4 milhões de famílias, perfazendo o
total de 49 milhões de beneficiados.
Entretanto, se houve, indubitavelmente, substancial aumento dos
níveis de escolaridade do ensino público fundamental, observou-se para-
lelamente forte deterioração de sua qualidade, aumentando a proporção
de analfabetos funcionais (alcançando cerca de 20,3%, dos que termina-
ram o ensino fundamental, segundo dados de 2010).9 O mesmo acontece
com a qualidade do atendimento à saúde, apesar do aumento do per-
centual destinado à atenção básica que passou de 10,82% em 1995 para
18,34% em 2004 (Souza, 2010, p. 11). De forma ainda mais pronuncia-
da, nas áreas de habitação, saneamento básico e segurança pública, o que
se observa é a persistência de uma grande lacuna no que diz respeito à
ação do Estado. Nessas áreas predominam a omissão, ineficiência e ine-
ficácia das políticas públicas. Assim, segundo dados extraídos do Censo
2010, a proporção da população sem acesso à rede de esgoto ou de dre-
nagem pluvial é de 47,2% (IBGE, 2010). Segundo o Atlas do saneamento
2011 (Brasil. MD, 2011), apenas 19% das residências têm o esgoto tra-
tado. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre
Saneamento Básico do Ministério das Cidades, 54% da população brasi-
leira ainda não tem serviço de coleta de esgoto. Ademais, apenas cerca
de 40% do esgoto coletado no País é tratado (ibidem).

Democracia, governança, accountability e responsiveness

Nesse contexto, torna-se relevante discutir também a questão de que o


Estado desenvolvimentista a ser construído necessita levar em conta as
condições de um regime caracterizado pela democracia sustentada, vale
dizer, um regime que alcançou a capacidade de consolidação de seus
princípios básicos, inclusive o da alternância do poder, mas ainda necessita
aumentar a eficácia de alguns importantes mecanismos. Nesse sentido,
9 Segundo a Síntese dos Indicadores Sociais (IBGE, 2010). Existem dados mais
recentes do Instituto Paulo Montenegro, que estima em 27% a taxa de analfabetos
funcionais entre quinze e sessenta anos de idade, para o ano de 2011. Para mais detalhes,
cf. Lima (2011).

49
três aspectos da construção de um regime democrático pleno devem ser
ressaltados. Refiro-me à articulação entre as dimensões de accountability,
governança e responsiveness.
O termo accountability não tem tradução exata para o português.
Refere-se ao conjunto de mecanismos e de instituições de cobrança e de
prestação de contas. Permite viabilizar a responsabilização pública dos
ocupantes de cargos governamentais, quer sejam eleitos, nomeados ou
efetivos. Desse ponto de vista, houve, nas duas últimas décadas, avanços
dignos de nota no Brasil. A accountability vertical fortaleceu-se com a
consolidação do processo eleitoral a partir da queda do regime militar.
Quanto à accountability horizontal, observou-se o aprimoramento do
controle externo e interno da administração pública. Antigas instituições
foram reformadas e profissionalizadas, como os Tribunais de Conta da
União e dos estados e a Polícia Federal; outras foram fortalecidas, como
a Secretaria do Tesouro Nacional; outras ainda foram criadas, como a
Controladoria Geral da União (CGU) e, finalmente, outras, como o Mi-
nistério Público Federal e os estaduais, tiveram seu papel ampliado.
Governança, por outro lado, admite diferentes interpretações. Como
utilizo o conceito, refiro-me às formas de gestão caracterizadas pela ca-
pacidade de construir instâncias de interlocução com a sociedade, volta-
das para definir as prioridades da agenda pública, abrindo espaço para a
consecução das metas coletivas e a sustentação política das decisões to-
madas. Dessa forma, governabilidade e governança são consideradas do
ponto de vista analítico como aspectos distintos e complementares que
configuram a ação estatal. Governabilidade refere-se às condições sistê-
micas mais gerais, sob as quais se dá o exercício do poder em uma dada
sociedade. Nesse sentido, as variações nos graus de governabilidade so-
frem o impacto das características do sistema político, tais como a forma
de governo — se parlamentarismo ou presidencialismo —, as relações
entre os poderes — maior ou menor assimetria, maior ou menor autono-
mia, por exemplo —, o tipo de sistema partidário — multipartidarismo
ou bipartidarismo —, o sistema de intermediação de interesses — se
corporativista ou pluralista —, entre outros traços relevantes. Em outros
termos, governabilidade é compatível com distintos arcabouços institu-
cionais. Governança, como salientado acima, refere-se ao conjunto dos
mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e
plural da sociedade, o que implica expandir e aperfeiçoar os meios de
conexão e de administração do complexo jogo de interesses de uma socie-

50
dade moderna. Dessa forma, cabe viabilizar a inserção do Estado na
sociedade, sem enfraquecer a autoridade estatal e seus meios de coorde-
nação e de execução das políticas (Diniz, 1994; 1995a; 1995b; 1998).
Entre 2003 e 2010, foram criados ou fortalecidos, no Brasil, inú-
meros conselhos comunitários e fóruns de participação, como o orça-
mento participativo, instituído pela primeira vez, em 1989, em Porto
Alegre, expandindo-se posteriormente por várias cidades do País, além
dos conselhos de participação social gradualmente criados em todos os
ministérios. Ademais foram realizadas numerosas conferências nacionais
de políticas públicas.10
Igualmente de difícil tradução, responsiveness é a capacidade dos
governos de responder às preferências dos cidadãos por meio das políti-
cas públicas postas em prática. Nos termos de Dahl (1972; especialmen-
te caps. 1, 2 e 3), uma característica da democracia é a contínua respon-
sividade do Governo às preferências de seus cidadãos, considerados como
politicamente iguais, embora nenhum sistema real corresponda a esse
ideal. Em seu já clássico livro, Poliarquia (idem), o autor salienta que
reserva o termo democracia para um sistema político que tenha, como
uma de suas características, a qualidade de ser inteiramente, ou quase
inteiramente, responsivo a todos os seus cidadãos, o que requer que todos
os cidadãos tenham oportunidades plenas de formular suas preferências,
de expressá-las livremente através da ação individual ou coletiva e de ter
a garantia de que suas preferências sejam igualmente consideradas na
conduta do Governo. Em síntese, tal requisito implica a diversificação
dos mecanismos de vocalização e de transmissão das demandas. Sob esse
aspecto, tivemos também avanços expressivos com o aprofundamento da
democratização da sociedade, bem como do sistema político brasileiro,
através da complexidade crescente de seu aparato institucional.

Conclusões

Em conclusão, podemos considerar que, no sentido forte do termo, não


temos ainda um Estado desenvolvimentista, no Brasil na primeira década
do século XXI. Entretanto, apesar das lacunas apontadas, o balanço é

10 Para uma análise aprofundada do significado das conferências nacionais de


políticas públicas no Brasil contemporâneo, ver Pogrebinschi & Santos (2011).

51
positivo. Podemos considerar que estamos em um processo de transição.
Os alicerces foram lançados, tanto no sentido do aperfeiçoamento do re-
gime democrático, com a crescente aceitação das regras do jogo, quanto
no que se refere à elaboração de uma nova agenda desenvolvimentista
(Bresser-Pereira, 2007; Diniz, 2011).
Sob esse aspecto, apesar dos óbices referidos, observa-se o avanço
de políticas que reforçam a tendência à construção do Estado desenvol-
vimentista do século XXI, tal como problematizado pela literatura inter-
nacional, rompendo com o legado do passado típico da construção do
capitalismo industrial no Brasil. Trata-se de um modelo distinto do na-
cional-desenvolvimentismo do passado (que não tinha preocupação com
equidade e sustentabilidade), bem como em relação ao desenvolvimentismo
ligado à doutrina da segurança nacional imposto pelo Estado fortemente
coercitivo dos governos militares. Distingue-se também, cabe lembrar,
do modelo calcado na dicotomia Estado-mercado, baseado na primazia
do paradigma neoclássico, dominante nas décadas de 1980 e 1990 do
século passado.
Entretanto, retomando o argumento central deste texto, um dos
grandes desafios, ainda presentes, refere-se ao descompasso entre o
revigoramento da democracia, de um lado, e a debilidade crônica do
poder infraestrutural do Estado brasileiro. Nesse particular, os avanços
revelaram-se muito aquém do que seria necessário para alcançar as me-
tas de desenvolvimento associado à conquista de maior bem-estar para
amplas camadas da população brasileira, excluídas do acesso a bens pú-
blicos essenciais, nas áreas de educação, saúde, segurança e habitação.
Outra dificuldade igualmente relevante diz respeito à perspectiva
de formação de uma ampla coalizão de sustentação em torno de um no-
vo projeto desenvolvimentista, envolvendo alianças entre empresários e
trabalhadores dos diferentes setores da economia. Como ressaltado em
trabalho anterior (Diniz, 2010), nas duas últimas décadas, consideran-
do-se o empresariado industrial, observou-se importante mudança com
relação ao período nacional-desenvolvimentista: seu processo de socia-
lização política no tocante às regras do jogo democrático. Os empresá-
rios industriais aperfeiçoaram seus mecanismos de participação no Con-
gresso e suas relações com as instâncias de representação política. A
prática do lobby assumiu dimensão até então inusitada. Ademais, re-
tomaram a prática da interlocução institucionalizada com importantes
segmentos das elites da alta burocracia governamental. Por outro lado, a

52
visão do empresariado em geral acerca da política econômica perma-
neceu essencialmente pragmática, fechada em torno de questões dire-
tamente ligadas aos seus próprios interesses. Este representa certamen-
te outro fator inibidor, na medida em que constitui um desincentivo à
definição de uma proposta de concertação voltada para uma nova con-
venção desenvolvimentista.

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55
POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO
E EXPANSÃO DA CAPACIDADE
DO ESTADO NO BRASIL

CELINA SOUZA

O TEMA DO DESENVOLVIMENTO e do Estado desenvolvimentista


entrou na agenda nacional nos anos 50 do século passado como
parte da teoria da modernização (do Estado, da sociedade, dos países,
das regiões, da economia, do aparato estatal). Desde então, não mais saiu
do debate público, político e acadêmico, mesmo que com perspectivas
teóricas reformuladas.1 O tema é relevante em países como o Brasil,
onde sempre ocorreu uma estreita relação entre desenvolvimento e Esta-
do, tanto nos períodos autoritários como nos democráticos.
Este trabalho tem por objetivo analisar a relação entre desenvolvi-
mento e Estado desenvolvimentista a partir do conceito de capacidade
estatal de formular, aprovar e implementar políticas. Assim como proce-
deu Diniz (2013), o ponto de partida é o argumento central dos numero-
sos trabalhos de Peter Evans, principalmente os publicados em 1995 e
2010, de que não há desenvolvimento sem Estado desenvolvimentista,
aliado ao seu argumento mais recente de que o Estado do século XXI
deve ser um Estado que expanda e aperfeiçoe capacidades. A expansão
de capacidades está relacionada à eficiente provisão de bens coletivos,
sobretudo nas áreas de saúde e educação. Entre as capacidades estatais
arroladas na literatura, a de um corpo de servidores constituído em mol-
des weberianos, ou seja, por mérito, e caracterizado pelo universalismo
de procedimentos, é uma das mais relevantes.
1 Pieterse (2010) identifica como principais perspectivas teóricas que se seguiram à
da modernização, a da dependência, a do desenvolvimento humano, a do neoliberalismo e
mais recentemente a do neodesenvolvimentismo, que ele denomina de pós-desenvolvimento.

56
Neste trabalho faz-se um balanço, embora apenas inicial, da capa-
cidade estatal de formular, aprovar e implementar políticas públicas após
a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988. É, por-
tanto, na chave analítica da elevação da capacidade do Estado que este
texto se insere. Procura-se discutir as diversas dimensões de capacidade
do Estado, com especial ênfase na construção de capacidade burocrática
para formular e implementar políticas de desenvolvimento. Assim, o tema
do estudo é o Estado desenvolvimentista brasileiro após a redemocra-
tização e a elevação de suas capacidades para formular, aprovar e imple-
mentar políticas de desenvolvimento, e a perspectiva analítica é a da
capacidade do Estado em suas diversas dimensões.
A capacidade do Estado pode ser analisada a partir da existência
ou não de algumas dimensões: financeira, infraestrutural, informacional,
desenho das políticas e suas regras, qualidade da burocracia, maioria le-
gislativa para aprovar políticas, conciliação da política pública com os
interesses privados, políticas prévias, informações sobre políticas seme-
lhantes (policy learning) e alcance territorial. Outros trabalhos incorpo-
ram dimensões mais qualitativas como autonomia política, legitimidade
e coerência interna.
Capacidade do Estado agrupa, portanto, dimensões políticas, ins-
titucionais, administrativas e técnicas. Algumas dessas dimensões são ci-
tadas e analisadas na literatura sobre capacidade do Estado e outras fo-
ram aqui adicionadas para atender a certas especificidades do País. Além
disso, algumas dimensões são aplicáveis à capacidade de formulação e
aprovação de políticas — informacionais, desenho das políticas e suas
regras, maioria legislativa, conciliação da política pública com os inte-
resses privados, políticas prévias, informações sobre políticas semelhan-
tes — e outras de implementação — financeiras, infraestruturais e alcan-
ce territorial. A capacidade burocrática é necessária tanto na fase de
formulação, ou seja, na participação no desenho de políticas decididas
pelos que governam, como na de implementação.
Embora o conceito de capacidade do Estado seja mais aplicado à
implementação de políticas, optou-se pela ampliação do conceito para
incorporar a capacidade de formulação e de aprovação, assumindo que
essas duas fases dão importantes pistas sobre as possibilidades de im-
plementação. O objetivo é também ir além dos usuais estudos sobre a
implementação de políticas no Brasil, que tendem a mostrar seus impac-
tos, sucessos e deficiências, com escassa discussão sobre a capacidade do

57
Estado de formulá-las, aprová-las e, apenas por último, embora não menos
importante, de implementá-las.
A análise de algumas políticas de desenvolvimento a partir do con-
ceito de capacidade do Estado não implica a assunção de que essas polí-
ticas foram “bem-sucedidas” nem a avaliação de seus resultados, mas sim
a capacidade dos governos de prover essas políticas, ou seja, as condições
que afetam positivamente sua implementação. Tal opção não significa
reduzir a importância de outras dimensões, mas sim que, para que polí-
ticas tenham possibilidade de implementação, elas requerem a existência
de capacidade do Estado. Como lembra Alves (2009), compreender as
causas das variações da capacidade do Estado é fundamental para a me-
lhor provisão de serviços públicos em vastos territórios e para grandes
segmentos populacionais. O uso do conceito também permite entender
melhor por que algumas políticas, regras e leis “pegam”, ou são imple-
mentadas, e outras não.2
Foram selecionadas para análise as políticas de educação funda-
mental, atenção à saúde básica, programas de transferência de renda e
política de ajuste fiscal, todas implementadas a partir de meados dos anos
90. Os dados cobrem os dois mandatos dos presidentes Fernando Hen-
rique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
A análise da capacidade do Estado nas políticas selecionadas dis-
cute o papel das três esferas de governo: federal, estadual e municipal. O
foco principal é o Governo Federal e suas agências devido ao seu papel
central no desenho, nas negociações para sua aprovação e na implemen-
tação das políticas selecionadas, esta ultima diretamente ou através da
indução à participação de outras esferas governamentais. Porque muitas
políticas sociais e a política fiscal são executadas ou de forma descentra-
lizada, pelos estados e municípios, ou afetam as instituições e os recursos
subnacionais, este estudo também mencionará, embora sucintamente, o
papel dos governos subnacionais na execução dessas políticas.
Esta pesquisa é conduzida de forma exploratória e baseada em da-
dos secundários. Nesse sentido, analisa, de forma preliminar, questões
que deverão ser aprofundadas em pesquisas futuras. A tentativa é a de
contribuir para a geração de estudos mais precisos sobre o tema do Es-
tado desenvolvimentista brasileiro e discuti-lo a partir do conceito de
2 Como nos lembram Skocpol & Finegold (1982, p. 260), não existem leis que
garantam que autoridades governamentais só possam propor políticas que tenham possi-
bilidade de execução.

58
sua capacidade de formular, aprovar e implementar reformas, políticas e
bens coletivos.3
O argumento é que a implementação de políticas de desenvolvi-
mento depende da conjunção de inúmeras dimensões que ou são pre-
existentes ou podem ser rapidamente mobilizadas. Isso não significa, to-
davia, que novas políticas serão fadadas ao fracasso, mas sim que, como
mostram tanto o caso brasileiro como o de outros países, a efetiva im-
plementação de uma dada política depende da mobilização conjunta e
simultânea de dimensões específicas que tanto antecedem a implementação
como a condicionam.
Este texto está organizado da seguinte forma. A primeira parte
analisa as mudanças institucionais e macroeconômicas ocorridas nos anos
90 e propõe alguns critérios para a identificação de políticas de desen-
volvimento. A segunda discute cada uma das políticas de desenvolvi-
mento selecionadas à luz das dimensões de capacidade estatal e se divide
em duas subseções. A primeira trata das dimensões da capacidade para
formular e aprovar as políticas de desenvolvimento e a segunda da capa-
cidade de implementação. A última parte conclui.

Políticas de desenvolvimento e capacidade do Estado

Construir ou retomar políticas de desenvolvimento após a redemocra-


tização e a promulgação da Constituição de 1988 foi possível graças a
dois fatores iniciais: o controle da inflação e a normalidade democrática,
com a eleição direta de presidentes da República que cumpriram seus
mandatos integralmente. Como resultado, foi possível (a) modificar par-
te do modelo macroeconômico da Era Vargas com a abertura de algu-
mas atividades e serviços ao capital privado, na tentativa de tornar o
desenvolvimento econômico menos dependente da indução do Estado;
(b) retomar os investimentos em infraestrutura, notadamente e mais re-
centemente mediante programas como o PAC (Programa de Aceleração
do Crescimento); (c) inserir o Brasil no paradigma da globalização; (d)
implementar alguns direitos sociais que foram constitucionalizados (ar-
tigo 6.o da Constituição de 1988), tais como saúde, educação fundamen-
tal e “assistência aos desamparados” [expressão da Constituição], este
3 Diniz (2013) persegue objetivo semelhante, mas busca também identificar os
condicionantes de uma nova agenda desenvolvimentista para o Brasil.

59
último mediante programas de transferência de renda e da expansão da
cobertura do sistema de aposentadorias e pensões não contributivas.
Do ponto de vista do aparato governamental, além da proibição
constitucional da contratação dos servidores que não pela via de concur-
so público, apenas temporariamente, algumas mudanças substantivas tam-
bém ocorreram. A primeira foi voltada para a criação de capacidade
burocrática. A partir de 1994, o Governo Federal iniciou a política de
realização de concursos públicos, mas o objetivo era recompor apenas o
que o Plano Bresser considerou carreiras típicas de Estado — advocacia,
diplomacia, políticas públicas, polícia e fiscalização. Com a mudança de
partido político no Executivo federal em 2003 a proposta de fortalecer
apenas as chamadas carreiras típicas de Estado foi substituída por uma
política agressiva de recrutamento de servidores públicos, principalmen-
te para cargos de nível superior. Entre 2003 e 2010 ingressaram por
concurso 206.284 novos servidores. No entanto, o maior número de va-
gas — 100.382 — foi destinado à recomposição do quadro docente das
universidades federais e à criação de várias novas unidades de ensino
superior, seguido do Ministério da Saúde — 18.452 — Previdência So-
cial — 18.008 — e Fazenda — 11.834. Com exceção do Ministério da
Fazenda, o maior volume de vagas não se concentrou nas chamadas car-
reiras típicas de Estado.
Estados e municípios, no entanto, não seguiram o mesmo caminho
de recomposição dos quadros burocráticos pela via do concurso competi-
tivo, com exceção da carreira de auditor fiscal. Essas esferas de gover-
no optaram pela expansão dos cargos comissionados e pela contratação
de servidores temporários, embora estes sejam submetidos a exames de
seleção. Uma das razões para essas escolhas é o limite imposto às esfe-
ras subnacionais pela Lei de Responsabilidade Fiscal para despesas com
pessoal.4
A segunda mudança foi o fortalecimento institucional e burocráti-
co voltado para o controle fiscal e democrático. Em ambos os casos,
antigas instituições foram reformadas e profissionalizadas, tais como os
Tribunais de Contas da União e a Polícia Federal, outras foram fortale-
cidas, como a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), outras foram cria-
das, como a CGU (Controladoria Geral da União) e milhares de conse-
lhos comunitários, e outras, como o Ministério Público — federal e os
4 Vários estados e alguns municípios criaram a carreira de gestor governamental
com perfil semelhante ao gestor federal.

60
estaduais — tiveram seu papel ampliado. Esse tipo de controle visa asse-
gurar a continuidade da política macroeconômica de controle fiscal, mas,
acima de tudo, cumprir um dos requisitos de um Estado democrático
maduro: a accountability dos ocupantes de cargos públicos — eleitos,
nomeados ou efetivos. A ênfase e o fortalecimento das atividades de con-
trole é uma resposta a vários diagnósticos que mostravam a fragilidade
das suas instituições. O resultado, contudo, tem sido o que muitos iden-
tificam como a prevalência dos meios sobre os fins, tornando árdua a
tarefa do Governo de implementar políticas. Isso mostra as tensões ine-
rentes aos Estados que lideram as políticas de desenvolvimento e mostra
também como algumas decisões trazem resultados inesperados e po-
dem afetar a capacidade do Estado, em que pese sua importância na
accountability dos gestores.
Essas mudanças apontam para o que Evans (2010) identifica como
um Estado aperfeiçoador de capacidades. Mas isso foi possível porque a
Constituição de 1988 abriu o caminho para a construção de um Estado
desenvolvimentista como o descreve a literatura ao incorporar a maioria
das demandas expressas por grupos societais e políticos naquele momen-
to de reconstrução da democracia. Mais tarde, com o controle da infla-
ção e com a normalidade democrática mencionados acima, foi possível
mobilizar o Congresso Nacional para a efetiva implantação dos princi-
pais mandamentos constitucionais. No entanto, se esses três eventos —
Constituição de 1988, controle da inflação e normalidade democrática
— permitiram gerar as condições para a recriação de um Estado desen-
volvimentista, embora em moldes distintos do passado, tal não seria pos-
sível se não existissem condições prévias e/ou que pudessem ser rapida-
mente mobilizadas, tal como prevê a literatura sobre capacidade estatal.
Em outras palavras, foi política e financeiramente possível expandir a
capacidade do Estado brasileiro para a provisão de alguns bens coletivos
como consequência dos três eventos.
As dimensões citadas acima como componentes da capacidade do
Estado serão analisadas nas próximas seções. As políticas selecionadas
atendem aos critérios mapeados por Margetts (2010) para classificar
uma política como de modernização e/ou de desenvolvimento: existên-
cia de incentivos, profissionalização dos quadros e formalização de re-
gras e procedimentos. Nesse sentido, atende-se também à recomendação
de Skocpol (1985, p. 17) de que os estudos mais frutíferos sobre capa-
cidade do Estado são os que focalizam políticas públicas.

61
Uma ressalva é importante. Nem sempre as quatro políticas reque-
rem, para sua implementação, o atendimento da vasta lista de dimensões
que compõem a capacidade do Estado, assim como algumas políticas
foram implementadas a despeito da insuficiência ou da inexistência de
algumas dimensões. Como capacidade financeira e capacidade burocrá-
tica são as dimensões mais recorrentes na literatura sobre capacidade do
Estado, estas são mais detidamente analisadas do que as demais.

Fatores da capacidade para formulação


e aprovação de políticas

C APACIDADE INFORMACIONAL

A existência de dados e análises sobre os problemas que devem ser


enfrentados — capacidade informacional — sempre foi abundante nes-
sas quatro políticas, tanto na produção acadêmica como técnica, em con-
traste com outras políticas. Pode-se ilustrar essa afirmação com uma
busca no sítio do Ipea, realizada em 2008 (<http://www.ipea.gov.br/
default.jsp>), no qual aparecem, entre notas e estudos, 14 referências
sobre habitação e 49 sobre saneamento, que contrastam com 281 sobre
pobreza, 130 sobre educação e 118 sobre saúde. Esses números são indi-
cadores da prioridade dessas políticas no portfólio dos estudos realizados
pelo Governo Federal.

D ESENHO DA POLÍTICA

A dimensão desenho das políticas e de suas regras pode ser uma


das que mais contribuíram para a implementação das quatro políticas.
Isso porque seu desenho incorporou a instituição de incentivos para que
atores e governos a elas aderissem.5 No entanto, os incentivos à imple-
mentação das políticas selecionadas não são comuns, mas seguem a con-
tribuição de Olson (1971) sobre a importância de incentivos seletivos
para promover a cooperação e a ação coletiva. No mesmo veio, o dese-
nho dessas políticas com regras claras e universais diminuiu as incerte-
zas em relação à sua implementação.
5 A importância desses incentivos é discutida por Arretche (2000) para explicar
a expansão da descentralização das políticas de educação e saúde.

62
A política de saúde contém um incentivo positivo — mais recursos
dos três níveis de governo para que as esferas subnacionais implementassem
sua provisão seguindo o princípio da descentralização. Já a política de
universalização da educação fundamental contém um incentivo misto.
Também seguindo o princípio da descentralização, o modelo é baseado
na regra de que os recursos transferidos pelo fundo que financia o servi-
ço seguem o aluno, o que estimulou o aumento de vagas nas escolas
municipais. Disso resultou o exponencial crescimento da oferta desses
serviços, com a consequente redução dos baixos indicadores de acesso da
população mais pobre. Ambas as políticas foram regulamentadas por
emendas constitucionais que determinaram suas regras e a vinculação de
recursos das três esferas de governo.
No que se refere à política fiscal, os incentivos foram de diferentes
ordens. Do lado do Governo Federal, o maior incentivo para o controle
das contas públicas foi a decisão de adaptar o Brasil aos paradigmas da
globalização. Do lado dos governos estaduais e das capitais, foi a injeção
de recursos federais para o saneamento de suas contas, assim como a
renegociação de suas dívidas. Disso resultou que 13% da Receita Líqui-
da Corrente dos estados e grandes municípios foi vinculada ao pagamen-
to dos juros de suas dívidas renegociadas com o Governo Federal.
As regras dessas quatro políticas foram desenhadas de forma clara,
diminuindo, portanto, as incertezas dos atores envolvidos. Da mesma
forma, o desenho baseado em incentivos, e não em coerção, também
contribuiu para a adesão dos atores institucionais envolvidos. Esses fato-
res diferenciam essas quatro políticas da maioria das políticas públicas,
que são regidas por regras erráticas, que podem mudar em função de
restrições econômicas e político-partidárias e que ficam sujeitas à discri-
cionariedade dos decisores.
Por fim, a implementação dessas políticas teve impactos para além
da própria política. Ao desenhar políticas de acesso a dois serviços bási-
cos — educação fundamental e saúde básica —, seus formuladores tam-
bém implementaram o princípio constitucional da universalização, o que
fez com que suas consequências fossem além da provisão dos serviços.
Isso é ilustrado pelo resultado de dois surveys com os 40% mais pobres
dos municípios de São Paulo e de Salvador, que mostraram a relevância
da universalização dos serviços básicos de saúde e educação para o rom-
pimento de barreiras de acesso. Os resultados mostraram a baixíssima
importância de formas de intermediação — e a ausência da intermediação

63
político-partidária — para a obtenção de acesso a esses dois serviços
(Figueiredo et al., 2005 e Torres et al., 2007). O acesso a esses serviços,
além de praticamente universalizado, como mostram os indicadores, tam-
bém conta com mecanismos institucionalizados de ingresso. Embora seja
possível pressupor que nas grandes cidades o acesso a mecanismos de
intermediação fosse mais difícil, a escassez de oferta desses serviços (ou
sua não universalização) criava as condições para a existência da inter-
mediação político-partidária, como mostraram algumas pesquisas reali-
zadas nos anos 90 (Souza, 1997).

P OLÍTICAS PÚBLICAS E INTERESSES PRIVADOS

A dimensão conciliação da política pública com os interesses pri-


vados teve importância na política de ajuste fiscal, pelo controle da infla-
ção, nas de educação e saúde, pela preservação da participação do capital
privado na provisão desses serviços e nas de transferência de renda pelo
aumento no número de consumidores, dinamizando a economia princi-
palmente dos pequenos municípios mais pobres.

P OLÍTICAS PRÉVIAS

As políticas de desenvolvimento também foram beneficiadas pela


existência de políticas prévias — Bolsa Escola do município de Campi-
nas e do Distrito Federal, depois emulada no Bolsa Escola federal e,
posteriormente, no Bolsa Família; e programa de saúde da família adotado
no estado do Ceará. Nesses dois casos, ocorreu um processo bottom-up
de policy learning. A política de ajuste fiscal contou com acesso dos seus
formuladores a informações detalhadas sobre políticas semelhantes (policy
learning) ao que seria o ajuste fiscal brasileiro, disseminadas, inclusive,
pelos organismos multilaterais.

M AIORIA LEGISLATIVA

A dimensão maioria legislativa, não mencionada na literatura so-


bre capacidade do Estado, é crucial no caso brasileiro. Isso porque, se-
guindo uma tendência de constitucionalização de políticas que teve iní-
cio com a Constituição de 1930, a de 1988 expandiu consideravelmente
a constitucionalização tanto de políticas públicas como das funções dos

64
governos nessas políticas. Isso significa que a implementação de políti-
cas constitucionalizadas exige emendas constitucionais ou leis comple-
mentares. Por isso, a formação de coalizões governativas capazes de in-
duzir maioria legislativa é imprescindível para operacionalizar as políticas
constitucionalizadas. Se, por um lado, a formação de coalizões não é
tarefa fácil, por outro, as regras da Constituição de 1988 facilitam o seu
“emendamento” pelo pequeno número de votos requerido em compara-
ção com outros países — três quintos. Um aparente paradoxo é que o
quórum de 1988 é mais baixo do que o da Constituição do regime mili-
tar, que exigia dois terços. O paradoxo é aparente porque, ao tomarem a
decisão de constitucionalizar inúmeras matérias que seriam objeto de
legislação infraconstitucional ou mesmo de acordos entre os participan-
tes da política, os constituintes “desataram as mãos” dos futuros governantes,
facilitando mudanças futuras na Constituição original (Souza, 2008). Não
por acaso a Constituição de 1988 é uma das mais emendadas do mundo
e uma das que apresentam um dos mais baixos índices de dificuldade
para ser reformada.6

Fatores da capacidade de implementação

C APACIDADE FINANCEIRA

Existem claras evidências da expansão da capacidade financeira


dos três níveis de governos para a implementação dessas quatro políticas.
Trabalho do Ipea (2010) informa que em dezembro de 1998 havia 3.062
Equipes de Saúde da Família implantadas, oferecendo cobertura a 6,6%
da população. Em julho de 2008, o número de equipes alcançou 28.669
e o percentual da população coberta atingiu 48,6%. O gasto público total
em ações e serviços públicos de saúde, consideradas as três esferas de
governo, que era de R$ 34 bilhões em 2000 — equivalente a R$ 54
6 A taxa de “emendamento” da Constituição de 1988 é, até dezembro de 2013, de
3,2, ao passo que a taxa média dos países pesquisados por Lutz (1994) é de 2,54. O índice
de dificuldade para emendar a Constituição de 1988 é de 1,25. Entre 32 países pesquisados
por Lutz (1994), a Constituição de 1988 estaria em quinto lugar em índice de dificulda-
de, tendo a média de todos os países alcançado 2,50. Em comparação com outros países da
América Latina, o índice de dificuldade da Constituição de 1988 é o terceiro mais baixo
(Melo, 2007). Sobre as emendas à Constituição de 1988, ver Arantes & Couto (2008),
Couto & Arantes (2006), Melo (2007) e Souza (2008).

65
bilhões em valores de dezembro de 2006 — e representava 2,9% do PIB,
alcançou R$ 84 bilhões em 2006, elevando sua participação neste
indicativo para 3,5%. Nesse ano, o gasto federal correspondeu a 48% do
gasto público total; o dos estados, a 24%, e o dos municípios, a 28%. Em
2010, 3,67% do PIB foram aplicados em saúde.7
Do lado da educação fundamental, o principal financiador é o es-
tado membro e o principal implementador o município. O aumento sig-
nificativo da taxa de matrícula nesse nível de ensino pode ser tomado
como proxy da expansão dos recursos financeiros. O mesmo se pode
dizer dos programas de transferência de renda: o contínuo crescimento
do número de participantes do programa Bolsa Família e aumentos no
valor do benefício, assim como a expansão por redução da idade dos
beneficiários do BPC (Benefício de Prestação Continuada) e da aposen-
tadoria rural são indicadores da expansão da capacidade financeira des-
ses programas.
Paralelamente, as alíquotas das contribuições administradas pelo
Governo Federal não pararam de crescer, ao passo que a arrecadação de
impostos teve comportamento oscilante no período em função do desem-
penho da economia. Assim, do lado da receita, houve contínuo aumento
dos recursos federais.
Todas as quatro políticas contaram com o aporte de recursos exter-
nos. O Bolsa Família e o Programa de Saúde da Família receberam
financiamento do Banco Mundial e do BID, embora esses recursos te-
nham sido pequenos em relação ao investimento do Tesouro Nacional.
Os recursos foram contratados na modalidade de empréstimo SWAp,
o que significa que apenas a parcela destinada à chamada assistência
técnica era efetivamente alocada aos programas.8 No entanto, essa par-
cela financiou a contratação de consultores, de pessoal temporário e o
reaparelhamento da máquina dos ministérios, tornando-se importan-
te para criar as condições infraestruturais para a implementação das
políticas. A política de educação fundamental contou com recursos

7 <http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2013/outubro/02/despesa-total-
saude-021013.pdf>.
8 Organismos multilaterais vêm apoiando uma modalidade de empréstimo deno-
minada Sector Wide Approach (SWAp), que, no caso de países de renda média como o
Brasil, dá mais autonomia decisória aos governos. Para uma análise dos SWAps contraídos
pelo Governo Federal e seu papel no Bolsa Família e no Programa Saúde da Família, ver
Batley, Cabral & Souza (2007).

66
do Banco Mundial, ipor meio de empréstimos contraídos por vários es-
tados. Já na política de ajuste fiscal, ocorreu a injeção de recursos nas
esferas subnacionais via BNDES, mediante financiamento para as ativi-
dades de arrecadação e de gestão de estados (PMAE — Modernização
da Administração das Receitas e da Gestão Fiscal, Financeira e Patri-
monial das Administrações Estaduais) e municípios (PMAT — Mo-
dernização da Administração Tributária e Gestão dos Setores Sociais
Básicos).
A expansão da capacidade financeira pode ser creditada a três fato-
res. Primeiro, ao sucesso do controle da inflação, o que permitiu ao Go-
verno Federal definir uma agenda prioritária de políticas e a transforma-
ção de alguns direitos sociais — educação, saúde e redução da pobreza
— em políticas. O segundo foi a expansão da receita pública, mediante,
principalmente, de aumentos nas alíquotas das contribuições sociais, as
quais, com a exceção da Cide — Contribuição de Intervenção no Domí-
nio Econômico Incidente sobre as Operações Realizadas com Combus-
tíveis —, não são objeto de transferência obrigatória da esfera federal
para as subnacionais.9 A terceira foi a vinculação de recursos públicos
das três esferas de governo para essas políticas sociais e para o ajuste
fiscal. Se, por um lado, a vinculação de receitas para as políticas sociais e
as restrições de gastos dos governos permitiu a expansão dos recursos
financeiros destinados a essas políticas, por outro a grande maioria des-
sas medidas tem caráter datado, ou seja, requerem novas emendas cons-
titucionais (Souza, 2008). A despeito de a vinculação de recursos ser
uma prática pouco usada em outros países e combatida pelos especialis-
tas em finanças públicas, foi essa vinculação que permitiu ampliar a ca-
pacidade financeira para a implementação dessas políticas sociais, o que
não ocorreu com outras.
Se a vinculação de recursos das três esferas para as políticas sele-
cionadas expandiu a capacidade financeira para sua implementação, co-
locou restrições à expansão de outras políticas. Diversas fontes estimam
que entre 20 e 25% dos recursos federais são vinculados a políticas por
mandamento constitucional ou legal ou alocados a despesas obrigatórias,

9 Ainda que haja controvérsia sobre o tamanho preciso da carga tributária bruta
brasileira, não há dúvida que ela aumentou consideravelmente nos últimos doze anos. Os
números do IBGE apontam que ela saltou de cerca de 26% para 33,8% do PIB entre 1995
e 2005 e estimativas da Secretaria da Receita Federal apontam que em 2006 ela atingiu
34,2% do PIB.

67
como o pagamento de pessoal. Pode-se, então, argumentar que uma coa-
lizão redistributiva foi formada durante a Constituinte de 88 e permane-
ceu nos governos que se seguiram. No entanto, vários setores societais e
acadêmicos clamam agora por uma coalizão de investimentos. Dado o
papel proeminente do Estado brasileiro nas políticas de desenvolvimen-
to, tanto as sociais como as de investimento, esse clamor enfrenta restri-
ções orçamentárias dado que os recursos não onerosos, ou seja, os que
decorrem dos orçamentos públicos, são limitados pelas vinculações e
pelas despesas obrigatórias.

B UROCRACIA

A qualidade da burocracia é sempre considerada uma das mais


importantes dimensões da capacidade do Estado. O tema da burocracia
brasileira, principalmente suas mudanças recentes e sua crescente profis-
sionalização, tem sido negligenciado pelos trabalhos técnicos e acadê-
micos, com raras exceções, a despeito da abundância de dados na esfera
federal, os quais são disponibilizados on-line.10 Entender como algumas
burocracias foram profissionalizadas nos últimos anos e outras não e sua
influência sobre a implementação de políticas pode iluminar o debate
sobre a relação entre capacidade burocrática e políticas públicas.
O primeiro ponto que interessa a este trabalho no que se refere à
capacidade burocrática é mostrar a mudança na quantidade de servidores
por âmbito de Governo. Dados do Ministério do Planejamento apresenta-
dos por Graef (2009) mostram que, entre 1987 e 2006, ocorreu aumento
significativo do percentual de servidores dos municípios no total nacio-
nal (de 25% para 50%), a diminuição do percentual dos servidores dos
estados (de 50% para 35%) e a diminuição dos servidores da União (de
25% para 15%). Isso pode significar que a implementação da política
social com descentralização (ou municipalização) de fato ocorreu, uma
vez que as políticas de saúde e educação são intensivas em trabalho e são
providas majoritariamente pelos municípios.
10 Exceções são, por exemplo, D’Araújo (2007), Gaetani & Heredia (2002),
Figueiredo (2010) e as coletâneas organizadas por Loureiro, Abrucio & Pacheco (2010)
e Faria (2012). Esses trabalhos discutem a burocracia federal. Já sobre as burocracias
estaduais, até onde tenho conhecimento, inexistem pesquisas, apenas um levantamento
das administrações públicas estaduais baseado na percepção dos entrevistados e que
integrou o Pnage — Projeto de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos
Estados e do Distrito Federal.

68
Uma das políticas aqui analisadas — a política fiscal — conta com
burocracias profissionalizadas e bem remuneradas vis-à-vis as burocra-
cias de outros ministérios, ao passo que outras ainda estão em processo
de construção.11 No entanto, o corpo de servidores como um todo pas-
sou por mudanças que apontam para sua crescente profissionalização
e qualificação. Isso pode ser visto em indicadores como aumento do
número de servidores, aumento do quantitativo de servidores com ní-
vel superior de escolaridade, criação de carreiras específicas, aumento da
remuneração dos servidores das carreiras específicas, número de con-
cursos públicos realizados para as carreiras específicas e número de ges-
tores governamentais alocados nos ministérios responsáveis pelas po-
líticas.12
A Tabela 1 adiante mostra que até 2010 os ministérios que formu-
lam e implementam políticas econômicas e de infraestrutura mantiveram
seu número de servidores estável, com a exceção do Ministério das Mi-
nas e Energia, em oposição ao Ministério da Fazenda. Já o número de
servidores alocados no Ministério do Desenvolvimento Social e Com-
bate à Fome (MDS) apresenta trajetória oposta ao restante dos ministé-
rios que formulam e implementam políticas sociais, ou seja, o cresci-
mento do número absoluto e relativo de seus servidores foi maior do que
o de alguns ministérios semelhantes. Os números adiante não refletem o
tamanho da burocracia federal que atua nas políticas de educação funda-
mental e atenção básica à saúde, uma vez que as duas são providas pelas
esferas subnacionais. A quantidade de servidores federais da educação e
da saúde representam os docentes das universidades federais e os servi-
dores de duas agências reguladoras da saúde e de duas autarquias de
grande porte — a Fiocruz e a Funasa. Sobre a burocracia que atua nas
políticas de saúde e da educação a cargo das esferas subnacionais, lamen-
tavelmente não existem dados on-line sobre seu tamanho, composição,
remuneração e qualificação.

11 O mesmo ocorre com a burocracia tributária dos estados e grandes municípios.


12 Todos esses indicadores podem ser acessados em <www.planejamento.gov.br/
ministerio.asp?index=6>.

69
Tabela 1. Quantitativo (força de trabalho) dos servidores públicos federais civis ativos do Poder Executivo por órgãos da administração
selecionado

Ministério 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Agricultura 11.703 11.151 10.771 10.696 11.164 11.415 10.973 11.373 11.742 11.409 11.551 11.588 12.076 11.697
Desenvolv., Ind. e Comércio 2.411 2.335 2.580 2.260 2.436 2.401 2.293 2.338 2.328 2.641 2.677 2.708 2.765 3.128
Minas e Energia 2.000 2.030 1.872 1.936 1.902 2.104 2.022 2.28 2.351 2.678 2.645 2.957 3.245 3.353
Integração – – 184 3.905 2.480 2.537 2.469 2.764 2.674 2.667 2.719 2.759 2.723 3.050
Transportes 5.235 4.742 4.504 4.796 4.724 4.882 3.878 4.348 4.651 5.337 5.454 5.254 5.508 6.131
Cidades – – – – – – 207 280 320 430 418 460 586 572
Cultura 2.844 2.695 2.585 2.539 2.508 2.477 2.391 2.589 2.591 2.960 2.976 2.948 2.970 3.753
Desenvolvimento Social – – – – – – – 383 381 522 594 632 682 871

70
Meio Ambiente 8.609 8.322 8.024 5.644 6.409 7.115 7.242 7.894 8.013 8.469 8.559 9.511 8.018 10.679
Educação 174.995 168.403 165.510 165.595 163.479 165.163 164.870 171.925 173.181 179.449 180.895 188.440 194.548 214.449
Saúde 123.159 116.862 110.804 102.480 104.948 103.634 105.238 103.483 106.079 109.107 106.259 105.621 105.063 103.163
Planejam., Orçam. e Gestão 16.072 14.088 13.164 13.868 13.783 14.079 14.259 12.932 14.550 16.235 16.453 18.076 18.348 14.114
Fazenda 26.207 28.080 26.958 25.331 26.098 26.297 25.622 26.098 26.404 28.672 33.233 33.033 32.882 35.468

Fonte: <http://www.servidor.gov.br/publicacao/boletim_estatistico/bol_estatistico.htm>.
A quantidade de servidores com nível superior de escolaridade cres-
ceu de 182.303, em 1997, para 239.374 em 2010, representando, em
2010, 45% dos servidores civis ativos da União. Excluídos os professores
das universidades federais, os servidores concursados que detêm curso
superior passou de 25,9% em 1995 para 38,58% em 2010. Esses núme-
ros apontam para a crescente profissionalização e qualificação da buro-
cracia federal.
A criação de carreiras específicas tomou fôlego a partir das avalia-
ções sobre a burocracia federal realizadas na gestão do ministro Bresser-
-Pereira. Um pouco antes, no Governo Itamar Franco, foi criada a carreira
de gestor governamental, tendo crescido a partir de então, juntamente
com outras carreiras que foram objeto de regulamentação e remuneração
diferenciadas. Junto com as carreiras da esfera jurídica, da Polícia Fede-
ral e dos auditores das áreas de tributos, os gestores são os mais bem
remunerados do setor público e todos ingressaram pela via do concurso
público. Esse grupo da burocracia é classificado como Grupo de Gestão,
integrando as seguintes carreiras: Analista de Finanças e Controle, Ana-
lista de Planejamento e Orçamento, Analista de Comércio Exterior e
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG).
Seus salários só são superados pelos da Polícia Federal e das carreiras
jurídicas do Executivo. Esses servidores são, em geral, os quadros mais
qualificados e a maioria também exerce cargos em comissão, que contam
com gratificações adicionais. Os dados do MPOG mostram que nos
ministérios responsáveis pelas quatro políticas aqui analisadas está con-
centrado grande número de gestores, podendo ser uma indicação da im-
portância dessa burocracia na formulação, implementação e acompa-
nhamento dessas políticas.
Se as carreiras do Grupo de Gestão foram criadas ou fortalecidas e
preenchidas por concurso a partir de 1994, o mesmo não se pode dizer
de outros segmentos da burocracia federal. Para a constituição da buro-
cracia dos ministérios chamados sociais, o MPOG encaminhou ao chefe
do Executivo, em fevereiro de 2008, projeto de lei criando a Carreira de
Desenvolvimento de Políticas Sociais, tendo sido transformada na Lei
Ordinária n.o 12.094, de 19 de novembro de 2009. Essa carreira é desti-
nada a abrigar servidores para as políticas de saúde, demografia, empre-
go e renda, desenvolvimento urbano, segurança alimentar, assistência
social, educação, cultura, cidadania, direitos humanos e proteção à in-
fância, à juventude, ao portador de necessidades especiais e ao idoso. Na

71
Exposição de Motivos o ministro reconheceu que essas áreas carecem de
recursos humanos qualificados. Somente em 2013 foi realizado o pri-
meiro concurso, com a aprovação de 888 candidatos para o cargo de
Analista Técnico de Políticas Sociais. Os ministérios que receberam mais
servidores foram o da Saúde (501) e o do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (200), seguidos de longe pela Secretaria de Direitos
Humanos (10); Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (15); Se-
cretaria de Políticas para as Mulheres (17); Ministério da Educação
(30); Ministério da Previdência Social (20); Ministério da Justiça (30);
Ministério das Cidades (10); Ministério do Desenvolvimento Agrário
(30); e Ministério do Trabalho e Emprego (25). Segundo informa o
MPOG, as nomeações substituem consultores contratados por organis-
mos internacionais e, ainda, servidores terceirizados que estão em desa-
cordo com a legislação vigente.13
O fortalecimento das burocracias também implicou o fortaleci-
mento dos respectivos ministérios. Isso ocorreu particularmente na área
tributária. A partir de 1994, e como pré-requisito para o ajuste fiscal,
foram editadas muitas normas que delegavam ao Ministério da Fazenda
e a seus departamentos várias competências. Uma das principais mudan-
ças foi a reestruturação da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) em
1994, com reformulações também na carreira e na remuneração dos seus
técnicos. No ano seguinte, a STN ampliou ainda mais seu poder com a
competência para administrar o programa de ajuste fiscal dos estados e
municípios. A criação do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS),
em 2004, após sucessivos esforços do Governo anterior para integrar
administrativamente os diversos programas de transferência de renda,
também representa o fortalecimento dessa elite burocrática, não só o seu
papel como a sua quantidade.
Por fim, e como bem registrou Melo (2005), desde o primeiro
Governo do presidente Fernando Henrique, os ministérios da área social
foram preservados para os setores mais próximos do Executivo, em con-
traste com os governos anteriores, que os distribuía entre os partidos da
coalizão. A distribuição de cargos, em especial os ministeriais, é deter-
minada pela natureza do presidencialismo brasileiro que se assenta em
grandes coalizões (Amorim Neto, 2000). Já os ministérios da área fiscal
são, de há muito, insulados das negociações entre partidos e grupos de

13 Ver <www.planejamento.gov.br/conteudo.asp?p=noticia&ler=9934>.

72
interesse e seus ocupantes são da confiança pessoal do presidente, mesmo
que tenham vínculos partidários.
A construção da burocracia federal após a redemocratização, assim
como sua qualificação e profissionalização, não aconteceu da noite para
o dia, mas, como analisado por vários autores, a burocracia federal bra-
sileira sempre contou com os chamados “bolsões de eficiência”, com
trajetórias que tiveram início no Governo Vargas, continuaram no pe-
ríodo democrático de 1945 e no regime militar de 1964.

A LCANCE TERRITORIAL 14

A dimensão alcance territorial pode ser considerada uma das mais


importantes para viabilizar a descentralização da saúde básica e da edu-
cação fundamental, assim como o pagamento dos benefícios dos progra-
mas de transferência de renda. Dada a dimensão continental do País, a
universalização do acesso à saúde e à educação só seria possível com a
descentralização da provisão dessas políticas. No caso dos programas de
transferência de renda e das aposentadorias e pensões não contributivas,
que hoje têm beneficiários em todos os municípios brasileiros, o paga-
mento dos benefícios só é possível pela existência da extensa rede bancá-
ria estatal.
A dimensão continental do Brasil torna racional que serviços de
massa sejam providos de forma descentralizada. Mas a implementação
desses serviços foi possível porque a sua rede de prestação já estava ins-
talada e distribuída territorialmente. Assim, era de se esperar que os
municípios, principais provedores da atenção básica e da educação fun-
damental, tivessem maior possibilidade de sucesso na implantação dessas
políticas do que nas demais políticas sociais, tais como habitação e sanea-
mento. Era possível prever que estados e municípios pudessem adaptar-
-se à prestação desses serviços mais rápida e facilmente, uma vez que
todos já detinham alguma experiência na prestação de parte desses servi-
ços e já contavam com alguma infraestrutura (escolas e postos de saúde).
Os Quadros 1 e 2 adiante sintetizam os achados das duas últimas
seções.

14 Alcance territorial é usado aqui na concepção que lhe deu Mann (1986),
significando a capacidade do Estado de penetrar no território para implementar políticas
públicas.

73
Quadro 1. Componentes da capacidade do Estado de formular e aprovar as políticas
de desenvolvimento selecionadas
Capacidade de formulação e aprovação Situação atual

Informacional Mais dados sobre as três políticas sociais do que sobre as demais.
Políticas prévias Existentes na educação fundamental, saúde e programas de trans-
ferência de renda. Na política fiscal, acesso à experiência de outros
países.
Conciliação com os interesses privados Existente nas quatro políticas.
Desenho da política Incentivos seletivos para o cumprimento induzido (não coercitivo)
das regras das quatro políticas.
Regras das políticas Claras e universais, típicas de políticas redistributivas.
Maioria legislativa Governos de coalizão e regras de “emendamento” à Constituição fá-
ceis de serem cumpridas.

Quadro 2. Componentes da capacidade do Estado de implementar as políticas de


desenvolvimento selecionadas
Capacidade de implementação Situação atual

Recursos financeiros Aumento e vinculação dos recursos para saúde. Aumento do número
de matrículas no ensino fundamental e vinculação de recursos.
Aumento dos recursos para expansão do número de beneficiários dos
programas de transferência de renda.
Recursos externos nas quatro políticas.
Burocracia Área fazendária e MDS com burocracias mais profissionalizadas;
saúde e educação com burocracias em construção. Nas esferas subna-
cionais, apenas a burocracia fazendária está profissionalizada.
Tamanho da burocracia: aumento no quantitativo da Fazenda e do
MDS.
Aumento do número de servidores com nível superior de escolari-
dade.
Criação de carreiras específicas: Grupo de Gestão – Analista de Fi-
nanças e Controle; de Planejamento e Orçamento; de Comércio Ex-
terior e Especialista em PPGG. Maiores salários.
EPPGG em maior número no MPOG, MF, MEC, MS, MDS.
Aumento dos concursos públicos: maior número para Auditoria e
Gestão.
Alcance territorial Redes de educação e saúde preexistentes nos estados e municípios.
Extensa rede bancária estatal.
Programas de modernização fazendária e tributária nos estados e
grandes municípios.

74
Considerações finais

Este trabalho buscou contribuir para o melhor entendimento da relação


entre capacidade do Estado e políticas públicas. Foram investigadas as
dimensões políticas, institucionais, administrativas e técnicas que com-
põem a capacidade do Estado de formular, aprovar e implementar quatro
políticas — transferência de renda, educação fundamental, atenção bási-
ca à saúde e política de ajuste fiscal.
Buscou-se demonstrar que a implementação de políticas de desen-
volvimento depende da conjunção de dimensões que ou são preexistentes
ou podem ser rapidamente mobilizadas. A existência da maioria dessas
dimensões nas quatro políticas analisadas não significa, obviamente, au-
sência de dificuldades, tanto agora como no futuro. Se elas foram bem-
-sucedidas no alcance dos seus objetivos, ou seja, acesso universal, ajuste
fiscal e diminuição da pobreza, velhas e novas tensões vieram à tona.
Questões relacionadas à provisão ainda insuficiente, quantitativa e quali-
tativamente, da atenção básica à saúde e da educação fundamental, estão
na agenda dos governos e das ruas. No entanto, várias avaliações mos-
tram que os problemas que afetam o provimento dessas políticas não são
decorrentes do seu desenho nem do seu financiamento, embora medidas
recentes sinalizem para o aumento dos recursos, principalmente para a
saúde. Do lado da política de ajuste fiscal, foi incorporado o objetivo do
superávit primário, impondo novas restrições à capacidade de gasto das
três esferas de governo.
Um dos principais compromissos da redemocratização foi a re-
constituição das instituições democráticas e o que ficou conhecido como
o resgate da dívida social, abrindo caminho para a formação e consolida-
ção de uma coalizão redistributiva. Mais tarde, a agenda política incor-
porou a inserção do Brasil na economia global, gerando a política de
ajuste fiscal. Para tanto, recursos financeiros foram vinculados a essas
políticas e suas burocracias, embora restritas à esfera federal, foram ou
estão sendo constituídas e fortalecidas. Em síntese, a maioria das diver-
sas dimensões da capacidade do Estado esteve presente nas quatro polí-
ticas, viabilizando sua formulação, aprovação e implementação.
O alcance dos objetivos dessas quatro políticas não significa que
novas políticas serão fadadas ao fracasso, mas sim que, como mostram
tanto o caso brasileiro como o de outros países a efetiva implementação

75
de uma dada política depende da mobilização conjunta e simultânea de
dimensões específicas. Se o Estado desenvolvimentista brasileiro foi ca-
paz de expandir suas capacidades para dar respostas aos principais com-
promissos da redemocratização, o século XXI trouxe novas e mais com-
plexas demandas. O desafio será, portanto, a criação de capacidade para
negociar e construir novas coalizões que apoiem outras políticas, assim
como o aprofundamento das atuais.

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77
DEMOCRACIA E POLÍTICAS
DE DESENVOLVIMENTO NO BRASIL
DO SÉCULO XXI*

ROBERTO ROCHA C. PIRES


ALEXANDRE DE ÁVILA GOMIDE

A TUALMENTE, muito se tem debatido sobre a possibilidade de o


Brasil estar retomando, embora em novas formas, políticas de cará-
ter desenvolvimentista (Boschi & Gaitán, 2008; Novy, 2009; Fonseca et
al., 2012; Diniz, 2012; Herrlein, 2011, entre outros).1 Alicerçaria tal
argumento, entre outros acontecimentos, a retomada do uso de políticas
industriais explícitas (a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio
Exterior, de 2004; a Política de Desenvolvimento Produtivo, de 2008; e
o Plano Brasil Maior, de 2011); a adoção de programas de investimentos
com o objetivo de induzir o crescimento econômico (caso dos Progra-
mas de Aceleração do Crescimento 1 e 2); e a atuação de empresas
estatais (como do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social) no financiamento de fusões para a formação de grandes grupos
nacionais e no controle majoritário de uma série de empresas (Lazzarini,
2011). Ademais, o período atual se caracterizaria também pela intensifi-
cação das políticas sociais e de distribuição de renda (o Programa Bolsa
Família e o Plano Brasil Sem Miséria, por exemplo), aspectos negligen-
ciados pelo nacional-desenvolvimentismo do período histórico anterior.
* Este texto é uma síntese dos resultados de pesquisa conduzida pelo Ipea sob a
coordenação dos autores.
1 Esse fenômeno tem suscitado debates conceituais em torno das noções de “novo
Estado desenvolvimentista” (Fiani, 2013) ou “novo-desenvolvimentismo” (Sicsú, Paula &
Michel, 2005; Bresser-Pereira & Theuer, 2012; Cepeda, 2012), ou ainda de “Estado de
bem-estar social desenvolvimentista” (Draibe & Riesco, 2011). O presente capítulo,
contudo, adota uma abordagem diferente, focada na análise empírica de políticas públicas
selecionadas.

78
A adoção ou expansão de tais políticas, notadamente a partir do
Governo Lula, têm suscitado a percepção da retomada de um “ativismo
estatal, sem estatismo” (Arbix & Martin, 2010). Embora recoloque um
papel central para o Estado no processo de desenvolvimento, tal noção
sugere que ele passa a atuar a partir de novas ferramentas e mecanismos
econômicos indutores do mercado, no lugar de comandos diretivos e
autoritários, além de valorizar políticas sociais de caráter redistributivo.
Tal movimento estaria inserido em um contexto internacional mais am-
plo, de perda da legitimidade política da agenda do Consenso de Wash-
ington na América Latina, da restruturação da economia global a partir
da emergência de novos atores, como a China, e da crise financeira nos
países centrais.
Contudo, apesar da percepção de tais mudanças, pouco se tem dis-
cutido a respeito do próprio Estado e de suas capacidades de implementar
estas políticas, sobretudo em um contexto de vigência de instituições
democráticas. Como se sabe, as políticas que nortearam os governos de-
senvolvimentistas no Brasil, assim como em outros países, entre as décadas
de 1930 e 1980 se deram, majoritariamente, em um contexto político
autoritário (com exceção do período de 1946 a 1964).
A Constituição Federal de 1988, a despeito do ceticismo inicial
que suscitou a respeito das condições de governabilidade e estabilidade
do sistema político brasileiro,2 restaurou o Estado Democrático de Di-
reito no País. Ela, entre outros dispositivos, instituiu uma série de meca-
nismos para envolvimento dos atores políticos, econômicos e sociais no
processo de formulação e gestão de políticas públicas, ao ampliar os
instrumentos de controle, participação e transparência nas decisões polí-
ticas. Isso, por sua vez, tornou mais complexo o ambiente institucional
para a implementação de políticas públicas no Brasil.
A independência dos poderes da República, o advento das institui-
ções participativas e a consolidação dos instrumentos de controle sobre a
administração pública (burocrático, parlamentar e judicial) fazem com
que os gestores públicos tenham de se relacionar, simultaneamente, com
três sistemas institucionais na produção de políticas públicas, quais se-
jam: o representativo, o participativo e o de controles burocráticos (Sá e
Silva, Lopez & Pires, 2010). O primeiro diz respeito à atuação dos par-
tidos e de seus representantes eleitos, ou seja, à política parlamentar e sua

2 Sobre essa questão ver Palermo (2000) e Limongi (2006).

79
interação com o Executivo. O sistema participativo, por sua vez, com-
preende uma variedade de formas de participação da sociedade civil nas
decisões políticas, como os conselhos gestores nos três níveis de gover-
no, as conferências de políticas públicas, as audiências e consultas públi-
cas, ouvidorias e outras formas de interação entre atores estatais e atores
sociais. Já o sistema de controles da burocracia envolve os mecanismos
de accountability horizontal, como os controles internos e externos, par-
lamentar e judicial, incluindo o Ministério Público.
Tais controles do ambiente político-institucional instigam a ques-
tionar se a atuação desses três sistemas resultaria mais em tensões ou em
sinergias em relação à atuação das burocracias implementadoras do Po-
der Executivo. Deve-se lembrar de que a literatura internacional que se
dedicou a avaliar as relações entre Estados desenvolvimentistas e demo-
cracia apresenta posições divergentes em relação à questão.
De um lado, autores como Johnson (1982), Leftwich (1998) e
Wade (1990), argumentam que a implementação de políticas desen-
volvimentistas encontraria nas instituições democráticas obstáculos. Nessa
visão, a democracia tende a constituir um sistema de poder de caráter
conservador quanto a rápidas transformações, pois envolve sequências de
acomodação de interesses entre elites políticas, impondo restrições às
políticas do tipo big push. Além disso, a inclusão de novos atores e amplia-
ção dos interesses envolvidos nos processos decisórios provocaria excesso
de demandas sobre o sistema político, elevando expectativas e, por isso,
minando as capacidades de realização de objetivos em ritmo acelerado.
Por outro lado, autores como Lijphart (1999), Stark & Brustz (1998),
Sabel (2004), Rodrik (2007) e Evans (2011), questionam a existência de
incongruências entre a promoção de políticas desenvolvimentistas e a
ampliação da participação por parte de atores sociais. Advogam, até mes-
mo, que tais elementos atuam em sinergia para a produção de ações
governamentais mais responsivas e efetivas. Para Evans (2011), “os laços
Estado-sociedade constituem o cerne do problema na construção de um
Estado desenvolvimentista no século XXI” (p. 10, tradução livre). Nessa
linha, a inclusão de atores diversos é percebida como necessária para, por
exemplo, a obtenção de informação e aumento de conhecimento sobre os
problemas a serem enfrentados e para a inovação nas soluções a serem
perseguidas. Além disso, argumentam que a pluralidade nos processos
decisórios contribui não apenas para qualidade das decisões, como tam-
bém para sua legitimidade. Tal como afirma Lijphart, “Políticas apoiadas

80
em amplos consensos são mais propensas de serem implementadas com
maior sucesso e a seguir seu curso do que políticas impostas por um
governo que toma decisões contrárias aos desejos de importantes setores
da sociedade” (Lijphart, 1999, p. 260, tradução livre). Stark & Brustz
(1998) adicionam que amplas negociações e debates entre a pluralidade
de atores envolvidos contribui também para a coerência interna das po-
líticas. Finalmente, a participação política na tomada de decisões tam-
bém pode ser entendida como parte do processo e do próprio conteúdo
de uma renovada noção de desenvolvimento (Sen, 2000).
Nesse sentido, o atual reencontro entre ativismo estatal e democra-
cia suscita uma série de questões. Será possível a um Estado executar
políticas desenvolvimentistas e, ao mesmo tempo, proteger direitos das
minorias? Como ampliar a participação dos diversos atores políticos,
econômicos e sociais nos processos decisórios e no controle das políticas
públicas sem que se produzam ineficiências, distorções ou impasses? Como
conciliar as distintas dimensões do desenvolvimento (econômica, social,
política, ambiental), respeitando-se os múltiplos interesses dos atores
que compõem a sociedade civil, sem violar liberdades garantidas por
regime pluralista e democrático?
Este capítulo tem como objetivo discutir a implementação de políti-
cas públicas contemporâneas, de caráter desenvolvimentista, e compreender
a sua interação com as instituições democráticas vigentes.3 Para tal, apre-
senta-se na seção seguinte a abordagem adotada, a qual direciona a análise
para os arranjos institucionais de implementação de políticas públicas. A
seção seguinte, por sua vez, descreve a estratégia metodológica emprega-
da, baseada na comparação entre estudos de caso. A outra seção expõe os
resultados da análise realizada, identificando os mecanismos explicativos
para os resultados observados. Por fim, a última seção oferece as consi-
derações finais.

Arranjos institucionais de políticas públicas


Para abordar as interações entre instituições democráticas e políticas de
desenvolvimento, faz-se necessário examinar o processo concreto de
implementação dessas políticas. Isso permite compreender como ocorre
3 O conceito de política desenvolvimentista é disputado pela literatura. Para
efeitos deste trabalho, consideramos tais políticas as de larga escala, caracterizadas por
metas ambiciosas e expectativas de transformação socioeconômicas em curto prazo.

81
a relação entre a atuação das burocracias do Poder Executivo e os meca-
nismos de controle e participação política. Dessa maneira, o enfoque
analítico a ser adotado será centrado nos arranjos institucionais de imple-
mentação das políticas públicas.4
Primeiramente, é importante distinguir arranjos de ambientes ins-
titucionais (Fiani, 2013). Se o ambiente institucional diz respeito às re-
gras gerais que estabelecem o fundamento para o funcionamento dos
sistemas político, econômico e social, os arranjos institucionais, por seu
turno, compreendem as regras específicas que os agentes estabelecem
para si nas suas transações econômicas ou nas suas relações políticas e
sociais particulares. Assim, o ambiente institucional fornece o conjunto
de parâmetros sob os quais operam múltiplos arranjos de políticas públi-
cas. Estes, por sua vez, definem a forma particular de coordenação de
processos em campos específicos, delimitando quem está habilitado a
participar de um determinado processo, o objeto e os objetivos deste, e as
formas de relações entre os atores. Por isso, entende-se, a relação entre as
instituições e desenvolvimento não devem ater-se ao ambiente institu-
cional, mas, sobretudo, aos arranjos de políticas específicas.
No atual contexto político-institucional brasileiro, são vários os
atores e interesses a serem coordenados e processados na execução de
uma política: burocracias de diferentes poderes e níveis de governo, par-
lamentares de diversos partidos e organizações da sociedade civil (sindi-
catos de trabalhadores, associações empresariais, movimentos sociais).
Em torno de cada política se arranjam organizações (com seus manda-
tos, recursos, competências e instrumentos legais), mecanismos de coor-
denação, espaços de negociação e decisão entre atores (do governo, do
sistema político e da sociedade), além das obrigações de transparência,
prestação de contas e controle.
Portanto, compreender o processo das políticas públicas requer
aprofundar o olhar nos arranjos institucionais que dão sustentação à im-
plementação destas. Assim, para efeitos deste capítulo, o conceito de

4 Por processo de implementação compreende-se todo o conjunto de decisões e


ações desempenhadas entre o lançamento de uma política governamental e a percepção
dos seus resultados, envolvendo, simultaneamente, atividades de execução, (re)formulações
e tomada de decisão sobre as ações necessárias. Por possuir este caráter, os processos de
implementação constituem justamente o momento, no qual, a partir de decisões e ações
das burocracias governamentais, as interações com instituições democráticas repercutem
em impasses e obstáculos ou aprendizados e inovações.

82
arranjo político-institucional é entendido como o conjunto de regras, me-
canismos e processos que definem a forma particular como se coordenam atores
e interesses na implementação de uma política pública específica.
São os arranjos institucionais que dotam o Estado de capacidade
de execução de políticas. No contexto democrático, tais capacidades po-
dem ser entendidas a partir de dois componentes: o técnico-administra-
tivo e o político. O primeiro deriva do conceito weberiano de burocra-
cia, contemplando as competências dos agentes do Estado para levar a
efeito suas políticas, produzindo ações coordenadas e orientadas para a
produção de resultados. O segundo, associado à dimensão política, refe-
re-se às habilidades da burocracia do Executivo em expandir os canais
de inclusão, interlocução e negociação com os diversos atores processan-
do conflitos e prevenindo a captura por interesses específicos.5
Na literatura dedicada à análise das experiências históricas de de-
senvolvimento, as capacidades do Estado — sobretudo as relativas à di-
mensão técnico-administrativa — são admitidas como chave para o en-
tendimento e fortalecimento dos processos de desenvolvimento nacional
em bases consistentes (Evans & Rauch, 1999). No entanto, argumen-
ta-se, tal literatura dedicou pouca atenção às capacidades políticas ne-
cessárias à definição de uma visão de futuro e à construção dos consensos
necessários para realização de políticas públicas que dão realização a
esta visão (Edigheji, 2010). Assim, entende-se que capacidades políti-
cas estariam associadas à promoção da legitimidade da ação estatal em
contextos democráticos, por meio da mobilização da sociedade e da arti-
culação e compatibilização de interesses diversos em torno de platafor-
mas comuns.6

5 Por especificar e buscar operacionalizar estes dois componentes, os quais reme-


tem às tensões e interações entre burocracia e democracia, a abordagem aqui proposta se
diferencia de outras conceituações de capacidades estatais presentes na literatura (Michael
Mann, 1986; Charles Tilly, 1990; Theda Skocpol, 1979; e Peter Evans, D. Rueschemeyer
& T. Skocpol, 1985).
6 Como lembram Loureiro et al. (2013), por envolver relações de sinergia entre
Estado e sociedade, as capacidades políticas poderiam estar associadas ao conceito de
autonomia inserida cunhado por Evans (1995). Porém, ressalte-se, o conceito de Evans se
restringiu às conexões entre a burocracia estatal e as elites econômicas para a transforma-
ção industrial em países marcados por regimes autoritários. No conceito de capacidade
política, diferentemente, esta é caracterizada, sobretudo, pelas relações existentes entre a
burocracia do Executivo com os sistemas representativo, participativo e de controles em
um regime democrático.

83
É certo que a capacidade técnico-administrativa para implementação
de políticas de desenvolvimento pode existir tanto na presença quanto na
ausência de democracia (vide o caso dos Estados desenvolvimentistas
arquetípicos do Leste Asiático ou mesmo da América Latina). No en-
tanto, no caso brasileiro atual, a consolidação da democracia tem impos-
to à ação estatal requisitos voltados à inclusão e relação com os atores
afetados na tomada de decisão, na promoção da accountability e no con-
trole de resultados. Isso demanda novas capacidades do Estado, além das
necessidades de uma burocracia profissional, coesa e meritocrática. Ou
seja, no contexto de um ambiente institucional caracterizado pela exis-
tência de instituições representativas, participativas e de controle (social,
burocrático e judicial), são necessárias, também, capacidades políticas
para a inclusão de múltiplos atores, o processamento dos conflitos de-
correntes, e a formação de coalizões políticas de suporte para os objeti-
vos e as estratégias a serem adotadas.
Nesse sentido, o modelo analítico utilizado pode ser representado
na Figura 1, abaixo.

Figura 1. Modelo analítico

São os arranjos institucionais que dotam o Estado das habilidades


necessárias para implementar seus objetivos. Como mostra a Figura 1, as
capacidades técnico-administrativas e políticas derivam das relações en-
tre as burocracias do Poder Executivo com os atores dos sistemas repre-
sentativo, participativo e de controles em cada setor específico. Dessa

84
maneira, são as regras, processos e mecanismos instituídos pelos respec-
tivos arranjos de implementação que vão explicar o resultado alcançado
por cada política pública.

Estratégia metodológica

Com o objetivo de compreender empiricamente como os arranjos insti-


tucionais estão sendo constituídos em políticas públicas específicas e ex-
plicar os seus efeitos sobre os resultados obtidos, utilizou-se o método
comparativo orientado por estudos de casos. Foram selecionados para
análise planos e programas considerados emblemáticos do ativismo estatal
recente. Além disso, buscou-se uma composição de experiências que refle-
tisse tais ambições em diferentes áreas, como a social, a industrial e a de
infraestrutura. A partir desses critérios, foram escolhidos oito casos para
estudo e comparação, compreendendo: quatro componentes do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC) (o Programa Minha Casa, Minha
Vida; o projeto de integração do rio São Francisco; o projeto da Hidrelé-
trica de Belo Monte, e as iniciativas de revitalização da indústria naval);
o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel; o Plano Brasil
Maior; o Programa Bolsa Família; e o Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).7
Ressalte-se, contudo, que o método empregado não busca produzir
conhecimento generalizável para além do conjunto de casos estudados,
mas, sim, extrair “inferências lógicas”. Segundo Small (2009), as infe-
rências lógicas se referem ao processo pelo qual o analista tira conclu-
sões sobre as relações entre duas ou mais características de um ou mais
casos em termos de um esquema explicativo.
Para a análise dos arranjos institucionais e de seus mecanismos de
funcionamento, operacionalizou-se o conceito de capacidades técnico-
-administrativas e políticas e de resultados observados da seguinte maneira:
— capacidade técnico-administrativa: (a) presença de organiza-
ções com recursos (humanos, financeiros e tecnológicos) adequados e
disponíveis para a condução da política; (b) existência e operação de
7 Para uma análise detalhada de cada caso estudado, dentro da perspectiva teóri-
co-metodológica adotada neste trabalho, ver: Cassiolato & Garcia (no prelo); Coutinho
(2013); Loureiro et al. (2013a; 2013b); Schapiro (2013); Pires et al. (2013); Pedroti
(2013) e Pereira (2013).

85
mecanismos de coordenação (intra e intergovernamentais); e (c) meca-
nismos de monitoramento das ações e resultados;
— capacidade política: (a) existência e formas de interações das
burocracias do Executivo com os agentes do sistema político-represen-
tativo (o Congresso Nacional, seus parlamentares, dirigentes dos gover-
nos subnacionais — governadores e prefeitos — e partidos políticos); (b)
existência e operação efetiva de formas de participação social (conselhos,
conferências, ouvidorias, audiências e consultas públicas, entre outras); e
(c) atuação dos órgãos de controle (internos ou externos);
— resultados: (a) outputs ou metas físicas previstas pela política em
um período de tempo específico; e (b) inovação ou a introdução de mu-
danças durante a implementação das políticas que não estavam previstas
no seu desenho original.8

Análise comparativa e mecanismos explicativos

Após apresentar os objetivos e resultados de cada uma das políticas estu-


dadas, esta seção analisa comparativamente as capacidades técnicas e
políticas derivadas dos diferentes arranjos de implementação. Por fim,
expõem-se os mecanismos explicativos que associam os resultados ob-
servados às capacidades estatais identificadas pela pesquisa.

O BJETIVOS E RESULTADOS

O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB)


visa estruturar o mercado e a cadeia de produção do biodiesel, até então
inexistente no País, e incluir nessa cadeia a participação da agricultura
familiar. O estudo de Pedroti (2013) indicou que o programa tem sido
bem-sucedido no que se refere à promoção do mercado e da indústria
nacional de biodiesel. No entanto, a meta de inclusão da participação
de estabelecimentos da agricultura familiar na cadeia de fornecimento de
matérias-primas está aquém das expectativas iniciais. Do ponto de vista
de diversificação do uso de matérias-primas e redução das desigualdades
regionais, os resultados alcançados pelo PNPB também ficaram abaixo
8 Esta dimensão procura chamar atenção para a adaptabilidade das políticas
durante o processo de implementação que tenham contribuído para o seu desempenho e
aceitabilidade pelos atores envolvidos.

86
das previsões: a soja é a matéria-prima predominante na produção do
biodiesel e a inclusão dos agricultores familiares na cadeia do biodiesel
ocorre essencialmente entre os mais organizados e produtores de soja, ou
seja, entre os agricultores do Sul e do Centro-Oeste. Esses aspectos têm
sido o principal alvo de críticas ao programa. Em relação à dimensão da
inovação no processo de execução da política, destaca-se a criação do
mecanismo de certificação conferida aos produtores que comprem parte
da matéria-prima da agricultura familiar, o Selo Combustível Social. O
Selo incentiva a compra de matéria-prima desses agricultores em troca
de benefícios, como redução de alíquotas de tributos, acesso a melhores
condições de financiamento e participação prioritária nos leilões de aqui-
sição do biodiesel. Assim, o Selo estabelece um mecanismo de coorde-
nação que vai da inclusão da agricultura familiar à venda do biodiesel
para os fabricantes e distribuidores de diesel.
O programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) foi lançado
com o objetivo de dinamizar a economia e reduzir o déficit habitacio-
nal para trabalhadores de baixa renda. Trata-se de uma política de finan-
ciamento de moradias e subsídio aos compradores, concedido, pelo Go-
verno Federal, privilegiando a produção de unidades habitacionais de
famílias com renda de até três salários mínimos. O PMCMV, atualmen-
te, integra a carteira de projetos do PAC. O estudo de Loureiro et al.
(2013b) indicou alta taxa de execução do programa. Na sua primeira
fase, a execução chegou a superar a meta estabelecida em 43%, para o
seguimento de renda de zero a três salários mínimos, e obteve níveis
superiores a 70% das metas para os demais seguimentos de renda, em
2010. Na segunda fase, iniciada em 2011, foram concedidos finan-
ciamentos subsidiados para mais 950.000 unidades habitacionais. No
entanto, no que tange à inovação, Loureiro et al. argumentam que o
programa reproduz várias das características da política habitacional do
BNH, dos anos 1970 e 80, orientando-se predominantemente pela lógi-
ca econômica de curto prazo e não inserida em uma política mais estru-
tural de planejamento e de reforma urbana. Isso tem despertado críticas
de movimentos populares pró-moradia e grupos organizados de espe-
cialistas no tema.
O Programa Bolsa Família (PBF) tem como objetivos apoiar o de-
senvolvimento das famílias vulneráveis para que elas superem a situação
de extrema pobreza, promovendo o acesso à rede de serviços públicos
(em particular os de saúde, educação e assistência social). Concretamente,

87
o programa consiste em uma transferência de renda condicionada para as
famílias com renda mensal por pessoa (entre R$ 70 e R$ 140). Para
receber essas transferências, os beneficiários devem cumprir con-
dicionalidades. O estudo de Coutinho (2013) corrobora o alto grau tan-
to de execução quanto de inovação do programa. Em menos de dez anos
o PBF tornou-se o maior programa do gênero existente no mundo. Em
relação à dimensão da inovação, ao longo da implementação do progra-
ma observou-se o desenvolvimento de instrumentos que têm contribuído
para o seu aperfeiçoamento, como o Cadastro Único e o Índice de Ges-
tão Descentralizada. Além deles, percebe-se o esforço contínuo de revi-
são dos objetivos do PBF e estreitamento dos seus vínculos com outras
políticas sociais, sobretudo, a partir da sua inclusão no Programa Brasil
Sem Miséria.
O Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf ) tem uma
longa história, mas sua versão recente tem uma primeira tentativa de
retomada em 2003, somente se iniciando efetivamente em 2007, quando
o projeto é assumido como prioritário pelo Governo Federal, passando a
fazer parte do PAC. O objetivo do projeto é combater a escassez da água
no Nordeste setentrional brasileiro e os efeitos das longas estiagens so-
bre os milhares de residentes na região. A iniciativa sempre envolveu
polêmica, pois alguns estados se consideravam potenciais prejudicados
pela perda de água decorrente da transposição (Minas Gerais, Bahia,
Sergipe e Alagoas) e organizações ambientalistas e de direitos humanos
se preocupavam com os impactos socioambientais das obras. O estudo
de Loureiro, Teixeira & Ferreira (2013) observou um nível de execução
relativamente baixo do projeto, pois o empreendimento tem sofrido di-
versos atrasos. De 2003 a 2006, foram emitidas onze liminares contra a
obra pelo Judiciário. Até abril de 2012, apenas 30% das obras civis e
36% das obras de compensação ambiental estavam concluídas. Os atra-
sos se devem a diversos fatores, como a quantidade de ações impetradas
na justiça ou em órgãos ambientais, fiscalizações realizadas pelos órgãos
de controle e renegociação do valor dos contratos com as empresas res-
ponsáveis pela construção dos canais. Entretanto, o projeto apresenta
melhores resultados na dimensão da inovação. Sua implementação ge-
rou novidades, como a ampliação do seu escopo que passou, original-
mente, de transposição para integração, incluindo a transposição e a
revitalização do rio São Francisco, beneficiando também os estados que
sofreriam perdas de vazão de água e recursos orçamentários para obras.

88
Além disso, foram instituídas novas regras para transferências voluntá-
rias, criando os Termos de Compromisso, que permitiram aos municí-
pios com restrições no Cadastro Único de Exigências para Transferência
Voluntária do Governo (Cauc) acessar os recursos do PAC.
O projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHBM) é outro
caso que apresenta uma longa história. Foi pensado inicialmente durante
a ditadura militar, período em que foram construídas a maioria das hi-
drelétricas existentes no País. Abandonado por vários anos, o projeto foi
retomado no primeiro mandato do ex-presidente Lula como estratégico
para o desenvolvimento nacional, o qual passou a fazer parte do PAC em
2007. Desde sua concepção, o projeto é marcado por conflitos entre duas
coalizões: uma que defende a solução hidrelétrica para a expansão da
oferta de energia e suporte ao crescimento industrial (envolvendo as bu-
rocracias e estatais do setor elétricos e atores privados), e outra que enfatiza
os riscos de degradação ambiental e de violação dos direitos de popula-
ções atingidas (envolvendo as burocracias do setor ambiental, Ministério
Público e atores da sociedade civil local e internacional). Segundo Perei-
ra (2013), o projeto tem sido marcado por atrasos expressivos e sucessi-
vos reveses, desde interrupções no processo de licenciamento, motivadas
por ações civis públicas impetradas pelo Ministério Público, até outros
processos judiciais questionando a legalidade do processo. Ademais, greves
de trabalhadores, e diversas manifestações e protesto de grupos afetados
conseguiram paralisar as obras. No que tange à inovação, com a reto-
mada do projeto, foram introduzidas revisões que o distancia dos proje-
tos de hidrelétricas do passado, como as usinas de Tucuruí e Balbina, por
exemplo. A adoção de tecnologia de fio d’água permite a produção de
grande quantidade de energia com área de alagamento relativamente
pequena. No entanto, após esse redesenho do projeto, a citada autora não
verificou aperfeiçoamentos ou revisões que tenham emergido a partir do
processo de implementação.
As iniciativas voltadas para a Revitalização da Indústria Naval (RIN)
tomaram corpo a partir de meados dos nos 2000 e, posteriormente, pas-
saram a integrar o PAC. Elas têm o objetivo de ampliar a autonomia
nacional no transporte marítimo e promover a indústria de petróleo e
gás, por meio da construção de embarcações no Brasil. A promoção da
indústria vem se materializando por meio de oferta de volume expressivo
de financiamentos subsidiados ao setor, associados a requisitos de con-
teúdo nacional. Assim, a RIN passou a ser um componente da política

89
industrial atual, estimulando a geração de empregos. A análise de Pires,
Gomide & Amaral (2013) aponta para um alto desempenho na execu-
ção da RIN, permitindo afirmar que o programa tem sido bem-sucedido
em promover investimentos no setor e estimular a demanda, dado o vo-
lume crescente de recursos transacionados e de empregos gerados ano a
ano. No que tange à inovação, os autores indicam que mudanças e aper-
feiçoamentos das iniciativas governamentais estão em curso, como a
melhoria dos procedimentos de avaliação de pedidos de financiamento,
de monitoramento das obras e gestão de risco financeiro. No entanto,
ainda se verificam limitações quanto à mensuração e verificação do cum-
primento das exigências de conteúdo local.
O Plano Brasil Maior (PBM), atual política industrial do Governo
Federal, foi anunciado em 2011, com o propósito de fortalecer a capaci-
dade de inovação e a competitividade econômica do setor industrial. O
plano, em sua formulação, revela o viés de uma política de transformação
da plataforma produtiva, contemplando um conjunto variado de instru-
mentos — nas dimensões fiscal e tarifária, financeira e institucional —
para dezenove setores econômicos. Contudo, Schapiro (2013) avalia que
a execução e nível de inovação decorrente do processo de implementação
do PBM são baixos. O autor nota uma defasagem entre as diretrizes
originais da política e as medidas colocadas em execução, no qual os
instrumentos implementados, até o momento, se concentram em alívios
setoriais, conduzidos por meio de reformas horizontais, e medidas que
atendem aos segmentos tradicionais de commodities e bens duráveis, via
redução de encargos e barateamento de recursos financeiros. Semelhan-
temente, a inovação emergente do processo de implementação é consi-
derada baixa, em função da reprodução de práticas que já estavam conso-
lidadas em políticas industriais anteriores.
Por fim, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego (Pronatec), lançado em 2011, é voltado à expansão da educa-
ção profissional e técnica, amalgamando um conjunto diversificado de
iniciativas de ampliação de infraestrutura de ensino, assistência financei-
ra e técnica (ofertas de bolsas formação, financiamento a alunos e insti-
tuições, e cursos a distância). O Pronatec tem como objetivo central de-
mocratizar o acesso da população brasileira à Educação Profissional e
Tecnológica, tendo como meta oferecer oito milhões de vagas para bra-
sileiros de diferentes perfis nos próximos quatro anos. Cassiolato & Garcia
(2013) argumentam que, a despeito dos poucos anos de existência do

90
programa, o ritmo de implantação das ações que o compõem tem sido
acelerado. As matrículas em cursos dobraram de 2011 para 2012, e há
indicativos de que a meta para o quadriênio será alcançada. Quanto às
inovações, o Pronatec tem-se mostrado um terreno fértil às experimenta-
ções e aprendizados. Desde o seu lançamento, novas leis foram aprova-
dos pelo Congresso, introduzindo aperfeiçoamentos ao programa, como
a previsão de apoio técnico e financeiro aos estados e municípios e a
política de cotas nos Institutos Federais. Além disso, os autores verifica-
ram o aperfeiçoamento dos mecanismos de articulação federativa e com
o setor privado, além de processos participativos de construção das pro-
postas de curso de educação técnica e profissional.
Sintetizando, os programas que apresentaram os maiores níveis de
execução (output) foram o PMCMV, PBF, RIN e Pronatec; enquanto o
PBM, UHBM e Pisf foram os que exibiram níveis de execução avaliados
como baixos. Considerou-se o nível de execução do PNPB como media-
no. No que se refere à inovação, o PNPB, PBF, Pisf e Pronatec foram os
programas que apresentaram os maiores níveisao passo que PMCMV,
UHBM, PBM apresentaram relativamente os graus mais baixos nesse
quesito. O nível de inovação da RIN, por sua vez, foi avaliado como
médio. Tais classificações podem ser visualizadas no Gráfico 1, adiante,
no qual se dispõem os programas estudados em dois eixos: horizontal,
relativo à inovação; e vertical, referente à execução.

C APACIDADES TÉCNICO - ADMINISTRATIVAS

Entre as políticas estudadas, o PNPB, o PMCMV, o PBF, o Pronatec


e as iniciativas para RIN apresentaram alta capacidade técnico-adminis-
trativas, as demais apresentaram capacidades relativamente baixas (PBM)
ou medianas (UHBM e Pisf ) nessa dimensão. O Gráfico 2, adiante,
dispõe em seu eixo horizontal a classificação das capacidades políticas
dos arranjos institucionais dos programas analisados.
Segundo Pedroti (2013), o PNPB articula múltiplas organizações
com recursos (humanos, financeiros e tecnológicos) adequados e dispo-
níveis para a condução do programa — treze ministérios, agências
reguladoras e empresas estatais (Embrapa, Petrobras e BNDES). A
Comissão Executiva Interministerial do PNPB (Ceib), liderada pela
Casa Civil, exerce a função de coordenação intragovernamental da polí-
tica, enquanto o Selo Combustível Social articula a assistência técnica e

91
financiamento e comercialização do biodiesel, as ações da política com o
setor privado (a cadeia produtiva, assistência técnica, financiamento e
comercialização). Some-se a isso, a existência de “salas de monitoramento”
do programa, com integrantes do Grupo Gestor da Ceib.
Do mesmo modo, conforme o estudo de Loureiro et al. (2013b),
o PMCMV envolve um conjunto de burocracias, cada qual em sua área
de atuação, cujas ações são orquestradas por um órgão central na es-
trutura de poder do Governo Federal, a Casa Civil. Além de contar
com o Ministério da Fazenda e a CEF no estabelecimento de normas
e operacionalização do componente financeiro do PMCMV, o arranjo
se beneficiou da capacidade técnica da SNH, a qual já vinha trabalhan-
do nos últimos anos na construção de uma política e do sistema nacional
de habitação de interesse social (PlanHab e SNHIS).9 Além disso, o
arranjo do PMCMV adquiriu maior capacidade de coordenação in-
tragovernamental e monitoramento ao ser incluído no PAC, permi-
tindo prioridade na agenda governamental, acompanhamento pelo
comitê gestor interministerial e monitoramento cotidiano e voltado
para solução de problemas de implementação por meio das “salas de
situação”.
O PBF é também um programa que articula organizações (MDS,
MS, MEC e CEF) e governos subnacionais para a condução da política
(Coutinho, 2013). O MDS desempenha o papel de núcleo estratégico-
-operacional do arranjo, orientando as ações dos demais atores e coorde-
nando o fluxo informacional entre eles. Para tal, utiliza-se de instrumentos
de coordenação intra e intergovernamental e de estratégias de monitora-
mento dos seus resultados. Nesse sentido, merece destaque o Cadastro
Único (CadUnico), o qual identifica famílias em situação vulnerável,
permitindo a focalização nos potenciais beneficiários do programa, e
serve de base para que o MDS se articule com as unidades responsáveis
nos Ministérios da Saúde e da Educação pelo acompanhamento das
condicionalidades e pela prestação de serviços adicionais ou comple-
mentares para superação de vulnerabilidades. Além do CadUnico, o Ín-
dice de Gestão Descentralizada (IGD) do MDS permite, ao mesmo
tempo, uma avaliação da qualidade da gestão do programa no nível local
9 Ainda que o lançamento do PMCMV tenha “atropelado” o projeto de política de
habitação de interesse social, desenvolvidos pelo Ministério das Cidades, os trabalhos e
acúmulos anteriores da SNH foram decisivos na introdução do componente social ao
PMCMV, ausente nas formulações iniciais negociadas com os empresários.

92
e a prestação de apoio financeiro para os municípios que tenham feito
esforços para aprimorar sua atuação.10
As iniciativas para a RIN, também contam com a presença de vá-
rias organizações com recursos adequados em seu arranjo de imple-
mentação.11 A política tem no poder de compra da Transpetro, subsidiá-
ria da Petrobras, um mecanismo eficaz de organização das demandas e
expectativas do setor privado. A atuação dos agentes financeiros (como o
BNDES) tem contribuído para a gestão das operações financeiras, uma
vez que assumem os riscos e previnem prejuízos ao erário. O Conselho
Diretor do Fundo da Marinha Mercante e o Departamento de Marinha
Mercante (DMM), vinculados ao Ministério dos Transportes, atuam
como entes de coordenação e monitoramento da execução dos projetos.
Uma vez que faz parte da carteira de projetos do PAC, a RIN conta
também com status prioritário e com os instrumentos de acompanha-
mento e subsídio à implementação (Pires et al., 2013).
O arranjo do Pronatec se beneficia de uma base legal recentemente
construída, mas que se tem mostrado apropriada, e de vultosas dotações
orçamentárias. O arranjo dispõe de mecanismos de coordenação e mo-
nitoramento que se têm mostrado eficazes. Na dimensão intragover-
namental, a orientação presidencial tem sido clara no sentido de garantir
ao Pronatec centralidade na organização da demanda dos diversos mi-
nistérios por ações de qualificação e na estimulação à inovação e melhoria
nas instituições que integram a rede federal. No plano intergovernamental,
o arranjo atual prevê modalidades ágeis de assistência técnica e financei-
ra (Brasil Profissionalizado e PAR — Plano de Ação Articulada) e de
aporte de recursos da Bolsa Formação sem a necessidade de convênios,
além de Fóruns Nacional e Estaduais para pactuação. Nas interações
com o setor privado, preveem-se tanto interações para identificação mais
precisa das demandas como incentivos para a adoção das medidas (como
bolsas e outros financiamentos). Finalmente, a Setec também dispõe de
ferramentas para acompanhamento da execução das ações, por meio do
10 O Índice de Gestão Descentralizada (IGD) é um número indicador que varia
de 0 a 1 e mostra a qualidade da gestão do Programa Bolsa Família. Com base nesse
indicador, o MDS repassa recursos aos municípios para façam a gestão do Programa.
Quanto maior o valor do IGD, maior será o valor do recurso transferido ao município. Por
meio do IGD, espera-se incentivar o aprimoramento da gestão do Programa Bolsa Família
em âmbito local.
11 Ministério dos Transportes, empresas e agentes financeiros estatais (Petrobras,
Transpetro, BNDES, BB, CEF, Basa, BNB) e atores privados (estaleiros e armadores).

93
Sistema Nacional de Informação de Educação Profissional e Tecnológica
(Sistec) (Cassiolato & Garcia, 2013).
Por sua vez, o estudo de Schapiro (2013) indica deficiências de
capacidades técnico-administrativas no arranjo do PBM. No que diz res-
peito à coordenação intragovernamental, o plano não é centralizado em
uma única agência de Estado, revelando uma “estrutura institucional oca”.
Embora a ABDI tenha sido criada como uma resposta a esse problema,
a agência enfrenta limitações políticas e jurídicas, como uma organiza-
ção do serviço social autônomo. Ainda que os grupos, comitês e coorde-
nações possam, em tese, promover o encontro dos atores e a sua coorde-
nação, eles não têm funcionamento regular. Igualmente, são ausentes
processos intensivos de monitoramento das ações da política.
No que se refere ao projeto da UHBM, se é possível dizer que as
burocracias do setor elétrico (órgãos federais e empresas estatais) dis-
põem de capacidade técnica suficiente; por outro lado, observam-se ao
longo da implementação do projeto problemas na coordenação do con-
junto de órgãos governamentais envolvidos e no acompanhamento da
sua execução (Pereira, 2013). Ainda que a Casa Civil atue nesse caso,
fazendo a articulação política dentro do Governo, a história recente de
Belo Monte tem sido marcada por conflitos intragovernamentais, sobre-
tudo entre as burocracias do setor elétrico e ambiental, prejudicando a
implementação das decisões e dos cronogramas estabelecidos. Com a
inclusão da UHBM no PAC, a partir de 2007, os problemas de coorde-
nação e monitoramento começam a ser mitigados, mas ainda assim per-
sistem grandes atrasos na execução das obras.
Com relação ao Pisf, apesar de a avaliação do programa indicar
insuficiência de recursos humanos e técnicos nas organizações responsá-
veis pela sua implementação (sobretudo no MIN), as capacidades técni-
co-administrativas do arranjo foram avaliadas como médias pelo fato de
a política ter contado com a coordenação política e articulação da Casa
Civil e constar da carteira de empreendimentos do PAC.

C APACIDADES POLÍTICAS

Em relação às capacidades políticas, os estudos de caso indicaram


altas capacidades para o Pronatec, RIN, Pisf, enquanto o PMCMV,
UHBM e PBM exibiram capacidades políticas limitadas ou baixas. O
PNPB e o PBF indicaram capacidades políticas em níveis medianos. O

94
Gráfico 2, adiante, dispõe em seu eixo vertical a classificação das capaci-
dades políticas dos arranjos institucionais dos programas analisados.
Conforme estudo de Cassiolato & Garcia (no prelo), a implementa-
ção do Pronatec apresenta interações das burocracias do Executivo com os
agentes do sistema político-representativo. Quando submetido ao Congres-
so Nacional, projeto de lei recebeu diversas emendas. Posteriormente, no-
vas leis aprovadas pelo Congresso voltaram a introduzir alterações no pro-
grama. Da mesma forma, o programa conta com mecanismos efetivos de
consulta e diálogo com atores sociais e governamentais nos âmbitos local,
regional e nacional. Por fim, as instituições de controle interno e externo
(CGU e TCU) acompanham a execução dos componentes do programa.
O arranjo de implementação da RIN dispõe de distintos fatores
promotores da inclusão de atores, transparência e abertura ao escrutínio
público, mesmo que ainda não se encontrem plenamente desenvolvidos.
Em suas fases iniciais a RIN foi submetida à discussão e autorização
pelo Senado Federal. Ainda que parlamentares tenham aprovado ipsis
litteris a proposta enviada pelo Executivo, o processo de aprovação susci-
tou audiências, pedidos de esclarecimento e levantou atenções sobre a
necessidade de controle externo da política. Quanto à participação de
atores sociais, o CDFMM foi reformulado para incorporar a participa-
ção de empresários e trabalhadores dos setores de marinha mercante e
de construção e reparação naval (além de incluir novos atores governa-
mentais). Com isso, as decisões sobre investimentos no setor passaram a
caber a um órgão colegiado, no qual a avaliação de projetos é feita con-
juntamente por representantes do governo e da sociedade civil (empre-
sários e trabalhadores). Finalmente, destaca-se a atuação intensiva dos
órgãos de controle (tanto o TCU quanto a CGU), na fiscalização dos
procedimentos e das aplicações dos recursos (Pires et al., 2013).
Conforme o estudo de Loureiro et al. (2013a), o processo de for-
mulação e implementação do Pisf foi marcado por arenas decisórias in-
clusivas de uma pluralidade de atores estatais e societários. Na arena
política e no Congresso, o projeto foi alvo de intensas negociações entre
governadores e parlamentares de estados a favor (receptores das águas) e
contra (doadores de águas) o projeto. Na fase de licenciamento ambiental,
o Pisf foi submetido a audiências públicas nas regiões afetadas, permitin-
do manifestações da sociedade civil. Cabe destacar o papel desempenha-
do pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF),
instância de participação social vinculada ao Conselho Nacional dos

95
Recursos Hídricos. Finalmente, órgãos de controle como TCU, CGU e
o Ministério Público vem tendo atuação intensiva, fiscalizando e ava-
liando estudos originais e apresentando alternativas para induzir aperfei-
çoamento dos instrumentos de gestão do próprio MIN.
Com relação ao PMCMV, o programa sofreu interferências pon-
tuais oriundas dos representantes políticos do Poder Legislativo e, tam-
bém, dos órgãos de controle. Mas é na inclusão de atores sociais que se
observam maiores déficits de capacidade política. Se o empresariado da
construção civil teve suas demandas atendidas no desenho e na imple-
mentação do programa, o mesmo não ocorreu com outros segmentos
sociais. Logo após o lançamento do PMCMV, representantes dos movi-
mentos sociais no Conselho das Cidades reclamaram da ausência de
discussão sobre as medidas anunciadas. O Conselho Gestor do Fundo
Nacional de Habitação de Interesse Social se manifestou na mesma di-
reção, afirmando não ter sido ouvido no processo de formulação. Em
vários fóruns, os movimentos sociais demonstraram preocupação com
problemas contidos no desenho do programa, declarando que a constru-
ção das unidades precisava estar associada a uma política urbana que
garantisse o acesso a serviços públicos, como saúde, educação, transpor-
te, uma vez que eles receavam que fosse repetida a experiência dos con-
juntos habitacionais do período BNH (Loureiro et al., 2013b).
Da mesma forma, a análise de Pereira (2013) aponta que, apesar de
o arranjo formal prever a necessidade de aprovação do empreendimento
pelo Congresso e mecanismos de participação social, a sociedade civil
teve pouca influência nos processos decisórios do projeto da UHBM. A
pressa para a aprovação do projeto no Congresso, o qual tramitou pela
Câmara e pelo Senado Federal em menos de um mês, no ano de 2005,
impediu que fossem realizadas oitivas das comunidades indígenas. Da
mesma forma, as audiências públicas conduzidas ao longo do processo
de licenciamento apresentaram diversas falhas que limitaram a efetividade
desse instrumento participativo como mecanismo de solução de confli-
tos, de aumento da legitimidade do projeto e de conciliação de interesses.
Conforme a autora, isso trouxe como consequência negativa a intensa
judicialização do processo, com as interrupções e atrasos decorrentes.
No que se refere ao PBM, a análise de Schapiro (2013) notou que,
embora o arranjo formal tenha estabelecido coordenações setoriais e
sistêmicas, contando com a participação dos atores interessados na polí-
tica na formulação do plano, na prática, esses fóruns participativos fun-

96
cionam de maneira deficiente e irregular. O autor não aponta indícios de
uma presença ou articulação intensa do Congresso Nacional na formula-
ção do programa, como também não identificou atuação intensiva dos
órgãos de controle sobre a política.
Por sua vez, o PBF foi descrito por Coutinho (2013) como relati-
vamente “blindado” contra influência de parlamentares e partidos polí-
ticos. Todavia, o programa possui mecanismos ativos de pactuação e
negociação com os governos subnacionais, por meio das Comissões In-
tergestores Bipartite e Tripartite sobre normas de operação do programa.
Da mesma forma, se o programa não apresenta mecanismos de partici-
pação da sociedade civil no âmbito federal, o autor argumenta com a
existência de uma tendência de fortalecimento das Instâncias de Contro-
le Social no âmbito local, com maior aproximação das estruturas par-
ticipativas do Suas. Além disso, o PBF é frequentemente submetido ao
escrutínio dos órgãos de controle (TCU e CGU), além de ser alvo de
políticas de transparência (Portal da Transparência).
Por fim, segundo Pedroti (2013), a formulação do PNPB envolveu
a realização de audiências públicas e requerimentos de informação pelo
Congresso Nacional. A Frente Parlamentar do Biodiesel tem atuado ati-
vamente durante a implementação por meio da realização de audiências
públicas e requerimentos de informação. No que se refere à participação
da sociedade civil, o programa conta com mecanismos formais e infor-
mais de participação social nas suas deliberações, envolvendo os diversos
atores interessados na cadeia produtiva do biodiesel. o programa foi ob-
jeto de consultas públicas, com a criação de Câmaras Setoriais e grupos
de trabalho com representantes da cadeia produtiva. Além disso, os sin-
dicatos de trabalhadores rurais atuam na ponta como importantes fis-
calizadores das certificações atribuídas pelo Selo Combustível Social.
No entanto, não foram encontrados registros de uma atuação intensiva
dos órgãos de controle em relação ao programa.

M ECANISMOS EXPLICATIVOS

A avaliação comparativa das capacidades que os arranjos das políticas


estudadas foram capazes de proporcionar pode ser vista no Gráfico 1 (no
eixo horizontal as capacidades políticas e no vertical as capacidades técni-
cas), enquanto o Gráfico 2 exibe a avaliação relativa dos casos no que se
refere a seus resultados: execução (eixo vertical) e inovação (eixo horizontal).

97
A sobreposição entre os dois gráficos permite interpretações relacio-
nando capacidades estatais e resultados. Especificamente, identificam-se
associações positivas entre capacidade técnico-administrativa e execução
e entre capacidade política e inovação quando se desagregam os eixos que
compõem os tipos de arranjos e tipos de resultado. Ou seja, alta capacidade
técnico-administrativa está associada à promoção de altas taxas de execu-
ção (correspondência entre as partes superiores dos dois gráficos); e alta
capacidade política está associada à alta inovação no processo de execução
das políticas (correspondência entre as porções à direita dos gráficos).
A identificação de tais associações precisa de aprofundamento, re-
querendo uma compreensão de como se processam as relações entre as
capacidades dos arranjos e os diferentes resultados observados. Isto é, de
que forma altas capacidades técnico-administrativas promovem alto ní-
vel de execução? Ou por que altas capacidades políticas explicariam a
emergência de inovações na implementação das políticas? Por meio de
quais mecanismos tais relações se materializam?

Gráfico 1. Avaliação relativa das capacidades estatais

98
Gráfico 2. Avaliação relativa dos resultados

Para os casos analisados, observou-se que o alcance de níveis de


execução relativamente elevados se deveu à operação combinada de or-
ganizações competentes e com recursos disponíveis, mecanismos de co-
ordenação e de monitoramento, elementos definidores de alta capacida-
de técnico-administrativa.
O exame dos arranjos das políticas estudadas revelou, em pratica-
mente todos os casos, o envolvimento de uma diversidade de organiza-
ções estatais e não estatais. Em cada um dos programas, a presença e
atuação de ministérios, autarquias, empresas estatais, organismos paraes-
tatais, órgãos colegiados, empresas privadas, associações civis, entre outros,
proporcionou aportes de recursos (humanos, financeiros e/ou tecnoló-
gicos), competências técnicas e legais, além do desempenho de diferen-
tes funções que, em conjunto, contribuíram para a operação de cada um
dos arranjos estudados. Assim, no que se refere a este critério, observou-
-se pouca variação.

99
No entanto, foram percebidas diferenças importantes na existência
e operação de mecanismos de coordenação entre elas. Trata-se dos meca-
nismos que dotam os arranjos de capacidade de fazer as engrenagens
estatais se moverem em favor da execução dos objetivos e metas dos pro-
gramas, combinando, por um lado, recursos e competências e, por outro,
evitando desarticulações e impasses internos. Assim, ao examinarmos os
casos que apresentaram alto nível de execução, percebeu-se a importância
de mecanismos ativos de coordenação — seja no âmbito intragover-
namental, intergovernamental, ou entre atores estatais e não estatais.
No âmbito intragovernamental, casos como o PMCMV e o PNPB
revelaram a importância do desempenho da coordenação por órgãos cen-
trais, como a Casa Civil. Nestes casos, tal órgão atuou como um “super-
ministério”, definindo diretrizes, articulando os demais órgãos envolvi-
dos, atenuando possíveis conflitos entre eles e, sobretudo, cobrando
resultados. Isso fez com que a implementação das ações seguisse um
fluxo coerente e continuado entre os diversos atores envolvidos. Nos ca-
sos de políticas incluídas no PAC, as salas de situação proporcionaram as
articulações intragovernamentais necessárias à implementação das ações.
No caso do Pronatec e do PBF, as próprias burocracias setoriais, respec-
tivamente do MEC e do MDS, adquiriram capacidades de articulação
institucional em função da priorização desses programas conferida pela
Presidência da República. Por fim, em todos esses casos, observou-se
também o papel de conselhos e comissões em proporcionar oportunida-
des para articulações entre atores governamentais, como por exemplo, no
Conselho Diretor do Fundo de Marinha Mercante ou na Comissão
Executiva Interministerial do PNPB (Ceib).
Mecanismos de coordenação intergovernamental e também entre
atores estatais e não estatais se mostraram igualmente importantes em
traduzir recursos e instrumentos burocráticos em resultados. Nos casos
dos arranjos que envolvem relações entre burocracias do Governo Fede-
ral e dos governos subnacionais, como o PMCMV, Pronatec e o PBF,
destaca-se o papel de fóruns nacionais e estaduais, de comissões bi e
tripartites e, também, de empresas estatais como a CEF na articulação
com estados e municípios para a execução dos programas. No caso da
RIN, a Transpetro, apresentou-se como fundamental na estimulação dos
interesses privados e articulação das demandas por financiamento públi-
co. E no caso do PNPB, o selo combustível social funcionou como efe-
tivo instrumento de organização da cadeia produtiva do biodiesel, arti-

100
culando os atores privados envolvidos desde o fornecimento de matéria-
-prima à distribuição.
Em contraste com estes exemplos, o PBM e o UHBM sugerem
que a ausência ou debilidade destes instrumentos compromete a execu-
ção dos objetivos de programas. No caso específico do UHBM, conflitos
intragovernamentais emergiram durante a fase de licenciamento ambiental
do projeto, provocando atritos e atraso na implementação. Somente após
ter sido incluída no PAC, perceberam-se avanços no sentido da articula-
ção burocrática da obra. Já o caso do PBM, apesar da previsão de espa-
ços de articulação entre as diversas burocracias envolvidas no arranjo, a
ausência de um ator que ocupe o centro decisório e que tenha capacidade
de orientar e influenciar os rumos dos demais tem prejudicado o anda-
mento da execução das medidas previstas no Plano.
Outra variação importante entre os casos e que contribui para ex-
plicar as relações entre capacidades técnico-administrativas e execução
diz respeito aos mecanismos de monitoramento. Esses mecanismos do-
tam os arranjos de capacidade de acompanhamento da execução das ações,
gerando informações importantes sobre os obstáculos a serem superados
e correções de rumos a serem feitas, contribuindo para que os resultados
ocorram nos prazos estabelecidos. Casos que integram o PAC, como o
PMCMV e a RIN, se beneficiaram das “salas de situação”, as quais
analisam informações, acompanham os cronogramas físico e financeiro
e gerenciam restrições que possam afetar o desempenho do programa. Já
em casos como o Pronatec e o PBF, o monitoramento tem sido realizado
por meio de sistemas informatizados e bases de dados, como o Sistec, o
CadUnico e o IGD, que permitem aos gestores acompanhar a execução
das ações e identificar problemas e os locais nos quais se manifestam.
Igualmente, o exame das relações entre capacidades políticas e ino-
vação aponta no sentido de que a atuação do Congresso Nacional (e seus
parlamentares), do funcionamento de instâncias de participação e da atua-
ção dos órgãos de controles tem repercutido em revisões e aprimora-
mentos das políticas ao longo de seus processos de implementação.
Se enfocarmos os casos dos programas cujos objetivos envolviam
conflitos de interesses — como o Pisf (entre coalizões de representantes
de estados ganhadores e perdedores de água), o PNPB (entre a indústria
do biodiesel e a agricultura familiar) e a UHBM (entre a população
local e ativistas ambientais, de um lado, e a burocracia e empresas do
setor elétrico, de outro) — percebe-se como mecanismos de inclusão de

101
atores nos processos decisórios e de processamento de divergências permi-
tiu a transformação das contendas em aprimoramentos e revisões dos
programas. No caso do Pisf, cabe destacar o papel desempenhado pelo
Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), que
acabou se convertendo em espaço de articulação dos interesses contrários
ao projeto de transposição. Essa arena promoveu a mobilização política,
institucional e popular, e serviu de locus para formular propostas alternati-
vas, resultando na repactuação do escopo inicial do projeto e na incorpora-
ção dos objetivos de revitalização do São Francisco, beneficiando também
as regiões que viriam a ser prejudicadas com a transposição das águas.
Semelhantemente, no caso no PNPB, a existência de múltiplos ca-
nais de expressão de interesses tem contribuído para o equilíbrio entre os
objetivos de expansão da indústria do biodiesel e inclusão da agricultura
familiar. O Congresso Nacional tem sido arena importante de articula-
ção dos interesses da indústria pela ampliação da produção e consumo
do biodiesel, por meio da atuação da Frente Parlamentar do Biodiesel. Já
os espaços de participação criados pelo Poder Executivo têm servido
para incluir também a expressão e manifestação dos interesses dos agri-
cultores familiares, por meio de audiências e consultas públicas e da
formação de grupos de trabalho.
Caso diverso se observa no UHBM, na qual os atores envolvidos
não tiveram as mesmas oportunidades de influência no processo. Por um
lado, o Congresso não demonstrou a devida atenção com a promoção de
debates sobre o tema. Por outro, as audiências públicas e oitivas realiza-
das foram criticadas pela forma como foram promovidas. Ao não serem
tratadas e contempladas, as demandas dos opositores ao projeto se
direcionou ao Poder Judiciário. Assim, além de não promover inovações,
a ausência de capacidade política nesse caso repercutiu também em pa-
ralisações na execução do projeto.
Em outro conjunto de casos, a atuação do Congresso e de instâncias
participativas tem provocado atenção a “novos” públicos ou “novas” formas
de sua atuação. O caso do Pronatec é exemplar. Os debates no Congresso
resultaram em leis, algumas de iniciativa do Executivo e outras dos pró-
prios parlamentares, que vêm aprimorando o desenho do programa, como
a previsão de apoio técnico e financeiro aos estados e municípios, e a
atenção a públicos ou regiões específicos (pessoas com deficiência, traba-
lhadores da agricultura familiar e comunidades tradicionais, estudantes
de baixa renda e egressos do ensino público, etc.). Além disso, as audiências

102
públicas têm sido fundamentais para definir vocações e cursos em sintonia
com as demandas sociais, culturais e produtivas das localidades e regiões.
Diferentemente, o PMCMV foi desenhado e tem sido imple-
mentado sem a inclusão de atores sociais. Apesar do envolvimento ativo
do empresariado da construção civil, movimentos sociais pró-moradia e
de especialistas em temas urbanos tiveram oportunidades restritas de
participação e influência nos processos decisórios. Assim, o desempenho
de curto prazo do programa tem sido priorizado em detrimento de sua
potencial função de inclusão urbano-social e sustentabilidade do desen-
volvimento das cidades.
Por último, o caso do PBM também exemplifica como a debilida-
de dos mecanismos de interação com atores sociais e políticos evita a
emergência de inovações ao longo da implementação do programa. No
arranjo do PBM, apesar de existirem conselhos e comitês participativos,
o funcionamento destes é irregular e de baixa intensidade, o que ajuda a
explicar a ênfase na implementação de medidas corretivas e sistêmicas,
em vez de medidas intensivas em conhecimento e incentivadoras da trans-
formação e da inovação industrial em setores específicos.
No que se refere aos órgãos de controle, percebe-se que sua ação
tem provocado oportunidades para aprimoramento e melhoria dos proces-
sos de execução. No caso da RIN, as auditorias do TCU e a CGU têm
cumprido papel importante no sentido da identificação de falhas, limitações
ou até irregularidades nos processos de gestão. A maior parte das deter-
minações resultantes dessas auditorias tem sido cumprida, com repercussões
positivas sobre a capacidade operacional do Departamento de Marinha
Mercante. Algo semelhante tem ocorrido ao longo da implementação
do Pisf. Além de o TCU e de a CGU estarem combinando esforços para
evitar redundância em suas fiscalizações, os auditores têm procurado não
apenas apontar problemas, mas também buscar soluções junto com os
gestores. Ao reagir à fiscalização destes órgãos, o MI tem-se aparelhado
melhor para solucionar os desafios de gestão que surgem no andamento
das obras.

Considerações finais

O presente trabalho voltou-se a compreender como se dá empiricamente


o encontro entre ativismo estatal e instituições democráticas no Brasil
contemporâneo. Por meio da análise comparativa dos arranjos institucionais

103
de políticas públicas selecionadas logrou-se extrair algumas conclusões
e inferências apresentadas no decorrer deste capítulo.
A abordagem da atuação do Estado brasileiro por meio políticas
setoriais indica uma atuação estatal substancialmente heterogênea, im-
possibilitando falarmos atualmente em um Estado que atua de forma
monolítica — mesmo em programas e projetos considerados prioritários
para um mesmo governo. Cada setor de política pública conta com capa-
cidades estatais distintas, em função dos diferentes arranjos de imple-
mentação. Compreender em profundidade as relações entre a atuação de
instituições democráticas e a implementação de políticas de desenvolvi-
mento requer, assim, comparações entre diferentes políticas, e este traba-
lho é uma contribuição nesse sentido.
A conformação dos arranjos tem implicações significativas sobre
os resultados que as políticas são capazes de produzir. Infere-se que o
nível de execução dos programas — isto é, seu grau de sucesso na entre-
ga dos produtos almejados — encontra-se associado ao nível de capaci-
dade técnico-administrativa promovida pelos arranjos de implementação.
Fatores como a existência de organizações competentes e com recursos
disponíveis, mas, sobretudo, de mecanismos de coordenação e de moni-
toramento podem ser responsáveis pelo sucesso na produção dos resulta-
dos almejados pelos programas.
Interações com o Congresso Nacional, o funcionamento de instân-
cias de participação social e mecanismos de controle podem exercer pa-
pel importante na promoção de inovações ao longo da implementação
dos programas e projetos. Arranjos institucionais promotores de alta ca-
pacidade política podem induzir revisões, mudanças e a introdução de
novidades (novos objetivos, processos e instrumentos) não previstas no
desenho original das políticas. Disso se infere que as instituições demo-
cráticas introduzidas após 1988, apesar de aumentarem a complexidade
aos processos de implementação de políticas públicas, não se têm apre-
sentado como obstáculo à sua execução. Ao contrário, há razões para
esperar que com elas os recursos públicos sejam mais bem aplicados,
prevenindo o rent-seeking e a captura dos agentes públicos pelos interes-
ses privados — críticas comuns às políticas de caráter desenvolvimentista.
O insucesso na execução das políticas parece estar mais associado às
debilidades técnico-administrativas dos arranjos de implementação do
que à abertura à participação e à presença de controles democráticos.
Diferentemente, quando o nível de conflito da política em questão é

104
elevado e a capacidade do arranjo de incluir atores e processar seus inte-
resses é baixa, as tensões tendem a ser canalizadas por outras vias, como
a judicialização da política pública, as quais, por sua vez, podem vir a
obstar a execução das ações governamentais.
Por fim, vale a pena frisar que os achados apresentados neste capí-
tulo sugerem que a promoção de políticas de desenvolvimento em con-
textos democráticos não é um desafio simples, pois requer, além de capa-
cidades técnico-administrativas, a construção das capacidades políticas
da burocracia do Estado — dimensão negligenciada nos estudos clássi-
cos sobre Estados desenvolvimentistas.

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WADE, R. Governing the market: economic theory and the role of government in East
Asian industrialization. Princeton: Princeton University Press, 1990.

107
DILEMAS DA GOVERNANÇA TRIPARTITE NAS
POLÍTICAS DE EMPREGO E SUAS IMPLICAÇÕES
PARA ENTENDER A CONFIGURAÇÃO
INSTITUCIONAL DO CAPITALISMO BRASILEIRO*

MOISÉS VILLAMIL BALESTRO


DANILO NOLASCO CORTES MARINHO
FRANCISCO DE ASSIS CAMPOS DA SILVA

O DESAFIO DE CONSTRUIR um Estado desenvolvimentista demo-


crático (Evans, 2008) no Brasil terá de lidar com a tarefa de lograr
maior sinergia entre o Estado e a sociedade por meio da coordenação
dos interesses associativos dos trabalhadores e empregadores. Um aspec-
to crucial deste desafio é a mudança dos interesses e crenças em relação
ao papel do diálogo social em torno das políticas de emprego e políticas
industriais. Isto é especialmente verdadeiro para as políticas ativas de
emprego. Em países de Economia de Mercado Coordenada, os sindica-
tos e centrais sindicais e as associações empresariais desempenham papel
crucial no desenvolvimento das habilidades da força de trabalho.
Nesse contexto, o diálogo social tripartite entre os atores estratégi-
cos forneceria a legitimidade política para influenciar as políticas de
emprego e industriais. As organizações tripartites constituem mecanismos
colaborativos para a coordenação, bem como uma forma de fornecer
transparência às demandas dos grupos de interesse.
Embora não exista muita evidência vinculando desempenho eco-
nômico e participação, a qualidade do crescimento melhora quando se
obtém mais coordenação. Ao apresentar alguns argumentos em favor da
* Este capítulo resultou do Projeto de Pesquisa “O Lugar da Governança Tripartite
nas Políticas Públicas de Emprego”, Processo 401913/2011-2 financiado pelo Conselho
Nacional de Pesquisa (CNPQ) em Edital Universal. Agradecemos ao CNPQ pelo apoio
que viabilizou esta pesquisa.

108
democracia deliberativa, Elster (1999) menciona a redução da raciona-
lidade limitada, sua contribuição com mais justiça distributiva e a cons-
trução de consenso e legitima a decisão final.
Desde a Constituição de 1988 juntamente com o comprometimen-
to da OIT em fazer avançar o tripartismo na América Latina, houve a
criação de três importantes conselhos tripartites relacionados com polí-
ticas industriais e políticas de emprego. São eles o Conselho Deliberativo
do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), o Conselho de Desen-
volvimento Econômico e Social (CDES) e o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Industrial (CNDI), estes dois criados em menos de
uma década.
Apesar disso, quando se trata de políticas de emprego ou quaisquer
outras políticas e pactos que combinem eficiência econômica com me-
lhores condições de trabalho ou maior proteção social, os conselhos tri-
partites avançaram pouco. Em que pese uma atitude mais positiva de
parte do Governo em relação ao fortalecimento destes conselhos, há al-
guns limites para obter o apoio das associações empresariais. Uma clara
consequência de uma governança tripartite falha e fraca é a falta de coor-
denação entre empregadores, trabalhadores e Estado na alocação de re-
cursos para o sistema de qualificação profissional.
Incorporando a discussão teórica mais recente sobre o papel dos
sistemas de qualificação profissional na configuração institucional do
capitalismo, o capítulo está dividido em três partes. A primeira parte
discute a governança e a qualificação profissional no entendimento da
configuração institucional do capitalismo em termos conceituais. Dife-
rentes sistemas vocacionais de qualificação são resultado de trajetórias e
disputas entre os atores estratégicos em torno da formação das habilida-
des dos trabalhadores.
A segunda parte apresenta resultados qualitativos1 e quantitativos
sobre a governança tripartite e a qualificação profissional no Brasil e
discute os principais dilemas para o avanço da governança tripartite nas

1 Foram realizadas realizadas quinze entrevistas em profundidade com represen-


tantes das três principais federações empresariais do País (um representante da Fiesp,
dois representantes da Fiemg e dois representantes da Firjan), um representante da
Confederação Nacional da Indústria (CNI), representantes das três principais centrais
sindicais no País (dois representantes da CUT, dois representantes da Força Sindical e um
representante da UGT), assim como dois funcionários e gestores do Ministério do Traba-
lho e Emprego (MTE) e o gestor do Pronatec no Ministério da Educação (MEC).

109
políticas públicas de emprego, especialmente na qualificação profissional.
Trazendo o debate para o contexto brasileiro, os dilemas da governança
tripartite são vistos a partir da percepção dos atores estratégicos. Ao
final, a conclusão do capítulo apresenta considerações sobre as possibili-
dades e limites da governança tripartite e suas implicações para uma
mudança institucional no capitalismo brasileiro, rumo a um capitalismo
organizado de novo tipo (Nölke & May, 2013; Offe, 1985; Höpner,
2004, 2007; Allen, 2010).

Governança tripartite e qualificação profissional

Os dilemas da governança tripartite precisam ser vistos em relação a três


aspectos que se encontram inter-relacionados. O primeiro é a motivação
para o surgimento dos arranjos tripartites em diferentes contextos. O
segundo aspecto é a contextualização da coordenação entre sindicatos de
trabalhadores, associações empresariais e Estado no debate sobre as vá-
rias configurações institucionais do capitalismo. O terceiro aspecto tem
a ver mais especificamente com a percepção dos atores estratégicos sobre
essa governança e quais são os limites e os elementos facilitadores.
O sentido maior do tripartismo como a colaboração e negociações
de cúpula entre capital, trabalho e Estado pode derivar de três grandes
vertentes. Uma vertente está relacionada com a ideia de pactos sociais.
Depois da crise do regime de acumulação fordista, os pactos sociais es-
tiveram fortemente associados às reformas em favor de uma expansão das
relações de mercado por meio de privatizações e desregulamentação das
relações de trabalho. Sob uma perspectiva liberal, a competitividade está
essencialmente associada à redução dos custos do trabalho e diminuição
dos investimentos em gastos sociais considerados onerosos.
A partir dos anos 80, a concertação keynesiana deu espaço para um
processo de “concertação competitiva” mais preocupada com a remo-
ção das barreiras para um mercado de trabalho flexível e um sistema
tributário mais favorável às empresas. Nesse sentido, há um contraste
com os pactos e concertação constituídos no chamado período dos anos
dourados do capitalismo de 1945-1973. Na época, a parceria social foi
uma solução para os problemas de construção de instituições legítimas
nos anos 60 com integração social e modernização industrial (Hassel &
Streeck, 2004).

110
A concertação competitiva tende a ser mais assimétrica do que a
keynesiana (Siegel, 2005). As relações de poder entre os atores coletivos
do capital e do trabalho se modificaram com menor representação dos
sindicatos, pressões da globalização para terceirizar processos produti-
vos em países com custos laborais mais baixos, liberalização financeira
com onda de fusões e aquisições, além de um desemprego estrutural
permanente.
As mudanças dos últimos trinta anos da economia capitalista mun-
dial produziram enorme deslocamento de poder em favor do ator coleti-
vo representante do capital. Como resultado, as associações empresariais
e as grandes corporações ampliaram muito o seu poder de lobby no Go-
verno, diminuindo a necessidade de essas organizações negociarem com
organizações sindicais dos trabalhadores.
A grande assimetria de poder mina a lógica de troca e cooperação
que caracterizou os pactos sociais da era de ouro do capitalismo. Em
uma situação de forte assimetria, os pactos consistem muito mais em
forçar o lado do trabalho a aceitar as chamadas “restrições de mercado”
por meio de concessões para restrições salariais, flexibilização das insti-
tuições de barganha coletiva, redução dos benefícios sociais ou libera-
lização da legislação de proteção ao emprego (Siegel, 2005). Este pro-
cesso de concertação é mais uma estratégia de legitimar retrocessos em
direitos sociais, favorecendo o que Streeck (2010) denomina como ordem
social williamsoniana.2 Na contramão de uma ordem social voluntarista
pautada na maximização do interesse das firmas, Streeck (1998) chama
atenção para as restrições benéficas. São restrições socialmente institu-
cionalizadas que podem ser economicamente benéficas como o caso das
políticas de qualificação profissional e sistema de proteção social.
Concertações tripartites associadas aos pactos sociais tendem a ser
instáveis e imprevisíveis, mesmo quando dotados de formalidade com

2 Segundo Streeck (2010), a distinção entre uma ordem social voluntarista basea-
da em contratos privados e uma ordem social durkheiminiana baseada em obrigações e
normas sociais de solidariedade fornece um conceito substantivo para as disputas políticas
no capitalismo como uma luta periódica em torno das obrigações sociais institucionalizadas,
em resposta à ordem contratural baseada na expansão de mercado e na comodificação das
relações sociais. Segundo ele, é parte da rationale do capitalismo a constante desconstrução
dos limites normativos institucionalizados para a expansão do mercado. Os atores no ca-
pitalismo constituem um comportamento desviante em relação às instituições que devem
governá-los. Os atores capitalistas buscam a inovação ou até mesmo violação das regras
que interferem na busca dos seus interesses materiais.

111
mútuas obrigações e comprometimentos (Avdagic et al., 2011). Para
Avdagic e colegas (2011), os pactos sociais são contingentes e altamente
dependentes das flutuações econômicas, sujeitos a pressões e influências
políticas. Ao longo dos últimos trinta anos, desde a hegemonia neoliberal,
tais influências sociais e políticas tenderam invariavelmente em favor dos
interesses empresariais.
Uma segunda vertente do tripartismo tem a ver com a garantia dos
direitos trabalhistas vinculados com os processos de democratização dos
países em desenvolvimento. Essa vertente está mais associada com as
iniciativas da OIT referentes ao aperfeiçoamento e desenvolvimento das
novas democracias. No caso brasileiro, a ideia de implementação do diá-
logo social é muito recente. Historicamente, é bastante alta a punição
impetrada das elites e pelo Estado autoritário às ações coletivas das clas-
ses trabalhadoras que não logram sucesso em suas reivindicações.
A adequação às diretrizes da OIT juntamente com a regulação do
mercado de trabalho contribuiu para as negociações de cúpula envolven-
do governos, empregadores e trabalhadores. Corroborando os resultados
de Aleman (2009) de que a regulação do trabalho foi mais importante
do que as alianças entre governos de esquerda e de direita e os sindicatos,
os fundamentos institucionais formais da governança tripartite no caso
brasileiro foram estabelecidos sob a forte hegemonia neoliberal. Uma
consulta institucionalizada no caso do Codefat fornece incentivos para
que os parceiros sociais abordem suas demandas e preocupações com a
maior legitimidade.
O fundamento desse tipo de concertação tripartite tem a ver com a
provisão mínima de direitos sociais e civis básicos para as jovens demo-
cracias que saem dos regimes autoritários. A ênfase é fornecer legitimi-
dade para os Estados democratizados nos países em desenvolvimento,
bem como assegurar direitos básicos de cidadania.
A terceira vertente para a concertação tripartite está mais relacio-
nada com um papel estratégico da governança triparite nas estratégias de
desenvolvimento econômico. Ela está relacionada com a coordenação
estratégica entre os atores para obter uma transformação econômica e
social. Nessa vertente, pode-se conectar o recente debate sobre controle
democrático do Estado de “baixo para cima” com o Estado desenvol-
vimentista (Evans, 2005). Evans (2011) enfatiza a necessidade de
reconceituar o Estado desenvolvimentista combinando políticas de cresci-
mento com políticas de bem-estar social. Tal combinação está de acordo

112
com o recente conceito de um Estado de bem-estar produtivo colocados
por Morel e colegas (2012) como uma resposta para a agenda neoliberal,
bem como para os principais problemas enfrentados pelos Estados de
bem-estar tradicionais. Partindo das ideias de Myrdal, o Estado de bem-
-estar social produtivo enxerga as políticas sociais como um fator produ-
tivo. As políticas sociais deveriam ser vistas como um fator produtivo,
essenciais ao desenvolvimento econômico e ao crescimento do emprego.
Trata-se de uma ruptura fundamental com a visão de política social como
um custo ou obstáculo ao crescimento econômico e do emprego (Morel
et al., 2012).
Um claro elemento da perspectiva do investimento social é que o
investimento em capital humano deveria propiciar a criação de empre-
gos melhores. Maior qualificação profissional permite uma transforma-
ção do fator de produção trabalho. Morel e colegas (2012) lembram que
uma orientação para uma economia de baixa qualificação profissional e
com empregos de baixa qualidade não permite a manutenção de altos
níveis de competitividade ao longo do tempo. No caso da Economia de
Mercado Coordenada alemão, Streeck (2012) associa a ascensão das
centrais sindicais políticas de qualificação profissional tripartite, permi-
tindo menor hierarquia, alta flexibilidade, maior autonomia do trabalha-
dor no local de trabalho com incentivo aos empregadores se especializa-
rem e buscarem produtos diversificados com maior valor agregado.
Ao buscar entender o lugar da governança tripartite na configura-
ção institucional do capitalismo brasileiro, torna-se essencial verificar o
que seria a economia política por trás da governança tripartite. Nesse
sentido, vale reforçar algumas das características institucionais do capi-
talismo brasileiro e latino-americano apontadas por Schneider (2013b).
Algumas dessas características são a elevada concentração do capi-
tal em grupos econômicos familiares e em multinacionais, mesmo no
caso das empresas com capital aberto. Trata-se de uma economia ainda
dominada por grandes grupos empresariais pouco inovadores. Os vinte e
nove grupos empresariais brasileiros que ficaram entre os cinquenta maio-
res grupos empresariais no Brasil em 2007 surgiram antes de 1970. En-
tre os vinte maiores grupos empresariais em 1978, seis estavam na lista
dos vinte maiores em 2005.
As únicas grandes empresas brasileiras mais intensivas em tecnologia
são Embraer e Petrobras. Entre as empresas de capital aberto, 52,4%
tinham estrutura de propriedade piramidal. Ou seja, uma estrutura de

113
propriedade em que existe pelo menos uma empresa entre a empresa e o
último acionista (Aldrighi & Postali, 2012). No caso das empresas bra-
sileiras listadas na Bovespa, 66,9% das ações se concentravam em mãos
dos três maiores acionistas em 2008. Considerando os tipos de acionis-
tas, a distribuição ocorre da seguinte forma: 12,3% indivíduos, 5% Go-
verno, 32,3% bancos, 15,4% investidores institucionais e 34% empresas
industriais (Aguilera et al., 2012). Em relação a 2004, aumentou a par-
ticipação dos bancos e dos investidores institucionais. Assim, o controle
acionário na forma de grandes acionistas (blockholders) permanece tal
como nos anos 70.
Uma outra característica é o elevado grau de informalidade no
mercado de trabalho, a forte dualidade neste mercado entre trabalhado-
res do setor público e trabalhadores do setor privado. A baixa qualifica-
ção da força de trabalho e a alta rotatividade nos postos de trabalho,
associado à quase ausência de organização sindical por local de trabalho,
também dificultam o poder de barganha dos trabalhadores em torno dos
seus direitos, assim como a cooperação que permita combinar elevada
produtividade com salários mais altos. Quando se considera a América
Latina, a mediana de investimento em qualificação profissional para o
desempregado é de 4% do PIB, comparado com 23% nas Economias
Liberais de Mercado e 52% nas Economias Coordenadas de Mercado
(Schneider, 2013a).
A ausência de uma representação sindical no nível da fábrica é
também crucial no fechamento das possibilidades para negociações em
torno das habilidades e organização do trabalho que é a norma no capi-
talismo coordenado. Como aponta Schneider (2013a), diferentemente
da tradição sindical europeia, a tradição sindical latino-americana não
conseguiu uma presença organizacional no mercado de trabalho com
capacidade de mobilização direta com associações empresariais bem or-
ganizadas.
Ainda segundo Schneider (2013a), a fraqueza dos sindicatos, tanto
nacionalmente quanto no chão de fábrica, reforça o equilíbrio da baixa
qualificação, impedindo maior cooperação entre empregadores e sindicatos
de trabalhadores em torno da melhoria das habilidades profissionais.
Por sua vez, a alta rotatividade possui um efeito negativo sobre o
capital humano e diálogo social. A elevada dualidade entre trabalhado-
res informais e precarizados e trabalhadores sob proteção da legislação
reforça o caráter hierárquico. O Estado intervém hierarquicamente para

114
impor regulações restritivas para os trabalhadores formais. De outra parte,
os empregadores possuem maior poder sobre os trabalhadores com bai-
xa sindicalização (Schneider, 2013a).
Em que pese as melhorias no mercado de trabalho do Brasil e do
restante da América Latina (desemprego em queda, maior participação
das mulheres no mercado de trabalho, salários crescentes e informalidade
em queda), as características fundamentais de segmentação e atomização
persistem.
O terceiro aspecto tem que ver mais do tripartismo é a governança
em si. Thelen (2012) chama atenção que os fundamentos políticos das
coalizões em torno das instituições do capitalismo coordenado revelam
uma constante disputa, em vez de um suposto consenso funcional no
sentido estrutural-funcionalista dado pela abordagem inicial da VoC
(Varieties of Capitalism). Uma questão fundamental para a efetividade da
governança tripartite são as atitudes e identidade social do empresariado
e as estruturas de engajamento político coletivo que possam incorporar
interesses societais no policymaking (Martin & Swank, 2012).
Como destacam Martin & Swank (2012), as posições empresariais
mais favoráveis às políticas sociais derivam de países com organizações
empresariais altamente organizadas. Enquanto países com fracas organi-
zações empresariais falham ao agregar as preferências coletivas do em-
presariado e diminuem o apoio ao Welfare State. Países com níveis mais
altos de coordenação entre trabalho e empresariado e com o Estado têm
maior capacidade de maximizar a cooperação entre esquerda e direita,
evitando disputas soma-zero em torno de resultados distributivos,
minimizando concessões a interesses especiais. Em outros termos, socie-
dades com alto grau de organização entre empresariado e trabalho estão
mais bem posicionadas para reconciliar os diversos objetivos de cresci-
mento econômico e igualdade relativa (Martin & Swank, 2012).
Nesse sentido, uma aposta do macrocorporativismo societal é de
que organizações centralizadas e mais bem organizadas fazem mais para
educar os seus membros sobre os benefícios da política social e contri-
buem para as empresas que pertencem a essas organizações definirem
seus pontos em comum.
Os mecanismos políticos e institucionais de representação dos inte-
resses e de construção de consensos políticos interferem intensamente na
condução dos objetivos de bem-estar social, emprego e crescimento econô-
mico (Esping-Andersen, 2002). Por essa razão, países com instituições

115
fracas possuem maior dificuldade de negociar acordos entre interesses
conflitantes e tendem a estabelecer relações de trade-off entre bem-estar
social e competitividade. No caso da América Latina, a grande instabili-
dade política, os longos períodos de regimes de exceção com repressão à
organização sindical dos trabalhadores e o fraco desenvolvimento de ca-
pacidades estatais para o desenho e implementação de políticas públicas
de emprego são fatores explicativos da baixa coordenação e construção
de consensos políticos.
Na governança dos conselhos de políticas industriais e de desen-
volvimento, Devlin & Moguillansky (2012) apresentam quatro elemen-
tos relevantes:
— Os principais atores não são estimulados pelo Governo em seus
esforços de evitar o conselho na tradição das relações clientelistas. Passar
por cima do conselho torna-se inevitável se ele não se reúne regularmente
ou não se configura, para o Governo, um interlocutor crível.
— A estrutura de governança e o método de diálogo não servem
para superar a desconfiança e indiferença entre Governo e empresas.
— De um modo geral, os conselhos não possuem um secretariado
técnico neutro e com financiamento próprio que possa facilitar a solução
de problemas na deliberação e monitorar o grau em que as recomendações
e acordos são realmente traduzidos em políticas públicas ou recursos
financeiros. Isso suscita o risco da captura do Governo por interesses
privados ou da captura de representantes da sociedade civil pelo Governo.
Devlin & Moguillansky (2012), a exemplo de Coutinho et al.
(2012), destacam a coordenação e o monitoramento como critérios es-
senciais do sucesso das políticas industriais, especialmente em sua fase
de implementação. A coordenação não apenas entre empresariado, Esta-
do e organizações sindicais de trabalhadores (mais recentemente), mas
também a coordenação intragovernamental.
Schneider (2013b) destaca aspectos do desenho institucional para
o melhor funcionamento dos conselhos. São eles: grupos menores, maior
homogeneidade entre os participantes, horizontes temporais de longo
prazo, nível da representação (representação dos que possuem maior poder
decisório), estabelecimento de responsabilidades variadas, objetivos es-
treitos e mensuráveis, staff técnico competente e alocação com autorida-
de para superar os custos de participação do empresariado. Alguns desses
aspectos podem ser identificados no funcionamento do Codefat, es-
pecialmente para o caso da bancada dos trabalhadores.

116
Quanto ao conteúdo da governança tripartite, pode-se dizer que
sua essência repousa sobre o sistema vocacional de qualificação. É também
o sistema vocacional de qualificação e a posição dos atores estratégicos
em torno dele que permitem avançar no entendimento da configuração
institucional do capitalismo. As instituições de qualificação profissional
estão imbricadas em uma densa rede de instituições socioeconômicas e
políticas tais como barganha salarial coletiva, governança corporativa e
financiamento, políticas de mercado de trabalho e Estado de bem-estar
social (Busemeyer & Trampusch, 2012).
Como lembram Busemeyer & Trampusch (2012), o desenvolvi-
mento e a disponibilidade das habilidades não é uma questão de escolhas
racionais irrestritas, mas está fortemente condicionada por e refletido no
contexto institucional das economias políticas, tanto historicamente quanto
no período contemporâneo. Não se trata de uma escolha ótima, mas de
um sistema que necessita de contínuo apoio político dos atores relevan-
tes. Portanto, a variedade nos sistemas de qualificação profissional é em
larga medida condicionada pelas decisões tomadas na divisão de traba-
lho entre firmas, associações e o Estado no fornecimento e financiamen-
to da formação de habilidades (Busemeyer & Trampusch, 2012). Para
Martin (2012), as variações dentro dos sistemas de qualificação profissio-
nal refletem disputas políticas em junções críticas que são fortemente
influenciadas pelas estratégias e estruturas do Estado.
As decisões em torno dos sistemas de qualificação profissional são
contenciosas e afetadas por lutas políticas em momentos críticos em quatro
pontos nevrálgicos: a) divisão de trabalho entre o Estado, os emprega-
dores e os indivíduos no fornecimento e financiamento da qualificação
profissional, b) a relação entre a autonomia da firma e a supervisão pú-
blica no fornecimento da capacitação. As disputas políticas em torno
destes pontos têm que ver com a lógica de membresia e a lógica de
influência (Busemeyer & Trampusch, 2012).
Isso implica que as trajetórias de desenvolvimento dos sistemas de
qualificação profissional não são predeterminadas, há um grande espaço
de contingência expressa em lutas políticas sobre o desenho e as trans-
formações institucionais. Os pontos nevrálgicos de contenção são: quem
controla o sistema de qualificação?, quem fornece a qualificação?, quem
paga por ela? e qual é a relação com o sistema de educação geral?
Para além desses pontos nevrálgicos, a variação no desenho ins-
titucional da qualificação profissional ocorre em questões como o grau

117
de padronização e certificação das habilidades, o papel do Estado e a
vinculação entre a formação de habilidades e outras instituições socioeco-
nômicas tais como sistemas de produção e Estado de bem-estar social.
O tipo de sistema de qualificação que possui maior afinidade eletiva
com a governança tripartite é o soi-disant sistema coletivo. Martin (2012)
menciona algumas características deste sistema tais como:
— empregadores estão envolvidos na administração da qualifica-
ção profissional;
— associações de empregadores desempenham papel importante;
— a qualificação fornece habilidades ocupacionais certificáveis e
portáveis;
— há sistemas de aprendizagem duais que organizam a qualifica-
ção profissional por meio do aprendizado baseado na empresa e a instru-
ção baseada na escola.
A qualificação coletiva exige um mecanismo para que os empre-
gadores se envolvam na criação conjunta, credenciamento e monitoramento
das habilidades de qualificação (Martin, 2012). Muito pouca autonomia
resulta em baixa participação dos empregadores na qualificação profissio-
nal. Por sua vez, as associações de cúpula abrangentes produzem sistemas
de qualificação mais inclusivos que transcendem variações regionais e
setoriais e fornecem formação de habilidades para um setor mais amplo
dos trabalhadores.
A produção de sistemas mais inclusivos com as associações de cúpu-
la abrangentes não elimina o grau de coordenação entre os parceiros
sociais nos sistemas coletivos, notadamente as organizações sindicais.
Esta coordenação tem impacto sobre a flexibilidade e capacidades de
ajuste dos sistemas de qualificação, sobretudo nos casos em que a produ-
ção de habilidades pode ser ajustada para transformações econômicas e
adaptadas às diversas necessidades regionais.

Governança tripartite e políticas de qualificação profissional


no Brasil
C
No caso brasileiro, a trajetória recente dos últimos quinze anos do siste-
ma de qualificação profissional pode ser vista em três momentos. Na
segunda metade dos anos 90 e início dos anos 2000, houve o Planfor,
caracterizado por um enfoque neoliberal de utilizar a qualificação pro-

118
fissional no âmbito do Codefat como política social compensatória. Sua
ênfase era na empregabilidade e inclusão produtiva de trabalhadores fora
do mercado formal de trabalho e de baixa qualificação. O empresariado
esteve ausente do Planfor e, nesse sentido, não se pode dizer que ele foi
considerado tripartite. Além disso, a qualidade dos cursos foi mal avalia-
da e houve muitos problemas de corrupção que acabaram afetando dura-
mente a reputação no MTE na gestão da qualificação profissional con-
forme um dos gestores do Ministério revelou.
Entre 2003 e 2011, houve iniciativas mais consistentes como o
PNQ, os Planos Territoriais de Qualificação (PlanTeQs) e os Planos
Setoriais de Qualificação (PlanSeQs). Foi uma tentativa de fortalecer a
governança tripartite na qualificação profissional com a aproximação do
empresariado. No entanto, o desenho desses planos não logrou atrair o
empresariado de forma consistente. Na percepção da diretora de Quali-
ficação Profissional da Firjan, havia muitas barreiras burocráticas com
muito controle do Estado via convênios com governos estaduais e muni-
cipais, tornando-se algo de difícil operação.
Desde 2011, o terceiro momento tem a ver com o surgimento do
Pronatec. Como visto antes, o Programa tem presença importante do
empresariado por meio de parcerias com o Sistema S, tem também relativa
articulação com a política industrial por meio da participação em espa-
ços de debate da política Brasil Maior. No entanto, não há gestão tripartite
e o Programa é executado pelo Ministério da Educação e não pelo MTE.
Apesar da articulação com o empresariado por meio das parcerias
com o Sistema S, o Pronatec não prevê a participação das organizações
empresariais em seu conselho deliberativo. A mudança para o Ministé-
rio da Educação pode ter influência nesse sentido. Ao contrário do MTE
que já internalizou uma cultura de consulta tripartite em diferentes espa-
ços de formulação e acompanhamento de políticas públicas tais como o
Codefat, o Conselho Nacional de Imigração, o Conselho do FGTS e o
Fórum Nacional do Trabalho, o Ministério da Educação não possui essa
rationale. O tripartismo é algo estranho às rotinas deste ministério.
Na relação entre a qualificação profissional e a política industrial,
o gestor do Pronatec menciona sua participação em espaço que trata da
qualificação profissional no Brasil Maior.

De uma forma muito particular, o setor produtivo tem uma ação do


Governo Federal que é o Brasil Maior, que é o MDIC, que tem um

119
modelo matricial e que tem uma câmara especifica para tratar a
questão da qualificação, da qual eu faço parte, então a gente tem
isso sempre articulado. Dos dezenove setores industriais que estão
sendo tratados na dimensão do Brasil Maior, nós tocamos a dimen-
são da qualificação e da formação profissional. Então, há uma ar-
ticulação forte e soma-se a isso a participação do MDIC como um
dos demandantes de formação profissional no âmbito do Pronatec.

Por sua vez, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comér-


cio (MDIC) também se coloca como demandante da formação profissio-
nal coordenada pelo Pronatec. Apesar disso, há problemas de coordena-
ção com o empresariado. Dos dezenove setores que fazem parte do Brasil,
apenas quatro apresentaram um diagnóstico das necessidades de qualifi-
cação setorial. Ou seja, a grande maioria dos setores representados pelas
suas respectivas associações empresariais ainda não possui um diagnósti-
co das necessidades de qualificação profissional.
Sobre o tripartismo no âmbito do Programa Brasil Maior, o repre-
sentante da CNI destaca a necessidade de trabalhar com a premissa do
consenso para discutir as relações de trabalho na política industrial. No
entanto, em outro trecho da entrevista, ele destaca a importância do debate
e cita o caso da rotatividade no emprego em que cada uma das partes
apresentou o seu próprio estudo.

Mas o tema é comum, mas o que a gente pode trabalhar em con-


junto sobre o tema. Então assim, qual o propósito deste workshop?
Dar oportunidade para que as três partes apresentem e os outros
dois ouçam. Primeiro você tem oportunidade de falar. Não era muito
comum isso. Todo o mundo entrava armado e não dava a chance
para o outro falar. Respeita. Isso é um negócio interessante. Quan-
do alguém tá apresentando, tá fazendo debate, tem uma mesa, tem
uma mesa grande, reúne, mais informal. Um começa a falar ali. O
Dieese apresentou o estudo de rotatividade, o Governo apresentou
a rotatividade, nós apresentamos o nosso de rotatividade.

Um outro aspecto importante destacado pelo representante da CNI


que contribui para a governança tripartite diz respeito à ampliação da
agenda das centrais sindicais. Da mesma forma, poder-se-ia chamar aten-
ção para a necessidade de uma ampliação da agenda das federações em-
presariais que hoje estão fortemente centradas em questões tributárias e

120
redução do custo do trabalho. A experiência internacional revela que a
ampliação da agenda das organizações empresariais de cúpula para as
políticas de proteção social ou políticas que possam combinar eficiência
econômica com proteção social foi um passo importante na construção
de um novo Estado de bem-estar social.

Hoje você vê as centrais sindicais falando questões tributárias,


previdenciárias, em questões de meio ambiente. Na década de 80,
esta agenda não estava no contexto dos trabalhadores. Mas sempre
esteve presente na agenda dos empregadores. Meio ambiente, tri-
butário, infraestrutura, competitividade. Estas são agendas perma-
nentes. São basicamente dez temas.

Para o representante da CNI em relações de trabalho, há ainda


longo caminho a ser percorrido para se chegar a uma cooperação entre
trabalho e capital como ocorre nas Economias de Mercado Coordena-
das. Ele atribui à interferência do Estado grande parte do problema. Por
outro lado, a retirada do Estado no enforcement de direitos sociais em
uma sociedade historicamente autoritária e com altos custos para a ação
coletiva dos trabalhadores.

O que cabe à iniciativa privada, é iniciativa privada, o que cabe aos


trabalhadores é dos trabalhadores. Agora, ter o modelo alemão, ter o
modelo sueco, ter o modelo da Islândia. A gente ainda tá longe disso.
Em parte, o que a gente precisa é ter uma curva ainda de aprendiza-
do. Eu acho que cada um tem um papel de responsabilidade. Nós
buscamos demonstrar e atuar nesta questão de tá trabalhando de for-
ma conjunta Então assim. Estas 70 representações mostram o interesse
de trabalhar junto com o Governo, de estar junto nos debates junto
à sociedade, Agora, enquanto você tiver uma certa interferência do
Estado na relação de trabalho, fica um negócio um pouco complica-
do. No que o Estado hoje interfere. Não e nem tanto o Estado, mas
sim o Poder Executivo. Isso diminui muito a interferência, no máxi-
mo o Ministério do Trabalho quando inventa de regular coisa que
não cabe a ele, mas isso diminuiu muito nos últimos anos.

Segundo a percepção do representante da Firjan, a maioria dos temas


que envolvem trabalhadores, empregadores e Governo são discutidos em
fóruns tripartites. No entanto, ele considera que as questões das deter-

121
minações e portarias do MTE também deveriam ser inclusas na go-
vernança tripartite.

Eu acho que as questões das determinações do Ministério do Tra-


balho poderiam sim ser submetidas a essas discussões da agenda, a
gente voltar na força dos trabalhadores por exemplo, algumas nor-
mas do trabalho são completamente inaceitáveis e são feitas sem a
consulta prévia aos empresários.

Para melhor entendimento dos dilemas da governança tripartite, é


fundamental entender, na perspectiva dos atores estratégicos, quais são os
principais obstáculos para a governança tripartite. Na visão do represen-
tante da Fiesp, o papel das organizações empresariais é acessório e o
comando deve ser mesmo do Governo na estrutura tripartite. As repre-
sentações dos trabalhadores e do empresariado seria mais no sentido de
executar e influenciar.
O discurso contrasta com as posições das federações empresariais
em relação à não interferência do Estado nas relações entre capital e
trabalho. Assim, para o âmbito dessas relações, o Estado deve se retirar,
mas para as políticas públicas de emprego, especialmente as políticas de
qualificação profissional, o Estado deve ser o central. A visão também
contrasta com a experiência dos sistemas coletivos de qualificação pro-
fissional com forte envolvimento das associações empresariais.
Em relação ao Sistema S, a posição do representante da CNI é que
os sindicatos e centrais sindicais podem ser consultados e escutados, mas
não serem envolvidos no processo decisório e na gestão estratégica do
sistema. Os dados do survey também mostraram forte rejeição ao
tripartismo no âmbito do Sistema S de parte das bancadas patronais.
Na percepção dos representantes da Firjan, não houve avanços
maiores no tripartismo. Há falta de maturidade política e falta uma cul-
tura de cooperação e parceria entre empresariado e trabalhadores. É im-
portante lembrar que as experiências internacionais revelam que a coo-
peração foi muitas vezes produtos de restrições institucionais do ambiente
e não da disposição dos empregadores em reconhecer espontaneamente
as demandas dos trabalhadores (Streeck, 1998).
A representante da Firjan é otimista quanto ao avanço de uma
governança tripartite. Para ela,

122
eu acho que as ações sociais no Brasil estão caminhando com maior
negociação entre as partes, não é, e isso à medida em que vá sendo,
ganhando espaço concretamente certamente vai contribuir pra uma
visão mais orquestrada dos interesses do País como um todo, não é,
eu acho assim que nós estamos caminhando numa direção de maior
negociação e articulação entre Estado, trabalhadores e empresári-
os do ponto de vista das políticas públicas e acho isso positivo.

Há também o reconhecimento das organizações empresariais quanto


à necessidade e legitimidade das representações dos trabalhadores. O
representante da Firjan considera que houve maior espaço para o diálogo
e que a federação preza pelo fortalecimento dos sindicatos.

Eu acho que sim, eu acho que houve uma abertura maior para o
diálogo sim, falando da parte empresarial a Federação sempre
participa de todos os fóruns de discussão Tripartite com bastante
reunião dos sindicatos e preza pelo fortalecimento dos sindicatos
sim, então são ferramentas importantes dentro da estrutura social
brasileira tanto os sindicatos patronais quanto o sindicato dos tra-
balhadores.

No entanto, quando perguntados sobre resultados do tripartismo,


revelam ceticismo e falta de efetividade desses arranjos. As políticas pú-
blicas são vistas como essencialmente técnicas e, portanto, sua efetividade
não depende de debates e processos decisórios relacionados com a go-
vernança tripartite. Essa visão tecnicista da política pública contrasta
com a literatura sobre sistemas vocacionais de qualificação e sua relação
com as variedades de capitalismo. Como dito antes, não se trata de uma
escolha ótima, mas de um sistema que necessita de contínuo apoio polí-
tico dos atores relevantes. Ao ser perguntado sobre exemplos de resulta-
dos do tripartismo, o representante da Firjan afirma que

Não vejo como resultado nesses espaços, não identifico, nenhuma


ação especifica do resultado da discussão desses espaços. Vejo sim
ações, tanto o Sindicato Patronais quanto Trabalhistas no sentido
de transformações, mas, não identifico nenhuma, resultantes da dis-
cussão desses espaços Tripartite.

123
Na perspectiva das representações sindicais dos trabalhadores, um
dos problemas para a governança tripartite é justamente a assimetria de
recursos. O representante da Força Sindical chama atenção que a ban-
cada dos trabalhadores é fraca no Congresso Nacional, mais fraca do que
a representação dos empresários. Também a ausência de organização
sindical por local de trabalho e a falta de quadros mais preparados difi-
cultam o processo decisório tripartite.
Na visão do representante da CUT, a variável-chave para o diálogo
é a capacidade de pressão. Sem maior capacidade pressão e mobilização,
há um esvaziamento dos espaços de concertação tripartite. Ele menciona
a própria dificuldade de reconhecer a participação de uma central sindi-
cal na gestão de políticas públicas.
Dois outros obstáculos são a pouca participação do empresariado e
até mesmo a aceitação de parte do empresariado em relação às regras do
jogo do tripartismo. Além disso, como fora também visto na Avaliação
Externa do PSD, o tripartismo ainda está muito concentrado em âmbito
federal. Ele ainda não é parte da realidade dos estados e municípios.

nós já de muitos anos nós temos participado de todos os espaços


Tripartite em que são colocados. Pra quê? Para apresentar as nos-
sas propostas e defender as nossas propostas nós sabemos da limi-
tação do Tripartismo, mas aceitamos participar das regras do jogo.
O que a gente estranha o outro lado no caso o empresariado não
aceita, quer dizer aceita até determinado momento ou às vezes não
vai, e mais ainda a questão do Tripartimo isso é uma coisa muito
do Governo Federal se você vai nos governos estaduais e munici-
pais esse negócio de Tripartimo, não tem.

De certa forma, pode-se dizer que a mobilização e fortalecimento da


capacidade de ação coletiva dos atores estratégicos é condição causal para
a efetividade da governança tripartite. Nas palavras do representante da CUT,

O Tripartismo é um espaço de concertação, um espaço de negocia-


ção não necessariamente os nossos interesses são conquistados ou
são alcançados no espaço tripartite, eu diria inclusive que na maio-
ria das vezes nós temos muitas dificuldades de alcançar todos os
nossos objetivos no tripartite é por isso que tem a luta de classe é
por isso que a CUT faz manifestação.

124
O principal obstáculo para o funcionamento da governança tripartite
é a falta de informação segundo o representante da CUT. Para ele, a
bancada dos trabalhadores em geral tem pouca informação da máquina
pública e não conhece as entranhas do poder público. Por sua vez, os
empresários têm muito mais poder porque vão para o congresso fazer
lobby. Uma das fontes de poder do empresariado em seu lobby é justa-
mente a capacidade de financiar campanhas eleitorais.
Em que pesem limitações, o representante da CUT tem uma visão
positiva da relação entre tripartismo e políticas públicas. Em suas palavras,

Nós entendemos que parte das politicas públicas elas serão mais
eficiente, mais eficazes na medida que tenha um olhar uma partici-
pação mais ampla da sociedade não falo só dos trabalhadores falo
dos empregadores também. . . sem dúvida que capacidade e a pos-
sibilidade de melhorar, de serem mais eficientes e mais eficazes é
decorrência da participação da sociedade independentemente de
quem está lá, se são trabalhadores se são empregadores, se são os
movimentos sociais. A participação é determinante para o aperfei-
çoamento das politicas públicas.

Na perspectiva do MTE, uma estratégia para fortalecer o tripartis-


mo nas políticas públicas de emprego é a exigência de instalação de comis-
sões estaduais e municipais tripartites para que o Plano de Trabalho do
estado ou município conveniado seja aprovado. Em outros termos, os con-
vênios com o Sistema Público de Emprego exigem comissões tripartites.
No entanto, com a transferência dos recursos e da ação do Estado no
sistema vocacional de qualificação profissional para o Ministério da Edu-
cação, tal medida de incentivo ao tripartismo perdeu muito da sua efetividade.
Sobre as perspectivas de tripartismo no Sistema S, o gestor do
MTE lembra que foram dados alguns passos neste sentido com a exi-
gência de maior transparência nas contas do Sistema S desde o Governo
Lula. Além disso, ele sustenta que o fato de o Sistema S funcionar com
recursos públicos na forma de tributos e não com contribuições espontâ-
neas do empresariado, confere legitimidade para uma proposta de gestão
tripartite ou bipartite do Sistema.

O próprio S, o Sistema S que era assim, um pouco o castelo dos


empregadores, o Governo Lula colocou o negócio da obrigatoriedade,

125
aos poucos eles estão tendo que abrir isso, porque este dinheiro é
justamente para isso. Este dinheiro não é dele. Este dinheiro é do
povo, do consumidor, é sabe? do trabalhador. Vem uma verba para
ele, mas aquela verba está embutida no preço das coisas dos impos-
tos, aquilo ali, por exemplo, você é vendedora de pente, vai vender
o pente, mas você coloca todo o seu custo ali, não coloca? Depois
você coloca o seu lucro. Quem vai pagar isso? Quem consome o
pente. Então, eu raciocino com esta lógica. Este dinheiro não é
deles, cara. Eu já discuti no Conselho.

Para a gestora do MTE e secretária do Codefat, a criação do Conselho


como órgão tripartite foi mais no sentido de cumprir uma diretriz da OIT
e também refletia a atmosfera de aumento de controle social que derivou
dos debates e da promulgação da Constituição de 1988. Em suas palavras,

o Conselho foi criado exatamente junto com a Lei que criou o


FAT, eu entendo que a princípio teria o objetivo de mais cumprir
uma diretriz da OIT mesmo, porque na ocasião, se estava estimu-
lando, inclusive, na própria Constituição de 88, então 90 foi logo
depois, o processo de discussão e o resultado do que saiu na Cons-
tituição, já dava uma tendência pra esta questão da gestão de recur-
sos públicos de forma participativa. Então, isso já era uma tendên-
cia vinda da Constituição, eu acho que foi um processo.

Ela chama atenção que o Codefat perdeu espaço nos últimos anos
em função do enfraquecimento em sua capacidade de decidir a alocação
de recursos relacionadas com a qualificação profissional. Da proposta do
Codefat de alocação de recursos em qualificação encaminhada ao Mi-
nistério do Planejamento, apenas 10% é executada. Ela atribui o esvazia-
mento da qualificação profissional no âmbito do Codefat a uma decisão
de governo, leia-se a decisão de transferir os recursos para o Pronatec
executado no Ministério da Educação. Para ela, o fracasso do Planfor e a
incapacidade de os novos planos de qualificação obterem maiores resul-
tados pesou nesta decisão.

Esse é um estigma que é muito difícil da gente conseguir suplantar


e conseguir o respeito dos órgãos de planejamento pra mostrar que
a gente teria capacidade de fazer diferente. Então, lá houve uma

126
espécie de voto de confiança. Se colocou um volume substancial de
recurso. . .

A perda da influência do tripartismo sobre as políticas de qualifi-


cação profissional põe em xeque qualquer possibilidade de avanços da
governança tripartite no contexto brasileiro. A seguir, são analisados os
principais resultados do survey conduzidos com delegados representan-
tes das três bancadas (trabalhadores, empregadores e Governo) da I Con-
ferência Nacional do Emprego e Trabalho Decente.3
Um dos principais déficits democráticos em relação à representação
sindical é a falta de organização no local de trabalho. Em termos legais,
a Constituição brasileira não é clara quanto à organização por local de tra-
balho. Não há, porém, proibição formal nesse sentido. A Tabela 1 mostra
não existir consenso entre representantes dos trabalhadores, do Governo e
dos empregadores. Os empregadores tendem a ser contrários à representa-
ção sindical no local de trabalho, embora o direito de organização sindical
por local de trabalho seja essencial para o enforcement de direitos trabalhistas.

Tabela 1. A Constituição brasileira garante a livre organização sindical nos locais de


trabalho (%)
Trabalhadores Empregadores Governo

Concorda fortemente 31,8 – 39,1


Concorda 40,9 39,3 56,5
Discorda 13,6 28,6 4,3
Discorda fortemente 13,6 32,1 –
Total 100,0 100,0 100
Qui-quadrado de Pearson 26.260, sig. .002 e V de Cramer é de .329.
Fonte: Survey I CNETD, 2012.

No entanto, há um projeto de lei que busca regulamentar acordos


coletivos entre trabalhadores e empregadores e também a organização
sindical por local de trabalho. Elaborado pelo Sindicato dos Metalúrgicos
do ABC, há um Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico
(ACE) que regulamenta a criação de Comitês Sindicais de Empresa
(CSE) — versão moderna das comissões de fábrica — dentro dos locais
de trabalho, o que tende a diminuir o número de processos encaminha-
dos anualmente à Justiça do Trabalho. A adesão à nova legislação seria
facultativa (Valor Econômico, 9-7-2012).
3 O survey teve participação de 84 delegados da I Conferência Nacional de
Emprego e Trabalho Decente (CNETD) realizada em Brasília em agosto de 2012.

127
Um ponto de consenso entre os representantes dos três atores es-
tratégicos é a diminuição da intervenção do Estado nas relações entre
capital e trabalho. A Tabela 2 mostra que os três atores favorecem nego-
ciações coletivas que tenham força de lei.

Tabela 2. A legislação trabalhista deve permitir aos sindicatos patronais e de trabalha-


dores negociarem coletivamente, especialmente em momentos de crise econômica (%)
Trabalhadores Empregadores Governo

Concorda fortemente 19,0 65,5 29,2


Concorda 57,1 34,5 50,0
Discorda 4,8 – 20,8
Discorda fortemente 19,0 – –
Total 100,0 100,0 100,0

Qui-quadrado de Pearson 27.789, sig. .001 e V de Cramer é de .338.


Fonte: Survey I CNETD, 2012.

A negociação no âmbito do processo produtivo é que ainda apre-


senta rejeição dos empregadores. Embora 21,4% concordem que a in-
trodução de novas tecnologias deve ser negociada com os trabalhadores
antes de ser implementada, a maioria (78,6%) discorda dessa afirmação. A
natureza hierárquica da variedade de capitalismo no Brasil também se
revela na distância de poder entre trabalhadores e gerentes na negocia-
ção das condições de trabalho e organização da produção no chão de
fábrica. No caso dos representantes do Governo, 62,5% concordam e, no
caso dos trabalhadores há unanimidade (Tabela 3). Em empresas indus-
triais nos EUA e em grandes economias europeias, essa já é uma prática
estabelecida.

Tabela 3. A introdução de novas tecnologias de produção na empresa deve ser nego-


ciada com os trabalhadores antes de ser implementada (%)
Trabalhadores Empregadores Governo

Concorda fortemente 47,6 – 29,2


Concorda 52,4 21,4 33,3
Discorda – 42,9 33,3
Discorda fortemente – 35,7 4,2
Total 100,0 100,0 100,0

Qui-quadrado de Pearson 47.570, sig. .000 e V de Cramer é de .426.


Fonte: Survey I CNETD, 2012.

A origem da ideia da participação dos trabalhadores nos conselhos


deliberativos das empresas remonta à República de Weimar, a Lei dos

128
Conselhos de Trabalho é de 4 de fevereiro de 1920. Conforme Addison
(2009), o pano de fundo da Lei em 1920 foi a ameaça de revolução
depois da Primeira Guerra Mundial. Apesar de estar essencialmente as-
sociada com a codeterminação (mitbestimmung), dois anos atrás houve
uma lei no Brasil sobre a representação dos trabalhadores em empresas
com mais de duzentos funcionários. Empresas de capital misto como a
Petrobras e o Banco do Brasil já implementaram a prática de incorporar
trabalhadores na gestão da empresa. Entretanto, isto é diferente de ter
um terço do Conselho da empresa como no caso da codeterminação
alemã. Há apoio para essa medida por parte do Governo e dos trabalha-
dores, 90,5% dos representantes dos trabalhadores concordam e 72,2%
dos representantes do Governo (Tabela 4).

Tabela 4. Deve ser obrigatório um terço de representantes de trabalhadores entre os


membros do Conselho de Administração das empresas com mais de quinhentos fun-
cionários (%)
Trabalhadores Empregadores Governo

Concorda fortemente 28,6 3,6 22,2


Concorda 61,9 10,7 50,0
Discorda 9,5 14,3 22,2
Discorda fortemente – 71,4 5,6
Total 100,0 100,0 100,0
Qui-quadrado de Pearson 44,147, sig. .000 e V de Cramer é de .443.
Fonte: Survey I CNETD, 2012.

O tripartismo no Sistema S tem ampla rejeição dos representan-


tes dos empregadores e amplo apoio tanto dos representantes dos traba-
lhadores quanto dos representantes do Governo (Tabela 5). Como dito
antes, o fato de o recurso financeiro do Sistema S provir de um tributo
especial recolhido das empresas confere legitimidade ao pleito de um
conselho tripartite no Sistema S. As decisões estratégicas tripartites per-
mitiriam um grande avanço na coordenação entre associações empre-
sariais e centrais sindicais em torno da qualificação profissional. Por
outro lado, práticas clientelistas de parte do Governo e lideranças sindi-
cais corruptas constituem uma ameaça na gestão tripartite eficaz dos
recursos.

129
Tabela 5. Os recursos financeiros do Sistema S (Sesi, Senac, Senar, Sebrae) devem
ser geridos por comissão tripartite com representação igual dos trabalhadores, em-
pregadores e Governo (%)
Trabalhadores Empregadores Governo

Concorda fortemente 19,0 65,5 29,2


Concorda 57,1 34,5 50,0
Discorda 4,8 – 20,8
Discorda fortemente 19,0 – –
Total 100,0 100,0 100,0

Qui-quadrado de Pearson 57,684, sig. .000 e V de Cramer é de .497.


Fonte: Survey I CNETD, 2012.

O principal argumento contrário ao aumento salarial nas negocia-


ções coletivas é precisamente a falta de viabilidade econômica destes
aumentos. No entanto, os empregadores não concordam que a situação
financeira da empresa deva estar disponível durante as negociações sala-
riais. Novamente, este é um ponto de convergência entre trabalhadores e
governos.
Nas economias industriais avançadas, a revelação de informações
financeiras da empresa durante negociações salariais é uma prática
estabelecida. Ao tratar estas informações como uma “caixa-preta”, os
representantes do empresariado sinalizam uma disposição para maior
transparência e maior simetria de poder nas relações entre capital e trabalho.
Como pode ser visto na Tabela 6, a grande maioria dos representantes
dos empregadores discorda que a situação financeira da empresa deve
estar disponível para as partes que realizam a negociação.

Tabela 6. A situação financeira da organização/empresa deve estar disponível para as


partes em negociação salarial e de benefícios (%)
Trabalhadores Empregadores Governo

Concorda fortemente 19,0 65,5 29,2


Concorda 57,1 34,5 50,0
Discorda 4,8 – 20,8
Discorda fortemente 19,0 – –
Total 100,0 100,0 100,0
Qui-quadrado de Pearson 47,856, sig. .000 e V de Cramer é de .461.
Fonte: Survey I CNETD, 2012.

A fim de entender melhor as variáveis que constituem atitudes e


percepções favoráveis à cooperação entre capital e trabalho de um modo
geral e à governança tripartite em particular, foram desenvolvidos três

130
modelos explicativos com três distintas variáveis dependentes. Os mode-
los lograram uma variância explicada acima de 70%, o que é bastante
razoável para modelos de regressão múltipla em ciências sociais.
Como pode ser visto pela Tabela 7, a variável dependente que trata
da participação dos trabalhadores nos conselhos de administração das
empresas tem como principal variável preditora a exposição da situação
financeira da empresa nas negociações salariais. O coeficiente beta pa-
dronizada desta variável foi de .751. Como um todo o modelo foi capaz
de explicar 76,6% da variância da variável relacionada com a participa-
ção nos conselhos de administração de grandes empresas.

Tabela 7. Modelo explicativo da participação dos trabalhadores em Conselhos de Administração de grandes em-
presas*
Variáveis preditoras** Coeficiente beta Nível de significância
padronizado

A situação financeira da organização/empresa deve estar .751 .000


disponível para as partes em negociação salarial e de bene-
fícios.
As representações dos trabalhadores e dos empregadores .123 .026
possuem igual poder de influência e igual capacidade de
formular propostas nos espaços tripartites.
A introdução de novas tecnologias de produção na empresa .181 .014
deve ser negociada com os trabalhadores antes de ser im-
plementada.
R2 ajustado .766

Fonte: Survey da Pesquisa com os delegados da Primeira Conferência Nacional de Emprego e Trabalho De-
cente. * Variável dependente: deve ser obrigatório um terço de representantes de trabalhadores entre os
mem bros do Conselho de Administração das empresas com mais de quinhentos funcionários ** Foi utilizado
o modelo de regressão para dados categóricos do SPSS “Optimal Scaling”. *** Teste Anova com F de 30,477
sig. em .000.

Conforme mostra a Tabela 8, a transparência e prestação de infor-


mações financeiras nas negociações coletivas possui duas variáveis pre-
ditoras importantes. De forma lógica e coerente, a primeira e mais im-
portante variável preditora é justamente a participação dos representantes
de trabalhadores nos conselhos de administração das empresas com um
coeficiente de .514. A segunda variável preditora mais importante é a
gestão tripartite dos recursos do Sistema S com um coeficiente de .246.
O poder explicativo do modelo foi de 77,8% da variância explicada da
variável sobre transparência na prestação de informações nas negocia-
ções coletivas.

131
Tabela 8. Modelo explicativo sobre a transparência e prestação de informações nas
negociações coletivas*
Variáveis preditoras** Coeficiente beta Nível de significância
padronizado

A introdução de novas tecnologias de produção na empresa .150 .048


deve ser negociada com os trabalhadores antes de ser
implementada.
Deve ser obrigatório um terço de representantes de traba- .514 .000
lhadores entre os membros do Conselho de Administração
das empresas com mais de quinhentos funcionários.
Os sindicatos dos trabalhadores e dos empregadores devem .164 .003
ser consultados sobre quem recebe os incentivos fiscais (re-
dução e eliminação de impostos) do Governo.
Os recursos financeiros do Sistema S (Sesi, Senac, Senar, 0.246 0.00
Sebrae) devem ser geridos por comissão tripartite com re-
presentação igual dos trabalhadores, empregadores e Go-
verno.
R2 ajustado .778

Fonte: Survey da Pesquisa com os delegados da Primeira Conferência Nacional de Emprego e Trabalho De-
cente. * Variável dependente: A situação financeira da organização/empresa deve estar disponível para as partes
em negociação salarial e de benefícios. ** Foi utilizado o modelo de regressão para dados categóricos do SPSS
“Optimal Scaling”. *** Teste Anova com F de 21,665 sig. em .000.

Por fim, o terceiro modelo tem como variável dependente a go-


vernança tripartite no Sistema S. As variáveis preditoras mais importan-
tes para explicar a percepção dos respondentes sobre o Sistema S foram
a situação financeira das empresas (.419), a negociação em torno da
introdução de novas tecnologias (.327) e a participação de um terço de
representação dos trabalhadores nos conselhos de administração das
empresas. O modelo logrou explicar 70,2% da variância da variável so-
bre governança tripartite (Tabela 9).

Tabela 9. Modelo explicativo sobre a governança tripartite dos recursos do Sistema S*


Variáveis preditoras** Coeficiente beta Nível de significância
padronizado

A introdução de novas tecnologias de produção na empresa .327 .000


deve ser negociada com os trabalhadores antes de ser
implementada.
Deve ser obrigatório um terço de representantes de traba- .231 .017
lhadores entre os membros do Conselho de Administração
das empresas com mais de quinhentos funcionários.
A situação financeira da organização/empresa deve estar .419 .000
disponível para as partes em negociação salarial e de bene-
fícios.
segue

132
Variáveis preditoras** Coeficiente beta Nível de significância
padronizado

Os sindicatos dos trabalhadores e dos empregadores devem .167 .024


ser consultados
. sobre quem recebe os incentivos fiscais (re-
dução e eliminação de impostos) do Governo.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deve ser .187 .012
reformulada ouvindo as representações dos trabalhadores
e dos empregadores.
R2 ajustado .702
Fonte: Survey da Pesquisa com os delegados da Primeira Conferência Nacional de Emprego e Trabalho De-
cente. * Variável dependente: A situação financeira da organização/empresa deve estar disponível para as partes
em negociação salarial e de benefícios. ** Foi utilizado o modelo de regressão para dados categóricos do SPSS
“Optimal Scaling”. *** Teste Anova com F de 16,289 sig. em .000.

Conclusão

Ao analisar historicamente a configuração institucional do tripartismo


no Brasil das duas últimas décadas, é possível elencar alguns limites de
seu funcionamento. Um deles é a falta de confiança negocial das repre-
sentações perante o Governo e a desconfiança entre as representações
de trabalhadores e empregadores que se reflete na insegurança das nego-
ciações coletivas, na pouca disseminação das informações entre os mem-
bros e na falta de participação dos âmbitos estadual e municipal de
representação.
Em parte, essa configuração institucional que privilegia uma go-
vernança quasioligárquica deriva do corporativismo estatal construído
na Era Vargas. Por outro lado, a tutela do Estado sobre os sindicatos
durante a ditadura militar e o posterior enfraquecimento das organiza-
ções sindicais no período neoliberal tiveram consequências deletérias
para a formação de práticas e estratégias de coordenação entre organiza-
ções patronais e organizações de trabalhadores.
Os principais achados em torno dos dilemas da governança tripartite
apontam para uma ausência de conteúdo para os processos decisórios
dos espaços tripartites em torno das políticas ativas de emprego. Um dos
pontos foi a falta de interesse do empresariado nas políticas de qualifica-
ção profissional executadas no âmbito do MTE. Outro aspecto foi a
incapacidade dos atores estratégicos de produzir resultados que fossem
capazes de tornar esse espaço algo relevante para as estratégias desses
atores, especialmente do empresariado. Observa-se que a participação
do empresariado nas políticas públicas de emprego tem como foco algo

133
essencialmente defensivo em relação a iniciativas que possam resultar no
aumento do custo do trabalho.
Por outro lado, o maior interesse do empresariado com as políticas
de qualificação profissional via Pronatec poderá criar uma oportunidade
política, especialmente para as centrais sindicais, para a retomada e for-
talecimento do tripartismo.
Um obstáculo estrutural para a governança tripartite no Brasil é a
sua ausência nos níveis locais de representação dos trabalhadores. Como
ficou evidenciado a partir dos modelos explicativos, a democratização
das relações entre capital e trabalho no âmbito da firma são fatores fun-
damentais para que a governança tripartite deixe de uma mera buzzword
ou um discurso politicamente correto e vazio do Governo e da OIT.
Na relação entre governança tripartite e novo Estado desenvolvi-
mentista, considera-se que a maior organização dos interesses dos traba-
lhadores e do empresariado em torno do sistema de qualificação profis-
sional pode contribuir para um capitalismo organizado. A ascensão da
participação mais organizada nas políticas públicas relacionadas com o
desenvolvimento econômico pode produzir uma equivalência funcional
entre um novo desenvolvimentismo e um neocorporativismo societal. A
prática do neocorporativismo macro que a governança tripartite viabiliza
representa uma mudança fundamental na economia política brasileira,
ensejando uma relação Estado e sociedade mais inclusiva (Wylde, 2012).
Evidentemente, há ainda muito trabalho empírico e reflexões
teóricas a serem realizadas nesta direção, especialmente para entender os
limites e restrições de um capitalismo organizado na globalização com a
persistente hegemonia política e ideológica do neoliberalismo. A financei-
rização da economia e declínio das várias formas de corporativismo com
a política de austeridade para com os gastos sociais (Streeck & Schäfer,
2013) é um grande obstáculo para a construção de uma nova agenda do
desenvolvimento brasileiro.

Referências

ADDISON, J. T. The economics of codetermination: lessons from the German experience.


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136
DESENVOLVIMENTISTAS, LIBERAIS
E SUAS PREFERÊNCIAS PELO CONSUMO
IMEDIATO

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

O S ECONOMISTAS CLÁSSICOS afirmavam com razão que a Economia


é a ciência da escassez. Não obstante, muitos dos seus seguidores
vulgares acreditam que a macroeconomia keynesiana aboliu a escassez
quando mostrou que a insuficiência de demanda que se manifesta nas
crises econômicas pode ser resolvida aumentando-se o gasto público e o
consumo privado. Na verdade é impossível garantir o pleno emprego e o
desenvolvimento econômico aumentando-se indefinidamente o consumo.
O essencial é aumentar a taxa de investimento, e, portanto, a capacidade
produtiva do País, o que só é possível se o Estado reduzir relativamente
sua despesa corrente aumentando a poupança pública, e se expectativas
de lucro claramente superiores à taxa de juros estimularem as empresas a
investir. Por outro lado, Keynes afirmou com razão que a oferta não cria
a própria demanda, mas, nos países em desenvolvimento, dada a tendência
à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio, não basta estimular
essa demanda; é necessário adicionalmente neutralizar essa tendência para
garantir acesso aos mercados às empresas eficientes existentes no País.
A partir dessas premissas, o crescimento com estabilidade dos paí-
ses em desenvolvimento depende de uma política fiscal que garanta uma
razoável poupança pública, de uma política monetária e fiscal que man-
tenha a demanda razoavelmente aquecida, e de uma política cambial que
neutralize a tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio
que os caracteriza. Se essa neutralização não for promovida (algo que o
Brasil não faz desde que em 1990 aceitou fazer a abertura comercial e
financeira) e se, adicionalmente, a taxa de juros for elevada, como acontece

137
desde a estabilização da inflação de 1994, as oportunidades de investi-
mentos lucrativos serão insatisfatórias e a taxa de investimento privada
será baixa. Essa condição é especialmente importante quando o País dis-
põe de amplos recursos naturais e está sujeito à doença holandesa, mas é
válida em praticamente todos os países em desenvolvimento, porque, se
não houver uma política cambial para evitá-la, a taxa de câmbio será
cronicamente valorizada em quase todos eles.
Não obstante, tanto os economistas liberais quanto os desenvol-
vimentistas raramente criticam os políticos que não neutralizam a ten-
dência à sobreapreciação da taxa de câmbio e, por isso, submetem seus
países a elevados déficits em conta-corrente. Ao agirem dessa forma, eles
praticam o populismo cambial. Hoje apenas economistas incompetentes
defendem déficits públicos crônicos que aumentem o endividamento pú-
blico para níveis perigosos, que levam os bancos centrais a definir juros
elevados, e ameaçam a saúde financeira da mais importante instituição
com a qual uma nação conta para alcançar seus objetivos políticos de
bem-estar, equidade e liberdade: o Estado. A rejeição do populismo fiscal
afinal se tornou antes a regra do que a exceção no Brasil. O mesmo, po-
rém, não é possível dizer em relação ao déficit em conta-corrente e ao
correspondente populismo cambial, porque os economistas se acomodam
facilmente a esses déficits senão os favorecem. Pensam, equivocadamente,
que déficits em conta-corrente elevados são “naturais”, porque seria natural
que países ricos em capitais transfiram seus capitais para os países pobres
em capital, ou, em outas palavras, porque supõem que o recurso à “poupan-
ça externa” ou ao endividamento externo é a forma de superar a “restrição
externa” e crescer. Não se dão conta, primeiro, que um país que neutraliza
sua doença holandesa deslocando sua taxa de câmbio para o equilíbrio
industrial, tem um superávit em conta-corrente, e, segundo, que a tentati-
va de crescer com a política de poupança e endividamento externo é self-
-defeating (autoderrotadora), porque implica apreciar a taxa de câmbio,
e, em consequência, causar a perda de competitividade de suas empresas.
Na verdade, os países em desenvolvimento só logram realizar o catching
up quando logram fazer com que a taxa de câmbio flutue em torno do
equilíbrio industrial. Isso exige, primeiro, um imposto de exportação
sobre as commodities que originam a doença holandesa, dessa forma a
neutralizando, e, segundo, uma política cambial ativa, que administre a
oferta e a procura de moeda estrangeira de forma que a mantenha próxima
do equilíbrio competitivo: o industrial. Foi o que o Brasil fez entre 1930

138
e 1980 para crescer aceleradamente; é o que o novo desenvolvimentismo
hoje propõe a partir da macroeconomia desenvolvimentista.
Entre 1930 e 1990, o desenvolvimentismo foi a estratégia de de-
senvolvimento dominante no Brasil, e, embora tenha passado por crises,
a pior das quais tendo sido a crise financeira da dívida externa dos anos
1980, foi durante cinquenta anos uma estratégia altamente bem-sucedi-
da: comandou a revolução nacional e industrial brasileira. Mas esse de-
senvolvimentismo foi geralmente conservador, tanto no período varguista
(1930-1960), quanto no militar (1964-1984). Quando se tornou progres-
sista, entre 1985 e 1989, foi populista e não logrou enfrentar e superar a
grande crise financeira (a crise da dívida externa) e a alta inflação inercial
herdadas dos militares. No breve período em que estiveram no poder,1 os
desenvolvimentistas progressistas declararam a moratória da dívida ex-
terna, mas não tiveram forças para reestruturá-la unilateralmente. Diante
da pressão dos países ricos para que o Brasil voltasse a pagar a dívida an-
tiga e a fazer novas dívidas, seus economistas e governantes não tiveram
competência técnica e política para resolver o problema da dívida e da
alta inflação inercial. É significativo, porém, que foi já no quadro da
ortodoxia, restabelecida em 1988 com a suspensão da moratória da dívi-
da externa, que o Brasil, no início de 1990, viu sua alta inflação se trans-
formar em hiperinflação (inflação mensal superior a 50%).2 Depois de
um período de transição, de 1988 a 1989, no qual a ortodoxia se resta-
beleceu no Ministério da Fazenda, e depois de uma breve e mal-sucedi-
da tentativa de retomar o desenvolvimentismo, em 1990, os desenvolvi-
mentistas perderam o poder para os liberais em 1991.3 Em 2003, diante
do fracasso dos liberais em retomar o desenvolvimento, os desenvolvi-
mentistas progressistas recuperaram o poder, mas, onze anos depois, é
preciso reconhecer que tampouco eles lograram trazer o Brasil de volta
para o crescimento acelerado e o catching up.

1 Nesse período, no Governo José Sarney, o comando do Ministério da Fazenda


coube, primeiro, a Francisco Dorneles (1985), depois, a Dílson Funaro (1985-1987), e,
finalmente, a Luiz Carlos Bresser-Pereira (1987).
2 Nesses dois anos, ainda no Governo Sarney, Maílson da Nóbrega ocupou o Mi-
nistério da Fazenda.
3 No Governo Fernando Collor de Mello, a primeira ministra da Fazenda, Zélia
Cardoso de Mello, foi desenvolvimentista; diante do seu fracasso em estabilizar a inflação,
não obstante um corajoso ajuste fiscal e monetário, sucedeu-a Marcílio Marques Moreira
em meados de 1991, e o País, afinal, depois de sessenta anos de autonomia (com breves
interrupções) se entregou à ortodoxia liberal.

139
Nem liberais nem desenvolvimentistas lograram a retomada do
desenvolvimento porque deixaram o País preso em uma armadilha de
juros altos e câmbio sobreapreciado, a qual, ao tornar as boas empresas
brasileiras desconectadas de seu mercado, reduziu o investimento priva-
do, ao passo que ao aumentar a despesa corrente do Estado reduzia a
poupança pública e a capacidade do Estado de realizar investimentos.
Desde 1980 o Brasil avançou no plano da democracia e experimentou
grande avanço social, mas está claro que a prioridade deixou de ser o
desenvolvimento econômico, e passou para a distribuição da renda e o
consumo. Dada a grande desigualdade existente no País e a nova demo-
cracia, essa mudança foi compreensível. Mas o espaço para uma política
de redução da desigualdade é sempre limitado, de forma que, sem desen-
volvimento econômico, o objetivo econômico maior, que é a melhoria do
padrão de vida da população, não melhora de forma significativa.

Liberalismo econômico e desenvolvimento

Meu pressuposto, que discuti em outros trabalhos, é que para que haja o
desenvolvimento econômico em um país de renda média como o Brasil é
fundamental, de um lado, que o Estado recupere sua capacidade de in-
vestimento na infraestrutura, e, de outro, que seu governo conduza uma
política cambial que neutralize a tendência à sobreapreciação cíclica e
crônica da taxa de câmbio. O Brasil não logrou realizar essa tarefa, dei-
xando que uma taxa de câmbio sobreapreciada aumentasse o consumo,
ao mesmo tempo em que retirava competitividade das boas empresas do
País, reduzindo suas expectativas de lucro, e, em consequência, sua taxa
de investimento (e de taxa de poupança).4 O problema econômico do
Brasil não é um problema de oferta, como os economistas liberais su-
põem, nem um problema de demanda, como supõem os keynesianos,
mas um problema de acesso à demanda tanto interna quanto externa. Uma
taxa de câmbio cronicamente apreciada nega às empresas brasileiras com-
petentes esse acesso; desconecta-as de seu mercado tanto externo quanto
interno. Por outro lado, despesas públicas correntes excessivas impedem
que o Estado cumpra seu papel na realização de investimentos na

4 Ver Bresser-Pereira, A macroeconomia da estagnação. Rio de Janeiro: Editora da


Fundação Getúlio Vargas, 2007 e A construção do Brasil. São Paulo: Editora 34, 2014.

140
infraestrutura econômica do País, responsabilizando-se por cerca de 20 a
25% do total de investimentos.
Isto não significa que não existam problemas do lado da oferta. É
claro que existem sempre os problemas da educação, da saúde, da
infraestrutura, das instituições. Por outro lado, existem, de forma cíclica,
problemas de insuficiência do lado da demanda. Mas, ao contrário do
que afirmam os economistas liberais, as deficiências que o Brasil apre-
senta no plano da oferta não constituem fato novo que possa explicar por
que, que entre 1930 e 1980, o País cresceu à elevada taxa de 4,1% ao ano
per capita, mas, desde então, essa média baixou para pouco mais de 1%.
Como também, ao contrário do que afirmam os economistas desenvol-
vimentistas keynesianos, o fato de o Brasil enfrentar ciclos de aqueci-
mento e de desaquecimento da demanda não explica essa quase estagna-
ção de longo prazo que prevalece no País desde 1980.
A grande crise financeira nos anos 1980 causada pela política de
crescimento com poupança externa, e a decisão de abrir o País financeira-
mente em 1991, que levou o Governo brasileiro a perder sua capacidade
de controlar as entradas de capitais e de neutralizar a doença holandesa,
são os dois fatos novos fundamentais que explicam a quase estagnação da
economia brasileira desde 1980. Durante os anos 1980, a principal causa
do baixo crescimento foi a crise financeira e a alta inflação inercial. A
partir de 1995, depois que um plano heterodoxo de estabilização neutra-
lizou a alta inflação inercial, a causa foi a sobreapreciação cambial com-
binada com uma taxa de juros elevada.
Hoje existe um debate entre liberais e desenvolvimentistas, os pri-
meiros, sempre conservadores, os segundos, divididos entre conservado-
res e progressistas. Os liberais apoiam-se na teoria econômica neoclássica,
enquanto os desenvolvimentistas apoiam-se na teoria estruturalista do
desenvolvimento e na macroeconomia keynesiana. Nestes últimos doze
anos eu e um grupo crescente de economistas que podem se autodenominar
“novo-desenvolvimentistas sociais”, vêm construindo uma “macroeconomia
estruturalista do desenvolvimento” ou, simplesmente, uma “macroecono-
mia desenvolvimentista”. Essa macroeconomia desenvolvimentista é
keynesiano-estruturalista, mas critica, de um lado, a excessiva importância
dada à “restrição externa” e a conexão desta com a política de crescimento
com poupança externa, e, de outro, sua leniência em relação a déficits
públicos elevados e crônicos. Em outras palavras, o novo desenvolvimen-
tismo social critica o populismo cambial e o populismo fiscal — dois

141
vícios que assombram o desenvolvimentismo realmente existente — além,
naturalmente, de criticar o baixo crescimento, o aumento da desigualda-
de, e as crises financeiras que caracterizam o liberalismo econômico real-
mente existente.
A ortodoxia liberal está associada ao pensamento neoclássico, que
é essencialmente equivocado, porque superestima a capacidade do mer-
cado de coordenar a economia nacional, ao passo que o desenvolvimen-
tismo pode tanto ser equivocado quanto acertado, dependendo das deci-
sões de política tomadas. Enquanto a ortodoxia liberal “resolve” todos os
problemas com ajuste fiscal, o keynesianismo vulgar os “resolve” com ex-
pansão fiscal. Já o novo desenvolvimentismo social está associado a uma
macroeconomia desenvolvimentista que inova no plano teórico e nas con-
sequentes políticas econômicas a serem adotadas. Mas como esse novo
desenvolvimentismo supõe uma intervenção moderada mas ativa do Esta-
do na economia, ele só será bem-sucedido se as políticas adotadas forem
boas. Há vários anos venho contrapondo o antigo ao novo desenvolvimen-
tismo, e, mais recentemente, tenho salientado que esse desenvolvimen-
tismo, na democracia, é necessariamente social. O antigo desenvolvi-
mentismo e a teoria estruturalista do desenvolvimento à qual estava
associado referiam-se a uma realidade histórica — a dos anos 1940 aos
1970 — que não existe mais. Por outro lado, a teoria estruturalista do
desenvolvimento não tinha uma teoria adequada da taxa de câmbio, nem
fazia a crítica necessária à política de poupança externa. O desenvolvi-
mentismo hoje tanto pode ser social ou progressista como pode ser conser-
vador, mas precisa ser sempre competente, ao passo que o liberalismo
econômico é intrinsecamente incompetente porque deixa de tomar as
decisões necessárias ao desenvolvimento econômico e à estabilidade fi-
nanceira.
O liberalismo econômico só é bem-sucedido nos países em desen-
volvimento quando é chamado para resolver uma crise financeira que é
exclusiva desses países: a crise de balanço de pagamentos, decorrente do
excessivo endividamento em moeda estrangeira — uma moeda que não
podem nem emitir nem depreciar. Nos países ricos, que se endividam em
sua própria moeda, a crise financeira é sempre bancária. Nos dois casos
há excesso de endividamento, há uma bolha de crédito, mas no país em
desenvolvimento essa crise está sempre associada à apreciação cambial e
a elevados déficits em conta-corrente — está, portanto, sempre associada
ao populismo cambial. Essa irresponsabilidade cambial pode ter sido

142
praticada tanto por um governo liberal quanto por um desenvolvimentista,
mas a solução envolve sempre um ajuste fiscal e um ajuste cambial. Ajus-
te que é vulgarmente associado com a ortodoxia liberal, embora um go-
verno desenvolvimentista também não tenha outra alternativa senão rea-
lizar o ajuste. O único grau de liberdade é referente à intensidade ou ao
grau do ajuste. Quando, em 1963, Celso Furtado tentou sem êxito estabili-
zar a economia brasileira com o Plano Trienal, era um desenvolvimentista
(progressista) que estava propondo o ajuste macroeconômico. Quando,
em 1981/83, Antônio Delfim Netto logrou estabilizar parcialmente a
economia brasileira, era novamente um desenvolvimentista (conservador)
que realizou o ajuste. O desenvolvimentismo de Celso Furtado, de Ignácio
Rangel e de Raúl Prebisch foi competente e progressista; já o desenvol-
vimentismo de Getúlio Vargas ou dos militares brasileiros e de Antônio
Delfim Neto foi competente mas conservador. Não podemos dizer o
mesmo do desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek e de José Sarney,
que não foram competentes mas populistas e acabaram gerando crise
cambial e inflação.
Em síntese, o liberalismo econômico realmente existente caracte-
riza-se geralmente pelo baixo crescimento, o aumento da desigualdade, e
por crises financeiras de balanço de pagamentos decorrentes de sua
leniência intrínseca em relação ao populismo cambial, mas se permane-
ce no poder (ou é chamado) quando sobrevêm crises financeiras, sua
capacidade de promover o ajuste macroeconômico é custosa, mas efetiva.
Já o desenvolvimentismo realmente existente está associado a pratica-
mente todos os momentos de grande desenvolvimento econômico de um
país, mas esse resultado depende da competência e da capacidade de re-
sistência ao populismo econômico (tanto fiscal quanto cambial) dos seus
políticos e economistas; quando essa competência e essa resistência não
estão presentes, os resultados são desastrosos.

Um pouco de história

No período de grande crescimento da economia brasileira, entre 1930


e 1980, os políticos e economistas liberais ou neoliberais (que no pas-
sado também eram significativamente chamados “livre-cambistas”) só
assumiram o poder por breves períodos, em 1945, 1954, 1960 e 1964,
com consequências desastrosas, exceto na estabilização de 1964-1967.

143
O regime militar foi essencialmente desenvolvimentista — um desenvol-
vimentismo conservador e excludente, mas que logrou promover subs-
tancial crescimento econômico.
Amedrontada pela revolução socialista cubana de 1959, a burgue-
sia brasileira se aliou aos militares em 1964. Porém, em razão de um
conjunto de medidas autoritárias adotada pelo Governo Geisel — o
“Pacote de Abril” de 1977 —, essa burguesia, indignada com essas medi-
das desnecessárias e violentas, gradualmente se associou às classes popu-
lares, que desde 1964 defendiam a democracia. A democracia foi afinal
alcançada, com a eleição de um candidato de oposição à Presidência da
República no final de 1984, e a convocação de uma Assembléia Nacio-
nal Constituinte, enquanto o País parecia haver superado a crise finan-
ceira com o ajuste de 1981/83 e estaria em condições de retomar o de-
senvolvimento econômico. Mas não estava, como foi possível ver no
primeiro governo democrático, o Governo Sarney — um governo carac-
terizado pelo desenvolvimentismo populista. Esse governo foi incapaz
de enfrentar a crise financeira e o problema da alta inflação causadas pela
política de crescimento com poupança externa adotada pelo regime mi-
litar a partir de meados dos anos 1970, e terminou, em 1989, em uma
crise financeira ainda mais profunda. Esta se desencadeou com o fracas-
so do Plano Cruzado, no início de 1987. Um fracasso que, além de tornar
mais aguda e violenta a crise financeira, implicou uma crise política de
grandes proporções — a crise do Pacto Democrático-Popular de 1977
que presidira a transição democrática — a qual resultou, no final de
1989, na derrota de todos os grandes líderes políticos democráticos e a
eleição de um candidato presidencial sem passado político, Fernando
Collor de Mello.
A rendição do Brasil ao Norte, em 1991, ocorreu sob o comando
de políticos e burocratas liberais no segundo ministério do Governo Col-
lor, depois de quatro anos de vácuo de poder (1987-1990) causado pelo
colapso do Plano Cruzado. A partir desse momento, no quadro do Pacto
Liberal-Dependente de 1991, o País, sob a orientação da ortodoxia libe-
ral, voltou por um período à condição semicolonial que tivera antes de
1930. Com o fracasso do Plano Collor, assumiu o ministério da Fazenda
Marcílio Marques Moreira. Com ele chegava ao poder o departamento
de economia da PUC do Rio de Janeiro — um grupo de economistas
que foi heterodoxo apenas em relação à inflação inercial e, portanto, ao
Plano Real; no mais, desenvolveu no Banco Central, entre 1991 e 2010

144
uma política ortodoxa e neoliberal caracterizada por um nível de taxa de
juros extremamente alto e pelo uso abusivo da apreciação cambial para
controlar a inflação.
O plano de estabilização de dezembro de 1991, que contou com o
apoio do FMI, marcou a submissão do Brasil ao Consenso de Washington.
E, como era de se esperar, fracassou. Nos termos do acordo, ao mesmo
tempo que o governo aumentava a taxa de juros de forma estratosférica,
perdia o controle de sua taxa de câmbio que mantinha desde 1930 devido
à abertura da conta de capitais — uma das condições básicas colocadas
pelo FMI para sua participação no plano de estabilização ortodoxo. A
inflação mensal, em dezembro de 1991, estava em 20%. Contando com o
ajuste fiscal já feito, a carta de intenção aprovada pelo FMI previa que,
graças à elevação da taxa de juros, essa inflação reduzir-se-ia obediente-
mente um pouco menos de dois pontos percentuais por mês, de forma
que um ano mais tarde ela estaria no nível de 2% ao ano. Refletia uma
visão monetarista convencional sobre a inflação brasileira. Em dezem-
bro de 1992 a inflação mensal continuava nos mesmos 20%. Não obstante
o grande ajuste fiscal de 1990, a economia voltou a apresentar déficit
público em 1992 devido ao enorme aumento da taxa básica de juros paga
pelo Governo, que alcançou mais de 30% ao ano em termos reais, en-
quanto a economia estava mergulhada na recessão. Afinal foi esse o úni-
co “resultado” do acordo com o FMI, além do aumento do endividamento
externo, já que a taxa de inflação que se pretendia reduzir se manteve
constante em torno de 20% ao mês. Mediante o acordo de 1991 com o
FMI, o Brasil aderia sem restrições às teses do Consenso de Washing-
ton, abria sua economia às entradas de capitais, perdia seu controle sobre
a taxa de câmbio, e fazia a promessa de reformas liberais em instituições
que, até há pouco, eram consideradas impensáveis.

O fato histórico novo que paralisou o desenvolvimento

Para explicar a quase estagnação que se estabeleceu no Brasil a partir de


1980 precisamos saber quais foram os fatos históricos novos que explicam
este fato. Estes ocorreram em dois momentos consecutivos. Em 1980, o
fato novo foi a política de poupança e endividamento externo, que causou
a grande crise financeira da dívida externa e a alta inflação. Resolvidos
esses problemas no início dos anos 1990, o segundo fato histórico novo

145
foi a liberalização comercial e financeira ocorrida entre 1990 e 1992,
que levou o País a deixar de neutralizar sua doença holandesa e a perder
seu controle sobre a taxa de câmbio. Desde então o desenvolvimento
econômico não foi retomado. Em torno de 2007, quando a elevação dos
preços das commodities exportadas pelo País produziu um passageiro boom,
muitos economistas celebraram “a retomada do desenvolvimento”, Macro-
economia da estagnação (2007), afirmava precisamente o contrário, a par-
tir do fato de que a economia brasileira estava presa na armadilha de
juros altos e câmbio sobreapreciado. Em um primeiro momento pareceu
que eu estava equivocado, mas, infelizmente, vemos hoje que eu estava
certo: que enquanto o Brasil não resolver no plano econômico e no po-
lítico o problema representado por essa armadilha, seu crescimento será
morno e instável. Depois que a alta inflação inercial foi estabilizada, em
1994, a nação brasileira, enfraquecida pela crise financeira dos anos 1980,
e por ter aceitado a pressão dos países ricos para abrir economia, não se
revelou suficientemente forte ou capaz de comandar a retomada do de-
senvolvimento com estabilidade. Ao deixar que a taxa juros alcançasse
níveis altíssimos e que a taxa de câmbio se situasse cronicamente sobre-
apreciada em nome do combate a uma alta inflação já dominada, os po-
líticos e economistas brasileiros levaram os salários reais para um nível
elevado, incompatível com o nível de produtividade da economia, e
inviabilizaram a retomada do desenvolvimento.
O enfraquecimento da nação brasileira começou a ocorrer nos anos
1970, quando a teoria da dependência associada, ao fazer a crítica ao
regime militar, criticou também a tese de que uma coalizão de classes
desenvolvimentista formada pela burguesia nacional, os trabalhadores e
a burocracia pública, estava desde 1930 promovendo a revolução capitalis-
ta brasileira. A perda da ideia de nação aprofundou-se devido à profun-
didade da crise financeira dos anos 1980. No final da década, quando
ficou claro que a coalizão desenvolvimentista e progressista que coman-
dara a transição democrática havia se revelado incapaz de controlar a
inflação e retomar o desenvolvimento, surgiu a oportunidade para a to-
mada do poder pelo liberalismo econômico dominante no mundo rico.
A partir da abertura de 1990-92, no quadro da nova hegemonia ideoló-
gica neoliberal, o Brasil se submeteu ao Império. Ao invés de se integrar
competitivamente na globalização, integrou-se a ela de forma subordi-
nada, aceitando as pressões, as recomendações, as políticas e as reformas
vindas do Norte.

146
No plano econômico, devemos, portanto, dividir o período poste-
rior a 1980 em dois. Entre 1980 e 1994, a estagnação econômica em
termos de renda por habitante foi consequência direta da crise financei-
ra (a crise da dívida externa) causada pela política equivocada dos mili-
tares de buscar o crescimento apoiados na política de poupança e en-
dividamento externo, e da alta inflação que decorreu da desorganização
da economia causada por essa crise financeira. Já a partir de 1995, quan-
do o problema da dívida externa e o problema da alta inflação haviam
sido resolvidos, o crescimento continuou insatisfatório tanto no Governo
Fernando Henrique quanto nos Governos Lula e Dilma, porque o País
não voltou a neutralizar a tendência à sobreapreciação cíclica e crônica
da taxa de câmbio que caracteriza os países em desenvolvimento — em
particular não voltou a neutralizar a doença holandesa como o fizera
com razoável êxito durante o período da revolução nacional e industrial
(1930-1980). Entre 1967 e 1990 essa neutralização se fizera pela impo-
sição, principalmente sobre o café, de um imposto disfarçado — o cha-
mado confisco cambial — que levava o valor da taxa de câmbio do equi-
líbrio corrente para o equilíbrio industrial. Isso era feito por meio de um
imposto de importação médio de 45% sobre todas os bens manufatura-
dos e um subsídio à exportação de bens manufaturados em média igual-
mente de 45%. Como o café e as demais commodities não tinham subsí-
dio, isso implicava um imposto de 28,8% sobre a taxa de câmbio de
equilíbrio industrial.5
Desde as aberturas comercial e financeira realizadas entre 1990 e
1992 a economia brasileira não impõe mais um imposto sobre a exporta-
ção de suas commodities que originam a doença holandesa — a sobre-
apreciação quase permanente da taxa de câmbio —, e, portanto, sua in-
dústria ou, mais amplamente, seus setores com valor adicionado per capita
elevado, deixaram de ser competitivos e de merecer investimentos. Esse
foi o fato histórico novo que impediu a retomada do desenvolvimento
econômico do Brasil a partir de 1994, quando se alcançou a estabilidade
dos preços. Em consequência desta não neutralização da tendência à
sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio, a economia brasi-
leira convive com uma sobreapreciação cambial de longo prazo, apenas
interrompida pelas duas crises de balanço de pagamentos, a primeira no
5 Se a taxa de câmbio nominal era de 20 cruzeiros por dólar, para importadores e
exportadores de manufaturados esta taxa era 29 reais; logo, os exportadores de commodities
pagavam indiretamente 9 cruzeiros por dólar exportado: um imposto disfarçado de 28,8%.

147
final de 1998 e a segunda, em 2002. Em consequência dessa sobreapre-
ciação, (a) as empresas nacionais perderem competitividade, e foram des-
conectadas tanto dos mercados internos quanto externos, na medida em
que desapareciam as oportunidades de investimentos lucrativos para elas;
(b) a taxa de investimento estagnou em torno de 18% do PIB, não obstante
boa parte do financiamento dos déficits em conta-corrente fosse realizado
por investimentos diretos.6 Tanto a crise de 1998 quanto a de 2002 foram
precedidas por entradas indesejáveis de capitais caracterizadas por alta
taxa de substituição da poupança interna pela externa, seguida por um
período de fragilidade financeira em que o País foi obrigado a praticar a
política do confidence building, ou seja, adotar políticas que satisfazem os
credores, não os interesses do País.
Em 2013 o Brasil voltou a experimentar um período de fragilidade
financeira e voltou a ser obrigado ao confidence building. Um sinal foi
muito claro em relação a esse fato: depois de muitos anos de câmbio so-
breapreciado e de déficits em conta-corrente cada vez maiores, as entra-
das de capitais também começaram a cair, e os agentes financeiros passa-
ram a apostar na depreciação cambial, que só não se manifestou de forma
mais acentuada porque o País ainda não perdeu seu crédito internacional,
porque as reservas internacionais do País são grandes, e porque o Banco
Central as usou para vender dólar futuro. Estou escrevendo em meados
de 2014 — ano de eleições, de forma que até outubro o Governo se
empenhará em conter a depreciação, porque esta implicará aumento de
inflação e queda de salários — dois movimentos necessários para o reajuste
da economia, hoje evidentemente desajustada, mas que deverão esperar
para o período pós-eleição. O problema, após outubro próximo, é saber
se teremos um soft landing ou um hard landing, uma correção gradual do
câmbio e de todas as receitas (não apenas os salários), uma crise de
balanço de pagamentos, um sudden stop, caracterizado pela suspensão da
rolagem da dívida externa e a violenta depreciação cambial.

Preferência pelo consumo imediato

Desde 1995 tivemos oito anos de governo liberal e onze anos de governo
desenvolvimentista — de liberalismo econômico e de desenvolvimentismo
realmente existentes. Os resultados, em termos de distribuição, foram
6 Isto acontece porque nos países em desenvolvimento há geralmente uma alta
taxa de substituição da poupança interna pela externa.

148
claramente favoráveis no período de desenvolvimentismo social, mas os
resultados em termos de crescimento e estabilidade foram equivalentes
se descontarmos o crescimento acelerado do segundo Governo Lula, o
que é razoável já que esse crescimento foi fortemente associado ao enor-
me aumento do preço internacionais das commodities. Nesses dezenove
anos, liberais e desenvolvimentistas comportaram-se de maneira razoá-
vel no plano fiscal, mas perderam-se no plano cambial, primeiro, porque
acreditaram na política de poupança e endividamento externo; segundo,
porque usaram perversamente a taxa de câmbio como âncora para con-
trolar a inflação; e, terceiro, porque deixaram que os salários e o consu-
mo crescessem de forma artificial. Revelaram, assim, uma elevada prefe-
rência pelo consumo imediato.
Que o governo liberal e seus economistas liberais se acomodem
com a apreciação cambial não é surpreendente, primeiro, porque, con-
tra toda evidência, eles afirmam que o mercado coordena satisfatoria-
mente o câmbio; segundo, porque dizem que “é impossível” ter uma
política cambial; e, terceiro, porque, no governo, os economistas liberais
são tão atraídos pelo populismo cambial quanto os desenvolvimentis-
tas; seu “rigor” é limitado às contas fiscais do Estado; não abrangem as
contas do Estado-nação. Mas o que dizer em relação ao desenvolvimen-
tismo realmente existente do Governo nos últimos onze anos. Como
explicar o populismo cambial desse Governo, e a preferência pelo con-
sumo imediato dos economistas desenvolvimentistas nesse período? Es-
tes sabem que o mercado não coordena de forma adequada a taxa de
câmbio, e sabem que é possível praticar uma política cambial, tanto as-
sim que o Governo a está praticando. Mas a preferência pelo consumo
imediato “falou mais alto”, como se viu pela violenta apreciação cambial
que ocorreu no Governo Lula. Este recebeu do Governo anterior uma
taxa de câmbio, a preços de hoje (setembro de 2015), de R$ 7,00 por dó-
lar e a entregou a sua sucessora com R$ 2,00 por dólar. É verdade que a
nova presidente percebeu que o País voltara à armadilha do câmbio apre-
ciado e juros alto, que caracterizara o Governo Fernando Henrique
Cardoso, e no início de seu governo procurou resolver o problema:
logrou baixar os juros e depreciar o câmbio. A baixa dos juros foi subs-
tancial, mas a depreciação foi insuficiente: levou o real, sempre a preços
de hoje, a R$ 2,40 por dólar, não obstante a taxa de câmbio de equilíbrio
industrial, em 2011 era, como já vimos, de 3,30 e hoje, devido à queda da
produtividade da indústria brasileira, é de 3,60 por dólar. Em consequência,

149
a taxa de crescimento do Governo Dilma Rousseff foi muito baixa. Con-
tribuiu para isso a deterioração da economia mundial desde a crise fi-
nanceira global de 2008, mas está muito claro que o motivo principal do
baixo crescimento foi a captura do mercado interno brasileiro (que cres-
cera enormemente) pelos importadores.
Os economistas desenvolvimentistas apostavam nesse aumento do
mercado interno; seria para eles a forma de o País crescer sem precisar
depreciar a moeda nacional o quanto é necessário para devolver a com-
petitividade às empresas brasileiras. Era uma aposta equivocada. Se o
Brasil fosse ainda uma economia fechada, caracterizada pelo modelo de
substituição de importações, a estratégia poderia ter funcionado. Mas
essa estratégia de crescimento está há muito superada no Brasil — pelo
menos desde os anos 1960. Logo, aumentar o mercado interno, manter
uma taxa de câmbio sobreapreciada, e não contar com tarifas de impor-
tação muito elevadas resulta, necessariamente, na transferência desse
mercado interno para as empresas importadoras. Foi exatamente o que
ocorreu no Brasil depois que estas se organizaram para importar manu-
faturados — algo que, diferentemente do que acontece com commodities,
demora cerca de três a quatro anos. Enquanto os importadores não se
organizavam, ainda no Governo Lula, foi possível às empresas industriais
nacionais continuar a vender no mercado interno. No Governo Dilma
eles já estavam organizados, e o mercado foi perdido.
Assim, não é surpreendente que a depreciação do real no primeiro
ano do Governo Dilma tenha ficado longe do nível que era necessário.
Não havia para isso apoio nem entre os economistas liberais nem entre os
desenvolvimentistas, ainda que por diferentes razões. E também não havia
suficiente discussão política do problema no âmbito da sociedade, muito
menos um acordo social sobre a desvalorização necessária, dado o desin-
teresse dos economistas pelo problema, e o caráter desagradável de qual-
quer depreciação cambial, ao tornar todos mais pobres temporariamente.

Superestimação da política industrial

Por outro lado, os desenvolvimentistas apostaram em uma falsa alterna-


tiva a uma taxa de câmbio de equilíbrio industrial. Pensaram que uma
política industrial — no caso recente uma forte desoneração de impostos

150
das empresas industriais — compensaria a sobreapreciação cambial, e as
empresas voltariam a investir. Basearam-se na experiência exitosa de po-
lítica industrial nos anos 1970 no Brasil, e da importância que teve a
política industrial no desenvolvimento dos países asiáticos dinâmicos,
conforme o demonstram os trabalhos clássicos de Chalmers Johnson
(1982), Alice Amsden (1989) e Robert Wade (1990). Apoiados nessa
experiência os desenvolvimentistas de hoje superestimam o que pode
fazer a política industrial. Não compreendem que a política industrial no
Brasil entre 1967 e 1990 embutia a neutralização da doença holandesa
mediante um sistema de altas tarifas alfandegárias e elevados subsídios à
exportação de manufaturados. Por outro lado, nos países da Ásia, havia
uma clara divisão de trabalho: os ministérios da indústria promoviam
uma ativa política industrial, limitavam o endividamento externo e os
investimentos diretos estrangeiros, ao passo que os ministérios de finan-
ças limitavam os déficits fiscais e os déficits em conta-corrente, manten-
do, assim, as contas do Estado e as contas do Estado-nação equilibradas,
e não tinham necessidade de neutralizar a doença holandesa com um
imposto de exportação, porque nesses países ela é quase inexistente, e o
crescimento econômico baseou-se quase desde o início na exportação de
manufaturados. No Brasil, nossos desenvolvimentistas querem que uma
política industrial cause o milagre do desenvolvimento enquanto não
têm condições políticas para estabelecer limites aos investimentos direi-
tos, ao mesmo tempo em que deixam que o País incorra em elevados
déficits em conta-corrente. A política industrial é um instrumento de
política econômica indispensável, mas hoje ela acaba por ser um obstá-
culo ao desenvolvimento econômico do País, porque dela se espera mui-
to mais do que ela pode dar, e, em razão dessa esperança, não se adotam
as políticas macroeconômicas essenciais para o desenvolvimento econô-
mico acelerado e o catching up.
A política industrial de desonerações custou caro, agravou uma
situação fiscal que estava razoável, fragilizou a situação financeira in-
ternacional do País, e não levou os empresários a voltar a investir. Sem
ela, a situação da indústria seria ainda pior do que é hoje. Mas creio
que agora está claro que não é simplesmente por meio de política indus-
trial que o Brasil estancará a desindustrialização em curso, e se rein-
dustrializará.

151
Conclusão

Em conclusão, a experiência brasileira recente mostra que não basta


que um governo seja desenvolvimentista para ser bem-sucedido. Em
situações normais um governo liberal leva sempre o país a um regime de
baixo crescimento e à instabilidade cambial; um governo desenvolvi-
mentista só logra alcançar o crescimento com estabilidade se adotar as
boas práticas associados ao novo desenvolvimentismo social. Ou, em outras
palavras, se, primeiro, deixar de superestimar a política industrial, sem,
no entanto, deixar de ativamente praticá-la; segundo, se buscar manter
suas contas fiscais equilibradas; terceiro, se estabelecer um imposto de
exportação sobre as commodities que originam a doença holandesa e, as-
sim, lograr neutralizá-la; terceiro, se recusar a política de poupança e
endividamento externo e a política de âncora cambial para controlar a
inflação. Inflação se controla, no longo prazo, mediante a eliminação de
qualquer indexação, e, no curto prazo, por meio de política fiscal e de
política monetária.
Começar um governo depois de uma crise em que sua taxa de
câmbio está fortemente depreciada, e poder apreciá-la, é uma oportuni-
dade de ouro. Como a apreciação cambial reduz a inflação e aumenta
salários reais no curto prazo, o governo pode durante um bom tempo
alcançar taxas razoáveis de crescimento com baixa inflação e diminuição
da desigualdade. Foi o que aconteceu no Governo Lula. Já os Governos
FHC e Dilma começaram com a taxa de câmbio já altamente apreciada.
O que explica por que não tiveram resultados tão satisfatórios. Em ter-
mos gerais, praticar uma macroeconomia desenvolvimentista é relativa-
mente fácil quando o país já está com sua taxa de câmbio no equilíbrio
ou mesmo depreciada, mas isto só acontece logo após uma crise de ba-
lanço de pagamentos. Na maioria dos casos é preciso, primeiro, promo-
ver o deslocamento do nível da taxa de câmbio do equilíbrio corrente
para o equilíbrio industrial. E isto definitivamente não é fácil, nem no
plano econômico, nem no plano político, e é definitivamente impossível
se os economistas que deveriam defender e promover esse deslocamento
once and for all revelarem preferência pelo consumo imediato e se manti-
verem imóveis diante da tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da
taxa de câmbio.

152
Referências

AMSDEN, A. H. Asia’s next giant. Nova York: Oxford University Press, 1989.
BRESSER-PEREIRA, L. C. Macroeconomia da estagnação. São Paulo: Editora 34,
2007.
—. A construção do Brasil, São Paulo: Editora 34, 2014.
JOHNSON, C. MITI and the Japanese miracle. Stanford: Stanford University Press,
1982.
MARCONI, N. The industrial equilibrium exchange rate in Brazil: an estimation.
Brazilian Journal of Political Economy, vol. 32, n.o 4, pp. 656-69, 2012.
OREIRO, J. L.; BASÍLIO, F. A. & SOUZA, G. J. G. Acumulação de capital, taxa
real de câmbio e catching-up, teoria e evidência para o caso brasileiro. Traba-
lho apresentado ao Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas, São
Paulo, 31 de setembro de 2013.
WADE, R. Governing the market: economic theory and the role of government in East
Asian industrialization. Princeton: Princeton University Press, 1990.

153
DESENVOLVIMENTO DO
DESENVOLVIMENTISMO: DO SOCIALISMO
UTÓPICO AO SOCIAL-DESENVOLVIMENTISMO

FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA

A Economia hoje virou uma batalha ideoló-


gica que, primeiro, envolve as relações de Po-
der. A Economia não é um saber qualquer, é
um saber muito relacionado com o Poder, com
a constituição de certas convicções que são im-
portantes para a reprodução do Sistema. Se
você começa a pensar ao contrário do Siste-
ma, torna-se uma pessoa perigosíssima.
— L UIZ G ONZAGA B ELLUZZO , 2011, p. 441.

O DESENVOLVIMENTISMO não é uma corrente de pensamento eco-


nômico, derivada de algum grande pensador, Marx (1818-1883)
ou Keynes (1883-1946), Walras (1834-1910) ou Friedman (1912-2006).
Ele constitui uma ideologia mutante. No marxismo, Ideologia é o con-
junto de ideias presentes nos âmbitos teórico, cultural e institucional das
sociedades. Não se pode ignorar sua origem materialista. Ela não é idea-
lista ou mero produto mental. Está baseada nas necessidades e interesses
inerentes às relações econômicas de produção. Enquanto for vista por
marxistas ou rebeldes apenas como elemento de coesão e/ou criação de
consenso social, eles acharão que a ideologia apenas beneficia as classes
sociais dominantes. Porém, a totalidade das formas de consciência social
abrange tanto o sistema de ideias que legitima o poder econômico da
classe dominante (ideologia burguesa) quanto o conjunto de ideias que
expressa os interesses (revolucionários ou não) da classe dominada (ideo-
logia trabalhista ou socialista).
Por derivação ou extensão de sentido, vamos empregar aqui o con-
ceito de Ideologia com a conotação que se encontra na Sociologia. É um

154
sistema de ideias (crenças, tradições, princípios e mitos) interdependentes,
sustentadas por determinado grupo social de qualquer natureza ou di-
mensão. Seus adeptos refletem, racionalizam e defendem os próprios
interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos,
políticos ou econômicos. Especialmente, focalizaremos o desenvolvimen-
tismo como ideologia nacionalista, não necessariamente conservadora, pois
pode se referir, em certos contextos históricos, ao conjunto de convicções
filosóficas, sociais, políticas, etc., de indivíduo ou grupo de indivíduos
rebeldes contra a ordem existente.
O artigo de Fonseca (2000) contesta a tese, corrente na literatura
econômica, segundo a qual “as teorias defendidas pelos economistas li-
gados à Cepal nas décadas de 1950 e 1960 devem-se à influência direta
de Keynes”. Para tanto, além de evidenciar diferenças entre as duas cons-
truções teóricas, mostra que, antes de a Cepal ser criada, em 1948, ou da
publicação da Teoria geral, em 1936, teses mais tarde consagradas como
suas já encontravam adeptos na América Latina.
Ele questiona a tese que vê a Cepal, de forma jocosa, como uma
espécie de “keynesianismo caboclo”. Relativiza a influência de Keynes
em aspectos como intervencionismo, demanda interna e críticas ao laissez-
-faire. Pretende, assim, chamar atenção para as complexas determinações
historicamente envolvidas nas origens e nas fontes formadoras do pensa-
mento cepalino. Eram formas de pensar e teses já conhecidas de forma
embrionária entre intelectuais, políticos e empresários brasileiros, nas
primeiras décadas do século XX, algumas remontando ao século XIX.
Talvez o mais interessante e inovador no artigo de Fonseca (2000)
tenha sido chamar a atenção para o fato de as ideias posteriormente
consagradas como do corpo teórico da Cepal terem profundos vínculos
com a formação histórico-econômica dos países latino-americanos, pra-
ticamente acompanhando seu processo tardio de industrialização. Mas
isto não significa que tais ideias fossem autóctones, ou seja, que não
receberam quaisquer influências externas em sua formação.
“Economistas como Nurkse [1907-1959], Hans Singer [1910-2006]
e Myrdal [1898-1987], por exemplo, influenciaram muito o pensamen-
to cepalino. Se isto é largamente difundido, não é o caso daquelas cor-
rentes ou autores que influenciaram as ideias tidas como cepalinas em
seu nascedouro, já nas primeiras décadas do século XX, [. . .] para o
caso brasileiro — e que também são anteriores aos referidos economis-
tas”. Para divulgá-las, Fonseca (2000, p. 347), recorrendo à experiência

155
brasileira, assinala três vertentes que influenciaram tais ideias, todas sur-
gidas no continente europeu e que foram sendo assimiladas na América
Latina pelos críticos da ortodoxia liberal: a) o “liberalismo de exceção”;
b) o positivismo; e c) List (1789-1846).
Vamos, na primeira parte deste texto-resenha, analisar essa hipóte-
se de Fonseca (2000) a respeito das vertentes formadoras do Pensamento
Cepalino e, por decorrência, Desenvolvimentista. No primeiro tópico, o
“teste de hipótese” será realizado em subtópicos, subdividindo as raízes
intelectuais da Ideologia Desenvolvimentista. No segundo e no terceiro
tópico, serão sintetizados, respectivamente, a evolução das ideias da Cepal
e as correntes do pensamento econômico brasileiro nos anos 50-60, des-
tacando o pensamento independente de Ignácio Rangel (1914-1994). O
quarto resumirá o debate nos anos 60 sobre estagnação do desenvolvi-
mento capitalista e subconsumo.
A respeito do pensamento das gerações dos economistas formados
e/ou influenciados pela “Escola de Campinas”, e suas diferenças em relação
ao autodenominado Novo-Desenvolvimentismo, dedicaremos outros
quatro tópicos na segunda parte deste Texto para Discussão. O quinto
será sobre as ideias-chave da Geração Fundadora da Escola de Campi-
nas (G1). O sexto dirá respeito ao Novo-Desenvolvimentismo, desen-
volvido principalmente por alguns professores da Fundação Getúlio
Vargas de São Paulo. O sétimo tópico resumirá a visão sistêmica do
“Desenvolvimentismo de Esquerda” ou “Segunda Geração da Unicamp”
(G2). O oitavo analisará o financiamento do desenvolvimento. A con-
clusão exporá, brevemente, os assuntos estratégicos para o social-desen-
volvimentismo brasileiro contemporâneo.

Raízes da ideologia desenvolvimentista no Brasil

Fonseca (2000, p. 337) salienta que “o marco teórico keynesiano, embora


sujeito a várias leituras, é marcado pelo equilíbrio de curto prazo”. Alerta
que “as contribuições pós-keynesianas que criticam essa interpretação
são mais recentes do que as teorias cepalinas e, portanto, não poderiam
tê-las influenciado”. Por isso, afirma: “O princípio da demanda efetiva,
basilar no pensamento keynesiano, sempre encontrou limites nos traba-
lhos da Cepal, apesar das análises de Celso Furtado [1920-2004] pela
ótica «da demanda», como na Formação econômica do Brasil, de 1958. Isto

156
se deve em parte ao fato de a economia do subdesenvolvimento não po-
der considerar como dadas variáveis tais como capacidade produtiva e
tecnologia: o que em Keynes era constante, naquela eram exatamente as
variáveis de estudo por excelência”.
Lendo Maria da Conceição Tavares (1972, p. 30), ele reafirma que
“era o investimento autônomo, acompanhado de inovações tecnológicas, que,
associado à demanda exógena de exportações, emprestava dinamismo às
economias centrais, ao contrário do que ocorria nos países periféricos”.
Deduz, corretamente, que “esse enfoque de longo prazo, voltado à neces-
sidade de expandir a capacidade produtiva, opõe-se frontalmente às leitu-
ras convencionais de Keynes, centradas na necessidade de fomento da de-
manda para atingir o produto potencial. Mesmo que se assinale o duplo
caráter do investimento em Keynes, de parte da demanda agregada e ao
mesmo tempo responsável por sua origem e flutuação, não se pode igno-
rar que na Cepal atribuiu-se à poupança uma importância que não existe
na Teoria Geral ”. Para Fonseca (2000, p. 339), parece indubitável que “a
Cepal foi muito mais eclética que propriamente keynesiana, tendo sofri-
do influência de outras correntes e autores, além do próprio Keynes”.
Fonseca (2000, p. 341) alerta que “críticas ao liberalismo recorren-
do a esse contraste entre o saber teórico dominante e as necessidades
práticas do País associam-se ao dualismo entre o «Brasil legal» e o «Bra-
sil real» presente nos chamados pensadores autoritários dos anos 1930: Oli-
veira Viana [1883-1951], Azevedo Amaral [1881-1942], Francisco Cam-
pos [1891-1968] e Plínio Salgado 1895-1975], entre outros”. Fonseca
(2000, pp. 343-7) mostra que “é com Vargas [1882-1954] que o discur-
so presidencial assume posições mais próximas às da Cepal.”
Havia consciência explícita nesses autores de que a industrializa-
ção e o progresso do País, o chamado desenvolvimento cepalino, não
poderiam decorrer do livre jogo do mercado, mas só se viabilizariam por
meio de políticas deliberadas, induzidas e implementadas pelo Estado,
isto é, o planejamento. Mais que isso, começou a emergir a concepção
segundo a qual o País estava em situação de atraso, que havia certa rota
a percorrer para sair da “estagnação”. Sem o intervencionismo estatal cons-
cientemente programado não havia como a América Latina romper com
seu passado agrarista e subordinado na divisão internacional do trabalho.
A doutrina do laissez-faire não estava propriamente errada, mas não podia
ser generalizada: era válida apenas para os países que estavam na frente
na industrialização. Havia, logicamente, argumentos pró-industrializantes,

157
que mais tarde seriam incorporados à teoria econômica da Cepal e por
ela aperfeiçoados com roupagem “científica”.
Autores como Adam Smith (1723-1790) e John Stuart Mill (1806-
1873), embora admitissem o liberalismo como regra, não deixaram de, em
alguns momentos, arrolar motivos pelos quais o livre mercado impunha
problemas, considerados exceções à regra em casos específicos. Por falta de
melhor denominação, Fonseca (2000, p. 348) resolveu chamar essa ver-
tente de “liberalismo de exceção”, o que significa a recorrência, pelos
políticos, industriais e ideólogos brasileiros, às exceções mencionadas
pelos próprios autores liberais. Ressalta que a construção do discurso, ao
enfatizá-las, trata essas exceções como regras a serem seguidas no caso
especial da economia brasileira.
Pois bem, a partir dessa dica, sem descartar sua hipótese para os
autores “meio liberais” brasileiros, sugiro também a leitura de outra ver-
tente possivelmente formadora da ideologia desenvolvimentista, já que
essa corrente de pensamento defendeu interesses similares para seu lugar
e sua época. Estou me referindo aos socialistas utópicos, mais particular-
mente a Saint-Simon (1760-1825).

S OCIALISMO U TÓPICO

O socialismo defendido por Saint-Simon foi, mais tarde, denomi-


nado de “socialismo utópico” por seus opositores marxistas. Estes, por
oposição, se autodenominavam socialistas “científicos”, pois estariam basea-
dos nas “leis da História” reveladas por Karl Marx. Mais adiante, a
metodologia científica diferenciou entre o que é Ciência, possível de ser
falseada, e História, cujos fatos não podem ser desmentidos.
A crítica aos “utópicos” vem do fato de seus teóricos exporem os
princípios de certa sociedade ideal sem indicar os meios para alcançá-la.
Os socialistas utópicos acreditavam que a implantação do sistema socialista
ocorreria de forma lenta e gradual, estruturada no pacifismo, com imposições
da realidade de conquistas sociais à classe dominante. Os não reformistas ou
os socialistas radicais se apresentavam como verdadeiros “revolucionários”.
Comumente, o nome da obra Utopia, publicada em 1516 por
Thomas More (1478-1535), é entendido como lugar que não existe, ou
seja, imaginário. Porém, a leitura correta seria a crítica comparativa às
mazelas do lugar que, na realidade, existe. Os primeiros socialistas que
propuseram a construção de certa sociedade igualitária foram, posterior-

158
mente, definidos como utópicos. Essa qualificação não deve ser vista de
maneira pejorativa, mas sim como equivalente a críticos à desigualdade,
portanto, “de esquerda”.
Os diversos teóricos do socialismo utópico têm ideias diferentes e
propõem soluções diversas, mas é possível reconhecer dois traços co-
muns. Primeiro, tentam reformar a sociedade pela boa vontade e partici-
pação de todos. Em outras palavras, adotam o reformismo. Segundo, todas
as tentativas não vão além de postura fortemente filantrópica e paternalista:
melhoria de alojamentos e higiene, construção de escolas, aumento de
salários, redução de horas de trabalho. Saint-Simon pensava em sociedade
industrial dirigida por produtores, entre eles, classe operária, empresários,
sábios, artistas — e banqueiros! Há certas similaridades entre o pensa-
mento socialista utópico e o pensamento desenvolvimentista de esquerda.

P OSITIVISMO

Ordem (nas Finanças Públicas) e Progresso (na Nação), o lema da


bandeira brasileira parece também incrustada na ideologia desenvolvi-
mentista. Seus ideólogos definem o que deveria ser, praticando Economia
Normativa, e, curiosamente, não aceitando se restringir à Economia Po-
sitiva com seu diagnóstico sobre o que é. Esta não é Positivista. . .
A proposta de romper com o passado, isto é, o liberalismo associa-
do ao marasmo agrarista e à cultura livresca, sem base na realidade bra-
sileira, como mostra Fonseca (2000, p. 350), aparece nos “pensadores
autoritários” dos anos de 1930. Essa ruptura inspira-se tanto no positivismo
como nas doutrinas corporativistas então nascentes, tendo em comum com
elas o repúdio ao liberalismo dos bacharéis, divorciados do que considera-
vam a realidade do País, agrário, copiador de culturas importadas e atra-
sado. A indústria representava a modernidade, a evolução, o progresso, a
supremacia da ciência e da técnica sobre os costumes ultrapassados pela
marcha da civilização. O positivismo trouxe consigo, portanto, uma agenda
a ser implementada. Fonseca indaga: “como falar em laissez-faire, laissez-
-passer dentro desse contexto?”
A influência corporativista sobre Vargas talvez se deva ao próprio
Auguste Comte (1798-1857), defensor da integração do proletariado à
sociedade industrial com medidas de proteção aos trabalhadores, como for-
ma de impedir os avanços da miséria decorrente da Revolução Industrial.
Fonseca (2000, p. 351) assinala que “um dos autores mais citados por

159
Vargas, era Saint-Simon”. No período de 1817-1824, Auguste Comte
foi secretário do conde Henri de Saint-Simon, como visto, expoente do
socialismo utópico. Com ele aprendeu as primeiras lições críticas ao
liberalismo inglês.
Mas, antecipando um pouco o que virá na continuação deste capí-
tulo, e “testando a hipótese” de que essas ideias varguistas, positivistas e
saint-simonianas, de desenvolvimento e integração dos trabalhadores ao mer-
cado interno, mantêm ainda hoje adeptos entre os “desenvolvimentistas de es-
querda”, destacamos depoimento recente (Cadernos do Desenvolvimento
[CD]; 2011, p. 427) de Luiz Gonzaga Belluzzo (LGB):
LGB: “Eu e João Manuel éramos, no fundo, muito críticos da
visão da Universidade de São Paulo [muito crítica em relação a Gilberto
Freyre (1900-1987) e Getúlio Vargas]. Éramos alunos de lá e tínhamos
mais afinidades com uma pessoa como o Fernando Novais, que estava
muito mais próximo da outra visão do desenvolvimento, a do Iseb. [. . .]
Nós tínhamos uma posição contrária à da USP, até por questões biográ-
ficas. Meu pai era muito getulista e o pai do João Manuel era anti-
udenista. Meu tio era ligado à editora José Olympio, onde eu conheci
muitos autores. Eu era menino e ia lá, via Gilberto Freyre, José Lins do
Rego (1901-1957).
CD: Então, você também não compartilhava a visão da USP, em
especial do Francisco Weffort, sobre o populismo?
LGB: Nós tínhamos horror a essa visão, com todo o respeito ao
Weffort. Isso era o negócio do antigetulismo da USP, que vivia numa
espécie de udenismo.
CD: Provocando: isso não ajudou a produzir o PT, anos depois?
Justamente com a insistência na ideia da organização autônoma da classe
trabalhadora?
LGB: Claro! O Weffort era o secretário-geral do PT, era o ideólogo
do partido.
CD: E não era só a crítica que o PT fazia a esse populismo do
Vargas, mas ao modelo corporativo, à tutela pelo Estado. Quando surge,
o PT quer uma concepção pluralista, de organização dos interesses dos
trabalhadores. Opunha-se frontalmente à herança varguista, que era en-
tão interpretada por Brizola [1922-2004].
LGB: O Weffort era de origem trotskista. E os trotskistas acham
essa discussão sobre a nação fora do lugar.”

160
L IST

Há passagens na principal obra de List (1983) que assombram


pela semelhança de argumentos e até de linguagem com os principais
economistas cepalinos. A industrialização como questão nacional, nos
moldes da Cepal, vem à tona com a mesma divisão internacional do
trabalho perversa às nações agrícolas dependentes: “A história demons-
tra que os dispositivos protecionistas se originaram do esforço natural
das nações para atingirem sua prosperidade: independência e poder, ou
das guerras e da legislação comercial hostil das nações manufatureiras
predominantes” (1983, p. 127). E daí List concluía pela defesa intransi-
gente do mercado interno: “o comércio exterior só pode prosperar nas
nações que desenvolveram sua indústria interna em alto grau” (1983, p.
130). A prioridade do mercado interno, portanto, deveria ocorrer concomi-
tantemente à mudança na pauta de exportações. Esta só aconteceria se a nação
se industrializasse.
Da mesma forma que Vargas e, mais tarde, os cepalinos, ainda de
acordo com Fonseca (2000, p. 354), “List postulava não haver contradi-
ção entre os interesses industriais e agrícolas, desde que sob a hegemonia
dos primeiros”. Na verdade, a ideia de conciliação entre elite e contraelite,
ou mesmo entre classes socialmente antagônicas, é tradição brasileira que
muitos acadêmicos (marxistas ou não) brasileiros teimam em desprezar
como “populismo”, mas os defensores do desenvolvimentismo insistem
em enxergar como a necessária “coesão política” para construção de Na-
ção civilizada.
Em sua Apresentação na tradução brasileira do livro de List (1983),
o economista e senador Cristovam Buarque (pp. xxiii-xxiv) afirma que
“ao longo de sua obra, ele propõe medidas que se identificam claramente
com todas as normas modernas de indução e planejamento em países capita-
listas atrasados. A análise dessas medidas instrutoras se identifica com a
visão da Cepal, e outros organismos de planejamento nacionais, faltando
apenas uma instrumentalização institucional (Bancos de Desenvolvimento,
Órgãos de Planejamento) e técnicas específicas”.
Buarque (in List, 1983, p. xxvi) sintetiza “toda a concepção do
desenvolvimentismo que está presente em List” da seguinte forma:
— Objetivo: o desenvolvimento de qualquer Economia tem como
objetivo a limitação dos países já industrialmente desenvolvidos;

161
— Etapas: as economias se desenvolvem mediante etapas sucessi-
vas, que só podem ser superadas por meio da ação indutora do Estado;
— Protecionismo: o caminho da industrialização (condição neces-
sária e razão do desenvolvimento) das Nações passa, obrigatoriamente,
por proteção aduaneira à indústria nacional;
— Mercado interno: o protecionismo, ao permitir o dinamismo da
indústria local, gera também o mercado interno necessário ao seu pró-
prio crescimento;
— Infraestrutura: para que a industrialização seja possível é funda-
mental a execução, com apoio do Estado, de obras de infraestrutura,
especialmente no setor de transportes.

Pensamento estruturalista (ou cepalino)


sobre o desenvolvimento

Walt W. Rostow (1916-2003) dividiu o processo de desenvolvimento


em cinco etapas: a sociedade tradicional, as precondições para o arranco, o
arranco propriamente dito, a marcha para a maturidade, a era do consumo de
massa. Essas cinco etapas do desenvolvimento tinham conteúdo idêntico
para todos os países, independentemente do momento em que cada qual
se iniciou no caminho da industrialização.
Furtado (1983, p. 109) criticava esse enfoque faseológico do desen-
volvimento. Achava que era esforço interpretativo da história que, dada a
complexidade dos processos históricos, exigia elevar extremamente o nível
de abstração, o que evidentemente reduzia a eficácia explicativa dos mo-
delos construídos. “Imaginar que esses tipos ideais [categorias abstratas
de sistemas econômicos] são fases pelas quais passam necessariamente
todas as sociedades em sua evolução é uma forma particular de interpre-
tação da história fundada nas ideias de progresso que permeiam a filoso-
fia europeia a partir do iluminismo”.
Assim, em razão de sua extrema generalidade, o valor dessas análi-
ses, como base de antecipação de tendências a longo prazo, é reduzido ou
nulo. No entanto, a despeito dessas limitações que levam o alcance do
enfoque faseológico a ser meramente descritivo, ele pode alertar para o
papel dos fatores não econômicos que interferem nos processos de desen-
volvimento e das características específicas das atuais economias subde-
senvolvidas ou em desenvolvimento.

162
Furtado (1983, p. 113) alertou para os aspectos políticos do desenvol-
vimento. “É no controle das estruturas de poder — assim como na apro-
priação e utilização do excedente — por grupos cujas motivações não se
relacionam de forma principal com a atividade produtiva e na aliança
desses grupos com elementos estrangeiros cujos objetivos não são com-
patíveis com os interesses da coletividade que se encontram os principais
obstáculos ao desenvolvimento dos atuais países subdesenvolvidos”.
Um outro perfil de base histórica do desenvolvimento da economia
contemporânea foi sugerido por Raúl Prebisch (1901-1986), economis-
ta argentino secretário executivo da Cepal (Comissão Econômica para a
América Latina) desde sua fundação, pela ONU (Organização das Na-
ções Unidas), em 1948, até 1962. Prebisch parte da análise da propaga-
ção da tecnologia moderna e da repartição dos frutos do progresso técni-
co. A característica principal dessa economia é a coexistência de um
centro, que comanda o desenvolvimento tecnológico, e uma vasta e hete-
rogênea periferia. O tipo de relações que existe entre o centro e a perife-
ria estaria na base do fenômeno de concentração de renda em escala
mundial, que se realiza principalmente por meio da deterioração persis-
tente dos termos do intercâmbio entre os países periféricos exportadores de
produtos primários com baixo valor agregado e os países centrais expor-
tadores de bens industriais. Sua análise dinâmica indica que não existe
tendência à passagem automática de uma fase qualquer a outra superior.
Ao contrário, a única tendência visível é que os países subdesenvolvidos
continuarão a sê-lo.
Esse pensamento é denominado estruturalista porque a matriz estru-
tural de um modelo é o conjunto de relações precisas existentes entre as
variáveis, isto é, a forma como a partir dos valores conhecidos de um ve-
tor de variáveis (exógenas) se determina os valores de outro vetor de va-
riáveis (endógenas). A análise econômica estruturalista se propõe a explicar
certos fenômenos a partir de outros que são conhecidos. Se os valores
dos parâmetros — variáveis ou constantes às quais, em relação determinada
ou em questão específica, se atribui papel particular e distinto do das ou-
tras variáveis ou constantes — são especificados, as relações entre as va-
riáveis assumem características precisas, definindo-se certa estrutura. O
termo estrutura, portanto, refere-se às proporções e relações que caracte-
rizam determinado conjunto econômico localizado no tempo e no espaço.
No modelo adotado por economistas, o sentido substantivo dos
elementos do conjunto — decisões de consumo, de investimento, etc. —

163
é imprescindível para que se entendam as relações, isto é, para que se
defina a estrutura. O estruturalismo econômico — escola de pensamento
surgida na primeira metade dos anos 50 entre economistas latino-ameri-
canos — teve como objetivo principal pôr em evidência a importância dos
“parâmetros não econômicos” dos modelos macroeconômicos. O comportamento
das variáveis econômicas depende em grande medida desses parâmetros.
Os economistas que deram ênfase especial ao estudo de tais parâ-
metros foram chamados de “estruturalistas”. Exemplos desses fatores “não
econômicos” particularmente pertinentes com respeito a sistemas econô-
micos heterogêneos, social e tecnologicamente, como é o caso das eco-
nomias subdesenvolvidas são, entre outros:
1. Regime de propriedade da terra: sem conhecimento adequado da
estrutura agrária não seria possível entender a rigidez da oferta de ali-
mentos em certas economias;
2. Controle das empresas por grupos estrangeiros: sem análise do sis-
tema de decisões, cujo controle poderia estar em mãos de grupos estran-
geiros, não seria fácil entender a orientação das inovações técnicas;
3. Existência de parte da população “fora” da economia de mercado: sem
a identificação do dualismo estrutural não seria fácil explicar a tendência
à concentração de renda.
Metodologicamente, os estruturalistas retomaram a tradição do pen-
samento marxista, no sentido que ambas as correntes colocaram em primeiro
plano a análise das estruturas sociais como meio para compreender o compor-
tamento de variáveis econômicas. O trabalho desses economistas estrutura-
listas aproxima-se também do daqueles outros preocupados em dinami-
zar os modelos econômicos, contrapondo-se à construção de modelos
“estáticos” de caráter a-histórico.
O modelo da síntese neoclássica-keynesiana havia sido construído em
elevado nível de abstração, limitando-se a explicar as sete interações de
variáveis agregadas: (1) o emprego e a renda dependem da demanda
efetiva; (2) a demanda efetiva é determinada pela propensão a consumir
e pelo investimento; (3) a propensão a consumir é relativamente estável;
(4) o emprego depende do volume de investimento se a propensão a
consumir permanece estável; (5) o investimento depende da taxa de juros
e da eficiência marginal do capital; (6) a taxa de juros depende da oferta
de moeda e da preferência pela liquidez; (7) a eficiência marginal do
capital depende das expectativas de lucro e do custo de reposição (ou
preço de oferta) dos ativos de capital.

164
Essa Teoria geral não se referia à nenhuma realidade histórica bem
definida. Não era tão fácil “generalizá-la”, isto é, estender o seu alcance
explicativo à realidade histórica fundamentalmente diversa, como era o
caso de economias subdesenvolvidas. O modelo macroeconômico devia es-
tar em menor nível de abstração, isto é, em termos de teoria aplicada,
reincorporando elementos sociais e políticos antes abstraídos, para se
referir a essa realidade histórica.
O método histórico-estruturalista, baseado no argumento da “condi-
ção periférica”, se desenvolveu como escola de pensamento especializada
no exame das tendências econômicas e sociais em médio e longo prazo
dos países latino-americanos. Eles evoluíram do modelo de crescimento
primário-exportador “hacia fuera” ao modelo urbano-industrial “hacia
adentro”.

Correntes do pensamento econômico brasileiro


nos anos 50-60

Bielschowsky (1988) dá pistas sobre a localização institucional dos eco-


nomistas brasileiros e suas publicações entre 1945 e 1964. Houve, a
partir dos anos 50, verdadeira tomada de consciência da importância da
luta política no campo intelectual. Os economistas e intelectuais, de modo
geral, iriam agrupar-se em novas instituições com projetos básicos clara-
mente definidos no tocante à condução do processo de desenvolvimento.
As cinco grandes correntes de pensamento econômico articularam-se da se-
guinte maneira:
— Os neoliberais conquistaram dois espaços importantes. Em pri-
meiro lugar, na Fundação Getúlio Vargas, o retorno de Richard Lewin-
sohn (1894-1968) à Europa, em 1952, deu condições à equipe de Eugê-
nio Gudin (1886-1986) e Otávio Bulhões (1906-1990), que já controlava
o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), e editava a Revista Brasileira
de Economia (RBE), de passar ao controle da revista Conjuntura Econô-
mica, desalojando desenvolvimentistas como Américo Barbosa de Oli-
veira e Thomas Accioly Borges (1908-1986). Em segundo lugar, forma-
ram o Departamento Econômico do Conselho Nacional de Economia
(CNE), cujo predomínio dos neoliberais foi marcante. A Revista do CNE
passou a sair com regularidade, desde meados de 1952, e teve destacada
participação na defesa das posições monetaristas da equipe Gudin-Bulhões.
Bielschowsky (1988, p. 428) menciona ainda a criação, em 1953, de um

165
terceiro espaço no Conselho Técnico da Confederação Nacional de Co-
mércio, cujos textos das conferências e debates passaram a ser publica-
dos, a partir de 1955, no boletim Carta Mensal.
— Os desenvolvimentistas de tendência “não nacionalista”, isto é, téc-
nicos de Governo defensores do capital estrangeiro na energia, transpor-
tes e mineração, constituíram um grupo numericamente menos impor-
tante, mas com ativa militância intelectual. Esse grupo, cujo centro de
poder era a codireção do BNDE, repartida com desenvolvimentistas
nacionalistas, não formou propriamente um núcleo de produção intelec-
tual. Seus membros estavam, aliás, em posição que lhes permitia transi-
tar tanto entre os neoliberais como entre os desenvolvimentistas nacio-
nalistas. Roberto Campos, Lucas Lopes e Glycon de Paiva são os três
nomes mais expressivos dessa corrente. Publicaram na RBE, no Digesto
Econômico e na Carta Mensal.
— Os desenvolvimentistas nacionalistas criaram duas importantes
instituições: o Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política
(Ibesp), que, em 1956, se transformou no famoso Iseb (Instituto Supe-
rior de Estudos Brasileiros), e o Clube de Economistas. O Ibesp publi-
cou cinco edições da revista Cadernos do Nosso Tempo. Na área de Eco-
nomia, o Ibesp, como o Iseb, foi principalmente instrumento de divulgação
das análises marcadamente cepalinas de economistas como Ewaldo Cor-
reia Lima e Heitor Lima Rocha. A exceção, nesse sentido, era dada pelo
pensamento independente de Ignácio Rangel, um dos intelectuais de des-
taque do grupo pioneiro de Itatiaia, entre os quais se encontravam tam-
bém os economistas Rômulo de Almeida (1914-1988) e Jesus Soares
Pereira (1910-1979). O Clube de Economistas tinha a mesma inclina-
ção analítica que o Ibesp. Sua grande liderança intelectual era dada por
Celso Furtado. Foi formado a partir de um núcleo inicial de técnicos do
BNDE. Publicou, desde o ano de sua fundação, 1955, até 1962, a Revista
Econômica Brasileira, que se destacou por crítica ao pensamento neoliberal
brasileiro.
— Os desenvolvimentistas que trabalhavam na área privada situa-
vam-se, principalmente, em duas instituições. No Rio de Janeiro, atua-
vam no Departamento Econômico da CNI, editando a revista Estudos
Econômicos, cujo último número data de 1954. Destacava-se como inte-
lectual João Paulo de Almeida Magalhães. Em São Paulo, o primeiro
núcleo de economistas desenvolvimentistas de razoável competência aca-
dêmica, preocupados com o rigor analítico, organizou-se em torno da

166
Revista de Ciências Econômicas, editada pela Ordem dos Economistas de
São Paulo. Sua figura mais promissora era o então jovem acadêmico
Antônio Delfim Netto.
— Os socialistas tiveram participação ativa na campanha do Petró-
leo É Nosso, paradoxalmente, tendo como veículo de difusão de suas ideias
a Revista do Clube Militar. Após a morte de Stálin, com a liberalização
soviética, surgiu a Revista Brasiliense, editada por Caio Prado Júnior (1907-
1990), publicação que deu espaço a intelectuais marxistas ligados ao
Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Para o argumento de que a implantação plena do capitalismo finan-
ceiro foi decisão crucial na economia brasileira, pois mudou o contexto de
maneira irreversível, vale recuperar a crítica de Ignácio Rangel aos
estruturalistas e monetaristas, realizada em seu livro publicado em 1963,
A inflação brasileira (São Paulo: Bienal, 2.a ed., 1986). Ambos busca-
vam a gênese da inflação em suposta insuficiência ou inelasticidade da
oferta — global, no caso dos monetaristas, e setorial, no caso dos es-
truturalistas —, quando deveriam perceber que o problema inflacio-
nário estava na crônica insuficiência da demanda e não, como sugeriam,
no seu excesso.
O diagnóstico de Rangel, após a realização do Plano de Metas nos
anos JK e antes do Golpe Militar em 1964, era que havia nível de de-
manda insuficiente para assegurar utilização satisfatória do potencial pro-
dutivo existente, após aquela expansão da capacidade produtiva dos anos
50. Isso era devido à própria inflação, à distribuição de renda, e à arcaica
estrutura agrária, com a concentração da propriedade fundiária.
Embora as maiores referências teóricas da professora Maria da
Conceição Tavares, nos anos 60, fossem ainda a autores estrangeiros dos
anos 50, como Michal Kalecki (1899-1970) e Gurley & Shaw, conver-
sando com ela, anos depois, chamou-me a atenção para o pioneirismo
tanto de Ignácio Rangel, quanto dela, na esquerda brasileira. Foram eles
os primeiros a atentar para o “lado financeiro” do capitalismo. Até então, seja
nacional-desenvolvimentistas, seja marxistas, todos os militantes desta-
cavam apenas a exploração dos trabalhadores na “órbita produtiva”. Acha-
vam que falar de moeda era coisa de monetarista. Curiosamente, foi o
próprio Milton Friedman que alertou aos (futuros) pós-keynesianos que,
para Keynes, “a moeda importa”, isto é, não é neutra. Foi realizada, então,
a releitura de sua obra de maneira diferente da que a faziam os fiscalistas
da síntese neoclássica.

167
Em sua premonição, Rangel (1986, p. xvi) afirmava que, para o
nosso desenvolvimento independente, o centro da luta, que antes era para
“a estruturação do parque industrial”, se deslocava, naquela conjuntura,
para “a estruturação do mercado interno de valores”. [. . .] “o Brasil entra
em novo estágio, no qual o desenvolvimento não será mais comandado
pelo capital industrial, mas pelo capital financeiro, que está surgindo
com extraordinário vigor, sob o impulso da oferta de capitais a taxas
negativas de juros reais”. Conceição, em seu ensaio financeiro, escrito
quatro anos após, chegava à mesma conclusão: se a esquerda quisesse en-
tender o que se passava com o capitalismo brasileiro, teria de estudar o capital
financeiro!

Estagnação e subconsumo

Segundo Mantega & Moraes (1978, p. 33), “o eixo da discussão, que


durante principalmente a primeira metade da década de 60, girava em
torno dos limites da acumulação capitalista ou do desenvolvimento eco-
nômico, vai sendo gradativamente deslocado para a questão da distribui-
ção de renda. Assim, as teses estagnacionistas são substituídas pelas explica-
ções de como o chamado «modelo» brasileiro teria conseguido superar
as aparentemente intransponíveis barreiras para o desenvolvimento”.
As correntes de interpretação “estagnacionistas”, que apontavam os
limites do mercado interno como causa principal da estagnação do capi-
talismo brasileiro, defendiam que seriam imprescindíveis as reformas
agrária, financeira, educacional, etc., para retomada do crescimento. Sur-
preenderam-se com o chamado “milagre econômico brasileiro”, após a
política de estabilização e modernização conservadora implantada pelo
regime militar. A denúncia da esquerda passou dos problemas da estag-
nação para os problemas da distribuição da renda.
A hipótese subconsumista, que havia sustentado o diagnóstico estagna-
cionista, foi reformulada, de modo que se adaptasse ao novo contexto de
reconcentração de renda. A crítica de Mantega & Moraes (1978, p. 33)
diz respeito à indevida dissociação entre o processo de produção e o con-
sumo, onde este, ao invés de ser determinado por aquele, aparecia como
variável independente. Certas correntes do pensamento crítico, como a
da Escolatina em Santiago do Chile, passaram a se preocupar em explicar
como se havia criado a “demanda suplementar”, propiciadora da retomada
do crescimento econômico, após a crise de estagnação ocorrida entre

168
1962 e 1967. Mantega & Moraes argumentam que, simplesmente, essas
correntes incorporaram o conceito keynesiano de demanda efetiva para
novas análises subconsumistas: “foi assim que as análises de Kalecki e de
Steindl [1912-1993] foram transplantadas para a realidade latino-ame-
ricana, principalmente por meio dos trabalhos de Maria da Conceição
Tavares” (ibidem).
Parece que a crítica esquerdista dizia respeito a grau de radicalismo.
Mantega & Moraes (1978, p. 39) exerciam a patrulha ideológica dizen-
do que “Conceição Tavares corre o risco de negligenciar a contradição
salários-lucros (ou as relações de classe que esta expressa) em favor de
uma nova contradição (consumo dos assalariados versus consumo dos
capitalistas) que, ao que parece, expressaria a nova tônica das relações
sociais. Assim, no limite, a luta de classes poderia ficar reduzida à luta
pelo consumo, e basta elevar gradativamente o consumo dos trabalhado-
res, para dissolver os antagonismos de classe”.
Essa interpretação, de 1978, colidia com os fatos, ou melhor, com as
teses que nós, alunos do mestrado selecionados após 1974, presenciávamos
estar sendo defendidas no Depe-IFCH-Unicamp. Por exemplo, com nosso
professor Antônio Barros de Castro (1938-2011) aprendemos o que ele
relembraria em depoimento pessoal mais adiante (in Mantega & Rego.
Conversas com economistas brasileiros II, 1999, p. 172) “o pensamento lati-
no-americano começou muito bem [. . .]. Mas, a partir do início dos
anos 60, vai crescendo uma tendência de acordo com a qual a função do
intelectual, especialmente quando politicamente de esquerda, é explicar o
fracasso [do capitalismo]. Nessa perspectiva, mesmo os períodos de cresci-
mento rápido são apenas interregnos, suspensões momentâneas do destino.
Os desequilíbrios estruturais de natureza social, regional e setorial blo-
queiam o avanço. O desenvolvimento começa a ser referido como um mito, e
esta percepção, aliás, vira título com Celso Furtado. Em vez de explicações
do desenvolvimento, teremos teorias da estagnação, e, sobretudo, do «esgota-
mento». [. . .] Esta é a trajetória do texto «Além da estagnação» [Tavares
& Serra, 1972], que toma aquela ideia de que a reconcentração dos anos
60, ao invés de impedir, dava um novo fôlego ao crescimento. O texto en-
contra-se embebido da ideia de que o crescimento tende a se esgotar, em meio
ao agravamento dos problemas de estrutura. [. . .] Este tipo de argumento,
seria, supostamente, apenas uma tentativa de racionalização do fracasso”.
Brincávamos com os professores “catastrofistas”. Sempre, ao final de
suas palestras ou aulas, alertavam que estávamos em pleno “Apocalipse Now”.

169
Havia pluralidade teórica entre os nossos professores, “os econo-
mistas de Campinas”, embora se observasse grande influência de Kalecki,
Keynes, Schumpeter (1883-1950) e, sobretudo, de Marx. Reconhecida-
mente, fizemos uma reinterpretação marxista do desenvolvimento capi-
talista no Brasil. Acertamos nossas diferenças com a Economia Política
da Cepal da qual somos orgulhosos descendentes. Além disso, debate-
mos a política econômica em vigor e propusemos reformas econômicas e
sociais. Isso tudo, evidentemente, sem esquecer de nossa luta política
pela democracia contra o regime militar.

Escola de Campinas: primeira geração

Em sua entrevista no livro Conversas com economistas brasileiros II, João


Manuel Cardoso de Mello narra como foi fundada a Universidade Esta-
dual de Campinas, em 1966, e dentro dela o Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, nucleado inicialmente pelo Departamento de Eco-
nomia e Planejamento Econômico (Depe). O curso de mestrado, onde
fui aluno da segunda turma, foi implantado em 1974. Dez anos após, o
Depe resolveu separar-se do IFCH, tornando-se Instituto de Economia.
Houve divergências com respeito à natureza que deveria assumir o re-
cém-fundado Instituto. Alguns professores teriam preferido a continui-
dade do vínculo ao IFCH e com corpo docente de dimensão menor.
Outros, ao contrário, achavam que era a oportunidade de crescer e cobrir
todos os campos principais de atividade de Ensino e Pesquisa. Assumiu-
-se o risco do gigantismo e da fragmentação da unidade de propósitos. O
Instituto de Economia passou logo de pouco mais de quarenta para cerca
de cento e dez professores. Nas contratações, a preferência foi para jo-
vens professores que se haviam formado nele próprio.
Nessa “Segunda Geração”, a do Instituto de Economia, foram cria-
dos diversos Centros e Núcleos de Pesquisa: Economia Agrícola, Eco-
nomia Industrial, Economia Social e do Trabalho, Economia Urbana e
Regional, Relações Internacionais, Conjuntura, Finanças, Pesquisa Quan-
titativa, História Econômica. A Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) se diferenciou das outras faculdades de Economia pela
abrangência (e excelência) de áreas de pesquisa, mas também pela defi-
nição de um campo comum de discussão: levar adiante a crítica do capita-
lismo no Brasil.

170
Segundo a tese de doutoramento de João Manuel Cardoso de Mello,
o capitalismo periférico tinha uma especificidade a ser compreendida
em modelo de capitalismo retardatário. No Brasil, era um modelo en-
dógeno de acumulação que elucidava as relações entre os vários departa-
mentos da economia, ou seja, entre as várias frações do capital. Na tradição
marxista, Cardoso de Mello via ainda o capitalismo internacional como
determinante, em última instância, do movimento da economia brasilei-
ra. Em seu trabalho, “o verdadeiro sujeito é o capital em desenvolvimen-
to, que, contraditoriamente, vai constituindo um sistema capitalista espe-
cífico, um sistema que tem características particulares” (in Mantega &
Rego, 1999, p. 203).
Os diferentes caracteres das industrializações se devem a que as
forças produtivas de cada momento do capitalismo são distintas. Há,
então, diferentes bases técnicas da qual deve partir a industrialização
de cada país. A historicidade das forças produtivas capitalistas leva à
necessidade de o país que se propõe à industrialização pesada dar salto
tecnológico que envolve problemas de escala, de dimensão, de mobilização
e concentração de capital suficiente para enfrentar a descontinuidade
tecnológica.
Assim, no Capitalismo tardio, Cardoso de Mello desenvolveu mo-
delo analítico que focaliza as determinações endógenas das mudanças
nas relações de produção, estabelecendo nova periodização para a histó-
ria econômica brasileira em lugar da periodização de ciclos de produção
seculares por parte de Celso Furtado em seu clássico livro Formação
econômica do Brasil. A nova periodização era: Economia Colonial – Eco-
nomia Mercantil-Escravista Nacional – Economia Exportadora Capi-
talista – Industrialização Restringida – Industrialização Pesada. Cada
uma dessas estruturas complexas articulava as determinações externas e
internas. Reconhecia que o capitalismo brasileiro fazia parte, de maneira
subordinada, do desenvolvimento do capitalismo mundial.
Configura-se novo padrão do desenvolvimento capitalista quando os
países retardatários impõem certa política econômica com a finalidade de
superar o atraso. Estabelecem barreiras alfandegárias protecionistas, a fim
de subtrair o território nacional da concorrência do mercado mundial. O
resultado é a criação de campo propício onde pode germinar o monopólio.
A exclusão da concorrência estrangeira, sem dúvida, cooperou para
o fomento da formação de cartéis. Isso permitiu a países retardatários como
a Alemanha e os EUA não só igualarem como também superarem o

171
capitalismo inglês, especialmente porque se formou organização da pro-
dução de nível superior. A defesa inglesa do livre-câmbio buscava perpe-
tuar a independência da empresa individual, enquanto naqueles outros
países se constituíram as sociedades anônimas, os cartéis, os monopólios
e a intervenção do Estado na economia, realizando a unificação, isto é,
centralização e concentração dos capitais.
O capitalismo competitivo, entendido como a hegemonia industrial
da Inglaterra, a existência da livre circulação de capitais e mão de obra
entre os espaços econômicos e a ausência de controle político desse mo-
vimento de capitais, foi superado, entre 1880 e 1900, pela emergência do
capitalismo monopolista.
Portanto, em sua tese de doutoramento, Cardoso de Mello (1975)
defendeu que a especificidade histórica da industrialização no Brasil está em
seu momento: a etapa do capitalismo monopolista. Ressaltou, no entanto,
que a industrialização no capitalismo tardio nunca se constitui plena-
mente, no sentido de atingir com suas forças produtivas o nível das vi-
gentes em escala mundial. A tecnologia mais avançada não está disponível
no mercado, devido às restrições derivadas da concorrência entre os gran-
des blocos de capital monopolista.
As razões históricas decisivas para o Estado se encarregar de tal
tarefa, estimulando a industrialização, seja diretamente via empresas es-
tatais, seja indiretamente via financiamentos e incentivos fiscais e cam-
biais, eram os grandes riscos do investimento e a insuficiente mobilização
e concentração de capitais pelos empreendedores brasileiros, em face da
envergadura dos empreendimentos.
O problema econômico fundamental do capitalismo brasileiro, por-
tanto, era a dependência financeira e tecnológica. Era mínima a capacidade
autônoma de investimento e inovação. Cardoso de Mello equacionou des-
sa maneira o tema da dependência, indo além de Caio Prado e Celso Fur-
tado. Neste, “a questão aparece secundariamente e ainda assim formulada
em termos inadequados, de capacidade de poupança interna bloqueada
pelo consumo de bens duráveis. E não como um problema de estruturação
de formas avançadas de organização capitalista — para usar uma velha cate-
goria de Hilferding — formas dinâmicas de articulação entre empresa
produtiva, sistema financeiro privado e Estado” (in Mantega & Rego,
1999, p. 206).
Conceição Tavares, por sua vez, sempre nos ensinou que não existe
Economia de Mercado sem instituições financeiras, pois Mercado é um

172
conjunto de instituições. Tivemos de estudar como é o Poder, como ele
está estruturado, como opera. Incentivou-nos a pesquisar como se es-
truturou o tripé entre o Estado, o capital privado nacional e o estrangei-
ro. Como se alteraram os padrões monetários e as normas jurídicas ao
longo da história para satisfazer os distintos interesses conflitivos ainda
era algo desconhecido na historiografia brasileira.
A dedução foi que a economia brasileira nunca foi estabilizada ou
estruturada, inclusive com estrutura de mercado oligopolista estabelecida,
como era o Japão, Alemanha ou Estados Unidos, países do Capitalismo
Retardatário. O Brasil não obteve nem moeda conversível, nem tecnologia
própria. Era economia periférica sem homogeneidade social.
Conceição Tavares (in Mantega & Rego, 1996, p. 139) esclarece
seu posicionamento sobre distribuição de renda e consumo. “Como econo-
mista, não estou preocupada com a distribuição da renda apenas por
razões éticas. Estou preocupada porque isso não dá um funcionamento
regular, o ciclo é curto. Gera consumo, depois cai, endivida” [referia-se à
hipótese de esgotamento da capacidade de endividamento].
Paralelamente, líamos Antônio Barros de Castro. Também em Con-
versas com economistas brasileiros (II, 1999, p. 163), ele relembra sua trajetória
intelectual nesta fase. “A ideia de que o Brasil sem as famosas reformas
de estrutura voltaria a crescer, de que o capitalismo voltaria a funcionar em
plena ditadura, era insuportável para a esquerda”. O sétimo ensaio do seu
livro Sete ensaios sobre economia brasileira, publicado em 1969, “Reflexões
sobre o modelo brasileiro”, jamais foi publicado. Era uma tentativa de
mostrar que o crescimento estava voltando e que reconcentração de renda
recentemente ocorrida não impediria a retomada do crescimento. Neste
artigo, ele desenvolveria a ideia de que o aumento da concentração da renda,
ao invés de bloquear o processo de crescimento, teria um impacto dinamizador.
No século XIX, um elevado grau de concentração de renda era
visto como capaz de impedir o avanço da industrialização. Como as despe-
sas das classes abastadas eram feitas, essencialmente, com serviços domés-
ticos e artesanatos de luxo, a concentração da renda na cúpula da socie-
dade não criava mercado para a indústria. A contribuição norte-americana
à revolução industrial foi a introdução dos bens de consumo duráveis indus-
trializados no lugar do consumo de luxo, destacadamente, a “civilização do
automóvel”. A revolução dos bens de consumo duráveis, ocorrida nos
Estados Unidos, passou a levar o consumo de manufaturas a todas as
classes de renda.

173
No caso de país onde as classes de renda baixa fossem tão pobres
que não conseguissem consumir bens duráveis, desviar renda dos traba-
lhadores para as classes média e abastadas, ao invés de significar redução
no mercado de manufaturas, significava seu reforço. No Brasil, a con-
centração adicional da renda, alavancada pelo crédito ao consumo, longe
de inviabilizar, estaria propiciando a retomada dinâmica do crescimento
liderado pela indústria, especialmente, da automobilística.
Nos Estados Unidos, os bens de consumo duráveis faziam parte da
cesta básica popular, tendo por trás uma cadeia industrial com extensa
demanda intermediária. A interdependência setorial era mecanismo de-
cisivo na orientação do processo de acumulação.
Quanto à questão dos bens de consumo duráveis, Castro reconhece que
“havia um importante erro no meu raciocínio, erro aliás compartilhado
por todos à época. Não nos dávamos conta de que os bens de consumo du-
ráveis já estavam penetrando na cesta de consumo dos trabalhadores. O opera-
riado industrial, muito particularmente, já estava entrando firme no con-
sumo do que ainda chamávamos de «bens de luxo»” (in Mantega & Rego,
1999, p. 164).
Seus discípulos, isto é, os economistas da “Segunda Geração da Escola
da Unicamp” (G2) aprenderam com todos os seus mestres, com suas concor-
dâncias e discordâncias, inclusive com os erros, para não repeti-los — e
ter o direito de cometer os próprios erros. . . Porém, antes de apresentar
esse processo, vamos no próximo tópico resumir as ideias de outra corren-
te contemporânea do desenvolvimentismo, a autodenominada “Novo-De-
senvolvimentismo”.

Novo-desenvolvimentismo

Bresser-Pereira & Gala (2010) sintetizam o que é o Novo-Desenvolvimen-


tismo no artigo “Macroeconomia estruturalista do desenvolvimento”. Acredi-
tam que o estruturalismo latino-americano, tomando por base Bielschowsky
(1988), pode ser sintetizado em oito proposições resumidas abaixo:
(1) a tendência à deterioração dos termos de intercâmbio, da qual se
deduziu a necessidade de intervenção do Estado na economia;
(2) o papel central do Estado na promoção do desenvolvimento eco-
nômico;
(3) o caráter estrutural do desenvolvimento, que não ocorre com qual-
quer combinação de setores, como pressupõe a teoria econômica neo-

174
clássica, mas via transferência de mão de obra para setores com valor adi-
cionado per capita mais alto, o que justificou a política de industrialização;
(4) o entendimento do subdesenvolvimento não como um estágio
atrasado de desenvolvimento, mas como um resultado da subordinação
da periferia aos países que originariamente se industrializaram, o que
explica a tese da necessidade da construção de uma nação em cada país e
a necessidade de uma estratégia nacional de desenvolvimento para que o
catching up fosse bem-sucedido;
(5) a oferta ilimitada de mão de obra, reprimindo salários e causan-
do insuficiência de demanda ou de oportunidades de investimento lucra-
tivas para os empresários;
(6) a tese da indústria infante, que justificava a proteção tarifária à
indústria manufatureira e o modelo de industrialização substitutiva de
importações;
(7) a convicção de que a estabilidade de preços no mesmo nível dos paí-
ses ricos era improvável, devido às imperfeições do mercado, principal-
mente por causa da resposta lenta da oferta de alimentos aos aumentos da
demanda; e
(8) a crença de que os países latino-americanos não dispunham da pou-
pança necessária para financiar o desenvolvimento e que a elasticidade-renda
de suas importações era maior do que a elasticidade-renda nos países
ricos de suas exportações de bens primários, o que justificava buscar o big
push ou o crescimento com poupança externa.
Dada esta relação de proposições, Bresser-Pereira & Gala (2010)
reafirmam a atualidade de pelo menos cinco delas, justificando a razão de
tantos economistas continuarem estruturalistas, e sugerem que três delas
talvez já possam ser abandonadas por terem sido superadas pela mudança
de estágio de desenvolvimento dos países latino-americanos. São elas a
tese da indústria infante, a tese da inflação estrutural e a tese da necessidade
de poupança externa para o desenvolvimento econômico.
“A Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento parte do
pressuposto keynesiano de que os principais estrangulamentos ao cresci-
mento e ao pleno emprego estão do lado da demanda. O lado da oferta é
naturalmente também fundamental — principalmente a educação, o pro-
gresso técnico, uma boa infraestrutura — mas o problema fundamental
está em aproveitar os recursos disponíveis através de investimentos que
também aumentam a capacidade de oferta do país” (Bresser-Pereira &
Gala, 2010, p. 669).

175
Há duas tendências estruturais que limitam as oportunidades de
investimento:
1. a tendência da taxa de salários a crescer menos do que a produ-
tividade, devido à oferta ilimitada de mão de obra existente nos países em
desenvolvimento, limitando o crescimento do mercado interno.
2. a tendência à sobrevalorização cíclica da taxa de câmbio.
Quanto à primeira, economistas neoclássicos argumentavam que,
“porque os ricos poupam mais do que os pobres”, os países em desenvol-
vimento crescem com concentração de renda. Porém, essa tese não se
sustenta por dois motivos. Primeiro, porque não é a poupança ex-ante que
determina o investimento, mas é este que, devidamente financiado inter-
namente, determina a poupança ex-post. Segundo, porque os ricos têm alta
propensão a consumir e seu consumo tende a se dirigir para bens importados.
No longo prazo, o aumento dos salários à mesma taxa do aumento da
produtividade é compatível com a manutenção da taxa de lucro em nível
satisfatório, desde que o progresso técnico seja neutro.
Quanto à segunda tendência, a nova Macroeconomia Estruturalis-
ta do Desenvolvimento faz manobra intelectual para “libertar a taxa de
câmbio do nicho da teoria monetária na qual estava escondida ou presa e
colocá-la no centro do processo do desenvolvimento econômico” (Bresser-
-Pereira & Gala, 2010, p. 669). Entre as cinco teses adicionais, apenas uma
delas não está relacionada diretamente com a taxa de câmbio, mas com o equi-
líbrio fiscal.
Depois de apresentada, sumariamente, essa Macroeconomia Es-
truturalista do Desenvolvimento, seus autores se dizem em condições de
apresentar de forma resumida o Novo-Desenvolvimentismo. Optam por
compará-lo com o Velho Desenvolvimentismo, e, em seguida, com a
Ortodoxia Convencional ou as políticas do Consenso de Washington.
Ao contrário do que acontece com a comparação com aquele, com esta o
problema geral não é mudança de estágio de desenvolvimento, mas de políti-
cas equivocadas.
Bresser-Pereira & Gala (2010, p. 679) ressaltam que nem todas as
mudanças constituem uma crítica ao nacional-desenvolvimentismo. “Refle-
tem apenas o fato de que essa estratégia nacional de desenvolvimento pres-
supunha países pobres ao passo que o novo-desenvolvimentismo pressupõe
países de renda média. Para pensar os países pobres é preciso fazer adaptações”.
A primeira diferença, isto é, de industrialização substitutiva de impor-
tações para industrialização orientada para as exportações, é porque “o novo-

176
-desenvolvimentismo defende o modelo exportador e considera o modelo
substituidor de importações superado”. No modelo exportador, os países
em desenvolvimento têm a possibilidade de usar duas grandes vantagens:
mão de obra barata e possibilidade de comprar ou copiar tecnologia dis-
ponível. Além disso, se o país adota essa estratégia, só as empresas eficientes
o bastante para exportar serão beneficiadas pela política industrial.
No Novo-Desenvolvimentismo, o papel do Estado diminui e o do
mercado aumenta. Essa corrente não é protecionista, apenas enfatiza a
necessidade de taxa de câmbio competitiva e a identifica com a taxa de
câmbio de equilíbrio industrial, que neutraliza a Doença Holandesa.
O fato de a estratégia não ser protecionista não significa que os
países devam estar dispostos à abertura indiscriminada. Devem negociar,
pragmaticamente, aberturas comerciais com contrapartida, não renun-
ciar a políticas industriais, e evitar plena abertura financeira.
As políticas macroeconômicas em curto prazo, destacadas enfati-
camente no Novo-Desenvolvimentismo, têm como pressuposto a necessi-
dade de estabilidade macroeconômica. Ele inclui em seu conceito razoável
pleno emprego, estabilidade de preços, e equilíbrio do balanço de paga-
mentos. Na verdade, busca o “equilíbrio geral”, nos mercados de bens e
serviços, de trabalho, de moeda e de câmbio, interno (sem inflação e com
pleno emprego) e externo (sem déficit no balanço de transações corren-
tes), em Economia Aberta. Em síntese, reúne o pensamento neowalra-
siano e o neokeynesiano.
Bem típica da preocupação de certa elite paulista é se precaver de
ser “acusada de populista”. Bresser-Pereira & Gala (2010, p. 684) ressal-
tam: “A ortodoxia convencional acusa os desenvolvimentistas de populistas.
Entendido o populismo como gastar mais do que se arrecada, temos o
populismo fiscal (expresso no déficit público não justificado por política
anticíclica) e o populismo cambial (expresso no déficit em conta-corrente).
O Novo-Desenvolvimentismo rejeita frontalmente ambos os populismos.
Quando se neutraliza a doença holandesa, defende superávit em conta-
-corrente (derivado da deslocação da taxa de câmbio para o equilíbrio
industrial) e superávit público (derivado da não utilização dos recursos de
imposto que neutraliza a doença para financiar gastos correntes). Já a
Ortodoxia Convencional, no plano fiscal, contenta-se com superávit pri-
mário que mantenha a dívida pública em nível considerado não perigoso
para os credores, e defende déficits em conta-corrente, porque através
deles se cresceria com poupança externa”.

177
Oreiro, Nakabashi & Souza (2010, pp. 581-603) apresentam a
visão keynesiana do crescimento puxado pela demanda agregada, incorpora-
da pelo Novo-Desenvolvimentismo. Em um tópico central, defendem o
que denominam “endogenidade em longo prazo da disponibilidade dos
fatores de produção”.
Eles afirmam que “os modelos de crescimento neoclássicos supõem que
o limite fundamental ao crescimento de longo prazo é a disponibilidade
de fatores de produção. A demanda agregada é relevante apenas para
explicar o grau de utilização da capacidade produtiva, mas não tem ne-
nhum impacto direto na determinação do ritmo de expansão da capaci-
dade produtiva. No longo prazo, vale a «Lei de Say», ou seja, a oferta
(disponibilidade de fatores de produção) determina a demanda agrega-
da” (Oreiro, Nakabashi & Souza, 2010, p. 584).
Contrapõem contra esse neoclassicismo a teoria pós-keynesiana do
crescimento puxado pela demanda agregada, no qual a disponibilidade de
fatores de produção não é independente da demanda. A premissa básica des-
se modelo é que os meios de produção utilizados em economia capitalis-
ta moderna são eles próprios bens que são produzidos dentro do sistema.
Dessa forma, a disponibilidade de meios de produção nunca pode ser
considerada como dado independente da demanda que determina o ritmo
no qual esses recursos são criados. Em pensamento circular, oferta agre-
gada e demanda agregada são interdependentes!
O caráter endógeno em longo prazo da disponibilidade de fatores
de produção (capital, trabalho, progresso técnico) é resultante das deci-
sões passadas de investimento, que depende de custo de oportunidade e
expectativa em relação à demanda agregada. O estoque de capital não é
constante determinada pela “natureza”, mas depende do ritmo no qual os
empresários desejam expandir o estoque de capital existente na economia.
Se a disponibilidade de fatores de produção não pode ser vista
como o determinante do crescimento econômico, no longo prazo, então
os autores citados se colocam a pergunta: quais são os fatores que determi-
nam o crescimento? Respondem: “no longo prazo, o determinante último
da produção é a demanda agregada. Se houver demanda, as firmas irão
responder por intermédio de aumento da produção e da capacidade pro-
dutiva, desde que sejam respeitadas duas condições: i) a margem de lucro
seja suficientemente alta para proporcionar aos empresários a taxa dese-
jada de retorno sobre o capital; ii) a taxa realizada de lucro seja maior do
que o custo do capital. Nessas condições, a taxa de crescimento do pro-

178
duto real será determinada pela taxa de crescimento da demanda agrega-
da autônoma, ou seja, pelo crescimento daquela parcela da demanda agre-
gada que é, em larga medida, independente do nível e/ou da variação da
renda e da produção agregada”.
Oreiro, Nakabashi & Souza (2010, pp. 588-9) ressaltam que, “em
economias abertas, os componentes autônomos da demanda agregada
são dois, a saber: as exportações e os gastos do governo. Os gastos com
investimento não são um componente autônomo da demanda agregada,
uma vez que a decisão de investimento em capital fixo é fundamental-
mente determinada pelas expectativas empresariais a respeito da expan-
são futura do nível de produção e de vendas em consonância com a assim
chamada hipótese do acelerador do investimento. Em outras palavras, o inves-
timento não é uma variável «exógena» do ponto de vista do processo de cresci-
mento, uma vez que o mesmo é induzido pelo crescimento do nível de renda e
produção. Sendo assim, o crescimento de longo prazo do nível de renda e
produção será uma média ponderada entre a taxa de crescimento das
exportações e a taxa de crescimento dos gastos do governo”.
Vamos comparar essa “Macroeconomia Estruturalista do Desenvol-
vimento”, no próximo tópico, com a visão sistêmica do “Desenvolvimen-
tismo de Esquerda”. Para Fiori (Valor, 29-2-1012), “a verdade é que, com
raras exceções, depois do Plano Cruzado, a «escola campineira» perdeu a
capacidade de criação e inovação dos anos 70”. Essa época se refere à fun-
dação e expansão do IE-Unicamp, isto é, a da “Segunda Geração da Uni-
camp” (G2).

“Desenvolvimentismo de esquerda”
(“Segunda Geração da Unicamp” — G2)

A questão provocativa é: a “Segunda Geração da Unicamp” renovou as ideias


e as interpretações anteriores do desenvolvimento capitalista brasileiro?
Sem aprofundar a pesquisa bibliográfica sobre a vasta produção de
livros, artigos, textos para discussão, relatórios de pesquisa, teses, disser-
tações e monografias, produzidas nessa era do Instituto de Economia da
Unicamp (1985-2012), irei me restringir aqui apenas à análise do desenvol-
vimento capitalista brasileiro contida em dois ou três trabalhos elabora-
dos por representantes diretos da “G2”. Interessa-nos apurar essa visão
sistêmica para detectar uma das trajetórias possíveis de desenvolvimento
para o capitalismo nacional: a do Capitalismo de Estado Neocorporativista.

179
Embora em suas 423 páginas predomine a narrativa histórica,
embasada empiricamente, sobre a economia brasileira no último quarto
do século XX, o livro do meu colega de turma (1975-76), Ricardo Car-
neiro (2002) contém também, em sua Introdução, certa metodologia para
análise de trajetórias possíveis de desenvolvimento capitalista no Brasil.
Vamos tentar sintetizá-la, para conhecimento de quem a desconhece.
O trabalho possui uma hipótese geral. “Essa hipótese realça a im-
portância da combinação dos fatores internacionais e domésticos na determi-
nação do dinamismo do capitalismo brasileiro, isto é, só é possível explicar
as distintas performances desse capitalismo em diferentes períodos histó-
ricos pelo exame das articulações concretas entre as dimensões interna e
externa do desenvolvimento. Mais exatamente, são as conjunturas históri-
cas específicas que determinam a hierarquia dos fatores externos e internos
como elementos de obstáculo ou estímulo do crescimento” (Carneiro,
2002, p. 28).
Esse ponto de partida não é a trivialidade metodológica de estabele-
cer a primeira desagregação entre fatores externos e internos, mas sim visa
evitar determinismos históricos a respeito de possíveis trajetórias futuras. Em
face da antiga crítica da esquerda francesa trotskista (autores da Critique de
l’économie politique em 1974-77) ou de defensores da Teoria da Depen-
dência às “teses endogenistas” da Escola de Campinas, desde logo, Carneiro
salienta: “vista da perspectiva do sistema capitalista global, a economia
brasileira não pode ser caracterizada como integralmente reflexa ou depen-
dente e tampouco como inteiramente autônoma. A dependência e a autono-
mia, e mais ainda os seus graus, se alternam ao longo dos vários momentos
históricos, atuando como fator limitante ou estimulante do crescimento”.
Em resumo, ele defende a hipótese de que “nossa economia é sufi-
cientemente grande e complexa para retirar parte de seu dinamismo de
fatores puramente endógenos, sobretudo da dimensão do seu mercado in-
terno e da correspondente complexidade das relações econômicas. Ao mes-
mo tempo, não se constitui como uma unidade capaz de engendrar ciclos
próprios de inovação tecnológica, tampouco constrói uma base financeira do-
méstica capaz de financiar adequadamente o investimento”.
Portanto, renovando as interpretações anteriores do desenvolvimento
capitalista brasileiro, atualmente, são apontados como fatores de dinamis-
mo endógenos:
— dimensão do mercado interno;
— diversificação setorial.

180
Mantêm-se, entretanto, como fatores de esgotamento de ciclos de
crescimento as carências de autonomia nacional em:
— inovação tecnológica;
— financiamento do desenvolvimento.
Dentre os principais condicionantes externos da economia brasileira,
Carneiro (ibidem) destaca:
i) a dinâmica tecnológica, ou seja, o grau de disseminação ou acesso
às tecnologias produtivas dominantes;
ii) relacionada à disponibilidade de financiamento, a forma pela qual
se organizam as finanças internacionais, submetidas à ordem econômica
internacional, ou seja, regras relativas ao comércio e às finanças, bem
como instituições capazes de cumpri-las e supervisioná-las.
iii) o grau de autonomia que esse conjunto de condicionantes exter-
nos permite à política econômica doméstica.
Dentre os fatores internos, Carneiro (2002, p. 29) destaca:
i) o padrão de crescimento, isto é, a combinação de setores produti-
vos líderes do processo;
ii) o padrão de financiamento, ou seja, sua capacidade em financiar o
investimento nos prazos e volumes requeridos pelo primeiro;
iii) o papel do Estado, seja em intervenção direta na economia, seja
em incentivo ou articulação com o setor privado.
Variáveis como os regimes de câmbio (flexível, fixo ou banda cam-
bial) e graus de mobilidade de capital (de abertura financeira completa ao
pleno controle de entrada de capital estrangeiro) permitem pelo menos
dezesseis possíveis combinações com as duas políticas econômicas de
regulação da demanda agregada: a política monetária e a política fiscal. Os
modelos de Macroeconomia Aberta demonstram o melhor uso desses
instrumentos de política econômica.
Com a Globalização, a combinação da volatilidade dos fluxos de
capitais, influenciada pela paridade entre taxa de juros interna e externa e
por outros fundamentos determinantes da taxa de câmbio, como o saldo
do balanço de transações correntes e a paridade entre poderes de compra,
e mesmo por especulação no mercado de câmbio, cria, em muitas con-
junturas, ambiente internacional adverso. Crises cambiais e financeiras
são recorrentes na história econômica do capitalismo periférico, subor-
dinado à dinâmica global.
A maior ou a menor densidade das cadeias produtivas intersetoriais
e a regulação do destino dos capitais, na prática, caracterizam o grau de

181
autonomia relativa da política econômica de certos países, mesmo dentro do
sistema globalizado hierarquizado. A abordagem estruturalista se soma
à conjuntural para evidenciar o grau de liberdade nas determinações in-
ternas das políticas de manipulação de câmbio e juros no sentido de as-
segurar o necessário financiamento externo.
Essa análise da geração contemporânea não é nem estática nem
determinista. Muito menos é predefinida, pois analisando todas as cir-
cunstância, é contextualizada, isto é, datada e localizada. Fica no nível
menos abstrato da Arte da Economia. Não pretende abarcar a América
Latina e o Caribe, tampouco todos os países dependentes ou periféricos,
mas focalizar o País.
Na luta que a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
travava contra a ortodoxia, um grande objetivo era mostrar a existência
de determinada temática própria ao subdesenvolvimento. A primeira ge-
ração da “Escola de Campinas” diferenciou as relações de produção do Brasil
das existentes em outros países latino-americanos. O Novo-Desenvolvi-
mentismo pressupõe “países de renda média” e não mais “países pobres”.
A segunda geração da “Escola de Campinas” focaliza apenas a economia
brasileira, não pretende elaborar Teoria Geral do (sub)desenvolvimento,
válida universalmente, seja em todos os lugares, seja em todos os tempos.
A crítica emblemática de embaixador norte-americano (Lincoln
Gordon) no Brasil à Cepal — “as diversas formas de arte e literatura
latino-americana devem ser bem-vindas, mas não deve mais haver uma
«Ciência [Econômica] latino-americana», assim como não deve haver
uma Física ou Matemática latino-americana” — revelava o adversário
como adepto do monismo metodológico. Mas ele desconhecia que era Ciên-
cia Aplicada. A Cepal reincorporava a política, a sociologia e a história
para explicar a América Latina e o Caribe. A G2 investiga quais são as
decisões práticas (a serem) tomadas em cada conjuntura e em cada lugar,
entre alternativas de trajetórias possíveis, contemplando o conflito, a nego-
ciação e a conciliação de interesses. Essa Economia tem Política — e
também Sociedade.
Uma vez definido o contexto externo, cabe ao analista explicitar os con-
dicionantes internos do crescimento. A G1 mostrou os condicionantes históricos
da industrialização brasileira: durante o Capitalismo Monopolista, após a
Segunda Revolução Industrial, com aumento das barreiras tecnológicas
e de capital para implantação dos vários segmentos produtivos. Dados
esses condicionantes, a industrialização, vista como processo de diferencia-

182
ção da estrutura produtiva e superação dos mercados limitados criados
pela atividade exportadora, é estratégica como processo de autonomização
dos determinantes do crescimento diante dos condicionantes externos.
Carneiro (2000, pp. 36-7) aponta que, no período de transição em
que a industrialização ainda se encontra restringida, “a ampliação de ca-
pacidade produtiva no setor industrial depende da importação de bens de
capital, isto é, da capacidade para importar criada pelo setor exportador”.
Esta dava certo limite para o crescimento.
“No seu estágio mais avançado, o da industrialização pesada, a auto-
nomia do crescimento doméstico perante os mercados externos é com-
pleta. Isso porque o grau de diferenciação da estrutura produtiva, com a
implantação de um expressivo parque produtor de meios de produção,
converte o investimento e seus encadeamentos, como a variável crítica da
dinâmica da economia” (Carneiro, 2002, p. 37).
Essa análise diferencia-se daquela citada da Macroeconomia Es-
truturalista do Desenvolvimento que ressalta que, em economias abertas,
os componentes autônomos da demanda agregada são apenas dois, a sa-
ber: as exportações e os gastos do governo, excluindo, portanto, os gastos
com investimento e consumo, dependentes da renda esperada. Privilegiando
o equilíbrio fiscal, resta a ela defender sempre “a industrialização orien-
tada para o mercado externo”. Ela não explicita como se combina com “o
consumo massivo no mercado interno”.
A G2 destaca a autonomia relativa propiciada pela ampliação dos
mercados (internos e externos) e pela maior independência do processo
de reprodução do capital em relação à importação de meios de produção,
embora reconheça a regressão ocorrida na era neoliberal. Houve, na
economia brasileira dos anos 90, especialização regressiva em setores in-
tensivos em trabalho e recursos naturais.
Outro condicionante interno de grande relevância na análise da
“Segunda Geração da Escola de Campinas” é o financiamento do desen-
volvimento. A hipótese de investigação de Carneiro (2002, p. 38) é se “a
incapacidade do sistema financeiro doméstico em prover crédito em vo-
lumes e prazos demandados pelas atividades em crescimento faz que
esses financiamentos dependam do sistema internacional, recriando a
dependência”. Em resumo, ele conclui que “o fato de o financiamento
de longo prazo na economia brasileira depender da poupança compulsó-
ria doméstica e da poupança externa acarretou, diante da inadequação da
primeira, uma dependência recorrente dos financiamentos externos”.

183
Costa & Deos (2002, p. 43), abandonando esses conceitos de pou-
pança, levantam outra hipótese de investigação: os financiamentos exter-
nos, mais do que necessidade, foram questão de (custo de) oportunidade. A
construção de mecanismos internos de financiamento em longo prazo
demora e encarece os empreendimentos. A sedução pelo endividamento
externo farto e barato gera ciclos de dependência financeira de acordo
com ondas de liquidez internacional. Este ponto será mais desenvolvido
no próximo tópico.
Outro elemento crucial na explicação do desenvolvimento brasi-
leiro é o papel do Estado. Refere-se tanto à manipulação de preços
macroeconômicos básicos, tipo câmbio, juros e fisco, em favor de deter-
minada prioridade setorial, quanto à intervenção direta constituindo se-
tor produtivo estatal, ou mesmo criando instituições financeiras públicas
para financiar setores específicos.
Carneiro (2002, p. 40) salienta que “a economia brasileira possui
amplo setor estatal que atua como elemento de coordenação e de indução
do desenvolvimento. A combinação de um amplo aparato regulador com
a propriedade de empresas produtivas e financeiras conferiu ao Estado
brasileiro uma significativa capacidade de intervenção e coordenação da eco-
nomia. Esse foi, sem dúvida, um elemento essencial, pois permitiu ao
capitalismo brasileiro ir além do que teria sido possível a partir das forças de
mercado, em termos de dinamismo do crescimento e diferenciação da
estrutura produtiva”.
Portanto, a partir de estudos da Geração do IE-Unicamp (pós-1985),
detectamos uma das trajetórias possíveis de desenvolvimento para o ca-
pitalismo nacional: a do Capitalismo de Estado Neocorporativista. Le-
vantamos a hipótese de que, embora tenha ocorrido enorme redução do
peso do Estado na economia brasileira, promovida pelas privatizações da era
neoliberal, ele ainda manteve sua capacidade de coordenação, agora com o apoio
de fundos de pensão patrocinados por empresas estatais. O investimento do
setor produtivo estatal, em conjunto com o gasto público orçamentário,
pode operar como indutor do gasto privado, ou seja, como investimento
autônomo diante das condições da demanda agregada. Nossa visão, por-
tanto, se diferencia da ótica do Novo-Desenvolvimentismo, que supõe
que o dinamismo da economia brasileira se pauta tão somente por crité-
rios privados, induzidos pela demanda externa.

184
Financiamento do desenvolvimento

Costa & Deos (2002) recuperam aspectos característicos da história do


financiamento na economia brasileira, partindo da etapa colonial e che-
gando aos dias atuais. Antes do novo milênio, houve ciclos de financiamento
correspondentes à vigência de determinados marcos institucionais no que
diz respeito à questão financeira. Tais ciclos estavam estreitamente relacio-
nados às ondas de liquidez internacional. Os períodos de fácil endividamento
externo eram sistematicamente seguidos de etapas de ajustamento e
recessão, quando se tornava impositivo forjar soluções “domésticas” tais
como substitutos da moeda internacional, inovações financeiras, etc., para
atender à demanda de refinanciamento. O grau de abertura financeira, que
subordinava a economia brasileira às vicissitudes do mercado externo,
tinha relação direta com a instabilidade e o (sub)desenvolvimento finan-
ceiro da nossa economia.
Sob diferentes rótulos — de papelistas vs. metalistas a novos social-
-desenvolvimentistas vs. neoliberais, passando por nacional-desenvolvimen-
tistas vs. monetaristas —, argumentamos que se inicia o debate ideológico
no Brasil a respeito das finanças públicas e de critérios para o financia-
mento de empreendimentos, para tirar o atraso histórico, praticamente,
desde a chegada da corte portuguesa em 1808! Em face de seus interes-
ses imediatos, os produtores papelistas preferiam a adoção de padrão
fiduciário ao passo que os importadores metalistas defendiam o padrão-
-ouro. Para estes e seus discípulos quantitativistas, ao longo de séculos, é
necessário sempre “fazer o dever de casa”, isto é, seguir as regras de
condutas impostas de fora para dentro.
Fonseca (2008), enfocando a controvérsia entre metalistas e pa-
pelistas, a qual teve lugar no Brasil na segunda metade do século XIX,
também resgata a importância do papelismo na origem do desenvolvi-
mentismo. No centro da discussão estava a relação entre as políticas mo-
netária e cambial e qual deveria ser a prioridade da política econômica, o
crescimento ou a estabilização.
Ao final das nossas reflexões sobre o financiamento na história
econômica brasileira, concluímos que o problema de obtenção de funding
para consolidação do financiamento em longo prazo reflete as duas faces
da moeda (nacional): a dificuldade brasileira de ter dinheiro, ou seja, a
moeda oficial atuar como meio de pagamento, medida de valor e reserva

185
de valor, e a de obter crédito. Desde a Colônia, em face da instabilidade
inflacionária e cambial, a manutenção da riqueza em nosso País não
ocorre de forma estritamente monetária.
“Bolhas de ativos”, isto é, formas de manutenção de riqueza, são
situações nas quais os preços de mercado desses ativos são inconsistentes
com o que os fundamentos justificariam. Economia de boom como a bra-
sileira, com alta taxa de crescimento média anual, entre 1930 e 1980,
gera bolha de ativos, quando a escala de influxos nominais de riqueza à
caça de oportunidades em ativos reais ultrapassa a capacidade de criação
desses ativos de capital. Essas bolhas, seguidas por colapsos dos valores
dos ativos, são virtualmente onipresentes em economia (ou em merca-
dos) com fronteiras delimitadas.
Em economias baseadas em mercado de capitais, a volatilidade dos
preços dos ativos — cambiais, mobiliários e imobiliários —, que repre-
sentam parcela importante do patrimônio das famílias e das empresas,
reflete-se em “efeito riqueza”, no boom, seguido de “efeito pobreza”, após
o crash. A percepção de aumento relativo no patrimônio pessoal eleva os
gastos de consumo, e deriva em investimento, inclusive pelo fornecimen-
to de capitais de risco para financiá-lo. Isso ocorre mesmo sem a liqui-
dação das posições, ou seja, na ausência da realização dos lucros imagi-
nados. A sequência de altas nas cotações pode, então, resultar em ciclo
produtivo, com aceleração da taxa de crescimento.
Conforme Costa (2009), por aqui, no Brasil, não se constitui “eco-
nomia de mercado de capitais” típica com mercado acionário desenvol-
vido. Em economia com grande instabilidade inflacionária e cambial, a
forma preferida de manutenção de fortuna local sempre é em “bens de
raiz”. No passado, predomina o estoque de riqueza em escravos, terras,
engenhos, imóveis urbanos, etc. No mercado financeiro, desde o século
XIX, as emissões de títulos de dívida pública fornecem lastro para apli-
cações financeiras, contrapondo-se, parcialmente, às fugas de capital para
o ouro ou as divisas estrangeiras. Evitam a plena dolarização da econo-
mia. Mas ganham mercado em relação aos títulos de dívida privada e
dificultam a obtenção de funding interno adequado para financiamento
de longo prazo pelos bancos nacionais privados.
Grande parte da riqueza de “novos ricos” na economia brasileira
surgiu de atividades não produtivas, geralmente ligadas a ganhos de capital
por meio de valorizações financeiras, como a venda de bens — imóveis,
fazendas, empresas, participações, etc. — herdados de latifundiários ou

186
grandes proprietários urbanos, ou comprados com preços baixos e ven-
didos após forte alta. Os empreendedores pioneiros investiram, inicial-
mente, em “zonas de fronteiras” ou espaços urbanos ainda não atendidos
por determinadas atividades. Com o controle monopolista de mercados
locais, obtiveram “ganhos de fundadores” extraordinários, devido ao cres-
cimento das cidades.
Além da histórica concentração de riqueza, desde a concentração
fundiária, há vários outros fatores endógenos para explicar o baixo desen-
volvimento do mercado de ações brasileiro. Entre eles estão a estrutura
tributária, a exigência de transparência contábil e auditoria, dificultando
a antiga prática da evasão fiscal das empresas, a estrutura familiar da
gestão, os custos da abertura de capital, a oferta insuficiente de ações de
empresas fortes, o enfraquecimento dos minoritários, a ineficiência ante-
rior do controle da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) em defesa
dos acionistas minoritários, os custos de oportunidade dos investidores,
em face das aplicações em renda fixa inclusive indexadas, as restrições à
movimentação de capitais estrangeiros, etc.
O Estado brasileiro, à custa de imenso e contínuo endividamento,
teve de se encarregar, direta ou indiretamente, da tarefa de industrialização
pesada, devido aos grandes riscos do investimento. A insuficiente mobili-
zação e concentração de capitais pelos empresários brasileiros, em face da
envergadura dos empreendimentos, afastou-os. Eles tinham oportunidades
lucrativas de inversão, com baixo risco e diminutas barreiras tecnológi-
cas, na medida em que atuassem em mercados protegidos como o bancá-
rio e o de empreitadas de obras públicas. Os investimentos que requisi-
tavam patentes tecnológicas foram efetuados por empresas estrangeiras.
Estas trouxeram capital do exterior; não necessitaram emitir ações no País.
Em circunstâncias de abertura financeira, dado o custo de oportuni-
dade momentaneamente favorável, recorre-se à dívida externa, com visão
de curto prazo e efeito perverso para as futuras gerações. Em períodos de
fechamento, soluções heterodoxas extramercado, tipo constituição de fun-
dos parafiscais e mecanismos cambiais e inflacionários, conseguem pro-
piciar o financiamento do desenvolvimento econômico brasileiro. Infe-
lizmente, logo que soa novamente o “canto da sereia”, emitido pela
facilidade de endividamento externo, dá-se início a novo ciclo de depen-
dência financeira.
Os investimentos e, consequentemente, as necessidades de financia-
mento das empresas privadas nacionais foram limitados. Foram atendidas

187
pelos lucros retidos, créditos comerciais e de bancos públicos. Com isso,
nunca houve estímulo, pelo lado da demanda de recursos, para os pro-
prietários dividirem o poder sobre suas empresas. Para incentivar a aber-
tura de capital, criou-se o expediente (inexistente nos Estados Unidos)
de separar ações ordinárias e preferenciais como proteção em face do
risco de perda do controle acionário por takeover hostil. Isso desestimula
o mercado secundário.
O movimento da bolsa de valores se concentrava em ações das
empresas estatais. Com o modelo de privatização adotado, nos anos 90,
acompanhado de desnacionalização, perdeu-se a oportunidade histórica
de criar grandes corporações privadas nacionais, com a venda de suas
ações de maneira pulverizada. Não se fez a “democratização do capital”.
A maior parte dos fundos para o processo de industrialização deri-
vava de três fontes. A primeira era o setor público, diretamente pelo setor
financeiro estatal ou via incentivos fiscais e manutenção de subsídios
cambiais à importação de equipamentos. A segunda era o setor externo,
principalmente no financiamento de importações. Finalmente, a terceira
possibilidade era as empresas recorrerem ao próprio autofinanciamento.
Esse pode se dar pelo aumento da participação societária de matrizes ou
associadas, mediante ingresso de capital externo (IDE — Investimento
Direto Estrangeiro), ou pela utilização de lucros retidos, depreciação e
reservas. Os lucros tendiam a ser elevados porque a estrutura de mercado
predominante nos setores industriais era o oligopólio, já que foram ado-
tadas medidas de proteção de mercado para a indústria nascente, e havia
distanciamento entre os ganhos de produtividade industrial e os salários
reais pagos aos trabalhadores.
Com a aceleração generalizada da remarcação de preços, esterili-
zava-se este instrumento de mobilização de recursos, via sobrepreços,
para gerar fundos próprios. O financiamento em longo prazo das ativi-
dades produtivas de empresas brasileiras ficava, então, na dependência da
criação de novos mecanismos institucionais de canalização de fundos de
terceiros.
O regime de alta inflação inibiu o desenvolvimento de mercado
financeiro de títulos de dívida privada emitidos para médio e longo pra-
zos. A hipótese mais utilizada é que o período de expansão industrial
intensiva teve sua duração reduzida pela falta de adequação prévia dos
esquemas de financiamento a termo. Porém, não há ainda estudo profun-
do sobre durações de ciclos de endividamento.

188
O padrão de financiamento dos investimento na indústria e infra-
estrutura no Brasil, em período recente (2001-2009), segundo estatística
do BNDES, é cerca de 50% via lucros retidos, pouco menos de um quarto
em financiamento do próprio BNDES, menos de 15% derivado de cap-
tações externas, quase 9% em debêntures e cerca de 4% em emissões primá-
rias de ações. Em outras palavras, o mercado de capitais concedeu 13% do
total, e houve alta contínua de ofertas primárias registradas na CVM
após 2004, até a explosão da crise em 2008. Considerando ações, debên-
tures, notas promissórias, FIDC, FIP e outras emissões, essa série tem-
poral começa em 2004 com R$ 24,5 bilhões, aumenta anualmente para
R$ 61,8 bilhões, R$ 110,2 bilhões, R$ 131,3 bilhões, até reverter em
2008 com R$ 128,8 bilhões.
Repetindo, o fato histórico relevante é que aqui, no Brasil, se cons-
tituiu, de maneira dominante, economia de endividamento bancário, e não
evoluiu, suficientemente, a economia de mercado de capitais. Ainda não
houve no mundo nenhuma experiência que tenha convertido a primeira
nessa última, típica dos países anglo-saxões.
A dúvida é se será possível a junção dessas duas “economias” via
securitização, termo oriundo da palavra inglesa security, significando o
processo de transformação de dívida com determinado credor em dívida
com compradores de títulos ou contratos originados no montante dessa
dívida. Na realidade, trata-se da conversão de empréstimos bancários (e
outros ativos) em títulos (securities) para a venda, especialmente, a inves-
tidores institucionais como fundos de pensão. Em princípio, por razão
atuarial, eles seriam os carregadores por excelência, por exemplo, de
CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários) com garantia real ou
patrimonial.
Sabemos que esse carregamento não é parte da tradição de compo-
sição das carteiras dos fundos de pensão brasileiros. Por exemplo, em
2006, considerando a carteira consolidada de todos, cerca de 50% das
aplicações era em títulos de dívida pública, 13% em títulos financeiros
privados, 30% em ações e 7% “outros”, entre os quais financiamentos e
investimentos imobiliários. Para contraste, nos Estados Unidos, respec-
tivamente, a seleção da carteira de ativos era 11% em títulos públicos,
11% em títulos privados, 61% em ações e os restantes 17% em “outros”.
Em média anual, o valor patrimonial do total de ativos dos fundos
de pensão brasileiros, entre 2002 e 2009, equivale em média a 15% do
PIB. Em 2007, esse percentual atingiu seu auge (17,1% do PIB), bem

189
maior do que os de outros Bric (China, 0,6%; Rússia, 1,5%; e Índia,
5,4%), mas muito inferior ao do Chile, que era 64,4% do PIB, e dos
Estados Unidos, 74,3% do PIB.
Evidentemente, esse potencial de crescimento é tema para novas
reflexões dos social-desenvolvimentistas brasileiros a respeito do finan-
ciamento do desenvolvimento do Capitalismo de Estado Neocorporativo.

Conclusão: Social-Desenvolvimentismo

Em sua intervenção durante a III Conferência Internacional Celso Fur-


tado, em maio de 2004, o homenageado lançou pequeno texto intitulado
“Os desafios da nova geração”. Demonstrando sua capacidade de síntese
de toda a sabedoria acumulada, ele distingue dois programas. “O cresci-
mento econômico, tal qual o conhecemos, vem se fundando na preservação
dos privilégios das elites que satisfazem seu afã de modernização; já o de-
senvolvimento se caracteriza pelo seu projeto social subjacente. Dispor de re-
cursos para investir está longe de ser condição suficiente para preparar
um melhor futuro para a massa da população. Mas quando o projeto
social prioriza a efetiva melhoria das condições de vida dessa população,
o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento”.
Dessa simples equação — desenvolvimento = crescimento + políti-
ca social — partem os desafios da Nova Geração do Instituto de Econo-
mia da Universidade Estadual de Campinas e seus colegas desenvolvi-
mentistas aliados de outras Universidades. Sua análise da estratégia para
o desenvolvimento socioeconômico do País não se resume ao keynesia-
nismo do Novo-Desenvolvimentismo, restrito às políticas econômicas
de curto prazo. Essencialmente, este faz pregação a favor de levar a taxa
de câmbio para o nível de “equilíbrio industrial”, ou seja, a taxa de câm-
bio em que se tornariam competitivas as empresas industriais brasileiras
que utilizassem tecnologia no estado da arte mundial.
A abordagem social-desenvolvimentista é típica da chamada “Ge-
ração PT”. Interpreta que o apoio político do Partido dos Trabalhadores
e seus aliados respaldou a luta sindical pela reposição salarial contra a
corrosão inflacionária e pela conquista de maior participação nos lucros
e resultados das empresas. A fiscalização vigilante, após 2003, somada à
reivindicação de direitos trabalhistas, como a “carteira assinada”, elevou
o grau de formalidade do mercado de trabalho. Em contexto de cresci-

190
mento da renda e do emprego, juntamente com a política de elevação
real do salário mínimo e o programa de transferência direta de renda
com condicionalidades (Bolsa Família), toda essa política social ativa,
inclusive educação, fomentou o mercado interno com a mobilidade social.
Essa inclusão social transformou o mercado do País no quinto maior do
mundo em número de consumidores, considerando ranking de Nações.
A estratégia observada (e defendida) pelo “Desenvolvimentismo
de Esquerda” para a década corrente, é direcionada pelo investimento do
setor produtivo estatal, incluindo os dos fundos de pensão patrocinados
pelo setor público. Em conjunto com o gasto público orçamentário, ope-
rarão como indutor do gasto privado, ou seja, como investimento autô-
nomo diante das condições da demanda agregada em contexto de crise
internacional. Significa adotar o olhar estadista “para enxergar mais adiante,
além da demanda corrente”. Não se restringe ao debate da política eco-
nômica em curto prazo. Destaca a importância de investimento em
infraestrutura e logística, porém não se reduz a esse o foco.
O Novo-Desenvolvimentismo defende o modelo exportador, em
que os países emergentes de dimensão continental teriam a possibilidade
de usar duas grandes vantagens: mão de obra barata e possibilidade de
comprar ou copiar tecnologia disponível. Se o país adotasse essa estraté-
gia de industrialização orientada para as exportações, só as empresas eficien-
tes o bastante para exportar seriam beneficiadas pela política industrial.
O Social-Desenvolvimentismo argumenta que a diversidade setorial
da economia brasileira só tem paralelo, entre as economias emergentes,
na China e na Índia. Então, o Brasil não se restringe à indústria. Deve
acentuar a sua condição de potência agrícola, candidatar-se a posição de
peso no conjunto inter-relacionado de atividades industriais e de servi-
ços, com o nível de sofisticação tecnológica em que a própria agricultura
vem sendo praticada no País.
Evidentemente, o Social-Desenvolvimentismo discorda da ênfase
unilateral do Novo-Desenvolvimentismo, baseado em visão keynesiana
vulgar, no crescimento puxado apenas pela demanda agregada. Não acre-
dita em “endogenidade em longo prazo da disponibilidade dos fatores de
produção”, ou seja, em interdependência entre a demanda agregada e a
oferta agregada. As decisões de investimento autônomo em longo prazo
constituem-se de uma série de decisões de política econômica tomadas
em curto prazo, muitas vezes contrariando as expectativas negativas rei-
nantes entre os participantes do mercado. A disponibilidade futura de

191
maior oferta agregada é resultante delas e de políticas de crescimento em
longo prazo em conjunto com políticas sociais ativas.
Devido a seus efeitos de encadeamento para frente e para trás, os se-
guintes investimentos são emblemáticos dessa diversidade de projetos de
desenvolvimento, para benefício da sociedade e da economia brasileiras:
i) Servindústria: educação e saúde; PNBL (Plano Nacional de Banda
Larga); trem-bala; ferrovia transnordestina; transposição do rio São Fran-
cisco;
ii) Construção: mobilidade urbana; urbanização de favelas; sanea-
mento básico; financiamento para moradia popular;
iii) Extrativa: mineração; petrossal;
iv) Agroindústria: complexo da soja, inclusive biodiesel; complexo
sucroalcooleiro (etanol); complexo das carnes.
v) Indústria de Transformação: encadeada aos setores destacados,
seja pelo fornecimento de insumos, seja pelo atendimento da demanda
por seus produtos finais.
A Nova Geração destaca a autonomia relativa propiciada pela am-
pliação dos mercados (internos e externos) e pela maior independência
do processo de reprodução do capital em relação à importação de meios
de produção. Reconhece que a necessária construção de indústria de
componentes nacionais e de mecanismos internos de financiamento em
longo prazo pode retardar e até encarecer os empreendimentos. Argu-
menta que, embora tenha ocorrido enorme redução do peso do Estado
na economia brasileira, promovida pelas privatizações neoliberais, ele
ainda mantém sua capacidade de coordenação da negociação, agora, en-
tre interesses trabalhistas, privados nacionais e estrangeiros, configuran-
do um Capitalismo de Estado Neocorporativista.
Se esse Capitalismo de Estado Neocorporativo brasileiro será comple-
mentar ou antagônico aos interesses do Capitalismo de Mercado norte-
-americano ou do Socialismo de Mercado chinês, é outro tema para debate.

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194
PADRÕES DE CRESCIMENTO E
DESENVOLVIMENTO: UMA PERSPECTIVA
KEYNESIANO-INSTITUCIONALISTA

FERNANDO FERRARI FILHO


LUIZ FERNANDO DE PAULA

D ESDE O INÍCIO DOS ANOS 2000, a performance da economia brasi-


leira, sob a ótica do Produto Interno Bruto (PIB), tem apresentado
melhores resultados do que as décadas anteriores, denominadas “perdi-
das”: entre 2000 e 2013, a taxa média do PIB foi da ordem de 3,3%. A
despeito de esse período ter apresentado um crescimento médio do PIB
mais auspicioso, a atividade econômica continuou sendo caracterizada
por um processo de crescimento à la stop-and-go e, além do mais, nos
últimos anos a taxa de crescimento do PIB desacelerou-se significativa-
mente: entre 2011 e 2013 o PIB cresceu, em média, 2,0% ao ano. Isso
tem levado a uma discussão a respeito das causas da desaceleração eco-
nômica recente, estando ela relacionada a fatores conjunturais ou a fato-
res estruturais. Nosso entendimento é que a desaceleração é resultado de
uma combinação desses dois conjuntos de fatores.
Ademais, a fraca performance do PIB no triênio 2011-2013 nos
remete não somente à questão da necessidade de se ter maior crescimen-
to econômico no centro da discussão, mas, principalmente, à discussão a
respeito do fato de que esse baixo crescimento econômico estaria relacio-
nado de alguma forma aos limites da atual política redistributiva, uma
vez que os setores industriais estariam se defrontando com um fenômeno
de profit squeeze, causado pela combinação câmbio apreciado e salário
real acima da produtividade do trabalho, que acabaria por comprimir a
margem de lucro da indústria.
É importante ressaltar que, a despeito dessa discussão, é indubitável
que houve avanços significativos desde a última década no que se refere

195
à redução da pobreza no País e à melhoria na distribuição de renda, em
parte relacionado a um aumento real no salário mínimo, como atestado
pela gradual e persistente diminuição no Índice de Gini.1
Considerando que o cenário internacional não parece favorecer, como
ocorreu no período 2002-2007, a economia brasileira, uma questão que
emerge naturalmente é se é possível compatibilizar um crescimento eco-
nômico mais robusto e estável com uma agenda de inclusão social e
redistribuição de renda. Este capítulo sustentará que isso é possível den-
tro de certos limites. E mais, entende-se que a própria continuidade do
processo de redistribuição de renda depende de um crescimento mais
robusto da economia brasileira.
Diferente do “velho desenvolvimentismo” dos anos 1950 aos 1970,
a peculiaridade do crescimento recente é que ele foi acompanhado por
uma melhora na distribuição de renda e tem como um dos seus drivers o
crescimento do mercado interno (consumo), puxado pelo aumento na
renda real e do crédito bancário. Estaríamos, assim, diante de um caso
típico de wage-led. De fato, em que pese a baixa taxa de formação bruta
de capital, vários fatores contribuíram para que o consumo das famílias
liderasse o crescimento: (a) a manutenção de taxas relativamente baixas
de inflação, que tornou possível romper com o mecanismo de corrosão
real dos salários, cuja indexação geral de preços e salários não conseguia
evitar; (b) a recuperação do poder de compra do salário mínimo que au-
mentou 578,0% entre 1995 e 2013, muito acima da taxa de inflação
acumulada que foi de 272,1% (em termos reais, o salário mínimo cres-
ceu 82,2%); e (c) as transferências governamentais, cujos programas vol-
tados às faixas de mais baixa renda, tais como o Programa Bolsa Família,
foram expandidos.
As críticas a esse estilo de crescimento partiram não somente da
ortodoxia, que tradicionalmente o associam a “populismo econômico”,
mas por economistas que apontaram a inconsistência de crescer com
base no consumo, ao mesmo tempo que a indústria nacional perdia posi-
ção na composição setorial do PIB, mesmo levando-se em consideração
ser esse um fenômeno internacional (ver, entre outros: Bresser-Pereira,
2006; 2010; 2012; Bresser-Pereira & Gala, 2010; Oreiro, 2012; Sicsú,
Paula & Michel, 2007). Essa proposta foi denominada por Bresser-Pe-
reira, um de seus principais formuladores, de novo-desenvolvimentismo.

1 Entre 2000 e 2010, o Índice de Gini caiu de 0,589 para 0,541.

196
Para esses, tanto o crescimento do consumo como a “desindustrialização”
têm como variável explicativa a valorização cambial no período pós-Pla-
no Real, especialmente nos anos 2000. O crescimento liderado pelo con-
sumo somente teria sido possível em um contexto no qual: (a) os salários
vinham de um histórico de crescimento abaixo da produtividade, de modo
que havia certa “folga” para subirem; e (b) a conjuntura externa era
atipicamente favorável, seja pelos ingressos autônomos na conta capital,
seja pelos superávits nas transações correntes, em face da liderança da
demanda chinesa por commodities que impactou nos preços e nas quanti-
dades exportadas pelo Brasil. Ademais, esse aumento da capacidade de
importar teria permitido excepcionalmente o crescimento do consumo
sem afetar o balanço de pagamentos, mas seria um modelo de desenvol-
vimento inconsistente no longo prazo, uma vez que os estímulos de um
consumo maior estariam “vazando” para o exterior, em contexto de uma
taxa de câmbio apreciada. O resultado de uma política de juros elevados
e um câmbio apreciado é o acirramento do processo de desindustrialização
no País. Diante desse contexto, a alternativa proposta aponta para um
padrão de crescimento à la export-led, em que a desvalorização cambial
assume o status de variável-chave na condução da política econômica,
posto que as restrições ao crescimento decorrem tanto da “doença ho-
landesa” quanto do excessivo influxo de capitais, que acabam apreciando
a taxa real de câmbio, cujas consequências são o desequilíbrio do balanço
de pagamentos e o desincentivo ao aumento da capacidade produtiva e
de investimentos em setores comercializáveis. Nessa estratégia, o orça-
mento público deve estar rigorosamente equilibrado a longo prazo, ao
passo que o regime de metas de inflação deve ser mantido, ainda que
flexibilizado (Bresser-Pereira, Oreiro & Marconi, 2012; Oreiro, 2012).
Por outro lado, outros autores (Carneiro, 2012; Bastos, 2012) en-
tendem que o crescimento econômico deve ser dinamizado pelo consu-
mo de bens salários, permitindo a criação de um “mercado interno de
massas”, estimulado tanto pela expansão do nível de emprego quanto
pela distribuição de renda, decorrente das políticas redistributivas do
governo, por meio do aumento real dos salários, em especial do salário
mínimo, e ampliação do gasto social (com consequente aumento das
transferências previdenciárias e com programa Bolsa Família), e de ino-
vações financeiras na área do crédito (crédito consignado e microcrédito).
Assim, expansão do crédito é fundamental para sustentar a expansão do
referido consumo. Esse, por sua vez, deve estar direcionado não somente

197
para o curto prazo, mas, também, para o financiamento de longo prazo
do setor produtivo, que não pode prescindir do sistema financeiro estatal.
Num segundo momento, a expansão seria também puxada pelos investi-
mentos públicos em infraestrutura econômica e social. Esta proposta,
que vem sendo denominada social-desenvolvimentismo, sustenta políticas
fiscal e monetária ativas, e é de forma geral simpática à política adotada
nos Governos Lula da Silva e Dilma Rousseff. Em relação à taxa de
câmbio, contrariamente ao novo-desenvolvimentismo, argumenta-se que
ela deve manter-se em níveis apreciados, o que facilitaria tanto a impor-
tação de bens de capital, seja para que o capital nacional absorva o pro-
gresso tecnológico em curso, seja para reduzir os custos finais de produ-
ção, quanto evitaria a queda dos salários.2
Sintetizado, o debate brasileiro atual, apesar de outras nuança, pa-
rece sugerir a polaridade entre dois regimes de crescimento à primeira
vista opostos: wage-led vis-à-vis export-led. O objetivo deste capítulo é,
por um lado, mostrar que inexiste esse trade-off de regimes de cresci-
mento e que eles podem ser, em algum grau, conciliáveis, ainda que em
determinados momentos o driver seja o consumo interno e em outros as
exportações líquidas. Por outro lado, é apresentada uma proposta key-
nesiano-institucionalista, alicerçada em um conjunto de políticas
econômicas que visam assegurar estabilidade macroeconômica, enten-
dida como sendo inflação sob controle, equilíbrios fiscal e externo, cres-
cimento sustentável e inclusão social e distribuição de renda, para o Bra-
sil. Para tanto, o capítulo está dividido em quatro seções, além desta
introdução: a Seção 2 tece algumas considerações sobre regimes de cres-
cimento econômico; a Seção 3 analisa as causas da desaceleração econô-
mica recente no Brasil, ao passo que a Seção 4 apresenta uma proposição
keynesiano-institucionalista para a economia brasileira. Por fim, a Seção
5 conclui o capítulo.

2 Segundo Bastos (2012, p. 799), “a apreciação cambial e inflação baixa foram


essenciais para a expansão do mercado de massas de bens de consumo e serviços urbanos,
e serviram para baratear as importações nas quais se materializou, em parte, o investimen-
to privado”. Para superar a restrição externa ao crescimento a ideia é que “considerando
[a] estrutura da economia brasileira e o contexto atual da concorrência mundial, parece
menos provável ter-se um crescimento globalmente puxado pelas exportações, do que
eventual aumento das exportações industriais, induzido pelo crescimento de escalas e
capacitações propiciadas pelo mercado interno” (ibidem, p. 802).

198
Considerações sobre regimes
de crescimento econômico3

Os regimes de crescimento, desde o trabalho seminal de Bhaduri &


Marglin (1990), podem ser divididos em wage-led growth e profit-led
growth: se a mudança na distribuição funcional da renda em prol dos
salários gera um efeito positivo sobre o crescimento econômico, então o
regime se define como wage-led; e se, alternativamente, uma mudança
em prol dos lucros resulta em um aumento no crescimento econômico,
então o regime se define como profit-led. Lavoie & Stockhammer (2012)
sustentam que se uma economia está sob um regime profit-led ou wage-
-led depende da sua estrutura econômica, isto é, da distribuição de renda
existente e do grau de abertura econômica do país (comercial e financei-
ra), e ainda de vários componentes comportamentais, como propensão a
consumir dos vários recipientes de renda, da sensibilidade dos empresá-
rios a mudanças nas vendas ou nas margens de lucro, mudanças na taxa
de câmbio, mudanças na demanda externa, assim como o tamanho dos
vários componentes da demanda agregada (consumo, investimento gas-
tos do governo e exportações líquidas). Levando em conta o setor exter-
no, estruturas econômicas com pequenos diferenciais nas propensões a
consumir, investimento altamente sensível à lucratividade e com econo-
mias muito abertas com alta elasticidade-preço das exportações e alta
elasticidade-renda das importações, tendem se caracterizar como profit-
-led;4 e, contrariamente, estruturas econômicas com propensões a con-
sumir diferenciadas entre salários e lucros, investimento não sensível à
lucratividade (e parâmetro do acelerador elevado) tendem a se caracteri-
zar com wage-led. Outros fatores que ajudam a definir a regime de cres-
cimento são a política econômica adotada (monetária, fiscal e cambial),
mudanças na demanda mundial, nos preços de commodities, etc. Um regi-
me alternativo, que pode ser visto como uma variante do regime profit-
-led, é o export-led growth, no qual a dinâmica do crescimento é deter-
minada primordialmente pelo crescimento das exportações líquidas.

3 Esta seção está baseada parcialmente em Ferrari & Fonseca (2013).


4 Neste caso, a diminuição nos salários e nos benefícios dos trabalhadores propi-
ciaria maiores margens de lucro que induziria os empresários a aumentarem a capacidade
produtiva, e os trabalhadores se beneficiariam eventualmente de maiores taxas de empre-
go e maior poder de compra puxado pelo crescimento na produção.

199
Inicialmente cabe esclarecer que, da forma aqui entendida, tanto
wage-led como export-led são alternativas compatíveis com um approach
predominantemente keynesiano-kaleckiano, posto que dizem respeito a
qual variável da demanda agregada caberia a responsabilidade principal
de alavancar o crescimento: o consumo doméstico das famílias ou as
exportações. Tanto uma como outra subentendem, portanto, que a políti-
ca econômica, ao influenciar a demanda agregada, pode alterar o produ-
to tanto nominal como real. Essas duas alternativas se antepõem a outra,
profit-led, de corte mais próximo da tradição neoclássica, que frisa a
economia mais pelo lado da oferta, centrando-se menos na presença do
Estado e mais nos mecanismos de mercado, na flexibilização do mercado
de trabalho e em variáveis como capital humano e educação como forte-
mente associadas ou pré-requisitos para a consecução de trajetórias equi-
libradas de crescimento a longo prazo.
Em nosso ponto de vista, o debate acadêmico wage-led vis-à-vis
export-led é uma falsa dicotomia, uma vez que ambos os regimes estão
relacionados às condições de demanda agregada, ao passo que o puro
regime profit-led identifica-se mais com o lado da oferta.5
Em geral, a variável que dinamiza o crescimento, qual seja, salários
e/ou exportação — aqui denominada de variável desencadeadora —, não
deve ser entendida como sua responsável única: ela deve articular-se com
as outras componentes da demanda agregada, em especial o investimento,
público e privado. A articulação entre a variável desencadeadora com as
demais configura o que Ferrari & Fonseca (2013) denominam de pa-
drão de crescimento. Este, todavia, embora possa aparecer embrionariamente
sem uma intenção definida pelos policy-makers, geralmente não é automá-
tico e nem se reproduz espontaneamente: ele exige uma política econômica
deliberada para sua viabilização. Entende-se aqui por política econômica
não somente as políticas tidas como de estabilização ou utilizadas tendo
em vista obter taxas desejáveis de crescimento e inflação ao longo do
ciclo, tais como as políticas monetárias, cambiais e fiscais, mas as políti-

5 É importante ressaltar que em economias capitalistas, quaisquer que sejam os


regimes de crescimento econômico, o objetivo principal da atividade econômica é o lucro.
Por exemplo, conforme Keynes (1979, p. 82): “in an entrepreneur economy [. . .] An
entrepreneur is interested, not in the amount of product, but in the amount of money
[profit] which will fall to his share”. Isso não quer dizer, todavia, que o regime de cresci-
mento econômico é profit-led.

200
cas fins (interventoras de forma horizontal ou vertical em segmentos ou
setores, como as políticas industrial, agrária e tecnológica, dentre outras)
e as políticas estrutural-institucionais. Igualmente, políticas sociais e de
renda (salário mínimo, programa de renda mínima, fortalecimento de
barganha coletiva, etc.) também afetam o padrão de crescimento.
Isso posto, fica assentado que um padrão de crescimento não signi-
fica apenas “eleger” a variável desencadeadora; esta somente terá êxito em
alavancar o crescimento se for capaz de garantir a articulação com as
demais. Nesse sentido, a contribuição de Keynes (2007) sobre a relevân-
cia do investimento na determinação da demanda agregada é fundamen-
tal. Se ele for capaz de responder positivamente a aumentos salariais,
configura-se a possibilidade de reprodução de uma trajetória exitosa wage-
-led. Em uma economia aberta e mais globalizada, se o investimento
responder positivamente ao crescimento das exportações, configura-se a
possibilidade de reprodução de uma trajetória exitosa export-led. Toda-
via, a hipótese que perpassa as considerações a seguir é que seja qual for
o padrão — wage-led ou export-led — ele somente poderá reproduzir-se e
configurar uma trajetória exitosa caso, respectivamente, a elevação dos salá-
rios e das exportações sejam capazes de induzir maior perspectiva de lucro e,
por conseguinte, elevar o nível de investimento.
Nesse particular, conforme Keynes (2007, capítulo 12), em contexto
nos quais as tomadas de decisão de investimento têm como base as expecta-
tivas formadas em bases frágeis sobre o comportamento futuro da demanda,
grau de confiança e convenções, mais amplamente, instituições, são funda-
mentais para que o estado de ânimo (animal spirits) do empresário seja
observado. Nas palavras de Keynes (2007, p. 161), parte substancial das
tomadas de decisão “can only be taken as a result of animal spirits”. Cabe
indagar: o que condiciona, favoravelmente, o animal spirits? Expectativas
otimistas, naturezas política e social, instituições e política econômica,
dentre outras variáveis. Em suma, a articulação entre a variável desenca-
deadora e os demais determinantes da demanda agregada deve ocupar
lugar destacado na formulação da política econômica para viabilizar o
padrão de crescimento.
Em decorrência, esse é o maior desafio dos policy-makers, pois em par-
te tal articulação não depende apenas deles, posto que também se deixe im-
pactar por variáveis tidas como “exógenas” a seu âmbito de atuação, como
as de natureza política, as restrições externas e as alterações estruturais

201
no padrão tecnológico vigente.6 Por isso, a opção por um padrão não re-
sulta de “simples escolha”: há variáveis que contribuem para facilitar ou
restringir sua viabilidade, configurando uma diferença entre sua formulação
(típica-ideal ou “modelo”) e a realidade fática de sua implantação. Acres-
cente-se, ainda, que, como já destacado, devem-se levar em consideração
as características estruturais da economia e seu estágio de desenvolvimento.
Normalmente se associa como ponto forte do padrão export-led
sua capacidade de minimizar uma das restrições mais frequentes ao cres-
cimento de países com moeda internacionalmente inconversível: a atinente
ao equilíbrio do balanço de pagamentos, cuja persistência impõe fre-
quentes recessões, inflação (com as desvalorizações cambiais então emer-
gencialmente utilizadas) e endividamento externo. Indo nessa direção,
economias periféricas, em face das características de sua estrutura pro-
dutiva pouco diversificada, têm seu crescimento limitado pela chamada
Lei de Thirlwall, segundo o qual a baixa elasticidade-renda dos produ-
tos de menor valor agregado exportado por países em desenvolvimento,
comparada com a maior elasticidade-renda das importações produzidas
pelos países desenvolvidos, gera déficits de caráter estrutural no balanço
de pagamentos nos primeiros. Esses déficits crescentes podem resultar
em um obstáculo significativo ao crescimento econômico em países em
desenvolvimento, uma vez que a manutenção de um déficit em conta
corrente não explosivo requer que a taxa doméstica de crescimento seja
mantida abaixo da taxa de crescimento mundial de modo que as impor-
tações e exportações se equilibrem (Thirlwall, 2002).
Por sua vez, o padrão wage-led apresenta a vantagem de abrir espa-
ço para melhor distribuição de renda, pois se propõe a criar condições
para uma relação “cooperativa” entre salários e lucros. Não necessariamen-
te, neste padrão é crescente a participação dos salários da renda, nem po-
deria ser esta a sua principal característica ex-post, a qual implicaria, a
longo prazo, taxa de lucro zero. Por isso, a melhor forma de defini-lo é
como “estratégia” (Lavoie & Stockhammer, 2012), esperando-se que a
elevação dos salários impacte positivamente sobre o consumo e o investi-

6 Nesse aspecto, parece-nos apropriada a preocupação de Bielschowsky (2012) de,


ao propor um modelo de desenvolvimento semelhante ao padrão wage-led (o qual deno-
mina bens de consumo de massa), procurar articulá-lo com a expansão do investimento
em outros setores ou “frentes de expansão”, no caso recursos naturais e infraestrutura, os
quais deveriam ser alavancados pela inovação tecnológica e pela reativação de encadea-
mentos produtivos tradicionais.

202
mento, cuja articulação assegurará o crescimento da demanda agregada
(Rowthorn, 1981; Taylor, 1983; Dutt, 1987). Enquanto o impacto no con-
sumo é mais ou menos imediato ou fortemente esperado (supondo-se, à
la Kalecki, alta propensão a consumir dos trabalhadores), o desafio do
regime wage-led é como criar uma relação virtuosa deste com o investimento.
A definição da taxa de câmbio é aspecto essencial na distinção dos
dois regimes. No regime export-led, as depreciações cambiais incidem
positivamente no nível de atividade econômica, enquanto o contrário
ocorre no regime wage-led. Por isso, parte da literatura (Blecker, 2010;
Bresser-Pereira, 2012; Araújo & Gala, 2012) defende que para econo-
mias com menor liderança internacional e com maior sensibilidade a
variação nos preços das exportações e importações, o mais apropriado
seria o regime export-led. Chega-se, assim, à conclusão de que a política
cambial impõe um trade-off entre melhor distribuição de renda e equilí-
brio externo. Caso se admita a razoabilidade da proposição segundo a
qual o crescimento dos salários é variável relevante para se lograr melhor
distribuição de renda, um padrão wage-led exigiria câmbio relativamente
valorizado e salários crescentes (ou pelo menos acompanhando o cresci-
mento da produtividade), mas incidiria negativamente no equilíbrio da
balança comercial e das transações correntes. Já um padrão export-led
exigiria câmbio desvalorizado e salários mais baixos,7 compatíveis com
o esforço exportador, o que acena para uma distribuição de renda mais
favorável aos lucros do que aos salários.
Em decorrência, como não há uma “alternativa ótima” de regimes
de crescimento, entende-se que ambos os regimes são “viáveis” do ponto
de vista teórico e são conciliáveis, especialmente quando a implementação
deles diz respeito à dinâmica de economias emergentes. Nesse sentido,
um padrão de crescimento, alicerçado em políticas econômicas e reformas
estrutural-institucionais, deve (i) buscar melhor distribuição de renda,
(ii) induzir a expansão dos investimentos e (iii) formular políticas cam-
bial e de comércio exterior capazes de evitar ou minimizar eventuais
impactos negativos que possam prejudicar o equilíbrio no balanço de
pagamentos (e criar uma fonte adicional de crescimento).
Lavoie & Stockhammer (2012) sustentam que o modelo de cresci-
mento pelas exportações é de uso limitado e gera desequilíbrios globais

7 Esses poderão ser gradualmente crescentes a longo prazo acompanhando o pró-


prio crescimento econômico e políticas moderadamente distributivas.

203
(alguns países são superavitários à custa de outros deficitários) e defendem
uma estratégia global no qual todos os países se utilizam simultaneamente
de políticas distributivas pró-trabalho de modo que todos se beneficiem
de um crescimento externo mais elevado. Bresser-Pereira (2013), por sua
vez, sugere uma estratégia novo-desenvolvimentista para economias emer-
gentes, como o Brasil, em que inicialmente se adota um regime de cresci-
mento export-led para a realização de seu catch-up, mas que a médio
prazo “a única estratégia de desenvolvimento válida e viável é aquela no
qual os salários, as exportações e o PIB cresçam de forma aproximada-
mente igual [com uma taxa de lucro que] seja satisfatória para os empre-
sários e para a sociedade” (ibidem, p. 31) — ou seja, nem export-led, nem
wage-led, mas investiment-led.
Entendemos que a escolha entre uma estratégia de crescimento
wage-led growth e export-led growth (como no caso das economias asiáticas
mais dinâmicas) é uma opção falsa para a economia e sociedade brasileira.
Por um lado, a economia brasileira dificilmente poderia adotar um cami-
nho asiático de desenvolvimento, baseado na competitividade das expor-
tações via salário baixo e câmbio depreciado, além do subsídio creditício
para os investimentos em setores com potencial de exportação. Por outro
lado, não pode e não deve abrir mão de, mesmo tendo no mercado inter-
no o motor do crescimento, desenvolver e manter um setor manufatureiro
dinâmico, com capacidade de inserção no comércio internacional. A
manutenção de um superávit comercial robusto, o que requer inclusive a
exportação de bens manufaturados de maior valor agregado, é condição
necessária para a economia brasileira não esbarrar na restrição externa
ao crescimento econômico à la Thirwall, e ter uma fonte complementar
de crescimento, em um regime de crescimento wage-led. A compatibi-
lização e um “meio-termo” entre as duas estratégias de crescimento pare-
ce ser, portanto, a mais adequada, e será explorada na Seção 4.

Uma breve análise da desaceleração recente


da economia brasileira8

A economia brasileira desde o início dos anos 1980 tem tido um com-
portamento à la stop-and-go, alternando pequenos ciclos de crescimento

8 Esta seção está baseada parcialmente em Paula, Modenesi & Pires (2013).

204
com desacelerações econômicas, muitas vezes abruptas. Esse padrão de
crescimento se reproduz ao longo dos anos 2000: em 2000, o PIB cresceu
4,3%; entre 2001 e 2003 houve forte desaceleração (nesse período o PIB
cresceu a uma taxa média de 1,7% ao ano); entre 2004 e 2008, a econo-
mia brasileira cresceu a uma média anual de 4,8%; em 2009 houve recessão
devido ao contágio da crise mundial; em 2010 a economia cresceu a rit-
mo “chinês”, 7,5%; e finalmente nos anos 2011, 2012 e 2013 o PIB no-
vamente desacelerou (média de 2,0% ao ano). De modo geral, pode-se
observar, conforme mostra o Gráfico 1, forte correlação entre o cresci-
mento do PIB e do produto industrial, embora o crescimento deste últi-
mo (2,7% entre 2000 e 2013) tenha ficado abaixo da taxa de crescimento
do PIB (média de 3,4% ao ano no mesmo período).

Gráfico 1. Crescimento do PIB e do produto industrial (%), 2000-2013

Fonte: Ipeadata (2014).

É importante ressaltar que a recuperação econômica a partir de


2004 foi puxada, inicialmente, pelo boom de commodities e depois pelo
aumento no consumo das famílias, devido ao maior estímulo ao crédito
bancário (desconto em folha) e ao aumento da renda real das famílias.
Por sua vez, a partir de 2006, ela foi dinamizada pelo crescimento da taxa
de investimento (Gráfico 2).
Todavia, os efeitos da crise pós-Lehman Brothers foram acentuados
sobre a economia brasileira, devido à abrupta e forte reversão nos fluxos
de capitais externos e desaceleração no mercado de crédito doméstico,

205
ocasionando, assim, forte desaceleração do consumo e, principalmente
dos investimentos. De fato, o contágio da crise do Lehman Brothers
sobre a economia brasileira, a partir de setembro de 2008, foi bastante
agudo e rápido: saída de capitais estrangeiros aplicados em bolsa; redução
da oferta de crédito externo para bancos e firmas (inclusive exportadoras);
aumento das remessas de lucros e dividendos por subsidiárias de empre-
sas multinacionais; retração do mercado de crédito doméstico; e “empo-
çamento” de liquidez no mercado interbancário. A vulnerabilidade da
economia brasileira agravou-se em função do uso especulativo de deriva-
tivos cambiais por algumas empresas exportadoras, que lucravam apos-
tando na continuidade do processo de apreciação cambial.

Gráfico 2. Contribuição ao crescimento do PIB (%)*, 2003-2013

Fonte: Ipeadata (2014).


* Contribuição para o crescimento do PIB no trimestre comparado ao mesmo trimestre do ano anterior.

O Governo respondeu com uma grande variedade de instrumentos,


incluindo: medidas de reforço à liquidez do setor bancário (redução no
compulsório e criação de incentivos para os grandes bancos comprarem
as carteiras de créditos de pequenos bancos); linha temporária de crédito
para as exportações; intervenções do Banco Central (BCB) no mercado
cambial (venda de US$ 23 bilhões no último trimestre de 2008); estí-
mulo à expansão do crédito pelos bancos públicos; redução do imposto
sobre produtos industrializados (IPI) para automóveis, eletrodomésticos

206
e produtos de construção; aumento do período de concessão do seguro-
-desemprego; e criação de um programa de construção de moradia po-
pular (“Minha Casa, Minha Vida”).9
A nota destoante foi a manutenção da taxa de juros elevada pelo
BCB na gestão Meirelles até início de 2009, contrastando com a política
fiscal anticíclica e a política creditícia dos bancos públicos. O Gráfico 3
mostra a taxa de crescimento do crédito por controle de capital. Destaca-
-se o papel anticíclico dos bancos públicos (BNDES, Banco do Brasil e
CEF) em face da desaceleração da taxa de crescimento do crédito dos
bancos privados.

Gráfico 3. Estoque de crédito, R$ milhões, dos bancos públicos e privados e Taxa de


Crescimento (%)*, 2007-2013

Fonte: BCB (2014).


* Taxa de crescimento em relação a doze meses anteriores.

Assim, o Governo agiu de forma rápida e sinalizou claramente o


objetivo de adotar uma política anticíclica (fiscal, cambial e creditícia),
em que pese, como visto, a manutenção pelo BCB dos juros elevados até
janeiro de 2009. Contribuiu, assim, para evitar uma deterioração mais
9 Para um detalhamento das medidas anticíclicas adotadas no Brasil no período
2008-2009, ver Barbosa (2010).

207
drástica das expectativas, logrando êxito na recuperação econômica, a
partir de meados de 2009. Em particular, o crescimento da formação
bruta de capital fixo e do consumo contribuíram para a recuperação da
economia já no segundo semestre (Gráfico 2). Em resposta à retomada
do crescimento, à restauração da confiança dos agentes e à ampliação do
nível de utilização da capacidade instalada da indústria, o investimento
cresceu de 17% do PIB (primeiro trimestre de 2009) para 20,5%, no
terceiro trimestre de 2010. As exportações, por sua vez, foram favorecidas
pela forte melhora nos termos de troca, devido principalmente à reto-
mada da economia chinesa em 2009 (crescimento de 9,2%) e a recupera-
ção da economia mundial em 2010.
Cabe destacar que as ações do Governo foram favorecidas por deci-
sões tomadas no período anterior: a combinação da redução na dívida
externa pública com a política de acumulação de reservas internacionais
resultou em um saldo líquido credor do Governo em moeda estrangeira.
Assim, a forte desvalorização cambial que seguiu ao contágio (43% de
setembro a dezembro de 2008) favoreceu, pela primeira vez, as finanças
públicas, facilitando o uso de uma política fiscal anticíclica. Por outro
lado, as medidas de estímulo ao consumo foram beneficiadas pelo ainda
moderado nível de endividamento das famílias — a razão endividamen-
to sobre renda acumulada nos últimos doze meses era de 38% em outu-
bro de 2008.
O Governo Dilma Rousseff foi marcado nos seus três primeiros
anos (2011-2013) pela gradual piora no cenário internacional em razão
da crise do euro, da fraca recuperação americana e da desaceleração dos
países emergentes — a taxa de crescimento médio da economia mundial
caiu de 5,1% em 2010 para 3,8% em 2011, 3,3% em 2012 e para 3,1%
em 2013 (IMF, 2014). Do ponto de vista da condução da política eco-
nômica, destacaram-se mudanças no mix e nos instrumentos de políti-
ca, com uso de medidas macroprudenciais monetárias e cambiais, forte
redução na taxa Selic (de 12,5%, em julho de 2011, para 7,5%, em agos-
to de 2012) e — após a adoção de uma série de medidas regulatórias
sobre os fluxos de capitais, inclusive sobre o mercado de derivativos
— uma desvalorização cambial de 25% (entre agosto de 2011 e maio
de 2012).
Em virtude do bom desempenho fiscal no primeiro semestre de
2011, o Ministério da Fazenda pôde adotar medidas fiscais para estimu-
lar o setor industrial, combalido pela forte apreciação do câmbio e pela

208
acirrada competição do mercado externo. O principal instrumento foi a
isenção fiscal, incluindo a redução do IPI sobre bens de capital e a
desoneração da folha de pagamento de setores intensivos em mão de
obra, permitindo a mudança na cobrança da contribuição previdenciária
de 20% sobre o salário por taxas de 1% (ou 2%) sobre os lucros das
firmas. No segundo trimestre de 2012 foram adotadas medidas adicio-
nais no âmbito do “Plano Brasil Maior”, tais como: a ampliação da
desoneração da folha de pagamento para outros setores; a redução do IPI
de alguns bens duráveis (automóveis, geladeiras, etc.); a postergação do
recolhimento do PIS/Cofins; e a redução da alíquota de IOF sobre ope-
rações de crédito a pessoas físicas. Em 2013, algumas medidas de incen-
tivos fiscais foram mantidas, porém, por um lado, o Governo sinalizou
um ligeiro ajuste fiscal e, por outro lado, o BCB voltou a elevar a Selic,
fechando o ano em 10%.
Entretanto, o crescimento econômico entre 2011 e 2013 desapon-
tou: a média anual foi de 2%. O produto industrial, por sua vez, caiu
0,4% ao ano (média do período). Ainda que todos os itens do gasto
agregado tenham caído, o mau desempenho da formação bruta de capi-
tal fixo foi o que mais contribuiu para a desaceleração.
O fraco desempenho da economia brasileira resultou de um con-
junto de fatores externos e domésticos. Embora a situação econômica da
zona do euro agora não fosse disruptiva, a ameaça de piora na crise
afetou a economia brasileira — principalmente pelo canal do comércio
exterior, devido à redução no preço de algumas commodities e à queda
geral na demanda externa por produtos manufaturados, semimanufaturado
e básicos. Além disso, as expectativas empresariais deterioraram-se dras-
ticamente em função do risco de ocorrência de um “grande evento”, pos-
sibilidade de derrocada do Euro.
No lado doméstico, o produto industrial parou de crescer em con-
sequência, principalmente, do aumento do coeficiente de importações
(valor das importações sobre o valor do produto doméstico do setor in-
dustrial), que aumentou de 17,0%, no quarto trimestre de 2009, para
mais de 22% no primeiro trimestre de 2012. O quantum da produção
industrial estagnou desde 2010, enquanto as vendas no comércio varejista
continuaram aumentando, abrindo uma “boca de jacaré” entre essas duas
tendências (Gráfico 4). Ou seja, os estímulos dados à demanda vazaram
para o exterior, não beneficiando as empresas industriais domésticas, já
que essas não tiveram “acesso” a essa maior demanda. Consequentemente,

209
a utilização de capacidade instalada da indústria diminuiu, gerando ca-
pacidade ociosa que contribuiu para a desaceleração nos investimentos
em 2012 e 2013 — já afetados pela deterioração nas expectativas empre-
sariais em face da piora no cenário internacional.
As exportações declinaram 1,2% em 2013, comparativamente a
2011, ao passo que as importações aumentaram 5,9% entre 2011 e 2013.
Como consequência, o saldo comercial, ao longo desse período, foi re-
duzido de US$ 29,8 bilhões para US$ 2,6 bilhões. De fato, tanto os
termos de troca quanto a demanda mundial declinaram devido à desa-
celeração econômica mundial: os principais parceiros comerciais do Bra-
sil (Europa, China e Argentina) tiveram um crescimento declinante entre
2011 e 2013. As evidências empíricas de vários trabalhos acadêmicos,
que procuraram estimar a função exportação para o Brasil, sugerem que
o efeito preço (resultante do movimento da taxa de câmbio) é superado
largamente pelo efeito renda mundial.10 Esse resultado ajuda a enten-
der por que a desaceleração econômica mundial em 2012, por exemplo,
anulou os efeitos positivos da desvalorização cambial sobre as exporta-
ções brasileiras.

Gráfico 4. Produto industrial (quantum) e vendas no comércio varejista (100 =


jan.2003)

Fonte: IBGE (2014) e Ipeadata (2014).

10 Ver, entre outros, Schettini, Squeff & Gouvêa (2012).

210
Com relação às importações, deve-se considerar que anos seguidos
de apreciação da taxa de câmbio (desde 2003) suscitou um comporta-
mento defensivo das empresas (substituindo bens de capital e insumos
por produtos importados) que não se altera imediatamente ao sabor dos
acontecimentos — principalmente se considerarmos que uma desvalo-
rização da ordem de 25% não foi suficiente para compensar a forte apre-
ciação cambial acumulada.
Finalmente, a dinâmica dos gastos públicos — incluindo os inves-
timentos públicos — não foi capaz de compensar a desaceleração geral
dos outros componentes da demanda. O Gráfico 5 mostra a evolução do
resultado primário (proporção do PIB) a partir do momento em que
cada crise se iniciou. O timing e a intensidade da resposta de política
fiscal nos dois momentos foram bem diferentes. De fato, a política fiscal
anticíclica em 2011 e 2012 foi muito limitada quando comparada ao
período anterior. O superávit primário caiu imediatamente após o início
da crise do Lehman Brothers. Durante a crise do euro ocorreu o inverso,
e apenas no décimo mês após o início da crise verificou-se uma redução
no superávit, de magnitude bem inferior à ocorrida na crise anterior.

Gráfico 5. Superávit primário fiscal como percentagem do PIB (em meses)

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional (2014).

211
Acrescente-se, ainda, que a composição da expansão fiscal limitou
o seu efeito anticíclico. Durante a crise do Lehman Brothers, o Governo
deu mais ênfase às despesas, tais como: o aumento do salário mínimo e
das transferências sociais; aumento dos investimentos públicos e da
Petrobras; e promoção do programa “Minha Casa Minha Vida”. Por sua
vez, pelo lado das desonerações as ações foram pontuais e temporárias,
entre as quais, a redução de impostos para veículos, eletrodomésticos e
insumos da construção civil e a expansão das operações de crédito. En-
quanto a resposta à crise do Lehman Brothers envolveu um conjunto
rápido de desonerações fiscais importantes e de expansão de despesas, a
resposta na crise do euro ocorreu apenas a partir do segundo semestre de
2012, e enviesada na direção de desonerações fiscais, muitas das quais
sem efeito claro sobre a atividade econômica. Os investimentos públicos
representaram 1,1% do PIB em 2012, valor equivalente ao de 2011 e
menor do que de 2010. Considerando-se o impulso fiscal como um todo,
é possível concluir que ele foi muito menor, atrasado e com uma compo-
sição que resultou em impacto pouco significativo sobre a atividade eco-
nômica em 2011 e 2012 (em relação aos anos de 2009 e 2010).
Não é demais enfatizar que, entre 2010 e 2012, o Governo apostou
que a mudança no mix de política econômica (redução da Selic e desva-
lorização cambial) — a chamada “nova matriz econômica” — somada às
isenções fiscais seriam suficientes para impulsionar conjuntamente oferta
e demanda agregada de bens, resultando em um crescimento econômico
mais robusto. Quando ficou claro que não seria o caso, o Governo pro-
curou implementar medidas ad hoc para estimular o crescimento, como a
extensão da desoneração de folha de pagamento para mais setores. Tal
ação, contudo, não foi bem coordenada e careceu de consistência.
De fato, a adoção de uma política fiscal anticíclica em 2011 e 2012
se justificava em face do baixo desempenho da economia, mas veio atrasa-
da e privilegiando isenções fiscais em vez de investimentos públicos. Para
completar, não foi comunicada aos agentes de forma adequada: o Governo
prometeu até o final do ano que cumpriria integralmente a meta de superá-
vit primário, acabando por utilizar artifícios contábeis para alcançar a meta.
Melhor seria se, já em meados de 2012, o Governo revisse realisticamente
a meta quando estava claro que não iria conseguir cumpri-la, justificando
tal mudança, como fez em 2009, em função da desaceleração em curso.
Em 2013, conforme mencionado anteriormente, a política mone-
tária voltou a ser restritiva, bem como o Governo passou a ser mais

212
cauteloso nas políticas de incentivos fiscais, uma vez que a inflação pas-
sou a distanciar-se do centro da meta, 4,5%: em 2010, 2011 e 2012 a
inflação foi, respectivamente, 5,91%, 6,5% e 5,84%. A ortodoxia mone-
tária e fiscal, todavia, não resultou no arrefecimento da inflação que fe-
chou o ano de 2013 em 5,91%.
Concluindo esta seção, parece haver evidências de que o baixo cres-
cimento da economia brasileira e a desaceleração recente resultam da
combinação de conjunto de fatores conjunturais — piora no cenário inter-
nacional (redução de preços de commodities, por exemplo) e má coorde-
nação de políticas macroeconômica a partir de 2010 — com um conjun-
to de fatores estruturais, incluindo certo esgotamento do ciclo de expansão
de consumo puxado pelo crédito e o processo de desindustrialização em
curso na economia brasileira. De fato, os estímulos dados recentemente
ao aumento da demanda doméstica em vez de estimular o crescimento
do setor industrial “vazaram” para o exterior, como ficou expresso com o
aumento das importações. Ademais, a desaceleração do setor industrial,
setor com forte poder de encadeamento para trás e para frente na economia
e portador de progresso técnico (portanto, mais capital intensivo), acaba
contribuindo para a baixa taxa de investimento da economia, apesar de
ela ter crescido entre 2008 e 2013 (18,2% do PIB, a preços correntes) em
relação ao período 2000-2007 (16,7% do PIB a preços correntes), invia-
bilizando, assim, um crescimento econômico mais robusto e sustentável.

Uma proposição keynesiano-institucionalista


para a economia brasileira11

Tendo como base as argumentações teóricas das seções anteriores e ob-


servando a dinâmica operacional da política econômica no Brasil desde
a segunda metade dos anos 1990, é possível argumentar que as diversas
mudanças institucionais ocorridas na economia brasileira acabaram por
repercutir diretamente sobre o ambiente nacional e, com isso, estabele-
cendo novas diretrizes ou trajetórias. Elas poderiam contribuir para o
processo de crescimento econômico sustentável; porém, acabaram com-
prometendo o referido crescimento, principalmente porque ele caracte-
rizou-se por uma dinâmica à la stop-and-go: o crescimento econômico
11 Esta seção está baseada parcialmente em Ferrari & Fonseca (2013) e Paula
(2013).

213
não apenas tem sido baixo como, também, volátil nas últimas décadas,
ainda que haja um recente processo de melhoria na distribuição de renda
no País. Dentre as mudanças mais significativas podemos citar: a abertu-
ra externa do início dos anos 1990, que estabeleceu a necessidade de
novos padrões de competitividade tanto externos quanto internos; a mu-
dança do regime monetário com o Plano Real, que mudou as regras de
convivência com a inflação; um novo desenho do Estado nacional, que
passou a orientar-se muito mais por estratégias neoliberais do que por
ações “desenvolvimentistas”, então caracterizadas como obsoletas, retró-
gradas e anacrônicas; e uma orientação ortodoxa da política econômica,
como antídoto às aspirações de retorno inflacionário.
Com isso quer-se argumentar que dois aspectos decorrem de tais
estratégias. Primeiro, as mudanças “institucionais” observadas com o Plano
Real não foram literalmente embedded pelos agentes econômicos, im-
possibilitando, assim, a criação de um ambiente institucional favorável
ao investimento. E, segundo, a política macroeconômica implementada
ao longo desse período, principalmente alicerçada no Novo Consenso
Macroeconômico (NCM), qual seja, regime de metas de inflação e de
superávit fiscal juntamente com câmbio flexível, limita as autonomias
das políticas monetária e fiscal e, por conseguinte, seu impacto sobre o
PIB. Em suma, entre 1995 e 2013, as condições institucionais e macro-
econômicas não despertaram o animal spirits dos empreendedores.
Diante deste quadro, pergunta-se: o que fazer para que a economia
brasileira possa, efetivamente, alcançar um quadro de maior estabilidade
macroeconômica, em um regime wage-led, mas que não se descuide da
restrição externa ao crescimento e, portanto, seja caracterizado, também,
por um regime export-led?
Antes de respondermos à pergunta, é importante ter ciência de que
a economia brasileira apresenta algumas restrições históricas ao crescimen-
to, quais sejam: por não ter, como outras economias emergentes, uma
moeda de conversibilidade internacional, recorrentemente os desequilíbrios
externos crônicos acabam gerando crises cambiais; existem gargalos de
capacidade produtiva, como de infraestrutura, que limitam a expansão da
demanda agregada; o sistema de financiamento da atividade econômica,
sobretudo de longo prazo, depende essencialmente do setor público; e a
distribuição de renda, apesar da melhora ao longo da década de 2000,
ainda é muito desigual. Nesse sentido a questão crucial é: como compa-
tibilizar um crescimento econômico sustentado com equidade social?

214
Partimos do entendimento segundo o qual, em termos macroeco-
nômicos, é necessário expandir a relação formação bruta de capital/PIB
dos atuais 19% para 25%, para termos um crescimento ao redor de 4,5%
ao ano.12 Ademais, são necessárias mudanças estrutural-institucionais
para expandir a demanda efetiva e a capacidade produtiva da economia.
Em suma, devem ser criadas condições favoráveis para despertar, defini-
tivamente, o animal spirits dos empresários.
Ao contrário da visão ortodoxa, para quem as políticas econômicas
ativistas não têm efeito permanente sobre as variáveis reais, tais como
produto e emprego, as políticas keynesianas, em sentido amplo, têm como
principal objetivo o pleno emprego. Nesse sentido, o significado de po-
líticas keynesianas deve ser aquele em que “implicações de política sur-
gem da percepção do papel da demanda agregada em estabelecer o nível
da atividade econômica e [de que há] falta de forças automáticas que
conduzem uma economia de mercado ao pleno emprego” (Arestis &
Sawyer, 1998, p. 181). O objetivo da política econômica nessa aborda-
gem está relacionada à estabilidade macroeconômica, um conceito mais
amplo do que meramente estabilidade de preços, uma vez que objetiva
reduzir as incertezas que são intrínsecas ao mundo de negócios. Em
geral, governos podem reduzir os riscos macroeconômicos que afetam a
economia como um todo, bem como eles podem assegurar tanto a esta-
bilidade de preços quanto o mais alto nível de produto e emprego, uma
vez que, sob certas circunstâncias, esses objetivos são compatíveis. Para
esse propósito, é necessário ter maior coordenação de políticas macroe-
conômicas (fiscal, monetária, cambial e políticas de renda), bem como
os policy-makers devem avaliar os impactos globais das políticas em seus
objetivos como um todo, pois políticas keynesianas consistem em ações
concertadas em uma multiplicidade de arenas.
Um programa keynesiano, portanto, visa à estabilidade macroe-
conômica, nos termos já definidos. De fato, as condições favoráveis de

12 Por que 25%? Primeiro, porque durante os anos 1970, período no qual o
crescimento econômico brasileiro alcançou as maiores taxas de sua história, a relação
formação bruta de capital/PIB era ao redor de 25%; segundo, porque a taxa media da
relação formação bruta de capital/PIB dos principais países emergentes é da ordem de
25% (média calculada pelos autores a partir dos dados estatísticos do IMF (2014); e
terceiro, porque Oreiro & Paula (2007) estimaram, baseado no modelo Harrod-Domar,
que a relação formação bruta de capital/PIB deve ser da ordem de 27% para que o PIB
brasileiro tenha um crescimento próximo a 4,5% ao ano.

215
promoção do pleno emprego e recuperação do investimento claramente
são objetivos que se sobrepõem. Do ponto de vista macroeconômico,
como dito, é necessário despertar o “espírito animal” dos empresários,
sinalizando políticas que deem suporte à demanda agregada. Nesse par-
ticular, as políticas monetária, fiscal e cambial devem ser adotadas de
modo que fortaleça as decisões de investimento dos empresários, influen-
ciando as expectativas de que seus lucros acumulados irão aumentar.
Mais especificamente, a política monetária deve ter como objetivo
a estabilidade de preços e as metas de emprego, bem como a política
fiscal deve ser articulada para permitir uma expansão no investimento
público, em vez de se voltar simplesmente para cobrir o serviço da dívida
e/ou o gasto corrente.
Políticas monetárias podem ser reorientadas, e o BCB deveria ter
um comprometimento com objetivos de emprego e inflação. Em outras
palavras, ao BCB deve ser dado um mandato mais amplo que a presente
concentração única na estabilidade de preços. Não há nada de revolucio-
nário nisso. Esta é a estrutura de política monetária adotada pelo FED
dos EUA, e em outros países. Evidentemente isso não ocorre sem pro-
blemas, mas evita a monolítica concentração sobre estabilidade de pre-
ços, que não parece ter sido aplicada na história da humanidade com
sucesso evidente. Ademais, deve-se avaliar a pertinência de se adotar
medidas macroprudenciais para mitigar riscos financeiros e de uma ex-
pansão desenfreada do crédito.
A política fiscal, por sua vez, não deve ser colocada simplesmente
para garantir o serviço da dívida pública a qualquer preço. Alguma com-
binação entre juros baixos e controle sobre o gasto corrente a longo
prazo pode ser necessário de modo que aumente o investimento público
em infraestrutura econômica e social no Brasil. Nesse sentido, qualquer
redução no superávit primário deve ser usado para aumentar o investi-
mento público, que tem um efeito multiplicador maior sobre o cresci-
mento da renda na economia. O investimento público, ademais, é com-
plementar ao investimento privado, contribuindo para o crescimento deste.
É importante destacar que a redução na razão dívida pública sobre PIB
pode ser obtida com níveis razoáveis de superávit primário (digamos 2%
do PIB) se combinado com uma redução na taxa de juros e um aumento
no crescimento do PIB (que resultaria da combinação da queda na taxa
de juros, desvalorização cambial e investimento público). A redução nes-
ta razão poderia contribuir para alcançar o objetivo de longo prazo de

216
equilíbrio fiscal, de modo que as políticas fiscais pudessem ser operadas
como um instrumento anticíclico.13
Enfim, a compatibilização entre uma desejada flexibilidade na po-
lítica fiscal com a garantia das condições de sustentabilidade da dívida
pública a longo prazo pode ser obtida pela divisão do orçamento público
em dois segmentos distintos: (i) orçamento ordinário, relacionado às
despesas correntes; e (ii) orçamento de capital, relacionado às despesas
de investimento público. O orçamento ordinário deveria estar sempre
em equilíbrio ou preferencialmente superavitário, ao passo que o orça-
mento de capital estaria provisoriamente em desequilíbrio, de modo que
viabilize os investimentos públicos em infraestrutura14 e nas áreas sociais
(educação e saúde), que podem ter efeitos positivos tanto para o cresci-
mento econômico como para a melhoria na distribuição de renda.
Um novo mix de políticas, entretanto, pode não ser bem-sucedido
se o grau de conversibilidade da conta de capital for mantido, permitindo
que residentes possam promover saídas de capitais facilmente em mo-
mentos de maior pressão especulativa, como pode ocorrer na estrutura
de regulamentação dos fluxos de capitais. Por essa razão, a regulamenta-
ção nos fluxos de capitais pela adoção de controles baseados no mercado
poderia criar incentivos de mercado para reduzir os fluxos de capitais de
curto prazo de modo que preserve alguma autonomia das políticas eco-
nômicas domésticas.
Em consonância com a literatura empírica, o nível da taxa de câm-
bio (uma taxa de câmbio mais competitiva) é um dos fatores determinantes
do crescimento da economia, em particular economias em processo de
desenvolvimento, como a brasileira. Para tanto, a implementação de um
regime de câmbio flutuante administrado, com vistas à manutenção de

13 O nível requerido de superávit primário é determinado pela condição de solvên-


cia intertemporal do governo, ou seja:
r–g
s= b
1+ g
em que s é o superávit primário em relação ao PIB, r é o nível da taxa real de juros, g é a
taxa de crescimento real do PIB e b é a razão dívida público sobre PIB.
14 Uma proposta a ser considerada é a apresentada por Silva & Pires (2006) que
sugerem uma mudança na prática da política fiscal adotada no Brasil através de uma meta
fiscal que exclua os investimentos públicos do cálculo do superávit primário, isto é, tro-
cando o conceito de superávit primário pelo conceito de “poupança em conta-corrente do
governo”, o que permitiria ao Governo aumentar os investimentos públicos.

217
uma taxa de câmbio real efetiva15 (TCRE) estável e competitiva, para
promover a lucratividade das atividades dos bens comercializáveis e pro-
ver incentivos para firmas investirem e expandirem a produção e empre-
go, seria desejável. Uma taxa de câmbio competitiva é importante para
evitar que estímulos ao crescimento do consumo acabem vazando para o
exterior, como já destacamos. Ferrari Filho & Paula (2012) propõem a
criação de um Fundo de Estabilização Cambial, a ser utilizado pelo
Tesouro Nacional para comprar e vender divisas com vistas a influen-
ciar a TCRE. As estimativas em relação ao nível da taxa de câmbio que
estimule as exportações manufatureiras no Brasil16 variam em função
de metodologias diferenciadas: Marconi (2012) calcula essa taxa em
R$ 2,75, ao passo que estimativas mais recentes (Oreiro, Basílio & Sou-
za, 2013) a calculam em R$ 3,26.17
Um regime de câmbio flutuante administrado, em tese, é, mais
adequado para economias emergentes (a não ser para casos de implemen-
tação da controles de capitais extensivos, como no caso da China, que
assim pode adotar um câmbio semifixo), na medida em que permite
combinar flutuação cambial, entendida como necessária para amortecer
as pressões externas derivadas de ataques especulativos à moeda domés-
tica, com intervenção cambial com vistas a afetar o nível da taxa de
câmbio (Ferrari-Filho & Paula, 2008-2009). É difícil estabelecer a priori
a melhor estratégia de desvalorização, mas uma estratégia possível é apro-
veitar um momento pós-desvalorização abrupta da taxa de câmbio (de-
terminada por “forças de mercado”) e, após isto, a autoridade monetária
buscar manipular a taxa de câmbio nominal de forma que mantenha
certa estabilidade da taxa de câmbio real efetiva (Frenkel, 2006).
Por fim, no que se refere à estabilidade de preços, faz-se necessário
adotar uma política pragmática de combate à inflação, considerando que

15 Calculada pelo expurgo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)


e dos Índices de Preços por Atacado (IPAs) dos dezesseis mais importantes parceiros
comerciais do Brasil da série nominal de taxa de câmbio (R$ / US), ponderada pela
participação de cada parceiro na pauta do total das exportações.
16 Bresser-Pereira (2010) intitula “taxa de equilíbrio industrial” aquela que viabiliza
indústrias de bens comercializáveis utilizando a melhor tecnologia mundial e sem neces-
sidade de subsídios.
17 Cabe destacar que em setembro de 2015 a cotação do dólar estava acima de
R$3,80, e a desvalorização cambial já começou a ter efeito no desempenho da balança
comercial, sobretudo em função da queda das importações. O importante de todo modo é
evitar a revalorização da taxa de câmbio, como por exemplo ocorreu a partir de 2003.

218
a inflação brasileira no período recente foi predominantemente uma in-
flação de custos. Um fator adicional importante no comportamento da
inflação no Brasil é o fato de a política de aumento real do salário míni-
mo tem tido impacto inflacionário, pois pressiona duplamente a inflação
de serviços, pelo lado da demanda, em função do aumento na renda de
segmentos baixa-média de renda, e sobretudo pelo lado da oferta, em
função dos efeitos de aumentos salariais, como no caso de comerciantes,
domésticas, etc. Em outras palavras, uma parte importante da inflação é
explicada pela melhoria na distribuição de renda no País, processo este
que não deve ser abortado, ainda que possa ser mais bem dosado. O
Gráfico 6 mostra que desde 2005 a inflação de bens não comercializáveis
tem superado a de bens comercializáveis (esses aumentam particular-
mente em momentos de maior desvalorização cambial).

Gráfico 6. Taxa de inflação medida pelo IPCA (% a.a.)

Fonte: Ipeadata (2014).

Ademais, outro componente importante da atual inflação brasileira


é a indexação dos contratos. Nesse particular, eliminar a indexação dos
preços, dos salários18 e dos ativos financeiros, especialmente os vinculados
18 Ressalta-se, contudo, que não estamos defendendo a desindexação do salário
mínimo, pois esse tem de ser administrado pelo Governo. Voltamos a essa questão mais à
frente.

219
às Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), é fundamental para deixarmos
a memória inflacionária para trás. Diante desses argumentos, em um
contexto no qual o regime de metas de inflação seja mantido como regi-
me monetário, é razoável que a meta de inflação não tenha níveis muito
baixos, pois isso implicaria ter de comprimir com taxas de juros muito
elevadas os preços de bens comercializáveis, o que comprometeria o cres-
cimento econômico. Assim deve-se manter, a médio prazo, uma meta de
inflação em 4,5% e suas bandas em 2%. Por outro lado, de modo que a
política econômica evite juros muito elevados pode-se combinar uma
taxa de câmbio relativamente estável (ainda que mais desvalorizada que a
atual) com uma política de salário mínimo com ganhos reais, mas em
consonância com os ganhos de produtividade. A adoção de políticas de
rendas é particularmente recomendada para estabelecer alguma âncora
para os preços. A política fiscal (sem ser exageradamente contracionista)
pode contribuir para manter preços sob controle, sobretudo em um contexto
no qual o Governo possa deixar a taxa de câmbio desvalorizar para atingir
níveis mais competitivos com vistas a estimular as exportações líquidas.
No que diz respeito às mudanças estrutural-institucionais, neces-
sárias, segundo Hodgson (2002), para a sinalização de um “continuous
process” de reestruturação do capitalismo para que esse não fique sempre
dependente do mecanismo automático das “leis” de mercado, antes de
tudo é necessária a redefinição do papel do Estado na economia, por
meio da reconstrução dos mecanismos de coordenação desmontados ao
longo dos anos 1990. Em outras palavras, o Estado tem de voltar a exer-
cer suas funções de planejador, regulador e indutor da atividade econô-
mica. Nesse particular, é fundamental, como assinalou Evans (1993),
dotar o Estado de uma burocracia meritocrática com autonomia inserida
e estimular a existência de fóruns de articulação e consulta (redes exter-
nas) entre Estado e setor privado, de particular importância para a im-
plementação e definição da política industrial. De fato, para expandir a
capacidade produtiva e, por conseguinte, o PIB potencial são necessárias
políticas industriais ativas que coordenem esforços públicos e privados
para alcançar-se uma taxa de acumulação de capital compatível à expan-
são da demanda agregada. Nesse sentido, é fundamental estabelecer-se
uma sincronia das políticas macroeconômicas com as mudanças tecno-
lógicas oriundas da transição de paradigma tecnoeconômico à la Freeman
& Perez (1988), tal qual estamos atravessando. De fato, como assinala
Corden (1980), uma política industrial para ser bem-sucedida tem de

220
estar bem coordenada com a política macroeconômica.19 Complemen-
tarmente, são imprescindíveis: (i) a operacionalização de uma política
industrial com o objetivo de integrar a economia brasileira ao cenário
internacional, o que permitiria criar um contexto no qual o Brasil pode-
ria incorporar inovações tecnológicas em setores relevantes e ser capaz
de atrair investimentos diretos estrangeiros que permitam adicionar va-
lor as exportações; (ii) a introdução de iniciativas fiscais, tais como im-
posto de renda progressivo e continuidade a programas de renda mínima
e gastos sociais, com o objetivo de aprimorar o padrão de vida das popu-
lações de baixa renda; e (iii) a implementação de uma política salarial
com base em reajustes no salário mínimo que mantenha os ganhos reais
nos salários (ainda que não exagerados) e busque estabelecer reajustes
mais em linha com a produtividade do trabalho.20

Conclusão

As propostas apresentadas na seção anterior, com inspiração nas aborda-


gens keynesiana e institucionalista, partiram do entendimento de que é
importante aproveitar a oportunidade histórica de crescimento com melhor
distribuição de renda da economia brasileira na última década para
viabilizar no País um padrão de crescimento que concilie os regimes wage-
-led e export-led. Para tanto, estabelecemos, com base em Ferrari & Fon-
seca (2013), a distinção entre variável desencadeadora e padrão de crescimen-
to, tendo como corolário que o crescimento econômico, para lograr uma
trajetória de longo prazo virtuosa, dependerá da articulação entre a variável
desencadeada e as demais componentes da demanda agregada, principal-
mente o investimento. Esse padrão de crescimento, todavia, não se viabiliza
espontaneamente; por isso, se faz necessária a adoção de po-líticas
desenvolvimentistas (econômicas e institucionais) voltadas a esse fim. As
baixas taxas de crescimento dos últimos anos sugerem que o problema
não está necessariamente na variável desencadeadora, mas justamente em

19 No caso do Brasil foi evidente que a implementação de uma política industrial


no Governo Lula da Silva, a partir de 2006, foi prejudicada com a politica de juros
elevados e câmbio apreciado.
20 Uma proposta nesse sentido é conceder reajustes anuais com base na inflação do
ano anterior mais o PIB per capita (que ficaria próximo a uma taxa de produtividade de
cerca de 2%).

221
articulá-la com as demais, de modo que fomente um ambiente propício
ao crescimento. Por outro lado, a volatilidade da política econômica per-
mite inferir, da mesma forma, que não há estratégia de crescimento, ou
seja, a política econômica emite sinais contraditórios, inconsistentes com
um ou outro padrão. O pressuposto é que o crescimento do produto e do
emprego depende da adoção de um mix de políticas macroeconômicas
que crie um ambiente de estabilidade econômica necessário para estimu-
lar as decisões de investimento dos empresários. Nesse sentido, uma boa
coordenação entre as políticas monetária, fiscal e cambial é imprescindí-
vel para a eficácia da política econômica.
Visando assegurar a estabilidade macroeconômica, as medidas aqui
elencadas, embora não exaustivas, propõem-se a articular políticas em
uma linha de convergência com os pensamentos keynersiano e institu-
cionalista, a fim de estabelecer maior e mais explícita vinculação das
convenções ou estratégias nacionais, a serem concebidas, com o avanço
do processo de crescimento econômico, permitindo que seus frutos pos-
sam ser compartilhados pelos mais diferentes segmentos sociais, os quais
precisam se ver representados na implementação de um Projeto Nacio-
nal para o País. Assim, o caráter macroeconômico do referido padrão
articularia o ambiente institucional agregado com decisões individuais
desagregadas, assegurando consistência sistêmica para um projeto desen-
volvimentista. Em nossa visão, essa estratégia de novo padrão de cresci-
mento procura preencher a lacuna deixada pelo processo de substituição
de importações, qual seja, a melhora da distribuição de renda, agravada
pelo baixo crescimento a partir da década de 1980, e superar a tendência
recente de um padrão de crescimento à la stop-and-go. O objetivo é al-
cançar um crescimento econômico sustentável e robusto com equidade
social. Para tanto, é fundamental, com base no instrumental teórico aqui
exposto, viabilizar um desenvolvimentismo capaz de articular crescimento
e distribuição à la wage-led com um regime export-led.

Referências

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e implicações de política. Estudos Avançados, vol. 26, n.o 75, pp. 41-56, 2012.
ARESTIS, P. & SAWYER, M. Keynesian economic policies for the new millennium.
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DESAFIANDO A VIDA DANIFICADA:
DESENVOLVIMENTO, POLÍTICAS SOCIAIS
E SEMIPERIFERIA

EDUARDO SALOMÃO CONDÉ

O DEBATE SOBRE A CATEGORIA desenvolvimento e as condições


para sua promoção são um elemento contemporâneo de largo es-
copo. As políticas sociais estão no centro desse debate, compreendidas
como intervenções que constroem padrões civilizatórios, agregadas à ideia
mesma de desenvolvimento. A heterogeneidade do sistema mundial ca-
pitalista, marcadamente pela divisão entre Centro, Periferia e Semiperiferia,
produz outras variáveis no paralelogramo de forças. Enquanto o Centro
se configura como a área de grande desenvolvimento tecnológico e cria-
dora de produtos complexos, a Periferia é a fornecedora de matérias-pri-
mas, produtos agrícolas e mão de obra barata. A Semiperiferia torna-se,
por sua vez, a região de desenvolvimento intermédio e que desempenha
um duplo papel: é o Centro para a Periferia e a Periferia para o Centro,
articulando relações de dependência e troca-desigual (Wallerstein, 1984;
Arrighi, 1997).
Aqui a preocupação central são as condições na Semiperiferia e a
afinidade eletiva entre desenvolvimento e políticas sociais. O ponto de
partida é uma explanação geral sobre o cenário global dos anos de 1990,
tempo de triunfo neoliberal, e os aspectos inerentes ao estado de bem-es-
tar e as políticas sociais. Este pano de fundo é complementado pela ideia
de sistema-mundo. É nesse contexto que se desenvolve a questão das
políticas sociais e sua interação com o mercado e o desenvolvimento,
incluindo-se aí os dilemas das relações entre Política e Economia e a
análise que observa as interações entre polity, policies e politics, essenciais
na construção de estratégias e projetos e, ao mesmo tempo, delimitadoras

226
em relação às ações dos atores por diferentes envolvimentos institucionais.
As referências às afinidades eletivas entre desenvolvimento e as políticas
sociais tornam-se ainda mais pertinentes dada a necessidade de produzir
bem-estar em condições de agressiva desigualdade, em sociedades carac-
teristicamente semiperiféricas, em contexto de redução da capacidade
estatal, dada a necessidade de promover desenvolvimento e superar o du-
vidoso trade-off entre equidade e eficiência. Por tudo isso, mais do que
nunca é pertinente pensar nos late comers, aqui representados pelo Brasil
e observando as decisões e estratégias de desenvolvimento adotadas nos
anos recentes na busca de um salto de qualidade que reduza a desigual-
dade e construa um Estado de bem-estar social mais inclusivo, base para
um novo padrão de desenvolvimento que supere a tragédia de viver na
Semiperiferia do sistema-mundo.

Sobre o cenário global — um sumário executivo

Metáforas são correntes quando períodos são descritos. É conhecida a


observação do Iluminismo francês quando se referia ao medievo como
“Idade das Trevas”, uma contraposição óbvia por demais às “luzes”. Da
mesma forma, é compreensível a definição de uma época com um título:
no pós-guerra, a partir do final dos anos 40 do século passado, surgiu
também na França a expressão “os trinta gloriosos”, designando o período
de expansão da economia europeia e a formulação contemporânea do
Estado de bem-estar até a crise dos anos 70. No início dessa década,
quando os norte-americanos se retiraram do compromisso de Bretton
Woods, Nixon designava sua época de forma quase surpreendente: agora
somos todos keynesianos. Passados dez anos, o Ocidente encontrou outra
forma de expressar-se, agora sem metáfora ou poesia, com o princípio de
uma hegemonia que se manteria firme por outros vinte anos, denomina-
da neoliberalismo.
Há controvérsia entre os defensores do próprio liberalismo quanto
ao termo. Quase como regra há preferência pelo epíteto “liberal”, como
defensor dos valores adequados ao mercado, à competição, ao indivíduo
e às instituições que melhor possam reproduzir esses valores. Na Grã-
-Bretanha a denominação “revolução conservadora” para o período
Thatcher foi a combinação de uma cruzada ideológica individualis-
ta, privatização, ataque ao poder sindical e afirmação da desregulação

227
econômica. Não importa muito se o sucesso com as privatizações e a
desregulação tenham produzido resultados, sua grande vitória não foi
econômica (dado o crescimento reduzido, a produtividade em queda e o
desemprego elevado), mas ideológica. As raízes da grande crise de 2008
não estão nos anos 90, mas começaram nos 80 e, em particular na “América
Forte” de Reagan, que significava menos impostos para os mais ricos,
musculatura militar e, sintomaticamente, pela revogação do Glass-Steagall
Act (oriundo ainda do Governo Roosevelt), o que eliminou restrições às
operações bancárias e introduziu baixa supervisão, produzindo a amplia-
ção do poder dos bancos em megafusões e novos produtos financeiros.
Entre as décadas de 30 e 40 do século passado, no cenário de for-
mação da tempestade que antecedeu a Segunda Guerra, é possível exem-
plificar alguns modelos ilustrativos relativos às relações entre os cidadãos
e o Estado por meio das políticas públicas sociais. O Governo Roosevelt
iniciou-se na aurora dos anos 30 com seu discurso sobre o “homem no
fundo da pirâmide econômica” sendo, daí, derivados atos concretos de-
sembocados no New Deal e medidas como previdência, seguro-desem-
prego, programas de emprego, proteção básica (ainda que limitada) à
saúde e as agências reguladoras. Poucos anos depois coube aos ingleses,
debater o que se tornaria o National Health Service (NHS) e as preocu-
pações com o pleno emprego. Do outro lado do Atlântico, a Era Vargas
inaugurava no Brasil o direito previdenciário, a regulação do trabalho e
um Estado promotor antes que meramente supervisor. Nos EUA e na
Grã-Bretanha os alicerces da proteção social (mais limitados no primei-
ro, mais amplos no segundo caso) permaneceram fiéis aos seus princípios
até os anos 80, ainda que mais restritos do que na Europa Ocidental
onde serão constituídos outros marcos de welfare. No Brasil a era dos
direitos sociais oscilou entre regimes autoritários e redemocratizações,
mas, quando o País formulou seu plano de voo na Constituição de 88, o
que emergiu foi um compromisso renovado e ampliado com direitos
sociais e políticas públicas inclusivas nos marcos de uma Economia aberta.
Quando a década de 80 terminou, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Bra-
sil passaram a uma era de contestação ideológica liberal que duraria
mais de vinte anos, empurrando políticas de bem-estar para o fundo da
cena e tornando o debate em torno dos fundamentos econômicos de
mercado a principal chave explicativa para as políticas públicas, dese-
nhando no pano de fundo termos como “globalização”, “reformas estru-
turais” e o “fim da história”. É instrutivo recordar a débâcle do socialismo

228
real, minado internamente por seu fracasso institucional e econômico; a
conversão do capitalismo ocidental em uma máquina de reprodução im-
pulsionada pelo capital fictício, inovação tecnológica e histeria monetarista
e, finalmente, pela defesa da incapacidade (quando não o fim) do Estado
Nacional para gerir políticas internas e financiar seu desenvolvimento.
Produziu-se o cenário brave new world do capitalismo. Caberia ao Esta-
do-Nação realizar as operações simultâneas de liberar a conta de capital,
reconhecer vantagens comparativas, endurecer a política fiscal, garantir
a competição e os contratos (incluindo cláusulas punitivas sobre proprie-
dade intelectual e concessões ou transferência de propriedade), reduzir a
dimensão mesma do Estado. Decretou-se a “revogação” dos Tratados da
Vestefália,1 a incapacidade para o investimento em amplas políticas in-
ternas e reconhecer que era o mercado, com pontuais intervenções para
garantir equidade de acesso e capital humano, a fonte de desenvolvimento.
Os anos 90 foram pródigos na combinação do receituário das re-
formas econômicas de cunho liberal e o aprofundamento da regulação
— ou sua ausência — pelo mercado. Foi também a década do Consenso
de Washington. John Williamson cunhou o termo e apresentou as dez
“clássicas” medidas de ajuste e estruturadoras de agenda: disciplina fiscal,
controle dos gastos públicos, reforma tributária, liberalização financeira,
taxa de câmbio flexível, liberalização comercial, privatização, liberdade
ao capital externo e defesa da propriedade intelectual (Williamson,
1990).2 Passada uma década, os resultados combinados dessas reformas,
em particular na América Latina, conduziram a uma paisagem lunar.
Como observou Dani Rodrik (2002), os resultados são decepcionantes
com relação ao crescimento econômico diante da redução da produção,
do aumento da desigualdade e da pobreza, pelas crises financeiras e por
insegurança econômica. Ainda assim, o FMI, na aurora do século XXI,
anunciou sua proposta para as reformas de segunda geração: (1) as re-
formas de mercado precisavam ser aprofundadas, (2) as instituições
precisavam melhorar, alinhando as relações entre Estado, mercado e

1 O Tratado da Vestfália (1648) encerrou a Guerra dos Trinta Anos e estabeleceu


as normas de ordem internacional, proclamando os espaços nacionais (unidades geográfi-
cas administrativas e culturais) como soberanos e a ordem internacional como interação
entre os diferentes Estados-Nação.
2 Posteriormente (Williamson, 2002), este autor lamentaria que o termo tenha
sido entendido em termos “neoliberais”. De qualquer forma, o termo foi apropriado tanto
por agências multilaterais quanto pelos seus críticos.

229
sociedade civil e (3) o sucesso dependeria também de valores cívicos e
boa governança.3
Por que os resultados oferecidos pelas agências, o “Consenso” e os
governos de corte neoliberal têm pouco resultado? Exatamente porque
as instituições têm sua história, seus atores e a organização da vida eco-
nômica está longe de ser uniforme. Como observa Rodrik (2002, p. 16),
boas instituições ou tecnologia exigem adaptações internas significativas
— desenvolver mais capacidades antes que propor receituários unifor-
mes. O próprio Rodrik (2006, pp. 976-77), comentando texto do Banco
Mundial, observa que mesmo esse organismo multilateral reconhece as
desvantagens e erros da estratégia única: o receituário de Washington foi
incapaz de garantir crescimento econômico, seus resultados são muito
diversos, contextos diferentes requerem diferentes soluções. Reconhece
que teria havido exagero sobre a exigência de um papel menor ao gover-
no e, finalmente, afirma ser necessário que sejam identificados os obstá-
culos ao crescimento, sem seguir sempre o mesmo receituário. Mas não
é só: existiam problemas graves para impor e implementar a agenda das
reformas liberais. As instituições, quando apresentadas como devendo
ser mudadas nesses termos, precisam combinar dois caminhos complexos:
o fôlego empreendedor sempre esbarra em constrangimentos, particular-
mente políticos; em segundo lugar, há muitas mudanças a fazer, combi-
nadas e em situações histórico-institucionais diversas. São muitas reali-
zações simultâneas. A receita sofre com sua falta de estratégia incremental:
ou é obtida em prazo controlado e curto ou amplia resistências ao seu
sucesso. Mesmo tendo “sucesso”, os resultados são deletérios. E a culpa
não é das instituições, do Estado ou da sociedade: trata-se da agenda.

A semiperiferia e suas estratégias

A vida social produz suas idiossincrasias históricas nas nações. Nada


como um destino, antes como uma constelação de história, instituições,
atores e combinações com o sistema internacional, seja para a Economia,
seja para o concerto das nações. Nos tormentosos anos 70, a interação
pela crise que desemboca nas reformas dos 80 no Centro; nos 90, pela

3 Estes textos estão disponíveis em <http://www.imf.org/external/pubs/ft/seminar/


1999/reforms/>; acesso em novembro de 2013.

230
exportação para a Periferia e a Semiperiferia do ideário neoliberal; nos
2000, a retomada de estratégias semiperiféricas de desenvolvimento em
uns (como o Brasil) e o mergulho na interação-dependência em outros
(caso do México).
Semiperiferia, aqui, deve seu significado principalmente a Immanuel
Wallerstein e, secundariamente, a Giovanni Arrighi. Nesse campo está
estabelecida a fuga em relação às teorias da modernização e da depen-
dência: nem aqui se estabelece um estágio no qual sociedades “arcaicas”
se modernizam e produzem necessariamente “progresso”, nem muito
menos a Semiperiferia seria meramente residual e temporária”. Em re-
sumo, as condições são “instáveis”, de “passagem”, “temporárias”. Não
deve, assim, ser vista a Semiperiferia. Ainda que padeça de uma relativa
descrição, antes que teoricamente muito forte, a ideia de Semiperiferia é
operacional para a compreensão da situação de muitos países no conjunto
das nações. Wallerstein (1979; 1984) cunhou a expressão sistema-mundo
designando as relações entre áreas centrais, tecnologicamente mais avan-
çadas, produzindo alto valor agregado, ao passo que existem economias
simples, de produtos primários e mão de obra barata. As relações entre
estas operam em termos de troca desigual e, por derivação, com subordi-
nação e reprodução, ainda que persista uma dinâmica social particular,
influenciada por este mesmo sistema, em cada país. No campo interme-
diário, existem países em situação semiperiférica, muitos deles de indus-
trialização tardia e que estabelecem relações “para cima” (com o Centro,
incluindo subordinação econômica) e “para baixo” (com a Periferia, ope-
rando da mesma forma). Arrighi (1997, pp. 137-60), defende que o Centro
tende a realizar simbiose entre Estado e núcleo orgânico para consolidar
e reproduzir suas atividades, enquanto Estados periféricos tendem a
estruturar o contrário, não apenas em termos de “troca-desigual”, mas
também em termos da mobilidade de capital e força de trabalho. Nos
Estados semiperiféricos operam forças que buscam neutralizar sua “peri-
ferização” e proteger atividades de núcleo orgânico em suas fronteiras,
obter algum isolamento de pressões competitivas, fortalecer sua posi-
ção e negociar com suas vantagens de mão de obra e custos em geral.
Esses mecanismos seletivos têm no Estado um componente-chave ainda
que, à medida que suas ações impeçam o “resvalar” para a Periferia, tam-
bém, na maioria dos casos, se revelam pouco capazes de promover o
salto em direção ao núcleo orgânico. Do ponto de vista da ordem política,
esses Estados podem perfeitamente estar adequados a uma democracia

231
representativa (como Brasil e México) ou regimes mais fechados (como
a China). Cabe recordar, sob uma lente sociológica, que as classes domi-
nantes desfrutam na Semiperiferia, dado seu acesso aos amplos recursos
econômicos e poder político, de níveis de vida e conforto do Centro, mas
à custa do empobrecimento e da desigualdade de amplo conjunto de
classes subalternas. Regimes autoritários subsistiram nessa parte do sis-
tema-mundo como garantia de ordem e reprodução e sua degenerescência
obrigou os espaços internos de reprodução a renegociarem e repactuarem
a ordem interna.
O que podem, afinal, realizar as nações? Se a industrialização é
relevante, mas insuficiente para promover uma economia semiperiférica
ao Centro, qual é seu espaço para a ação? Afinal, a noção de Semiperiferia
não nos salva da condição subalterna, pode até condenar-nos a essa con-
dição sem possibilidade de catch up. Portanto, pode ser razoável situar o
artigo nesse campo das relações econômicas com outras nações, mas não
explica como operar nosso desenvolvimento nem se isso é possível. Para
começar a escapar dessa armadilha, Boaventura de Sousa Santos apre-
senta uma reflexão reveladora (ainda que se referindo especificamente a
Portugal), a respeito da particularidade da Semiperiferia:

[. . .] em geral, de um complexo tecido social em que esta última


relação (capital/trabalho) se desenrola, o qual, por seu lado, cria
mecanismos informais compensatórios do atraso das relações de
produção e, por outro lado, pulveriza os conflitos entre o capital e
o trabalho. [. . .] O funcionamento destes mecanismos pressupõe
complexos processos de arbitragem social que, não podendo caber
nem ao capital nem ao trabalho, nem a ambos conjuntamente, dada
a relativa descentração das relações entre eles na estrutura social e
o baixo nível de corporativização dos seus interesses [. . .], são
cometidos ao Estado, que, assim, tende a assumir um papel central
na regulação social (Santos, 1985, p. 872).

A dimensão estatal na Semiperiferia se apresenta pela possibilidade


de autonomia e capacidade para promover regulação, reordenando o ce-
nário interno e possibilitando um particular arranjo para o desenvolvi-
mento econômico e social. Esta possibilidade, negada pela vigência da
hegemonia de mercado, transfere à política uma dimensão decisiva, não
somente porque abre a possibilidade de ação estatal em nome de projetos

232
outros para o desenvolvimento, mas também porque pode representar
um conjunto de escolhas deliberadas na direção oposta. Sob qualquer
ângulo, mecanismos de arbitragem social mediados pelo Estado impor-
tam, mesmo que participando da deflagração de reformas de mercado.
Evans (1993) observa que o Estado foi encarado, nos anos 50/60, como
essencial ao desenvolvimento (particularmente industrial) por sua ação
ativa; depois foi atacado como problema e bloqueio a ser superado e, em
uma terceira onda, constituído como possibilidade de “reconstrução” de
seu papel. Nessa chave é importante considerar parte da “solução” tanto
a capacidade estatal ou o reforço da profissionalização, o recrutamento
eficiente de pessoal, a capacidade em estabelecer canais com a sociedade,
quanto desenvolver “autonomia inserida” — um Estado que se afasta dos
interesses privados, da “colonização” pelo apetite privado e habilitado à
inserção na sociedade, aumentando sua capacidade regulatória e legiti-
mando sua ação (Evans, 1993, 1995). Mas, ainda assim, persistiria a
questão segundo a qual o próprio Estado pode ser conduzido a agir em
defesa de reformas de mercado, na esteira da “segunda onda”, muitas
vezes recorrendo a um insulamento mais forte diante da desconfiança em
relação aos próprios atores. Outra questão seria a espera, de resto vã na
maioria dos casos, de que as sociedades são povoadas por empresários
schumpeterianos agressivos e propensos a investir, inclusive no longo
prazo, e se entregarem às “aventuras” do capitalismo dentro e fora das
fronteiras nacionais. Se assim fosse, o Estado seria um “facilitador” e
reformador de instituições “arcaicas”. O problema está em que, na maio-
ria dos casos, a necessidade de ações estatais indutoras é muito mais
comum, em todas as épocas, exigindo mais e não menos autonomia
inserida. Por isso, segundo Evans, trata-se de observar que a “[. . .] ca-
pacidade ampliada do Estado continua a ser uma exigência de uma polí-
tica econômica eficaz” (Evans, 1993, p. 156).
Ha-Jon Chang (2003b e 2007), o bem-humorado economista sul-
-coreano de Cambridge, desenvolveu uma metáfora para designar a es-
tratégia dos países do Centro (os países atualmente desenvolvidos ou
Pads) para o desenvolvimento: eles “chutaram a escada” depois de apli-
carem sua fórmula mágica e, hoje, buscam impedir projetos outros de
desenvolvimento à luz do formato original. Esse formato incluiu prote-
ção às indústrias nascentes, tarifas protecionistas e um Estado ativo na
defesa dos interesses nacionais, exatamente o contrário do recomendado
aos países semiperiféricos e periféricos. As recomendações do Consenso

233
de Washington e da primeira e segunda geração das reformas do FMI
giram em sentido oposto às evidências históricas relativas aos Pads, uma
vez que foi justamente o caráter ativo do Estado e a capacidade de
regulação deste em termos de políticas industrial, comercial e tecnológica
fatores decisivos na promoção do desenvolvimento. Considerando uma
dimensão histórica, Chang escreveu que

[. . .] Esse princípio simples e poderoso — sacrificar o presente


para melhorar o futuro — é o motivo pelo qual os americanos se
recusaram a praticar o livre comércio no século XIX. Este é o mo-
tivo de a Finlândia ter recusado os investimentos estrangeiros até
recentemente. Este é o motivo do governo coreano ter construído si-
derúrgicas nos anos 60, apesar das objeções do Banco Mundial. Este
é o motivo pelo qual os suíços não registraram patentes e os ameri-
canos não protegeram os direitos de reprodução (copyrights) dos es-
trangeiros até o século XIX. E este é o motivo, para sintetizar tudo,
de eu mandar meu filho Jin-Gyu, de seis anos, para a escola, em
vez de fazê-lo trabalhar e ganhar a vida (Chang, 2007, pp. 206-7).

Políticas sociais, mercado e desenvolvimento

As políticas públicas têm uma dimensão inerente à sua atividade que são
as escolhas. Não é por acaso que grande parte desse campo vincula Es-
tado e promoção/produção de políticas, notadamente as de corte social.
Alguns, como Dye (2010) afirmam que políticas públicas são aquilo que
o Estado decide ou não fazer. Ainda que isso não revele como faz, com
que recursos, sob que interesses e outras observações relevantes, a ênfase
recai sobre a dimensão da escolha. Por outro lado, é sabido que qualquer
ação estatal reflete não apenas um caráter técnico, antes representa, prin-
cipalmente, um ponto de ação no qual grupos e interesses operam,
conflitam-se, movimentam-se, onde o Estado é um campo de disputa e
atores desejam influir na direção a ser tomada.
A Economia sob o capitalismo é um terreno que envolve a neces-
sidade de expansão, acumulação e reprodução do capital, impactando o
emprego, a renda, a produção, o consumo por diferentes mercados (de
trabalho, financeiro, das mercadorias em si) com a finalidade de garantir
a própria dinâmica do sistema — a dimensão eficiência. A questão é que,

234
na vida contemporânea, marcada pela presença da dimensão dos direitos
sociais, das necessidades básicas, das condições de vida dos cidadãos (a
dimensão equidade), persistem desigualdades, pobreza, falta de oportu-
nidades, vidas despedaçadas. Quem produz recursos a partir da dimensão
econômica são os segmentos diferenciados da vida social e esses recursos
são apropriados de forma diferente pelos diferentes participantes desse
processo e apresentam, no centro do palco, o dilema envolvendo a Eco-
nomia e a Política nomeado como conflito distributivo: a disputa entre
grupos e atores pela apropriação de parcelas da renda nacional. Abando-
nada à própria sorte, essa disputa terminaria no mais forte. Olson (1982),
por exemplo, discute que em uma disputa entre grupos de interesse ha-
veria a tendência ao comportamento conforme baseado na competição
de mercado, certamente produzindo resultados materiais e uma luta em
torno dos recursos baseada em regulação minimalista. Existe outra pos-
sibilidade, na qual grupos poderiam optar por serem mais cooperativos
em condições de mercados instáveis, aceitando mais regulação. Mas, para
além de cada agente ou grupo de interesse, existe o Estado. E este, con-
forme é conhecido em todos os reinos, participa, joga, impõe, regula e se
apropria de recursos da sociedade. Portanto, atua sobre o escopo do con-
flito e também sobre a distribuição e redistribuição dos recursos; a apro-
priação estatal opera por aquilo que conhecemos como sistema tributá-
rio e não é isonômica — dadas as distintas proporções — com relação ao
montante arrecadado ao longo dos grupos e organizações.
Se o Estado está no jogo, a política social encaminhada pela esfera
das políticas públicas impõe à Economia um caminho definido pela Polí-
tica — em verdade são opções políticas diferenciais que demandam esco-
lhas em condições de disputas e conflitos. Se no mundo econômico ocor-
rem desequilíbrios e instabilidade social, a política social corresponde às
ações operando em torno de “necessidades” negadas pelo mercado, manten-
do intacta a dimensão dos direitos sociais incorporada ao acquis commu-
nitaire dos Estados contemporâneos. Mas, em muitas partes, isso não é
visto como suficiente: a ação do Estado na promoção de políticas sociais
pode agir em torno de reformas estruturais e intervir, mais decisivamente,
na promoção de políticas com ênfase em maior equidade e universalida-
de. Novamente, encontramos um eixo ao longo do qual as ações variam
— do simples direito social até o direito social com mais universalidade.
Sob qualquer horizonte a política social opera por intervenções
independentes do mercado. Se for admitida a capacidade do mercado de

235
alocar com eficiência recursos para atuar na área dos desequilíbrios so-
ciais gerados pelo próprio mercado, a dimensão do exercício de direitos
sociais operaria pela forma privada com suas consequências inconse-
quentes. O privado cuidando da esfera social contraria, nos termos, o que
significa a ação privada e sua dimensão instrumental de ação. Como aqui
não se trata de produzir caridade, essa etapa foi superada desde o século
XIX e a família tornou-se, também, incapaz para proteger os seus em
escala suficiente de provimento e direitos — a ação pública do Estado
incorpora a transferência de recursos extramercado para combater amea-
ças, riscos e desequilíbrios inerentes à vida social em uma economia
capitalista. Muitas economias centrais aceitam este desafio com um mer-
cado forte, mas com um sistema de proteção também avantajado; outros
preferem fazer pouco e corrigir as distorções mais graves de privação e
direitos; outros — late comers como Brasil ou México — construíram
sistemas incompletos e ainda em formação, oscilando entre o jogo do
mercado e a expansão da regulação e produção de políticas, mas entre
esses próprios países os graus variam intensamente.
Portanto, a política social não opera na coluna dos resultados de
mercado, opera (ou deveria operar) para produzir uma vida civilizada.
Conduzindo este argumento à sua conclusão, o desenvolvimento — que
deve considerar a equação equidade/eficiência como soma-positiva e não
um trade-off — tem na promoção e produção de políticas sociais uma
parte essencial do próprio conceito. Em uma fórmula feliz, Esping-An-
dersen (1985) observou que se tratava da “política contra o mercado” —
quanto maior o grau de universalização de serviços sociais, exemplificando,
maior o grau de afastamento do mercado; quanto maior essa ação, mais
recursos são retirados dos grupos e organizações, arbitrando o conflito
distributivo cada vez mais em torno do polo redistributivo. Em outras
palavras, o instrumento de ação fundamental não é a economia e suas
“regras” e agentes. A ação essencial é da política no sentido da orientação
fornecida por ela às relações econômicas. A utopia dos anos 1990 era
submeter a Política à Economia. Tal submissão reverteria uma ação efe-
tiva em prol das políticas sociais e responsabilizaria os mais frágeis, sob
mais risco e com menos oportunidades, sobre seu “fracasso”. Mas não,
argumentariam os liberais, os protegeríamos com uma subsistência bá-
sica (incluindo uma previdência básica e insuficiente, empregos sem
contrato fixo, cesta básica e caridade na sociedade civil). Ao que qual-
quer social-democrata (ou próximo disso), vivendo em sociedades semipe-

236
riféricas, poderia responder: o básico não é suficiente, a perspectiva de
pobreza na velhice e na vida adulta não vale o risco, e caridade é carida-
de, não é direito. O resultado foi que esse modelo minimalista não desa-
pareceu, mas sofreu um freio importante na Semiperiferia da América
Latina, com algumas exceções no Chile e no México.
A conclusão lógica, dadas as ponderações anteriores, é que o de-
senvolvimento é mais significativo onde a dimensão de equidade se en-
contra com a Economia sem trade-off, ou produz bem-estar em escala
civilizatória. Todas as reformas estruturais advogadas desde os anos 90,
em nome da eficiência, produziram mais desigualdade, desmontaram
direitos e não ampliaram o crescimento; desejaram abandonar a redis-
tribuição e reorientar recursos ao mercado. O corolário lógico é que isso
significa, sob a argumentação aqui presente, involução com relação ao de-
senvolvimento. Por que aqueles que defendem o primado do mercado
defendem a existência do big trade-off (Okum, 1975)? Porque a teoria
aponta apenas um caminho. “Leis econômicas” são, infelizmente para
quem acredita nelas, humanas e não naturais. Se humanas, sujeitas ao
mundo dos interesses, a fruição das vontades, operadas por organizações
e, sobretudo, profecias autorrealizáveis: se os grupos e indivíduos agem
somente de uma maneira, como poderiam produzir outro resultado que
não fosse derivado dessa mesma maneira?

Sobre desenvolvimento e políticas sociais


como afinidade eletiva

Convicção combina, no léxico, com uma certeza produzida em torno de


valores, mais substantiva e, muitas vezes (agora fora do léxico), menos
reflexiva. A década das reformas liberais (os 90) produziu na Semiperiferia
uma convergência diagnóstica derivada de uma convicção: os fatores de
desenvolvimento estão ligados aos fundamentos macroeconômicos en-
volvendo Estado menor, rigidez fiscal e monetária, privatização, redução
de gastos, ambiente competitivo e desregulação. Não apenas um ou outro,
mas o programa completo com todos os pratos, incluindo a sobremesa.
A política deve ser contida pelo insulamento de instituições rígidas como
os Bancos Centrais e regras devem ser estabelecidas para que o mercado
não possa sofrer mediações oriundas de acordos ou compromissos polí-
ticos. A sociedade em geral, essa abstração que Thatcher já dissera não

237
existir, deve conformar-se à macroeconomia, conduzida pelos fundamentos
que “melhor” possam valorizar os indivíduos e sua liberdade (esses, sim,
os verdadeiros sujeitos do mundo). Por essa chave, desenvolvimento envolve
um programa específico de convicções macroeconômicas e uma férrea
fixação no crescimento do produto e na produtividade como demarcadores,
defendendo uma uniformização das políticas públicas e restringindo a
ideia de projetos nacionais ou de desenvolvimento para a esteira da auto-
ria de ficção, aí incluída toda a estratégia social do pós-guerra.
Quando países partem de um parâmetro semiperiférico, a aplicação
do receituário opera por um formato curioso: ao aplicar a fórmula menos
Estado e menos autonomia inserida, os Estados semiperiféricos perderiam
sua maior vantagem, a ação estratégica do Estado, e que os diferencia de
Estados periféricos. Ao mesmo tempo, mesmo admitindo-se um novo
papel fiscalizador ao Estado, este perderia ou reduziria sua capacidade
de agir e reagir como indutor, quando necessário. Assim, o efeito imediato
seria ampliar a subordinação ao Centro, conformar-se com seu papel nos
produtos adequados às suas vantagens comparativas e, ao abrir a conta de
capital, garantiria um fluxo constante de financiamento externo, impe-
dindo a formação de recursos para projetos locais uma vez que o finan-
ciamento estaria atrelado aos próprios interesses externos.
Mas, ocorre algo mais grave: ao converterem desenvolvimento ape-
nas em fatores macroeconômicos, esta redução esvazia completamente a
busca por um ordenamento civilizado da vida em sociedade, conforme
observaram Arbix & Zilbovicius (2001). É possível produzir bem-estar
em condições de agressiva desigualdade, em sociedades caracteristica-
mente semiperiféricas, em contexto de redução da capacidade estatal,
acreditando na ficção de uma sociedade civil de base caritativa ou por
voluntariado e com o recesso do investimento público? Ou mediante
uma distribuição hegemonicamente meritocrática (desconsiderando as
diferenças e desigualdades além daquela de renda) e com políticas sociais
residuais, focais e emergenciais? Seria possível desconsiderar que, em
todos os lugares onde estratégias de política social se viabilizaram em
escala civilizada, foi o Estado o indutor desse processo?
Cabe pensar desenvolvimento em outra chave: a produção e o
crescimento (a dimensão econômica) devem vir acompanhados de políti-
cas que operam no interior e a partir do Estado para promover melhor
distribuição do próprio produto, de sua redistribuição, garantia de opor-
tunidades, direitos e combate aos riscos sociais nas fases da vida. Em

238
outras palavras, desenvolvimento é um aspecto que envolve a lógica da
eficiência econômica e as políticas para equidade, ultrapassando a ilusão
de um trade-off “insuperável”. No campo da produção da dimensão
equidade, são as políticas sociais que suportam o lado humano, civiliza-
tório, de bem-estar, do que é denominado desenvolvimento. Trata-se do
crescimento que não pode divorciar-se da produção de bem-estar, com
as condições gerais da vida em sociedade, com educação, saúde, empre-
go, previdência, habitação, alimentação, condições sanitárias.
Sob diversos aspectos, muito da ação estatal se volta para a geração
de políticas sociais em algum nível. A estratégia dos Estados de bem-es-
tar social europeus no pós-guerra produziu o que ficou conhecido como
“modelo social europeu” e que, sob muitos aspectos, atravessa o conti-
nente, com maior ou menor resistência e variedade. Mesmo em um mar
de diversidade nacional, constituiu-se um conjunto de políticas de esco-
po variado em torno da defesa da proteção social. Segundo Grahl &
Teague (1997), uma recusa aos puros resultados de mercado e em defesa
de uma proteção social ampliada ou, para Hemerijck (2003), a combina-
ção de justiça social e eficiência econômica, a primeira como fator de
ajuste da segunda, não concebendo um trade-off entre equidade e eficiên-
cia, como defende a lógica neoliberal. Por sua vez, T. H. Marshall (1963)
já apontava a ideia de cidadania social como o coração do Welfare State
ainda que, na prática, tal ideia envolva uma concepção de “direitos so-
ciais”, a garantia desses direitos e os efeitos produzidos na vida social.
Conforme observou Esping-Andersen (1990), trata-se de verificar espe-
cialmente a extensão dessa cidadania e dos direitos sociais em termos de
maior ou menor dependência do mercado e seus efeitos sobre a estrati-
ficação social, o que implica considerar, ainda, a ação do Estado e sua
relação com o mercado e as famílias. Finalmente, foi Asa Briggs quem,
ainda na década de 1950, observou que

a welfare state is a state in which organized power is deliberately


used (through politics and administration) in an effort to mod-
ify the play of market forces in a least three directions — first,
by guaranteeing individuals and families a minimum income
irrespective of the market value of their work or their guaranteeing
individuals and families a minimum income irrespective of the
market value of their work or their property; second, by narrowing
the extend of insecurity by enabling individuals and families to

239
individual and family crises; and third, by ensuring that all citizens
without distinction of status and class are offered the best standards
available in relation to a certain agreed range of social services
(Briggs, 2000, p. 18).

Ainda que não unívoca, a concepção da geração de Briggs, agregada


com Marshall e Titmuss, não cessa de dialogar com ideias como cidada-
nia social, direitos sociais, provisões sociais e standards de proteção em
uma chave na qual, tanto a ação do Estado na garantia e provisão quanto
os direitos, precisam ser traduzidos em políticas sociais operativas em
relação a temas como status, desigualdade e pobreza. A própria ideia de
um Welfare State não opera em um vácuo onde a economia se descola da
política em geral e das policies em particular, antes é a afluência econô-
mica que se conjuga aos sistemas de proteção estruturados em torno de
um Welfare State onde o poder organizado pelo Estado “[. . .] is delib-
erately used (through politics and administration) in a effort to modify
the play of market forces [. . .]”, como citado acima.
Uma leitura simplista do mundo opõe radicalmente o Estado ao
mercado. Não existe oposição inelutável entre estes no sentido de o mer-
cado surgir como “superior” e o Estado ser considerado um “facilitador”.
Nem que o Estado deve impedir o mercado coibindo a ação privada e o
sucesso das firmas no sistema de produção. O mercado continua como
um sinalizador de preços, elemento no qual diferentes opções e modula-
ções, produto da interação de agentes privados sob condições de infor-
mação imperfeita e efeitos não esperados, indica vitalidade econômica
para as firmas e seus produtos. Entretanto, o Estado tem um papel essen-
cial, indutor e efetivo, porque

[. . .] States ensure health, education, water, and sanitation for all;


they guarantee security, the rule of law, and social and economic
stability; and they regulate, develop, and upgrade the economy. There
are no short cuts, either through the private sector or social move-
ments, although these too play a crucial role (Green, 2008, p. 20).

Por Estado efetivo entende-se sua capacidade para promover segu-


rança e seguridade, atuando na garantia dos direitos, na ação contra a
pobreza e a desigualdade e como estratégias para facilitar o crescimento
econômico. Por tudo isso, desenvolvimento não é uma mera estratégia de

240
crescimento, o PIB per capita ou boas práticas de mercado. Representa a
combinação entre a capacidade de produzir eficiência econômica (cuja
expressão envolve, sim, crescimento) com distribuição visando equidade.
A produção deste pilar de equidade tem nas políticas sociais um elemen-
to fundamental, uma redefinição da cena social a partir de políticas en-
volvendo as diversas fases da vida — a infância e adolescência, a vida
adulta e o envelhecimento — o que implica, em maior ou menor grau,
como produzir bem-estar social.
Por considerar a dicotomia falsa e proporcionar a defesa de um
Estado efetivo, cabe recordar que os Estados Nacionais proporcionam
diversos formatos para ordenar interesses e instituições construídos em
torno da relação Estado-mercado e, para utilizar a expressão de Hall &
Soskice (2001) em outro contexto, complementaridades institucionais
que configuram variedades. Nessa perspectiva, cabe elaborar as ações do
Estado a partir de três elementos: estruturar as policies ao longo de um
eixo para a ação do Estado, afetando a economia e a sociedade; relacioná-
-las com a polity ou o contexto institucional para a produção das políti-
cas, englobando desde o poder mais centralizado ao mais disperso; por
fim, em termo de politics, pela ação em si dos atores, englobando o con-
texto institucional, as ações estratégicas de grupos e indivíduos e as ideias
envolvidas, no sentido que Schmidt (2007) empresta aos termos.

Quadro 1. Ação estatal e variações na produção de bem-estar

Ação Características (por diferentes Variações nas respostas


estatal tradições institucionais)

Policies como as políticas substantivas afetam Estado promotor / Estado regulador / Relação
negócios e o mundo do trabalho complementar Estado-Mercado / Ação estatal favore-
cendo mercado
Polity como as interações entre os atores polí- + centralizado / “equilibrado” / + disperso;
ticos e econômicos são moldadas pelo
governo maioria forte / coalizões / maiorias dispersas
contexto político institucional; variações
na forma de organização estatal regime majoritário / intermediário / consensual
Politics contexto institucional/ações estratégi- + coordenação / - coordenação
cas/ideias + poder sindical / - poder sindical
Sistema partidário + forte / + fraco

Fonte: Inspirado em Schmidt (2007) e elaboração própria para as variações.

241
Quadro 2. Algumas soluções combinadas nos três “andares” do desenvolvimento e
exemplos
Centro Semiperiferia Periferia

+ Estado Estado / + Mercado - Estado Estado / + Estado - Estado


Mercado Mercado
+ Mercado +/- Equidade - Equidade
+ Equidade + Equidade + Equidade +/- Equidade
- Equidade - Mercado

Escandinavos Europa Anglo-saxões Chile Brasil, México, China África


Continental Coreia do Sul, Subsaariana
Índia

Fonte: Elaboração própria.


Obs: Exemplos esquemáticos, aproximações ilustrativas. A China talvez possa estar ter transposição para o Centro.

Uma observação simples sobre os quadros acima permite operar


sobre o conceito de desenvolvimento, desde que considerada a ação do
Estado no sentido de promover o ambiente e os instrumentos para a efi-
ciência econômica, em uma estrutura de produção de políticas sociais
para os direitos e a cidadania social. A variação operada ao longo dos
Estados-Nação pode gerar desde modelos mais inclusivos e universalistas
até mais restritivos e desiguais. Mas importa observar que o fato da
maior presença estatal na produção de políticas torna o desenvolvimento
na dimensão aqui discutida mais significativo, o que relativiza o peso do
PIB como indicador de prosperidade e desenvolvimento. Países na
Semiperiferia, como indicados no Quadro 2, apontam resultados diversos
variando de acordo com as diferenças institucionais e histórico-insti-
tucionais dentro do eixo Estado-mercado, oscilando acima e abaixo. Basta
considerar o caso da China, com forte presença estatal e regulação, mas
com sinalização em direção ao eixo de mercado e políticas inclusivas
impactadas pela dimensão da população e os desafios de integração social
campo-cidade. O Brasil, por sua vez, surge na relação complementar
Estado/mercado, ainda que oscile seu pêndulo a um e outro de tempos
em tempos entre o fim dos 90 e a presente década, produzindo resultados
de maior ou menor inclusão ao longo do eixo diacrônico do mesmo
período. Entretanto, como a Semiperiferia como desafio teórico alerta,
cabe enfrentar questões econômicas e de mais ou menos integração, am-
pliar valores agregados na produção e produzir um modelo mais responsivo
aos desafios tecnológicos e de crescimento com mais autonomia, ao lado
dos níveis de integração ao espaço mundial. Por outro lado, as relações
sociais na Semiperiferia também refletem as dimensões dessas opções

242
em relação ao Centro e mesmo à Periferia e produzem resultados dife-
renciais em termos dos ambientes institucionais, os atores, as ideias e
torna o campo das políticas públicas uma arena de disputa. A leitura do
Quadro 1 indica como policies, polity e politics operam por eixos variados
e em relação à própria posição da nação no tocante à sua condição —
central, semiperiférica ou periférica.
A garantia do crescimento econômico e da produtividade como
trade-off em relação às políticas sociais inclusivas de bem-estar é tão
falsa quando a oposição entre Estado e mercado. A crença na capacidade
do mercado de produzir meritocracia per se e em um Estado socialmente
residual (ou emergencial para oportunidades) nada mais é do que uma. . .
crença. A defesa de uma política social minimalista para nações semi-
periféricas opera na contramão do desenvolvimento, incluindo equidade
e eficiência: segundo o referido credo, como não existe virtude fora dos
mercados, ampliar a regulação, o poder efetivo do Estado e políticas
sociais largas e não residuais, produziria mais problemas. Ignora-se o
risco da falta de coesão social, a erosão de direitos sociais e a instabilida-
de econômica, ao fim e ao cabo. Se o ideal é seguir a agenda de reformas
— da previdência, do seguro-desemprego, dos direitos trabalhistas, dos
impostos, abrindo a conta de capital e o mercado, confiando em um se-
tor privado virtuoso e saudando o rentismo como poupança — o resulta-
do é mais pobreza, mais exclusão, mais desigualdade. Esse modelo este-
ve em vigor no século XIX, com suas óbvias diferenças, e retornou à
agenda nos anos 1980. O resultado ao longo da América Latina, que o
abraçou por cerca de vinte anos, foi mais miséria, mais desigualdade,
crescimento em ritmo duvidoso (ou nenhum), desagregação social, câm-
bio apreciado, o reforço do setor agroexportador, problemas na base
industrial em países fortes do continente (como Brasil e Argentina) ou
um discutível modelo de crescimento atrelado ao mercado norte-ame-
ricano (no caso do México). No caso do Chile, não logrou reduzir a
desigualdade, seu sistema educacional é excessivamente caro, pairam
ameaças ao setor previdenciário, sem considerar que o ajuste chileno foi
realizado nos termos de suas reservas de cobre e em uma economia
extremamente aberta, mas muito menos complexa que o Brasil ou o Mé-
xico. No Brasil, até os anos iniciais de 2000, as opções foram reduzir a
capacidade estatal, desestimular os projetos de proteção social inclusiva
e mais universalista e o abandono de políticas setoriais para o cresci-
mento. No México, o alinhamento ao Nafta fragilizou (e fragiliza) suas

243
opções de operação independente, mas garante emprego, ainda que mais
precário, por conta das reformas. Sua conta-petróleo é muito importan-
te, mas as maquilladoras também. A violência se agravou na década e a
pobreza não cedeu.
O resultado prático foi o big trade-off entre modelo neoliberal e
prosperidade social, obstando políticas sociais e a regulação estatal e pro-
duzindo um resultado perverso de menos equidade e menos eficiência
econômica. O resultado de duas décadas sob a influência neoliberal apro-
ximou mais a Semiperiferia das Américas da Periferia da África e do
Caribe, sem modelo autônomo de redução da desigualdade e da pobre-
za, subordinando a política — e as políticas — à economia e seus resul-
tados pragmáticos (e duvidosos) desconectados do bem-estar social na
dimensão de Welfare State.

A Semiperiferia e estratégias de desenvolvimento


— o caso brasileiro

A condição semiperiférica significa viver em um mundo dividido: por


um lado, observa-se o núcleo orgânico com um misto de admiração e
desejo; por outro, nota-se a Periferia com crescente horror. Estar nessa
condição é também um exercício sobre como é possível conviver entre a
dependência de economias centrais e impor condições para a negocia-
ção de sua autonomia. Chegar ao pináculo do poder estatal é apenas o
início da questão. Afirmar-se como um país capaz de operar um projeto
de desenvolvimento com autonomia é a trágica continuação dessa se-
gunda etapa.
A pergunta inicial é sobre a capacidade de produzir um projeto de
desenvolvimento que não seja mecanicamente próximo do núcleo orgâ-
nico, tal como o mainstream considera ser o necessário a fazer: um com-
promisso de mercado, aceitando regras para onde convergissem refor-
mas estruturais, ajuste fiscal permanente, mercado de trabalho flexível,
Banco Central insulado, abertura da conta de capital e da economia,
privatização e competição de mercadorias e serviços. Para nações dife-
renciais — semiperiféricas — seu mercado interno e suas instituições
precisam estar preparados ao mundo global e projetos de desenvolvi-
mento somente fazem sentido quando integrados, desde que sob a lide-
rança das economias centrais. Uma clara expressão dessa “necessidade”

244
foi a fracassada Alca, a América Latina globalizada da era Clinton na
qual os projetos locais deveriam se submeter a um mercado comum aberto.
O México desembarcou da era do PRI para a globalização dependente,
trocando a corrupção institucional do partido pelos governos encarrega-
dos de submeter a economia mexicana aos humores do vizinho do norte.
A Argentina, ao sul, foi conduzida ao delírio de passar o controle da
Economia argentina aos humores do FED, com a dolarização. A Alca
converteu-se em uma utopia, o México deixou de respirar sem a ajuda do
mercado e do capital norte-americanos e a Argentina tornou-se a ex-
pressão de uma distopia: após a política do FED mudar, o país mergu-
lhou em uma crise sem-fim, tendo jogado, como resultado, mais da me-
tade da população na linha de pobreza.
O Brasil trilhou outro caminho. Há muitas tentativas de classificá-
-lo. Entre outros, Cardoso & Jacoud (2005) mencionam o “sistema bra-
sileiro de proteção social” organizado em quatro eixos: trabalho, assis-
tência, direitos incondicionais e infraestrutura social. Draibe (2005) reflete
em torno de um “Estado de bem-estar desenvolvimental” construído pelo
alto, segundo processos através dos quais a base material capitalista e
estilos de vida foram concluídos entre nós. Morfologicamente, está or-
ganizado por três pilares (ver adiante), em uma estrutura federativa pe-
culiar abrangendo alto grau de centralização, mas muitos elementos de
implementação descentralizados:

The universal public provision, covering the universal programs of


health, and education as well as the social assistance and other
focalized programs designed to poor people. The contributive and
subsided programs (the social security program and some others
fund supported by mandatory social contributions), and the private
sector. Families, philanthropy and the modern third sector, mainly
the NGOs, also share the social provision (Draibe, 2005, p. 6).

Kerstenetzky (2012) observa que, em defesa de sua tese com rela-


ção a um Welfare State à brasileira, fruto da difusão das próprias políticas
de bem-estar, existem no Brasil três ondas longas de inovação institucional
e difusão de direitos sociais: (1) bem-estar social corporativo (30-64);
(2) universalismo básico (64-88) e (3) o pós-1988, este em direção a um
universalismo estendido. No pós-88, entre 88 e 94, são emergentes “no-
vos cidadãos”, entre 95 e 2002, a cidadania convive com a austeridade

245
econômica e, finalmente, entre 2003 e 2009, amplia-se a convivência
entre cidadania e prosperidade. Nesse último período, utilizando-se de
uma feliz observação da autora, fortalecem-se mudanças como “políticas
sociais economicamente orientadas” e “políticas econômicas socialmente
orientadas” (Kerstenetzky, 2012, Parte III).
Com base nisso, operar um projeto de desenvolvimento é uma ta-
refa complexa. A ideia de Semiperiferia significa também que a luta
contra a exploração é uma luta para a criação de uma divisão de trabalho
mais autônoma, incluindo atividades independentes de vantagens com-
parativas. Também implica autoexclusão de relações de troca desigual
com o núcleo orgânico e uma relação de troca desigual estabelecida
“para baixo” com a Periferia. A dificuldade de tal programa, transpor o
fosso da Semiperiferia para o Centro, permite sucessos individuais (como
o Japão), ainda que, a cada sucesso, o núcleo orgânico endureça suas
relações, reafirmando seu espaço de exclusão. O resultado prático é uma
luta com grandes resultados ineficazes.
A condição semiperiférica é uma dificuldade trágica. Muitos paí-
ses desenvolveram estruturas industriais poderosas no esforço para trans-
por o fosso, caso do Brasil, Coreia do Sul, México e China entre alguns
outros. Mas essa perspectiva, dadas as relações de subordinação/relação
Centro-Semiperiferia-Periferia, permitiu saltar o golfo entre Periferia e
Semiperiferia, mas não o último salto para o núcleo orgânico. Mas, ado-
tar a ideia de Semiperiferia não significa admitir uma condição trágica
permanente, mas explorar as condições para a promoção do desenvolvi-
mento no sentido aqui aplicado: o desenvolvimento de projetos envolvendo
relações de soma-positiva entre equidade e eficiência. Certamente que os resul-
tados são diversos, mas, no caso brasileiro, reduzir os dramáticos níveis
de desigualdade, superar a pobreza extrema, enfrentar o desafio da inclu-
são e da melhoria nas condições de trabalho, garantir educação, saúde e
trabalho e uma previdência eficiente e inclusiva são passos obrigatórios
de qualquer projeto civilizatório em condições semiperiféricas. O catch
up para processos econômicos mais eficientes, indústrias de maior valor
agregado e uma redefinição nas relações de subordinação aos interesses
do núcleo orgânico deverá passar, paralelamente, por um catch up social.
O caso brasileiro é exemplar em seu movimento de longo prazo. Em
1988, com a Constituição, o Brasil fez uma opção em direção a escolhas
sociais bem definidas. O coração dos direitos sociais foi aprofundado, a
previdência ampliou sua cobertura, a saúde incorporou a universalização

246
(a educação antes a incorporava), os mínimos sociais se desenvolveram e
discutiu-se a função social da terra: foi o reconhecimento da dívida so-
cial e da desigualdade, mediada por uma dada leitura sobre direitos so-
ciais e políticas públicas inclusivas. O escopo do alcance social, entre-
tanto, não significa a ativação das práticas sociais inclusivas apenas pela
rule of law. Como em qualquer processo dessa natureza, a formulação de
tais expectativas de direito e regulação não representam uma moderniza-
ção, no sentido de um movimento de longo prazo, antes mostram que o
feixe de coalizões e interesses produz um modelo de implementação difuso,
muitas vezes lento e com idas e vindas. Para usar os termos de Kerstenetzky
— passar do “universalismo básico” ao “estendido” — implicou não pro-
cessos automáticos de modernização ou dependência de trajetória rela-
cionados à Constituição. O marco definitório não trouxe o futuro, mas
ajudou a construir instituições em forte interação com o passado e pro-
porcionou também inovação. Como citado no Quadro 1, a polity —
interagindo atores políticos e econômicos em um dado padrão institu-
cional — combinou nossa tradição centralista com mecanismos im-
plementadores de nível local e forçou a construção de coalizões em bus-
ca de apoio majoritário. No nível politics — entre ações, estratégias e
ideias dos atores — foram construídas coalizões em dada direção, va-
riando nos períodos presidenciais entre 1990 e 2012 de forma signifi-
cativa. Finalmente, as policies foram avançando: de um Estado de pro-
moção mais corporativa para um modelo complementar Estado-mercado
(com tendência universalizante), de caráter regulatório e da forte cor-
relação com a conjuntura dos anos 90 para um universalismo mais ex-
pansivo e promotor, ainda que o viés de estabilidade econômica tenha
permanecido.
Ao operar nessa trajetória, a busca de um salto de qualidade na
redução da desigualdade e na construção de um Estado de bem-estar
social mais inclusivo produziu resultados importantes. Nas condições da
Semiperiferia brasileira — e em economias importantes no contexto la-
tino-americano e em parte mundial — a dimensão estatal tem desempe-
nhado o papel de uma construção mais autônoma e aprimorado sua ca-
pacidade para promover regulação, reordenando o cenário interno e
possibilitando um particular arranjo para o desenvolvimento econômico
e social. Esta possibilidade, negada pela vigência da hegemonia de mer-
cado e pelo predomínio do mainstream econômico dos anos 90, transfere
à política — produzindo políticas — uma dimensão decisiva.

247
Produzir bem-estar é operar sobre um grave problema distributivo.
As assimetrias de acesso aos bens e serviços, diante de uma economia
forte em um país gerador de riqueza em grande escala, não autoriza
nenhum ator a imaginar que o mercado possa corrigir questões distri-
butivas. No centro do problema está a decisão em torno da qual a alocação
de recursos e a distribuição de benefícios e custos é realizada, como é
possível operar pela política social no sentido de ampliar a equidade e a
própria eficiência econômica. Basicamente, nos últimos dez anos, a polí-
tica de valorização do salário mínimo, os programas de transferência de
renda, a ação previdenciária e o aumento do gasto social como um todo
permitiram a expansão da política social. Mesmo que persistam iniqui-
dades — sistema tributário regressivo com tributação indireta sem efeito
distributivo, qualidade na oferta pública de serviços, lógica universalizan-
te × oferta privada, iniquidades regionais, entre outros — não superam a
ideia de que avanços importantes ocorreram e abrem um horizonte de
possibilidades. Muito disso, conforme observa o Ipea (2010, p. 101),
deve-se às transferências previdenciárias e assistenciais e da prestação
pública de serviços, que elevam o consumo das famílias, abrem oportu-
nidades de trabalho e estimulam a economia, ampliam a arrecadação,
atuando em financiamento e nas compras estatais. Os efeitos das políti-
cas sociais, assim, espraiam-se por toda a sociedade. No mesmo volume
do Ipea (2010, pp. 130-1), avaliando-se os efeitos do gasto social, gastos
com saúde e educação, como multiplicadores do PIB, mostram efeito
maior que gasto autônomo e exportações de commodities. Transferências
sociais redistribuem renda, quanto maior for sua progressividade: o Bol-
sa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) atuam favora-
velmente para o crescimento e a redução da desigualdade. Gastos sociais
promotores de crescimento e equidade — previdência, saúde, educação,
Bolsa e BPC correspondem a 70% do gasto social do governo e têm
papel fundamental na dinâmica macroeconômica brasileira. Se a isso for
acrescida a valorização do salário mínimo, surge um importante elemen-
to adicional de reflexão.
Os dados mais gerais envolvendo crescimento e resultados sociais
vêm demonstrando como o período de cidadania plus prosperidade no
pós-2002 resulta em mudanças importantes a partir de uma perspectiva
de outro projeto de desenvolvimento. Os gráficos adiante ajudam a ilus-
trar esses fatos.

248
Gráfico 1. Indicadores Macroeconômicos variados — 2005-2012, Brasil

Fonte: Ipeadata, vários anos. PIB = variação anual, Inflação pelo IPCA, desemprego nas regiões metropolitanas
(mediana por ano) e variações na dívida total do setor público.

Os indicadores macroeconômicos selecionados mostram a grande


amplitude de mudança com a inflação (IPCA) variando mais entre 1995
e 2001, e depois em uma trajetória de mais estabilidade. O PIB teve cres-
cimento mais modesto até 2003, crescendo em seguida mais acelerada-
mente, com a exceção do impacto da crise global em 2009 (-0,33). O
desemprego entrou em uma trajetória de redução no pós-2006, com queda
acentuada posterior e a dívida líquida do setor público apresentou gran-
de variação, mas nunca uma trajetória explosiva. Nesses indicadores é
difícil apontar qualquer sinal de fracasso na economia brasileira.

Gráfico 2. Produto Interno Bruto (PIB) e Gastos sociais em relação ao PIB — Brasil

Fonte: Ipeadata, vários anos.

249
A decisão de investimento social fica cristalina na evolução dos
gastos sociais em relação ao PIB. O avanço, entre 1995 e 2000 foi de 1,5
pontos; entre 2001 e 2005 de mais 1,35 e após, até 2011, de mais 2,5
pontos. O gasto social total apresentou variação sempre crescente para
cima e isso não representa o aumento das obrigações constitucionais.
Entre 1995 e 2002 (Governo Cardoso) o crescimento foi de 1,68 em
relação ao PIB; entre 2003 e 2011, de 3,28. E, cabe ressaltar, no momen-
to em que o PIB apresentou seu pior desempenho, na crise de 2008 com
reflexos em 2009, o gasto social persistiu elevando-se.

Gráfico 3. Gasto social/PIB, variações no salário mínimo (SM) real, Bolsa Família e
indicadores de pobreza — Brasil

Fonte: Ipeadata, vários anos. Bolsa Família = variação no montante pago (refere-se a dezembro de cada ano).

O Gráfico 3 revela duas curvas definidoras de impacto social muito


relevante: a elevação do gasto social em relação ao PIB e o salário mínimo
real crescente. A introdução do montante despendido no programa Bolsa
Família é uma informação importante, porque sua ação ajuda no comba-
te à extrema pobreza. O programa atingiu mais de treze milhões de
famílias em 2012 e apresentou pagamentos incrementais ano a ano, e,
somente em 2011, aumentou 29% o valor pago em dezembro. Se forem
observadas as curvas para a pobreza e extrema pobreza, por sua vez, a
tendência de queda é tão pronunciada desde 2003 que dispensa observa-
ções adicionais. A inferência não é apenas o aumento dos gastos e o SM,
mas também a decisão sobre como alternativas de políticas impactam a
vida real. E, se compararmos ao desempenho do PIB, observamos que,

250
mesmo no ano de 2009 com a posição negativa no PIB, o SM real subiu
3% e depois mais 17% em termos reais.
O projeto brasileiro, considerando políticas públicas econômicas e
sociais com impacto na redução de sua desigualdade e com efeitos mul-
tiplicadores sobre a economia, é uma resposta ao elemento trágico trazi-
do pela sua condição semiperiférica. Não é mais possível estabelecer que
o País deva ser um apêndice na divisão internacional do trabalho nem o
destino de capitais de curto prazo, que não impactam o desenvolvimento,
e muito menos encare a globalização como um ator passivo. Se desen-
volvimento e políticas sociais desenvolvessem afinidade eletiva, o Brasil
tem sido um laboratório fértil para tais experiências.

Conclusão

O exercício de reflexão sobre o desenvolvimento precisa ultrapassar o


quadro econômico e integrar-se ao tema da redistribuição, em particular
pelo campo das políticas públicas e pela temática do bem-estar social.
Há dois planos relevantes a considerar: (1) o quadro do sistema de na-
ções, processos de integração que as hierarquiza e a condição posicional
em relação ao capitalismo — se Centro, Semiperiferia ou Periferia e (2)
as devidas situações nacionais, mediadas por sistema locais envolvendo
politics, policies e polity e que operam sobre as condições envolvendo capa-
cidade estatal, possibilidades de autonomia e formação de coalizões polí-
ticas vencedoras. Com base nesse quadro, produzir desenvolvimento im-
plica debater argumentos de campos opostos: (1) a globalização em sua
versão anos 90, com seu mimetismo institucional, reformas de mercado
com liberalização e desregulação ou (2) romper o trade-off entre eficiên-
cia e equidade, encarando políticas sociais e de welfare no geral como
parte essencial de um projeto de desenvolvimento. O debate aqui pro-
posto foi claramente conduzido em direção ao segundo argumento.
A pergunta sobre como produzir bem-estar no sentido de perspecti-
vas mais inclusivas e em direção a um Welfare State fortalecido tem a
resposta dependente do grau de envolvimento no sistema internacional e
em como os atores internos e suas instituições operam. Assim, a afinidade
eletiva entre desenvolvimento e políticas sociais precisa ser ativada pelo
cenário interno em uma conjuntura internacional e inserção no sistema-
-mundo muito definida. Essa inserção varia em função das combinações

251
econômicas entre os vários mercados, mas hegemonizadas pelas econo-
mias centrais. Têm interesses que operam, na maioria dos casos, contra
projetos de autonomia, o que alteraria a hierarquização estabelecida. Os
projetos nacionais do Centro já se estabeleceram e é parte da hierarqui-
zação no sistema-mundo operar de forma que impeça o acesso crescente
da Semiperiferia, por exemplo, a outras posições mais centrais de coman-
do. A conjuntura dos anos 90 mostrava a imagem do futuro global integra-
do, mas operava, em outra mão, por reforçar a hierarquização e o poder
do Centro. Ultrapassando a argumentação de Arrighi, que de resto tende
a ver o “salto sobre o fosso” entre as nações como uma parcela de ilusão,
é preciso assinalar a situação da Semiperiferia, por exemplo, não como
um destino, mas como possibilidade de construir um projeto que, se não
recoloca um dado país no Centro do capitalismo, permite que seu padrão
desenvolvimental ultrapasse a condição de severa desigualdade, violência,
exclusão e desregulação. É preciso projetar outro patamar civilizatório,
para ampliar as possibilidades de inserção internacional em outro patamar
e segundo os termos da própria condição semiperiférica. Isso significa, a
despeito do argumento liberal, ampliar as possibilidades em torno do
Welfare State como promotor de igualdade e crescimento. Por isso o Brasil
surge como o caso analisado no artigo: trata-se de refletir, partindo do
observatório de uma grande economia semiperiférica, alternativas de
políticas e ações que retomam a ideia de um projeto diverso daquele dos
anos 90, seja pela ação da economia, seja pelas políticas sociais.
Seria possível produzir um projeto de desenvolvimento, no sentido
de equidade cum eficiência, integrando a este projeto políticas sociais
como condição necessária a um projeto civilizatório? Sob condições
semiperiféricas, em países com situações pouco promissoras de bem-es-
tar, com sistemas de proteção incompletos e sob ameaça das economias
globais com pretensões hegemônicas, talvez não reste alternativa senão
tentar. A pena pelo fracasso é aprofundar o fosso em relação ao Centro e
lamentar o esgarçar ainda maior da coesão social.

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254
POLÍTICA SOCIAL DESENVOLVIMENTISTA:
ELEMENTOS PARA UMA AGENDA*

CELIA LESSA KERSTENETZKY

A S RELAÇÕES ENTRE Estado e desenvolvimento admitem diferentes


enquadramentos, sendo o econômico o mais usual. Não obstante,
em vista do descredenciamento do produto/renda per capita como foco
exclusivo e sintoma inequívoco de desenvolvimento — entre outros mo-
tivos pelo aumento generalizado das desigualdades econômicas e de bem-
-estar num mundo materialmente cada vez mais rico —, este texto pro-
põe uma reflexão sobre o tema a partir do foco das políticas sociais. Ao
pressupor que a mudança qualitativa envolvida na ideia de desenvolvi-
mento só acontece se representar avanço efetivo em realizações huma-
nas, o texto interroga diretamente as relações entre a política social e o
desenvolvimento.
Em países em desenvolvimento, as literaturas sobre políticas so-
ciais e sobre desenvolvimento se estabeleceram e frutificaram de modo
independente, pensando seus objetos como essencialmente separados. Para
o campo tradicional do desenvolvimento, a política social é em geral
vista como um coadjuvante, na melhor das hipóteses funcional a requeri-
mentos e necessidades da dinâmica econômica que, essa sim, geraria
renda e emprego; mas eventualmente também como intervenção proble-
mática, já que pode vir a interferir negativamente sobre o nível de ativi-
dade econômica (por exemplo, estimulando o desemprego) ou colocar
pressões excessivas sobre ela (por exemplo, sobrecarregando o orçamento
fiscal). Para a política social, por sua vez, o grau de desenvolvimento é

* A autora agradece a Jaques Kerstenetzky pelos comentários e sugestões a uma


versão anterior deste trabalho.

255
um condicionante à sua expansão: ele estabelece os recursos de que se
dispõem, os limites materiais quanto ao que é possível avançar em maté-
ria de proteção e promoção de equilíbrio social; mas é também proble-
mático, já que é a principal fonte das disfuncionalidades sociais para cuja
solução a política social é recrutada (por exemplo, desemprego, empre-
gos precários, pobreza no trabalho, informalidade). Em consequência, o
campo próprio à política social é disputado entre as perspectivas das
“compensações por riscos e custos sociais” e aquelas dos “direitos so-
ciais”. A consequência mais geral é a existência de preconcepções e sus-
peitas recíprocas entre a política social e o desenvolvimentismo.
Apesar de acomodadora de tensões, essa divisão de trabalho deixa
questões importantes sem enquadramento adequado. Por exemplo, não
se dá a devida atenção à economia política que possibilitou a estratégia
desenvolvimentista, mas provavelmente também impediu distribuições
alternativas dos frutos do crescimento e da transformação econômica e,
em consequência, ajudou a reforçar as mesmas estratégias desenvolvi-
mentistas concentracionistas que a partejaram via conhecidas dependên-
cias de trajetória. Questões como quem combinou o quê com quem, de
que forma e com que propósito, assim como os hábitos que essas combi-
nações criaram, ficaram sem patrocínio teórico. Aparte a literatura inter-
disciplinar de pegada histórico-institucionalista sobre o Estado desenvol-
vimentista, que iluminou capacidades do Estado e conexões da burocracia
estatal com os empresários no projeto desenvolvimentista (Evans, 1995),
a temática esteve notoriamente ausente da teorização sobre o desenvolvi-
mento econômico: a política econômica para o desenvolvimento sim-
plesmente omite a dimensão política do Estado.
Em consequência, pelo menos duas questões ficam de fora do ra-
dar do economista do desenvolvimento. Em primeiro lugar, o problema
que a captura do projeto de desenvolvimento pelas elites econômicas cria
para a própria trajetória de transformação econômica e para o bem-estar
social (ver, por exemplo, revisão da experiência desenvolvimentista da
África do Sul, proposta por Arrighi, Aschoff & Scully, 2010). Em se-
gundo lugar, e correlatamente, as oportunidades para uma trajetória de
“crescimento sustentado”, fenômeno crescentemente associado ao desen-
volvimento prévio de bens sociais e democracias robustas (ver Kerstenetzky
& Kerstenetzky, 2013 para uma revisão da literatura).
Na prática, o conflito distributivo é sublimado no campo do desen-
volvimentismo tradicional e a proatividade da política social é suprimida

256
na visão que, alternativamente, valoriza seja a sua funcionalidade em pro-
jetos de desenvolvimento (compartilhada entre o campo do desenvolvi-
mento e o campo da política social tradicional), seja a exacerbação do
conflito (favorecida na perspectiva dos direitos sociais em política so-
cial). Em um caso a política social passivamente se ajusta às necessidades
funcionais do sistema econômico, no outro, ela se converte em arma
política para confrontá-lo, mas em nenhum dos casos é ela reformulada
como parte nuclear do projeto de desenvolvimento.
E, no entanto, uma releitura atenta da experiência de desenvolvi-
mento do pós-guerra europeu revela liames práticos muito íntimos entre
os dois campos concretos: a política social teve importância não apenas
para legitimar projetos de desenvolvimento, por meio do compartilha-
mento de bônus e ônus da modernização econômica, mas também via a
criação de miríade de instituições parapolíticas, que permaneceram como
traços permanentes a permitir negociação sob novas circunstâncias, e
mesmo para ativamente promover a mudança econômica e o crescimen-
to de recursos que a retroalimentariam. Ou seja, o registro histórico nos
revela uma coevolução da política social com o desenvolvimento econô-
mico, em um rico processo que encoraja investigação adicional. Alega-
damente, algo semelhante se passou na experiência do New Deal norte-
-americano e na retomada do crescimento dos tigres asiáticos, pós-anos
1990, especialmente da Coreia do Sul (Evans & Heller, 2012).
Por outro lado, evidentemente, também a releitura de casos de de-
colagem econômica de países menos desenvolvidos como o Brasil dos
anos 1970 (Kerstenetzky, 2014a), a África do Sul (Arrighi et al., op. cit.)
e a Índia (Kohli, 2012) das últimas décadas, indica a relação falhada
entre crescimento e realização social, tomando-se como sintoma, por
exemplo, as resultantes desigualdades econômicas e sociais e mesmo os
níveis de bem-estar da maior parte da população. Enquanto os casos
nos ajudam a refletir sobre os elos “teóricos” entre os campos do desen-
volvimento e da política social, sugerindo a conveniência de no mínimo
se proceder a uma tipologia para cartografar a variedade de combinações
de fato experimentadas, eles nos permitem especular sobre potencialida-
des desenvolvimentistas da política social, que serão o foco deste capí-
tulo. Em especial, estaremos interessados em identificar que contribuições
específicas se podem esperar das políticas sociais para sua sustentabili-
dade econômica em contextos de profundas desigualdades, como o
brasileiro.

257
Discutirei, na próxima seção, as contribuições esperadas da políti-
ca social para o desenvolvimento. Na seção seguinte, proporei elementos
para uma discussão sobre perspectivas futuras das políticas sociais
desenvolvimentistas no Brasil. A Seção 4 conclui o capítulo com uma
síntese de seus objetivos.

Contribuição da política social para o desenvolvimento

Uma maneira de enquadrar o tema da contribuição da política social


para o desenvolvimento é diretamente reposicionar a noção de desen-
volvimento na perspectiva de seus objetivos finais. Uma concepção com
essas características é proposta por Amartya Sen, mas não é exclusivida-
de desse autor, encontrando eco, entre outras referências, na ética desen-
volvimentista aristotélica, no ideal comunista de Marx e nas aspirações
emancipatórias de Eric Olin-Wright: desenvolvimento seria a expansão
das possibilidades de realização humana, libertação progressiva dos gri-
lhões que a acorrentam. Plausivelmente, esse processo se poderia produ-
zir seja por via da transformação econômica (a liberação das “forças pro-
dutivas”), seja em sua ausência, caminho que vem sendo crescentemente
enfatizado por autores que valorizam a questão da participação popular
(Isaac & Heller, 2003, Fung & Olin-Wright, 2003). Historicamente,
em ambas as vias, a dimensão política sob a forma de intervenção públi-
ca multiatores parece central.
Experimentos de desenvolvimento não mediados pelo crescimento
econômico, como o frequentemente citado caso da província indiana de
Kerala, que extremamente pobre em termos de PIB per capita alcançou
realizações ambiciosas comparáveis às da Coreia do Sul em escolarização,
longevidade, mortalidade infantil, alfabetização, equidade de gênero, par-
ticipação social, corrupção, têm despertado interesse crescente. Aí a ação
pública multiatores com forte participação popular (ao lado do aparato
estatal central, estruturas governamentais locais, partidos políticos da
coalizão de esquerda governamental, organizações políticas, associações
várias da sociedade civil) promoveu um conjunto extenso de políticas
sociais cujo principal insumo foram as próprias pessoas, em uma econo-
mia essencialmente rural e de baixos salários (Isaac & Franke, 2002;
Isaac & Heller, 2003; Kerstenetzky & Kerstenetzky, 2013). Considerando
a extensão geográfica e a elevada população da região (cerca de trinta

258
milhões de pessoas), um ingrediente central da estratégia foi a descen-
tralização democrática da concepção, planejamento, execução e controle
social que chegou a envolver diretamente, no auge da campanha de par-
ticipação, cerca de onze milhões de pessoas.
Já os casos paradigmáticos dos países europeus no pós-guerra, que
nos soam mais familiares, fornecem evidência da primeira via. A recons-
trução econômica europeia contou com intervenção pública decisiva para
gerar crescimento com bem-estar, processo no qual as políticas sociais jo-
garam papel decisivo. A asserção é igualmente verdadeira para países asiá-
ticos e latino-americanos que em seus processos de industrialização por
substituição de importações com frequência recorreram a políticas sociais.
De fato, a literatura que explora a fronteira dos campos nos fala de
estilos distintos de política social (Kwon, Mkandawire & Palme, 2009).
De um lado, “Estados de bem-estar desenvolvimentistas seletivos”, como
os asiáticos e, em menor medida, os latino-americanos, em que políticas
sociais teriam viabilizado projetos de desenvolvimento por meio da pro-
teção social oferecida a estratos selecionados da população — aqueles
diretamente envolvidos na estratégia, como os servidores públicos e os
trabalhadores do setor urbano-industrial. De outro, estariam os “Estados
do bem-estar desenvolvimentistas inclusivos”, como os países do norte
da Europa, que fizeram a industrialização se acompanhar pela integração
de amplos estratos da população. Esses processos de incorporação via
políticas sociais contribuíram para legitimar as estratégias desenvolvi-
mentistas ante os estratos da população considerados relevantes para
sustentá-las politicamente.
A questão da legitimidade desses processos é decerto relevante,
embora ainda deva merecer exame mais detalhado, pois várias são as
formas que assume e ricas são as dinâmicas que as movem. Por um lado,
por exemplo, é amplamente reconhecido o elemento prudencial que levou
o governo conservador de Bismarck no final do século XIX a antecipar e
moldar conquistas dos trabalhadores industriais alemães reduzindo o apelo
do crescente movimento socialista e, posteriormente, o governo democra-
ta-cristão de Adenauer do imediato pós-guerra a intensificar o sozialstaat
parcialmente também para competir com o progresso social prometido
no Leste socialista. Mas, enquanto processos controlados pelo alto eram
disparados, repercutindo senão movimentos ao menos aspirações so-
cietárias, nem sempre evoluíam sob a mesma lógica, sendo em muitos
casos apropriados por interesses organizados independentemente da tutela

259
estatal que acabariam genuinamente se beneficiando de formas insti-
tucionais criadas para fins de controle. Organismos criados com um pro-
pósito, como a paz social entre trabalhadores e empregadores nas comis-
sões de concertação dos “parceiros sociais”, acabariam servindo a dois
patrões: ao lado da paz social necessária à modernização econômica,
produziriam também ambientes (e disseminariam práticas) de delibera-
ção democrática, que por sua vez seriam instrumentais para encaminhar
soluções e mesmo heurísticas para variados e nem sempre antecipados
problemas sociais e econômicos.
Durante muitas décadas o template alemão dominou a imaginação
de policy makers confrontados com o manejo sociopolítico do desenvolvi-
mento econômico e ajudou a organizar categorialmente o conflito distri-
butivo. A política social extrapolou os programas sociais e enveredou
pelos processos e procedimentos político-institucionais e mais além pe-
netrou em disposições e atitudes, e crenças subjacentes. A legitimação do
desenvolvimento envolveu evidentemente também grupos empresariais
que viram na política social um apoio efetivo: absorção total ou parcial
de custos sociais gerados pela industrialização, conformação de um
confiável mercado de trabalho industrial, produção de externalidades como
educação e saúde. Em suma, para se estudar causas e efeitos sociopolíticos
das políticas sociais recomenda-se identificar os diferentes grupos sociais
por elas abrangidos, em um processo de incorporação mais ou menos
inclusiva, e sua intercessão na viabilização do desenvolvimento econô-
mico, deste ou daquele estilo. Nesses processos é interessante ainda ob-
servar de que maneira potencialidades e funcionalidades atribuídas à
política social são em maior ou menor grau ativadas por projetos e atores
políticos — como imaginadas construções nacionais e identidades polí-
ticas, e almejadas posições de poder.
Ao lado da questão da divisão dos encargos e benesses do desen-
volvimento econômico, de sua adquirida legitimidade, a política social
também cumpriu funções economicamente proativas. É possível argu-
mentar que a seguridade social de tipo beveridgiano (universalista), uma
poderosa forma de sustentação de renda, foi essencial para o estímulo à
demanda agregada especialmente em circunstâncias de crise, contribuin-
do para a estabilização dos ciclos econômicos e, ao nível das famílias,
para a suavização dos padrões de consumo entre fases alternadas de ci-
clos econômicos e da vida. De um modo geral, a seguridade social pode
ser vista como uma gigantesca proteção, tanto mais forte quanto maior o

260
pool de contribuintes, contra as incertezas do capitalismo (Barr, 2012),
que acaba por protegê-lo de si mesmo, de quebra, melhorando a distri-
buição de renda e reforçando sua defesa política. Mas, experimentos como
o escandinavo ainda antes da Segunda Guerra em resposta à Grande
Depressão da década de 1930 chamam a atenção para funções mais dire-
ta e deliberadamente produtivas das políticas sociais.
Aí a experimentação foi com políticas voltadas para a população
enquanto “fator produtivo”, cuja “quantidade e qualidade” seria necessá-
rio promover: educação universal em todos os níveis, creches, licenças,
imposto de renda individualizado, saúde universal, políticas passivas e
ativas de mercado de trabalho — os termos entre aspas são de Gunnar
Myrdal, artífice, juntamente com Alva Myrdal, das políticas sociais pro-
dutivas suecas da década de 1930 (Morel, Palier & Palme, 2012). O que
se visava era a reprodução da população, ampliar sua capacidade produ-
tiva e viabilizar o emprego feminino. Portanto, foram as mulheres as
principais beneficiárias diretas desse processo, pois com a externalização
dos cuidados e a segurança proporcionada pelas prestações familiares e
licenças, puderam almejar independência econômica e aspirar a conciliar
várias trajetórias de realização pessoal com a vida familiar. De um modo
geral, a população pôde aceder a um conjunto de serviços sociais universais
de qualidade que diretamente incidiram sobre o seu nível de bem-estar e
reduziram fortemente desigualdades econômicas e sociais, enquanto o
emprego feminino crescia. Na verdade, o autosserviço doméstico de cui-
dados que inibia o emprego feminino foi substituído pelos serviços ex-
ternos que, se em boa parte ainda eram executados por mulheres, o eram
sob proteção social, fora do jugo de hierarquias familiares e com pers-
pectivas de realização profissional. O grande Estado do bem-estar nór-
dico, que se tornou então um gigantesco empregador, se revelou uma
intervenção pública de rematado sucesso econômico e social, estabelecida
com base em políticas sociais amplamente concertadas.
Um exame detido do caso sueco permite deslindar a utilização do
que chamei em outro trabalho de “políticas sociais economicamente orien-
tadas” e “políticas econômicas socialmente orientadas” (Kerstenetzky, 2012,
cap. 3), em que as interações entre realizações sociais e desempenho
econômico se encontravam firmemente entrelaçadas. O exemplo clássico
é o Plano “Rehn-Meidner” de desenvolvimento, de 1951, que de algum
modo permaneceu como orientação de políticas sociais e macroeconô-
micas durante boa parte do pós-guerra sueco. Ao lado de uma política

261
anti-inflacionária que simultaneamente mirava o crescimento, o pleno
emprego e a equidade, foram concebidas políticas sociais voltadas para
os mesmos objetivos simultâneos. E a eficácia dessas medidas se verificou
pelo menos até os anos 1970, mas seus objetivos se institucionalizaram
nas décadas seguintes e modularam as muitas adaptações das políticas
públicas que se seguiram. O tipo de interação então proposto entre políti-
cas econômicas e sociais acrescenta, ao mencionado problema de um
modelo de desenvolvimento ser mais inclusivo que o outro, um ângulo
de interesse adicional: a extensão em que o modelo de desenvolvimento
mobiliza a política social para a produção de recursos que a sustentariam,
bem como a extensão em que eventuais danos colaterais da política econô-
mica podem ser moderados por ela mesma (Kerstenetzky, 2012, cap. 3).
Em décadas recentes, na tradição dos Myrdal, a “perspectiva do in-
vestimento social” na literatura sobre o Estado do bem-estar tem reivindi-
cado um lugar alternativo para a política social dentro do orçamento
público, não como custo corrente, o lugar convencional, mas como inves-
timento com retorno econômico positivo, já que incrementa a participação
econômica e a capacidade produtiva da população (Morel et al., op. cit.).
Medidas como políticas ativas de mercado de trabalho, envolvendo finan-
ciamento e provisão públicos de qualificação e requalificação efetivamente
promotoras de habilidades (upskilling), educação ao longo da vida, creches
e educação infantil, cuidados externos para idosos e licenças parentais
têm sido enquadradas como investimento social que, partindo de uma
plataforma de igualdade efetiva de oportunidades econômicas e sociais,
replica a igualdade da partida nos resultados finais da intervenção pública.1
A política social é, contudo, um campo fortemente disputado entre
diferentes visões, mais universalistas ou mais residualistas, concedendo
maior ou menor centralidade ao tema da redistribuição. Nesse sentido, o
termo investimento social foi apropriado por diferentes comunidades
epistêmico-normativas, incluindo formulações neoliberais e da terceira
via britância, variantes do chamado workfare ou welfare to work (Kerste-
netzky, 2014b). Aqui nos ateremos à concepção de investimento social
que tem se revelado na prática a mais bem-sucedida na promoção de
igualdade social e econômica, a versão da social-democracia do norte da
Europa. De fato, os indicadores econômicos (desemprego, emprego total,

1 Cálculos de retornos econômicos dessas políticas têm sido reportados na literatura,


notadamente das políticas de creches e educação infantil. Ver Kerstenetzky, 2012, cap. 5.

262
emprego feminino, crescimento) e sociais (pobreza, desigualdades,
equidade de gênero) desse experimento se destacam positivamente.2
Nos dois casos paradigmáticos aqui mencionados, mediados ou
não pelo crescimento, a forma de Estado que facilitou o processo de
desenvolvimento foi o Estado de bem-estar, enfeixando políticas sociais,
políticas econômicas e práticas democráticas (Kerstenetzky & Kerste-
netzky, 2013). Em virtude de sua orientação finalista, a política social foi
veículo para o desenvolvimento. Mas a breve análise, sobretudo dos pro-
cessos mediados pelo crescimento, deixa igualmente entrever que a polí-
tica social teve incidência direta, não apenas colateral, sobre sua própria
sustentabilidade material, via os mecanismos institucionais de adaptação
e ajustamento às circunstâncias que criou, assim como os seus efeitos
econômicos, a consciência dos quais fez avançar de modo deliberado seu
componente produtivista. Evidentemente que um tal resultado interessa
vivamente a um país menos desenvolvido e com profundas desigualdades
econômicas e de bem-estar como o Brasil.

O caso brasileiro em perspectiva

Se há um indicador inconteste do subdesenvolvimento brasileiro este é a


desigualdade, o principal obstáculo para a expansão universal de liberda-
des reais dos cidadãos do País: não é o tamanho da economia, entre as
oito maiores do mundo, nem a renda média, entre os países de renda
médio-alta, nem o IDH, relativamente elevado (posição 85 entre 197
países, em 2012). Enquanto a desigualdade de renda nos posiciona entre
os dez países mais desiguais do mundo, nosso índice de desenvolvimento
humano ajustado pela desigualdade de realizações em renda, educação e
longevidade nos projeta para a posição 97. No contexto mundial, a supe-
ração do nosso atraso, nosso catch up social, sugere o aprendizado com a
experiência internacional, explorando, evidentemente, as vantagens do
retardatário. Uma dessas vantagens é o conhecimento, graças à experiên-
cia histórica de outros países, de que a questão do subdesenvolvimento
econômico que poderia se constituir em um impedimento para a política
social pode militar em seu favor: a política social coevoluiu com o desen-
volvimento de países hoje desenvolvidos.

2 Ver Kerstenetzky, 2012, cap.5, para uma comparação entre países e regimes de
Estado social.

263
Explorar as vantagens do retardatário consiste ainda em desenvol-
ver políticas de última geração, sempre com o benefício do aprendizado
de outros países, em particular observando uma dupla determinação: o
potencial produtivo da política social e seu potencial de produzir con-
senso político facilitador da redistribuição por meio da universalização
do uso de bens públicos sociais. Seja via sua contribuição para o cresci-
mento ou sua influência sobre a produção de consensos pró-redistribuição,
a política social estaria colaborando na geração de recursos que a finan-
ciem, portanto em sua sustentabilidade. E dado que a política social se
supõe como a intercessão necessária entre recursos disponíveis e a ga-
rantia de bem-estar e igualdade social, indicador finalista de desenvolvi-
mento, se cumpriria sua vocação desenvolvimentista.
Nas últimas décadas, o contexto em que se produzem as desigualda-
des se globalizou espantosamente: desenvolvidos ou não, os países globa-
lizados se confrontam com pressões similares, tais como reestruturações
produtivas intensas, terciarização e financeirização de suas economias,
desemprego duradouro e mercados de trabalho instáveis, envelhecimento
das populações (combinando maior longevidade com menores taxas de
fecundidade), alterações profundas nas estruturas familiares e nos sistemas
tradicionais de cuidado. Embora sigam identificáveis os riscos sociais pró-
prios ao subdesenvolvimento, como os mercados de trabalho informais e a
concentração excessiva da propriedade de diferentes formas de riqueza,
acompanhados das economias políticas que os sustentam, de certo modo
as dinâmicas socioeconômicas recentes estão contaminando com as mes-
mas afecções também o mundo desenvolvido. Hoje, formas menos seguras
de trabalho, temporário e instável, colocando em risco a segurança econô-
mica de trabalhadores com contribuições irregulares e insuficientes à
previdência, irmana muitos dos trabalhadores de países desenvolvidos
com os seus equivalentes “informais” no chamado Sul Global; dinâmicas
como a financeirização das economias estão em toda parte aumentando a
concentração de renda e riqueza nos 1% mais ricos. Como consequência,
os problemas sociais e desigualdades têm aumentado, convocando os Es-
tados do bem-estar a um esforço fiscal-redistributivo cada vez maior. Nes-
se cenário, a experiência nórdica se destaca, um experimento de redistribuição
que se singulariza não apenas por transferências públicas universais como,
e especialmente, pela provisão de serviços sociais públicos universais.
O experimento nórdico já foi descrito de várias maneiras e é natu-
ral que nossa apreensão do fenômeno se altere com as lentes com que o

264
examinamos. Sem nenhuma pretensão totalizante, gostaria de oferecer a
minha perspectiva, a partir do recorte específico desse texto: política
social desenvolvimentista.
A expressão contém duas variáveis: política social e desenvolvi-
mento. Caracterizando o desenvolvimento como expansão da liberdade
de realização humana, contração entre vários ingredientes dessa liberda-
de e igualdade em sua distribuição, e a política social como intervenção
promotora de liberdade real mas igualmente comprometida com sua pró-
pria sustentabilidade, é possível enquadrar a experiência nórdica como,
no geral, e sempre em termos relativos, bem-sucedida na promoção au-
tossustentável de liberdades reais. De fato, o conjunto de políticas sociais
adotadas tem sido capaz de ampliar o bem-estar reduzindo significativa-
mente desigualdades econômicas e sociais de um modo conducente ao
seu crescimento econômico e financiamento progressivo.3 Já se observou
nesses países a prevalência de um modelo de crescimento induzido pela
inovação (innovation-led growth, Boyer, 2012) que, em contraste com o
modelo americano (ou o que ele já foi em algum momento), faz a inovação
descansar sobre o pressuposto da segurança econômica e social (não do
acicate do medo), além de em investimentos públicos elevados em edu-
cação ao longo da vida, desde a educação infantil à continuada na vida
adulta, e em qualificação e requalificação da força de trabalho. Ou seja, o
Estado desenvolvimentista foi o Welfare State. Além disso, o fato de a
provisão de serviços ser universal, incluindo todos os cidadãos a despeito
de sua renda, tem facilitado seu financiamento progressivo apoiado em
elevada carga tributária, com expressiva participação de impostos diretos.
Um dos aspectos mais interessantes do experimento foi a explora-
ção deliberada do caráter multifuncional da política social — precedida
de lento aprendizado, sujeito a tentativas, erros e ajustamentos ao longo
do tempo. Por exemplo, a conhecida ênfase na provisão de serviços de
cuidados, que destaca esses países no universo dos países economica-
mente avançados, possibilitou o emprego feminino, a redução da pobreza

3 Constitui um tópico de pesquisa interessante entender a origem da crença, mais


ou menos explícita, de que a política social nórdica é boa (apenas) para os nórdicos, uma
vez que convicção equivalente não se difundiu entre os estudiosos do desenvolvimento
econômico que se dedicavam ao modelo alemão, japonês ou coreano como templates a serem
replicados. De todo modo, a ela deve ser creditado boa parte do atraso em nosso aprendi-
zado de tecnologias sociais efetivas, incluído o entendimento do que é ou não replicável
por aqui.

265
infantil, a redução da desigualdade de gênero, o desenvolvimento infan-
til, a redução das desigualdades econômicas intergeracionais, a retomada
de taxas de fecundidade de reposição. De um modo geral, é provável que
a ênfase precoce em uma ampla gama de serviços sociais públicos uni-
versais de qualidade seja a principal responsável pelo sucesso redistributivo
do modelo nórdico. De fato, enquanto a univesalização da educação na
Europa não impediu o crescimento das desigualdades, entre os países
nórdicos, a redução das desigualdades via educação pública se associou
aos esforços de provisão universal de educação infantil de qualidade
(Esping-Andersen, 2009), a qual teria atuado para suavizar o impacto
dos desiguais ambientes familiares. Comparativamente, esses foram os
países que exibiram o menor índice de transmissão intergeracional de
desigualdades; a incidência da educação infantil nesse processo foi bem
documentada.
Além da desfamiliarização dos cuidados, políticas de fortalecimento
do mercado de trabalho, visando ao nível de emprego, à qualidade das
posições ofertadas e ao nível dos salários, sustentaram a participação
econômica com segurança social e equidade e, no limite, inibiram o
florescimento de um mercado de trabalho, acoplado ao setor de serviços
ao consumidor, caracterizado por baixos salários, inserção precária e au-
sência de perspectivas. Aqui o destaque foram as políticas nórdicas de
mercado de trabalho ativo (que no caso sueco foram de iniciativa dos
sindicatos e no dinamarquês resultaram de intensa negociação com estes)
que, em diferentes fases do ciclo, assumiram alternadamente aspectos
mais de gestão de “demanda” ou de “oferta”: em crises e recessões, foram
as políticas de ocupação que se destacaram; em fase de aquecimento, as
políticas de qualificação. Em qualquer momento, dada a saliência da
“economia do conhecimento”, políticas de qualificação e requalificação
de longo prazo têm sido cruciais para acompanhar transições entre empre-
gos, entre emprego e desemprego, e entre educação e trabalho, preservando
ou diretamente promovendo capacidade produtiva. Beneficiários especiais
desse processo foram os jovens, as mulheres e os idosos, estratos particu-
larmente vulneráveis nos mercados de trabalho contemporâneos. É im-
portante lembrar que essas políticas têm acopla-do um componente de
sustentação de renda, na ausência do qual pode-ria prevalecer o impacto
negativo, descapacitante, das malfadadas políticas ativas do tipo “work
first”, prevalecentes nos Estados Unidos e no Reino Unido.

266
Em sua totalidade, a gigantesca provisão pública de serviços, que
inclui não apenas estes voltados para os novos riscos sociais, afeta o mer-
cado de trabalho, respondendo por algo entre um quinto e um terço do
emprego total nesses países.
Contra esse pano de fundo podemos examinar a experiência brasi-
leira em matéria de política social. Durante muitas décadas, sobretudo
ao longo da vigência do modelo de industrialização por substituição de
importações, aderimos ao paradigma compensatório, da política social
passiva. Nos anos 1980 e início dos anos 1990 avançamos com a pers-
pectiva dos direitos sociais, que reconhece maior autonomia ao campo
próprio às políticas sociais, graças ao ímpeto da nova Constituição. Uma
combinação de política passiva e avanço de direitos marca o período
sucessivo, entre meados dos anos 1990 e início dos anos 2000. A pers-
pectiva das políticas sociais economicamente orientadas (Pseo) e das po-
líticas econômicas socialmente orientadas (Peso) se tornou uma estraté-
gia desenvolvimentista a orientar a ação estatal apenas recentemente, em
meados dos anos 2000 (Kerstenetzky, 2012). Assim mesmo, em uma
avaliação sintética, o subconjunto de políticas de redistribuição de renda
avançou bem mais que o subconjunto do investimento social — avança-
mos mais na linha “Beveridge” que na linha “Myrdal”.
De fato, os avanços recentes obtidos pelo Brasil em matéria de
redução da desigualdade e da pobreza se calcaram fortemente em uma
vertente de Pseo e Peso. A ampliação significativa das transferências pú-
blicas (programas de renda e previdência não contributiva) em combina-
ção com a política governamental de valorização do salário mínimo re-
presentou em termos macroeconômicos um estímulo à demanda agregada,
levando alguns a alcunhar o modelo recente de crescimento como con-
duzido pela demanda de consumo doméstico (demand-led growth ou,
mais propriamente, wage-led growth) — uma aposta que gerou conheci-
dos resultados em termos de redução da pobreza e das desigualdades.
Em outro trabalho, chamei o experimento de “crescimento redistributivo”
(Kerstenetzky, 2014).4 Alguns indicadores do sucesso brasileiro encon-
tram-se resumidos no Gráfico 1 (Anexo).
4 Observo apenas que, a despeito do incremento das transferências, ainda estamos
distantes da universalização beveridgiana da proteção social, o aspecto talvez mais genui-
namente beveridgiano do experimento recente tendo sido a efetivação de um mínimo
social, sob a política de valorização do salário mínimo.

267
Por outro lado, ao lado da exploração dos efeitos econômicos da
política social — expansão da renda e do produto, do emprego formal5
e do consumo privado — o experimento incluiu também alguma expe-
rimentação com políticas econômicas socialmente orientadas, como
testemunham a expansão do crédito consignado e direcionado (casa
própria e agricultura familiar), a ênfase explícita na redução da taxa bá-
sica de juros, tarifas sociais de energia, investimentos em infraestrutu-
ra social.
Todo esse esforço contudo passou praticamente ao largo da expan-
são dos serviços sociais públicos e, portanto, da “vertente Myrdal” de
política social (ver Gráfico 2, Anexo). E contudo, é possível argumentar
que em virtude da evidente carência desses serviços, o investimento nessa
direção supriria necessidades de bem-estar ao mesmo tempo em que
incorporaria a dimensão de investimento social a que nos referimos na
seção anterior — e que ficou associada à invenção Myrdal. Representan-
do sua expansão também um incremento significativo do emprego pú-
blico, no Brasil (12% do emprego total) ainda abaixo da média mesmo
de um país de tradição liberal como os EUA (14%), a ênfase em serviços
importaria em não desprezível manejo público seja da demanda seja da
oferta agregadas: gasto público que aposta na qualidade produtiva da
população no longo prazo. Certamente que essas iniciativas não pode-
riam se confinar exclusivamente aos gastos clássicos em educação e saú-
de, mas teriam de igualmente responder aos novos riscos sociais associa-
dos ao envelhecimento populacional, com a fragilização das famílias e
crescente precarização dos mercados de trabalho, incorporando o que se
aprendeu com a experiência dos pioneiros (as vantagens do retardatário).
Ou seja, trata-se de desenvolver políticas sociais de última geração, como
a provisão universal e de qualidade de serviços de cuidado e políticas
ativas de mercado de trabalho — o Estado assumindo os riscos de um
investimento cujos frutos deverão ser colhidos por todos.
Evidentemente, essa aposta tem seus próprios riscos já que exigi-
rá uma injeção substancial de recursos nos nossos subfinanciados ser-

5 Castro et al. (2011) calcularam o efeito mutiplicador de renda e de produto de


várias políticas sociais, todos superiores a 1, chegando mesmo a superar, em educação e
saúde, os efeitos de investimentos em construção civil e exportação de commodities, os
quais, ao contrário dos primeiros, pouco reduzem as desigualdades. Souto (2013) documen-
ta associação importante entre transferências do Bolsa Família e crescimento do emprego
formal em municípios brasileiros.

268
viços e em outros mais e, portanto, esforço fiscal adicional. Politicamente,
e hipoteticamente, tal esforço poderia ser feito, como o foi nos casos
internacionais bem-sucedidos, pela atração da classe média para o consu-
mo comum de bens públicos sociais de qualidade (algo a que, pelo me-
nos em surveys de opinião, ela não se mostraria completamente avessa).6

Conclusão

Neste capítulo pretendi explorar o caráter intrinsecamente desenvolvi-


mentista da política social, seja em um modelo de desenvolvimento me-
diado pelo crescimento seja na ausência deste, mas a ênfase recaiu no
primeiro caso. Não pretendi com isso advogar a exclusividade da política
social como política desenvolvimentista, longe disso. Nesse sentido, as
ideias aqui apresentadas podem muito bem aderir a estragégias desenvol-
vimentistas com outros ingredientes, como políticas industriais ou setoriais
e políticas de inovação. Foi meu objetivo ressaltar a incidência direta da
política social não apenas sobre a demanda agregada, de que nos dá farto
exemplo a experiência europeia do pós-guerra, mas sobre uma estratégia
que contempla a centralidade da inovação tecnológica no desenvolvi-
mento capitalista contemporâneo, experiência de um pequeno grupo de
países europeus que se destacam por seus indicadores econômicos e so-
ciais, em particular os mais baixos índices de desigualdades. Essas pro-
priedades da política social não têm sido adequadamente apreciadas, seja
na literatura canônica da política social, seja na literatura desenvolvimen-
tista; este texto pretende chamar a atenção para a necessidade de preen-
cher essa lacuna. Igualmente, procurei indicar que a política social é
parte integrante e central da economia política do desenvolvimento, campo
onde agentes e seus projetos se confrontam reagindo a (ou mais ousa-
damente inventando) circunstâncias.
Quanto ao caso brasileiro, embora seja possível detectar na prática
das políticas públicas recentes ambições desenvolvimentistas atreladas
ao desenvolvimento da política social, observa-se que nossa experiência
fica ainda a dever no que se refere à exploração de um manancial de
oportunidades constituído pela demanda reprimida de bem-estar e serviços
sociais. O que este texto procurou enfatizar é que enquanto concorre

6 Lavinas et al., 2012.

269
para a efetivação de direitos sociais, a provisão de uma ampla gama de
serviços sociais públicos universais de qualidade ajuda a cimentar o con-
senso politico necessário à sua construção ao mesmo tempo em que cola-
bora para o crescimento econômico e sua própria sustentabilidade fiscal.

Anexo

Gráfico 1. Brasil: indicadores

Gráfico 2. Evolução do Gasto Social por Função: 1988-2008

270
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272
DILEMAS E DESAFIOS DO ESTADO SOCIAL
BRASILEIRO MO SÉCULO XXI

ARNALDO PROVASI LANZARA


RODRIGO CANTU

S EGUINDO A CLÁSSICA INTERPRETAÇÃO DE Barrington Moore Jr. a


respeito do papel dos interesses agrários nos processos de moderni-
zação capitalista, a análise de Gosta Esping-Andersen demonstra que o
êxito da social-democracia escandinava dependeu de uma aliança de classes
(operária e agrária) que, na primeira metade do século XX, mostrou-se
crucial para a construção do Estado Social. Mais tarde, com o enfraque-
cimento dos partidos agrários, a social-democracia deslocou seu espec-
tro de alianças para os setores médios, sem perder o apoio central do
movimento operário, o que possibilitou a formação de uma sólida “coa-
lizão de assalariados” estruturada em torno das políticas de seguridade e
de proteção do trabalho.1 Retomamos essa narrativa já bastante conhe-
cida para começar com o seguinte ponto: independentemente de sua
“idealização”, a social-democracia “fabricou” sua própria classe.
No caso brasileiro, o desenvolvimento capitalista periférico pro-
vocou uma hipertrofia dos fatores sociais e políticos da dominação
burguesa, em consonância com a depressão medular do valor do traba-
lho assalariado.2 Entretanto, as condições pouco propícias à formação
de grandes partidos de massa da classe operária não impediram que no
Brasil se produzisse uma forte cultura reformista. A despeito da ex-
cepcionalidade dos países escandinavos, dificilmente generalizável para os
países da periferia do capitalismo, não se pode negar que mesmo nos

1 Cf. Esping-Andersen (1985).


2 Cf. Fernandes (2006).

273
países latino-americanos as reformas sociais conduzidas pelo Estado le-
varam a importantes conjunturas transformadoras do social.
No Brasil, em uma primeira conjuntura crítica, o poder da domi-
nação oligárquica baseada na agricultura de exportação foi enfraquecido
a partir da década de 1930 num primeiro impulso industrializante e
mobilizador das categorias de trabalhadores mais centrais ao capitalis-
mo industrial nascente. Nas décadas de 1960-70, em uma segunda con-
juntura desse tipo, um novo impulso industrializante foi levado a cabo
pela ditadura militar (1964-1985). A modernização econômica (conser-
vadora) transformou a sociedade brasileira de tal modo que o controle
pelo governo autoritário se tornou cada vez menos eficaz, desmoronando
no início da década de 1980. Uma terceira fase começa com a redemo-
cratização ao longo da década de 1980 e com a promulgação de uma
nova Constituição em 1988. Essa fase atinge talvez seu momento crítico
na década de 2000, com a conjunção de vários processos, a saber: 1) a
eleição de um governo de centro-esquerda, titubeante entre perseguir
uma agenda política mais centrada no reformismo social ou em dar con-
tinuidade às políticas de ajuste fiscal; 2) a retomada do crescimento eco-
nômico e a recuperação do salário mínimo e da previdência social como
eixos estruturantes da proteção social; 3) a criação de programas de trans-
ferência de renda que, apesar de falhos e de não se constituírem como
um direito social, penetraram pela primeira vez nos territórios da extre-
ma pobreza, gerando consequências não antecipadas no que se refere às
expectativas dos grupos mais vulneráveis quanto à sua efetiva integração,
ao menos na comunidade política.
Pela primeira vez a população em condições de extrema pobreza
conheceu a ação da “mão esquerda do Estado” (para usar o termo do
sociólogo Pierre Bourdieu). Somados aos outros dois fatores menciona-
dos, o Brasil vivenciou uma década de certa prosperidade, de diminuição
da pobreza e das desigualdades. O padrão do gasto social se alterou por
volta de 2004, numa trajetória de crescimento constante desde então —
passando do patamar de 17,6% em 1990 para 27% em 2009. Não obstante,
essa onda transformadora teve de abrir caminho por uma realidade onde
a inclinação privatista da proteção social é bastante arraigada e onde a
rejeição das elites com relação à incorporação de demandas populares
ainda é vigorosa. Sem conseguir desmobilizar os velhos sedimentos de
privatismo e de elitismo, os desenvolvimentos da década de 2000 coloca-
ram, porém, o Brasil diante de novos desafios com relação a seu futuro.

274
O objetivo do presente texto é examinar a mudança da política social no
Brasil recente e a consequente transformação da sociedade por ela en-
gendrada, colocando a questão do momento relativamente indeterminado
que o País enfrenta com relação ao devir de seu Estado social.
O texto está organizado da seguinte forma. Uma primeira parte
discute os diferentes “regimes de bem-estar” ante a realidade do capita-
lismo periférico e levanta algumas questões principais sobre o desenvol-
vimento do Estado social no Brasil. Uma segunda parte examina quatro
áreas da política social: o sistema fiscal e sua relação com a seguridade
social; o mercado de trabalho e a previdência social; a área da saúde; os
programas de transferência de renda. Encerramos o artigo com algumas
considerações acerca dos desafios colocados pelo contexto atual do País.

1. Onde situar o Brasil nas tipologias


de regimes de bem-estar?

Parte da literatura sobre os “regimes de bem-estar” pauta suas análises


nos modelos tipológicos elaborados por Esping-Andersen (1990) cujo
cerne são os conhecidos regimes social-democrata, conservador-corporativo
e residual-liberal. Um problema recorrente da teoria sobre os “regimes
de bem-estar” é sua incapacidade de concordar com algumas situações
que tipificam as sociedades periféricas. Um dos erros mais frequentes
refere-se à excessiva alteridade com a qual alguns estudiosos do tema em
questão, na periferia, analisam suas respectivas realidades manifestando
um certo “espelhismo” — uma vontade de ser o “Próspero”’ segundo a
célebre formulação de Richard Morse.3 Grosso modo, o equívoco aqui
consiste em buscar em sociedades estruturalmente desiguais os indícios
que as habilitem a se transformar em virtuais candidatas à “Suécia dos
trópicos”. Além disso, sociedades que possuem amplos segmentos da
força de trabalho na informalidade, e nas quais os índices de privação
absoluta erigiram consideráveis barreiras à ação coletiva organizada, são
acriticamente enquadradas nos modelos tipológicos de países constitutivos
de uma “sociedade salarial” (Castel, 1998).
Diante desses equívocos, alguns autores vêm reconceituando a no-
ção de “regimes de bem-estar” de acordo com a variabilidade contextual

3 Cf. Morse (1988).

275
das desigualdades (Doyal & Gough, 1991; Gough & Wood, 2004).
Esses trabalhos chamam a atenção para o fato de algumas sociedades
situadas nas zonas periféricas se encontrarem muito aquém do processo
de institucionalização de “mínimos sociais civilizatórios” que caracterizou
o advento do Estado social nas regiões centrais. Ao conceituar as es-
pecificidades dos “regimes de bem-estar” nas sociedades periféricas, Ian
Gough (2004) dirige algumas críticas aos modelos tipológicos conven-
cionais derivados da classificação feita por Esping-Andersen (1990),
sobretudo no que se refere a uma inadequação para classificar sociedades
que não compartilham das mesmas características estruturais e orga-
nizativas dos chamados “Welfare States centrais” (Gough, 2004).
O êxito de uma perspectiva do tipo “regime de bem-estar” de modo
algum depende exclusivamente de elaborações “tipo ideais”, supostamente
aplicáveis a sociedades estruturalmente distintas. No contexto latino-ame-
ricano, os padrões setoriais de organização da política social destoam
significantemente, o que torna a tarefa taxionômica excessivamente com-
plexa e até mesmo a priva de sentido.
O exemplo brasileiro é emblemático para exprimir a complexidade
que caracteriza os sistemas de proteção social na América Latina. A
sociedade brasileira construiu seu imaginário em torno de uma “sociedade
do trabalho”, mas a construção das suas proteções ficou aquém das ex-
pectativas projetadas (Cardoso, 2010). As proteções sociais não foram
capazes de suplantar os efeitos desiguais que partiam de uma estrutura
produtiva heterogênea e marcada por setores que exibiam diferentes ní-
veis de produtividade. As situações precárias de trabalho permaneceram
inalteradas, criando um fenômeno de “subemprego estrutural” que con-
tribuiu para ofuscar o desenvolvimento de uma sociedade baseada na
generalização do trabalho assalariado e protegido.
Em função dessa heterogeneidade e da prática dilatória do Estado
em estender as proteções a toda comunidade nacional, as políticas sociais
daí estabelecidas tiveram de conviver com uma acentuada tendência pri-
vatista de empresariamento das suas funções de provisão — e não se deve
confundir tal tendência com os processos mais recentes de “privatização”,
mas, fundamentalmente, a partir das sempre presentes estratégias em-
presariais e individuais de subversão dos arranjos coletivos de proteção.
No Brasil, o acesso precário dos cidadãos aos serviços públicos essen-
ciais esteve sempre associado à furtiva tendência de alguns grupos sociais
em buscar redes privadas para suprirem-se desses serviços. Tais serviços

276
sempre careceram do elemento de “voz”, conforme os termos colocados
por Hirschman (1970), e a “saída” nunca foi propriamente uma “alterna-
tiva”, tornando-se, na verdade, um fenômeno constante e pertinente ao
dilatado espaço privatizado da cidadania. Exceções à regra foram alguns
poucos arranjos públicos de proteção que, apoiados na força de trabalho
organizada e nas burocracias estatais, puderam assim se vertebrar social
e politicamente.
A expressão desse processo ambíguo que deu ensejo à construção
do Estado social no Brasil foi definida por Wanderley Guilherme dos
Santos (1979), através do conceito de “cidadania regulada” — conceito
esse que por sua generalidade pode ser ampliado para abarcar todas as
situações históricas nas quais os direitos sociais surgiram imbricados à
noção de ocupação. Esse conceito não traz nenhuma novidade em si
mesmo, visto que a maioria dos países que organizaram arranjos públi-
cos e estatutários de proteção seguiu critérios ocupacionais na concessão
dos direitos sociais de cidadania, incluindo primeiramente as categorias
de trabalhadores urbanos mais mobilizadas e/ou centrais ao processo
acumulativo. Mas o que Santos (1979) quer chamar a atenção é para o
modo peculiar mediante o qual as elites estatais brasileiras se apodera-
ram do artifício da regulação da cidadania para criar as condições de
institucionalização das políticas sociais no País. A “cidadania regulada”
seria, portanto, mais um dos tantos artifícios que essas elites se utiliza-
ram para resolver os problemas da constituição da ordem dos direitos
sociais — da construção do Estado social — numa sociedade organiza-
cionalmente rarefeita e estruturalmente desigual. Daí o particular modo
de operação da gestão regulada da conflitividade social na realidade bra-
sileira, ao criar “pelo alto” as condições para a emergência dos direitos
sociais e ao regular paulatina e categoricamente os grupos credenciados
a participar do universo desses direitos.
Ao contrário dos países nos quais os direitos de proteção nasceram
fortemente imbricados à maior densidade social dos sindicatos, no Brasil
a ausência dessa densidade fez com que o direito do trabalho e os segu-
ros sociais criados pelo Estado corporativo desempenhassem os papéis
ativadores de uma espécie de “luta de classes institucionalizada no capi-
talismo”.4 Esse processo no Brasil, guardando as devidas e grandes dife-
renças, deu-se de um modo distinto, com as regulações do direito do

4 Cf. Korpi (1983).

277
trabalho e das proteções organizando lentamente as forças estruturantes
do mundo do trabalho, o que gerou algumas consequências positivas
para a consolidação dos estatutos de proteção social no País.
O caráter estatutário da cidadania social trazia as possibilidades do
seu próprio alargamento cívico, ao criar nos grupos não incluídos as
expectativas de serem inscritos no conjunto de proteções que o Estado
brasileiro havia instituído em torno do trabalho urbano assalariado (Car-
doso, 2010). Mas ao legislar exclusivamente para os setores urbanos, o
Estado social que emergiu no Brasil, após a Revolução de 1930 e a
ascensão de Getúlio Vargas ao poder, teve de contemporizar com as eli-
tes agrárias, franqueando a elas o destino das massas rurais. Ademais, a
cidadania regulada acabou se revelando excessivamente plástica ao pro-
cesso acumulativo. As políticas econômicas durante o período desenvol-
vimentista se desvincularam das pressões populares, tanto urbanas quan-
to rurais, e o caráter excludente do crescimento com base no capital
privado, associado ou nacional, tornou muito lenta a transfiguração da
ordem social por intermédio das políticas sociais do Estado. A faceta
perversa da “cidadania regulada” se revelaria durante o regime autoritá-
rio de 1964-1985, que se por um lado foi estatizante na economia, por
outro foi extremamente privatista em matéria de política social e prote-
ção do trabalho. Apesar de ter unificado os benefícios do seguro social
para as diversas categorias profissionais, em 1966, criando uma agência
centralizada de coordenação das políticas sociais, o Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS), esse regime foi responsável por acabar, no
mesmo ano, com uma das criações mais originais do direito social brasi-
leiro: o estatuto da estabilidade do trabalhador no emprego.5
Seguindo um movimento de inclusão controlada das categorias
socioprofissionais, é somente em 1971, com o Funrural, que é concedido
aos trabalhadores rurais o benefício do seguro social contributivo —
embora de caráter bastante restrito se comparado aos benefícios destinados
5 A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943, estabelecida durante o
primeiro Governo Vargas (1930-1945), consagrou em seu texto o princípio da estabilida-
de no emprego, conferindo certa proteção ao trabalhador, ao penalizar as empresas que
demitissem sem justa causa. As indenizações cresciam em proporção ao tempo de serviço
na empresa; e, após dez anos, o trabalhador tornava-se estável. Em 1966, com o fim do
instituto da estabilidade, assiste-se à materialização do ideário do empregador. Este,
enfim, viu-se contemplado em seu objetivo, sempre perseguido, de limitar a duração dos
contratos de trabalho — o que lhe possibilitou a contratação de trabalho farto e ocasional,
tornando cada vez mais difícil a distinção entre o assalariado e o subempregado.

278
aos trabalhadores urbanos. Também a partir do início da década de 1970
outras categorias antes excluídas passaram a contar com alguma prote-
ção social do Estado, como os autônomos e os empregados domésticos
Contudo, no final da década de 1970 o Brasil começa a reverter sua
trajetória pregressa de desenvolvimento social, caminhando na contra-
mão dos movimentos globais de desconstrução do Estado social. Nesse
período, diversos atores políticos e sociais se articulam em torno de um
processo de mudanças, visando restabelecer a democracia e consagrar as
bases de um sistema de proteção social mais abrangente. O ponto culmi-
nante desse processo se deu com a promulgação da Constituição de 1988,
que além de ter resgatado a legitimidade do Estado democrático — após
o interlúdio autoritário de 1964-1985 — instituiu em seu texto um capí-
tulo inteiramente dedicado aos direitos de seguridade social. Com a nova
Constituição, a seguridade social passou a compreender um conjunto de
ações integradas destinadas a assegurar direitos sociais universais nos
campos da Previdência, Saúde e Assistência Social, independentemente
de vínculo contributivo. Como inovações institucionais, além do acesso
universal, a Constituição de 1988 consagrou o princípio da descentraliza-
ção das políticas sociais e introduziu o Orçamento da Seguridade Social
(OSS)6 integrado por recursos fiscais e contributivos próprios e vincula-
dos em princípio à programação pública da política social.7 Com o OSS
procurava-se assegurar fontes vinculadas de recursos para o financia-
mento permanente das políticas sociais e, ao mesmo tempo, garantir que
esses recursos não fossem capturados para outras finalidades, prática re-
corrente na história da política social brasileira (Fagnani, 2005).
É a partir desse período que as mudanças provocadas pelos proces-
sos de ampliação da participação política, junto dos avanços consagrados
pela Constituição, começam a promover uma nova “conjuntura crítica”
de consolidação de um Estado social mais redistributivo. Essa conjuntu-
ra, entretanto, é marcada por uma conturbada trajetória da Seguridade

6 Do ponto de vista orçamentário, a Constituição brasileira definiu, no seu artigo


165, para as três esferas de Governo, que a Lei Orçamentária Anual (LOA) será composta
pelo Orçamento Fiscal, pelo Orçamento de Investimentos das Empresas Estatais e pelo
orçamento da seguridade social.
7 Recursos provenientes dos orçamentos da União, do Distrito Federal, dos esta-
dos e dos municípios. Contribuições dos trabalhadores e empregadores sobre a folha de
salários, contribuições sobre o lucro e faturamento das empresas, além de outras fontes,
como as decorrentes da receita dos concursos de prognósticos (loterias).

279
Social. Não resta dúvida que, nos últimos anos, a expressiva extensão da
cobertura das políticas pertinentes à seguridade (saúde, previdência e
assistência social), impactou positivamente as condições de vida da po-
pulação. Mas essa mesma conjuntura vem sendo constrangida por um
conjunto de propostas e iniciativas visando limitar a atuação do Estado
no campo social, persistindo relevantes desafios para a consolidação e
desenvolvimento da Seguridade Social no País. Passamos agora ao exa-
me de transformações em áreas-chave da proteção social a fim de enten-
der melhor a abertura desse novo contexto crítico e suas contradições.

Tributação, mercado de trabalho e proteção social:


mudanças e continuidades

S ISTEMA FISCAL E PROTEÇÃO SOCIAL

Nessa seção, procuramos abordar três questões: a organização do


financiamento da seguridade social, o poder fiscal do Estado brasileiro e
a estrutura (progressiva ou regressiva) de sua tributação. Quanto ao fi-
nanciamento da política social, é preciso destacar uma importante inova-
ção da Constituição de 1988: a criação de um Orçamento da Seguridade
Social (OSS), separado do orçamento fiscal. No processo de redemocra-
tização ao longo da década de 1980, a questão da política social marcou
continuamente a agenda de transformações em curso. Além de ampliar
os direitos sociais garantidos na Carta Magna, a Assembleia Constituin-
te buscou dotar a seguridade de fontes de financiamento sustentáveis.
Como resultado, estabeleceu-se um mecanismo clássico de financiamento
do Estado social, um orçamento da seguridade vinculando constitucio-
nalmente recursos contributivos de empregados e empregadores, bem
como recursos fiscais do governo.8
Financiando saúde, previdência e assistência social, o OSS é uma
peça-chave para entender a política social brasileira. Três desafios se

8 Em 2011, o orçamento da seguridade social representou 37,15% de toda arreca-


dação do Estado (Receita Federal, 2012). Além das contribuições previdenciárias de
empregados e empregadores, o orçamento conta com os recursos da Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade (Cofins)
e parte do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio
do Servidor Público (Pasep).

280
colocam atualmente ao financiamento da seguridade social em particu-
lar. O primeiro é a drenagem de recursos por desvinculações orçamentá-
rias. Iniciadas em 1994 para fazer frente ao pagamento da dívida pública,
as desvinculações vêm sendo renovadas por emendas constitucionais desde
então. Em 2011, a Desvinculação de Receitas da União (DRU) — sua
denominação atual — retirou R$52,6 bilhões do orçamento da previdên-
cia, ou seja, aproximadamente 10% de todo esse orçamento. Esses recursos
passam a ser livremente utilizados como se pertencessem ao orçamento
fiscal. As desonerações fiscais dos últimos anos constituem um segundo
desafio (Anfip, 2012, pp. 27-8). A intensificação das renúncias tributárias
no Governo Dilma Rousseff pode ser exemplificada com a substituição
da contribuição do empregador de 20% sobre a folha de pagamento por
uma alíquota de 1% a 2% sobre o faturamento da empresa. Para ilustrar
o problema que tal política traz para o financiamento da seguridade: em
2011, o superávit da Previdência Urbana caiu R$21 bilhões por conta
das renúncias (Fagnani, 2012). Um terceiro desafio são as tentativas de
desconstitucionalização das fontes da seguridade. Desde sua promulga-
ção, seguidas tentativas foram feitas para retirar do repertório de leis
fundamentais a vinculação de recursos da seguridade (Fagnani, 2008).
Ao lado da própria DRU mencionada acima, a mais recente proposta de
reforma tributária — que fracassou em 2009 — serve como exemplo, ao
propor o fim das contribuições para a previdência (CSLL e Cofins).9
O poder fiscal do Estado brasileiro é ainda outro aspecto de inte-
resse, pois os Estados latino-americanos são tradicionalmente conside-
rados Estados fracos, especialmente por sua baixa capacidade arrecadatória.
Sem a mínima estruturação financeira, o Estado latino-americano seria,
assim, incapaz de responder às demandas da política social (Schrank,
2009). De modo geral, é possível destacar que, apesar de manter estrutu-
ra bastante regressiva, o Brasil inequivocamente “aprendeu a tributar” —
para responder à pergunta feita pelo economista Nicholas Kaldor (1963).
A Tabela 1 compara a evolução recente da carga tributária brasileira
com o restante da América Latina e com os países da OCDE. Não só a
arrecadação aumentou expressivamente ao longo dos últimos vinte anos
como também ela alcançou o nível dos países da OCDE como proporção
9 A Proposta de Emenda à Constituição 233/2008 previa o fim da CSLL e do
Cofins, introduzindo uma parte do Imposto de Renda como base para o financiamento da
seguridade. Essa modificação significaria o fim da diversidade das bases de financiamento
da seguridade social, princípio inscrito na Constituição Federal (Salvador, 2008).

281
do PIB. Nesse período, a arrecadação cresceu a uma taxa maior que a
economia. Ou seja, ela se tornou muito menos elástica ao crescimento
econômico, aumentando continuamente ao passo que a economia passou
por certos anos de baixo ou nenhum crescimento (Afonso & Meireles,
2006). Sobre essa nova situação, há dois comentários contrapostos a se-
rem feitos. Por um lado, diante desses números, é difícil retratar o Brasil
como um país cronicamente fraco quanto a seus recursos fiscais. É clara
a inflexão que define um outro país, cuja descrição cabe muito imperfei-
tamente na tradição do “Estado fraco”. Por outro lado, não é ainda pos-
sível dizer que houve um real catching up com o poder fiscal de Estados
mais fortes, tais como os europeus, por exemplo. Apenas para se ter uma
ideia, o poder fiscal per capita da Alemanha (medido pelo resultado da
arrecadação dividido pelo número de habitantes) é pouco menos de três
vezes superior ao brasileiro.10 Em suma, houve um avanço significativo
na capacidade de tributar, o que não pode, porém, despertar ilusões com
relação ao verdadeiro poder fiscal do Estado brasileiro.

Tabela 1. Carga tributária (% do PIB)


1991 2001 2011

Brasil 21,7 31,0 34,8


América Latina 14,2 16,6 19,9
OCDE 33,5 34,7 33,8
* 2010.
Fonte: Cepal para o Brasil e para a América Latina, OCDE para seus países membros.

Mas o que essa mudança representou para o caráter distributivo da


tributação no Brasil? Apesar do crescimento da arrecadação, o sistema
tributário que se consolidou ao longo das últimas cinco décadas é consi-
deravelmente regressivo. A Tabela 2 traz o peso dos impostos sobre o
orçamento das famílias segundo diferentes faixas de renda. A má distri-
buição da carga tributária é gritante. Em 2009, enquanto as famílias
mais ricas desembolsavam apenas 29% de sua renda para pagar impos-
tos, as famílias mais pobres comprometiam 53,9% de sua renda com esse
fim. A dimensão da regressividade não se alterou muito ao longo dos

10 Utilizando dados da Cepal e da OCDE, os autores chegaram aos seguin-


tes resultados de arrecadação per capita para o ano de 2007 (em US$ PPP): Brasil,
3.310; Argentina, 3.875; México, 1.549; Alemanha, 12.448; Suécia, 17.766; EUA,
12.916.

282
anos; a carga tributária aumentou igualmente sobre todas as faixas de
renda. Mesmo que a tendência internacional das últimas três décadas
tenha sido enviesada a favor da regressividade dos sistemas tributários, o
Brasil se destaca comparativamente pela distribuição assimétrica do peso
dos impostos.11 Na raiz desse resultado está a maior importância relativa
dos impostos indiretos. Os impostos diretos somam apenas cerca de 20%
da arrecadação total. Ademais, o Imposto de Renda no Brasil tem apenas
quatro alíquotas (a alíquota mais alta é de 27,5%), o que prejudica sua
utilização como instrumento distributivo.

Tabela 2. Carga tributária incidente sobre a renda familiar por estrato de renda (% da
renda familiar)
Renda mensal familiar Carga tributária bruta – 2004 Carga tributária bruta – 2008

até 2 salários mínimos 48,8 53,9


2a3 38,0 41,9
3a5 33,9 37,4
5a6 32,0 35,3
6a8 31,7 35,0
8 a 10 31,7 35,0
10 a 15 30,5 33,7
15 a 20 28,4 31,3
20 a 30 28,7 31,7
Mais de 30 salários mínimos 26,3 29,0

Fonte: Zockun et al. (2007) e Ipea (2009).

A ARTICULAÇÃO TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL

A amarração entre seguro social e legislação trabalhista no Brasil


reveste-se de um caráter fortemente simbólico, permanecendo intacta até
os dias de hoje. Ter um trabalho registrado para grande parte dos traba-
lhadores brasileiros significa ter um emprego protegido pela Justiça do
Trabalho e pelo seguro social. Entretanto, as mudanças sofridas pela
economia brasileira nos anos 1990 produziram enormes impactos sobre
o mercado de trabalho e as proteções previdenciárias. Como consequência
do baixo crescimento da economia e das políticas de ajuste fiscal, o mer-
cado de trabalho mostrou-se restritivo ao longo de toda a década de
1990, impactando negativamente a filiação previdenciária.
Embora tenha se configurado na maioria dos países do “capitalis-
mo do bem-estar” como um fato estilizado, a estruturação do mercado de
11 Ver Goñi et al. (2008, p. 16) para uma comparação das cargas tributárias
segundo quintis de renda dos países latino-americanos.

283
trabalho envolveu o predomínio quase absoluto da regulação pública do
emprego assalariado, destacando-se as leis do trabalho, a seguridade so-
cial e a contratação coletiva do trabalho. Se dividirmos o mercado de
trabalho brasileiro em dois segmentos segundo seu grau de estruturação
temos: de um lado, os trabalhadores envolvidos em relações de assalaria-
mento legal, ou seja, aqueles assalariados com registro em carteira assi-
nada e que contribuem para a previdência social; de outro lado, os traba-
lhadores classificados como integrantes do conjunto de relações “pouco
estruturadas de trabalho”, isto é, os trabalhadores sem carteira e sem
vínculos previdenciários (Cardoso Jr., 2007). Como se pode inferir do
Gráfico 1, em 1999, a distância entre o segmento estruturado e o pouco
estruturado do mercado de trabalho brasileiro aumentou consideravel-
mente, fruto das políticas de ajuste dos anos 1990. Em grande medida, a
dinâmica econômica do período provocou um movimento de desassa-
lariamento, que resultou em um número crescente de empregos sem di-
reitos trabalhistas/previdenciários e de ocupações por conta própria sem
vínculos previdenciários.

Gráfico 1. Evolução da população ocupada segundo o grau de estruturação do mer-


cado de trabalho (% da população ocupada)

Fonte: Cardoso Jr. (2007).

Em contraste com essas mudanças, o arcabouço institucional e le-


gal que regula as relações de trabalho não sofreu grandes reformas flexibi-
lizadoras. No campo das políticas previdenciárias, tampouco houve
reformas privatizantes. As reformas previdenciárias empreendidas no Bra-

284
sil desde os anos 1990 preservaram o componente público do sistema.
Contudo, mudanças processadas no âmbito das regras de concessão dos
benefícios impuseram algumas dificuldades adicionais para uma parte
considerável dos segurados, especialmente para os trabalhadores com
baixas remunerações e trajetórias irregulares de trabalho (Matijascic et
al., 2007).12
A previdência social brasileira é de caráter contributivo e de filiação
compulsória, provendo benefícios de aposentadoria e pensões por invalidez
e morte, além de contemplar outros auxílios (maternidade, desemprego,
doença e acidentes de trabalho). Entre os benefícios estritamente concedi-
dos pela previdência social, destacam-se os no valor de um salário mí-
nimo destinados à maioria dos trabalhadores inativos oriundos das ati-
vidades urbanas, filiados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS),
e a quase totalidade dos trabalhadores rurais,13 representando, atual-
mente, cerca de 66% do total de benefícios pagos pela Previdência Social
( Jaccoud, 2009; MPS, 2011).
Um problema ainda persistente é a existência de 10,7 milhões de
trabalhadores por conta própria sem nenhuma proteção previdenciária.
O Governo brasileiro tem tomado medidas para enfrentar esse desafio,
incentivando a inclusão previdenciária de trabalhadores por conta pró-
pria, os quais não tinham meios de cumprir com suas obrigações previ-
denciárias. A inclusão previdenciária acelerou-se nos últimos anos por
força da LC n.o 123/2006 — Lei do Super Simples ou Simples Nacio-
nal; e da LC n.o 128/2008, que criou a figura do Microempreendedor
Individual (MEI), cujos efeitos se fizeram notar a partir de 2009, com o
incremento de três milhões de trabalhadores por conta própria protegi-
dos pela Previdência Social, número que contém a incorporação de 1,3
milhão de novos contribuintes individuais (Ipea, 2012).
Nos últimos anos, o crescimento da economia brasileira foi um dos
aspectos mais relevantes na melhoria do mercado de trabalho nacional.
12 Após a introdução da chamada Lei do Fator Previdenciário, com a Reforma
da Previdência de 1998, as regras de acesso às aposentadorias tornaram-se demasia-
damente severas para os trabalhadores brasileiros filiados ao Regime Geral de Previdên-
cia Social (RGPS) em termos do número mínimo de anos para requerer uma aposenta-
doria.
13 O Brasil possui um emblemático sistema de seguridade rural que além de
contribuir para a redução substantiva da pobreza no campo, e das disparidades entre as
diferentes regiões do País, confere ao trabalhador rural o status de “segurado especial da
previdência”.

285
A partir de 2004 houve um relativo crescimento do trabalho formal
(como é possível observar no Gráfico 1). É importante salientar que essa
melhora partiu de uma estratégia política deliberada de recuperação do
emprego registrado e de incremento da massa salarial na economia, o
que levou o mercado de trabalho, pontualmente, a voltar a afiliar traba-
lhadores na previdência.
O mercado de trabalho brasileiro recebeu impactos positivos em
decorrência de uma política exitosa de valorização do salário mínimo, da
maior fiscalização do cumprimento da legislação do trabalho e das pres-
sões e negociações sindicais (Baltar & Leone, 2012).14 A política de
valorização do salário mínimo, além de ser extremamente importante
para determinar a elevação das remunerações de base e influenciar as
negociações dos pisos salariais das categorias profissionais, impactou po-
sitivamente a distribuição de renda, contribuindo para reduzir a pobreza
e expandir o consumo das famílias. Note-se que a elevação do salário
mínimo teve ainda um efeito indireto sobre as condições de vida das
famílias pobres, especialmente aquelas compostas por idosos e crianças,
em razão da existência de programas de assistência e previdência, cujos
benefícios estão atrelados ao valor do salário mínimo.
A importância do salário mínimo no caso brasileiro deve-se à gran-
de proporção de trabalhadores que recebem salários próximos desse
patamar. Os empregados formalmente contratados não podem receber
menos que esse valor legal. Ademais, a maioria dos assalariados que
estão na informalidade — sem registro em carteira — e parcela dos
trabalhadores por conta própria têm no valor do salário mínimo uma
referência para sua re-muneração. Como o salário mínimo funciona como
um balizador para as remunerações do mercado de trabalho, seu aumento
em termos reais apresentou uma influência positiva nas negociações sala-
riais, especialmente nos pisos normativos das categorias profissionais
(Baltar & Leone, 2012).
Contudo, a rotatividade do mercado de trabalho permanece um
fator preocupante para a geração de trabalho estável e protegido. O
mercado de trabalho brasileiro caracteriza-se por forte flexibilidade

14 No período de 2003 a 2010, houve geração de 15.384 milhões de empregos


formais, o que representou um incremento médio anual de 1,923 milhão, correspondendo
ao crescimento acumulado de 53,63% no período, equivalente a um aumento anual
expressivo de 5,51%, inédito na história do emprego formal para um período de oito anos
sucessivos (MTE, 2011).

286
contratual. Um grande contingente de trabalhadores tem participação
intermitente no mercado de trabalho formal, variando entre a condição
de desligados e admitidos durante anos seguidos, o que compromete
sobremaneira a inscrição regular dos trabalhadores no universo previ-
denciário.
No período 2000-2009, a despeito da recuperação do emprego
formal, os desligamentos com menos de seis meses de duração supera-
ram 40% do total dos vínculos desligados em cada ano. Cerca da metade
desses desligamentos não atingiram três meses de duração e dois terços
dos vínculos desligados não atingiram sequer um ano de trabalho, e 76 a
79% dos desligamentos não tiveram dois anos de duração (MTE, 2011).
O agravante do fenômeno da acentuada rotatividade no mercado de tra-
balho brasileiro decorre do fato de a remuneração média das admissões
ser inferior à remuneração média dos desligamentos, com algumas pou-
cas variações setoriais. Praticamente não existe limitação à demissão no
Brasil. A rotatividade do mercado de trabalho é fortemente pró-cíclica,
revelando que as restrições às demissões no País são principalmente de
ordem econômica. Apesar da grita empresarial contra a “rigidez” da le-
gislação trabalhista, o Brasil segue não sendo signatário da Convenção
158 da OIT, que busca inibir a demissão imotivada.

O PRIVADO E O SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE

Uma das principais inovações no campo da seguridade social brasi-


leira deu-se com a criação de um sistema público de saúde, o Sistema Úni-
co de Saúde, SUS (Lei 8.080/90), baseado nos princípios constitucionais
da universalidade e integralidade do atendimento. É, porém, na área da
saúde que se evidenciam as principais contradições que perpassam o atual
quadro de instabilidade da seguridade social brasileira. O SUS enfrenta
dificuldades crescentes para assegurar acesso universal de atenção à saúde.
A Constituição previa a vinculação de parte do Orçamento de
Seguridade Social (OSS) — 30% dos recursos — nas ações públicas de
saúde, pretendendo assim superar a fragilidade do antigo modelo contri-
butivo de assistência médica. Entretanto, a necessidade de superar o gar-
galo do financiamento do setor público foi interditada, logo de saída,
com o desmonte do OSS, dado que os 30% indicados nas disposições
transitórias da Constituição foram vetados, anunciando uma longa crise
crônica de financiamento do SUS (Fagnani, 2005).

287
O subfinanciamento do SUS, consequente ao compromisso dos
sucessivos governos com a desconstitucionalização do OSS, compro-
meteu a universalidade do acesso à saúde, contribuindo para a precariza-
ção dos serviços oferecidos pelo sistema. O primeiro golpe deferido contra
o recém-instituído sistema público de saúde ocorre em 1993, quando
por iniciativa do Governo o SUS deixou de contar com os recursos pro-
venientes da arrecadação das contribuições previdenciárias. Desde então,
o SUS passou a depender exclusivamente das disponibilidades finan-
ceiras do Tesouro Nacional, sofrendo significativa redução no seu pata-
mar de gastos. Outro golpe foi a transformação dos recursos destinados
ao financiamento da Seguridade Social em recursos fiscais para a com-
posição do superávit primário.15 Assim, a política fiscal dos últimos go-
vernos, reféns do pagamento dos encargos financeiros da dívida pública,
acabou restringindo o nível do gasto público em saúde, dificultando que
o SUS assegurasse o acesso universal e integral de suas prestações.
O mais curioso, nesse aspecto, é que o subfinanciamento da presta-
ção pública contrasta com os incentivos governamentais, diretos e indi-
retos, ao fortalecimento do mercado privado de assistência médica. A
magnitude do privado no sistema de saúde brasileiro não é nada despre-
zível. O gasto total em saúde no Brasil corresponde a 8% do PIB (média
2001-2010), o que não é pouco, considerando os países com o mesmo
nível de renda e desenvolvimento. Mas o que diferencia o País, revelando
algo paradoxal, é que a participação pública no gasto total é bastante
baixa (44% do gasto total) — a despeito de o Brasil possuir um sistema
público e universal. A participação privada, por sua vez, é bastante ex-
pressiva (56% do gasto total), demonstrando a forte dependência da po-
pulação das prestações privadas. A composição pública do gasto em saú-
de no Brasil em relação ao PIB é muito baixa, especialmente quando
comparada com a de outros países com sistemas universais de saúde (ver
Gráfico 2). Mesmo entre os países latino-americanos, com renda per
capita acima de US$ 8.000, o Brasil exibe níveis baixíssimos de gasto
público em saúde.38

15 Em 1994-1995, por meio do Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, posterior-


mente, com a criação da Desvinculação das Receitas da União (DRU).
16 Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2008, Costa
Rica, Colômbia, Chile, Peru, México, Uruguai e Argentina destinavam como gasto públi-
co de saúde respectivamente 26,1%, 18,3%, 15,6%, 15,6%, 15,0%, 13,8%, 13,7% do
gasto total do governo; o Brasil destinava nesta rubrica 6% (OMS, 2011).

288
Gráfico 2. Gasto público com saúde (% do gasto total com saúde) dos países com
sistemas de cobertura universal — média 2001-2010

Fonte: OMS, 2011.

A hegemonia do privado no sistema de saúde brasileiro tem longas


raízes históricas e decorre do modelo de assistência médica adotado pelo
País que, a partir da década de 1960, privilegiou a produção privada de
serviços no âmbito das instituições previdenciárias do Estado (Bahia,
2005; Menicucci, 2007). Os planos de saúde foram patrocinados pelo
padrão de financiamento público (isenções fiscais) desde 1968, seguin-
do, nesse aspecto, o modelo “residual-liberal” estadunidense de medicina
privada ocupacional. Mais tarde, com a criação do SUS, o modelo em
questão não pode ser superado, e o recém-instituído sistema público
passou a conviver com um sistema privado “complementar”, mas em
constante expansão. Assim, a publicização do sistema de saúde brasilei-
ro viu-se constrangida, desde o início, pela predominância dos interes-
ses privados na área médica. A força de trabalho organizada permane-
ceu dentro de arranjos ocupacionais que privilegiaram a contratação de
planos privados de saúde no âmbito das empresas, configurando um pro-
cesso de “americanização perversa” (Vianna, 1998) da provisão de bene-
fícios médicos, montado sobre o tripé: fragmentação institucional, pri-
vatismo e assistência pública para os necessitados.
Em 1998, o mercado de planos de saúde é regulado pelo Estado
mediante a criação de uma agência reguladora para o setor, a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS). No entanto, essa regulação

289
tem-se provado débil. A despeito do marco regulatório em questão, os
planos privados de saúde continuam a estender sua oferta diferenciada
para uma parte importante da população, incluindo as “novas classes
médias” e a força de trabalho organizada. Como mostra a Tabela 3, em
dez anos, o número de pessoas inscritas no setor privado aumentou 46%.
O Governo Federal incentiva as famílias e os empregadores a adquirir
planos privados de saúde por meio da renúncia de arrecadação fiscal.
Esse subsídio do governo, que patrocina o consumo dos planos de saúde,
privou o SUS de impotentes recursos financeiros, agravando o quadro do
seu subfinanciamento.

Tabela 3. Beneficiários de planos privados de assistência médica (Brasil 2000-2011)


Período Número de beneficiários Taxa de crescimento Crescimento acumulado

dezembro de 2000 30.705.334 – –


dezembro de 2004 33.673.600 9,7% –
dezembro de 2008 40.714.608 20,9% 30,6%
setembro de 2011 47.008.888 15,5% 46,0%

Fonte: ANS, 2011.

Apesar da mudança de orientação do sistema de saúde brasileiro


com a criação do SUS, a oferta de serviços permaneceu fortemente seg-
mentada e concentrada no provedor privado. A universalidade do siste-
ma é constantemente mitigada por uma lógica de racionamento de re-
cursos. Esta, por seu turno, molda-se perfeitamente a uma provisão
ajustada ao atendimento exclusivo aos mais pobres.

T RANSFERÊNCIA DE RENDA E COMBATE À POBREZA

A transferência de renda no Brasil está baseada principalmente em


dois programas assistenciais: o Benefício de Prestação Continuada (BPC)
e o Programa Bolsa Família (PBF). Ao contrário do sistema previdenciário,
os programas de transferência de renda são relativamente recentes no
Brasil. Salvo algumas iniciativas anteriores pontuais e de pouco peso, é
com a nova Constituição de 1988 que um esquema mais abrangente de
assistência social começa a ser primeiramente concebido com o BPC,
efetivamente regulamentado em 1993. O BPC é uma transferência men-
sal de um salário mínimo a pessoas acima de sessenta e cinco anos e a
pessoas com deficiência, cuja renda mensal familiar per capita seja infe-

290
rior a um quarto do salário mínimo. No fim da década de 1990, foi
criada uma série de outras transferências, algumas condicionadas, tais
como o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação e o Auxílio-Gás. Em 2003,
esses programas foram unificados no PBF, que, em seu formato básico,
transfere um benefício mínimo de R$70 a famílias com renda per capita
inferior a R$70 mensais, com um adicional de até R$38 por filho.17 No
começo de 2013, o BPC tinha uma cobertura de 3,7 milhões de pessoas
e um orçamento de 0,55% do PIB (2011). O PBF cobria, nesse mesmo
período, mais de treze milhões de famílias e o total dos benefícios so-
mam 0,42% do PIB (2011).18
Por um lado, apesar do custo extremamente baixo, esses alicerces
da transferência de renda têm-se mostrado eficazes no combate à pobre-
za e na redução das desigualdades.19 Por outro lado, seus diferentes fun-
damentos delineiam clivagens no campo da transferência de renda. En-
quanto o BPC é um direito, o PBF é ainda apenas um programa do
Governo com dotação orçamentária definida. Essa menor instituciona-
lização é um desafio a ser enfrentado pelo PBF. Apesar da crescente
inclusão de famílias, ainda persiste o estranho conceito de “população
elegível não coberta”, ou seja, famílias ainda não introduzidas no progra-
ma, impossibilitadas de reivindicar na Justiça sua inclusão. Além disso,
por ser definido com base no valor do salário mínimo, o BPC acompa-
nha seus reajustes. O valor dos benefícios do PBF, por sua vez, além de
não ser atrelado ao salário mínimo, tampouco contou com reajustes da
17 Há duas linhas de pobreza para elegibilidade. A primeira é a linha de pobreza
extrema e considera famílias cuja renda per capita é inferior a R$70. As famílias abaixo
dessa linha recebem um benefício fixo, independentemente do número de pessoas
na família, além de terem também direito ao mesmo benefício variável, dependente do
número de filhos. Os benefícios variáveis são concedidos até o quinto filho com o limite de
idade de quinze anos. A segunda é a linha de pobreza, considerando famílias com renda
per capita de até R$140. Famílias cuja renda per capita se encontra entre a linha de pobreza
extrema e a linha de pobreza (não extrema) recebem apenas o benefício variável segundo
o número de filhos.
18 Os gastos com os programas foram estimados com base em dados do Institu-
to Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome (MDS) e do Ministério da Previdência Social (MPS).
19 Segundo as estimativas de Soares et al. (2009, p. 15), os programas de assistên-
cia social são responsáveis por um terço da redução do coeficiente de Gini entre 2004
e 2006. O PBF é, sozinho, responsável por 20% dessa redução. Porém, não é possível
desprezar o papel de outras fontes de diminuição da desigualdade. A renda do trabalho
e as aposentadorias são responsáveis por aproximadamente um terço, cada uma, da re-
dução.

291
mesma intensidade, deteriorando-se com a inflação.20 Isso significou uma
ampliação do hiato entre o BPC e o PBF. Os mecanismos de transferên-
cia de renda são, portanto, fragmentados segundo seu grau de institucio-
nalização e segundo diferentes critérios de elegibilidade.
O BPC, criado na conjuntura da redemocratização e voltado à popu-
lação incapaz de participar ativamente do mercado de trabalho, passou
ao largo de provações mais sérias na arena pública. Entretanto, o PBF —
destinado a famílias teoricamente aptas a participar do mercado de trabalho
— foi obrigado a passar por uma sucessão de provas com relação a sua
pertinência, legitimidade e lisura.21 Embora ainda sem a efetiva institu-
cionalização como um direito social, o PBF dá poucos sinais, ao final des-
sas provas, de se mostrar reversível a qualquer sinal de mudança no ciclo
político. Além disso, o Bolsa Família tem-se tornado uma plataforma a
partir da qual outros programas têm-se apoiado. Em 2011, no primeiro
ano de governo, a presidenta Dilma Rousseff lançou o Plano Brasil Sem
Miséria (BSM), o qual tem o PBF como um de seus componentes. O
BSM visa erradicar a pobreza extrema; mas também introduz outros
componentes, como a ampliação dos investimentos em serviços públicos
em áreas críticas e a tentativa de integração produtiva dos beneficiários.22

20 Do mesmo modo, o valor das linhas de pobreza não é reajustado ao mesmo passo
pelo Governo Federal. A inflação acumulada desde a fixação da linha de R$70 em 2009
chega a mais de 20%.
21 Cf. Kerstenetzky (2009, pp. 59-63) sobre a robustez do PBF ante a contesta-
ção na imprensa e no mundo político. Nos primeiros anos de implantação do PBF, a
oposição ao Governo (Lula) no Legislativo Federal argumentava que o programa tinha
apenas objetivos clientelísticos e eleitoreiros. Com o tempo, tal argumento se tornou di-
ficilmente sustentável, à medida que ficava clara a operação descentralizada, em parceria
com os municípios, e que as informações sobre o funcionamento e a performance do progra-
ma eram amplamente difundidas. A grande imprensa brasileira também participou ativa-
mente da provação do programa. A crítica da imprensa focava duas questões: o caráter
assistencialista (relacionado ao desincentivo ao trabalho) e as fraudes. O PBF “dava o
peixe, mas não ensinava a pescar” — na formulação mais prosaica do argumento —
transformando os beneficiários em dependentes permanentes do programa. Assim, ele
desincentivaria pessoas em idade ativa a procurar trabalho. Segundo estudos de avaliação
do PBF, não há nenhuma evidência de desincentivo ao trabalho. Ao contrário, o benefício
aumentou a participação entre as famílias pobres (Cedeplar, 2007, pp. 11-3). As fraudes
tampouco se mostraram generalizadas (Soares et al., 2009, p. 10). Diante das evidências
de investigações de instâncias controladoras e do escrutínio político e midiático constante,
o argumento da perversidade representada pela corrupção não se sustentou.
22 Para um exame das principais características do BSM com relação a seus
possíveis problemas, ver Lavinas & Martins (2012). Independentemente das políticas

292
É interessante notar como essa ampliação do escopo do PBF procura
integrar aspectos das críticas que lhe foram feitas ao longo de sua exis-
tência, ao associar o acesso a serviços públicos e a capacitação para o
mercado de trabalho à plataforma já existente.
Ao colocar o PBF como peça central de sua política social, tal
Governo estaria, entretanto, reconvertendo o sistema à focalização? É
em torno dessa questão — para a qual não há resposta simples e unívoca
— que se definem as perspectivas sobre as políticas de transferência de
renda. Por um lado, o PBF não é estabelecido como um direito, fixa
condicionalidades, estratifica os pobres (duas linhas de pobreza) e con-
cede benefícios muito baixos. Tais aspectos deixam transparecer o cará-
ter focalizado do programa. Por outro lado, por mais que o PBF não seja
uma forma de inclusão cidadã mínima, ele constitui um programa de
amplitude inédita no que concerne à relação entre o Estado e a popula-
ção pobre. É muito difícil negar que isso tenha tido enorme impacto
político. Desse modo, a questão se coloca apenas parcialmente no campo
da desmercantilização e da focalização e jaz também no impacto da efe-
tiva e inédita inclusão de facto — via transferência de renda — de uma
numerosa parte da população na comunidade política (Rego, 2008;
Kerstenetsky, 2009). Com isso, o peso do PBF produziu uma saliência
nada transitória no espaço político brasileiro.23

Considerações finais

Como foi possível atestar até aqui, é preciso reconhecer que em um


mesmo país subsistem diversas expressões de regimes de bem-estar. De
um modo geral, os sistemas de bem-estar latino-americanos podem ser
caracterizados como resultantes de esquemas de proteção social marcados
por forte hibridização organizativa, produto da heterogeneidade estrutural
de suas sociedades. O caso brasileiro pode ser considerado uma síntese

específicas do BSM, o maior desafio da integração produtiva da população pobre continua-


rá sendo o crescimento econômico. Sem um dinamismo econômico crescente, será im-
possível incluí-los no mercado de trabalho de forma menos intermitente e precária (Ipea,
2012, pp. 50-5).
23 A “Carta social”, na qual o principal candidato da oposição da eleição presiden-
cial de 2010, José Serra, se comprometia não só a manter o PBF como também a expandi-
lo, serve de ilustração a esse ponto.

293
dessa heterogeneidade na região. Em um mesmo país, a ausência de provi-
sões universais e a forte presença de esquemas privados de prestação de
serviços, particularmente em áreas como previdência e saúde, indicam
um padrão “residual-liberal”. Grandes fundos previdenciários, baseados
nos modelos públicos de repartição dos riscos e estruturados através de
vínculos contributivos no mercado formal de trabalho, denotam um pa-
drão de similaridade com os regimes de bem-estar do tipo “conserva-
dor-corporativo”. Programas que buscam atingir um patamar universalista
tentam assemelhar-se, no mínimo em princípios, ao modelo “social-demo-
crata”. E, enfim, a presença marcante de parcelas significativas da popu-
lação na informalidade, e sem nenhum tipo de proteção, representa am-
plos espaços de insegurança social.
Dentro desse quadro heterogêneo, vimos que o Brasil é um dos maio-
res arrecadadores da América Latina. Embora aumentando ao longo das
últimas duas décadas, a carga tributária brasileira é extremamente mal
distribuída, recaindo com mais força sobre a renda dos mais pobres. Além
disso, os desafios colocados perante o OSS mostram o perigo da gradual
drenagem de recursos. Embora a arrecadação geral cresça, os recursos
da política social têm sido drenados para outros fins. Cabe alertar para o
risco de redução contínua dos superávits do orçamento da seguridade e,
consequentemente, de uma “crise planejada” dos recursos da política social.
No campo da saúde, o sistema universal criado no começo da dé-
cada de 1990 enfrenta várias dificuldades para se firmar. A falta de finan-
ciamento adequado se alinha com a herança privatista do sistema. Mais
da metade dos gastos com saúde no País são feitos no circuito privado e
o poder público tem, até aqui, apoiado seu crescimento. Não é por acaso
que, na última década, o setor privado de saúde aumentou quase 50%.
Com relação à década de 1990, o mercado de trabalho passou por
melhora da valorização do salário mínimo e do crescimento das contra-
tações formais. Isso implicou uma recuperação da vinculação previdenciária
na década de 2000, com o auxílio das políticas de inclusão previdenciária.
Apesar dos avanços recentes, mais da metade da população ocupada (em
meados da década de 2000) ainda estava em núcleos pouco estruturados
de relações de trabalho. Ademais, a persistência da grande rotatividade
no emprego constitui um forte obstáculo à cobertura previdenciária abran-
gente para além dos benefícios não condicionados.
Durante a conjuntura da década de 2000, os problemas referidos à
pobreza entram na agenda pública, gerando um conjunto de intervenções

294
governamentais. Desde a Constituição de 1988, assiste-se à ampliação
dos programas de garantia de renda às famílias em situação de vul-
nerabilidade, destacando-se a emergência de benefícios monetários de
natureza não contributiva — como o BPC —, operados pelo Governo
Federal, e que podem ser considerados hoje parte integrante do sistema
de seguridade social. No campo dos benefícios assistenciais, reformas
implementadas permitiram ainda, além do BPC, o aparecimento e a pos-
terior consolidação de novos benefícios. Num contexto de crítica à
seguridade social, esses programas se voltaram, num primeiro momento,
ao atendimento de famílias pobres e se associavam a um projeto de res-
trições progressivas às coberturas universais asseguradas pelo modelo de
proteção social adotado em 1988.
Entretanto, é a partir de 2003 que a luta contra a pobreza se torna
uma prioridade da política governamental. A coalizão de centro-esquer-
da que governa o Brasil desde 2003, sob a liderança do Partido dos
Trabalhadores, vem promovendo realinhamentos significativos com no-
vos atores sociais e induzindo polarizações na sociedade até então inédi-
tas sobre importantes questões de natureza redistributiva. Apesar das res-
trições fiscais, os Governos de Luís Inácio Lula da Silva e de Dilma
Rousseff colocaram no centro do debate político os problemas oriundos
de uma agenda social historicamente pendente. A centralidade desses
problemas vem gerando importantes medidas que buscam a integração
social dos segmentos mais vulneráveis, mediante políticas de combate à
pobreza que adquiriram o status de políticas de Estado.
Apesar disso, as políticas de transferência de renda assumem dife-
rentes graus de institucionalização e alcance, o que representa um obstá-
culo a sua universalização. O Bolsa Família, em particular, embora se
mostre dificilmente reversível, está longe de configurar uma renda básica
de cidadania. A questão que se coloca então é a de seu papel, daqui em
diante, na trajetória civilizacional de redução das desigualdades no Bra-
sil. O ritmo de redução da desigualdade de renda na década de 2000
superou o ritmo de países da OCDE, quando da implantação de seus
sistemas de proteção social (Soares, 2010), despertando a expectativa de
um rápido avanço a patamares menos perversos. Nesse contexto, a ma-
nutenção da queda da pobreza e da desigualdade dependeria apenas do
aprimoramento do PBF, no sentido de sua institucionalização como um
direito garantido a todos que cumprirem exigências mínimas e da eleva-
ção de sua linha de elegibilidade e de seus benefícios? O horizonte a se

295
atingir é simplesmente incluí-los no universo do consumo, via uma hi-
potética igualdade de oportunidades gerada por uma renda básica incon-
dicional, ou integrá-los em posições mais estáveis, centradas nas prote-
ções e estatutos do mundo do trabalho?
É inegável que o alcance da política de combate à pobreza, em
termos de territorialidade e cobertura, vem auxiliando determinados grupos
a superar problemas de ação coletiva. Nesse aspecto, o Estado brasileiro
vem cumprindo importante papel para conferir faticidade às aspirações e
expectativas concernentes a uma efetiva participação daqueles grupos que
apenas desempenhavam um papel passivo na vida política. Programas de
transferência de renda, como o PBF, estão modificando o hiato através
do qual os indivíduos e grupos percebem seus níveis de privação absoluta
e relativa. Daí a razão de sua recente popularidade em sociedades como
a brasileira. Em última instância, ativam um “limiar de sensibilidade
social”, de percepção das desigualdades circundantes, nos grupos para os
quais eles se destinam. Contudo, constituem-se em bases frágeis de cons-
trução da política social, sobretudo quando surgem desacoplados das
dinâmicas de proteção pertinentes ao mundo do trabalho. É neste ponto
que surge o principal desafio do sistema de proteção social brasileiro,
dando ensejo a novas questões sociais.
A incerteza que paira sobre o futuro da seguridade social no País é
que, no campo da intervenção no social, o crescimento da exclusão tem-
-se constituído no objeto-limite dessa intervenção. Ao mesmo tempo que
o combate à pobreza se torna a estratégia prioritária dos governos, a
construção dos programas da seguridade social parece haver refluído
para uma posição marginal.
Mas é especialmente na sociedade brasileira que a justa preocupa-
ção prioritária com os excluídos não pode ser pensada sem que se leve em
conta os fatores desestabilizadores relacionados à precariedade estrutural
do mundo do trabalho. No Brasil, a persistência secular das desigualdades
é um fator que se situa no centro da sociedade, e não apenas em suas
franjas, reproduzindo constantemente a heterogeneidade das condições
de trabalho que acaba por retroalimentar o crescimento do número de
excluídos.
Não podemos perder de vista que a efetiva integração da seguridade
social com o mundo do trabalho guarda um profundo significado asso-
ciativo que constitui, em si mesmo, expressão marcante do vínculo social,
dando testemunho a uma forma específica de solidariedade. O risco mais

296
acentuado para o atual estado dos programas da seguridade social no
Brasil é relegá-los à mera função de assistência aos mais necessitados.
Em que pesem os recentes avanços referidos ao combate à pobreza,
a expansão dos programas da seguridade social no Brasil se faz de modo
bastante precário e insuficiente para suprir as carências de grandes setores
da sociedade. E é por isso que a expansão efetiva desses programas se
torna um aspecto tão mais importante para a sociedade brasileira, especial-
mente num momento no qual constatamos que esse limiar de sensibilidade
social acima aludido vem despertando nos grupos antes excluídos os anseios
por maior participação no universo das proteções, e não apenas no uni-
verso do consumo.

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299
DIPLOMACIA PRESIDENCIAL E POLITIZAÇÃO
DA POLÍTICA EXTERNA: UMA COMPARAÇÃO
DOS GOVERNOS FHC E LULA

MARIA REGINA SOARES DE LIMA


RUBENS DE S. DUARTE

U M TIPO DE ARGUMENTO recorrente na mídia mainstream, reafir-


mando críticas da oposição política com respeito à política externa
dos governos Lula e Dilma, é acusá-la de ideológica e partidarizada. O
principal alvo das críticas mira a política com relação à região sul-ameri-
cana. A politização da política externa destes governos tornou-se um mantra
da oposição, ressaltando-se o viés negativo da avaliação. Mas o que sig-
nifica exatamente politização da política externa?1 Pelo menos dois signi-
ficados distintos podem ser encontrados nos diferentes usos do conceito.
No primeiro deles, o termo é usado para identificar um compo-
nente partidário na política externa no sentido de esta refletir as orienta-
ções programáticas, políticas e ideológicas de um governo.2 Para alguns
especialistas e praticantes, partidarização seria vista com conotação ex-
tremamente negativa, no sentido de que a política externa não estaria de
acordo com o que alegam serem os verdadeiros interesses nacionais.3
1 Para uma discussão dos distintos significados do termo politização, ver Lima
(2013).
2 Um segundo sentido de politização diz respeito à ampliação da agenda da política
externa e à formação de constituencies da política externa no plano doméstico, anteriormen-
te inexistentes, representadas pelos grupos de interesse direta ou indiretamente afetados
pelas ações externas, como por exemplo associações empresariais e sindicatos de trabalha-
dores, nas questões comerciais. Também diz respeito à mobilização de outros segmentos
da esfera pública que atuam a partir de uma lógica política distinta, defendendo interesses
coletivos, buscam ampliar a cidadania e se organizam como instâncias de crítica e controle
do poder do Estado e do mercado. Este segundo significado não será tratado neste texto.
3 Para um exemplo padrão desta crítica, ver Rubens Barbosa. A política externa do
Brasil para a América do Sul e o ingresso da Venezuela no Mercosul. Interesse Nacional,

300
Este é o sentido usado pela oposição aos governos do PT e pela mídia
conservadora. Em vários artigos e pronunciamentos de líderes da oposi-
ção a acusação de um viés ideológico está presente na crítica a diversas
iniciativas da política externa dos Governos de Lula da Silva e Dilma
Rousseff, notadamente: a branda reação brasileira à nacionalização de
refinaria da Petrobras na Bolívia por Evo Morales; a entrada da Venezuela
no Mercosul; o afastamento do Paraguai deste mesmo arranjo regional
após um processo totalmente irregular de impedimento do então presi-
dente Lugo; a contratação de médicos estrangeiros em especial dos cubanos
e, mais recentemente, todo o episódio da “fuga” cinematográfica do sena-
dor Roger Molina, asilado na embaixada brasileira. Com relação ao pla-
no global, perfilam as relações com os países africanos e com o Sul de
modo geral, as relações com o Irã e, em especial, a intermediação de
Brasil e Turquia no caso do programa nuclear do Irã. A lista é grande e
praticamente tudo que se afasta do relacionamento com os países do
Norte é visto como pautado por razões ideológicas, viés partidário, etc.
Normalmente o argumento é binário e de soma zero: ao enfatizar as
relações com o Sul ou com países progressistas na América do Sul a
política externa petista estaria se afastando dos países do Norte, de tradi-
ção democrático-liberal. Seguindo essa linha de pensamento, o Brasil
teria dado excessiva atenção aos países da região, em especial os gover-
nos “bolivarianos”, afastando-se de parceiros mais importantes. Ainda
segundo essa crítica, a política externa praticaria uma política de genero-
sidade incondicional com alguns dos países da região, não conferindo a
devida prioridade aos temas econômicos e comerciais.4
Essa interpretação da partidarização da política externa revela um sen-
timento tecnocrático, de negação da política, uma vez que em qualquer
democracia a política externa é sempre politizada, refletindo as orientações
político-ideológicas do governo de turno. Mesmo que os compromissos

abr.-jun. 2008. O autor, diplomata aposentado, integra a linha de frente da tropa de


oposição à política externa dos governos do PT.
4 A alegação é que na América do Sul, o Brasil cooperaria incondicionalmente com
alguns dos países da região, independentemente de que obtenha alguma reciprocidade da
parte deles. Na linguagem da teoria dos jogos seria um “sucker”, ou em bom português, um
“trouxa”. Em uma outra lente conceitual poder-se-ia classificar o comportamento brasilei-
ro como motivado por um interesse próprio esclarecido tendo em vista que os ganhos
potenciais do Brasil na região excedem em muito os dos demais países, cabendo uma
atuação estratégica de cooperação incondicional.

301
internacionais assumidos por qualquer governo democrático não devam
ser revertidos a cada mudança de governo, sob pena de o país perder sua
credibilidade em face dos parceiros externos, existe sempre alguma lati-
tude para que governos eleitos possam incluir temas de política externa
em suas plataformas eleitorais.
Este é exatamente o sentido do fenômeno apontado por Jeffrey Ca-
son & Timothy Power (2009) do papel direto e crescente do presidente
na política externa, para eles uma das novas tendências da política exter-
na brasileira que desafia o alegado monopólio do MRE na sua formação
e implementação.5 No regime democrático presidencialista, a presidencia-
lização da política externa é um resultado esperado não apenas pela
centralidade do presidente da República no estabelecimento da agenda
política da nação, como pelo fato de que em última instância os atos de
escolha e demissão de seus ministros são de sua estrita competência.
Poder-se-ia argumentar que no presidencialismo de coalizão brasileiro
as injunções da coalização partidária governamental criariam limites para
essa liberdade presidencial. A prática brasileira demonstra, contudo, uma
associação entre o grau de presidencialização dos regimes políticos e os
critérios de recrutamento para o cargo de chanceler. Dessa forma, “quanto
mais presidencial o regime, mais técnicos e menos filiados a partidos devem
ser os chanceleres” (Amorim Neto, 2011, p. 125).6 Utilizando como in-
dicador do grau presidencialização da política externa a percentagem de
cada mandato presidencial consumida com viagens internacionais pelo pre-
sidente entre 1974 e 2006, Cason & Power (2009, p. 123) concluem que a
presidencialização da política externa se acentuou nos Governos de Fernando
Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.7 Cabe lembrar que,
comparado ao regime de 1946-64, o grau de presidencialismo do re-gime
político iniciado em 1985 é maior, no sentido de ser mais acentuada a
balança de poder na direção do Executivo relativamente ao Legislativo.
Ademais, ambos os presidentes tiveram como seus chanceleres diploma-
tas ou intelectuais reconhecidos no campo das relações internacionais.
Também havia enorme sintonia entre os respectivos presidentes e seus
chanceleres.5
A presidencialização da política externa significa que a política
externa é do presidente e cabe ao chanceler a sua execução nos termos da
Carta Constitucional de 1988. Na ordem política de 1946-64, a balança
5 Para a sintonia entre Lula e Celso Amorim, ver Amorim (2013).

302
de poder entre os dois poderes era mais equilibrada e a tendência é que
predominassem chanceleres vindos do mundo político. A delegação de
autoridade era maior e o Ministério de Relações Exteriores desfrutava
então de mais autonomia e latitude na formação da política externa
(Amorim Neto, 2011, pp. 125-7). A presidencialização, ao contrário,
reduz enormemente o poder político da burocracia diplomática que deve
responder diretamente às orientações presidenciais (Amorim Neto, 2011,
pp. 127). O recente episódio da demissão do chanceler Antonio Patrio-
ta, pela presidente Dilma Rousseff, ilustra à perfeição a dependência
política do ministro à presidência. No ato, a presidente Dilma não ape-
nas retomou as rédeas da política externa da qual, por razões diversas,
não demonstrava o mesmo interesse que o governo anterior, como a no-
meação de seu sucessor, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo, foi uma
escolha pessoal da presidente de um diplomata afinado com as suas ideias
e orientações.
Este texto objetiva analisar o sentido da politização da política ex-
terna, comparando a diplomacia presidencial dos presidentes Fernando
Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Politização significa que
as respectivas políticas externas refletem as concepções e orientação po-
lítico-partidárias dos dois mandatários e que, portanto, elas se inserem
nas respectivas agendas presidenciais. No desenvolvimento de nosso ar-
gumento, consideramos três dimensões. Em um primeiro momento, ana-
lisa-se a dimensão política da presença do Brasil na América do Sul.
Busca-se identificar as diferenças de orientação da diplomacia presiden-
cial de ambos os presidentes. A segunda seção será destinada à análise de
dados comerciais, com o objetivo de avaliar a importância da América
do Sul para a economia e para o comércio brasileiros, bem como os
desafios das transformações da estrutura do comércio exterior brasileiro
para a política sul-americana do Brasil. Em um terceiro momento, com-
paramos o desempenho dos dois presidentes em uma das iniciativas da
política externa de conteúdo comercial.

A dimensão política da diplomacia presidencial

Tendo em vista que trabalhos anteriores já apontaram que o grau de


presidencialização da política externa se acentuou nos governos FHC e
Lula, cabe averiguar se existem diferenças nas respectivas orientações de

303
política externa. Há um relativo consenso na bibliografia corrente sobre
a questão. De acordo com Lessa et al. (2009, pp. 91-4), o Plano Plurianual
1996-1999 relativo ao Governo FHC priorizou os processos de estabili-
zação econômica e reforma do Estado e a menção à dimensão externa
aparece lateralmente na ênfase à estratégia de inserção competitiva e
modernização produtiva. As prioridades de política externa daquele go-
verno estavam subordinadas à estabilização e reformas de cunho liberal
na economia. A política externa tinha o papel de restaurar a credibilidade
econômica e política do País o que se traduziu na adesão do Brasil a
vários regimes internacionais como de direitos humanos; controle de
tecnologia de mísseis; Tratado para a Proibição Completa de Testes
Nucleares e, em 1998, o Tratado para a Proibição das Armas Nucleares
(TNP). A orientação predominante da política externa de FHC de ade-
são às normas liberais hegemônicas na ordem internacional pós-Guerra
Fria, foi caracterizada por especialistas como “autonomia pela participa-
ção” e, num viés mais crítico, “desenvolvimento pela aceitação” (Fonseca
Jr., 1998; Lessa et al, 2009, p. 92).6
Bem distintos foram os objetivos programáticos do Governo Lula
conforme expresso em seu primeiro Plano Plurianual (2000-2003), ca-
racterizado pelos autores como o “resgate da política externa” (Lessa et
al, 2009, p. 94). As orientações estratégicas do Governo Lula iam no
sentido de aumentar a participação do País nas relações econômicas in-
ternacionais e na discussão dos grande problemas mundiais, ressaltando
os efeitos da “globalização assimétrica” e a desigualdade entre as nações.
O Mercosul aparece como o parceiro-chave do Brasil na consecução de
sua estratégia de desenvolvimento, e a América do Sul é considerada
“plataforma preferencial” do Brasil, assim como priorizadas as relações
com a União Europeia. Os objetivos programáticos do Governo Lula
claramente restituíram à política externa o papel de se configurar como
um dos instrumentos-chave da estratégia de desenvolvimento do País.
Os planos seguintes reiteram a importância da América do Sul como
parte da estratégia brasileira de desenvolvimento, acrescentando-se ou-
tros objetivos fundamentais da política externa como a formação de no-
vas parcerias com os países do Sul, a constituição de uma “nova geografia
comercial”, o papel do País na formação do G-20 comercial, a impor-

6 Para a discussão dos diferentes sentidos da “autonomia” omo princípio orientador


da política externa, ver Tullo Vigevani & Gabriel Cepaluni (2011).

304
tância da cooperação Sul-Sul, e a necessidade de democratização das
instituições internacionais, em particular o Conselho de Segurança da
ONU (Lessa et al, 2009, pp. 94-105). O cerne da política externa do
Governo Lula foi caracterizada, na expressão-síntese do chanceler Cel-
so Amorim, como uma “política ativa e altiva”.
Foram assim bem distintas as orientações de política externa desses
dois governos, seja nas suas respectivas políticas externas declaratórias,
seja nas ações e iniciativas no plano internacional. A seguir, examinamos
como algumas dessas diferenças se manifestaram na diplomacia presi-
dencial dos dois mandatários.
Dessa forma, analisamos inicialmente a ação política do Brasil na
América do Sul. As relações diplomáticas, devido ao seu caráter imaterial,
dificilmente podem ser quantificadas. Por esse motivo, as viagens presi-
denciais para o exterior7 serão usadas como um indicador que revela o
grau de importância que o Governo brasileiro atribui à relação com o
outro país, um indicador usado anteriormente por outros estudos confor-
me mencionado anteriormente (Canson & Power, 2009; Amorim, 2011).
Essa escolha metodológica não é perfeita, pois a quantidade de visitas
não revela, em última instância, o teor e a profundidade das conversas.
Ainda assim, a visita oficial do presidente da República a um país vizi-
nho demonstra a existência de uma vontade política de maior diálogo e
de estreitamento dos laços políticos.

7 Para fins desta pesquisa, são consideradas viagens presidenciais ao exterior toda
e qualquer ida do presidente do Brasil a um território estrangeiro, na qualidade de chefe
de Estado. Com isso, não se faz distinção entre visitas bilaterais e multilaterais, pois se
entende que há diálogos bilaterais entre o Brasil e o anfitrião mesmo nas viagens multilate-
rais. Isso ocorre, pois parte significativa dos diálogos entre as autoridades governamentais
e sherpas ocorre por meios informais. Com isso, se o presidente vai a Nova York, a fim de
discursar na Assembleia Geral da ONU, essa viagem também seria considerada uma visita
aos Estados Unidos. A prática do Ministério das Relações Exteriores (MRE) de preparar
materiais para conversas bilaterais também nesses casos pode ser usada para comprovar a
relevância dessa escolha de pesquisa, pois evidencia o contato bilateral entre os países, ainda
que o motivo principal da visita seja para reuniões multilaterais. Cabe ressaltar, também,
que escalas em países no caminho de visitas a países mais distantes não são consideradas
como viagens.

305
Gráfico 1. Viagens presidenciais na região

Fontes: Portal do Planalto (<planalto.gov.br>) e Portal do Itamaraty (<itamaraty.gov.br>), consulta em outubro


de 2013.

Ao examinar a quantidade total de viagens presidenciais para os


países da região, percebe-se que o presidente Lula visitou os vizinhos
mais que o seu antecessor, e o número de idas à Argentina foi mais do
dobro (Gráfico 1). O baixo desempenho de Dilma Rousseff pode ser
explicado pelo critério adotado para o gráfico, o de considerar o núme-
ro total de viagens feitas. Como o período analisado de Fernando
Henrique (oito anos) é muito superior ao de Dilma (foram considerados
os dois primeiros anos), esse resultado pode ser considerado normal.
Ainda assim, há claros indícios de que a política externa de Dilma será
mais próxima da apresentada ao longo do Governo Lula, do que uma
volta aos números do governo tucano. Basta perceber que a média anual
de viagens de Dilma para a região, em apenas dois anos, já praticamente
se iguala à média de FHC, como pode ser observado no Mapa 1, a
seguir.

306
Mapa 1. Viagens presidenciais na região

Fontes: Portal do Planalto (<planalto.gov.br>) e Portal do Itamaraty (<itamaraty.gov.br>), consulta em outubro de 2013.

A ênfase da política externa brasileira na região aumentou signifi-


cativamente, em especial com relação aos países do Mercosul, ao se com-
parar a gestão de Lula com a de seu antecessor. O Suriname, por exem-
plo, que não fora visitado pelo presidente Fernando Henrique, recebeu o
presidente Lula em 2005. Apesar de importantes parceiros políticos e
comerciais, Chile, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Venezuela tinham média
de menos de uma visita anual no Governo do PSDB, ao passo que passa-
ram a receber de uma a duas visitas por ano no Governo Lula. A maior
ênfase na Argentina, ao comparar com outros países da região, continua,
mas ainda assim, FHC apresenta média de 1,375 visitas por ano, contra
2,375 de seu sucessor, que revela que, apesar de a relação preferencial
com a Argentina ser mantida, o diálogo é maior. Esses números apontados
no Mapa 1 demonstram que a política externa do Governo Lula inovou
em relação a seu antecessor na maior ênfase conferida à região sul-ame-
ricana, conforme os objetivos programáticos daquele governo. É visível
o aumento da presença política do Brasil na região, e a média anual de
visitas quase dobrou entre os dois governos (de 5,625 para 11,375). É
claro que alguns países receberam maior número de visitas, em comparação
com os outros da região, caso da Argentina, Paraguai, Uruguai, Venezuela,
Bolívia e Chile, os quais também são grandes parceiros comerciais, o que

307
dá indícios de que a política externa brasileira não pratica apenas uma “di-
plomacia de generosidade”, como será analisado na próxima seção do texto.
Os dados a seguir, comparando os Governos FHC e Lula com re-
lação às viagens presidenciais no mundo, indicam o equívoco de argu-
mentos que afirmam que o Brasil, ao conferir mais ênfase à América do
Sul, teria preterido outras regiões. Percebe-se que o Brasil não se descui-
dou de nenhuma região, nem se fechou para dentro da América do Sul.
Com algumas exceções — como o Canadá — a média anual de visitas
presidenciais foi mantida ou aumentada em quase todos os países. Não
apenas as viagens presidenciais foram mantidas para regiões como a
América do Norte, mas também a média anual de viagens para a Améri-
ca do Sul, América Central e Europa cresceu, e Lula visitou diversos
países africanos e asiáticos, praticamente ignorados no Governo FHC.

Mapa 2. Viagens presidenciais pelo mundo

Fontes: Portal do Planalto (<planalto.gov.br>) e Portal do Itamaraty (<itamaraty.gov.br>), consulta em outubro de 2013.

308
O aumento de ênfase na América do Sul não provocou o desfa-
vorecimento de outras regiões. Pelo contrário, a quantidade de visitas a
outras regiões também cresceu, conforme pode ser observado no Gráfico
2. Comparando o crescimento da média anual de viagens internacionais,
percebe-se as diferentes prioridades políticas daqueles dois governos. Dessa
forma, apesar da evidente ênfase conferida à América do Sul, pelo Gover-
no Lula, a presença do Brasil cresceu mais em outras regiões, como no
Oriente Médio, que não foi visitado pelo Governo FHC. As viagens
presidenciais cresceram aproximadamente 110% no período do Gover-
no Lula, em comparação com o do seu antecessor. Este crescimento
atendeu às prioridades de novas parcerias estratégicas do Governo Lula.
Destaca-se o crescimento robusto da média na América Central e na
África, mas também o crescimento em regiões que o Brasil já se fazia
presente, como na Europa (crescimento de 74,2%) e na América do Norte
(crescimento de 71,4%).

Gráfico 2. Viagens presidenciais no mundo

Fontes: Portal do Planalto (<planalto.gov.br>) e Portal do Itamaraty (<itamaraty.gov.br>), consulta em outubro


de 2013.

309
Gráfico 3. Crescimento das viagens presidenciais

Fontes: Portal do Planalto (<planalto.gov.br>) e Portal do Itamaraty (<itamaraty.gov.br>), consulta em outubro de 2013.

Não apenas a política externa no período do Governo do PT se


diferenciou de seu antecessor pela maior ênfase dada à América do Sul,
como foi muito mais ativa internacionalmente, globalizando de fato a
presença política do País e, em especial, inaugurando novas parcerias
ausentes no Governo FHC, como com os países africanos e do Oriente
Médio. Cabe observar que a vitória de um candidato brasileiro para o
comando da FAO e da OMC muito se deve ao apoio dado pelos países
africanos à postulação brasileira. Essas duas eleições revertem fracassos
anteriores experimentados por candidaturas brasileiras à chefia de outros
organismos internacionais. Na dimensão política, o que ocorreu foi um
aumento na ênfase na região, acompanhado de maior presença do Brasil
no mundo. A politização, medida pelo indicador da diplomacia presi-
dencial de fato se manifestou, no sentido que as respectivas diplomacias
presidenciais foram guiadas pelos respectivos objetivos estratégicos de
cada um dos governos. Os temores existentes antes da posse de Lula, de
que ele faria uma política externa antiEUA, não se confirmaram, e o ex-
-sindicalista teve média anual de visitas ao país em questão maior do que
o de FHC (1,125 visita de FHC contra 1,625 de Lula).
No final do século XX, após duas décadas de regime ditatorial e de
outros vinte anos de instabilidade econômica, a política externa brasilei-

310
ra entendia que a relação com os seus vizinhos poderia contribuir no
sentido de (re)inserir o Brasil na política e na economia mundiais. Por
um lado, o regionalismo brasileiro, nesse período, era um instrumento
para que o Brasil ganhasse força política para agendas sensíveis, como a
proliferação nuclear, temas de Direitos Humanos, etc. Na esfera econômi-
ca, o Governo brasileiro entendia que era necessário preparar-se para a
inserção no mundo globalizado. O final do século XX foi bastante intenso
na agenda comercial, como pode ser exemplificado pela negociação da
Rodada Uruguai na Organização Mundial do Comércio (OMC), pelas
conversas com o intuito de criar a Área de Livre Comércio das Américas
(Alca), entre outras iniciativas. A relação com a América do Sul, inclusi-
ve a instituição do Mercosul, era entendida como um processo de “regio-
nalismo aberto”, em que serviria de laboratório e de fortalecimento do
Brasil, para que se inserisse apropriadamente na economia mundial.
Após 2003, esse tratamento com os vizinhos foi alterado significati-
vamente. A região continua sendo importante para a política e a economia
brasileiras, mas não é mais percebida como um “trampolim” para o Brasil.
A política externa brasileira para a região ajustou as ações de acordo com
o entendimento de que o Brasil faz parte da América do Sul e que há uma
relação necessária com esses países, pois as decisões e o futuro de cada país
influenciam nos demais. A ideia de que há um “futuro comum” da região
incentivou o fortalecimento de outras dimensões na agenda sul-americana,
com temas sociais, de segurança e de concertação política. Os líderes
brasileiros continuam acreditando que o regionalismo pode contribuir
para o fortalecimento político do Brasil nos foros internacionais, porém
o objetivo buscado não é somente a inserção política e econômica no mun-
do, mas a reforma das instituições internacionais, de modo que permita um
desenvolvimento mais justo e sustentável para o mundo periférico.
A politização é evidente no trato com os países da América do Sul,
não no sentido da partidarização, entendida no sentido utilizado pela
crítica da mídia e da oposição à política externa dos Governos do PT,
mas objetivando fortalecer a região economicamente, politicamente e
socialmente, a fim de garantir a evolução do próprio País e a instituição
de regras que levem em conta os interesses dos países do Sul no sistema
internacional. A política externa brasileira não agiu contra os interesses
dos EUA, apenas recusou o papel de um stakeholder da estabilidade regio-
nal como desejariam os EUA. O componente político-ideológico do

311
Governo Lula e, se confirmado no de Dilma, se manifestou na mudança
de leitura do papel da América do Sul e de como o Brasil se insere na
região, diante dos desafios sistêmicos. A região deixou de ser vista apenas
como plataforma para a internacionalização dos produtos e investimentos
brasileiros, como acontecia antes, agregando-se à sua visão como espaço
de experimentação de novos formatos de organização social e política,
mas também como ator geopolítico na cambiante ordem internacional.

A relevância econômica da América do Sul e seus desafios

A região, em especial os países que compõem o Mercosul, desempenham


papel fundamental para o comércio e a economia brasileiros, apesar de
com frequência algumas críticas acusarem a política externa brasileira
para a região de “altruísta”, por gerar poucos benefícios concretos para o
Brasil. Nesse sentido, acusam o País de praticar uma “diplomacia da so-
lidariedade” ou “diplomacia da generosidade”. Tal entendimento deriva
de uma percepção de que o Brasil coopera incondicionalmente com os vi-
zinhos, arca com custos da integração e promove mecanismos de redu-
ção de assimetrias regionais, mas recebe poucos — ou nenhum — bene-
fícios em contrapartida. Os exemplos preferidos dessa “generosidade”
são a branda reação à nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia e a
renegociação do Tratado de Itaipu aumentando o preço da eletricidade
fornecida pelo Paraguai.
Nada mais distante da realidade. Como demonstram Pinheiro &
Gaio (2013),8 manter ou aumentar a ênfase política na região não é
altruísmo, mas um cálculo racional lógico, que também está baseado em
ganhos econômicos. O peso da região nas exportações brasileiras fica
evidente, ao analisar o Gráfico 4, adiante. Até o ano 2000, quando o
Brasil era deficitário na balança comercial, os fluxos do Brasil com os
vizinhos beiravam a estabilidade, contribuindo para melhores resultados
(ou para o seu não agravamento). Nos anos 2000, com a melhora do
desempenho comercial brasileiro, a América do Sul continua a ser im-
portante para a manutenção do superávit nacional. Na verdade, a contribui-
8 Cf. Letícia Pinheiro & Gabrieli Gaio. “The role of South-South cooperation for
development on Brazilian regional leadership and global protagonism”. In: D. Tussie & C.
Quiliconi (orgs.). Leadership of Brics at the regional and global levels: capacity, willingness and
legitimacy in an era of multipolarity. Nova York: Springer Publ. Co. (no prelo).

312
ção da região para o crescimento do superávit comercial é um dado que
põe por terra qualquer acusação de generosidade uma vez que o esperado
de uma suposta potência regional é que exatamente mantenha déficits
constantes com seus parceiros comerciais na região, uma tendência que
está presente, por exemplo, nas relações da China com seus vizinhos.
A região se manteve como importante parceiro comercial, mesmo
após a crise financeira de 2008. Evidentemente, a turbulência econômica
afetou os mercados do mundo inteiro, inclusive o sul-americano. Ainda
assim, os impactos no comércio brasileiro com os vizinhos não foram
tão acentuados, em comparação com outros mercados. Pode-se então
concluir que a relação do Brasil com a América do Sul contribuiu para
que os efeitos da crise fossem mitigados.
Conforme se pode observar no Gráfico 5, América do Sul é o
principal parceiro comercial brasileiro, ainda que sua participação tenha
caído ao longo dos anos. Se considerarmos somente Mercosul, o bloco é
o terceiro principal parceiro comercial do Brasil, somente atrás da Chi-
na e dos EUA,9 representando quase 50% do superávit comercial total
do País e 9% das exportações brasileiras, em 2012. Manter ou aumentar
a ênfase política na região, nesse sentido, não é altruísmo, mas um cálcu-
lo racional lógico, que também é baseado em ganhos econômicos.

Gráfico 4. Balança comercial brasileira

Fonte: Portal do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, consultado em junho de 2013.

9 Caso consideremos a União Europeia também como um bloco, o Mercosul


representaria o quarto maior parceiro comercial do Brasil.

313
Apesar da importância comercial da região, o comércio com a
América do Sul foi fortemente afetado pelas transformações estruturais
na economia mundial, em especial a partir da emergência da China no
comércio global, processo que teve início em meados dos anos 70. O rá-
pido e robusto crescimento econômico chinês influencia diretamente o
comércio brasileiro, gerando oportunidades e também grandes desafios.
O aumento do preço internacional das commodities e a demanda chinesa
por esses produtos teve impacto significativo no incremento do comércio
bilateral Brasil-China. Soma-se a esse fenômeno a diversificação da pauta
de exportação chinesa, que vende produtos manufaturados a preços
competitivos, ampliando sua participação nas importações brasileiras,
em particular de produtos industrializados, afetando a produção nacional
e ocupando mercados em países sul-americanos, deslocando exportado-
res brasileiros. Esse conjunto de fatores contribuiu para o rápido cresci-
mento da participação chinesa no comércio brasileiro. Os EUA também
tiveram sua participação diminuída em função do crescimento do aumento
crescente da China no comércio internacional brasileiro. Como se pode
observar no Gráfico 5, em 1995, a China representava 2,33% do fluxo
comercial brasileiro, em 2012, este percentual subiu para 16,2%.

Gráfico 5. Comércio internacional brasileiro

Fonte: Portal do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, consultado em junho de 2013.

314
Assim como a China tem contribuído para ampliar as exportações
de commodities brasileiras de forma significativa sendo diretamente respon-
sável pela formação de expressivas reservas internacionais, também é res-
ponsável por sérios desafios na região e fora dela. Em primeiro lugar, o
comércio Brasil-China tende a assumir cada vez mais uma configuração
típica centro-periferia, em que o Brasil exporta matérias-primas e compra
produtos industrializados chineses, contribuindo para a tendência à repri-
marização da pauta exportadora brasileira. De outro lado, o País está per-
dendo significativo market share na região além dos deslocamentos pro-
duzidos no plano doméstico. Excetuando-se os casos de carne e de açúcar,
a China é o principal mercado de exportação para as commodities agrícolas
e minerais brasileiras, com crescimento expressivo a partir de 2007. Apenas
no caso de carnes, a América do Sul é um mercado significativo. Ademais,
a pouca relevância do mercado sul-americano para produtos mais dinâ-
micos da pauta brasileira tem importante implicação política, qual seja, a
falta de apoio potencial dos exportadores de commodities a qualquer polí-
tica regional mais ativa do Brasil. Este setor se identifica com uma orientação
“globalista” com relação à política regional, concebendo o Brasil como um
global trader, advogando uma agenda seletiva de integração regional.10
Se a região não é relevante para as commodities, o mesmo não se
pode dizer com relação à exportação dos produtos industrializados, con-
forme Gráfico 6 abaixo que mostra a importância estratégica do merca-
do sul-americano para o setor industrial.

Gráfico 6. Produtos industrializados nas exportações brasileiras

Fonte: Portal do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, consultado em novembro de 2013.

10 Para as diferentes orientações da comunidade de política externa em pesquisa


realizada em fins dos anos 2000, ver Souza (2009).

315
Se somente considerarmos a exportação de produtos industrializa-
dos, percebe-se que a participação dos países da América do Sul repre-
senta aproximadamente 20% do mercado consumidor internacional para
os produtos nacionais (Gráfico 7). Após atingir um pico de quase 30%
de participação, esta diminui para 15,2% do total das exportações de
industrializados brasileiros em 2012. Essa queda na participação, entre-
tanto, não significa uma redução da exportação em números absolutos. A
exportação de industrializados brasileiros para a América do Sul cresce
gradualmente e representou quase 20 bilhões de dólares em 2012.

Gráfico 7. Produtos industrializados

Fonte: Portal do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, consultado em junho de 2013.

Analisando mais minuciosamente os resultados do comércio de


produtos industrializados para a América do Sul (Gráfico 8), verifica-se
que alguns países têm importância maior para a indústria nacional do
que outros. Ao considerar o total das exportações brasileiras para os
quatro países originários do Mercosul,11 observa-se que 90% desse co-
mércio é composto por bens industrializados. No outro sentido estão os

11 A Venezuela não foi incluída, devido ao período estudado, que é anterior ao seu
ingresso no bloco como membro pleno.

316
demais países da América do Sul, em que se nota redução da participa-
ção dos bens industrializados na exportação para esses países (a compo-
sição de bens industrializados que era próxima de 75% em 2002 e caiu
para aproximadamente 50% em 2012). Esses números demonstram a
relevância do Mercosul para o Brasil em termos econômicos, bem como
do comércio com a América do Sul, de modo geral. A manutenção do
Mercosul é importante para a economia brasileira, principalmente para
as exportações de bens industrializados. Em 2002, o valor absoluto da
exportação de manufaturados para os países do Mercosul (2,9 bilhões de
dólares) era ligeiramente menor do que o vendido para os demais países
da América do Sul (3,1 bilhões de dólares). Ao longo de dez anos, o
crescimento das exportações de produtos industrializados para o Mercosul
cresceu mais em termos absolutos do que para os demais países da região
(22,4 bilhões de dólares para o primeiro grupo e 17,3 bilhões para o
último). Esses dados sugerem que o Mercosul pode ser um instrumento
muito significativo para a estabilidade e mesmo o crescimento das ex-
portações de bens industrializados, indo na direção contrária ao alegado
movimento de reprimarização do comércio exterior brasileiro.

Gráfico 8. Participação de industrializados

Fonte: Portal do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, consultado em junho de 2013.

317
A ênfase na região sul-americana desde os Governos Lula tem o
apoio até de setores e entidades empresariais que fazem oposição ao
governo petista, como a Fiesp. Em recente documento, denominado
“Agenda de integração externa”, a Fiesp, apesar de demonstrar preocupa-
ção com a suspensão do Paraguai e com a adesão da Venezuela, reconhe-
ce a importância do Mercosul para a exportação de bens manufaturados
brasileiros, indicando que com pequenos ajustes o bloco não seria impe-
ditivo para a realização de acordos preferenciais de comércio com outros
parceiros, na direção contrária das críticas de setores da oposição políti-
ca à política comercial externa dos Governos do PT.

Iniciativas comerciais na América do Sul

Ainda com o objetivo de diferenciar a política externa pós-2003 da ante-


rior, pode-se analisar as iniciativas comerciais para a região. A evidente
ênfase política conferida aos países da América do Sul, em especial os
que compõem o Mercosul, também foi acompanhada de ações no âmbi-
to da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi),12 tanto no
Governo de Fernando Henrique Cardoso quanto no de Luiz Inácio Lula
da Silva. Ambos os presidentes buscaram aprofundar laços comerciais
com os países da região, e a média anual de iniciativas no âmbito da
Aladi do Governo FHC (4,625 iniciativas por ano) é inferior à média da
gestão de seu sucessor (4,875 iniciativas por ano).
O então ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, em
exposição realizada no Senado Federal, em 20 de junho de 2013, apre-
sentou evidências relevantes da dimensão comercial da política regional
brasileira. Longe de existir um abandono do âmbito comercial, em fa-
vorecimento de uma possível supervalorização das dimensões social e
política, o Brasil tem realizado acordos preferenciais com todos os países
da América do Sul, que foram ampliados, aprofundados ou criados nos
governos recentes.
Patriota, na referida apresentação, enfatizou o interesse de diversos
países de participação no bloco, como ficou evidenciado pela adesão da
Venezuela ao Mercosul (em julho de 2012), a assinatura do Protocolo de
12 Para fins de pesquisa, foram considerados somente os protocolos de adesão e
acordos no âmbito da Aladi. Os protocolos adicionais a acordos já existentes não foram
considerados.

318
Adesão ao Mercosul pela Bolívia (em dezembro de 2012) e a manifesta-
ção da vontade do Equador, Guiana e Suriname em também ingressar no
bloco. Com relação aos demais, o Brasil tem acordos de liberalização
comerciais no âmbito da Aladi com o Chile, a Colômbia e o Peru. Nas
palavras de Patriota: “Pode-se afirmar que já existe livre comércio entre
o Brasil e quase todos os países da América do Sul. A redução das tarifas
alfandegárias a zero já se verifica, no caso dos países do Mercosul, para
praticamente todos os produtos da Argentina, 98% do Uruguai, 93% do
Paraguai, e será de 91,9% com a Venezuela em 2019. Também se cons-
tata com relação a outros vizinhos: já é de 99% com o Chile e de 91%
com a Bolívia. Com esse país, alcançará 100% em 2019; no mesmo ano,
chegará a 94% com o Equador, 99,8% com o Peru e 83,6% com a Co-
lômbia. Desse modo, haverá livre comércio com quase todos os países da
América do Sul daqui a 2019”.
Essa trajetória de liberalização comercial na América do Sul é a
realização na prática dos objetivos de uma iniciativa brasileira prévia da
formação de uma área de livre comércio na região, a Alcsa, idealizado
em 1993 na gestão do então ministro de Relações Exteriores do Gover-
no Itamar Franco, Celso Amorim. Naquele momento a iniciativa respon-
dia à proposta norte-americana da constituição da Alca. Olhando pelo
retrovisor, a decisão brasileira de rejeitar a formação da Alca mostrou-se
acertada, tendo em vista a perda de autonomia na condução de diversas
políticas governamentais em que o País incorreria. O movimento atual,
que tem sido feito de forma bilateral e sem muito estardalhaço, também
é uma resposta brasileira aos que insistem que o Brasil deveria abando-
nar o Mercosul e partir para a adesão precipitada na propalada Aliança
para o Pacífico, constituída por México, Chile, Peru e Colômbia.
Observando o Mapa 3, constata-se que ambos os governos deram
prosseguimento ao movimento semelhante que impulsionou a ideia da
Alcsa nos anos 90. Ao longo do primeiro mandato do Governo Lula, as
médias de iniciativas para a Venezuela e para a Bolívia foram menores
do que as apresentadas no primeiro mandato de Fernando Henrique, por
sua vez, as médias para o Uruguai e para o Paraguai são superiores na
gestão de Lula. Portanto, a crítica de que o Governo petista teria favore-
cido as relações com países “bolivarianos”, devido a uma alegada “ideolo-
gização” da política externa não se respalda na realidade. Percebe-se que
ambos os presidentes deram ênfase semelhante à região em termos de
iniciativas no âmbito da Aladi.

319
Mapa 3. Iniciativas no âmbito da Aladi

Fonte: Portal da Aladi, consultado em junho de 2013.

Certamente tanto no Governo FHC quanto no de Lula e de Dilma,


a política externa busca obter ganhos econômicos para o País nas relações
com a região. O que mudou nos Governos do PT foi a leitura que se faz
dela: não apenas um espaço geográfico para os negócios e investimentos
brasileiros, mas também espaço político compartilhado e, mais, a impor-
tância da construção de uma visão de futuro comum do Brasil e dos seus
vizinhos, em que a prosperidade brasileira só será alcançada se todos os
demais experimentarem a mesma trajetória. Uma importante iniciativa
para esse objetivo foi o reconhecimento das assimetrias estruturais na
região, com a criação do Focem, dimensão que esteve totalmente ausente
nos Governos FHC, criando uma coerência entre o discurso brasileiro
na região e o defendido nos foros mundiais sobre desenvolvimento.
Do mesmo modo, não se pode afirmar que a política externa brasi-
leira do Governo Lula seja uma continuidade da gestão anterior. As ins-
tituições são entendidas como um meio de desenvolver a região tanto na
dimensão política, econômica e social. A América do Sul e as institui-
ções existentes no continente (inclusive o Mercosul) deixaram de ser
consideradas exclusivamente um instrumento de regionalismo para inse-
rir o Brasil no capitalismo internacional.

320
Observações finais

Argumentamos neste texto que a presidencialização da política externa é


um processo em curso desde o Governo Fernando Henrique tendo sido
aprofundado no Governo Lula. Essa tendência implica que os presiden-
tes busquem implementar suas respectivas agendas de política externa
tendo em vista suas plataformas de Governo específicas. Comprovada a
direção política da diplomacia presidencial de ambos a questão que fica
é até que ponto se pode ainda falar de um “monopólio do MRE” no
contexto da consolidação democrática no Brasil. Não apresentamos aqui
evidências suficientes para que se possa decretar o fim daquele monopó-
lio. Mas fica uma sugestão forte para que pesquisas futuras busquem
analisar o processo decisório da política externa para aquilatar a variação
de grau e de direção política da política externa presidencial.
Buscamos também apontar a importância da América do Sul para
o comércio exterior brasileiro, em especial para produtos manufaturados.
Dois desafios da economia política regional parecem claros. Em primeiro
lugar o desafio representado pela presença da China no comércio da
América do Sul e do Brasil em particular. As profundas e rápidas transfor-
mações da inserção internacional chinesa tornam extremamente complexos
prognósticos definitivos. Por outro lado, as mudanças na estrutura do
comércio exterior brasileiro para a região incidem diretamente na forma-
ção das constituencies domésticas ao aprofundamento da política sul-ameri-
cana do Brasil, num contexto em que o Mercosul não tem mais o mesmo
grau de consenso nas coalizões econômico-política domésticas.
Finalmente, demonstramos que tanto o Governo FHC quanto o de
Lula ampliaram as iniciativas de liberalização comercial na região sul-ame-
ricana, recriando projeto anterior concebido quando a Alca aparecia como
ameaça a um projeto de maior autonomia da política externa. Tendo em
vista a importância da região para as exportações de manufaturados brasi-
leiros, uma ativa e diversificada política regional do Brasil parece ser o
melhor antídoto à sempre presente ameaça de reprimarização de nossas
exportações e uma oportunidade inédita para que o País possa impulsio-
nar a coordenação dentro da região e mesmo fora dela para ampliar o
poder de barganha da América do Sul em face da região asiática (César,
2013).

321
Referências
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AMORIM NETO, O. De Dutra a Lula: a condução e os determinantes da política externa
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VIGEVANI, T. & CEPALUNI, G. A política externa brasileira: a busca da autonomia de
Sarney a Lula. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

322
AUTONOMIA, DEMOCRACIA E POLÍTICA
EXTERNA EM TEMPOS DE NOVO-
-DESENVOLVIMENTISMO: UMA ANÁLISE DOS
GOVERNOS LULA E DILMA

BRUNO BORGES
MAURÍCIO SANTORO

C OMO A PROCURA de um novo-desenvolvimentismo nos Governos


de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff impactaram na di-
plomacia do Brasil? Desde a Revolução de 1930, a busca pelo desenvol-
vimento tem sido o pilar da política externa brasileira. Resolvidos os
problemas da legitimação do regime republicano e completada por Rio
Branco o processo de delimitação das fronteiras, a tarefa principal da
diplomacia tornou-se a promoção dos interesses econômicos do Estado.
Incialmente, no difícil contexto da Grande Depressão e da Segunda
Guerra Mundial e na formulação das políticas públicas da industrializa-
ção por substituição de importações. Posteriormente, ao longo do ciclo
ideológico do nacional-desenvolvimentismo, que com suas diversas va-
riações permanece como centro da estratégias políticas do Brasil até a
inflexão liberal da década de 1990 (Bielschowsky, 2000).
O novo-desenvolvimentismo do século XXI retoma temas e políti-
cas tradicionais do período de 1930-1980, mas promove o aggiornamento
dessas práticas, para o contexto de uma economia globalmente mais in-
tegrada e de uma sociedade civil bem mais dinâmica e articulada, que
demanda novos temas para agenda clássica do desenvolvimento, incorpo-
rando atores sociais a esses debates. A democracia se impõe como parte
de uma estratégia de inserção externa de modo mais pronunciado que no
passado, na medida em que o Itamaraty passa por um processo de “des-
insulamento burocrático” e a formulção da diplomacia, de um modelo de
“clube” para o de “múltiplos interessados” (Lopes, 2013, pp. 8-13).

323
Este texto analisa as transformações da política externa de Lula e
Dilma no que toca à promoção do desenvolvimento, incorporando a preo-
cupação com seu componente democrático e social. É uma história de
ampliação de agenda, mas também de contradições, recuos, expectativas
crescentes e frustrações, no ambiente de um presidencialismo de coali-
zão que implica acordos complexos com setores muito conservadores da
política brasileira.
Nosso estudo começa com um balanço histórico do tema do de-
senvolvimento na diplomacia do Brasil dos últimos oitenta anos, com
ênfase nas mudanças após as reformas liberais da década de 1990. Discu-
timos como a tradição da busca de autonomia pela política externa foi
fragilizada no contexto de uma política internacional na qual a proemi-
nência dos Estados Unidos diminuiu opções de alianças pendulares que
existiram anteriormente e de adesões ideológicas que descartaram alter-
nativas de políticas públicas.
A guinada do início do século XXI aponta para um novo-desenvol-
vimentismo, pela recuperação da capacidade de ação do Estado e por um
ambiente externo mais propício, marcada pela ascensão dos Brics e de
outras potências emergentes e por um boom de commodities que beneficia
o Brasil. Mas o período também é marcado por dificuldades políticas,
com a busca pela governabilidade resultando em pactos que estabelecem
fortes limitações à capacidade de mudança. Os grandes protestos que
afloraram em junho de 2013 ilustram a intensidade das demandas sociais
não atendidas.
A segunda metade do artigo é dedicada ao tema da democracia
como parte do novo modelo de inserção externa do País. Argumentamos
que ela influencia a política exterior de duas maneiras: por uma aproxi-
mação das políticas sociais com a diplomacia, sobretudo por meio da
agenda de cooperação internacional; e pela participação crescente de
vários setores sociais na diplomacia, inclusive a difusão maior de compe-
tências anteriormente concentradas no Itamaraty.
As repercussões da democratização progressiva do Brasil são muito
grandes na integração regional da América Latina, impulsionando di-
versos acordos de aproximação com países vizinhos. Influencia também
as posições nacionais em fóruns multilaterais com respeito a temas de
promoção dos direitos humanos e de intervenções humanitárias, nos quais
cada vez mais é questionada a agenda tradicional do País, de preservação
absoluta da soberania diante de ações externas. Essa visão passa a ser

324
matizada pela participação progressiva da sociedade civil do Brasil em
redes transnacionais de direitos humanos e pelas responsabilidades cres-
centes do País na ordem global, com expectativas de que assuma parcela
maior da condução de operações de paz e da mediação de crises políticas.
Esses dilemas têm-se mostrado particularmente presentes no de-
bate sobre a doutrina de “Responsabilidade de Proteger” e na resposta
brasileira da “Responsabilidade ao Proteger”, que procura reforçar as
regras para a implementação e a prestação de contas de intervenções
humanitárias, tema da última seção deste texto.

A busca de autonomia na política externa

Uma dificuldade teórica ao longo dos últimos anos — e que se reflete


com peso, também na política doméstica brasileira — tem sido a difícil
tarefa de rearticular o conceito de desenvolvimentismo e da busca da
autonomia. Isso tem especial impacto porque, durante muito tempo, o
modelo de desenvolvimento brasileiro esteve plenamente articulado com
a política externa do País, condicionando as diferentes estratégias de in-
serção internacional ao que maximizaria um resultado de políticas para
as quais havia um consenso construído internamente (Pinheiro, 2004).
Apesar de esse consenso da política externa ter exibido variações,
suas linhas mestras estavam definidas no diagnóstico tradicional do
desenvolvimentismo brasileiro: a necessidade de criação de um mercado
interno vigoroso a partir do processo de industrialização por substituição
de importações (Bielschowsky, 2000; Borges, 2011; Furtado, 2013). Desde
a década de 1930, com a ascensão de Vargas ao poder, a necessidade de
usar a política externa como instrumento para a promoção de um projeto
de desenvolvimento vai sobrepor-se às considerações momentâneas de
alguns períodos com um perspectiva liberalizante da economia — os
governos dos marechais Eurico Gaspar Dutra (1946-51) e Humberto
Castello Branco (1964-67) são os casos paradigmáticos. Ambos vêm de-
pois de rupturas institucionais e tentam marcar uma diferença acentuada
de posição com os governos anteriores.
A escolha de determinados setores econômicos que eram vistos como
essenciais para o projeto de desenvolvimento, por exemplo a metalurgia
ou, posteriormente, a indústria automobilística, definiram não somente
as estratégias e as prioridades governamentais de políticas econômicas,

325
mas garantiram uma relação duradoura e importante entre o Estado bra-
sileiro e a formação do empresariado nacional (Diniz & Boschi, 2004;
Schneider, 2004). Essa relação entre empresariado e Estado acabou re-
presentada de maneira bastante concreta na política externa, que procurou
ativamente dois objetivos: garantir a possibilidade e diversidade de fon-
tes externas de financiamento, assim como assegurar a maior margem de
autonomia possível da indústria brasileira diante de ameaças externas.
Diversos setores, principalmente os ligados à produção de tecnologia,
estiveram ligados a essa busca de espaço autônomo, como a formação do
setor de informática ou da produção de tecnologia aérea (Borges, 2011).
Para que pudesse funcionar, vários setores da sociedade brasileira
precisavam estar de acordo quanto aos custos e resultados dessa política.
Tanto setores de esquerda quanto de direita acreditavam que, apesar de
haver diferentes formas de buscar esses resultados e que havia custos
associados a cada uma dessas escolhas, o diagnóstico do problema podia
ser englobado pela ideia de que não haveria uma inserção possível e
razoável a longo prazo se a industrialização não fosse estimulada no País
mediante uma ativa política industrial. Para completar, a criação da in-
dústria e o desenvolvimento do mercado interno eram parte indissociável
da criação de uma classe média urbana.
Esse consenso, que junta a política externa com o modelo de de-
senvolvimento brasileiro baseado na promoção da industrialização, vai
perdurar até a década de 1990, com a chamada crise de paradigmas da
política externa (Pinheiro, 2004, pp. 50-1). A quebra desse consenso se
dá tanto por motivos pragmáticos quanto ideológicos. Os primeiros apon-
tavam para uma aguda diminuição do espaço para a articulação de polí-
tica externa em um mundo unipolar, assim como o esgotamento da capa-
cidade de financiar e sustentar politicamente o modelo de substituição de
importações. Quanto ao aspecto ideológico, pesaram bastante as leituras
liberais de que qualquer modelo de desenvolvimento que procurasse o
uso ativo de políticas industriais estaria condenado ao fracasso e que,
com a consolidação da globalização econômica, só restaria um único
modelo de capitalismo fazendo com que todos os países convergissem
para a variedade norte-americana de capitalismo liberal.
Diante desse diagnóstico de Economia Política, parecia para os
policy makers brasileiros que os espaços de autonomia do País haviam
diminuído drasticamente. Mais ainda, a década de 1990 marcou a pro-
liferação de diferentes vozes disputando o espaço surgido a partir da

326
quebra de uma definição clara de interesse nacional, demandando uma
rediscussão de um tema tradicionalmente liberal das Relações Interna-
cionais: com o aumento da interdependência entre Estados nacionais,
vem a dificuldade de selecionar e promover uma única concepção do que
seria o interesse nacional (Keohane & Nye, 2001).
A promoção do desenvolvimento não mais estava diretamente ligada
à busca de autonomia. Durante a década de 1990, a busca de inserção
através da maior integração ao mercado global gerou diversas estratégias
distintas, incluindo a aposta em um regionalismo baseado na abertura de
mercados e harmonização de tarifas. No entanto, identificar autonomia
com um processo de industrialização como nas décadas anteriores já não
parecia ser mais factível até a década seguinte (Bresser-Pereira, 2007).

Os desafios do novo-desenvolvimentismo

Promover um novo pensamento desenvolvimentista foi tarefa que os Go-


vernos Lula e Dilma se propuseram a fazer na última década. Essa reo-
rientação do pensamento desenvolvimentista surgiu da identificada ne-
cessidade de dar uma resposta prática às necessidades de investimento do
Governo brasileiro na revitalização de importantes setores dentro do Esta-
do, a partir da constatação de que, para que houvesse uma possível inser-
ção brasileira no sistema internacional do século XXI, era necessário
retomar a ênfase no aumento da capacidade estatal, que havia sido dimi-
nuída ao longo da década anterior (Diniz, 2007; Bresser-Pereira, 2007).
Dois obstáculos, um de natureza política e o outro de natureza teó-
rica, contribuíram para que essa estratégia tivesse, em sua retomada, uma
grande dificuldade de implementação: a primeira é a natureza fragmentada
da coalizão que dá sustentação à governabilidade desde a redemocratização,
a partir do que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão
(ou, na formulação de Marcos Nobre, peemedebismo) (Limongi, 2007;
Nobre, 2013). O segundo desafio é a proliferação de vozes com concep-
ções diferentes do que uma proposta de desenvolvimento deveria enfatizar.
O primeiro desafio diz respeito a uma enorme ênfase na estabilidade
e na governabilidade que são características de um sistema eleitoral frag-
mentado e com grupos políticos representando interesses tão diversos.
Segundo as análises consagradas do fenômeno do presidencialismo de
coalizão, para que haja a implementação e continuidade de políticas

327
públicas desenvolvidas pelo Poder Executivo, a dinâmica estabelecida
pelos sucessivos governos pós-redemocratização tem sido a de tentar
refletir na composição de ministérios e cargos a distribuição de apoio da
base de governo no Congresso Nacional. Essa dinâmica de distribuição
proporcional de cargos seria uma espécie de parlamentarismo às avessas,
em que, apesar de ter um Congresso extremamente fragmentado, o Go-
verno aprova a maioria das leis que apresenta, sendo o maior responsável
por produzir legislação no País (Santos, 2006; Limongi, 2006).
O dilema se estabelece quando, ao consolidar essa base de apoio a
partir de grupos muito fragmentados, o Governo é obrigado a seguir
uma lógica perversa: os projetos de lei enviados ao Congresso dificil-
mente saem do Executivo sem uma negociação prévia do que propõem,
assegurando que, dificilmente, uma lei com conteúdo polêmico dentro
da base seja proposta. Essa situação tende a mudar o foco da política
governamental: em vez de grandes programas de reformas consistentes,
dilui-se a política ao exercício do pragmatismo imediato. Como não há
consenso político sobre os grandes temas do desenvolvimento, tem-se
uma agenda fragmentada, que reforma parcialmente algumas instituições
sem que se altere substancialmente as complementaridades institucionais
presentes no modelo de capitalismo brasileiro.1 Se essa dinâmica estabe-
lece, por um lado, que não haja grandes paralisias governamentais como
ocorrem tradicionalmente em sistemas presidencialistas, por outro lado
ela gera a diminuição do horizonte político e da possibilidade de refor-
mas estruturais de longo prazo e de largo alcance.
A agenda de desenvolvimento foi afetada particularmente pela maior
dificuldade que movimentos sociais têm de articular uma ação coletiva
capaz de ser representativa no Congresso, ao passo que grupos de inte-
resse tradicionais, como a bancada ruralista, conseguem transformar apoio
em votos sem tantos esforços. Em alguns casos, por exemplo, a definição
de uma política pública que se iniciou plural acaba retrocedendo diante
de obstáculos à governabilidade — de acordo com grupos da sociedade
civil, a política de direitos da mulher acabou sendo subordinada à lógica
de grupos religiosos dentro do Congresso, um outro grupo com grande
capacidade de mobilização e de formação de ação coletiva.
O segundo desafio para a implantação do Novo-Desenvolvimen-

1 Para o conceito original de complementaridades institucionais, a referência é a


obra de Peter Hall & David Soskice (2001).

328
tismo é a diversidade teórica e de vozes que quebraram o consenso sobre
as prioridades de uma agenda de desenvolvimento definida pelo Estado
(Rapley, 2007). Se na década de 1960, tanto o diagnóstico quanto as so-
luções para superar o subdesenvolvimento faziam sentido, na última dé-
cada, com a incorporação de outros temas, ficou mais difícil conjugar um
projeto coeso de desenvolvimento com expectativas sociais múltiplas. Os
temas que envolvem, por exemplo, as características do desenvolvimento
a partir das populações indígenas, por exemplo, ou a incorporação da
necessidade de preservação do meio ambiente, e que podem gerar enor-
mes contradições na definição de metas, simplesmente não eram ressal-
tados nas décadas de 1950 e 1960.
Reconhece-se hoje que grupos minoritários locais não podem fi-
car à margem da discussão sobre política pública que os afeta diretamen-
te, o que não corresponde ao que imaginamos ser um processo democrá-
tico inclusivo. Apesar dos avanços na tentativa de criação dos conselhos
e da incorporação de novas vozes ao processo, algumas decisões de larga
escala têm um peso muito maior hoje: um projeto como a hidrelétrica de
Belo Monte, no rio Xingu, no Pará por exemplo, toca em cada uma das
diversas instâncias em que o Estado acaba tomando decisões que dificil-
mente são conciliáveis com posições locais.
Mais do que isso, ficou claro que a melhora nas condições sociais
brasileiras na última década trouxe consigo uma multiplicidade de deman-
das reprimidas que só foram encontrar uma válvula de escape nas ruas
(Nobre, 2013). Sem ter como escoamento o tradicional canal de deman-
das da representação tradicional — o Poder Legislativo —, diversos gru-
pos têm de expor suas reivindicações de modo que fujam da definição
tradicional da agenda.
Os reflexos de uma indefinição política de metas de desenvolvimento
minimamente consensuais faz que isso se reflita na política externa brasi-
leira seguindo uma lógica parecida da formulação de políticas públicas do-
mésticas. Se, tradicionalmente, a política externa já opera no âmbito da
ambiguidade em relação às decisões que afetam objetivos maiores, outro
problema se soma a isso: a dificuldade de ter clareza desses próprios ob-
jetivos. Diante de um contexto internacional que permitiu a ascensão de
países emergentes na última década e da preponderância que o Brasil
obteve a partir desse cenário, nesse momento a política externa passa por
uma rediscussão fundamental, tanto por conta de seus meios quanto de
seus objetivos maiores.

329
Com a ascensão dos países dos Brics na última década e o aumento
das possibilidades de inserção no sistema internacional, ainda não está
claro qual é o novo modelo que acompanha esse cenário. Apesar dos
países componentes do bloco possuírem modelos de capitalismo com
forte presença do Estado, especialmente no caso chinês, ao contrário do
último o Brasil tem de incorporar as demandas de uma democracia em
suas decisões. Se isso traz maior legitimidade, também faz com que a
definição de políticas de longo prazo seja uma constante busca para har-
monizar posições e aparar arestas.

O lugar da democracia e dos direitos humanos


na política externa

Qual o lugar da democracia no modelo de desenvolvimento que pauta a


política externa de Lula e Dilma Rousseff e da formulação de um novo-
-desenvolvimentismo? É uma posição forte, mas ambivalente e contradi-
tória. Embora os Governos brasileiros difundam a avaliação positiva das
liberdades democráticas domésticas, e procurem reforçá-las em acordos
regionais na América Latina, direitos civis e políticos são incômodos na
busca de objetivos externos junto a regimes autoritários, situações nas quais
a diplomacia prefere destacar uma agenda vinculada a avanços socioeco-
nômicos, como os promovidos pelas políticas públicas das décadas de
2000-10 e muito presentes nas iniciativas de cooperação internacional
do Brasil.
Esse desconforto também se manifesta nas relações com Cuba e na
relutância brasileira no Conselho de Direitos Humanos em condenar
graves violadores, e é uma das razões pelas quais o desempenho do País
é considerado decepcionante no tema (Brysk, 2009). Há uma lacuna
entre o dinamismo interno da democracia brasileira e o espaço que o
assunto ocupa na política externa.

Participação cidadã na política externa

A democracia muda a diplomacia porque permite aos diversos grupos de


interesse na sociedade mobilizar-se por suas preferências, no modelo
clássico do “jogo de dois níveis” (Putnam, 1988). Nas economias mais

330
abertas e integradas globalmente dos anos 1990, isso levou a uma apro-
ximação entre política externa e outras políticas públicas (Hirst, 2005;
Pinheiro & Milani, 2012). Um número crescente de atores sociais está
engajado em redes internacionais e a diplomacia se descentraliza, com
mais órgãos governamentais assumindo responsabilidade pelos assuntos
externos. No Brasil, isso foi particularmente marcado pela ascensão da
“diplomacia presidencial”, na qual chefes de Estado começaram a ter um
papel muito ativo na elaboração da política externa e pela expansão da
agenda de cooperação internacional da área social do governo (Carson
& Power, 2006; Danese, 1999; França & Sanchez, 2009).
Após a redemocratização, o Brasil criou diversos conselhos de po-
líticas públicas, nos âmbitos federal, estadual e municipal, que reúnem
representantes da sociedade civil e integrantes dos diversos níveis do
Governo brasileiro. Em geral de caráter consultivo, funcionam como fó-
runs de debate, fiscalização e prestação de contas. Nasceram na área
social, abarcando temas como saúde, assistência social, educação, e pro-
teção de crianças e adolescentes. Expandiram-se para abarcar também
campos como segurança pública e desenvolvimento socioeconômico. A
política monetária e a diplomacia são as exclusões mais significativas
desta onda de participação cidadã nos assuntos públicos (Dagnino, Olvera
& Panfichi, 2006).
O crescimento do interesse em política externa também é verifica-
do nas organizações da sociedade civil brasileira. As negociações da dí-
vida externa, da criação da união aduaneira do Mercosul e de tratados de
livre comércio despertaram a atenção de associações como a Coalizão
Empresarial Brasileira e dos sindicatos. A “década das conferências”
dedicadas aos temas sociais das Nações Unidas foi um poderoso incenti-
vo para a inserção em redes transnacionais de organizações feministas,
socioambientalistas e dos movimentos negros e indígenas (Lindgren Alves,
2002). No clássico “efeito bumerangue” (Keck & Sikkink, 1998), esses
grupos buscaram aliados no exterior para reforçar suas posições perante
o Governo brasileiro, no contexto de mudança institucional da redemo-
cratização, com ampla criação de leis e órgãos públicos para implementar
as novas políticas sociais.
O Ministério das Relações Exteriores dialoga com a sociedade
civil, mas em caráter limitado, relutante em abrir espaço que signifique a
perda de sua liderança na formulação de política externa. Mas ocorrem
aproximações entre movimentos sociais, ministérios da área social e o

331
Congresso Nacional, que atuando em coalizão, buscam somar forças para
aumentar sua influência na agenda diplomática (Erthal, 2005; 2006).
Um exemplo é a formação do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e
Política Externa, que inclui representantes da sociedade civil e de vários
órgãos públicos, mas não conta com a participação da chancelaria. O
Comitê tem sido importante em diversos temas, sobretudo no apoio aos
brasileiros que vivem no exterior e no monitoramento dos votos brasilei-
ros em fóruns multilaterais (Santoro, 2007).

1. DEMOCRACIA E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL

A democracia tem sido importante na formulação e implementação


de políticas sociais mais efetivas no Brasil, e as iniciativas bem-sucedidas
se converteram em instrumento de projeção de prestígio do País, por meio
de acordos de cooperação internacional. As áreas de saúde e segurança
alimentar são os exemplos mais expressivos. A política brasileira de comba-
te à aids é fruto do novo ambiente democrático, com intensa interlocução
entre movimentos sociais e o Ministério da Saúde, chamando atenção para
os impactos da doença e para a necessidade de o Estado custear o tratamen-
to de custo elevado. Ao longo dos anos, isso levou à consolidação do uso
de medicamentos genéricos nos coquetéis de remédios contra o vírus HIV.
Na Organização Mundial do Comércio, o Brasil defendeu o licenciamento
compulsório desses produtos, em conflito com interesses das grandes
empresas farmacêuticas. O resultado do embate foi favorável às pressões
brasileiras e de outras nações em desenvolvimento, como Índia e África do
Sul, com a elaboração da Declaração de Saúde Pública da OMC (2001),
vinculada aos acordos Trips, sobre patentes e propriedade intelectual.
O Programa de Combate à Aids do Ministério da Saúde é marcado
por ampla participação cidadã em sua elaboração, com grupos de trabalho
que envolvem segmentos tradicionalmente discriminados na sociedade
brasileira, como travestis, prostitutas e profissionais da indústria pornográ-
fica. Debater a disseminação da aids implica discutir estruturas de poder
e de identidade de gênero e isso raramente é possível fora da democracia.2
O programa tornou-se importante na cooperação internacional brasileira,
em particular com os países da África, nos quais há casos de até dois
terços da população infectadas com o HIV. As condições de saúde são bem

2 Avaliação de funcionários do Ministério da Saúde, em conversa com os autores.

332
mais dramáticas do que no Brasil, e debater publicamente questões de se-
xualidade, como uso de preservativos, continua a ser tabu. Ainda assim, o
programa brasileiro é a principal referência técnica e política para outras
nações em desenvolvimento que buscam modos de enfrentar a aids.
A saúde pública do Brasil também influencia positivamente na rela-
ção do País com os vizinhos, em especial com as nações mais pobres da
América do Sul, como Bolívia e Paraguai. O Sistema Único de Saúde,
apesar de problemas, contrasta favoravelmente com carências ainda maio-
res do resto do continente. Em cidades de fronteira, é comum pessoas
desses Estados procurarem hospitais públicos brasileiros para fazer exames
e obter medicamentos. O Governo Federal tem sido sensível a essas deman-
das e estuda lançar traduções para o espanhol de suas cartilhas de saúde.
As políticas públicas de segurança alimentar também transforma-
ram-se num instrumento de política externa, em particular pelo auxílio
brasileiro para implementar versões locais do Programa Bolsa Família
(PBF). A necessidade de inciativas do Governo Federal para combater a
fome e a desnutrição foram uma demanda forte da sociedade civil do
Brasil a partir da década de 1990, com a realização de grandes campa-
nhas de doações de alimentos lideradas pelo sociólogo Herbert de Souza.
Aos poucos, o Estado incorporou essas preocupações, criando conse-
lhos de políticas públicas na área de segurança alimentar, programas
dedicados ao tema e, por fim, o Ministério do Desenvolvimento Social.
O PBF foi elaborado no Governo Lula, a partir da junção de iniciativas
implementadas por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, do au-
mento de recursos públicos para tratar do tema e do auxílio de organizações
multilaterais, como o Banco Mundial, que ajudaram o Governo a conhecer
programas semelhantes, como o Progresa-Oportunidades, do México.
Também tem sido importante nas relações do Brasil com nações da África
e em várias iniciativas no sistema ONU, como na eleição do agrônomo e
economista, ex-ministro da Segurança Alimentar, Francisco Graziano
para chefiar a FAO, órgão das ONU que trata de agricultura e alimentação.
A formulação brasileira apresenta as políticas sociais do País como
um modelo que pode ser implementado independentemente do regime
político da nação beneficiada. Os diplomatas do Brasil frisam que a co-
operação nacional não apresenta “condicionalidades”, isto é, não exige
contrapartida em termos de reformas e que é “dirigida por demandas”,
ou seja, atende a solicitações dos Estados. Esse formato seria o principal
diferencial do modelo tradicional Norte-Sul, que é visto pelo Ministério

333
das Relações Exteriores como hierárquico, impondo padrões e visões de
mundo dos países ricos aos em desenvolvimento.
Contudo, a posição pretende que políticas sociais cujos resultados
bem-sucedidos são fruto de processos democráticos de deliberação e pres-
tação de contas terão efeitos positivos semelhantes em regimes autoritários.
Organizações não governamentais também questionam a junção de ações
de cooperação com o apoio aos negócios no exterior das grandes empresas
brasileiras, chamando a atenção para a falta de transparência e de presta-
ção de contas no auxílio oficial a essas firmas, e dos impactos negativos
para os direitos humanos que decorrem de vários desses investimentos,
sobretudo nas atividades extrativas, como mineração e hidrocarbonetos.3
Mas a cooperação para a democracia não é um tema tabu. O go-
verno brasileiro tem colaborado em diversas iniciativas envolvendo a
difusão de tecnologia e conhecimento especializado na realização de elei-
ções, em particular com treinamentos que envolvem a instalação de ur-
nas eletrônicas e viagens de estudo sobre o sistema eleitoral e jurídico
brasileiro (Abdenur & Marcondes Neto, 2013). Novamente, a ideia é
que tais ações atendem às demandas dos Estados beneficiados e não são
impostas como condicionalidades.
A justiça de transição também tem consolidado como um novo
campo para cooperação externa do Brasil. No Mercosul, há iniciativas
conjuntas para a busca de arquivos, levantamento de informações e para
o trabalho de Comissões da Verdade. Tem havido também esforço bra-
sileiro para entender o papel da política externa na ditadura, na repressão
aos dissidentes exilados na região, e no auxílio à queda de governos de-
mocráticos no Chile e no Uruguai. A questão tem sido objeto de pesqui-
sa acadêmica (Almeida, 2008; Bandeira, 2008, Penna Filho, 2009) e
ficção semiautobiográfica escrita por diplomatas (Ribeiro, 2010).

Democracia e integração regional

Lula e Dilma herdaram quinze anos de “paz democrática” na Amé-


rica do Sul — iniciativas de integração regional lançadas na década de
1980 pelos presidentes civis da Argentina e do Brasil, e prosseguidas

3 “Organização brasileira lança estudo sobre a cooperação brasileira em Moçam-


bique”. Jornal Brasil de Fato, 2-8-2013.

334
(com sobressaltos e hesitações) por seus sucessores. Elas substituíram as
disputas geopolíticas por fronteiras e recursos naturais das ditaduras mi-
litares por acordos comerciais e fóruns de concertação diplomática — o
Programa de Integração e Cooperação Econômica (Pice) e o Mercosul.
A democracia tornou-se parte das preocupações do bloco durante
a crise militar no Paraguai, em meados da década de 1990, que quase
resultou em um golpe. Argentina e Brasil inseriram uma “cláusula de-
mocrática” — o Protocolo de Ushuaia — estipulando que governos au-
toritários não poderiam integrar o Mercosul. Posteriormente, foi comple-
mentado pelo Protocolo de Assunção, listando direitos humanos que
poderiam ser respeitados dentro do bloco. A queda da democracia era
percebida como uma ameaça para a estabilidade regional e como uma
crise que trazia de volta o risco do retorno das intervenções militares
contra a vontade popular expressa em resultados eleitorais (Santiso, 2002;
Cardoso, 2006, capítulo 10). Cláusula semelhante foi criada mais tarde
no âmbito da União das Nações Sul-Americanas, por meio da Declara-
ção de Georgetown.
O Paraguai foi suspenso das reuniões políticas do Mercosul (em-
bora sem sanções econômicas) quando o impeachment sumário do presi-
dente Fernando Lugo em 2012 foi considerado pelos parceiros no bloco
como ruptura da ordem democrática — um golpe de Estado por meio
do Legislativo. Os países mercosulinos também foram firmes na conde-
nação à deposição do presidente de Honduras, em 2009, pressionando
para que a Organização dos Estados Americanos condenasse o país.
Na década de 2000, as questões democráticas do Mercosul foram
expandidas com uma aproximação com a política social. Esse foi um
elemento importante na decisão de Lula e de Néstor Kirchner em “relançar”
o bloco depois da crise econômica de 1998-2002. Diversos fóruns (“Reu-
niões Especiais”, no jargão mercosulino) foram criadas, dedicadas a di-
reitos das mulheres, políticas juvenis, agricultura familiar, etc. As rela-
ções internacionais das cidades e províncias foram incentivadas. Incluíram
representantes do Governo e da sociedade civil e estão ajudando na for-
mação de redes regionais ligando política social e diplomacia (Santoro,
2007; Pinheiro & Milani, 2012). O Mercosul também criou um parla-
mento em 2005, embora com poderes muito limitados: basicamente, ele
pode apenas convidar funcionários para falar sobre integração regional,
pois não tem autorização para legislar ou definir o orçamento do bloco
(Erthal, 2006).

335
Contudo, não há uma doutrina coerente com respeito à preserva-
ção da democracia na região. O Brasil reconheceu o regime autoritário
de Alberto Fujimori no Peru (1992-2000), considerando-o como um
mal menor diante das atividades do Sendero Luminoso, do Movimento
Revolucionário Túpac Amaru e do caos econômico naquele país. Quan-
do Peru e Equador lutaram uma guerra por disputas de fronteira (1995),
o Brasil negociou uma paz bem-sucedida e foi parte dos esforços da
OEA para firmar um acordo para a crise política peruana.
Em outras ocasiões, o Governo brasileiro defendeu regimes auto-
ritários, criticando os dissidentes democráticos cubanos, na condenação
aos atletas que tentaram asilo no Brasil durante os Jogos Panamericanos
(2007) e aos presos políticos que fizeram greve de fome (2010). Autori-
dades brasileiras também foram constantes na sua defesa ao presidente
da Venezuela, Hugo Chávez, diante de todas as acusações de atos ilegais
e autoritários que ele sofre em seu país e no exterior. O país foi admitido
no Mercosul sem que houvesse questionamentos à luz dos protocolos de
Ushuaia e de Assunção a respeito dessas violações.

Democracia pela força?


o Brasil e as intervenções humanitárias

Os Governos Lula e Dilma abandonaram a posição tradicional brasileira


de rejeição intransigente de qualquer aplicação da força em nome da
preservação da democracia e dos direitos humanos para posturas mais
maleáveis, que admitem intervenções em certos casos, ainda que dentro
de condições bastante específicas.
A modificação das atitudes do Brasil também se manifestou na
participação de tropas do País na nova geração de operações de paz nas
Nações Unidas, nas quais governos estrangeiros requisitam o uso da for-
ça para ajudá-los a debelar grupos armados de oposição. No Haiti e na
República Democrática do Congo, generais brasileiros assumiram o co-
mando militar dessas missões de imposição de paz, tradicionalmente
anátemas para a política externa do Brasil. A chancelaria tem lidado com
essas transformações afirmando que o País continua a se pautar pela não
intervenção, mas agora se orienta também para a “não indiferença” — na
expressão do ex-chanceler Celso Amorim — diante de graves violações
de direitos humanos em crises internacionais.

336
As mudanças na política externa brasileira refletem as condições
globais e o novo papel de potência emergente desempenhado pelo País a
partir da década de 2000. O fim da Guerra Fria eliminou a rigidez ideo-
lógica da bipolaridade e o desmoronamento do bloco soviético diminuiu
as restrições para a ação militar das grandes potências do Ocidente. Si-
multaneamente, afloraram diversos conflitos latentes, a maioria de natureza
étnica ou religiosa, como guerras civis e genocídios em vários países dos
Bálcãs, Cáucaso e África. As doutrinas de intervenções humanitárias,
cujas origens remontam às ações militares no século XIX em defesa das
minorias cristãs no Império Otomano foram retomadas de maneira intensa.
E um Brasil que aspira a mais influência na política internacional tem
sido pressionado a assumir responsabilidades na gestão da ordem global.
A Responsabilidade de Proteger (R2P) é a formulação mais ambi-
ciosa, sofisticada e influente das doutrinas de intervenção humanitária
surgidas após a Guerra Fria. Sua gestação se deu ao longo da primeira
década do século XXI em resposta ao desconforto internacional com a
guerra — sem aval do Conselho de Segurança da ONU — que a Otan
travou no Kosovo (1999) para deter o genocídio dos sérvios contra a
população de origem albanesa. A R2P é fruto dos trabalhos da Comissão
Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal (2000), que propôs
o conceito inicial, da Resolução A/60/1 da Assembleia Geral da ONU,
que o definiu em detalhes (2005). Os debates que se seguiram à contro-
versa ação militar ocidental na guerra civil da Líbia (2011) têm sido
importantes para repensar alguns de seus aspectos.
Essas posições são exemplificadas pelo debate impulsionado pelo
Brasil sobre a “Responsabilidade ao Proteger” (Responsibility While Pro-
tecting, RWP), conceito elaborado por jovens diplomatas brasileiros ser-
vindo na missão junto à ONU, em Nova York, que propõe estabelecer
critérios rigorosos e mecanismos de prestação de contas apurados para o
uso do poder militar em resposta a crises humanitárias e violações em
massa de direitos humanos.
As discussões sobre a R2P aconteceram em período no qual Brasil
já tinha atuação bastante assertiva em missões de paz, com os primeiros
contingentes da Minustah em combate contra quadrilhas criminosas que
ocupavam as favelas da capital haitiana, Porto Príncipe. O governo brasi-
leiro também colocara como prioridade a obtenção de um assento perma-
nente no Conselho de Segurança, acreditando que era um objetivo viável
no âmbito de várias reformas que ocorriam no sistema das Nações Unidas.

337
Muitas dessas mudanças implicavam o fortalecimento dos meca-
nismos multilaterais de monitoramento de violações de direitos huma-
nos, como o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional (2002),
com seu mandato para investigar e julgar crimes contra a humanidade e
crimes de guerra, a criação do Conselho de Direitos Humanos da ONU
(2006) e a implementação de seu mecanismo de revisão periódica uni-
versal, pelo qual todos os países são avaliados pelo órgão, uma vez a cada
quatro anos.
Contudo, certas ideias da R2P têm sido citadas em diversas cir-
cunstâncias que extrapolam as definições aceitas pelas Nações Unidas. O
caso mais controverso foi a aplicação da R2P à Líbia. A Resolução 1.973
do Conselho de Segurança autorizou a Otan a utilizar todos os meios
necessários para proteger civis na guerra civil entre o Governo Kadafi e
os rebeldes. Contudo, a ação das potências ocidentais foi além do que
havia sido permitido e resultou em uma tomada de atitude contra as
autoridades líbias, ajudando a oposição a derrubar o regime.
Naquela ocasião, os Brics integravam o Conselho de Segurança,
mas quase todos haviam optado pela abstenção na resolução sobre a
Líbia (a África do Sul foi o único a votar a favor). China e Rússia não
usaram seu poder de veto. A extrapolação pela Otan da autorização con-
cedida pelo Conselho de Segurança levou a uma nova onda de críticas à
doutrina da R2P — e desta vez, o Brasil assumiu um papel de liderança,
virando na definição de Stuenkel (2013), um “empreendedor de normas
globais”, com a ambição de participar da formulação das regras para o
uso da força militar nas relações internacionais.
O abuso da Responsabilidade de Proteger na Líbia levou o Brasil a
formular uma crítica à aplicação da doutrina, procurando fortalecer nor-
mas para regular e restringir a autorização da força por meio do Conse-
lho de Segurança, sem contudo opor-se à R2P. As autoridades brasilei-
ras foram bem-sucedidas em fomentar o debate, em momento no qual
muitos membros das Nações Unidas compartilhavam as preocupações
brasileiras (ver, por exemplo, Serbin, 2012; Hamman & Muggah, 2013).
Mas não houve avanços para levar adiante as ideias propostas pelo Go-
verno brasileiro. A persistência da crise global levou a presidente Dilma
Rousseff a concentrar seus esforços de política externa em iniciativas
vinculadas à economia, como a vitoriosa campanha para eleger o di-
plomata brasileiro Roberto Azevedo diretor da Organização Mundial do
Comércio. Temas envolvendo direitos humanos e problemas humanitários

338
caíram na escala de prioridades, sobretudo quando representavam riscos
de conflitos com os Estados Unidos e a União Europeia.
A tendência brasileira de comportamentos mais flexíveis com rela-
ção às intervenções é marcada por hesitações e contradições entre práti-
ca e discurso oficial — aquela, mais dinâmica do que este. Tal discrepân-
cia persistirá e possivelmente aumentará nos próximos anos. Ela é explicada
não somente pela força da tradição nas interpretações abrangentes dos
direitos de soberania pelos diplomatas e militares brasileiros, mas tam-
bém pela situação muito peculiar da Amazônia no pensamento nacional
sobre questões internacionais — a região é vista por muitos formuladores
como possível alvo de uma intervenção externa que tentaria se justificar
em nome de ideais humanitários.

Conclusão

A década de 2000 foi de expressiva mudança para a política externa


brasileira e no campo de sua relação com o desenvolvimento representou
o esforço para a formulação de um novo paradigma, que readaptasse
certas premissas do nacional-desenvolvimentismo ao contexto das lutas
sociais e políticas do início do século XXI. Internamente, isso significou
a formação de uma ampla coalizão de centro-esquerda, liderada pelo
Partido dos Trabalhadores, com uma agenda de mudança limitada pelas
alianças com blocos conservadores. No plano internacional, foi a retomada
de articulações Sul-Sul, em meio à ascensão de novas potências como os
Brics e da expansão e redefinição dos processos de integração regional
na América Latina.
A grande dificuldade dessa proposta foi a própria controvérsia teó-
rica e política quanto ao que constitui a melhor abordagem para o de-
senvolvimento, com uma grande diversidade de visões e movimentos so-
ciais com demandas mais difusas e descentralizadas, com muitos obstáculos
para articularem suas reivindicações no Congresso. Essa situação favo-
rece grupos coesos como o lobby do agronegócio, que figuraram em
destaque nas negociações comerciais do Brasil, sem contudo terem desa-
lojado os interesses industriais tradicionais, como é possível observar na
cautela brasileira com as barganhas liberalizantes na OMC.
O novo-desenvolvimentismo dá bem mais atenção à democracia
do que os regimes fechados ou mais restritos à participação cidadã que

339
existiram entre 1930 e 1985. Na diplomacia, isso se traduz por uma
agenda de cooperação internacional ampliada pela incorporação das po-
líticas sociais, por novos canais de diálogo e articulação com a sociedade
civil (ainda que de forma bastante limitada em contraste com outros
áreas) e pelo estabelecimento de uma paz democrática na América La-
tina que, sem eliminar conflitos, excluiu hipóteses de guerra e criou am-
biente mais propício para a integração regional.
A democracia também é objeto de uma agenda de política externa
que inclui, embora de forma contraditória, a promoção dos direitos hu-
manos e uma posição mais flexível com respeito à possibilidade de inter-
venções humanitárias, rompendo com a tradicional intransigência brasi-
leira na questão.
As contradições não resolvidas do novo-desenvolvimentismo e do
modelo político foram colocadas em xeque pela eclosão dos grandes
protestos de junho de 2013, que explicitaram a precariedade de diversas
políticas públicas (educação, saúde), questionaram a ênfase na realização
dos gigantescos eventos esportivos internacionais e expuseram uma forte
— e por vezes, violenta — crítica ao déficit de representatividade do
sistema eleitoral. O Brasil da última década e meia foi marcado pela
melhoria das condições sociais e pela elevação das expectativas, mas foi
bem menos eficaz em atendê-las.

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342
DESAFIOS DA POLÍTICA
INDUSTRIAL BRASILEIRA*

IGNACIO GODINHO DELGADO

Apresentação

E STE TEXTO compõe-se de cinco seções. Na primeira, apontamos os


desafios fundamentais da política industrial em países situados fora
do núcleo central da economia capitalista, em especial os dotados de
grande dimensão territorial e população. Em seguida, apresentamos su-
cintamente as características da trajetória desenvolvimentista brasileira e
das reformas de mercado empreendidas na década de 1990. Na terceira
seção, apresentamos as linhas de força dos principais programas de polí-
tica industrial brasileira desde 1998. A quarta seção é uma pequena nota
sobre a transição rural-urbana no Brasil, contrastando-a com a China e
a Índia, objetivando iluminar um dos aspectos que elucidam por que o
desempenho econômico brasileiro desde as reformas econômicas é infe-
rior ao destes dois países. O artigo se encerra com uma reflexão sobre os
legados da trajetória brasileira e sua influência na conformação de um
ambiente favorável ao enfrentamento dos desafios apontados para a polí-
tica industrial contemporânea.

* Este trabalho reúne a introdução e as seções relativas ao Brasil da primeira parte


de um estudo mais abrangente — Capacidades estatais e política industrial no Brasil, China e
Índia — vinculado ao projeto “Capacidades Estatais para o Desenvolvimento em Perspec-
tiva Comparada”, coordenado por Renato Boschi, com financiamento do Subprograma de
Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea). Durante toda a pesquisa realizada para o projeto do Ipea, foi decisiva a
contribuição de Fernando Marcus Nascimento Vianini, auxiliar de pesquisa, bem como
de Ana Cléa Souza dos Santos e Conrado Jenevain Braga, bolsistas de iniciação científica

343
Desafios atuais da política industrial

As crises da Ásia, Rússia, Brasil e o colapso argentino ao final do século


XX esmaeceram a crença na ação desimpedida dos mercados para pro-
moção do desenvolvimento e fizeram renascer a expectativa de que a
atuação do Estado ultrapassasse a mera garantia de segurança jurídica e
a preservação da estabilidade econômica para assegurar um ambiente
favorável aos empreendimentos privados (Delgado et al., 2010). Nesse
cenário, em momentos, ritmos e intensidades diversas, a política industrial
voltou ao centro das agendas dos governos, conquanto na década de 1990
subsistisse, sem alarde e em direção bem definida, nas medidas de atra-
ção do capital externo e promoção das exportações, então identificadas
como elementos centrais de um novo padrão de desenvolvimento, diver-
so das experiências do passado (Rodrik, 2004).
Num ambiente de acentuação das pressões competitivas decorren-
tes da abertura e desregulamentação crescente dos mercados nacionais e
da conformação de um mundo sinocêntrico, as políticas industriais con-
temporâneas desdobram-se em três estratégias fundamentais: entrinchei-
ramento, reposicionamento e busca do futuro (Castro, 2011). A primeira se
refere às ações para proteger setores e atividades tendentes ao arcaísmo e
dotadas de baixa competitividade, porém significativas na sustentação do
emprego e de economias regionais. A segunda é essencialmente uma es-
tratégia adaptativa, voltada para a seleção de cursos de atuação das em-
presas que permitam explorar as competências existentes e adquirir ou-
tras, por meio da inovação e desenvolvimento tecnológico, com o objetivo
de inscrever-se no novo cenário com capacidade de explorar as oportu-
nidades que ele gera. A terceira intenta estabelecer frentes estratégicas a
partir da identificação, instalação e fortalecimento de atividades ligadas a
campos de especialização próximos à fronteira do conhecimento, que
potencialmente configurem novos paradigmas produtivos e tecnológicos,
para definir trajetórias que favoreçam uma inserção mais dinâmica na
economia mundial.
Para os países situados fora do núcleo central da economia capitalista,
são quatro os desafios a serem enfrentados por tais políticas. O primeiro
do Curso de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Em sua etapa derradeira,
participaram, ainda, Amanda Mazzoni Marcato e Marina Brandão Mendes Regazzi,
também bolsistas de iniciação científica.

344
deles é assegurar o apoio adequado às empresas que se defrontam com os
custos de descoberta, relativos ao esforço de adaptação às condições nacio-
nais de conhecimentos e tecnologias desenvolvidas nos centros mais di-
nâmicos, sem o qual sua atuação se arrefece, dado o compartilhamento
de seus resultados por agentes econômicos que não se defrontaram com
tais custos (Haussman & Rodrik, 2003; Rodrik, 2004). O segundo é
buscar a articulação entre integração externa e integração interna das eco-
nomias nacionais, especialmente em países com grande extensão territorial
e população (Wade, 2004). Isso envolve, por um lado, a inserção competi-
tiva na economia mundial, por meio da exploração de vantagens compa-
rativas existentes e da participação crescente de bens de maior valor agre-
gado nas exportações. Por outro lado, implica a presença de um espaço
econômico interno diversificado, capaz de dinamizar a atividade econô-
mica mediante a articulação entre os diferentes segmentos da indústria e
da participação crescente dos salários na demanda, favorecendo a eleva-
ção crescente da renda, a contenção de problemas no balanço de paga-
mentos e o domínio, ainda que não necessariamente pleno, de elementos
capazes de garantir maior agregação de valor aos produtos industriais no
âmbito das cadeias de valor internacionais. O terceiro desafio é garantir
mecanismos que induzam os empresários à atividade inovativa, a fim de as-
segurar que a competitividade das empresas não se assente em fatores
como o rebaixamento dos salários ou a exploração predatória de recursos
naturais, que afetam negativamente a integração externa e interna das
economias nacionais. Por fim, o quarto desafio é descortinar perspectivas
de futuro, com base nas tendências tecnológicas em curso, para aprovei-
tar as janelas de oportunidade que se abrem na transição de paradigmas
tecnológicos, quando conhecimentos e processos não se converteram em
arranjos produtivos capazes de nuclear o conjunto das atividades econô-
micas, sem exibirem, ainda, barreiras de entrada cristalizadas em ativos
fixos, sendo, pois, mais flexíveis à entrada de novos atores, ainda que
hodiernamente estes não ocupem posições centrais na divisão internacio-
nal do trabalho (Freeman & Perez, 1988; Perez & Soete, 1988).
O desenvolvimento da capacidade de inovação é elemento crucial a
todas as estratégias apontadas por Castro, em especial as de reposiciona-
mento e busca de futuro. Ela, por certo, envolve a presença de uma in-
fraestrutura adequada de ciência e tecnologia e de força de trabalho qua-
lificada tanto para a pesquisa básica e aplicada, quanto para a operação
das atividades produtivas associadas à atividade inovativa. Contudo, o

345
dilema fundamental para o incremento das inovações nos países situados
fora do núcleo central da economia capitalista está fundamentalmente do
lado da demanda, não da oferta (Rodrik, 2004). A decisão de inovar,
conquanto dependente da presença de um ambiente de negócios favorá-
vel e de legislação adequada de direitos de propriedade intelectual, en-
volve a redução da incerteza quanto aos ganhos futuros (Tironi & Cruz,
2008). Por isso, a articulação entre o sistema de ciência e tecnologia e o
mundo da produção e a presença do Estado no financiamento da inova-
ção são elementos comuns às políticas de inovação bem-sucedidas. Ade-
mais, se tomarmos as trajetórias dos EUA, da Alemanha e da Coreia do
Sul — para ficarmos em dois casos exemplares dos tipos polares das
variedades de capitalismo presentes no mundo contemporâneo e um caso
de sucesso em processos de equiparação e mesmo ultrapassagem —, di-
ferentes arranjos foram acionados para reduzir a incerteza em processos
de inovação radical e incremental, com forte participação do Estado:
compras públicas nos EUA, parcerias sociais na Alemanha e indução
estatal à formação de conglomerados na Coreia (Hall & Soskice, 2001;
Weiss, 2008; Kim, 2005; Delgado et alli, 2010).
O desenvolvimento da capacidade de inovação é crucial, ainda, para
a sustentação do próprio crescimento econômico nos países que comple-
mentaram a transição rural-urbana vinculada à dinamização do processo
de industrialização, momento em que perdem o impulso proporcionado
pela presença de grande disponibilidade de mão de obra barata vinda do
campo, pela incorporação acelerada de novos contingentes populacio-
nais ao mercado, pela acentuação dos investimentos, não obstante sua
qualidade, na infraestrutura urbana e econômica que acompanham o pro-
cesso de transição. Caso a transição assinalada ocorra sem gerar capaci-
dade endógena de inovação, tais países assistem ao declínio do cresci-
mento com perda de competitividade, no que tem sido chamada armadilha
dos países de renda média (Felipe, Abdon & Kumar, 2012; Robertson &
Ye, 2013; Kupfer, 2013). Nesse sentido, vale assinalar que não existe, a
rigor, caso algum de sucesso na elevação da capacidade de inovação das
empresas dentro de processos de transição ocorridos em configurações
econômicas nacionais que apresentam participação proeminente das em-
presas multinacionais. As experiências latino-americanas — em que a
atração de investimentos externos não esteve associada à transferência de
tecnologia — e chinesa — em que predominou, até o início do século
XXI, a constituição de joint ventures como pedra angular da política de

346
desenvolvimento — sugerem que a atuação das multinacionais não favo-
rece a deflagração de atividades de inovação, seja porque não faz parte da
estratégia de tais empresas a transferência dos núcleos fundamentais de
suas atividades de inovação para os países em que se instalam, seja por-
que induzem as empresas nacionais a operar nas linhas de menor resis-
tência, com o uso de tecnologias e marcas sedimentadas, não obstante a
eventual possibilidade do aprendizado tecnológico resultante do proces-
so de colaboração nas joint ventures (Amsden, 2001; Schneider, 2004;
Nolan & Zhang, 2002).

O desenvolvimentismo brasileiro e a nova política econômica

Desde o final da década de 1920 a indicação de que o desenvolvimento


industrial deveria ser o elemento decisivo para a construção da Nação apa-
rece com destaque no discurso dos industriais. Nas décadas de 1930 e
1940, tal perspectiva impregnou a visão de mundo de segmentos da bu-
rocracia estatal e dos militares, acompanhada de medidas para o fomento
à produção industrial, a criação das indústrias de base e a imposição de
restrições às importações de similares (Leopoldi, 2000; Leme, 1978; Diniz,
1978). Todavia, será na década de 1950, com a criação do BNDE (em
1982 convertido a BNDES), da Petrobras e com o virtual fechamento do
mercado doméstico à penetração de produtos industriais importados é
que se define o arranjo institucional básico que emoldurou o desenvolvimen-
tismo brasileiro.1
Tal como nos esforços de equiparação de outros países situados
fora do núcleo central da economia capitalista, não foi estranho ao proje-
to nacional brasileiro o esforço de edificação de uma base industrial que
favorecesse certa autonomia diante dos centros internacionais, como o
evidenciam as postulações para criação da indústria de base no País, com
a atuação supletiva do Estado. Contudo, legado da colonização europeia
1 Complementarmente, vale dizer que a modernização conservadora do mundo rural
não constituiu óbice às políticas de industrialização, gerando excedentes populacionais
absorvidos pela indústria, garantindo a oferta de alimentos para as cidades e, às vezes com
o concurso do Estado, garantindo recursos canalizados para a acumulação industrial
(Oliveira, 1981). Da mesma forma, mesmo que o federalismo brasileiro conduza à presen-
ça de grande diversidade tributária, desde a eliminação dos impostos interestaduais na
dácada de 1930, não determinou impedidmentos à livre circulação dos capitais, dos bens
e da força de trabalho no espaço econômico doméstico.

347
na América Latina, a industrialização por estas paragens esteve sempre
vinculada ao atendimento da demanda de artigos da pauta de consumo
das nações capitalistas centrais pelos segmentos de renda média e alta,
ciosos de sua origem e pertencimento à civilização europeia e sua exten-
são norte-americana (Furtado, 1979). Tal perspectiva modulou o trata-
mento dado às multinacionais em quase todos os países do continente.
De fato, à exceção de tênues contrapartidas de conteúdo local na relação
com seus fornecedores, as multinacionais ingressaram no Brasil, por as-
sim dizer, precocemente e sem restrições de monta à sua operação.
A centralidade da estratégia de substituição de importações para o
atendimento às demandas de consumo doméstico, combinada ao controle
de boa parte das atividades de “ponta” da indústria por multinacionais e à
facilidade na aquisição de bens de capital e de licenças de fabricação de
bens com conteúdo tecnológico no mercado internacional — com restri-
ções para realizar pesquisas a partir da tecnologia transferida — esmae-
ceram as disposições de inovar das empresas brasileiras (Silveira, 1999).
Dessa forma, a constituição de um sistema de ciência e tecnologia no
Brasil não se articulou às estratégias competitivas das empresas, nas quais
a inovação — e mesmo a imitação, como aprendizado, por engenharia re-
versa — era um elemento ausente. Os raros núcleos orientados para a
inovação no tecido produtivo brasileiro situavam-se nas empresas estatais,
mas insuficientes para disseminar uma disposição para a inovação no
conjunto da produção industrial (Albuquerque, 1995; Dalhman &
Frischtak, 1993).
O desenvolvimentismo brasileiro não constituiu, também, agências
coordenadoras que assegurassem a colaboração do setor privado e, em
certa medida, circunscrevessem suas decisões de investimento aos objetivos
nacionais fixados em tal processo de colaboração. É a operação das empre-
sas estatais que atua como um equivalente funcional das agências de coorde-
nação, puxando a demanda e assegurando a efetividade à “convenção do
crescimento garantido”, que induzia a inversões empresariais contínuas
como única estratégia possível para os agentes privados ampliarem ou
mesmo preservarem posições conquistadas (Castro, 2012). Por seu turno,
os dispositivos criados para contornar os impactos inflacionários decorren-
tes da pressão acarretada ao balanço de pagamentos pela substituição de
importações, garantiam a presença da convenção da “estabilidade simulada”
(Castro, 2012). Na década de 1980, tais mecanismos pareciam ter enfra-
quecido sua potencialidade, abrindo caminho às propostas de reforma.

348
Tarifas protecionistas, políticas de reserva de mercado, subsídios
de toda ordem associavam-se ao financiamento do investimento indus-
trial por fontes públicas diversas, em especial o BNDE, além da reaplicação
dos lucros das empresas e a captação de recursos externos. Sob o nacio-
nal-desenvolvimentismo elevou-se a participação dos trabalhadores assa-
lariados na renda nacional e na estrutura de direitos sociais constituídos
a partir da cidadania regulada, com a presença de vasto contingente da
população economicamente ativa fora do mercado formal e da estrutura
de direitos (Lobo, 2010; Santos, 1979). Durante o regime militar, man-
têm-se os mecanismos de financiamento existentes, mas ganha relevo o
investimento direto estrangeiro e a reaplicação dos lucros das empresas,
potencializados pela política salarial contencionista, que acentua a con-
centração de renda no País. Na década de 1970, em especial mediante as
iniciativas do II PND, com participação significativa de empréstimos
externos e reforço da presença das estatais, complementa-se a implanta-
ção de uma estrutura industrial diversificada, com fraca integração nas
cadeias produtivas globais e sem alterações de monta na capacidade de
inovação das empresas. Simultaneamente, reduzia-se o contingente de
trabalhadores situados no mercado informal (Lobo, 2010).
Na década de 1980, a “crise da dívida” evidenciava as dificuldades
experimentadas pelo padrão de desenvolvimento liderado pelo Estado, tal
como perseguido até então. O Brasil vivia sua crise de refundação, em que
diferentes atores apontavam para o fim do desenvolvimentismo, mas com
perspectivas diversas sobre o futuro (Diniz, 1997; Fiori, 1985; Bresser-
-Pereira, 1992). De um lado um conjunto de aspirações e ideias que não
se articulavam num projeto orgânico, mas sinalizavam para a constitui-
ção de um mercado de massas no Brasil e algum tipo de arranjo social-
-democrata, distante do velho desenvolvimentismo e do corporativismo
(Delgado, 2001). De outro, também distante do velho desenvolvimentismo
e do corporativismo, com forte concurso do discurso das agências multi-
laterais, um conjunto de soluções perfeitamente inteligíveis, apontando
para um profundo ajuste macroeconômico, redução e redefinição do pa-
pel do Estado, abertura econômica, desregulamentação dos mercados de
trabalho e de capitais, fim dos monopólios estatais, centralidade da cap-
tação de capitais externos para financiamento do desenvolvimento (Tavares
& Fiori, 1993). Ensaiada timidamente durante a década de 1980, a partir
da derrota de Lula em 1989, esta Nova Política Econômica seria imple-
mentada, não sem dificuldades e de forma incompleta, pelos governos

349
Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (Dedecca,
1997; Delgado, 2001).
Com Collor efetua-se abrupta redução das tarifas; define-se e de-
senvolve-se o programa de privatizações; adotam-se políticas monetária
e fiscal restritivas, com cortes rigorosos nos gastos públicos, eliminação
de subsídios e isenções diversas, demissão de milhares de funcionários
públicos. Com Itamar Franco foi abolida a reserva de mercado na área
da informática; aprofundou-se o processo de redução das tarifas; defini-
ram-se a desregulamentação da atividade portuária, a reorganização do
setor elétrico e novos dispositivos sobre direitos de propriedade intelec-
tual; aprovou-se, ainda, o Fundo Social de Emergência (depois Fundo
de Estabilização Fiscal) — que ampliava a capacidade do Executivo de
restringir a liberação de recursos aprovados no orçamento — e, apesar
de algumas descontinuidades, manteve-se o programa de privatizações
(Delgado, 2001). Sob o governo de Cardoso efetuou-se a quebra do mo-
nopólio estatal do petróleo; extinguiram-se as restrições à presença do
capital estrangeiro na exploração do subsolo e nas atividades de teleco-
municação; eliminou-se a distinção constitucional entre empresa nacio-
nal e estrangeira; acelerou-se o processo de privatizações; efetuaram-se
reformas na administração e na previdência, aquém das pretensões origi-
nais e, nas relações de trabalho, foi introduzido o contrato temporário
(Delgado, 2001).
Na operação da Nova Política Econômica, a iniciativa de maior im-
pacto na gestão de Cardoso foi a virtual fixação da paridade cambial
entre moeda brasileira e o dólar, que ancorou a continuidade do Plano
Real, iniciado com engenhoso processo de dissolução das expectativas de
inflação e de estabilização monetária nos primeiros meses de 1994, no
governo Itamar Franco, quando Cardoso era ministro da Fazenda. A ân-
cora cambial para controle da inflação levou a grande incremento das im-
portações, ao mesmo tempo que os juros elevados eram utilizados
para atrair capitais externos, para o equilíbrio do balanço de pagamentos.
Acentua-se com isso, a dimensão financeira do déficit público, não com-
pensada pela obtenção de superávits primários e pelas privatizações, bem
como a deterioração crescente da balança comercial (Delgado, 2001;
Lacerda, 1997).
A adoção da Nova Política Econômica esteve associada à pretensão
de expor as empresas brasileiras à competição externa, para elevação de
sua competitividade, supostamente inibida nos marcos de uma economia

350
fechada (Mendonça de Barros & Goldstein, 1997). Os anos 90, de fato,
assistem à expressiva acentuação da produtividade do setor industrial,
porém mediante estratégias concentradas no rebaixamento de custos, com
dispensa de trabalhadores e extinção de linhas de produção, além da
aquisição de novos equipamentos, ampliação e/ou relocalização da capa-
cidade e redefinições patrimoniais e empresariais, sem aumento da ca-
pacidade inovativa das empresas (Castro, 1997). Tais estratégias foram
suficientes para conter o desencadeamento de um processo que alguns
denominaram especialização regressiva da indústria, decorrente das difi-
culdades para a competição com os importados em diversos ramos, com
ameaça de “desindustrialização” e de “rápida desnacionalização” em al-
guns casos, dada a redução do valor agregado produzido no País, do
desaparecimento de diferentes segmentos e da aquisição de ativos indus-
triais brasileiros por empresas estrangeiras (Coutinho, 1997).
Ao contrário de outros países, como a China e a Índia, que tam-
bém empreenderam reformas de mercado no período, no Brasil elas não
foram acompanhadas da preservação do controle sobre o fluxo de capi-
tais e o câmbio para proteção da indústria doméstica.2 Por seu turno, não
obstante o ímpeto das políticas de privatização, foram mantidos instru-
mentos importantes de política industrial herdados do velho desenvolvi-
mentismo, como os bancos públicos e empresas estatais estratégicas, como
o BNDES e a Petrobras.

Linhas de força e programas mais abrangentes


da política industrial brasileira

Ao longo da década de 1990, prevaleceu a expectativa de que a moderni-


zação da estrutura industrial brasileira decorreria de sua exposição à com-
petição externa, secundada por programas para a elevação da qualidade e
capacitação tecnológica, além da redução do Custo Brasil, por meio de
reformas estruturais (tributária, previdenciária, administrativa, trabalhis-
ta), não obstante a presença de ações específicas para alguns segmentos
como automóveis e softwares (Delgado, 2001; De Toni, 2013). Os recur-
sos dirigidos aos programas, contudo, foram escassos, ao passo que a
2 Na China, as reformas de mercado são inauguradas em 1978, ganhando impulso
na década de 1990. Na Índia, apesar de ensaios na década de 1990, são deflagradas em
1991.

351
abertura comercial conduzia a processos de especialização regressiva e
desnacionalização que, a partir do segundo mandato de Cardoso (1998-
-2002), favoreceram uma inflexão nas ações do governo, com a retomada,
ainda que tímida, de medidas de política industrial (Delgado, 2001, 2005,
2010; De Toni, 2013). No segundo mandato de Cardoso, medidas de des-
taque foram os fundos setoriais e os fóruns de competitividade da indústria.
Os primeiros deveriam servir ao financiamento de atividades inovativas,
através da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da
Ciência e Tecnologia (MCT). Os segundos retomavam uma modalidade
de articulação entre empresariado e Estado, instaurada com as câmaras
setoriais que operaram ao final do governo Sarney e no governo Collor,
rompendo como padrão bipartite tradicional no Brasil, ao incorporar os
trabalhadores. Apesar de sua reduzida efetividade, sinalizavam para a
adoção de medidas distantes da expectativa de dinamização da indústria
apenas pela ação do mercado (Delgado, 2005; De Toni, 2013).
No primeiro mandato de Lula (2002-2006), foi definida como “es-
tratégia de longo prazo”, estabelecida no Plano Plurianual de 2004-2007,
a instauração de “um processo de crescimento pela expansão do mercado
de consumo de massa e com base na incorporação progressiva das famílias
trabalhadoras ao mercado consumidor das empresas modernas” (grifo meu)
(Brasil-MPOG, 2003, p. 17). A dinamização do mercado interno decor-
reria da elevação dos salários, de políticas de crédito e da ampliação das
políticas de transferência de renda. Simultaneamente, buscar-se-ia acen-
tuar as exportações, o investimento (também mediante as inversões pu-
blicas em infraestrutura) e a produtividade e eficiência das empresas a
partir da conquista dos mercados externos, do aprendizado e da inova-
ção. Por fim, salientava-se a importância de “ambiente favorável ao in-
vestimento privado”, com a manutenção da estabilidade, a redução do
custo dos investimentos, a constituição de parcerias público-privadas e a
concessão de financiamento por instituições financeiras públicas.
Em tal estratégia, era retomada a centralidade da política indus-
trial, com o anúncio da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exte-
rior (Pitce), de 2004 (Brasil-MDICE, 2004). Ela previa ações horizon-
tais, dirigidas à inovação e desenvolvimento tecnológicos, à elevação da
inserção externa, modernização industrial, à ampliação da capacidade e
escala de produção das empresas brasileiras. Previa, também, opções es-
tratégicas, associadas à indústria de bens de capital, fármacos e medica-
mentos, softwares e semicondutores, bem como o fomento de atividades

352
portadoras de futuro, como a biotecnologia, nanotecnologia, biomassa e
outras fontes de energia renováveis (Brasil-MDICE, 2004; Delgado,
2005 e 2010; Suzigan & Furtado, 2005; De Toni, 2013). Dentre os ins-
trumentos anunciados e outros posteriormente desenvolvidos na sua im-
plementação, destacam-se medidas regulatórias, incentivos tributários e
fiscais, linhas de financiamento do BNDES e da Finep, em especial para
o apoio à inovação e às exportações, bem como dispositivos regulatórios
como a Lei de Inovação, a Lei de Biossegurança, a Lei de Informática e
a Lei do Bem (que condensa diferentes medidas de apoio), além de outras
iniciativas como as políticas nacionais de biotecnologia e nanotecnologia.
A articulação com o empresariado seria efetuada setorialmente por meio
dos fóruns de competitividade e de forma abrangente pelo Conselho Nacio-
nal de Competitividade Industrial (CNDI).
Apesar de sua acolhida favorável pelos empresários, a Pitce de-
frontou-se com as opções macroeconômicas, assentadas na política de
metas de inflação, definida ainda no segundo mandato de Cardoso, em
que a flutuação do câmbio e os juros eram utilizados para controle da
inflação (Delgado, 2005; Suzigan & Furtado, 2005; De Toni, 2013). Por
seu turno, a explosão das exportações de commodities favorecia a apre-
ciação do câmbio que, em parte, minava as medidas de apoio. Ademais,
a crise política de 2005 criou um ambiente de incertezas que reduziu o
ímpeto do empresariado para o investimento, colaborando para a redu-
ção do crescimento da indústria, que alcançara 7,89% em 2004 (acima
do PIB), para atingir 2,08 e 2,21 em 2005 e 2006, recuperando-se ape-
nas em 2007 e 2008 (5,27% e 4,07%), já no segundo mandato de Lula
(Delgado, 2005; Brasil-Ipea, 2012, p. 3). Por fim, a ABDI e o CNDI
conquanto operassem até 2006, não conseguiram cristalizar-se como ins-
trumentos de coordenação e articulação com o empresariado, a primeira
por sua ambiguidade institucional e reduzido peso diante de outros or-
ganismos envolvidos na política industrial, como o BNDES, Petrobras e
o próprio MDICE. Já o funcionamento do CNDI dependeu fortemente
do empreendedorismo de seu titular (De Toni, 2013).
No segundo mandato de Lula (2006-2010), foi lançada, em 2008,
a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), que abandonava a pers-
pectiva de eleger setores prioritários para alcançar todos os segmentos da
indústria em três programas estruturantes para sistemas produtivos: programas
mobilizadores em áreas estratégicas, programas para fortalecer a competiti-
vidade; programas para consolidar e expandir a liderança (Brasil-ABDI,

353
2008). O primeiro incluía o complexo industrial da saúde, tecnologias
da informação e comunicação, energia nuclear, complexo industrial de
defesa, nanotecnologia e a biotecnologia. O segundo o complexo auto-
motivo; bens de capital; têxtil e confecções; madeira e móveis; higiene,
perfumaria e cosméticos; construção civil; indústria naval e de cabotagem;
couro, calçados e artefatos; agroindústrias; biodiesel, plásticos e outros.
Por fim, o terceiro programa dirigia-se ao complexo aeronáutico; petró-
leo, gás natural e petroquímica; bioetanol; mineração; siderurgia; celu-
lose e carnes (Brasil-ABDI, 2008, pp. 28-31).
Os principais desafios apontados pela PDP foram a “manutenção
da taxa de expansão da Formação Bruta de Capital Fixo à frente do PIB”;
a “preservação da robustez do balanço de pagamentos”, a elevação da
“capacidade de inovação das empresas”, o “fortalecimento das micro e
pequenas empresas”, desdobrados em metas fixadas para 2010 (Brasil-
ABDI, 2008, p. 9). São criados mecanismos de coordenação e monito-
ramento, sinalizando-se, ainda, para a definição de “contrapartidas do
setor privado e contratualização de responsabilidade” (Brasil-ABDI, 2008,
p. 33). Na articulação entre o Estado e o empresariado, os instrumentos
apontados eram o CNDI, os fóruns de competitividade, ligado ao MDIC,
as câmaras setoriais e temáticas do Ministério da Agricultura e os gru-
pos de trabalho eventuais, envolvendo órgãos do governo e entidades
empresariais. Os principais instrumentos da política definidos eram me-
didas de incentivo (crédito, financiamento, capital de risco e incentivos
fiscais), o poder de compra governamental, os instrumentos de regulação, o
apoio técnico. No âmbito das ações sistêmicas, eram destacadas a elevação
dos recursos e a redução do spread do BNDES em suas operações de
financiamento, a desoneração tributária, a ampliação do financiamento
do BNDES para inovação, a simplificação de procedimentos adminis-
trativos, a integração da política às outras ações do governo, em especial
o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); o Plano de Ação de
Ciência, Tecnologia e Inovação, do Ministério da Ciência e Tecnologia;
o Plano Nacional de Educação, do Ministério da Educação; o Programa
de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural; o Pla-
no Nacional de Qualificação do Ministério do Trabalho e Emprego; o
Programa de Educação para a Nova Indústria, da CNI, Sesi, e Senai
(Brasil-ABDI, 2008, pp. 23-6).
A ABDI, indicada como o principal organismo de coordenação da
política industrial na Pitce, teve suas atribuições reduzidas na PDP,

354
cabendo-lhe nessa a condução do programa denominado “destaques es-
tratégicos”: “ampliação das exportações”, “integração com a África”, “re-
gionalização”, “integração produtiva com a América Latina e o Caribe”,
“produção limpa e o desenvolvimento sustentável”, e o “fortalecimento
das MPEs”. A condução da política foi distribuída entre diferentes orga-
nismos, com as ações sistêmicas (especialmente ligadas a medidas de de-
soneração e de manejo da política monetária e cambial) sendo conduzidas
pelo Ministério da Fazenda (MF); os programas mobilizadores em áreas
estratégicas pelo MCT; os programas para o fortalecimento da competitividade
pelo MDICE e os programas para consolidar e expandir a liderança pelo
BNDES. A coordenação geral foi atribuída ao MDICE, com uma se-
cretaria executiva composta da ABDI, BNDES e MF, além de um Con-
selho Gestor, contando com estes quatro organismos e a Casa Civil, o
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e o MCT
(Brasil-ABDI, 2008) Vale ainda mencionar que o CNDI, organismo
que fora acionado com frequência na condução da Pitce, tem operação
pouco efetiva sob a PDP (De Toni, 2013).
A crise de 2008 dificulta a realização de um balanço mais claro da
efetividade da PDP, pois mitigou a possibilidade de alcance das metas
propostas. No âmbito do governo, associada ao Programa de Sustenta-
ção do Investimento (PIS) — lançado pelo BNDES em julho de 2009,
no pacote de resposta à crise —, sua presença é apontada como funda-
mental para minorar o impacto da crise no País e favorecer a “recupera-
ção em V” que se observa em 2010 (Brasil-ABDI, 2011).3 Entre os
críticos da PDP, apontava-se o descompasso entre os objetivos definidos
e a ação efetiva, particularmente em relação ao BNDES, que estaria
privilegiando setores de baixa densidade tecnológica, em contraste com
o propósito de fortalecimento da inovação e modernização da indústria
(Almeida, 2009).
O Plano Brasil Maior (PBM), do governo de Dilma Rousseff, foi
anunciado em agosto de 2011 com o objetivo de “sustentar o crescimento
econômico inclusivo num contexto econômico adverso”, decorrente das
repercussões da crise internacional de 2008 e da crise europeia nos anos
seguintes. Seu foco era a “inovação e o adensamento produtivo do parque
3 Ver, também entrevista de Reginaldo Arcuri, presidente da ABDI no período, ao
Estado de S. Paulo, em 24-11-2010, apud De Toni (2013, p. 177). Conforme dados da
Unctad, em 2008 o crescimento do PIB foi de 5,17%, seguido de queda de 0,33% em
2009 e crescimento de 7,53% em 2010.

355
industrial brasileiro” (Brasil-MDICE, 2011). Tal como a PDP, o PBM
fixa metas para um horizonte de curto prazo, 1914, relativas à ampliação
do investimento no PIB, participação das empresas nos gastos em P&D,
qualificação de recursos humanos, incremento do valor agregado, forta-
lecimento das MPMEs, produção mais limpa, diversificação das expor-
tações, energia e acesso a banda larga.
O PBM desdobra-se, então, numa dimensão setorial e outra sistêmica.
Na primeira são destacadas cinco diretrizes estruturantes: fortalecimento
das cadeias produtivas; ampliação e criação de novas competências tecnológicas
e de negócios; desenvolvimento das cadeias de suprimento em energia; diversi-
ficação das exportações (mercados e produtos) e internacionalização corporativa;
consolidação de competências na economia do conhecimento natural. Em seu
conjunto tais diretrizes incidiriam diferenciadamente sobre os setores
produtivos divididos em blocos, assim definidos: sistema com capacida-
de para transformação da estrutura produtiva e difusão de inovação (Blo-
co I); sistemas produtivos intensivos em escala, que dispõem de grande
maturação e consolidação, liderando, em sua maioria, a pauta de expor-
tações industriais do País (Bloco II); sistemas produtivos intensivos em
trabalho (Bloco II); sistemas produtivos do agronegócio (Bloco IV). As
ações sistêmicas envolveriam medidas “de natureza horizontal e trans-
versal”, para redução de custos, aumento da produtividade, promoção
de isonomia entre empresas brasileiras e estrangeiras, além da consoli-
dação do “sistema nacional de inovação”. Associam-se à dimensão
sistêmica, medidas relativas ao Comércio Exterior; Incentivo ao Investi-
mento; Incentivo à Inovação; Formação e Qualificação Profissional; Produ-
ção Sustentável; Competitividade de Pequenos Negócios; Ações Especiais em
Desenvolvimento Regional; Bem-Estar do Consumidor; Condições e Rela-
ções de Trabalho.
Além de diversos programas, dirigidos por diferentes agências pú-
blicas e da articulação com outras iniciativas do governo, como o PAC,
no PBM destacam-se os programas de financiamento, desonerações tri-
butárias e a utilização do poder de compra do governo para estímulo às
inovações. Por fim, a estrutura de governança do PBM instituía três níveis
operacionais: 1) nível de articulação e formulação, integrado pelos Conse-
lhos de Competitividade Setorial, as Coordenações Sistêmicas e os Comitês
Executivos; 2) nível de gerenciamento e deliberação, integrado pelo Comitê
Gestor e o Grupo Executivo; 3) nível de aconselhamento superior, integrado
pelo CNDI. A participação empresarial se verifica nos Conselhos de

356
Competitividade Setorial, que replicam os Fóruns de Competitividade, e
no CNDI. As coordenações sistêmicas incorporam diferentes organismos
do governo, que subsidiam as ações transversais, enquanto os comitês
executivos, também compostos por representantes de organismos gover-
namentais, são responsáveis pela implementação da agenda setorial. Por
fim, o Comitê Gestor, é coordenado pelo MDIC, com participação da
Casa Civil da Presidência da República, do MF, MPOG e MCT. O
Grupo Executivo (GEPBM) inclui representantes do MDIC, Casa Ci-
vil, MP, MF, MCT, ABDI, BNDES, e a Finep.
Vale destacar a ênfase conferida às compras públicas para estímulo
às inovações, uma novidade na política industrial brasileira, que fora
regulamentada pela Lei n.o 12.349/2010 instituindo a margem de pre-
ferência para produtos nacionais. Significativo, também, é o propósito
de “enraizamento de empresas estrangeiras”, visando a instalação de cen-
tros de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no País, contrapartida vir-
tualmente ausente nas políticas industriais brasileiras até então. A
desoneração da folha de trabalho da indústria, substituída por tributo
incidente sobre o faturamento, alcançou quarenta e dois setores em 2012
(Brasil-CNDI, 2013). Adicionalmente, o MF tomou iniciativas para
desvalorizar o real e para a reduzir a taxa básica de juros, combinada a
ações para a reduzir o spread bancário no setor privado, por pressão com-
petitiva dos bancos públicos, revertidas, contudo, a partir de 2013. Por
fim, foram efetuadas tentativas de redução do custo da energia elétrica,
com a revisão das concessões ao setor privado, que lograram, contudo,
pouco sucesso.
O desempenho da economia brasileira desde 2011 tem ficado abaixo
do período inaugurado em 2004, quando o crescimento do PIB, até 2010,
alcançou a média anual de 4,2%, abaixo apenas dos 7,5% verificados
entre 1947 e 1980, central na trajetória desenvolvimentista, e quase o
dobro das duas décadas imediatamente anteriores (1984-2003), quando
alcançou 2,5%, ou do período que se estende entre a implantação do
Plano Real (1994) e 2003, de 2,2% (Brasil-Ipea, 2012).4 Em 2011, o
crescimento do PIB brasileiro foi de 2,73%; em 2012 de 0,9%; em 2013
de 2,3% (Brasil-ABDI, 2011; Brasil-MF, 2013). A indústria de trans-
formação, depois de crescimento espetacular em 2010 (10,1), ostentou

4 Ademais, conquanto incipiente, acentuou-se a participação dos gastos em inova-


ção no PIB, de 0,96%, em 2003 para 1,16% em 2010.

357
irrelevante expansão em 2011 (0,1%) e queda expressiva em 2012 (2,5%)
(Brasil-CNDI, 2013, p. 37).5 As repercussões em 2012 do arrocho fis-
cal adotado nos primeiros meses de 2011 (com restrições ao crédito e ao
investimento público, que se reduz de 4,4% para 4% do PIB entre 2010
e 2011 (Brasil-Ipea, 2012); a presença de estoques elevados derivados do
crescimento acentuado de 2010, o ambiente de incerteza, ora associado à
multiplicidade dos incentivos, ora à atribuição de perfil intervencionista
ao governo, dada as pressões para redução dos juros pelos bancos públi-
cos e as queixas de quebra de contrato na revisão das concessões do setor
elétrico; a presença de uma taxa de câmbio ainda pouco competitiva,
apesar da desvalorização do real desde 2012, têm sido apontados como
fatores que explicam o baixo desempenho recente da economia brasileira.
Neste cenário, documentos de entidades empresariais destacam os riscos
de desindustrialização e chegam a anunciar a necessidade de uma “nova
política econômica” (Iedi, 2013; Fiesp, 2013). No balanço do PBM efe-
tuado pelo CNDI em 2013, enfatiza-se principalmente a conjuntura in-
ternacional, salientando-se que está em curso a

maturação do conjunto medidas [. . .] implementadas a partir de


2011 [que] ampara um movimento de recuperação da indústria.
Trata-se de poderosos instrumentos de estímulo à competitividade,
que reforçam as expectativas positivas sobre o desempenho da in-
dústria brasileira e funcionam como eixos de sustentação da reto-
mada prevista para 2014 (Brasil-CNDI, 2013, p. 10).

As antinomias entre a política macroeconômica e a política indus-


trial ajudam a explicar o baixo desempenho de alguns setores, bem como
porque o crescimento da renda e a redução da desigualdade e da pobreza
nos últimos em boa medida vazam para as importações, contribuindo
pouco para a acentuação da integração interna da economia brasileira. Por
seu turno, o legado da trajetória desenvolvimentista brasileira evidencia
as dificuldades para uma resposta mais efetiva das políticas voltadas à
inovação. Por fim, o alarde sobre a presença de um clima de desconfiança
na relação na relação do governo com o empresariado nos últimos anos
5 Todavia, desde 2008, quando alcançou 19,1%, a taxa de investimento da econo-
mia brasileira fixou-se acima de 18%, índice pela última vez alcançado em 1995, embora
abaixo da expectativa da PDP para 2010 (20,9%). Para 2014, a expectativa do PBM era
de uma taxa de 22,4% (IBGE, s.d.; Brasil-ABDI, 2008; Brasil-MDICE, 2011).

358
sugere que os canais de articulação criados pelas políticas definidas des-
de 2004 têm revelado baixa institucionalização, expressando dilemas de
coordenação que alcançam também outras dimensões da política indus-
trial brasileira. Na próxima seção, buscaremos discutir tais dilemas, con-
trastando os casos chinês e indiano para iluminar o cenário brasileiro.

Transição rural-urbana e indústria

China e Índia têm sido destacadas pela intensidade do crescimento eco-


nômico que experimentaram após a deflagração das reformas econômi-
cas. O período em que estas se efetivam, de certa forma, coincide com a
aceleração da transição-rural urbana na China, enquanto na Índia ela se
realiza em ritmo moroso. Conforme dados do Banco Mundial, de 1980
a 2012, a população urbana chinesa se eleva de 21,3% para 51,8%, ao
passo que na Índia, no mesmo intervalo, a participação da população
urbana se eleva de 23% para apenas 31,6% do total (World Bank, s.d.).
Diversa, também, é a natureza do crescimento econômico chinês, lidera-
do fundamentalmente pela indústria, ao passo que na Índia é essencial-
mente impulsionado pelo setor de serviços. Conforme dados da Unido
(Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial),
em 1980, o setor de serviços contribuía com 38,2% do valor agregado
global da economia indiana, elevando sua participação a 57,1% em 2008,
ao passo que o setor manufatureiro acentuava apenas ligeiramente sua
participação, de 14,9% para 16,4%, enquanto a agricultura declinava de
37,4% para 16,3%. Na China a participação do setor manufatureiro no
valor agregado da economia eleva-se de 22,2% em 1987 para 44,7% em
2008, enquanto a agricultura reduz sua participação de 29,9% em 1987
para 9,2% em 2008 (Unido, 2012, p. 20).6
Se tomarmos o mesmo período, no Brasil a participação relativa dos
três setores pouco vai se alterar. Em 1980 a participação do setor de serviços
no valor agregado da economia era de 64,5%, em 2008 de 65,9%; a par-
ticipação das manufaturas declinou ligeiramente, de 21% para 19,4%,
enquanto a agricultura elevava sua participação de 4,9% para 6,4% (Unido,
2012, p. 20). No limite, em 1980 o Brasil já avançara substancialmente em
sua transição rural-urbana, com 65,5% da população vivendo nas cidades,
6 Os valores parciais não alcançam 100 porque na tabela da Unido são considera-
dos separadamente a mineração, utilidades industriais e construção.

359
percentual que se eleva a 84,8% em 2012 (World Bank, s.d.). Por essa
razão, o crescimento brasileiro não dispõe hoje do impulso para o cresci-
mento típico das fases de transição — ocorrida no Brasil entre 1950 e
1980, quando a taxa anual média de crescimento alcançou 7,5%, tendendo
a se aproximar dos níveis de crescimento normais de países que já a concluí-
ram. Vale dizer, por seu turno, que entre as décadas de 1950 e 1980,
quando o País vivia o mesmo momento transicional hoje experimentado
pela China e, num ritmo mais lento, pela Índia, a participação do setor
manufatureiro no PIB chegou a alcançar 33% (Unido, 2012, p. 33). Pode-
-se, talvez, dizer que um fôlego derradeiro típico dos padrões de cresci-
mento que ocorrem nos processos de transição subsista em decorrência da
precariedade da infraestrutura urbana e econômica constituída ao longo da
industrialização brasileira e da possibilidade de elevação da participação
de amplos segmentos de população mais pobre no “mercado de consumo
de massa e com base na incorporação progressiva das famílias trabalhadoras
ao mercado consumidor das empresas modernas”. Todavia, o alcance de pa-
drões chineses de crescimento é uma perspectiva irrealista para o Brasil.
Do mesmo modo, é irrealista e uma aposta regressiva imaginar que
a competitividade das empresas brasileiras pode assentar-se na redução do
custo do trabalho, para aproximar o Brasil de países situados noutro momento
transicional. Ao lado da definição de arranjos macroeconômicos que evitem
os impactos negativos dos juros altos e câmbio apreciado sobre a produção
nacional, o grande dilema brasileiro é desenvolver políticas que acentuem
a capacidade de inovação dos agentes econômicos, para que a elevação da
produtividade se associe à ampliação do bem-estar social, bem como a defi-
nição de procedimentos para a viabilização de perspectivas de futuro que
envolvam o domínio sobre atividades nucleares nos paradigmas tecnológicos
predominantes nos próximos ciclos do desenvolvimento econômico glo-
bal. O êxito de tais políticas depende de sua adequação às configurações
legadas pelas trajetórias passadas e pela criação de arranjos institucionais
que contornem os dilemas de coordenação que tendem a se manifestar na
operação do Estado e na relação deste com as empresas ou o empresariado.

Legados e desafios da política industrial brasileira

No velho desenvolvimentismo, o virtual fechamento do mercado domésti-


co brasileiro, a intensa internacionalização do espaço econômico interno
e o acesso fácil a tecnologias disponíveis no mercado mundial permitiram

360
às empresas brasileiras lidar com os dilemas associados ao custo da desco-
berta sem pressões de timing e de exigências para a prática de engenharia
reversa e a criação de inovações secundárias, a exemplo do que marcou a
trajetória desenvolvimentista coreana, com empresas submetidas à pres-
são do Estado e à exigência de contrapartidas para a criação de produtos
competitivos, ou à experiência chinesa, em que a instalação de joint ventures
combinava-se à densa articulação entre o sistema de ciência e tecnologia
e os empreendimentos econômicos, até mesmo com a formação de em-
presas a partir da operação do primeiro.
Por seu turno, a trajetória desenvolvimentista brasileira, como vi-
mos, permitiu a constituição de uma economia diversificada, condição
primária à integração interna da economia nacional, embora distante das
cadeias internacionais de valor, além de marcada pelo predomínio das
empresas multinacionais em atividades de ponta e por expressiva con-
centração da renda, em boa medida associada à contenção dos salários
sob o regime militar. As duas últimas características acentuaram as res-
trições à dinamização da capacidade de inovação na economia brasileira,
entre os empreendedores privados, e ao fortalecimento de um mercado
de massas. Na trajetória dos países centrais, a presença desse último ope-
rou positivamente na própria dinâmica tecnológica, estimulando as ino-
vações para elevação da produtividade das empresas, seja para ocupação
de posições de destaque na arena competitiva, seja para contornar as
pressões de custo da elevação dos salários, num processo que se retroali-
mentava, na medida em que estes se beneficiavam da própria elevação da
produtividade (Furtado, 1979).
O projeto de futuro do desenvolvimentismo brasileiro, por outro
lado, porquanto visceralmente vinculado ao propósito de atendimento às
demandas de consumo de produtos constantes na pauta de consumo dos
países centrais, associou-se meramente à perspectiva da industrialização
tout court (Diniz, 1978). Seu conteúdo nacionalista é evidente, seja em sua
etapa nacional-desenvolvimentista, seja como industrialização dependente-
-associada, pois objetivava a internalização no espaço econômico nacio-
nal de todas as atividades que concorriam para a produção dos bens cons-
tantes na pauta de consumo indicada acima. Porém, vinculou-se de forma
tênue à acentuação da capacidade de inovar, como já observado, e ao
domínio de atividades de fronteira que articulassem o sistema de ciência
e tecnologia, desenvolvido com relativo sucesso desde a década de 1950,
e a estrutura produtiva.

361
O ambiente criado a partir das reformas econômicas da década de
1990, notadamente a abertura comercial, estreitou o timing das empresas
para lidar com os dilemas do custo da descoberta, dada a preponderância
das estratégias de modernização centradas na aquisição de novos equipa-
mentos, exigindo rapidez na harmonização dos equipamentos entre si e
com as matérias-primas do País, diante da pressão dos importados (Cas-
tro, 1997; 2002). As políticas de crédito e isenção fiscal, marcantes a
partir de 2004, buscam favorecer o contorno de tal dilema, mas, para
muitos comentadores, a presença do câmbio recorrentemente sobrevalo-
rizado desde a década de 1990, utilizado como instrumento para contro-
le da inflação, ao lado dos juros elevados, têm operado como um fator de
esvaziamento dos efeitos da política industrial, ainda que ela seja impor-
tante para sustentar minimamente o nível de atividades, ou mesmo impe-
dir processos mais aprofundados de regressão (Bresser-Pereira, 2012).
Neste cenário, são evidentes os riscos à integração interna da economia
brasileira, em decorrência do enfraquecimento de elos importantes em
diversas cadeias produtivas.
Iniciativas dirigidas à aproximação entre empresas e o sistema de
ciência e tecnologia, ao aperfeiçoamento do ambiente regulatório e dos
aparatos para operar os negócios e direitos de propriedade intelectual,
combinadas à ampliação de linhas de financiamento para o apoio às ati-
vidades de inovação, como os fundos setoriais e as subvenções, têm im-
portância para fomentar e disseminar uma cultura empresarial voltada para
as inovações, mas não dispõem de impacto imediato na competitividade
das empresas. Ao contrário, a utilização das compras públicas como medida
de apoio às atividades de inovação, tende a dispor de grande efetividade,
por reduzir a incerteza das empresas em suas decisões de investimento e
produzir efeitos tangíveis em prazo definido. O papel da Petrobras na
recuperação da indústria naval já evidenciara como a política de compras
pode afetar positivamente o desempenho de um setor de atividades. No
caso da política de compra de medicamentos pelo SUS, seu impacto não
foi apenas a ampliação da participação das empresas nacionais no mercado
interno, mas a elevação da participação do setor no conjunto dos gastos
em inovação do País. A ampliação do instrumento para outras atividades
precisa, pois, ser considerada. Dados os dilemas de mobilidade urbana
no Brasil, a política de compras públicas poderia, por exemplo, dinamizar
segmentos com maior conteúdo nacional na produção automotiva, no âmbito
de uma perspectiva global de ampliação do peso do transporte público.

362
Os dilemas da política industrial brasileira num cenário de ampliação
das pressões competitivas derivadas das reformas econômicas não se refe-
rem, contudo, à definição apenas dos melhores instrumentos de política,
que devem ser calibrados em função dos propósitos de entrincheiramento,
reposicionamento e busca do futuro. Além da abordagem do dilema cam-
bial indicado acima (e da taxa de juros, não mencionado aqui), é preciso
lidar com legados da trajetória desenvolvimentista que tendem a afetar
de forma mais intensa que no passado a efetividade da política industrial.
A estrutura tributária brasileira é um de tais legados. Constituída
num cenário em que era possível “lançar mão da tributação indireta para
satisfazer as necessidades do Estado [porque se trata de] encargo que é
bem distribuído pela coletividade em geral” (Fiesp, Circular 757, 27-7-
-1936, apud Delgado, 2001, p. 104), a estrutura tributária brasileira pe-
naliza a produção, encarece os produtos, reduz a competitividade das
empresas e reduz o impulso para a dinamização do mercado de consumo
de massas, que inaugurou o novo ciclo de crescimento vivido pelo Brasil
nos últimos anos, por força de seu caráter regressivo. Esta é uma con-
quista recente, ainda incipiente, cuja preservação e ampliação é funda-
mental para garantir um projeto de crescimento capaz de gerar o círculo
virtuoso de crescimento da renda, com elevação do bem-estar e capaci-
dade de inovar. Não se trata, portanto, de reduzir a carga tributária, me-
dida que pode afetar as políticas de transferência de renda, a universalização
dos direitos sociais previstos em nosso pacto constitucional, a capacidade
de investimento do Estado e a própria efetividade das políticas de desen-
volvimento, além de induzir a esforços predatórios de elevação da com-
petitividade. Trata-se de ampliar a tributação sobre a renda, o consumo
conspícuo, a propriedade e, em certa medida, as importações e os ganhos
meramente especulativos, para elevar a competitividade das empresas,
seja na disputa do mercado interno com os importados, seja no desempe-
nho exportador.
O peso das multinacionais na estrutura industrial brasileira é outro
legado que afeta o impacto das políticas orientadas para a inovação. Não
é possível, por certo, refazer a trajetória brasileira. Todavia, esforços no
sentido do enraizamento das multinacionais, por meio da atração de de-
partamentos de P&D para o País merecem destaque nas medidas de
política industrial, tal como sugerido no PBM. No caso das que já se
instalaram no Brasil, perde-se, entretanto, uma das moedas de troca ca-
paz de conferir efetividade a este propósito que é o oferecimento da

363
oportunidade de explorar o mercado interno brasileiro. Nas iniciativas
futuras de atração de investimento, contudo, tal objetivo deve ser conside-
rado, bem como a atribuição de prioridade à instalação de setores que
contribuam para a internalização de componentes capazes de agregar va-
lor aos produtos fabricados no Brasil, a exemplo da recente iniciativa
chinesa de restringir no País o investimento na fabricação de automó-
veis completos, em favor da atração de investimentos em elementos que
acentuem a participação doméstica na cadeia de valor setorial (China-
-Mofcom, 2012).
As deficiências na infraestrutura brasileira são outro legado do ve-
lho desenvolvimentismo, dada a possibilidade de transferir “à coletividade
em geral” os impactos sobre o custo dos produtos, ausente numa econo-
mia menos protegida. Por isso, o aumento dos investimentos públicos e
privados em infraestrutura econômica e urbana, com a dinamização das
PPPs, é uma iniciativa de relevo na elevação da competitividade brasileira.
Apesar dos dilemas indicados acima, o velho desenvolvimentismo
legou também ao Brasil uma estrutura industrial diversificada, um ex-
pressivo mercado interno — que nos últimos anos exibiu grande potencia-
lidade para tornar-se um vigoroso mercado de massas — e instituições
que sobreviveram à nova política econômica instaurada a partir da década
de 1990, como o BNDES e a Petrobras. Sua presença no cenário aberto
pelas possibilidades derivadas da exploração do Pré-Sal permitem vis-
lumbrar trajetórias futuras capazes de contornar as dificuldades do pre-
sente, seja por minorar as sequelas no balanço de pagamentos que sem-
pre acompanharam os momentos de crescimento da economia brasileira,
seja por permitir a resolução de velhas pendências na área da educação e
da saúde, seja pela abertura de uma janela de oportunidade para que o País
efetue suas escolhas, em relação ao que é possível e deve ser preservado
na atual estrutura industrial, bem como em relação à promoção dos seto-
res que tendem a ocupar posições centrais em atividades potencialmente
nucleares de novos paradigmas tecnológicos, como novas energias e biotec-
nologia. Neste caso, pode ser importante a construção de acordos que
permitam superar certos preconceitos ideológicos, admitindo, como apare-
ce no 12.o PQ chinês, a necessidade de “expandir o tamanho do investi-
mento governamental na promoção de indústrias nascentes” (China, 2012).
A efetuação de escolhas e sua efetivação num projeto nacional en-
volvem a criação de mecanismos permanentes de interação entre os prin-
cipais stakeholders e a construção de consenso para suporte das iniciativas

364
a serem desenvolvidas. Estes, talvez, são os maiores desafios da política
industrial brasileira. Desde o velho desenvolvimentismo não se consolida-
ram fóruns de articulação entre o Estado e o empresariado capazes de
criar confiança mútua e firmar compromissos efetivos. Ora os fóruns
constituídos dispõem de caráter meramente homologatório, ora servem
apenas para expressão cacofônica de interesses setoriais, não obstante as
exceções de relevo, às vezes derivadas da atuação de empreendedores
políticos, do universo político e empresarial, como Vargas e Roberto
Simonsen no Conselho Federal de Comércio Exterior, nas décadas de
1930 e 1940, ou de Lula e Luiz Furlan, mais recentemente (Diniz, 1978;
Leopoldi, 2000; Delgado, 2001; De Toni, 2013). Para isso contribui a
reduzida continuidade das diversas arquiteturas institucionais construídas
para cada projeto de política industrial, além da baixa capacidade de
arregimentação das entidades empresariais. De fato, a estrutura de repre-
sentação de interesses do empresariado diversificou-se profundamente
desde a década de 1950, adicionando à estrutura corporativa entidades
paralelas setoriais, associações vinculadas a temáticas específicas, think
tanks (Boschi & Diniz, 1991, 1993 e 2001; Bresser-Pereira & Diniz,
2009; Leopoldi, 2000; Delgado, 2001, 2005, 2010; Mancuso, 2004;
Schneider, 1998). Além disso, multiplicaram-se os instrumentos me-
diante os quais o empresariado desenvolve suas demandas, desde a atua-
ção em canais corporativos, contatos pessoais, lobby, atuação sobre o con-
gresso. Todavia, não é possível identificar nas entidades capacidade de
garantir a lealdade de seus membros com compromissos eventualmente
firmados nos fóruns de formulação da política industrial. Não há receitas
prontas para isso, mas as experiências bem-sucedidas, como na Alema-
nha, revelam que o empoderamento das entidades, para o exercício direto,
nas empresas, de atividades de qualificação e negociação salarial, tende a
elevar sua capacidade de arregimentação (Hall & Soskice, 2001; Delga-
do et al., 2010). Dada a dimensão das entidades corporativas brasileiras,
este é um objetivo a ser considerado.
Obstáculos à operação efetiva dos mecanismos de interlocução as-
sentam-se, contudo, além de seu desenho institucional. No caso brasilei-
ro, o peso das multinacionais, a atuação desimpedida e os ganhos eleva-
dos do capital financeiro (não obstante a regulação significativa das
operações de risco), para os quais se inclinam por vezes os empresários
industriais diante das dificuldades percebidas em suas atividades conven-
cionais, tendem a conferir grande influência no sistema de comunicação

365
às formulações reticentes à adoção de políticas industriais ativas, em fa-
vor de abordagens neoliberais, mesmo que este discurso contraste com a
prática efetiva do empresariado industrial brasileiro. Por isso, tal como
apontado no Plano Manufatureiro indiano de 2012, é importante comu-
nicar os objetivos e projetos da política industrial à mais ampla audiência
(Índia — Planning Comission, 2012). Na condução da política indus-
trial brasileira, este é um desafio a enfrentar e vencer, se o objetivo é
construir um projeto nacional de desenvolvimento.

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370
OS “GARGALOS” DO DESENVOLVIMENTO NO
BRASIL: O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS,
DAS ELITES ESTRATÉGICAS E DAS COALIZÕES
DE GOVERNO NA PROMOÇÃO
DA INFRAESTRUTURA

CARLOS EDUARDO SANTOS PINHO

Nós estamos iniciando hoje nessa solenidade


uma etapa da qual o Brasil vai sair mais rico e
mais forte, mais moderno e mais competiti-
vo. [. . .] O Brasil terá, finalmente, uma infra-
estrutura compatível com o seu tamanho. . .
[. . .] Meu governo reconhece as parcerias com
o setor privado como essenciais à continuida-
de e aceleração do crescimento. Essas parcerias
nos permitirão oferecer bens e serviços públi-
cos mais adequados e eficientes à população.
— D ILMA R OUSSEFF , 15-8-2012

A PESAR DE SER uma das democracias mais desiguais do mundo, o


Brasil vem reduzindo as condições de pobreza e miséria a que esta-
vam submetidos vastos contingentes populacionais, distribuindo de forma
mais equitativa a renda e aumentando a formalização no mercado de
trabalho. Não obstante os avanços sociais, que ainda precisam ser conso-
lidados, o País necessita suprimir “gargalos” antigos1 que entravam o

1 Em 1942, a Missão Cooke foi enviada ao Brasil pelo Governo americano, que
queria contar com o apoio brasileiro para o esforço no âmbito da Segunda Guerra Mundial,
resultando na confecção de um relatório (feito em parceria com técnicos brasileiros), que
ressaltava a necessidade de melhoria da infraestrutura econômica do País, de suas indús-
trias de base e, em geral, da industrialização (Simonsen & Gudin, 2010). Passados 71
anos do envio da referida Missão, o emblemático é que a agenda que está no cerne do
debate público nacional contemporâneo é a irrevogável tarefa de suprimir os “gargalos” de
infraestrutura, que inviabilizam o desenvolvimento sustentado do Brasil.

371
aumento da produtividade, o crescimento sustentável e vigoroso e uma
inserção mais competitiva na órbita global. Tanto na imprensa e nos
jornais de grande circulação nacional quanto no debate acadêmico qua-
lificado, este é um ponto de similitude que aglutina intelectuais e econo-
mistas das mais variadas tendências e correntes ideológicas: liberais, con-
servadores e os mais afinados a uma visão desenvolvimentista.
O tema da infraestrutura vem sendo objeto de amplo debate na
agenda pública nacional. Nos últimos anos, dadas as limitações do Estado
de levar a cabo um modelo de crescimento ancorado exclusivamente no
mercado interno de consumo de massas, como houve no Governo Lula da
Silva, a iniciativa privada vem sendo apresentada como a única alternati-
va para alavancar os investimentos estratégicos em infraestrutura — ro-
dovias, ferrovias, portos, aeroportos e energia — a fim de minimizar o
“custo Brasil”. Primeiramente, o ambiente interno tem sido complexo e
adverso em razão do aumento do endividamento das famílias,2 da perda
de competitividade e dinamismo da indústria seguida da aceleração do
desemprego industrial, da queda das exportações, da inflação acima da
meta (ainda que muito distante da gravíssima situação vigente durante os
anos 1980 e 1990), da elevada carga tributária, do aumento da taxa de
juros para debelar a inflação, do crescimento econômico irrisório, da
baixa propensão à atração de investimentos tanto internos como externos
e de manifestações populares (e legítimas) em todo o País pela melhoria
da qualidade dos serviços públicos (saúde, educação, transporte, habita-
ção e segurança), cuja oferta é ainda bastante precária ao longo do terri-
tório nacional. Em segundo lugar, o cenário internacional é bastante
desfavorável em virtude (1) da desaceleração da economia chinesa; (2)
da lenta recuperação da economia dos EUA; (3) da crise na Europa bem
como da persistência das políticas de austeridade; e (4) do enfraqueci-
mento do boom de commodities, que durou mais de dez anos na América
Latina, reforçou o crescimento da região e contribuiu para a retirada de
milhões de pessoas da pobreza (Valor Econômico, 2013a).
Desde a gênese do século XXI, por ocasião da vitória eleitoral da
diversificada coalizão desenvolvimentista encabeçada por Lula da Silva,

2 O Governo persistiu em usar instrumentos cuja eficácia tinha-se esgotado, a


exemplo do incentivo ao consumo. Como o endividamento das famílias era elevado, não
houve crescimento da demanda e a desoneração de impostos para estimular a indústria
comprometeu a receita fiscal, na ótica conservadora do mercado, focado no superávit das
contas públicas (Lacerda, 2013).

372
está em gestação um Novo Estado Desenvolvimentista que, por sua vez,
está assentado na instituição de uma variedade de capitalismo sob a coor-
denação estatal, tem galvanizado a dimensão da inclusão social (Boschi
& Gaitán, 2012; 2008; Boschi, 2011; 2013; Diniz & Boschi, 2013;
Diniz, 2013; Hall & Soskice, 2001; Cepêda, 2012) e no qual as elites
políticas e econômicas desempenham um papel crucial. Nesse contexto,
a sinergia Estado/Mercado deve se constituir como uma das premissas
conducentes ao crescimento econômico, à consecução de uma estratégia
nacional de desenvolvimento e ao ganho de competitividade no cenário
global. O debate em torno da infraestrutura e da urgência em suprimir os
“gargalos” que obstam o desenvolvimento tem fomentado o envolvimento
das elites e atores estratégicos como o Poder Executivo e seu aparato
burocrático, o Poder Legislativo, o empresariado industrial, os trabalha-
dores e os setores da sociedade civil como economistas e intelectuais,
que compõem as comunidades epistêmicas (Haas, 1997). É cada vez mais
premente a necessidade não somente de crescer, mas de modificar as
condições estruturais para o desenvolvimento sustentável e assegurar uma
inclusão assertiva na ordem internacional.
As questões que permeiam esta pesquisa são as seguintes: (1) Ten-
do em vista que os investimentos em infraestrutura foram irrisórios tanto
nos anos 1980 quanto durante o período das reformas orientadas para o
mercado nos anos 1990, em virtude da erosão da capacidade de planeja-
mento do Estado, pode-se dizer que, neste século XXI, existe uma agen-
da pós-neoliberal orientada para o desenvolvimento da infraestrutura no
Brasil? (2) Como possibilitar a transição de uma coalizão distributiva
para uma coalizão de investimento sem, todavia, negligenciar a necessidade
de aprimorar as políticas de retração da pobreza e da desigualdade leva-
das a efeito nos últimos anos? (3) Como eliminar os gargalos da infra-
estrutura na direção de um desempenho/crescimento econômico exitoso
e de uma inserção competitiva nos mercados globais? (4) A partir da
análise da atuação dos atores estratégicos e da (possível) convergência
Estado/Mercado, o que vem sendo feito nesta direção e quais os princi-
pais obstáculos? (5) Estão sendo criadas as condições para a concretização
de uma coalizão política desenvolvimentista? De forma introdutória, esta
pesquisa aspira mostrar (e problematizar) como essa transição vem se
consubstanciando, à luz da revitalização do papel do Estado na promo-
ção de um novo modelo de desenvolvimento, que pressupõe uma sinergia
Estado/Mercado, a inviabilidade de um Mercado forte sem um Estado

373
suficientemente forte e regulador, bem como a adoção de políticas
macroeconômicas adequadas (Bresser-Pereira, 2005; 2007, 2009; Del-
fim Netto, 2014; Sicsú, De Paula & Michel, 2005; Sicsú, 2008).
A hipótese que norteia este estudo é que o desenvolvimento cons-
titui um processo indubitavelmente endógeno, sendo produto de uma re-
lação intrínseca com o Estado, as coalizões de governo, as instituições
políticas e os atores estratégicos que influenciam o ciclo de políticas
públicas, particularmente os trabalhadores, o empresariado industrial, a
burocracia governamental, os economistas e intelectuais. A agenda em-
brionária da infraestrutura, que vem sendo executada recentemente pela
(diversificada) coalizão desenvolvimentista capitaneada pelo Governo
Dilma Rousseff, reflete, por sua vez, esta interação, ainda que muitas
vezes problemática e contraditória. Entretanto, as iniciativas dessa mes-
ma coalizão, que serão mais exploradas na última seção, vêm sendo
obstruídas pelos interesses poderosos e fortemente constituídos da coali-
zão liberal-conservadora ancorada no capitalismo financeiro rentista e
não produtivo, cuja riqueza advém da elevação progressiva das taxas de
juros e da especulação.
Este Novo Estado Desenvolvimentista em gestação deve ser pensado
à luz do papel das trajetórias prévias, das características institucionais
bem como da centralidade do Poder Executivo na ossatura institucional
republicana brasileira. Trata-se de um caminho heterogêneo e de uma
agenda em processo de construção, que não está isenta de vicissitudes
como é o caso da recente crise financeira sistêmica do capitalismo global
(Pinho, 2012). Esta, por seu turno, vem promovendo a degeneração do
tecido social na Europa ao exacerbar as taxas de desemprego e a deses-
perança em relação ao futuro, sobretudo entre a população mais jovem.
A crise internacional confirmaria a necessidade de enfatizar a tensa rela-
ção que se costuma estabelecer entre política e desenvolvimento socioe-
conômico. Nesse sentido, Gourevitch (1986; 2008) afirma que as crises
cíclicas do capitalismo geram mudanças nas políticas econômicas e que
a natureza da atuação do Estado vai depender de eleições de governos e
da possibilidade de se conformar em modelo dominante. As crises seriam
mais propícias a gerar mudanças de trajetória.
Este texto apresenta quatro seções, sendo a primeira delas esta in-
trodução. A segunda faz uma interlocução com a literatura internacio-
nal contemporânea sobre a importância das instituições políticas e da
mudança institucional para o desempenho econômico. Ademais, aborda

374
o papel das elites (e/ou líderes) e a natureza das coalizões para o desen-
volvimento. À luz da convergência Estado/Mercado, a terceira seção de
caráter empírico, faz uma identificação, levantamento, sistematização e
análise do “estado do campo” das políticas (de concessões3) na área de
infraestrutura (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e energia, respecti-
vamente), que foram obliteradas durante os anos 1980 e 1990, em razão
da prioridade conferida à agenda da estabilização monetária e da decre-
pitude da função planejamento governamental. Trata-se de enfatizar as
capacidades estatais e burocráticas do Estado brasileiro para a implemen-
tação de políticas, o desempenho das instituições e a contribuição dos
atores estratégicos na formatação e execução de medidas de infraestrutura,
diante da vigência de interesses econômicos assimétricos e de visões
antípodas acerca dos rumos que o País deve adotar. A quarta e última
seção devota-se à realização das considerações finais.

Instituições, elites e coalizões para o desenvolvimento

Antes de analisar a especificidade das elites políticas e econômicas bra-


sileiras na recente promoção de medidas de infraestrutura, é indispensá-
vel realizar uma interlocução com a literatura especializada que articula
três campos distintos, ainda que complementares: as instituições políti-
cas e sua relação com a mudança institucional e o desempenho econômi-
co, o papel das elites (e/ou líderes) e a natureza das coalizões para o
desenvolvimento. O primeiro campo será esmiuçado separadamente, à

3 Torna-se fulcral distinguir as concessões das privatizações, que ocorreram na


década de 1990 como parte do Plano Nacional de Desestatização. No primeiro caso, a
empresa não é vendida, mas “emprestada” por um período de tempo. Por exemplo, o
governo repassa aos compradores a administração dos aeroportos para os consórcios, mas
continua “dono” do negócio e, portanto, com maior possibilidade de fiscalização. Além de
reaver a empresa depois de um período, o modelo de Dilma Rousseff blindou possíveis
demissões em massa ao manter a Infraero com 49% desses aeroportos e estipular investi-
mentos obrigatórios. Na privatização, todavia, o proprietário racionaliza todo o processo
produtivo, o que vai passar pela demissão de pessoas. Durante a gestão de FHC (1995-
-2002), as privatizações ocorreram porque o Governo precisava de recursos para resolver
o déficit de caixa e não tinha condições de acompanhar os avanços tecnológicos que
aconteciam. Entretanto, a totalidade das empresas estatais foi vendida e os problemas de
caixa não foram resolvidos por conta da má administração dos recursos. Além disso, o
dinheiro da privatização foi usado em despesas correntes, sem reduzir o déficit público e
tampouco aumentar investimentos públicos (Garafalo, 2012).

375
proporção que o segundo e o terceiro serão contemplados simultanea-
mente, em virtude de similaridades teóricas e conceituais.
No que tange ao primeiro campo, com o objetivo de sumariar as
características essenciais da “Nova Economia Institucional” (New Insti-
tutional Economics) e descrever como ela difere da teoria neoclássica,
Douglas North ressalta que, em um mundo de racionalidade instrumental,
as instituições são desnecessárias; ideias e ideologias não importam e os
mercados eficientes — tanto econômica e politicamente — caracterizam
as economias. Por um lado, os economistas do desenvolvimento têm tipica-
mente tratado o Estado tanto como exógeno como um ator benigno no
processo de desenvolvimento. Por outro lado, os economistas neoclássicos
assumiram implicitamente que as instituições (econômicas e políticas)
não importam e que a análise estática incorporada em modelos de eficiência
alocativa deve ser o guia para a política. Contrariamente a esta concepção,
o autor defende que para dar início a uma teoria das instituições é pivotal
a modificação do pressuposto da racionalidade instrumental (North, 1990).
As instituições eficientes (sejam elas positivas ou negativas para o
sistema de mercado), ao longo do tempo adquirem estabilidade, o que as
faz conservar sua estrutura normativa, tornando qualquer caminho ou
rota de mudança dependente desta estrutura preestabelecida.4 Em cada
passo da rota foram feitas escolhas — políticas e econômicas — de difícil
reversão e que significaram alternativas que podem reforçar ou não seu
curso. As instituições são estáveis ao longo do tempo e a mudança
institucional resulta de círculos de poder que atuam em seu próprio inte-
resse. Segundo o autor, a New Institutional Economics (NIE) tem dois
grandes objetivos: de um lado explicar (e não apenas descrever) os deter-
minantes das instituições e analisar a mudança institucional; de outro
lado, avaliar o impacto das instituições sobre a eficiência econômica e a
distribuição. Neste contexto, os “custos de transação” são os custos que o
ator suporta para se engajar em intercâmbios políticos, econômicos e
sociais. Eles existem porque a informação é difícil (custo) de obter. Há,
portanto, limites no poder cognitivo (bound rationality) e também oportu-
nismo dos indivíduos que podem não divulgar as suas preferências (North,
1990; 1992).
4 O conceito basilar para a caracterização da estrutura normativa das instituições
é o de “dependência de trajetória” (path dependence), que constitui os constraints de um
arcabouço institucional, influenciando mormente o processo de mudança institucional
(North, 1990).

376
Dessa forma, as instituições são as regras do jogo de uma sociedade
ou, mais formalmente, constituem as restrições humanamente inventadas
que estruturam a interação humana. Elas são compostas de regras for-
mais (decretos, leis, regulamentos), limitações informais (convenções,
normas de comportamento e códigos de conduta autoimpostos) e a apli-
cação característica de ambas (North, 1992). No entanto, em patamar
antagônico ao pressuposto neoclássico e ortodoxo da racionalidade ins-
trumental, é importante pensar o caráter endógeno das instituições na
promoção de políticas de desenvolvimento, como será visto na próxima
seção (empírica) a partir da análise do caso brasileiro.
Ha-Joon Chang & Peter Evans argumentam que uma aborda-
gem institucional deve fazer duas coisas. Primeiramente, desenvolver
uma visão mais adequada da forma como as instituições moldam o com-
portamento econômico e os resultados. Em segundo lugar, criar uma
compreensão mais sistemática e geral de como as próprias instituições
são formadas e mudam ao longo do tempo. Para construir essa concep-
ção, os autores propõem ir além da visão tradicional das “instituições
como restrições”, centrando a sua atenção, contudo, nas instituições
como dispositivos que permitem a realização de objetivos que reque-
rem uma coordenação supraindividual, uma vez que são constitutivas
dos interesses e visões de mundo dos atores econômicos5 (Chang &
Evans, 2000).
Refletindo sobre a gênese do poder, da pobreza e da prosperidade
mundial, Acemoglu & Robinson (2012) suscitam as seguintes questões:
Por que razão alguns países ficam ricos e outros pobres? Por que há
empecilhos para fazer distribuir a renda e/ou “crescer o bolo”? Diferen-
tes hipóteses (geográfica, cultural, ignorância) são aventadas para res-
pondê-las, entretanto, a hipótese institucional é a mais plausível, uma vez
que, na opinião dos autores, os países são pobres por causa das suas
instituições. Há problemas de compromisso político e de distribuição de
fontes de poder político, levando a dissensões e interesses em atrito. As
instituições importam porque organizam os incentivos econômicos dos

5 O objetivo dos autores é ir além dos “finos” modelos economicistas que dominam o
discurso atual sobre as instituições. Nem uma visão funcionalista, em que é necessário ser
“eficiente”, pois caso contrário não existiria tampouco uma visão instrumentalista, em que as
instituições são criadas e alteradas para refletir os interesses exogenamente definidos dos po-
derosos são adequadas. Portanto, a mudança das instituições exige alterar as visões de mun-
do que inevitavelmente subjazem aos quadros institucionais (Chang & Evans, 2000, p. 2).

377
agentes em sociedade (distribuição de riqueza, de capital físico ou ca-
pital humano, etc.), influenciam o desempenho econômico e a distri-
buição de recursos.
Do ponto de vista metodológico e analítico, há uma distinção entre
poder político de jure (instituições políticas) e de facto (distribuição de
recursos). O primeiro refere-se ao poder que se origina das instituições
políticas na sociedade. As instituições políticas, à semelhança das ins-
tituições econômicas, determinam as restrições sobre os incentivos dos
atores-chave, mas desta vez na esfera política. Exemplos de institui-
ções políticas incluem a forma de governo, por exemplo, a democracia
versus ditadura ou autocracia, e a extensão das restrições sobre os polí-
ticos e as elites políticas. Já o segundo depende da capacidade de um
dado grupo para resolver problemas de ação coletiva, isto é, assegurar
que as pessoas atuem conjuntamente, mesmo quando qualquer indiví-
duo pode ter um incentivo para atuar livremente. Ademais, o poder po-
lítico de facto de um grupo depende de seus recursos econômicos, que
determinam a sua capacidade de uso (ou abuso) das instituições políti-
cas existentes.6 Em suma, a distribuição de poder político em uma so-
ciedade é um processo eminentemente endógeno (Acemoglu, Johnson &
Robinson, 2005).
Segundo Amable & Palombarini (2009), as instituições têm um
papel importante na regulação do possível conflito social, uma vez que
(a) contribuem para a estruturação de relações socioeconômicas; (b) or-
ganizam o espaço de representação política, ou seja, o escopo no qual a
política irá competir, (c) delimitam, por meio dos constrangimentos que
definem, o espaço estratégico disponível para os atores políticos em sua
busca pela mediação bem-sucedida; (d) condicionam o impacto das po-
líticas públicas sobre a dinâmica econômica e, consequentemente, sobre
as demandas sociais. Portanto, a interação entre as demandas sociais di-
ferenciadas e a mediação política, que pode levar à formação de um
6 Quando um grupo em particular é rico em relação aos outros, isso vai aumentar
o seu poder político de facto e permitir-lhe impelir as instituições políticas e econômicas
favoravelmente aos seus interesses. Isto tenderá a reproduzir a inicial disparidade relativa
de riqueza no futuro. Apesar dessas tendências para a persistência, o quadro também
enfatiza o potencial de mudança. Em particular, os “choques”, incluindo alterações nas
tecnologias e no ambiente internacional, que modificam o equilíbrio de poder político (de
facto) na sociedade e podem levar a grandes mudanças nas instituições políticas e, por-
tanto, nas instituições econômicas e no crescimento econômico (Acemoglu, Johnson &
Robinson, 2005).

378
“Bloco Social Dominante”7 (e, portanto, à regulação do conflito social),
é estruturada pelas instituições. A relação entre as instituições e o confli-
to social não deve ser entendida de um modo funcional. As instituições
contribuem de facto para regular o conflito social, entretanto, elas também
o estruturam. É impossível conceber o conflito social independentemen-
te das instituições. Não há sociedade “pura” ou economia independente
das instituições. Desse modo, não há conflito social “puro” que encontra-
ria expressão fora da mediação institucional.
Com relação ao papel das elites (e/ou lideranças) e das coalizões
para o desenvolvimento, a literatura mostra que há um amplo consenso
de que uma sinergia positiva entre os setores público e privado é neces-
sária para estabelecer as regras institucionais que permitam o crescimen-
to das economias. Os líderes e as elites desempenham um papel crucial
para esta convergência público/privado. Fundamentalmente, as coalizões
podem ser “distributivas e de conluio e/ou predatórias”, preocupadas
apenas com o rent-seeking (busca de rendas) para a vantagem de seus
membros; ou elas podem ser “desenvolvimentistas”, cujos objetivos ba-
silares são expandir a produtividade, o crescimento e a justiça social.
Uma coalizão constitui uma associação de grupos e organizações que
trabalham para resolver problemas específicos ou a fim de atingir obje-
tivos peculiares que estão além da capacidade de qualquer membro indi-
vidual da coalizão resolver ou conseguir por conta própria. Mas a im-
portância das coalizões é que elas representam a expressão política concreta
da resolução dos muitos problemas de ação coletiva que definem o desa-
fio central do desenvolvimento: como alcançar a cooperação, a confiança
e a “sinergia” entre diferentes interesses, grupos e organizações — verti-
cal ou horizontalmente — para fins de desenvolvimento transformador
(Land, 2010; Leftwich & Hoog, 2007).
Conquanto os líderes e as elites sejam capazes de gerar “sinergias”
positivas dentro e entre os interesses, organizações e instituições, tanto
do setor privado como do Estado e, em função de finalidades sociais
7 Os grupos sociais “dominantes”, isto é, aqueles cujas demandas são levadas em
consideração na definição e estruturação das políticas públicas, formam, em tal situação,
um “Bloco Social Dominante” (BSD). O conflito social é regulado e o political equilibrium
(EP) existe quando há um estável BSD composto de grupos sociais que apoiam a estraté-
gia de mediação política implementada pelos atores políticos. O papel destes, por sua vez,
é mediar um compromisso social entre as demandas heterogêneas e selecionar aquelas que
serão satisfeitas por meio da implantação de políticas específicas e/ou o desenho de
instituições particulares (Amable & Palombarini, 2009, pp. 129-30).

379
compartilhadas, eles são capazes de formar coalizões de “desenvolvimen-
to”, “crescimento” ou “reforma”. A finalidade desses atores é elaborar ou
reformar as instituições que promovem o crescimento econômico e o
desenvolvimento social por meio de uma gama de setores e desafios. Há
evidências, por exemplo, de que quando as elites foram capazes de criar
relações cooperativas em vez de hostis, rent-seeking ou predatórias entre
Estados e empresas, o crescimento econômico em geral prosperou. Os
exemplos de êxito são os Estados desenvolvimentistas do Leste Asiático
como Coreia do Sul, Taiwan e Singapura bem como a República Popular
da China; na Ásia Central, que contaram com a centralidade institucional
do Estado e elites nacionais poderosas, dotadas de maior autonomia polí-
tica em face do mercado e capazes de criar burocracias weberianas eficien-
tes. Ademais, tanto a estrutura como a capacidade dos Estados desenvol-
vimentistas dependeu não apenas da natureza e extensão da ameaça externa
(vulnerabilidade sistêmica, que é estrutural), mas também da capacidade
de formar uma “coalizão minimamente vencedora” (Chang, 2003; Evans,
1993; Leftwich, 2010; Kohli, 2009; Skocpol, 1985).
Construir Estados eficazes, estabelecer coalizões de crescimento,
criar instituições de governança para a atividade econômica e resolver
problemas de ação coletiva são necessária e irredutivelmente processos
políticos. No contexto da constituição do Estado, esses processos reque-
rem líderes suficientemente eficazes e capazes em uma variedade de campos
para que possam transcender as suas aspirações imediatas de modo que
convirja para um interesse mais amplo. Tais lideranças devem ser capa-
zes de negociar, implementar decisões-chave e mediar as relações públi-
co/privado. De toda forma, o desenvolvimento bem-sucedido e sustenta-
do depende, sobretudo, se e como os diversos líderes e elites por meio
dos âmbitos público e privado estão aptos a formar “coalizões de desen-
volvimento” (ou coalizões de crescimento) suficientemente inclusivas,
formais ou informais, que sejam capazes de: (1) estabelecer, manter e
implementar arranjos institucionais legítimos, viáveis e localmente apro-
priados, que facilitem o crescimento econômico e (inclusive) o desenvol-
vimento social; (2) contribuir para construir as instituições centrais de
segurança, Estados efetivos e políticas estáveis; (3) trabalhar — regio-
nalmente, nacionalmente, subnacionalmente, setorialmente ou dentro e
entre organizações — para superar os principais problemas políticos, eco-
nômicos e sociais (tais como mudança climática, corrupção, ambientes
inóspitos de investimento, etc.) (Leftwich & Hogg, 2007; Leftwich, 2010).

380
A promoção da infraestrutura no Brasil:
capacidades estatais, coalizões políticas e conflito de interesses

O estado atual da infraestrutura brasileira reflete os baixos investimentos


feitos pelos sucessivos governos nos últimos trinta anos. Após chegarem
a 1,8% do PIB na década de 1970, os investimentos públicos na área de
transportes foram reduzidos devido aos cortes de gastos governamentais
provocados pelas diversas crises financeiras que ocorreram nesse perío-
do. Nas últimas três décadas, portanto, os investimentos anuais não al-
cançaram nem 1% do PIB, inviabilizando a realização de diversos proje-
tos programados. Além dos irrisórios investimentos, a infraestrutura
logística brasileira também sofreu nos últimos anos com o desmonte da
estrutura de planejamento passada.8 A crise econômica iniciada em mea-
dos da década de 1970 e a necessidade de respostas de curto prazo por
ela determinada levaram a um declínio conjuntural de planejamento de
longo prazo do País, que envolvia grupos de trabalho de diversos minis-
térios e órgãos, sob a coordenação política e técnica de um órgão central,
o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Tal declínio con-
juntural transformou-se, nas décadas seguintes, em declínio estrutural,
com a perda de profissionais qualificados e extinção de alguns órgãos e
empresas públicas (Fleury, 2013). Porém, a Empresa de Planejamento e
Logística, criada pela Lei n.o 12.743, de 19 de dezembro de 2012, visa
reconstituir capacidades similares às do Geipot, com uma abrangência
maior. Trata-se de uma empresa estatal que tem por finalidade estruturar
e qualificar, por meio de estudos e pesquisas, o processo de planejamento
integrado de logística no País, interligando rodovias, ferrovias, portos,
aeroportos e hidrovias (EPL, 2014; Carta Capital, 2013).

8 Foi nas décadas de 1960 e 1970 que o Brasil evoluiu na experiência de planejar,
a partir da criação de instituições como o Ipea e o Grupo Executivo para a Integração das
Políticas de Transportes (Geipot). Todavia, esse período desenvolvimentista foi interrom-
pido, quando graves turbulências econômicas e políticas levaram o Brasil a trocar os
projetos desenvolvimentistas pelos planos de estabilização monetária. Além de restrições
orçamentárias decorrentes da dívida pública interna e externa, entre 1985 e 1994, fo-
ram executados seis planos de estabilização com duração média de dezoito meses cada e
uma nítida aceleração inflacionária entre cada um deles, resultando em baixa capacidade
de investimento por parte do Estado. A estagnação dos investimentos levou à perda da
capacidade de planejamento de longo prazo do Estado brasileiro (Fleury, 2013; Fal-
cón, 2013).

381
Cabe apontar que os problemas da infraestrutura no Brasil ficam
evidentes no estudo capitaneado pelo World Economic Forum (2011), que
mensurou a competitividade dos países. Dessa forma, ocupando a 53.a
colocação entre 142 países no Índice de Competitividade Global, o Bra-
sil está apenas em 104.o lugar no quesito “qualidade da infraestrutura
geral”, sendo o último em um grupo de países formado por EUA (24.o),
África do Sul (60.o), China (69.o), Índia (86.o) e Rússia (100.o). Os prin-
cipais fatores responsáveis pela má colocação do País foram a qualidade
das infraestruturas portuária e aérea (130.o e 122.o lugares, respectiva-
mente), seguida do modal rodoviário (118.o) e do ferroviário (91.o).
(Fleury, 2013). Por outro lado, desde a década de 1960, os países
escandinavos — Finlândia, Noruega e Suécia — realizaram periodi-
camente projetos de longo prazo de infraestrutura de transportes. O
resultado do planejamento pode ser visto na boa colocação dos três paí-
ses no ranking de eficiência logística criado pelo Banco Mundial, no
qual ocupam a 3.a, a 10.a e a 12.a posições, respectivamente. No quesito
infraestrutura, a Noruega se destaca, situando-se na 3.a colocação e dei-
xando a Finlândia e Suécia nas 8.a e 10.a posições, respectivamente (Fleu-
ry, 2013, p. 316).
Nos últimos anos, a despeito dos inúmeros “gargalos” de infraes-
trutura, o Governo brasileiro vem se dotando de capacidades estatais e
burocráticas para o enfrentamento dessas questões. Assim, cabe ressaltar
a criação das carreiras de analista e especialista em infraestrutura e con-
cursos públicos para analistas de planejamento e orçamento e gestores
governamentais. Em 2011, após dois concursos públicos nacionais, cerca
de setenta especialistas e setecentos analistas de infraestrutura passaram a
integrar o quadro de servidores federais, desenvolvendo e gerindo proje-
tos de engenharia em diversos ministérios finalísticos. Esse movimento
resultou também na diminuição de servidores ocupados em funções
administrativas (atividades-meio) e na elevação do nível de escolaridade
do setor público, sem, no entanto, significar descontrole nos gastos com
pessoal (Falcón, 2013). Neste veio analítico, à luz da literatura sobre
capacidades estatais, Celina Souza enfatiza a modernização do Esta-
do brasileiro atrelada à construção de capacidade burocrática na esfera
federal, a partir da criação da carreira de Especialista em Políticas Pú-
blicas e Gestão Governamental (EPPGG). Segundo ela, embora dife-
rentes administrações e regimes políticos usassem múltiplos mecanis-
mos para recrutar a burocracia, o Executivo Federal tem sido sempre

382
capaz de construir capacidade burocrática para lidar com suas priorida-
des. Ainda que repleto de paradoxos, o sistema burocrático tem sido um
dos elementos-chave que contribuem para a modernização do Estado
(Souza, 2013).
Desde os anos 2000, contudo, o Estado brasileiro tem priorizado a
profissionalização e qualificação de uma burocracia recrutada por meio
de seleção competitiva. Em 2003, com a mudança nos partidos políticos
ocupando o Executivo Federal, a proposta para fortalecer as carreiras
estratégicas centrais foi substituída por uma agressiva política de recru-
tamento de funcionários públicos, especialmente dos dotados de forma-
ção universitária. De 2003 a 2010,9 206.284 novos servidores foram
admitidos por meio de concurso público. Os ministérios encarregados
das políticas de infraestrutura mantiveram um tamanho de pessoal está-
vel com exceção do Ministério de Minas e Energia. Um crescimento
notável foi registrado nas agências encarregadas da política fiscal (Mi-
nistério da Fazenda e Ministério do Planejamento, Orçamento e Ges-
tão). Houve aumento não somente da força de trabalho no Governo
Federal, mas também dos servidores públicos com grau universitário de
183.303 em 1997 para 223.404 em 2009, representando 45% dos em-
pregados federais em 2009 (Souza, 2013).
Apesar do crescimento quantitativo da burocracia e do aumento de
suas qualificações acadêmicas, a construção de capacidade burocrática
no setor público é ainda incompleta. Isso é particularmente crucial nas
áreas social e de infraestrutura. Há heterogeneidades persistentes na dis-
tribuição da burocracia profissionalizada. Não obstante, embora coexis-
tam diferentes “gramáticas” (clientelismo, corporativismo, insulamento
burocrático e universalismo de procedimentos) ao longo do experimento
republicano brasileiro, as administrações foram sempre capazes de cons-
truir capacidades burocráticas para satisfazer as suas prioridades. O atual

9 Dados mais recentes mostram que, em 2003, teve início um trabalho de recompo-
sição do funcionalismo. Na administração pública federal, o total de servidores, que havia
sido reduzido de 561.000 para 486.000 entre 1996 e 2002, foi elevado para 571.000 entre
2003 e 2011, priorizando-se as carreiras ligadas à necessidade de reestruturar o País.
Apesar do aumento do efetivo, o gasto com pessoal caiu de 4,8% do PIB em 2002 para
4,6% do PIB em 2011. A reconstituição do quadro público, todavia, começa a produzir
resultados, uma vez que a redução significativa da quantidade de obras com indícios de
problemas graves e recomendação de paralisação pelo Tribunal de Contas da União
(TCU) mostram um aperfeiçoamento da gestão pública. O total de obras nessas condi-
ções, segundo o TCU, caiu de oitenta em 2005 para sete em 2013 (Carta Capital, 2013).

383
sistema burocrático é diferente de todos os anteriores por causa da pre-
dominância do concurso público. Por conseguinte, o sistema atende vá-
rios critérios que caracterizam o Estado “moderno”; isto é, a burocracia
é agora marcada pela especialização de tarefas, profissionalização e qua-
lificação, e está sujeita ao escrutínio público, distintamente dos regi-
mes autoritários que implementaram as políticas de modernização do
Estado brasileiro, como foram os casos da Era Vargas (1930-1945) e da
Ditadura Militar (1964-1985). O Estado brasileiro está agora mais pró-
ximo do que a literatura chama de um Estado democrático, no que diz
respeito ao recrutamento e controle de sua burocracia (Nunes, 2003;
Souza, 2013).
Desde o final dos anos 1980, o Estado brasileiro vem sofrendo
transformações relevantes, mudando de um Estado mais empresarial para
um Estado preocupado com a inclusão social, haja vista as iniciativas de
crescimento dos ministérios encarregados de políticas sociais e o apri-
moramento da qualificação de suas burocracias. Houve também uma
mudança no que foi previamente identificado como a marca registrada
do sistema burocrático, que é o clientelismo. De fato, há uma prevalên-
cia de procedimentos universais, da qualificação e da profissionaliza-
ção da burocracia mediante concurso público, apesar da necessidade de
apoiar outras instituições para implantar a agenda governamental. A maior
mudança, contudo, parece ter ocorrido no fortalecimento da capaci-
dade das instituições encarregadas do controle burocrático. Enquanto
esse reforço é um indicador da maturidade democrática ele também pode
significar a prevalência dos meios (controle) sobre os fins (resultados)
(Souza, 2013).
Particularmente, esse último elemento acarreta problemas de co-
ordenação da ação coletiva e estatal no que tange à execução de políticas
de infraestrutura conducentes ao desenvolvimento nacional e a uma
inserção competitiva no âmbito global. A necessidade crescente de account-
ability e de transparência constituem formas de controle democrático das
atividades estatais e das políticas públicas que, em certos casos, chegam
a emperrar os investimentos estratégicos.
Com relação ao papel das instituições políticas, das elites parla-
mentares e das coalizões, analisando a transição de um modelo de
governança assentado em uma coalizão favorável à redistribuição para
um que tem no investimento o seu ponto crucial, Santos & Canello
(2014) examinam o comportamento das bancadas partidárias, coalizões

384
de governo e parlamentares em votações nominais na Câmara dos Depu-
tados, focalizando os três primeiros anos de cada um dos mandatos petistas
no Planalto (2003-2005, 2007-2009 e 2011-2013, até o fim de agosto
do terceiro ano. Segundo os autores, “a performance do governo atual nas
votações em plenário não tem reproduzido, na mesma medida, o sucesso
legislativo de Lula” (Santos & Canello, 2014, p. 8).
A hipótese é que os interesses do empresariado se fizeram sentir no
Legislativo, o que resultou em problemas de coordenação no interior da
base parlamentar do Governo. Tais problemas se manifestaram, sobretu-
do, a partir da dissensão entre PT e aliados à esquerda versus PMDB,
principal interlocutor de segmentos específicos do capital, atingidos pon-
tualmente a cada política de envergadura proposta pelo Executivo. A
atuação deste partido é mais relevante, notadamente nos âmbitos da
regulação econômica e na política de investimento público e privado, o
que abarcou desde o caso da MP dos Portos, o Novo Código Florestal, o
regime diferenciado de contratações públicas, até a implantação da pre-
vidência complementar do servidor público federal.
Salientando tanto a complexidade como a dificuldade de preservar
conquistas, potencializar a redistribuição e promover investimento num
país plural, diversificado e continental, os autores argumentam que:

O desempenho do Governo Dilma na Câmara dos Deputados, com-


binado com a possível mudança de método na gestão da base, apre-
senta limites às possibilidades de trânsito entre um modelo que
favoreça a redistribuição para outro que, sem perder as conquistas
anteriores, promova o investimento e a produção, nas bases de um
desenvolvimento capitalista alicerçado na coordenação estatal. Além
das controvérsias já usuais no âmbito das políticas macroeconômicas,
a agenda relativa aos marcos legais e regulatórios para o investi-
mento, mantendo a rota de redução de desigualdade e combate à
pobreza, encontra reveses, não raro ligados à heterogeneidade de
grupos e interesses que circundam a coalizão governativa. E, ne-
gociando no Congresso, as fraturas ficam expostas, os adversários
expõem as cicatrizes e tensionam as rupturas (Santos & Canello,
2014, p. 22).

Em patamar distinto das arenas da governabilidade e das institui-


ções políticas, ainda que complementar a elas, o debate econômico con-

385
temporâneo no Brasil tem sido marcado pelo conflito de interesses e pela
polarização entre, de um lado, uma diversificada coalizão social-demo-
crata, mais aferrada a uma perspectiva desenvolvimentista e que busca
contemplar as demandas do empresariado industrial e da classe traba-
lhadora; e, de outro lado, uma coalizão liberal/rentista, partidária da
elevação das taxas de juros e atrelada ao capitalismo financeiro interna-
cional especulativo e às agências de classificação de risco. O Estado,
entretanto, enquanto um arranjo corporativo de intermediação e repre-
sentação de interesses do capital/trabalho e do público/privado (Boschi
& Diniz, 1991), desempenha a árdua tarefa de atuar como árbitro no
âmago desses interesses antípodas. É importante, portanto, mapear esse
complexo debate, o que será feito abaixo.
Na avaliação do economista Nelson Barbosa, ex-secretário Execu-
tivo do Ministério da Fazenda, durante o Governo Dilma Rousseff, e
professor da FGV-SP e da UFRJ, existem três grandes correntes no ce-
nário atual: a financista, a industrialista e a trabalhista. A primeira é
partidária de um câmbio apreciado, juros elevados, salários baixos,
liberalização econômica e a regulação pelo mercado. Tal concepção já se
provou insuficiente tanto no Brasil como no mundo. A segunda advoga
um câmbio elevado, juros e salários baixos. Ademais, defende que o
Governo deposite todas as suas fichas na indústria e aumente a mar-
gem de lucro das empresas, gerando mais produtividade e melhores sa-
lários para a população. Por fim, a corrente trabalhista quer aumentar
o salário e distribuir renda para gerar crescimento. O risco desta corren-
te é adotar medidas irresponsáveis que geram crescimento no curto pra-
zo, mas que acabem em problemas fiscais ou monetários no médio
prazo. Um foco excessivo e imediato no aumento de salários e do gasto
público tende a gerar inflação e comprometer o equilíbrio fiscal (Bar-
bosa, 2013).
Não obstante, há pontos legítimos em cada um desses grupos. No
lado financista, o controle da inflação, pois sem uma inflação baixa e
estável, o desenvolvimento não acontece. Nos industrialistas, a indústria
forte, porque sem isso não há grande aumento da produtividade, que por
sua vez é o que permite o crescimento sustentável dos salários. E no lado
trabalhista, o aumento dos salários e a redução da desigualdade da distri-
buição de renda, pois os ganhos de produtividade e baixa inflação devem
se reverter em melhor qualidade de vida para a maioria da população
brasileira. Nos últimos anos, diante desses três grandes polos de interesse

386
brigando com propostas diferentes de política econômica, os Governos
Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011...) têm tentado
aglutinar e administrar essas demandas antagônicas em torno de um pro-
jeto nacional de desenvolvimento. Um projeto mais próximo dos ideais
trabalhistas, mas que leva em consideração as preocupações financistas e
industrialistas (Barbosa, 2013).
Por outro lado, de acordo com Bresser-Pereira (2013a), diante do
desempenho econômico irrisório da gestão Dilma Rousseff e da sobre-
apreciação cambial herdada de Lula,10 a coalizão financeiro-rentista re-
cuperou as suas forças e os economistas a ela vinculados passaram a “ex-
plicar” o baixo crescimento, que seria consequência da política industrial,
sobretudo da política de desonerações, que “confundiria” os empresários
e os levaria a não investir. Tal explicação não fazia sentido, todavia obte-
ve certa credibilidade com a redução do superávit primário e o aumento
da inflação. Diante disso, ainda segundo o autor, a burguesia rentista e
seus economistas liberais buscaram cooptar para sua causa os empresá-
rios, embora seus interesses sejam conflitantes, enquanto a presidente
mostra dificuldade em fazer com eles o pacto político desenvolvimentista
ou construir uma coalizão de classes desenvolvimentista (Bresser-Pereira,
2013a; 2013b; Diniz, 2013). Nessa mesma direção, diante da falta de
autonomia do Estado, “o Governo está perdendo a batalha ideológica e
política para o mercado financeiro” (Belluzzo, 2013), que visa o retorno
do tripé macroeconômico: redução da inflação, câmbio flutuante e disci-
plina fiscal.

10 Desde a gênese do seu Governo, procurou-se estabelecer um pacto desenvol-


vimentista com os empresários, enquanto a coalizão liberal, formada pela alta e média
burguesia rentista e pelos financistas, ficou de fora, e seus economistas, calados (Bresser-
-Pereira, 2013a).

387
Quadro 1. Políticas de Infraestrutura (Estado/Mercado)
Rodovias (1) A partir do lançamento do Programa de Investimentos em Logística: Ro-
dovias, a BR-050/GO/MG teve seu leilão realizado em 18 de setembro de
2013. O vencedor foi o Consórcio Planalto, que ofereceu uma tarifa de R$
0,04534 por quilômetro de rodovia, o que representou deságio de 42,38%
em relação à tarifa-teto fixada pelo edital, que foi de R$ 0,0787 por quilôme-
tro de rodovia; (2) A BR-163/MT foi leiloada em 27 de novembro de 2013.
A Odebrecht S/A venceu o certame após oferecer tarifa de R$ 0,02638 por
quilômetro de rodovia com deságio de 52,03% em relação aos R$ 0,0550
por quilômetro de rodovia estabelecidos no edital; (3) O lote composto
pelas rodovias BR-060/153/262/DF/GO/MG foi concedido em 4 de de-
zembro. A Triunfo Participações e Investimentos venceu o leilão ao oferecer
tarifa de R$ 0,02851 por quilômetro de rodovia, o que representou deságio
de 52% em relação à tarifa-teto estabelecida no edital, que era de R$ 0,0594
por quilômetro de rodovia; (4) A BR-163/MS foi arrematada no dia 17 de
dezembro pela Companhia de Participações em Concessões, empresa per-
tencente à CCR, que ofereceu deságio de 52,74%. A tarifa-teto estabelecida
no edital foi de R$ 0,0927 e a CCR ofereceu R$ 0,04381 por quilômetro
de rodovia; (5) O Governo Federal leiloou, no dia 27-12-2013, a concessão
da rodovia BR-040/DF/GO/MG à iniciativa privada. Trata-se do quinto
trecho rodoviário do Programa de Investimentos em Logística (PIL), que
corresponde à terceira etapa do programa de concessão de rodovias da Agên-
cia Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O leilão ocorreu na sede
da BM&F Bovespa em São Paulo (SP) e venceu a disputa a empresa Invepar
com proposta de pedágio de R$ 3,22, deságio de 61,13 % em relação à
tarifa-teto fixada no edital, de R$ 8,29763 por praça de pedágio. O consór-
cio terá o direito de administrar, durante o prazo de trinta anos, os 936,8
quilômetros da rodovia que vão de Brasília (DF) até Juiz de Fora (MG),
passando por Belo Horizonte (MG). A estimativa é que a concessão dessa
rodovia vai gerar em trinta anos investimentos de R$ 7,92 bilhões. A conces-
sionária deverá duplicar 557 quilômetros de rodovia de Luziânia (GO) a
Paraopeba (MG); do entroncamento com a BR-365 (trevo Ouro Preto) a
Barbacena (MG) e de Oliveira Fortes (MG) a Juiz de Fora (MG). Estima-
-se que a iniciativa privada desembolsará cerca de R$ 1,64 bilhão na dupli-
cação desses trechos, que deverão ser concluídos nos primeiros cinco anos.
Ferrovias O Programa de Investimentos em Logística: Ferrovias prevê investimentos de
R$ 99,6 bilhões em construção e/ou melhoramentos de 11.000l quilômetros
de linhas férreas e tem como diretrizes principais: provisão de uma rede fer-
roviária ampla, moderna e integrada; cadeias de suprimentos eficientes e
competitivas; e modicidade tarifária. O programa contempla um novo modelo
de concessão, em que os concessionários serão responsáveis pela infraestru-
tura, sinalização e controle da circulação de trens. A concessão, por trinta
e cinco anos, contemplará ferrovias de bitola larga (1.600 mm) com alta
capacidade de carga e traçado geométrico otimizado que permita maiores
velocidades (80 km/h). A estrutura do modelo de concessão é o seguinte:
segue

388
(a) a Concessionária detém o direito de exploração da Ferrovia; (b) a Valec11
compra a totalidade da capacidade da Ferrovia, remunerando a Concessi-
onária por uma Tarifa (Tarifa pela Disponibilidade da Capacidade
Operacional); (c) a Valec subcede, a título oneroso, partes do Direito de Uso
aos Usuários; (d) a Concessionária presta serviços de operação diretamente
aos Usuários, que a remunera através de outra Tarifa (Tarifa de Fruição),
na medida da utilização da Ferrovia. Com vistas a reduzir o risco do investi-
dor, a Valec comprará anualmente toda a capacidade operacional da ferro-
via e fará ofertas públicas da capacidade adquirida, garantindo-se o direito
de passagem na circulação de trens ao longo de toda a malha. A capacida-
de será ofertada a embarcadores, operadores ferroviários independentes e a
concessionários ferroviários (desde que de outros trechos ferroviários).
Portos (1) O Programa de Investimentos em Logística: Portos foi lançado no dia 6 de
dezembro de 2012 e prevê aplicação de R$ 54,6 bilhões, nos próximos
cinco anos, para a ampliação e modernização da infraestrutura e gestão do
setor. Também serão investidos R$ 6,4 bilhões em acessos (R$ 3,8 bilhões
no aquaviário e R$ 2,6 bilhões no terrestre). O programa portuário tem
como principais diretrizes: planejamento sistêmico; ganhos de escala; licita-
ções por maior capacidade de movimentação com menor tarifa e/ou menor
tempo de movimentação; aumento da concorrência; reorganização dos por-
tos; planejamento de longo prazo. Os bancos públicos brasileiros poderão
financiar até 65% do valor do investimento com taxa de juros de até 2,5%
a.a. mais a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo); (2) O novo arranjo
institucional do setor portuário se deu com o lançamento da MP dos Portos
em 6-12-2012, que foi aprovada pelo Congresso Nacional em 16-5-2013
e sancionada a Lei n.o 12.815 em 5-6-2013. Em 28-6-2013 houve a pu-
blicação do Decreto n.o 8.033, que propõe o planejamento integrado do
setor portuário brasileiro, o fortalecimento institucional dos órgãos do Go-
verno Federal no setor como a Secretaria Especial de Portos, vinculada à
Presidência da República (SEP/PR), a Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (Antaq) e a criação da Comissão Nacional das Autoridades
nos Portos (Conaportos); (3) Em 3-7-2013, foi publicado o primeiro Anún-
cio Público de TUPs (Terminais de Uso Privativo), que estipula 159 áreas
passíveis de serem arrendadas nos portos públicos brasileiros para contra-
tos vencidos (referência dezembro de 2012) ou a vencer até 2017. A sua
estratégia consiste na elaboração de Estudos de Viabilidade Técnica, Econô-
mica e Ambiental (Evtea) das áreas para serem submetidos a Consultas e
Audiências Públicas, antes de se definir o edital de licitação para o posterior
leilão; (4) A Secretaria de Portos autorizou a instalação de dois novos Ter-
minais de Uso Privado (TUP) no município de Ihéus: o Porto Sul e o Bamin
(Bahia Mineração S.A.). Os investimentos são estimados em R$ 3,3 bilhões,
segue
11 A Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. é uma empresa pública, sob
a forma de sociedade por ações, vinculada ao Ministério dos Transportes, nos termos
previstos na Lei n.o 11.772, de 17 de setembro de 2008. A função social da Valec é a
construção e exploração de infraestrutura ferroviária.

389
dos quais R$ 2,422 bilhões para Porto Sul e R$ 898 milhões para o TUP
Bamin. A autorização foi assinada em 6-1-2014 pelo ministro Antonio
Henrique Silveira durante evento na sede do Governo da Bahia, em Salvador,
com a presença do governador Jaques Wagner e outras autoridades. O Porto
Sul, cuja obra tem prazo de execução de cinco anos, terá capacidade para
movimentar 75 milhões de toneladas/ano de granéis sólidos, carga geral e
carga conteinerizada, e o TUP Bamin, com prazo de três anos de constru-
ção, 20 milhões de toneladas/ano de granéis sólidos (minério). Conforme
os respectivos projetos, o TUP Porto Sul poderá receber embarcações de até
260 metros de comprimento e calado de 15 metros. Já o TUP Bamin terá
capacidade para receber navios de até 220 metros e calado de 18,3 metros. Os
dois empreendimentos resultarão na criação do Complexo Portuário Porto
Sul, composto por retroárea de 1.224,9 ha, ponte de acesso marítimo e píer
com quebra-mar a 3.500 metros da costa. O TUP Porto Sul será implanta-
do por Sociedade de Propósito Específico (SPE) no qual o estado da Bahia
será sócio minoritário com outras empresas privadas, mediante processo de
chamamento e seleção pública. Os terminais farão parte do plano logístico
de escoamento da produção do País, com o objetivo de desafogar os portos
do Sul e do Sudeste; (5) A Agência Nacional de Transportes Aquaviários
(Antaq) publicou, em 9-1-2014, a Resolução 3.320/2014 que define os pro-
cedimentos para elaborar projetos e recompor o equilíbrio econômico-financeiro
dos contratos de arrendamentos das áreas e instalações nos portos organiza-
dos. Na avaliação do ministro da Secretaria de Portos, Antonio Henrique
Silveira, essa regulamentação é importante para o setor portuário, pois disci-
plina os procedimentos de análise de pleitos de reequilíbrio de contratos;
(6) A Secretaria dos Portos (SEP) vem desenvolvendo um trabalho conjunto
com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
(Mdic) para assegurar a participação da comunidade portuária nos cursos
de capacitação oferecidos no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que objetiva a formação técnica e
qualificada de jovens e adultos que buscam um lugar no mercado de traba-
lho. Os cursos serão realizados no Centro de Excelência Portuária (Cenep),
de Santos, e no Centro de Valorização Tecnológica (CVT), de Fortaleza, e
administrados por professores do “Sistema S” e dos institutos federais e
estaduais de ensino; (7) Em quatro anos, os investimentos via BNDES na
modernização dos portos brasileiros devem chegar a 16 bilhões;
Aeropor- (1) O processo de concessão dos aeroportos do Galeão e de Confins12 foi
tos anunciado pelo Governo Federal em 20 de dezembro de 2012, como parte
do “Programa de Investimentos em Logística: Aeroportos”, um conjunto de
segue
12 Ao leilão do Galeão e de Cofins seguiu-se o da BR-163. A outorga consolidou o
critério de modicidade tarifária, no qual vence o consórcio disposto a conceder o maior
desconto sobre o teto definido pelo Governo. O indicador de sucesso, portanto, não mais
é o máximo de arrecadação para o Tesouro, como no passado e ainda hoje em alguns
estados, mas o menor pedágio possível para o usuário das estradas. Portanto, o governo não
tenta mais fixar a taxa de retorno dos projetos (Carta Capital, 2013).

390
medidas para melhorar a qualidade dos serviços e da infraestrutura aero-
portuária do País. A Infraero será acionista das concessionárias com 49%
do capital social. Os bancos públicos brasileiros poderão financiar até 70%
do investimento a uma taxa de juros de 0,9% a.a., acrescido do spread de
risco mais a TJLP; (2) No dia 22-11-2013, o Aeroporto Internacional An-
tônio Carlos Jobim (Galeão) foi arrematado pelo Consórcio Aeroportos do
Futuro, formado por Odebrecht, Transport e a Corretora Santander, com
participação de 60% e a Operadora do Aeroporto de Cingapura Changi,
com participação de 40%. O lance mínimo estipulado em 4,8 bilhões foi
superado em 293%. O Consórcio venceu o certame com o lance de R$ 19
bilhões para operar o aeroporto por vinte e cinco anos; (3) O Aeroporto Inter-
nacional Tancredo Neves (Confins), em 22-11-2013, foi arrematado pelo
Consórcio Aero Brasil, formado por Cia de Participações em Concessões
CCR, com participação de 75%, Operadora do Aeroporto de Zurique
Flughafen Zürich AG, com 24% e Munich Airport International Beteiligungs
GMBH, com 1%. O lance mínimo estipulado em 1,1 bilhão foi superado
em 66%. O Consórcio venceu o certame com o lance de 1,8 bilhão para
operar o aeroporto por trinta anos; (3) No dia 6-2-2012, o leilão dos aero-
portos de Guarulhos, Viracopos e Brasília ocorreu de forma simultânea na
Bolsa de Valores de São Paulo. A concessão de Guarulhos, que tem prazo
de vinte anos, foi arrematada por R$ 16,213 bilhões pelo consórcio Invepar
— composto pelas empresas Invepar (Investimentos e Participações em
Infraestrutura S.A.) e Acsa, da África do Sul. O valor da concessão do
Aeroporto Internacional de Viracopos ficou em R$ 3,821 bilhões, para o
consórcio Aeroportos Brasil, composto pela Triunfo Participações e Inves-
timentos, UTC Participações e Egis Airport Operation. Já o aeroporto de
Brasília foi arrematado por R$ 4.501 bilhões, lance feito pelo consórcio
Inframerica Aeroportos, composto pelas empresas Infravix Participações SA
e Corporacion America SA.
Energia (1) No dia 11 de janeiro de 2013, a presidenta Dilma Rousseff sancionou
a Lei 12.783 (antiga Medida Provisória 579), que visa reduzir em 20% na
média as tarifas de energia elétrica fornecidas pelo mercado regulado de
modo que reduza os custos de produção, aumente a competitividade e estimu-
le a economia. Para as indústrias, o benefício deve atingir até 32% e para o
consumidor residencial, 18%. Segundo a Aneel (Agência Nacional de Ener-
gia Elétrica), da redução média de 20%, 7% serão obtidos com cortes nos
encargos setoriais e 13%, com diminuição das tarifas médias de geração e
transmissão. A União aplicará recursos anuais da ordem de R$ 3,3 bilhões
na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para subsidiar progra-
mas sociais como o Luz para Todos e a Tarifa Social, destinada à população de
baixa renda, hoje custeados pelo setor elétrico e rateados entre o conjunto
dos usuários do serviço. A norma vigente originou-se do Projeto de Lei de
Conversão 30/2012, aprovado no Senado e na Câmara em dezembro de
2012. Elas são frutos da Medida Provisória 579, editada em 11 de setem-
bro. Vencido o prazo para adesão ou não à proposta do Governo em 4 de
dezembro, os termos foram aceitos pelo Grupo Eletrobras, apesar da opo-
segue
segue

391
sição dos acionistas minoritários. Além dessas, optaram pela renovação a
Cteep (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista), CPFL
(Companhia Paulista de Força e Luz) e Ceee (Companhia Estadual de
Energia Elétrica). Já Cemig, Copel e Celesc (companhias energéticas dos
estados de Minas Gerais, do Paraná e de Santa Catarina) recusaram as
regras apresentadas para a geração e aceitaram-nas para a transmissão. Tam-
bém recusou e ficou de fora do pacote a Cesp, geradora de São Paulo.
Com isso, as respectivas concessões ao final do contrato serão retomadas
pela União e terão nova licitação. A redução do insumo essencial à produção
foi objeto de campanhas nos últimos anos promovidas por representantes
do setor produtivo, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) —
que estimou a queda do custo fixo em 4% a partir do corte anunciado — e
as Federações das Indústrias do Estado de São Paulo e do Rio de Janeiro
(Fiesp e Firjan) eue apontavam a tarifa de energia no Brasil como uma das
mais altas do mundo; (2) O consórcio formado por duas estatais chinesas
(Cnooc e CNPC) e duas gigantes petroleiras europeias (Royal Dutch Shell
e Total) associadas à Petrobras fez, no dia 21-10-2013, o único lance pelo
campo de Libra, na Bacia de Santos, e venceu o primeiro leilão do pré-sal,
no modelo de partilha. O consórcio ofereceu a proposta mínima de exceden-
te em óleo para a União de 41,65%, o piso previsto no edital de licitação.
Mesmo sem ágio, 75% das receitas do campo vão acabar nas mãos do gover-
no, quando se somam todas as formas de remuneração: royalties, o lucro-óleo,
o pagamento de tributos e o bônus de assinatura de R$ 15 bilhões. Além
disso, convém salientar os seguintes dados: R$ 300 bilhões em royalties serão
gerados por libra, 8 a 12 bilhões de barris é o volume estimado de óleo
recuperável, 1,4 milhão de barris/dia é o pico de produção estimado entre
dez e quinze anos e a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) será a empresa estatal
criada para gerir os contratos de blocos arrematados no regime de partilha
de produção.
Fontes: Ipea (2013); Ministério dos Transportes (2014); SP/PR (2014ab); EPL (2014); Antaq
(2014); ANTT (2014); Valec (2014); Anac (2014); Valor Econômico (2013bcde); Infraero
(2014), Abdib (2014).

Convém refletir sobre os principais obstáculos à transição de um


modelo de estímulo ao consumo para um paradigma ancorado no inves-
timento em infraestrutura, a saber (1) o desmantelamento, sobretudo na
década de 1990, dos órgãos de planejamento do Estado; (2) a inexperiência
no equacionamento da infraestrutura; (3) a insistência nas desonerações
de bens duráveis depois da crise de 2008; (4) a determinação, hoje supe-
rada, de estabelecer taxas de retorno rígidas para os investimentos; (5) a
postura reticente em relação à participação privada na elaboração dos
projetos, revertida nos últimos leilões. Assim, entre o baixo investimento
na economia e as pressões do capital financeiro, o Governo agora se vê
obrigado a uma “guinada conservadora” para atingir um superávit que
tranquilize os mercados. A guinada verifica-se também na elevada taxa

392
de juros, hoje em 10,50% ao ano, depois de ter atingido a mínima histó-
rica de 7,25% (Banco Central, 2014; Carta Capital, 2013).
Portanto, segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e In-
dústrias de Base (Abdib, 2014), a confirmação do controle da situação
fiscal pelo Governo contribuiria para proporcionar benefícios concretos
ao País. Os investimentos em infraestrutura, de 183 bilhões de reais em
2011, equivalentes a 4% do PIB, poderiam atingir até 245 bilhões em
2016, ou 6% de todas as riquezas geradas pela economia.

Considerações finais

A partir de uma interlocução com a literatura institucionalista que focaliza


a relação entre mudança institucional e desempenho econômico, o objetivo
deste estudo foi analisar o papel das instituições políticas, das elites estra-
tégicas e das coalizões governativas na promoção de medidas de infra-
estrutura no Brasil contemporâneo. Desse modo, tentando responder ao
menos parcialmente às questões levantadas na introdução desta pesquisa,
há uma agenda pós-neoliberal orientada para o desenvolvimento da infra-
estrutura no Brasil, ainda que muito embrionária e contraditória. Trata-
-se de um processo eminentemente endógeno, fruto da interação entre as
instituições políticas, as elites estratégicas e as coalizões de governo.
Após as reformas orientadas para o mercado dos anos 1990, que
priorizaram a lógica da estabilização macroeconômica em detrimento
das políticas de desenvolvimento, a emergência daquela agenda deve-se,
em grande parte, à chegada ao poder de uma (heterogênea) coalizão
desenvolvimentista, social-democrata e/ou intervencionista no limiar do
século XXI. Tal coalizão vem promovendo a incorporação social de seg-
mentos populares outrora excluídos, a revitalização do planejamento gover-
namental na área de infraestrutura e a preservação de instituições estratégicas
como o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, que
desempenham papel fulcral no financiamento dos projetos realizados em
parceria com o setor privado. A criação da Empresa de Planejamento e
Logística (EPL), da Secretaria de Portos da Presidência da República
(SP/PR) e da Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. reiteram
a retomada do planejamento estatal na área de infraestrutura, que é indis-
pensável para a definição e implementação de políticas, para a consecu-
ção do crescimento sustentado e para uma inserção competitiva nos mer-

393
cados globais. Nesse sentido, as políticas de concessões, ainda que muito
embrionárias, mostraram progressos importantes nas áreas de rodovias,
aeroportos e energia, ao passo que os setores ferroviário e portuário pre-
cisam avançar em seus respectivos marcos legais e regulatórios.
Com relação à temática das capacidades estatais para a promoção
de políticas de infraestrutura, há que se ressaltar a continuidade de traje-
tória no tocante ao legado desenvolvimentista do Estado brasileiro, vi-
gente entre 1930 e 1980, uma vez que o sistema burocrático tem sido um
dos elementos-chave que contribuem para a modernização do Estado. O
Executivo Federal tem sido sempre capaz de construir capacidade buro-
crática para lidar com suas prioridades de políticas públicas. Ademais,
desde o início dos anos 2000, a burocracia estatal, sobretudo nas áreas
relacionadas à estruturação do País, tem sido marcada pelo recrutamento
mediante concurso público, apresenta maior especialização de tarefas,
profissionalização e qualificação acadêmica, e está sujeita ao escrutínio
público. Essas características estão em patamar diametralmente oposto à
tecnoburocracia dos regimes autoritários que capitanearam as políticas
de modernização do Estado brasileiro bem como às medidas de “enxu-
gamento” do serviço público durante a década de 1990.
Por outro lado, do ponto de vista das instituições políticas, das
elites estratégicas (e/ou parlamentares) e das coalizões de governo, há
entraves para a transição de um modelo de governança assentado em uma coa-
lizão favorável à redistribuição para um que tem no investimento o seu ponto
central. São eles: o reduzido êxito legislativo do Governo Dilma Rousseff
quando comparado ao Governo Lula da Silva, a heterogeneidade de gru-
pos e interesses que circundam a coalizão governativa e a defesa de polí-
ticas macroeconômicas antitéticas. Neste último caso, configura-se uma
polarização de ideias (e de práticas políticas) acerca dos rumos que o
País deve seguir, sobretudo entre, de um lado, uma coalizão liberal-rentista
atrelada ao capitalismo financeiro especulativo, cuja renda provém das
elevadas taxas de juros que afugentam o investimento, e, de outro lado,
uma coalizão desenvolvimentista. Esta, por seu turno, procura aglutinar
os interesses conflitantes de dois atores estratégicos, porém antagônicos.
Em primeiro lugar, o empresariado industrial, partidário da flexibilização
das relações trabalhistas, é pouco arrojado e mobiliza de forma irrisória
o investimento e a inovação, sobretudo em momentos de crise; mas que
se beneficia consideravelmente das políticas governamentais. Em segundo
lugar, os trabalhadores, que demandam por melhores salários e a retração

394
da desigualdade social por meio de distribuição de renda. Soma-se a isso
a desconfiança dos mercados financeiros (e também do empresariado)
oriunda do fraco crescimento econômico obtido nos últimos anos, da
perda de dinamismo e competitividade industrial, da persistência infla-
cionária, do aumento do gasto público para estimular a demanda e da
diminuição do superávit primário, exigindo do Governo o beneplácito a
uma política fiscal mais rigorosa. Daí, portanto, a debilidade em formar
uma “coalizão minimamente vencedora” (Leftwich, 2010) tal como fize-
ram os países asiáticos bem como constituir um “Bloco Social de Domi-
nação” (Amable & Palombarini, 2009) relativamente coeso e estável para
regular e estruturar o conflito social em torno das políticas de desenvol-
vimento no Brasil.
Uma dinâmica bem-sucedida de desenvolvimento implica, dentre
alguns elementos relevantes, inovação, investimento do empresariado
diante de situações de risco, burguesia disciplinada e articulação Estado/
mercado de modo que evite o rent-seeking (Gaitán & Pinho, 2014). O
Brasil caminha a passos lentos nessa direção, apesar dos avanços recentes
na promoção de políticas de infraestrutura, obstando a feitura de uma
coalizão política desenvolvimentista que viabilize a passagem de um modelo
redistributivo para um paradigma norteado pelo investimento.

Referências

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399
CIÊNCIA, TECNOLOGIA, INOVAÇÃO
E DESENVOLVIMENTO: CONSIDERAÇÕES
SOBRE UMA PROLEMÁTICA BRASILEIRA*

VITOR MOURÃO

A VOLTA DO DEBATE sobre o desenvolvimento nacional e sobre seus


limites e potencialidades, deixando de ser algo recente, já se tornou
uma constante na discussão sobre os rumos de nosso País e sobre as
modalidades de intervenção no sentido de propiciá-lo (Bresser-Pereira,
2004; Diniz & Boschi, 2011). Dentre as várias dimensões que são cha-
madas para tal debate, há a da Ciência e Tecnologia (CT) que, nas últi-
mas décadas, se atrelou à emergente Inovação (CTI).
A discussão sobre a importância da CT para o desenvolvimento
teve altos e baixos ao longo de nossa história. Ainda que de maneira
geral seu reconhecimento seja constante e amplo, o grau de prioridade
estratégica (ou de importância relativa) da CT para o desenvolvimento
nacional variou bastante. Pretendo, com esse texto, contribuir para o de-
bate sobre este tema, tentando evidenciar, de um ponto de vista sociopo-
lítico, os principais entraves para a formação de uma base sociopolítica
de sustentação de um projeto de desenvolvimento que incorpore, de ma-
neira central, a questão da CT em nosso País.
Uma análise sobre a ligação entre a ciência, tecnologia e inovação
e o desenvolvimento no Brasil contemporâneo requer, primeiramente,
um resgate da nossa trajetória histórica de criação e consolidação das
instituições de CTI no Brasil, tentando apreender os principais momentos
* Este texto é um desenvolvimento de um outro paper apresentado em outras
oportunidades (Alacip, Alas e INCT-PPED), e o autor gostaria de comentar aos partici-
pantes destes eventos, com especial menção a Flavio Gaitán, Renato Boschi e Ana Célia
Castro. Esta pesquisa contou com apoio da Capes.

400
de inflexão deste processo: neste primeiro movimento, ainda que fosse
necessário um recorte mais alargado para a compreensão mais bem fun-
damentada da nossa trajetória, nos restringiremos aqui a uma rápida mi-
rada sobre os principais desenvolvimentos dos nossos últimos vinte e
cinco anos de história, pós-redemocratização; depois, nossa análise dis-
cutirá a base sociopolítica de sustentação de um projeto que permita
alavancar esta ligação entre CTI e desenvolvimento de maneira estraté-
gica e sustentável: neste segundo movimento, a identificação dos princi-
pais stakeholders da política de ciência, tecnologia e inovação (PCTI)
brasileira e de seus interesses mostrará que uma base de sustentação política
para o projeto em questão não se encontra bem concertada; por último,
buscaremos identificar as tensões que estão colocadas e que poderiam
bloquear ou possibilitar o deslanche de uma estratégia nacional de acumu-
lação de competências no âmbito tecnocientífico e inovativo: neste terceiro
movimento, os principais entraves e questões são discutidos, de maneira
que proveja um diagnóstico da situação atual da PCTI brasileira.

A trajetória histórica de construção da institucionalidade


de ciência e tecnologia no Brasil:
path-dependence institucional vinculado ao público

O processo histórico de constituição da institucionalidade de CT brasi-


leira nos mostra: primeiro, como esse processo se deu ao longo de déca-
das, ou seja, foi necessário um horizonte de longo prazo para sua consti-
tuição; segundo, que o Estado teve papel fundamental não só na promoção
mas especialmente na criação das instituições que realizariam e realizam
as pesquisas tecnocientíficas no País; e terceiro, que este processo impri-
miu um caráter público à institucionalidade de CT que permanece até a
atualidade (Schwartzman, 2001; 2002; Motoyama, 2004; Mourão, 2013).
O auge da importância da CT no âmbito de um projeto de desen-
volvimento estratégico nacional foi a década de 1970, apoiada em um
processo de acúmulo de competência burocrática e tecnocientífica que se
desenvolvia há décadas. A crise política e econômica que marcou a déca-
da perdida latino-americana de 1980 nos legou um profundo impacto no
debate sobre estratégias de desenvolvimento nacional, especialmente no
que se refere às políticas de industrialização levadas a cabo nas décadas
anteriores. No que se refere à ciência e tecnologia nacionais, a percepção

401
de que o paradigma tecnológico (Dosi, 1988; Perez, 2002) havia muda-
do e que o Brasil não havia conseguido acompanhar esta transformação
passaram a dominar o ambiente intelectual voltado para a discussão da
PCT.1 A globalização como processo inescapável de totalização social e
de transformação social (sob viés precipuamente econômico e mercado-
lógico) atraem de maneira crescente a atenção do imaginário social e dos
estudiosos da contemporaneidade no fin de siècle. As novas proposições
se voltaram para os conceitos de Sociedade da Informação, de Economia
do Conhecimento e de Inovação (Takahashi, 2000; Silva & Melo, 2001).
A busca por uma nova abordagem das políticas industrial e econômica é
tema de debate em um país marcado pela supremacia política da estabi-
lidade monetário-financeira.
É neste contexto que vemos aparecer três institucionalidades que
marcam um ponto de inflexão no que toca à PCTI brasileira. Primeiro, a
concepção dos fundos setoriais, criados a partir de uma discussão ensejada
por Carlos Américo Pacheco — então secretário executivo do Ministé-
rio de Ciência e Tecnologia — e viabilizada politicamente no contexto
da proposição da Lei do Petróleo votada após a quebra do regime
monopólico da Petrobras (Pacheco, 2007; Pereira, 2007). Nos Fundos
Setoriais, a arrecadação e o gasto são feitos a partir das atividades setoriais
às quais eles se referem, com exceção dos fundos setoriais ditos horizon-
tais, que utilizam recursos provenientes de outros setores.2 O primeiro
fundo setorial foi o CT-Petro, criado em 1997 e funcional a partir de
1999, que arrecada uma percentagem dos royalties da exploração de pe-
tróleo para financiar pesquisas para o setor. Essa inovação institucional
envolveu uma rediscussão do papel da Finep, em crise após anos de esva-
ziamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno-
lógico (FNDCT).3 Ela reorientou sua ação para o setor empresarial,
com o objetivo de promover o investimento em tecnologia no setor pri-
vado (Balbachevsky, 2010, p. 68). Esse regime dos fundos setoriais se
difundiria para outras áreas e é hoje um dos principais pilares de finan-
ciamento de CTI no Brasil — há atualmente dezesseis fundos setoriais,

1 Cito, a exemplo, as discussões ligadas à CPI do atraso tecnológico, instaurada no


Legislativo Federal em 1992 (Congresso Nacional, 1992).
2 Posteriormente, houve a criação das ações transversais, que utilizam recursos de
fundos diferentes para projetos que têm pontos de contatos transversais, com várias áreas.
3 Segundo Longo & Derenusson (2009), o ano de 1991 foi o de menor quantidade
de recursos desembolsados pelo FNDCT.

402
que arrecadaram 4,2 bilhões de reais para gastos de 1,8 bilhões de reais
em 2012, disparidade que revela o caráter relativamente secundário da
PCTI no Brasil (Ministério da Ciência e Tecnologia, 2013).
Segundo, a volta das consultas amplas à sociedade no âmbito da
PCTI: uma Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
(CNCTI) é organizada em 2001 (Ministério da Ciência e Tecnologia,
2002). Nesta conferência (e nas outras que se seguiram, como veremos)
há um processo de convocação amplo da sociedade civil para o debate
sobre a PCTI brasileira, com a realização de eventos municipais, regio-
nais, temáticos e nacional. A realização dessas conferências, tendo em
vista o processo histórico brasileiro de pouca permeabilidade do Estado
a demandas democráticas, revela uma tentativa de instaurar espaços de
interface entre sociedade e governo, concomitante à onda de democrati-
zação iniciada no final da década de 1970, que ofereceu a chance de uma
paulatina ampliação e democratização da esfera de discussão de políticas
públicas e, especificamente, de ampliação progressiva do círculo de debate
social em torno da PCTI. Ela revela também a tentativa de reconexão da
temática entre desenvolvimento e PCTI, e o reconhecimento da impor-
tância estratégica dessa temática para o País. Assim, essas conferências
denotam ainda o crescente grau de democratização que as conferências na-
cionais representam no âmbito da consulta social ampliada no processo de
formulação de políticas no âmbito federal e de ampliação do horizonte de
ação das políticas públicas no seu âmbito estratégico, algo que havia sido
negligenciado desde a irrupção da crise das dívidas externas latino-ame-
ricanas no começo da década de 1980.4 Aqui, já se pode perceber a emer-
gência da inovação como conceito que passa a ter relevância a ponto de
se incorporar ao nome da conferência organizada. A “volta” da impor-
tância da CT para o desenvolvimento parece estar vinculada a um re-
enquadramento da questão efetuado ao longo da década de 1990 e que
aproxima tal dimensão da “inovação”, tentando responder às críticas de
insulamento da infraestrutura de CT brasileira. Um ponto central desta
conferência se volta para a discussão da nova institucionalidade dos men-
cionados fundos que vislumbrava a volta de um financiamento estável
para a área de CTI, após décadas de instabilidade.
4 No entanto, essa ampliação ainda é restrita. Podemos perceber, no âmbito da IV
CNCTI (realizada em 2010), uma representação bastante expressiva da comunidade
científica, seguida dos representantes do poder público e dos empresários e, com uma
representação bem mais reduzida, representantes da sociedade civil e dos trabalhadores.

403
Terceiro, o estabelecimento da Pesquisa Inovação Tecnológica
(Pintec), realizada desde 2001 pelo IBGE. Essa pesquisa, realizada a
cada triênio, permite averiguar de maneira mais pormenorizada como as
empresas brasileiras (com especial atenção às industriais) estão reagindo
ao ambiente econômico e inovativo nacional. Ela possibilita um diag-
nóstico da situação empresarial brasileira, tornando-se um instrumento
crítico-reflexivo sobre as políticas industriais e de ciência, tecnologia e
inovação levadas adiante pelo Governo. Pode-se ainda ressaltar a criação
do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) (atualmente uma
Organização Social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia
e Inovação [MCTI]), no âmbito da Conferência de 2001, que se consti-
tui como um órgão basilar na promoção da reflexividade sobre a PCTI
brasileira, ocupando um espaço fundamental que esteve vazio desde a
extinção em 1990 do Centro de Estudos em Política Científica e Tec-
nológica (CPCT) pelo Governo Collor (Velho, 2010, p. 13).
Os Governos do PT, que assume o poder em 2003, parecem antes
manter a trilha traçada nestes últimos anos de Governo FHC que reali-
zar um rearranjo geral nesta política. Há uma relativa continuidade da
PCTI, ainda que com maior amplitude de financiamento.5 No entanto,
podemos identificar quatro pontos que podem indicar inflexões, ainda
que estas não estejam delineadas no momento.
O primeiro refere-se à reforma legislativa voltada para incentivos à
CTI brasileira que contou com a aprovação de dois marcos legislativos
fundamentais relativamente recentes: a Lei da Inovação (10.973 de 2004)
e Lei do Bem (11.196 de 2005). Ambas foram amadurecidas durante o
Governo FHC, e demonstram um reforço da orientação inovativa, de
promoção da competitividade da indústria por meio da criação de incen-
tivos sistêmicos. A Lei da Inovação visa a estimular as parcerias entre
universidades e institutos tecnológicos com empresas. A Lei do Bem tra-
ta mais diretamente de incentivos fiscais para processos de inovação
tecnológica. Pode-se ainda citar a revisão (Lei 12.349 de 2010) da lei de
licitações federal, que estabeleceu margens de preferência nas compras
públicas de produtos e serviços nacionais (Mourão & Cantu, 2014).
Essas margens de preferência, que podem chegar a 20%, podem ser uti-
lizadas para produtos inovadores desenvolvidos no País.
5 Os dados consolidados mais recentes revelam um dispêndio, em 2009, de 1,6%
do PIB em ciência e tecnologia, enquanto em 2000 (ano mais antigo da série), esse valor
se encontra em 1,3% do PIB (MCT, 2013).

404
O segundo à organização de grandes planos que passam a incorpo-
rar a CTI como aspecto estratégico de desenvolvimento. Podemos citar
aqui a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce),
seguida da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), e do Plano de
Aceleração do Crescimento (PAC) que passam a lidar com a questão
tecnológica e inovativa como um aspecto fundamental do desenvolvi-
mento da estrutura produtiva industrial. Esses dois últimos planos con-
taram com um processo de aprendizagem burocrática e de absorção de
críticas propiciado pelo primeiro plano (Diniz & Boschi, 2011). O Pacti,
ou o “PAC da Ciência”, veio dar novamente espaço estratégico à ques-
tão da CTI em sua ligação com o desenvolvimento. Já no Governo Dilma,
a estruturação do Brasil Maior como grande plano governamental con-
tinuou com preceitos bastante próximos aos anteriores, contando ainda
com a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI)
e o programa Ciência Sem Fronteiras, que representam um movimento
de internacionalização da CT brasileira — com o envio de cem mil
alunos ao exterior, em uma espécie de réplica da política chinesa de
envio massivo de estudantes ao exterior — sob os preceitos da inclusão
social, da sustentabilidade e da redução da defasagem científica e tec-
nológica com relação aos países desenvolvidos. Essa “Estratégia” não se
deu de maneira isolada, pois veio fundamentada em um processo de ex-
pansão do sistema universitário de ensino com os programas Reuni e
Prouni e de formulação dos já citados grandes planos industriais e
tecnocientíficos que consolidaram áreas estratégicas nacionais. Associa-
dos a estes grandes planos, conferências nacionais de ciência e tecnologia
são organizadas, em 2005 e 2010, buscando propor reflexões relaciona-
das ao Pacti (Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação), bem
como novos pontos para futuros planos.
Um terceiro ponto refere-se à constituição de empresas públicas
voltadas para a promoção da capacitação tecnológica nacional: Ceitec
(empresa de microeletrônica, sob o MCTI), Amazul (Amazônia Azul
Tecnologias de Defesa, sob o Ministério da Defesa) e EPL (Empresa de
Planejamento e Logística, sob o Ministério dos Transportes), Embrapii
(Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial, sob o MCTI).
São empresas que evidenciam que o papel do Estado, em seus setores de
atividade, propõe-se a ir para além do regulador, entrando diretamente
na produção de determinado serviço e/ou produto, ainda que em parceria
com o setor empresarial (mais próximo do papel demiurgo identificado

405
por Evans [2004]). A meu ver, este padrão de ação demonstra que o
governo, pelo menos nessas áreas, evita deixar sob responsabilidade úni-
ca do empresariado nacional (e, imagino, do empresariado transnacional)
a realização deste movimento de incorporação das capacidade tecno-
científicas, apesar dos incentivos estabelecidos.
Um quarto ponto foi a descoberta dos reservatórios de petróleo e
gás no pré-sal, que abriu uma frente de oportunidades de desenvolvimento
de tecnologias e serviços de alta complexidade voltados para o atendi-
mento à expansão dessa indústria. A existência de uma política de con-
teúdo local fornece um instrumento para tal, ainda que ela não seja sufi-
ciente tendo em vista que as cotas de conteúdo local acabam sendo
preenchidas por serviços e produtos de conteúdo tecnológico relativa-
mente mais simples. O Programa de Mobilização da Indústria Nacional
de Petróleo e Gás Natural (Prominp), lançado em 2003 e reforçado após
a descoberta do pré-sal, visa fortalecer a cadeia nacional de fornecedores
à indústria petroleira, com sucesso relativo, terá ainda de enfrentar grandes
desafios de capacitação tecnológica e produtiva nacional, em especial no
que se refere à indústria naval.6 Poder-se-ia citar, ainda, o processo de
expansão e de transformação pelo qual a Finep está passando no momento.

Stakeholders e a PCTI: rede apistêmica não consolidada

Se o Estado logrou constituir uma infraestrutura de pesquisa, um apara-


to institucional capaz de atuar para promover a capacitação tecnocientífica
nacional, como podemos ver os processos políticos de conformação des-
sa política? Ou seja, quais são os principais grupos que se posicionam em
relação à PCTI brasileira, quais são os seus interesses nela, e quais os
pontos de tensão e convergência que podemos observar? Dentro dos pro-
pósitos deste texto, só é possível esboçar uma análise não definitiva capaz
de encaminhar algumas hipóteses que demandam maior pesquisa e com-
provação empírica.
Na literatura sobre a PCTI brasileira e seus stakeholders, podemos
identificar dois diagnósticos distintos. Um primeiro, bastante ligado à
análise ideológica da ciência e da tecnologia (que possui suas raízes em

6 Para um estudo sobre a cadeia industrial parapetrolífera brasileira, ver os estudos


realizados por Adilson de Oliveira, relacionados ao Prominp (Oliveira, [s. d.]).

406
Marx e Habermas (Habermas, 1970; Marx & Engels, 2007)), pode-se
ver que a PCT brasileira é predominantemente vista como uma políti-
ca que atende aos interesses da classe capitalista e aos propósitos de
acumulação do capital. O Estado e a PCT são vistos como servindo o
propósito de criar as condições adequadas para tal (Morel, 1979; Valla
& Silva, 1981). Em outra posição, mais recente, a PCT é vista como
sendo dominada por uma parcela da comunidade científica, especial-
mente influente, capaz de dominar o processo decisório relativo à PCTI
em nosso País e de cooptar parcelas do empresariado sob seu projeto
(Dagnino, 2007; Dias, 2012).
Ainda que uma exposição mais bem colocada escape dos propósi-
tos deste texto, é fundamental perceber, no processo histórico brasileiro
de conformação institucional da CT, a convergência de grupos sociais
distintos em torno da importância desta área para um projeto de desen-
volvimento nacional. Podemos ver esta convergência aparecer de manei-
ra histórica em pelo menos dois momentos: na década de 1950, com
cientistas, burocratas e militares se aproximando e possibilitando a emer-
gência originária da atual institucionalidade de CTI, com a criação do
CNPq, do CTA, da Capes, etc.; mais tarde, entre o final da década de
1960 e meados da década de 1970, os mesmos grupos novamente estive-
ram próximos,7 aprofundando o caráter estratégico-desenvolvimentista
da PCTI da época e criando o primeiro plano governamental explicita-
mente dedicado à CT e vinculando esta de maneira estratégica e prioritária
aos PNDs (Salles Filho, 2002; 2003; Fagundes, 2009).
Assim, uma avaliação mais detida na história da PCTI brasileira e
na formação histórica da comunidade científica brasileira percebe uma
visão um pouco mais nuançada sobre esta “hegemonia”, tendo em vista
que, se é certo que a comunidade científica (ou para dizer com maior
precisão, seus representantes mais influentes) realmente consegue ter uma
ascendência sobre os processos decisórios relativos à PCTI, esta própria
comunidade foi, em grande parte, forjada por processos políticos que
escaparam de sua autonomia decisória, revelando antes que grandes
projetos de desenvolvimento tecnocientífico nacional ancorados em pac-
to sociopolíticos convergentes são a base do desenvolvimento das capa-
cidades tecnocientíficas nacionais. Se a influência e a importância da

7 Ana Maria Fernandes chega a chamar de “lua-de-mel” a relação entre a SBPC e


o governo militar durante esse período (Fernandes, 2000, pp. 34-5).

407
comunidade científica bem se expressam historicamente ao vermos a
estabilidade histórica da PCTI, não é certo, no entanto, que os momen-
tos de avanço institucional (entendido como períodos de forte criação
institucional na área de CTI) tenham sido simplesmente resultado dessa
expressão política da comunidade científica. Esses momentos de eferves-
cência institucional parecem antes aliados a um processo de acúmulo de
conhecimento e experiência, especialmente por parte de burocratas e
grandes políticos brasileiros, do próprio processo histórico de desenvol-
vimento nacional, que permitiu que tanto diagnósticos quanto soluções
políticas emergissem em momentos propícios.8 Foi a partir de percep-
ções compartilhadas socialmente sobre os limites do desenvolvimento
brasileiro, aguçada pelas experiências de política internacional, que leva-
ram ao movimento de criação institucional primevo da CT brasileira, no
pós-Segunda Guerra, especialmente em torno do CNPq. As decisões
tomadas na política industrial e tecnocientífica brasileira na segunda me-
tade da década de 1950, ainda que acelerassem o processo de construção
do parque industrial nacionalmente localizado (e, de grande parte, pro-
priedade estrangeira), colocaram para segundo plano as questões estraté-
gicas no que se refere à área de CTI. Mas elas retomariam sua importân-
cia na virada nacional-desenvolvimentista que o regime militar liderará
no final da década seguinte.
Assim, aquelas críticas reduzem a análise sobre a PCTI à identifi-
cação de interesses privados e específicos, não conseguindo perceber que
o avanço da institucionalidade de CT se deu não na defesa dos interesses
de um grupo social ou de uma classe específica, mas na convergência de
diversos grupos em torno da importância da CT no panorama estratégi-
co-desenvolvimentista nacional. Esse é o ponto não apreendido, de que é

8 Além disso, em outro enquadramento teórico, bourdieusiano (que postula a


autonomia relativa do campo científico e o avanço da ciência a partir deste grau de
autonomia — no grau de “refração” que o campo científico é capaz de imprimir às de-
mandas externas a ele [Bourdieu, 1976]), também não se consegue formular uma análise
que explique o processo histórico de constituição da CT na periferia tendo em vista que
seus marcos de avanço institucional se dão justamente nos momentos de alianças com
atores não científicos — ou seja, exatamente nos momentos em que as demandas externas
se encontram diretamente atendidas pelos serviços e produtos tecnocientíficos. São essas
alianças que permitem o avanço científico e tecnológico, as oportunidades de pesquisa e
de desenvolvimento de capacidades, que devem ser exploradas com a supervisão de órgãos
públicos que viabilizem a transparência e o controle das atividades científicas pelo público
em geral.

408
esse caráter nacional (e público) que justifica o aspecto estratégico da
discussão sobre a CT no Brasil com propósitos de desenvolvimento. Não
se trata de um caráter classista deste projeto das políticas de CTI a ele
associadas, mas da constituição de uma subjetividade coletiva9 desenvolvi-
mentista que consiga perceber os desafios e implementar as ações neces-
sárias para superá-los.
Tendo em vista esse argumento, até que ponto podemos perceber,
atualmente e de modo análogo, os contornos de uma convergência entre
grupos sociais em torno da CT?
A partir de uma análise sobre como se posicionam os grupos sociais
que participaram da IV CNCTI (incluídas na análise pronunciamentos
das associações representativas e também de pesquisas sobre o tema)
podemos tentar começar a responder a essa questão. O que se pode ver é
que há, no âmbito dos posicionamentos relativos à PCTI brasileira, uma
multiplicidade de tomadas de posição, de que abaixo tentaremos esboçar
uma sistematização. Esses posicionamentos, e as tensões que os consti-
tuem são fundamentais para se avaliar até que ponto é possível a consti-
tuição de uma rede epistêmica (ou comunidade epistêmica) que sustente
uma concepção desenvolvimentista e estratégica da CT no Brasil.10
No âmbito do posicionamento empresarial, podemos identificar
algumas empresas vinculando sua estratégia empresarial à inovação e ao
desenvolvimento de produtos inovadores. O caso da Natura, empresa de
produtos cosméticos, é emblemático nesse sentido, pois incorpora a no-
ção de desenvolvimento sustentável como algo a ser buscado através da

9 Para uma discussão sobre a subjetividade coletiva de um ponto de vista teórico,


conferir Domingues (1995; 1999).
10 “An epistemic community is a network of professionals with recognized expertise
and competence in a particular domain and an authoritative claim to policy-relevant
knowledge within that domain or issue-area. Although an epistemic community may
consist of professionals from a variety of disciplines and backgrounds, they have (1) a
shared set of normative and principled beliefs, which provide a value-based rationale for
the social action of community members; (2) shared causal beliefs, which are derived from
their analysis of practices leading or contributing to a central set of problems in their
domain and which then serve as the basis for elucidating the multiple linkages between
possible policy actions and desired outcomes; (3) shared notions of validity- that is,
intersubjective, internally de?ned criteria for weighing and validating knowledge in the
domain of their expertise; and (4) a common policy enterprise — that is, a set of common
practices associated with a set of problems to which their professional competence is
directed, presumably out of the conviction that human welfare will be enhanced as a
consequence” (Haas, 1992, p. 3).

409
inovação entendida como criação de produtos ecológicos. Os desafios
socioambientais seriam uma fonte para a inovação. Defende o apoio pú-
blico nesse sentido, com a utilização de critérios socioambientais pelas
agências do Estado, maior financiamento para a inovação e a susten-
tabilidade e maior estabilidade dos marcos institucionais, ampliando a
liberdade das empresas em despender os recursos disponibilizados pelo
Estado para gastos em inovação e protegendo a propriedade intelectual
dos adventos oriundos deste processo (Passos, 2010). A Embraer tam-
bém se coloca como empresa que põe a inovação como fundamental no
seu setor de atuação, e demanda um apoio intenso do Estado para viabilizar
esse processo. A inovação tem uma ligação fundamental com a competi-
tividade da empresa e do setor aeronáutica nacional, e é fundamental o
financiamento especialmente nos momentos “críticos” do processo de
inovação, situados entre o desenvolvimento tecnológico e o desenvolvi-
mento do produto (Matsuo, 2010). A Petrobras, a grande referência em
nosso País neste quesito, também vê a inovação como parte fundamental
de sua estratégia empresarial, e seu sucesso se deve a uma cultura de ino-
vação enraizada na empresa que se volta para garantir a competitividade
da empresa. É fundamental, para tal, que haja recursos humanos, condi-
ções financeiras e parcerias com fornecedores e com pesquisadores de
universidades e institutos de pesquisa (Fraga, 2010).11 A Confederação
Nacional da Indústria (CNI), talvez o principal pilar de representação
empresarial no sentido da inovação — em torno da “agenda da inovação”
—, reconhece que o perfil econômico estrutural de um país está direta-
mente relacionado à “capacidade de assimilar e de produzir inovações”.
A atuação governamental é fundamental (“O apoio do governo é decisi-
vo para a inovação”), ainda que a inovação seja “uma contingência da
competição por mercados”, sendo “resultado da competição e limitada
pelo ambiente” (CNI, [s.d.]). A inovação é vista a partir da possibilidade
de incremento da competitividade, aspecto fundamental em um ambien-
te de mercado para viabilizar a sustentabilidade dos negócios das empre-
sas e sua internacionalização. A oferta de recursos humanos também é
fundamental, assim como da existência de uma cultura inovadora e em-
preendedora (CNI, [s.d.]).
11 A Petrobras, de maneira especial, parece também se situar entre a busca da
legitimidade (via ação político-burocrática) e a afirmação de grande empresarial, capita-
lista (Alveal, 1993); alto foco nos objetivos do negócio, com construção de capacidade
local e forte relacionamento com parceiros.

410
Porém, em um âmbito mais largo, pode-se ver predominantemente
um posicionamento que, de certa maneira, é uma extensão das posições
tomadas em outras esferas de debate de políticas públicas, especialmente
a ligada à carga tributária brasileira e ao denominado custo Brasil. É em
torno de um predicado de menor burocratização do Estado brasileiro e
de uma tributação em patamares mais baixos (ou mínimos) que grande
parte do empresariado nacional se justifica perante uma baixa taxa de
investimento privado em P&D, vista como indicador básico da capacidade
inovativa das empresas, e de índices correlatos também baixos (i.e., baixa
contratação de pesquisadores em empresas).12 Ainda que movimentos de
articulação empresarial em torno da temática da inovação tenham emergi-
do nos últimos dez anos (Mobilização Empresarial pela Inovação [MEI-
-CNI]) as empresas de maneira geral têm-se mantido afastadas da “agenda
da inovação”. A existência de um núcleo empresarial dinâmico, capaz de
antecipar as demandas do mercado e de imprimir uma liderança empresarial
no mercado nacional (hipótese perseguida por João Alberto De Negri em
vários de seus estudos no Ipea [Negri & Lemos, 2011b; 2011a; Arbix &
Negri, 2012]) não parece ser suficiente para alterar a dinâmica de de-
senvolvimento nacional que seguiu, nos últimos anos, um processo de
reprimarização da balança de comércio internacional brasileira.13 Recen-
temente vimos a divulgação dos números prévios da última Pintec, relativa
ao triênio 2009-2011, que mostra uma clara estagnação no dispêndio em-
presarial em PD&I, e decréscimo na taxa de inovação empresarial geral.14
O caso dos cientistas e pesquisadores enquanto stakeholders da PCTI
é peculiar, por várias razões. Primeiro, na literatura científica sobre a

12 Para uma defesa desta visão, ver Grynszpan (2010) que, citando um estudo da
Fiesp, diz que os principais obstáculos à inovação empresarial no Brasil não são de ordem
cultural, mas sim de ordem econômica (como câmbio, juros e carga tributária) e, em
seguida, de problemas decorrentes do tamanho e da capitalização das empresas.
13 De acordo com as estatísticas da ONU, entre 1995 e 2012, a exportação de
commodities primárias saiu de um valor de cerca de 20.8 bilhões de dólares para 152.1
bilhões, um crescimento de 731,1%, enquanto os produtos manufaturados partiram de
um patamar de 24.5 bilhões para 82 bilhões, equivalente a 334,7% (Unctad, 2013).
14 Uma avaliação mais detida do resultado desta Pintec extrapola nosso objetivo
aqui. De qualquer maneira, indico que os números não são tão diretos assim, e há alguns
dados mostrando que o núcleo identificado por De Negri parece estar ampliando o gasto
interno em P&D, estabelecendo relações mais intensas com empresas e institutos de
pesquisa, além de estar acessando com maior amplitude os instrumentos governamentais
de apoio à inovação. Porém, como indicado, essa lógica está restrita a esse núcleo, que não
parece estar crescendo de maneira acentuada.

411
política de CTI brasileira, como já vimos, este é apontado como seu ator
hegemônico, e seu principal beneficiário. Segundo, o campo científico
estabelece uma lógica de disputa científica que nem sempre se coaduna
com os propósitos de uma política pública voltada para o desenvolvi-
mento estratégico nacional. Talvez por essa razão, a heterogeneidade
desse grupo em seu posicionamento em relação à PCTI parece ser maior
que a dos outros. As posições são bastante diversas, e em vários casos
divergentes. Por exemplo, e seguindo a expressão de Renato Dagnino, há
uma parte da comunidade científica “mais influente”, constituída por um
grupo de pesquisadores das “ciências duras”, capaz de determinar os ru-
mos da PCTI posta em prática. A PCTI seria assim “capturada pelo seu
ator principal — a comunidade de pesquisa” (Dagnino, 2007, p. 56), que
possui um papel dominante na elaboração da política). Estes são capazes
de transitar entre a arena científica e a arena estatal, sendo o principal
ponto de apoio de um núcleo propulsor de uma comunidade epistêmica
desenvolvimentista que alia CTI e desenvolvimento. Em um posiciona-
mento próximo, porém com preocupação voltada para as pequenas e
médias empresas, para a constituição de Arranjos Produtivos Locais (APLs)
e para o aprofundamento da concepção sistêmica de inovação, temos
pesquisadores como José Eduardo Cassiollato (Cassiolato & Lastres,
2008; Cassiolato, 2010). Outros defendem enfaticamente a ciência pura
e a educação básica como fundamentais para alavancar a política de ino-
vação nacional (Pena, 2010). Enquanto isso, parte se posiciona defendendo
os paradigmas de um desenvolvimento sustentável que defende a incorpo-
ração da Amazônia e de suas populações a um projeto de desenvolvimento
sustentável, da utilização do patrimônio natural sem sua destruição, valo-
rizando a floresta em pé, de maneira produtiva (Becker, 2010). Na posição
simetricamente oposta à da hegemonia empresarial dentro da academia,
há um grupo ligado às tecnologias e inovações sociais, cujo principal
expoente talvez seja o próprio já citado Renato Dagnino, que denuncia
de maneira forte a utilização da PCTI para fins eminentemente empresa-
riais, defendendo sua utilização para a inclusão social de grupos contra-
-hegemônicos via políticas de “inovação social” (Dagnino, 2010). As po-
sições reveladas pelos textos dos representantes da comunidade científica
são bastante diversas, chegando a ser divergentes e até mesmo antagônicas.
Já os representantes do poder público têm um posicionamento que,
embora não neutro, vai no sentido de tentar armar uma convergência de
interesses que consolide a legitimidade política das políticas postas em

412
execução. De maneira geral, pode-se ver que há uma convergência com
o diagnóstico predicado pela parcela hegemônica da comunidade cientí-
fica — lembrando ainda o trânsito entre as duas comunidades. Essa con-
vergência se coloca no diagnóstico da falta de investimento empresarial
em inovação, a necessidade de aproximar academia e empresas, e de
promover o desenvolvimento da estrutura produtiva nacional. O desen-
volvimento da própria política da PCTI mostra isso: as tentativas de
inflexão no processo de produção e difusão do conhecimento tecnocien-
tífico através da motivação aos empresários a investir em P&D são as
mais debatidas e praticadas (apesar do insucesso que esta estratégia tem
obtido nos últimos quarenta anos). Há uma percepção forte por parte
dos representantes do poder público de que a CTI é uma questão estra-
tégica, de interesse nacional, que perpassa um âmbito relativamente lar-
go de fenômenos (que vai desde a constituição de uma institucionalidade
de CT nacional, passando pela competitividade das empresas — e espe-
cialmente da indústria — nacionais, pela inserção internacional estraté-
gica da economia nacional, pelo aproveitamento de janelas de oportuni-
dade que permitirão um salto na qualidade dos empregos, por um perfil
empresarial conectado à inovação e por maior integração entre universi-
dade e empresa) (Borges, 2010; Coutinho, Ferraz et al., [s. d.]). Esses
pronunciamentos visam a obter a legitimidade política para a ação da
política pública estratégica através da aproximação dos objetivos da po-
lítica com os propósitos e interesses dos grupos sociais afetados pela
política. Há assim uma constante defesa da política e dos órgãos públi-
cos de CT representados na conferência.
O que se poderia chamar de sociedade civil (ou seja, fora do espec-
tro da comunidade científica e dos empresários), aí incluídos os traba-
lhadores, estão sub-representados na Conferência. Ainda que houvesse
participação do Dieese, ela se resumiu a uma apresentação na sessão
paralela sobre Novos Padrões de Agricultura Sustentável (Siqueira,
2010).15 Este grupo aparece próximo aos posicionamentos ligados a
Cassiolato e ao da tecnologia/inovação social (Dieese, 2010), defenden-
do a inovação como elemento estratégico para o desenvolvimento sus-
tentável, no sentido de garantir a competitividade da economia, sua
empregabilidade, inclusão social e melhoria de vida da população.

15 No entanto, Clemente Ganz também participou do Seminário Perspectivas


para a Conferência, que ocorreu no Rio de Janeiro (Brasil, 2010).

413
As tensões epistêmicas: diagnóstico

O que se pode concluir deste esboço rápido de posicionamento em rela-


ção à PCTI brasileira pelos seus principais stakeholders é que a emergên-
cia de um projeto de desenvolvimento que incorpore a questão da CTI
como estratégica encontra dificuldades na criação de uma base sociopo-
lítica estável. A pauta desenvolvimentista do Governo Dilma parece ir à
direção de promover essa concertação, apesar de ter de enfrentar a crise
mundial (que parece se desarmar agora) e suas próprias alianças políti-
cas “pragmáticas”. O que parece ser o maior desafio não é a existência de
um projeto político desenvolvimentista que incorpora a questão da ciên-
cia e tecnologia como estratégica no interior do Governo, mas a imple-
mentação deste e a efetivação de uma capacidade estatal de coordenação,
sob os preceitos deste projeto, pelo Governo.
Talvez a principal tensão que se apresenta é aquela colocada, no
interior da política de inovação de maneira mais explícita, entre o públi-
co e o privado. Não se trata aqui de uma simples divisão entre o empre-
sário como representando o privado, e a comunidade científica e o poder
público representando o público. Os aspectos privados e públicos estão
imbuídos, de maneira diversa, em todos os grupos. Assim, a posição em-
presarial predica que o investimento privado em inovação é fundamental
para o desenvolvimento nacional, no âmbito público. A defesa de uma
política pública do Governo também se dá junto com preceitos particula-
ristas de sua sustentação política, de sua legitimidade. A questão coloca-
da é exatamente como adequar estes aspectos privados e públicos de
maneira que convirja em um projeto mais consolidado.
Se a trajetória de constituição da institucionalidade de CT se ca-
racterizou especialmente por seu projeto público, de uma ciência engajada
não apenas no setor público, mas para o público, a tentativa de reorientação
das ações dos agentes e instituições científicas não se dará sem conflitos
e contraposições. Ainda que a política da inovação possa ser e foi usada
na direção de se prover recursos às instituições tecnológicas e científicas
nacionais, a reorientação dada a Finep nos últimos anos (aumento substan-
cial de recursos com vistas ao financiamento de empresas com projetos
tecnológicos) e até mesmo um movimento de reforma institucional em
direção a uma instituição financeira (banco da inovação) não se deram
sem protestos da comunidade científica (SBPC, ABC et al., 2013).

414
Porém, a comunidade científica também tem posicionamentos que
não são classificados imediatamente como públicos: toda defesa por grande
parte da comunidade em torno dos códigos aduaneiros que favoreceriam a
pesquisa nacional também não estão plenamente justificados. Não se vê,
no que toca à estratégia de desenvolvimento nacional, nenhuma defesa de
uma indústria nacional de equipamentos e insumos para a pesquisa nacio-
nal por parte dessas mesmas associações. Demandam-se apenas regimes
aduaneiros específicos (ou seja, de exceção, particularistas/corporativistas).
Aliado a essas tensões, o processo de acúmulo de competências
burocráticas, de capacidades estatais no que se refere à PCTI, deve con-
tinuar e, no meu entender, deve ser pluralizado. Primeiro, tendo em vista
os resultados da Pintec de 2011, há uma incapacidade ainda grande do
Estado, apesar de décadas tentando promover o dispêndio empresarial
em P&D e inovação. Isto não é somente digno de nota no que se refere
à sua incapacidade revelada de coordenação no sentido das metas políti-
cas na área de inovação, mas, especialmente, pode ser evidência de que a
própria orientação da PCTI talvez não esteja calibrada em relação à
infraestrutura institucional disponível de CTI.
Ou seja, falta tanto uma capacidade de coordenação por parte do
poder público, encarregado de orientar essa asseveração do público em
nosso País, quanto um diagnóstico claro sobre qual é a nossa situação
relativa à infraestrutura de pesquisa brasileira e seu potencial de desen-
volvimento. As pesquisas e dados sobre essa área estão basicamente vol-
tados para a análise da Pintec e similares: onde há maior capacidade
acumulada de produção tecnocientífica, há menor conhecimento. É ur-
gente o aprofundamento de pesquisas sobre nossa infraestrutura pública
de pesquisa tendo em vista sua orientação política para fins de estratégia
nacional. O trabalho da CGEE precisa não só ser aprofundado, mas
deve ganhar relevância política na orientação das políticas públicas de
CT. É fundamental que esta área de estudos sobre a PCT se torne uma
área estratégica dentro da própria PCT.
Assim, os resultados, no meu entender, indicam a necessidade da
manutenção relativa dessa política nos moldes atuais, tentando aprovei-
tar o processo de acúmulo de capacidades estatais da PCTI voltada para
grandes e médias empresas, ainda que seja necessária uma nova onda de
criações institucionais tentando viabilizar processos de inovação para além
deste núcleo de empresas inovadoras, já alcançados pelo Estado. Poderiam
constituir-se como objetos de políticas movimentos de cooperação entre

415
a infraestrutura pública de CT com outros atores, como cooperativas de
trabalhadores, pequenas empresas, entre outros, aí incluído o próprio
aparato estatal e burocrático público.

Considerações finais

A PCTI brasileira é assim uma miscelânea de políticas, instituições, ins-


trumentos e empresas que são utilizados pelo Estado com propósitos de
desenvolvimento, de promoção da capacitação tecnológica e científica
interna, na criação de empregos de melhor qualificação nacionais e tam-
bém para propósitos de legitimação do poder público e das políticas
colocadas em prática. De maneira geral, é possível dizer que a PCTI
brasileira cria medidas de incentivo fiscal e tributário e de financiamento
privilegiado no intuito de induzir o empresariado a investir em P&D no
Brasil. O Estado mantém uma infraestrutura científica e tecnológica de
porte e qualidades razoáveis e com algumas ilhas de excelência, ainda
que desigualmente distribuída no território. Em outras áreas, há a inter-
venção mais direta do Governo, tentando assegurar uma visão estratégica
aos projetos. Algumas áreas setoriais são especialmente focalizadas, defi-
nidas na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e no Brasil Maior,
e se constituem como alvos de programas de financiamentos específicos
e de subvenção econômica pela Finep.
A PCTI brasileira, segundo nosso relato, é resultado de um pro-
cesso histórico de constituição de um aparato público e estatal de pro-
moção da atividade científica e tecnológica nacional. Em grande parte a
própria comunidade científica foi criada a partir desse esforço de consti-
tuição de capacidades tecnocientíficas, e não se pode concluir de maneira
rápida de que ela seja o grupo hegemônico no âmbito da PCTI brasilei-
ra, como fazem Rafael Brito Dias (2012) e Renato Dagnino (2007): isso
seria ignorar que a disputa pela hegemonia se dá não somente no interior
da PCTI, mas em um contexto mais amplo no qual uma coalizão — cujo
pivô e principal ator de veto é o setor financeiro-rentista — tem sido
dominante ao longo das últimas décadas, não só no plano nacional como
também transnacionalmente, e que não parece dar sinais de exaustão
apesar da crise de 2008 e de seus reflexos.
O debate parece estar, de maneira exagerada, associado à temática
do percentual do PIB gasto em P&D e em C&T, além dos dados relati-

416
vos às patentes (estes especialmente comparados ao número de publica-
ções científicas, que indicariam um lag entre a produção científica e o
desenvolvimento tecnológico nacionais). Mas esse processo de reificação
da CT no Brasil não parece dar conta da questão da ligação entre desen-
volvimento e CT. Os dispêndios em P&D estão majoritariamente liga-
dos à aquisição de máquinas e equipamentos, o que tem como efeito, de
maneira geral, apenas uma apropriação passiva de conhecimento tecno-
científico nas empresas. Da mesma maneira, uma apreciação simplista
do número de patentes nos impede de perceber que elas são resultado de
uma estratégia empresarial de proteção da propriedade intelectual antes
que um processo de produtividade crescente da economia nacional. O
fenômeno dos patent trolls, por exemplo, indica que um boom no número
de patentes outorgadas pode também indicar um processo de bloqueio
da inovação por empresas dominantes contra eventuais competidores.
Mas o que talvez seja o grande desafio é o da coordenação entre os
agentes, no plano social e político, para os fins de um projeto nacional de
desenvolvimento. Ainda que o Governo tenha relativa clareza dos de-
safios colocados ao País no médio prazo, os instrumentos disponíveis
para a concertação não parecem ser efetivos. Mesmo no interior do Es-
tado há situações de impasse, pelo que se pode observar na atuação dos
órgãos de controle que, cumprindo ritualisticamente as funções que lhes
foram reservadas, parecem constituir um empecilho na construção dessa
agenda da inovação.
Parece-me que algo será fundamental para determinar o sucesso
ou fracasso desses empreendimentos: a capacidade estatal de formular,
implementar, gerir, acompanhar e avaliar essas políticas, uma dialética
virtuosa entre capacidades estatais, capacidades empresariais e capacida-
des sociais mutuamente reforçadas. Essa constituição de capacidades es-
tatais, capacidades empresariais e capacidades técnicas do trabalhador só
será possível se baseada em um esforço estatal e social de longo prazo e
fundamentada em uma coalizão sociopolítica que perceba e implemente
projetos estratégicos de identificação da situação em que o País se en-
contra e dos caminhos para melhorias significativas. A pauta desenvolvi-
mentista do Governo Dilma parece ir nessa direção, apesar de ter de
enfrentar os reflexos persistentes da crise mundial e de suas próprias
alianças políticas “pragmáticas”. Não se trata de um caráter necessaria-
mente classista deste projeto das políticas de CTI a ele associadas ou de
um grau superior de autonomia para permitir o avanço científico, mas da

417
constituição de uma subjetividade coletiva desenvolvimentista – ou de
uma rede epistêmica – que consiga perceber os desafios e implementar
as ações necessárias para superá-los.

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421
422
SOBRE OS AUTORES

Eli Diniz é professora titular do Instituto de Economia da Univer-


sidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Ciência Política pela USP.
É pesquisadora associada do Iesp-Uerj (Instituto de Estudos Sociais e
Políticas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Foi coordena-
dora do INCT-PPED (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em
Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento). Publicou livros e ar-
tigos sobre a relação Estado e mercado, empresários e desenvolvimento.

Flavio Gaitán é professor adjunto da Unila (Universidade de


Integração Latino-Americana). É doutor em Ciência Política pelo Iuperj
(Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e pesquisador
associado do INCT-PPED e do Neic (Núcleo de Estudos do Estado,
Instituições e Desenvolvimento).

Celina Souza é PhD em Ciência Política pela London School of


Economics and Political Science. Foi professora visitante no Instituto de
Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado de Rio de Janeiro
(Iesp-Uerj). Atualmente é professora visitante da Unirio e pesquisadora
do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas,
Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED).

Roberto Rocha Pires é doutor em Políticas Públicas pelo Massa-


chusetts Institute of Technology (MIT). Mestre em Ciência Política pela
Universidade Federal de Minas Gerais (2004) e graduado em Adminis-
tração Pública pela Fundação João Pinheiro (2001). É da carreira de
Pesquisa e Planejamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplica-
da), com atuação na Diretoria de Estudos do Estado, das Instituições e
da Democracia (Diest).

423
Alexandre Gomide é doutor em Administração Pública e Governo
pela FGV-SP, com período sanduíche no Departamento de Ciência Po-
lítica da UC Berkeley. É integrante da carreira de Planejamento e Pes-
quisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) desde 1997.
Atualmente, exerce o cargo de chefe da Assessoria Técnica do Gabinete
da Presidência do Ipea.

Luiz Carlos Bresser-Pereira é mestre (Master of Business Admi-


nistration) pela Michigan State University, doutorado em Economia pela
Faculdade de Economia e Administração ( FEA), da USP, e livre-docência
em Economia pela FEA/USP. Professor visitante das Universidades de
Oxford e Sorbonnet. Atualmente é professor titular da Fundação Getúlio
Vargas-SP, presidente e editor da Revista de Economia Política. Seu últi-
mo livro é: A construção política do Brasil. Quase toda a sua obra está
disponível em <www.bresserpereira.org.br>.

Fernando Nogueira da Costa é mestre e doutor em Ciência Eco-


nômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi dire-
tor-executivo da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Foi coorde-
nador da Área de Economia da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp). Atualmente é professor titular do Institu-
to de Economia da Unicamp. Seu último livro publicado é: Presente e
futuro do desenvolvimento brasileiro.

Fernando Ferrari Filho é mestre em Economia pela Universidade


Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Economia pela
Universidade de São Paulo (USP), com estância de pesquisa na Univer-
sidade de Tennesse. Fez pós-doutorado nas Universidades de Cambridge
e Tennesse. É professor de Economia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul e pesquisador do CNPq.

Luiz Fernando de Paula é doutor em Economia pela Unicamp.


Realizou seu pós-doutoramento no St. Antony’s College, Universidade
de Oxford e foi pesquisador visitante no Centro de Estudos Brasileiros
da Universidade de Oxford e na Universidade Livre de Berlin. Atual-
mente é professor titular na Faculdade de Ciências Econômicas da Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE/Uerj). Foi presidente da
Associação Keynesiana Brasileira (AKB).

424
Eduardo Salomão Condé é doutor em Economia Aplicada pela
Unicamp e mestre em Ciência Política no Instituto Universitário de Pes-
quisas do Rio de Janeiro Iuperj (1996). É professor associado no Depar-
tamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora,
onde também atua no programa de Pós-Graduação (Mestrado-Douto-
rado) em Ciências Sociais. É pesquisador associado ao Instituto Nacio-
nal de Ciência e Tecnologia — Políticas Públicas e Desenvolvimento
(INCT PPED). É diretor do Centro de Pesquisas Sociais da Universi-
dade Federal de Juiz de Fora.

Celia Lessa Kerstenetzky é mestre em Economia da Industria e da


Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; doutora em
Ciência Política (Ciência Política e Sociologia) pela Sociedade Brasilei-
ra de Instrução (SBI/Iuperj), Rio de Janeiro e Ph.D. com louvor em
Social and Political Sciences (Political Sciences) pelo European University
Institute. Atualmente é professora titular do Departamento de Ciência
Política da UFF e coordenadora do Centro de Estudos sobre Desigual-
dade e Desenvolvimento.

Arnaldo Provasi Lanzara é mestre em Ciência Política pelo Insti-


tuto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e doutor em
Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp/Uerj).
Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal Fluminense
(UFF) e pesquisador associado do Instituto Nacional de Ciência e Tecno-
logia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-
PPED).

Rodrigo Cantu possui graduação em Ciências Econômicas pela


Universidade Federal de Paraná. É mestre em Sociologia pelo Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (2009) e doutorando em
Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp/Uerj) com
período sanduíche na École des Hautes Études en Sciences Sociales de
Paris. Atualmente é professor da Universidade Federal da Integração
Latino-Americana.

Maria Regina Soares de Lima possui doutorado em Ciência Polí-


tica pela Vanderbilt University (1986). Atualmente é professora do Ins-
tituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Iesp/Uerj) e coordenadora

425
do Observatório Político Sul-Americano (Opsa/Uerj). Foi professora do
Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro.

Rubens de Siqueira Duarte é bacharel em Relações Internacionais


pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e
mestre em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente é doutorando
em Ciência Política e Estudos Internacionais pela University of Bir-
mingham.

Bruno Borges é mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia


Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutor em Ciência Política
pela Duke University. Atualmente é professor adjunto de Política Inter-
nacional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no Depar-
tamento de Relações Internacionais e no Programa de Pós-Graduação
em Relações Internacionais.

Maurício Santoro é mestre e doutor em Ciência Política pelo Iuperj.


Atualmente é professor adjunto do Departamento de Relações Interna-
cionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi pesquisador
visitante nas universidades Torquato di Tella e New School, assessor da
Anistia Internacional e do secretário de Comércio Exterior do Ministé-
rio do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Ignácio Godinho Delgado é mestre em Ciência Política e doutor


em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Foi
Visiting Senior Fellow no International Development Department da
London School of Economics and Political Science. É professor titular
da Universidade Federal de Juiz de Fora. É pesquisador do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia — Políticas Públicas, Estratégias e
Desenolvimento (INCT-PPED).

Moisés Villamil Balestro é doutor em Ciências Sociais pela Uni-


versidade de Brasília e mestre em Administração pela UFRGS. É pro-
fessor adjunto IV na Universidade de Brasília na FAV e no Centro de
Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (Ceppac). Fez pós-douto-
rado no Instituto de Ciência Política da Goethe Universität.
Danilo Nolasco Cortes Marinho é mestre em Sociologia pela
Mississippi State University e doutor em Sociologia pela Universidade
de Brasília, com pós-doutorado sênior pela Unicamp e pela Universiteit
van Amsterdam. É professor do Departamento de Sociologia e do Cen-
tro de Estudos das Américas da Universidade de Brasília.

Francisco de Assis Campos da Silva é mestre em Relações Inter-


nacionais e doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília
(UnB). Atuou por vários anos em diversas áreas do Banco do Brasil S.A.
Atualmente trabalha no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior (MDIC), na Secretaria de Comércio e Serviços (Ana-
lista de Comércio Exterior [ACE]).

Victor Mourão é professor na PUC-MG. É mestre em sociologia


pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e
doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp/
Uerj). Pesquisador Assistente do Instituto Nacional de Ciência e Tecno-
logia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/
PPED).

Carlos Eduardo Santos Pinho é mestre e Doutorando em Ciência


Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj). Pesquisador assistente do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e
Desenvolvimento (INCT/PPED) É pesquisador da Diretoria de Análi-
se de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Dapp).
ESTUDOS BRASILEIROS
TÍTULOS PUBLICADOS SOB A DIREÇÃO DE TAMÁS SZMRECSÁNYI

Conde Matarazzo, o Empresário e a Empresa, José de Souza Martins


50 Textos de História do Brasil, Dea Ribeiro Fenelon
A Rebelião de 1924 em São Paulo, Anna Maria Martinez Corrêa
Colonização e Monopólio no Nordeste Brasileiro, José Ribeiro Júnior
O Planejamento Regional e o Problema Agrário no Brasil, Manuel Correia de Andrade
Capital e Trabalho no Campo, Sérgio Silva et al
Circuito Fechado, Florestan Fernandes
O Milagre de Minha Vida, José Maria Whitaker
A Condição de Sociólogo, Florestan Fernandes
O Folclore em Questão, Florestan Fernandes
Escravidão e Racismo, Octávio Ianni
Energia Nuclear no Brasil, José Goldemberg
Os Cultos Mágico-Religiosos no Brasil, Abguar Bastos
Índios do Brasil, Júlio Cezar Melatti
Dialogar É Preciso, Paulo de Tarso Santos
O Partidão: a Luta por um Partido de Massas, 1922-1974, Moisés Vinhas
Desenho Mágico: Poesia e Política em Chico Buarque, Adélia Bezerra de Meneses
Trabalho e Condições de Vida no Nordeste Brasileiro, Inaiá Carvalho & Teresa Frota Haguette
Poder, Vida e Morte na Situação de Tortura: Esboço de uma Fenomenologia do Terror, Alfredo Naffah Neto
Textos Selecionados de Educação Brasileira, Eurides Brito
A Informática e a Nova República, Cláudio Mammana (apres.)
A Reforma Agrária e os Limites da Democracia na “Nova República”, José de Souza Martins
Parlenda, Riqueza Folclórica, Jacqueline Heylen
O Nordeste e o Regime Autoritário, Inaiá Maria Moreira de Carvalho
O Indígena e a República, José Mauro Gagliardi
História Geral da Medicina 1, Lycurgo Santos Filho
História Geral da Medicina 2, Lycurgo Santos Filho
O Sindicalismo de Estado no Brasil, Armando Boito Júnior
Os Braços Para a Lavoura, Chiara Vangelista
A Carga e a Culpa, Fernando Teixeira da Silva
Patrícios, Sírios e Libaneses em São Paulo, Oswaldo Truzzi
A Esquerda Positiva: as Duas Almas do Partido Comunista (1920-1964), Gildo Marçal Brandão
Mulheres da Floresta: Uma História, Cristina Scheibe Wolff
Ensino Superior no Brasil: O Setor Privado, Helena Sampaio
Embraer: Elo Entre Estado e Mercado, Roberto Bernardes
Crescimento Demográfico e Evolução Agrária Paulista, 1700-1836, Maria Luiza Marcílio
Vidas de Rua, Cleisa Moreno Maffei Rosa
O Consenso Forjado, Francisco Fonseca
Por um Inventário dos Sentidos: Mário de Andrade e a Concepção de Patrimônio e Inventário, Antonio Gilberto
Ramos Nogueira
O que Faz os Ricos Ricos: o Outro Lado da Desigualdade Brasileira, Marcelo Medeiros
Universidade, Preconceitos e Trote, Antônio Ribeiro de Almeida Júnior & Oriowaldo Queda
A Constituição de 1988 na vida brasileira, Ruben George Oliven, Marcelo Ridenti & Gildo Marçal Brandão (orgs.)
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