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MORA AO LADO”
AUTOR: Luisa Fernanda Gomez1
ORIENTADORA: Profª Dra. Sônia Inês Vendrame2
RESUMO
INTRODUÇÃO:
1
Jornalista UDC. Pós graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal da
Integração Latino-Americana UNILA.
2
Dra. em Comunicação Semiótica e Signos da PUC/SP. Mestrado em Comunicação, Consumo e
Recepção pela ESPM/SP. Professora da UDC e coordenadora do Núcleo de Pesquisa.
norte do estado do Amapá, onde foram presos, principalmente, imigrantes, surgindo
assim um sentimento de xenofobia 3.
O Brasil vivencia atualmente uma forte contradição entre um discurso
dominante que busca auto-apresentar o país como sendo muito receptivo a
imigrantes, cujos mitos de origem se sustentam na miscigenação de diferentes
povos e culturas, frente a uma realidade contemporânea de crescimento da
discriminação, inclusive da xenofobia, contra estrangeiros.
Atualmente a xenofobia ocorre com maior incidência em países
desenvolvidos ricos, uma vez que os nativos não querem disputar vagas de
emprego com os imigrantes. É comum a xenofobia ser relacionada ao preconceito
de pessoas oriundas de outros países (especialmente dos países subdesenvolvidos
ou periféricos), ou de raças, culturas e costumes distintos do país que recebe os
imigrantes.
A presença de estrangeiros é fator comum em Foz do Iguaçu4, cidade que
integra uma tríplice fronteira, entre Brasil, Paraguai e Argentina. Onde
aproximadamente o 5% da população é proveniente de outro país5. A autora do livro
Foz do Iguaçu Intercultural, Nara Oliveira, explica a história territorial dos três países:
A fronteira entre Ciudad del Este, Foz do Iguaçu e Puerto Iguazú, foi
semeada e cultivada sobre as bases da história do território guarani, cuja
cartografia indígena estava representada pela presença milenar daquele
povo e por sua organização, política, cultural e religiosa. (OLIVEIRA, Nara,
2012, p.22).
3
DICIONÁRIO AURÉLIO. Disponível em <http://www.dicionariodoaurelio.com/xenofobia>,
acesso em 30/03/2015. Xenofobia: 1 Aversão aos estrangeiros ou ao que vem do estrangeiro, ao que
é estranho ou menos comum.
4
De acordo com o resultado do censo do IBGE de 2010, em Foz do Iguaçu residem 256.088 habitantes.
Desses, 12.628 são estrangeiros de 84 nacionalidades diferentes, segundo dados da Polícia Federal.
5
De acordo com dados do relatório de desenvolvimento humano de 2009, realizado pelo
programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cerca de 195 milhões de pessoas
moram países diferentes aos do seu origem.
É possível que esta migração internacional possa ser motivada por diferentes fatores como: guerras,
perseguições políticas, étnicas ou culturais, estudos, trabalho, procura por melhores condições de
vida, desastres naturais e mudanças de clima.
Durante os últimos anos, o numero de migrantes internacionais vem aumentado fortalecendo a
discriminação ou xenofobia atribuída a aqueles indivíduos provenientes de outras países. Na maioria
das vezes estes discursos originam-se a através dos meios de comunicação que marcializam os
estrangeiros e manipulam a opinião publica.
início, a cidade já apresentava um cenário rico em culturas e alteridades. Panorama
que não mudou com o tempo, já que, hoje, Foz do Iguaçu é caracterizada por sua
diversidade cultural. Segundo Oliveira, a cidade “corresponde ao território eleito
pelos imigrantes para fazer a nova vida, a outra vida, a alteridade” (OLIVEIRA, 2012,
p.11).
Embora Foz do Iguaçu se apresente como uma cidade multicultural, alguns
meios de comunicação locais, que deveriam implantar ideias de acolhimento ao
estrangeiro, demonstram o contrário. Como foi o caso do jornal Primeira Linha em
Foz do Iguaçu que, no dia 29 de agosto de 2013, cedeu o espaço para a publicação
do artigo “O Perigo Mora ao lado” escrito pelo publicitário Péricles Vieira que fala
sobre os estudantes estrangeiros da Universidade Federal da Integração Latino-
Americana (UNILA) que moram em Foz do Iguaçu. No texto é possível verificar que
há um discurso de desigualdade e preconceito por parte do autor.
6
Para Charaudeau, existem alguns preceitos que embasam a construção dos sentidos na
mídia. São eles, “produção, produto e recepção”. O autor divide a produção em dois espaços:
“externo-externo” que se refere aos efeitos econômicos midiáticos, enquanto empresa e, “externo-
interno” que trata do discurso que será transmitido pelo canal de comunicação e o “efeito desejado”
por ele. O produto faz referência aos “efeitos possíveis” de acordo com a capacidade de interpretação
do receptor. As recepções são os efeitos supostos e produzidos a partir de uma mensagem.
socialmente (ou externamente ao indivíduo), sendo influenciado por discursos, que,
muitas vezes, são criados para transmitir valores e representações sociais nos
meios de comunicação. Estes trazem todo um conjunto de significados e discursos
que ajudam a formação da identidade e na identificação. “Não há, nos discursos da
mídia, apenas reprodução de modelos – ela também os reconstrói, reformata,
propõe novas identidades” (GREGOLIN, 2007, p.11). Neste sentido, Patrick
Charaudeau descreve como a mídia instala uma “imagem fragmentada” da
realidade.
7
CHARAUDEAU, Patrick (2013). Discurso das mídias. 2ª Ed. São Paulo:
Editora Contexto. p.25.
assim, não se pode negar que os discursos produzidos pela cultura midiática
participam da constituição das identidades.
A cultura mediática exerce expressiva participação no constante processo
de alteração de identidade de um indivíduo. Essa que é materializada nos meios de
comunicação por constituir uma das principais fontes de significados, foco de
identificações e sistema de representação da sociedade.
De acordo com Stuart Hall, através do diálogo que se estabelece
diariamente com os receptores, e “aproveitando-se de suas disposições cognitivo-
compreensivas” (HALL, 2001), a mídia oferece ininterruptamente aos agentes
sociais uma variedade de identidades possíveis, de tal modo que as identificações
dos sujeitos vão sendo constantemente deslocadas.
1.1 IDENTIDADE
8
DICIONÁRIO AURÉLIO. Disponível em <http://dicionariodoaurelio.com/jornal>, acesso em
13/04/2015. Identidade: Circunstância de um indivíduo ser aquele que diz ser ou aquele que outrem
presume que ele seja.
9
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. 2ª Edição. São Paulo: Paz e terra. 2000, p.22.
Já o autor Tomaz Tadeu da Silva define a palavra como aquilo que se é,
“sou brasileiro, sou negro, sou homem”10. A identidade assim é uma afirmação do
que sou, mas também do que não sou, isto é, a identidade depende da diferença.
10
SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença. São Paulo: Editora Vozes. 2000, p.96.
11
HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. 2ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora.
2002, p.10.
fala que a identidade está em constante transformação, e o que antes era um “eu”
absoluto passou a ser um “eu” carregado de significados e valores adquiridos, a
partir do contato com o exterior, o desconhecido. Como explica Tomaz Tadeu a
continuação.
Essa concepção aceita que as identidades não são nunca unificadas; que
elas são, na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas;
que elas não são, nunca, singulares, mas multiplamente construídas ao
longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser
antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historização radical,
estando constantemente em processo de mudança e transformação (SILVA,
Tomaz Tadeu da, 2000, p.108).
12
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998, p.20.
13
O perigo que mora ao lado. Disponível em <empresariall.blogspot.com.br/2013/09/unila-o-
perigo-mora-ao-lado.html>, acesso em 22/06/2015. Texto publicado pelo jornal Primeira Linha.
14
Idem, p.25.
Homi Bhabha propõe que o momento atual é um “momento de trânsito em
que espaço e tempo se cruzam para produzir figuras complexas de diferença e
identidade, passado e presente, interior e exterior, inclusão e exclusão 15”. Neste
caso o artigo em questão aproveitou-se desta diferença para, ao invés de incluir,
excluir esta comunidade.
do Iguaçu é uma cidade rica em identidades 16 apoiadas nas diferenças
culturais. Onde cada nacionalidade carrega sua identidade própria, ajudando, assim,
a construir a identidade de outras culturas. De acordo com Stuart Hall, a identidade
nacional se constrói a partir da identidade cultural17 que, definida pelo autor, é um
conjunto de relações sociais, ou seja, o indivíduo dentro da sociedade.
Para o autor, a identidade nacional não pode ser entendida como algo
permanente, mas sim como algo em construção. “As identidades nacionais não são
coisas com as quais nos nascemos, mas são formadas e transformadas no interior
da representação”18. A autora Nara Oliveira (2012, p.103) define a identidade como
“caminhos labirínticos, difíceis de traçar” e explica a identidade nacional como:
15
Idem, p.19.
16
Foz do Iguaçu, cidade pertencente a uma tríplice fronteira é composta hoje, segundo a
Polícia Federal, por moradores de 81 etnias. Fator que faz entender o motivo para que dos quase 257
mil habitantes (256.088), cerca de 11 mil (10.907) sejam estrangeiros.
17
HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. 2ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora.
2002. p.47.
18
Idem, p. 48.
De acordo com Manuel Castells, existem três formas de construir a
identidade 19 . A primeira é a identidade legitimadora, ela é embasada pelas
instituições dominantes da sociedade, ou seja, a partir do nacionalismo. A segunda é
a identidade de resistência, formada a partir de princípios diferentes aos indicados
pelo sistema ou pela sociedade. A terceira é a identidade de projeto, quando os
autores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural, constroem uma
nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade.
No caso da analise deste artigo, a construção da identidade do objeto pode
ser comparada à de identidade em construção, já que estes indivíduos adotaram, na
sua aparência, vestimentas e simbologias diferentes das culturas nativas, quer dizer,
àquela em que cada aluno foi criado. Apesar de cada um ter uma identidade
nacional diferente, eles juntam-se no senso comum na construção de uma nova
expressão cultural. Como explica Manuel Castells.
19
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. 2ª Ed. São Paulo. Paz e terra. 2000, p.24.
19
HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. 2ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A E
A ideologia do “mostrar a qualquer preço”, do “tornar visível o invisível” e do
“selecionar o que é o mais surpreendente” (as notícias) faz com que se
construa uma imagem fragmentada do espaço publico, uma visão adequada
aos objetivos das mídias, mas bem afastada de um reflexo fiel [...] as mídias
não são mais do que um espelho deformante (CHARAUDEAU, 2013, p.20).
20
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. 2ª Ed. São Paulo: Editora Contexto. 2013, p.25.
mesmos tipos de locutores acabam por tornar-se portadoras de determinados
valores“ (2013, p.48).
A mídia é uma das responsáveis por transmitir esses significados em larga
escala. Os veículos de comunicação têm uma grande abrangência, assim, o que é
divulgado em telejornais, impressos e programas de rádio é lido por pessoas de
vários locais e de todas as classes sociais, idades e níveis de instrução.
Fábio Martins de Andrade (2007, p.47) expõe que os meios de comunicação
“deixaram de informar para formar opinião”, ou seja, deixou de transmitir
informações para definir o que quer que seja repassado adiante. É indiscutível que
os meios de comunicação divulgam os fatos conforme percepções próprias,
selecionando apenas o que convém que o público fique sabendo.
Os meios de comunicação, então, contribuem para a formação de sentidos
em relação ao mundo e aos indivíduos habitantes dele. No caso do artigo do jornal
Primeira Linha, não houve consciência para com o outro.
Esta unilateralidade atrapalha o processo de informar, prejudicando a
imagem dos estudantes estrangeiros. Como explica Bhabha.
De acordo com o dito pelo autor, é possível verificar que o artigo Primeira
Linha está cheio de preferências ideológicas expostas apaixonadamente, pode-se
afirmar, também, que o texto carece de pesquisa já que muitos fragmentos do
mesmo foram confrontados com a realidade e informações verídicas neste artigo.
Ao se falar em estrangeiro ou migrantes, a concepção de proteção aos seus
direitos é entendida no conceito de cidadão nacional porem, por mais que as normas
e leis migratórias de cada pais sejam cada vez mais rígidas, é impossível diminuir o
numero de pessoas que saem dos seus países de origem à procura de melhores
oportunidades. Não obstante, nada justifica qualquer tipo de desrespeito aos direitos
humanos destes indivíduos nem do poder públicos nem dos meios de comunicação.
21
FILHO, Clóvis de Barros. Ética na comunicação: Da informação ao receptor. São Paulo:
Moderna, 2001, p.118.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS