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TITULO: IDENTIDADE E CULTURAS NA FRONTEIRA NO CASO “O PERIGO

MORA AO LADO”
AUTOR: Luisa Fernanda Gomez1
ORIENTADORA: Profª Dra. Sônia Inês Vendrame2

RESUMO

Este artigo é feito em decorrência da pesquisa feita para o trabalho de conclusão de


curso que resultou em um estudo de caso do artigo “o perigo mora ao lado”
publicado no jornal primeira linha que serviu como referencial para discutir e
analisar, nos capítulos 3 e 4, os discurso da mídia na identidade e na diversidade
cultural da fronteira. Os métodos a saber neste trabalho foram: A pesquisa
exploratória-descritiva, pesquisa bibliográfica e entrevistas com pessoas envolvidas
no assunto discutido.

Palavras chave: cultura, identidade, fronteiras, estrangeiro, imigrantes.

INTRODUÇÃO:

No início do século 20, o estrangeiro era visto como propagador de


pensamentos sociais diferentes no Brasil. Na época, os brasileiros adotaram
costumes forasteiros que se debatiam junto com a suposta natureza dócil deles. Em
1907, surgiram acusações contra os imigrantes de perturbadores da ordem da
República. No mesmo ano, o senador Adolfo Gordo tomou algumas medidas
repressoras, como a deportação de militantes quando de origem imigrante.
Um dos maiores crimes contra estrangeiros, no Brasil, ocorreu em 5 de maio
de 1922, quando o presidente Arthur Bernardes criou um campo de concentração no
distrito de Clevelândia do Norte, no município de Oiapoque, localizado no extremo

1
Jornalista UDC. Pós graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal da
Integração Latino-Americana UNILA.
2
Dra. em Comunicação Semiótica e Signos da PUC/SP. Mestrado em Comunicação, Consumo e
Recepção pela ESPM/SP. Professora da UDC e coordenadora do Núcleo de Pesquisa.
norte do estado do Amapá, onde foram presos, principalmente, imigrantes, surgindo
assim um sentimento de xenofobia 3.
O Brasil vivencia atualmente uma forte contradição entre um discurso
dominante que busca auto-apresentar o país como sendo muito receptivo a
imigrantes, cujos mitos de origem se sustentam na miscigenação de diferentes
povos e culturas, frente a uma realidade contemporânea de crescimento da
discriminação, inclusive da xenofobia, contra estrangeiros.
Atualmente a xenofobia ocorre com maior incidência em países
desenvolvidos ricos, uma vez que os nativos não querem disputar vagas de
emprego com os imigrantes. É comum a xenofobia ser relacionada ao preconceito
de pessoas oriundas de outros países (especialmente dos países subdesenvolvidos
ou periféricos), ou de raças, culturas e costumes distintos do país que recebe os
imigrantes.
A presença de estrangeiros é fator comum em Foz do Iguaçu4, cidade que
integra uma tríplice fronteira, entre Brasil, Paraguai e Argentina. Onde
aproximadamente o 5% da população é proveniente de outro país5. A autora do livro
Foz do Iguaçu Intercultural, Nara Oliveira, explica a história territorial dos três países:

A fronteira entre Ciudad del Este, Foz do Iguaçu e Puerto Iguazú, foi
semeada e cultivada sobre as bases da história do território guarani, cuja
cartografia indígena estava representada pela presença milenar daquele
povo e por sua organização, política, cultural e religiosa. (OLIVEIRA, Nara,
2012, p.22).

Diante do quadro explicado pela autora, é possível afirmar que desde o

3
DICIONÁRIO AURÉLIO. Disponível em <http://www.dicionariodoaurelio.com/xenofobia>,
acesso em 30/03/2015. Xenofobia: 1 Aversão aos estrangeiros ou ao que vem do estrangeiro, ao que
é estranho ou menos comum.
4
De acordo com o resultado do censo do IBGE de 2010, em Foz do Iguaçu residem 256.088 habitantes.
Desses, 12.628 são estrangeiros de 84 nacionalidades diferentes, segundo dados da Polícia Federal.
5
De acordo com dados do relatório de desenvolvimento humano de 2009, realizado pelo
programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cerca de 195 milhões de pessoas
moram países diferentes aos do seu origem.
É possível que esta migração internacional possa ser motivada por diferentes fatores como: guerras,
perseguições políticas, étnicas ou culturais, estudos, trabalho, procura por melhores condições de
vida, desastres naturais e mudanças de clima.
Durante os últimos anos, o numero de migrantes internacionais vem aumentado fortalecendo a
discriminação ou xenofobia atribuída a aqueles indivíduos provenientes de outras países. Na maioria
das vezes estes discursos originam-se a através dos meios de comunicação que marcializam os
estrangeiros e manipulam a opinião publica.
início, a cidade já apresentava um cenário rico em culturas e alteridades. Panorama
que não mudou com o tempo, já que, hoje, Foz do Iguaçu é caracterizada por sua
diversidade cultural. Segundo Oliveira, a cidade “corresponde ao território eleito
pelos imigrantes para fazer a nova vida, a outra vida, a alteridade” (OLIVEIRA, 2012,
p.11).
Embora Foz do Iguaçu se apresente como uma cidade multicultural, alguns
meios de comunicação locais, que deveriam implantar ideias de acolhimento ao
estrangeiro, demonstram o contrário. Como foi o caso do jornal Primeira Linha em
Foz do Iguaçu que, no dia 29 de agosto de 2013, cedeu o espaço para a publicação
do artigo “O Perigo Mora ao lado” escrito pelo publicitário Péricles Vieira que fala
sobre os estudantes estrangeiros da Universidade Federal da Integração Latino-
Americana (UNILA) que moram em Foz do Iguaçu. No texto é possível verificar que
há um discurso de desigualdade e preconceito por parte do autor.

Jovens barbados, cabeludos, com roupas sujas repletas de símbolos


comunistas dividem espaço com livros e drogas. Parece cenário de um filme
decadente dos anos 1980. Mas é Foz do Iguaçu, hoje. É um dos locais que
abrigam estudantes da UNILA - Universidade Federal da Integração Latino-
Americana, criada com recursos do povo brasileiro em janeiro de 2010. A
ideia que se originou da megalomania de um ex-presidente pode reforçar a
má imagem de Foz do Iguaçu. Como toda ideia socialista, nasce num fundo
de verdade: integrar povos latinos que são separados até pelo idioma. Mas,
como toda ideia socialista, é desviada do foco original para se transformar
numa manobra para perpetuação de um grupo político no poder.
Estrangeiros que estudam na UNILA não precisam revalidar seus
conhecimentos. Basta uma simples comprovação do país de origem. Nem o
idioma português é respeitado. Pois só a metade dos alunos e professores
é do Brasil. Nossa cidade será inundada com os conceitos que lá
aprendem. Esses alunos farão título de eleitor para votar naqueles que lhes
retiraram dos piores rincões da América do Sul para a fronteira-maravilha.
Esse filme é conhecido. A maioria depois de formada buscará uma posição
no serviço público. E o brasileiro que pagou para instruir estrangeiros, que
ajudou a bancar casa, comida, estudo, passará a bancar uma horda de
párias do estado. Um paraguaio confessa que largou o emprego pois era
melhor receber a bolsa da UNILA. Pense nisso: um estrangeiro parou de
produzir e gerar riqueza para estudar e ser bancado pelo povo do Brasil!
Segundo a Organização das Nações Unidas - ONU, Foz do Iguaçu está
apenas em 526º lugar no índice que mede o desenvolvimento humano nos
municípios do país. E a UNILA não ajudará a melhorar esse quadro. A
Universidade não oferece cursos que representem as reais necessidades
da fronteira. Embora nenhum ensino mereça ser diminuído, é inegável que
os cursos ofertados não servem aos contribuintes que pagam pela obra de
Niemeyer. Alguém imagina que Saúde Coletiva é mais importante que
Medicina? Que ensinar Música é mais relevante que Administração? Ou
que Ciências da Natureza sejam mais valiosas que Turismo para nossa
região? Foz do Iguaçu merece muito mais. Mas o dinheiro arrecadado por
uma perversa carga tributária está indo para o ralo.
Se analisado, o texto destacado acima e comparado ao papel da
informação, é necessário destacar que mídia tem um papel fundamental no
processo de identificação de uma cultura, especialmente quando se considera que a
forma do discurso construído para transmitir uma determinada informação pode
influenciar na representação social (GUARESCHI, 2000 e 2007) e na construção da
identidade de determinados grupos sociais. Conforme explicado por Patrick
Charaudeau:

Comunicar, informar, tudo é escolha. Não somente escolha de conteúdos a


transmitir, não somente escolha das formas adequadas para estar de
acordo com as normas do bem falar e ter clareza, mas escolha de efeitos de
sentido para influenciar o outro, isto é, no fim das contas, escolha de
estratégias discursivas (CHARAUDEAU, 2007, p.39).

Com isso, é possível perceber que o discurso midiático obtém um contrato


entre enunciador e receptor, pois manipulam e são manipulados de acordo com o
que podem transmitir e o que o receptor tem interesse de saber. Dessa forma, é
possível identificar que a mídia tende a construir um discurso sobre a realidade e
não a realidade em si. Sendo assim, não se pode negar que os discursos produzidos
pela cultura midiática participam ou influenciam nos processos de constituição das
identidades6.
No nível individual, pode-se considerar que a mídia exerce expressiva
participação no constante processo de construção ou alteração da identidade de um
indivíduo. Essa construção é materializada nos meios de comunicação por constituir
uma das principais fontes de significados, foco de identificações e sistema de
representação da sociedade. De acordo com Stuart Hall, através do diálogo que se
estabelece diariamente com os receptores, e “aproveitando-se de suas disposições
cognitivo-compreensivas” (HALL, 2001), a mídia oferece ininterruptamente aos
agentes sociais uma variedade de identidades possíveis, de tal modo que as
identificações dos sujeitos vão sendo constantemente deslocadas.
Parte significativa do processo de construção da identidade é produzido

6
Para Charaudeau, existem alguns preceitos que embasam a construção dos sentidos na
mídia. São eles, “produção, produto e recepção”. O autor divide a produção em dois espaços:
“externo-externo” que se refere aos efeitos econômicos midiáticos, enquanto empresa e, “externo-
interno” que trata do discurso que será transmitido pelo canal de comunicação e o “efeito desejado”
por ele. O produto faz referência aos “efeitos possíveis” de acordo com a capacidade de interpretação
do receptor. As recepções são os efeitos supostos e produzidos a partir de uma mensagem.
socialmente (ou externamente ao indivíduo), sendo influenciado por discursos, que,
muitas vezes, são criados para transmitir valores e representações sociais nos
meios de comunicação. Estes trazem todo um conjunto de significados e discursos
que ajudam a formação da identidade e na identificação. “Não há, nos discursos da
mídia, apenas reprodução de modelos – ela também os reconstrói, reformata,
propõe novas identidades” (GREGOLIN, 2007, p.11). Neste sentido, Patrick
Charaudeau descreve como a mídia instala uma “imagem fragmentada” da
realidade.

A ideologia do “mostrar a qualquer preço”, do “tornar visível o invisível” e do


“selecionar o que é o mais surpreendente” (as notícias) faz com que se
construa uma imagem fragmentada do espaço publico, uma visão adequada
aos objetivos das mídias, mas bem afastada de um reflexo fiel [...] as mídias
não são mais do que um espelho deformante (CHARAUDEAU, 2013, p. 20).

Charaudeau explica que há dois tipos de receptores 7 . Se por um lado


existem os receptores com uma alta bagagem de informação, por outro lado estão
aqueles onde os níveis de ignorância são maiores e é de acordo com o tipo de
público que a informação é transmitida. O mesmo autor ainda explica que, “[...] o
público, a instância de consumo da informação midiática, que interpreta as
mensagens que lhe são dirigidas segundo suas próprias condições de interpretação“
(CHARAUDEAU, 2013, p.26).
Ao adjetivar os estudantes estrangeiros como “barbados, sujos, drogados” o
jornal cria sobre eles, aspectos diminutivos e que os denigrem perante a sociedade.
Se analisadas estas mesmas derivações no que se refere a informar, é possível
identificar que o texto apresenta rótulos completamente contrários ao que é
esperado para quem quer educar-se, inserir-se, estar no campo da educação.
Com isso, pode-se perceber que o discurso midiático obtém um contrato
entre enunciador e receptor, pois manipulam e são manipulados de acordo com o
que podem transmitir e o que o receptor tem interesse de saber. Dessa forma, é
possível identificar que a mídia nem sempre transmite a realidade ocorrida. Sendo

7
CHARAUDEAU, Patrick (2013). Discurso das mídias. 2ª Ed. São Paulo:
Editora Contexto. p.25.
assim, não se pode negar que os discursos produzidos pela cultura midiática
participam da constituição das identidades.
A cultura mediática exerce expressiva participação no constante processo
de alteração de identidade de um indivíduo. Essa que é materializada nos meios de
comunicação por constituir uma das principais fontes de significados, foco de
identificações e sistema de representação da sociedade.
De acordo com Stuart Hall, através do diálogo que se estabelece
diariamente com os receptores, e “aproveitando-se de suas disposições cognitivo-
compreensivas” (HALL, 2001), a mídia oferece ininterruptamente aos agentes
sociais uma variedade de identidades possíveis, de tal modo que as identificações
dos sujeitos vão sendo constantemente deslocadas.

1.1 IDENTIDADE

No dicionário, a palavra identidade é descrita como a circunstância de um


indivíduo ser aquele que diz ser ou aquele que o outro presume que ele seja8, isto é
o que os diferencia dos outros, o que ele é e como os outros o reconhecem.
Nas palavras do autor Manuel Castells, “identidade é o processo de
construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto
de atributos culturais inter-relacionados, os quais prevalecem sobre outras fontes de
significado”9 (CASTELLS, 2000, p.22). De acordo com ele, um indivíduo pode ter
identidades múltiplas. Complementando esta afirmação, o sociólogo polonês
Zygmunt Bauman, explica que:

A questão da identidade só surge com a exposição a “comunidades” da


segunda categoria – e apenas porque existe mais de uma ideia para evocar
e manter unida a “comunidade fundida por ideias” a que se é exposto em
nosso mundo de diversidades e policultural (BAUMAN, Zygmunt, 2005,
p.17).

8
DICIONÁRIO AURÉLIO. Disponível em <http://dicionariodoaurelio.com/jornal>, acesso em
13/04/2015. Identidade: Circunstância de um indivíduo ser aquele que diz ser ou aquele que outrem
presume que ele seja.
9
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. 2ª Edição. São Paulo: Paz e terra. 2000, p.22.
Já o autor Tomaz Tadeu da Silva define a palavra como aquilo que se é,
“sou brasileiro, sou negro, sou homem”10. A identidade assim é uma afirmação do
que sou, mas também do que não sou, isto é, a identidade depende da diferença.

A afirmação "sou brasileiro", na verdade, é parte de uma extensa cadeia de


"negações", de expressões negativas de identidade, de diferenças. Por trás
da afirmação "sou brasileiro" deve-se ler: "não sou argentino", "não sou
chinês", "não sou japonês" e assim por diante, numa cadeia, neste caso,
quase interminável. Admitamos: ficaria muito complicado pronunciar todas
essas frases negativas cada vez que eu quisesse fazer uma declaração
sobre minha identidade. A gramática nos permite a simplificação de
simplesmente dizer "sou brasileiro". Como ocorre em outros casos, a
gramática ajuda, mas também esconde (SILVA, Tomaz Tadeu, 2000, p 92).

O livro “Identidade cultural na pós-modernidade” o autor apresenta três


concepções diferentes de identidade11. O sujeito iluminismo está baseado numa
concepção do indivíduo totalmente centrado, permanecendo idêntico ao longo da
sua existência. O sujeito sociológico construiu a identidade entre o “eu” e a
sociedade, ou seja, o indivíduo ainda é centrado, mas este é modificado e moldado
às identidades do exterior “dos outros”. Stuart Hall argumenta que o indivíduo deixou
de ter uma única identidade e passou a ter uma identidade fragmentada, definindo
este sujeito como pós-moderno.

A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada


continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 1987, p.12).

Se considerado o dizer de Hall, comparando-o com o objeto deste artigo, em


Foz do Iguaçu as diferenças não são celebradas, ao contrário, servem de
afastamento. O primeiro fator que evidência este apontamento, está no outro, já
deslocado de seu território primeiro, isto é, da origem que ganhou corpo na
publicação do artigo em análise.
A matéria em debate refere-se à publicação feita pelo semanário, Primeira
Linha, onde o publicitário Péricles Vieira, autor do artigo, optou em “representar” o
outro, isto é, os alunos estrangeiros de uma universidade em Foz do Iguaçu. Hall

10
SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença. São Paulo: Editora Vozes. 2000, p.96.
11
HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. 2ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora.
2002, p.10.
fala que a identidade está em constante transformação, e o que antes era um “eu”
absoluto passou a ser um “eu” carregado de significados e valores adquiridos, a
partir do contato com o exterior, o desconhecido. Como explica Tomaz Tadeu a
continuação.

Essa concepção aceita que as identidades não são nunca unificadas; que
elas são, na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas;
que elas não são, nunca, singulares, mas multiplamente construídas ao
longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser
antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historização radical,
estando constantemente em processo de mudança e transformação (SILVA,
Tomaz Tadeu da, 2000, p.108).

No momento em que é levantado um discurso exclusivo sobre os alunos


estrangeiros que estudam em Foz do Iguaçu, a própria identidade do alvo é
fragmentada, interpondo uma nova ideia do que eles são perante a sociedade.
Enquanto em seu entorno habitual eles são reconhecidos como filhos, amigos,
estudantes, a matéria publicada no jornal apresenta-os com o rótulo de “o perigo
mora ao lado”.
O estereótipo é produzido através da identificação interpretada por Tomaz
Taradeu da Silva como um processo sem fim, que se constrói a partir das
transformações e experiências que os sujeitos passam ao longo da vida. Neste
caso, da representação das experiências vividas pelos “outros”, pelos estrangeiros.

Como todas as práticas de significação, ela está sujeita ao “jogo” da


différance. Ela obedece à logica do mais-que-um. E uma vez que, como
num processo, a identificação opera por meio da différance, ela envolve um
trabalho discursivo, o “fechamento de fronteiras”. Para consolidar o
processo, ela requer aquilo que é deixado de fora – o exterior que a
constitui (SILVA, Tadeu. 2004, p.106).

Ou seja, o sujeito que se sente pertencente a um determinado grupo busca


se reconhecer no outro a partir do estilo de vida. E é dentro deste estilo de vida que
a publicação feita no Primeira Linha, reconhece e discrimina o grupo de estudantes
estrangeiros que moram na cidade.
Tadeu também afirma que a identificação é motivada pelo compartilhamento
de um mesmo código. Como explica a seguir
Na linguagem do senso comum, a identificação é construída a partir do
reconhecimento de alguma origem comum, ou de características que são
partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo
ideal. É em cima desta função que ocorre o natural fechamento que forma a
base da solidariedade e da fidelidade do grupo em questão (SILVA, Tadeu,
2000, p.106).

Diante desta afirmação pode-se dizer que as diferentes etnias de Foz do


Iguaçu juntaram-se não pela origem comum, mas por necessidades diversas como,
problemas políticos, comércio, proximidade de fronteiras, educação dos filhos e
exploração econômica.
Justamente por terem sido agregadas em um mesmo espaço, porém, de
países diferentes, muitas famílias de etnias distintas estão reunidas nos bairros da
cidade. A tentativa é manter viva a própria cultura. Entretanto, a comunidade de
estudantes estrangeiros une-se para dividir um mesmo espaço e estabelecer novas
identidades por meio das diferenças culturais que os caracterizam.
O autor Homi Bhabha define este espaço como “entre-lugares” e argumenta
que esta união “fortalece o terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação
– singular coletiva – dando início a novos signos de identidades”.12
De acordo com o raciocínio do Hall, os estudantes estrangeiros também
fazem de Foz do Iguaçu origem comum para estudar, porém a comunidade os
afasta. Não pela origem que seria a educação, mas pelo aspecto visual.
No momento em que a publicação debatida neste trabalho diz “Jovens
barbados, cabeludos, com roupas sujas”13 utiliza este visual não para seduzir, não
para atrair, mas para rejeitar. O visual diferente dos estudantes estrangeiros pode se
descrito como uma busca da identidade na própria diferença e, neste caso, é
revelado pelo que Homi Bhabha descreve como o “sujeito híbrido” e,
consequentemente, a cultura híbrida.
Segundo Bhabha “cada vez mais, as culturas ‘nacionais’ vem sendo
14
produzidas a partir da perspectiva de minorias destituídas” , ou seja, nós não
somos mais os mesmos.

12
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998, p.20.
13
O perigo que mora ao lado. Disponível em <empresariall.blogspot.com.br/2013/09/unila-o-
perigo-mora-ao-lado.html>, acesso em 22/06/2015. Texto publicado pelo jornal Primeira Linha.
14
Idem, p.25.
Homi Bhabha propõe que o momento atual é um “momento de trânsito em
que espaço e tempo se cruzam para produzir figuras complexas de diferença e
identidade, passado e presente, interior e exterior, inclusão e exclusão 15”. Neste
caso o artigo em questão aproveitou-se desta diferença para, ao invés de incluir,
excluir esta comunidade.
do Iguaçu é uma cidade rica em identidades 16 apoiadas nas diferenças
culturais. Onde cada nacionalidade carrega sua identidade própria, ajudando, assim,
a construir a identidade de outras culturas. De acordo com Stuart Hall, a identidade
nacional se constrói a partir da identidade cultural17 que, definida pelo autor, é um
conjunto de relações sociais, ou seja, o indivíduo dentro da sociedade.
Para o autor, a identidade nacional não pode ser entendida como algo
permanente, mas sim como algo em construção. “As identidades nacionais não são
coisas com as quais nos nascemos, mas são formadas e transformadas no interior
da representação”18. A autora Nara Oliveira (2012, p.103) define a identidade como
“caminhos labirínticos, difíceis de traçar” e explica a identidade nacional como:

A identidade social nacional busca destacar elementos universais,


transpondo o singular, e a identidade pessoal, acentuar particularidades
pretendendo ultrapassar o plural e global; a identidade cultural procura
estampar e nomear as nuances e gradações das variantes locais, dos
tantos grupos interiorizados nos bairros, cidades e estados nacionais
(OLIVEIRA, 2012, p.102).

Se analisado o dito pela autora e comparado à identidade cultural dos


estudantes estrangeiros da UNILA, é possível entender que mesmo sendo eles de
nacionalidades diferentes, aqui em Foz do Iguaçu eles representam são, também,
representantes de um mesmo grupo, “imigrantes que moram em Foz”, criando uma
nova identidade social.

15
Idem, p.19.
16
Foz do Iguaçu, cidade pertencente a uma tríplice fronteira é composta hoje, segundo a
Polícia Federal, por moradores de 81 etnias. Fator que faz entender o motivo para que dos quase 257
mil habitantes (256.088), cerca de 11 mil (10.907) sejam estrangeiros.

17
HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. 2ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora.
2002. p.47.
18
Idem, p. 48.
De acordo com Manuel Castells, existem três formas de construir a
identidade 19 . A primeira é a identidade legitimadora, ela é embasada pelas
instituições dominantes da sociedade, ou seja, a partir do nacionalismo. A segunda é
a identidade de resistência, formada a partir de princípios diferentes aos indicados
pelo sistema ou pela sociedade. A terceira é a identidade de projeto, quando os
autores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural, constroem uma
nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade.
No caso da analise deste artigo, a construção da identidade do objeto pode
ser comparada à de identidade em construção, já que estes indivíduos adotaram, na
sua aparência, vestimentas e simbologias diferentes das culturas nativas, quer dizer,
àquela em que cada aluno foi criado. Apesar de cada um ter uma identidade
nacional diferente, eles juntam-se no senso comum na construção de uma nova
expressão cultural. Como explica Manuel Castells.

Identidades que começam como resistência podem acabar resultando em


projetos, ou mesmo tornarem-se dominantes nas instituições da sociedade,
transformando-se assim em identidades legitimadoras para racionalizar sua
dominação. [...] É provável que seja esse o tipo mais importante de
construção de identidade em nossa sociedade. Ele dá origem a formas de
resistência coletiva diante de uma opressão que, do contrario, não seria
suportável, em geral com base em identidades que, aparentemente, foram
definidas com clareza pela história (CASTELLS, Manuel 1942, p.25).

1.2 IDENTIDADE X MÍDIA

Diante do quadro descrito acima, é possível dizer que o processo de


construção da identidade é produzido do exterior através de discursos, os quais,
muitas vezes, são criados a partir da mídia. É correto afirmar que a mídia não tem
ligação no processo de identificação de um indivíduo ou grupo. Esta traz todo um
conjunto de significados e discursos que ajudam a formação da identidade e na
identificação. “Não há, nos discursos da mídia, apenas reprodução de modelos – ela
também os reconstrói, reformata, propõe novas identidades” (GREGOLIN, 2007,
p.11). Patrick Charaudeau descreve como a mídia instala uma “imagem
fragmentada” da realidade.

19
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. 2ª Ed. São Paulo. Paz e terra. 2000, p.24.
19
HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. 2ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A E
A ideologia do “mostrar a qualquer preço”, do “tornar visível o invisível” e do
“selecionar o que é o mais surpreendente” (as notícias) faz com que se
construa uma imagem fragmentada do espaço publico, uma visão adequada
aos objetivos das mídias, mas bem afastada de um reflexo fiel [...] as mídias
não são mais do que um espelho deformante (CHARAUDEAU, 2013, p.20).

Quando se compara o dizer de Charaudeau ao artigo analisado neste


trabalho, pode-se dizer que o texto publicado pelo semanário, Primeira Linha, fez
uma construção fragmentada da identidade dos alunos da Universidade.
O autor do texto construiu uma imagem dos universitários que não é
compatível com a real identidade dos mesmos, mas, sim, uma representação
baseada nas observações e opiniões pessoais dele. O perigo dessas identidades
construídas pela mídia é justamente o de expressarem uma realidade não
verdadeira, mas que é entendida como verdade absoluta por algumas camadas
sociais.
Charaudeau explica que há dois tipos de receptores 20 . Se por um lado
existem os receptores com uma alta bagagem de informação, por outro lado estão
aqueles onde os níveis de ignorância são maiores e é de acordo com o tipo de
público que a informação é transmitida.
O mesmo autor ainda explica que, “[...] o público, a instância de consumo da
informação midiática, que interpreta as mensagens que lhe são dirigidas segundo
suas próprias condições de interpretação“ (CHARADEAU, 2013, p.26).
O conteúdo do artigo do Primeira Linha está carregado de sentidos que são
capazes de gerar identificação por parte de certos públicos, especialmente os que
não têm contato direto com os estrangeiros, já que a falta de conhecimento dessas
culturas diferentes abre um espaço que, neste caso, é preenchido com a informação
repassada pelo jornal e, assim, o discurso incluído no texto origina a identificação de
uma realidade diferente da verdadeira.
Desta forma, a identidade fragmentada dos estudantes é reproduzida
diversas vezes, gradualmente fazendo com que a visão equivocada do autor seja
aceita por determinadas partes da sociedade, as quais não possuem informações
necessárias para fazer um julgamento justo.
Segundo Charaudeau, “palavras usadas em situações recorrentes pelos

20
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. 2ª Ed. São Paulo: Editora Contexto. 2013, p.25.
mesmos tipos de locutores acabam por tornar-se portadoras de determinados
valores“ (2013, p.48).
A mídia é uma das responsáveis por transmitir esses significados em larga
escala. Os veículos de comunicação têm uma grande abrangência, assim, o que é
divulgado em telejornais, impressos e programas de rádio é lido por pessoas de
vários locais e de todas as classes sociais, idades e níveis de instrução.
Fábio Martins de Andrade (2007, p.47) expõe que os meios de comunicação
“deixaram de informar para formar opinião”, ou seja, deixou de transmitir
informações para definir o que quer que seja repassado adiante. É indiscutível que
os meios de comunicação divulgam os fatos conforme percepções próprias,
selecionando apenas o que convém que o público fique sabendo.
Os meios de comunicação, então, contribuem para a formação de sentidos
em relação ao mundo e aos indivíduos habitantes dele. No caso do artigo do jornal
Primeira Linha, não houve consciência para com o outro.
Esta unilateralidade atrapalha o processo de informar, prejudicando a
imagem dos estudantes estrangeiros. Como explica Bhabha.

O outro é citado, mencionado, emoldurado, iluminado, encaixado na


estratégia de imagem/contra-imagem de um esclarecimento serial. A
narrativa política cultural da diferença torna-se o circulo fechado da
interpretação. O outro perde seu poder de significar, de negar, de iniciar seu
desejo histórico, de estabelecer seu próprio discurso institucional e
posicional (BHABHA, Homi, 1998, p.59).

Raphael Boldt (2013, p.67) explica que a intervenção do jornalista na


reconstrução da realidade ocorre já na definição da "pauta" do que deverá ser
noticiado, momento em que se descartam informações cuja importância foi reduzida.
O trágico desta seleção está exatamente na modificação dos critérios pertinentes à
relevância dos fatos, substituída pelo mero interesse do público.
James W. Carey (1998, p.23), define a comunicação “como um processo
simbólico através do qual a realidade é produzida, mantida, modificada e
transformada”. Diante da colocação de Carey, ao atingir um público que desconhece
a origem e cultura dos alunos estrangeiros, o texto escrito por Péricles Vieira,
durante o processo de comunicação, pode produzir e criar novas realidades sobre
estes imigrantes.
No livro Showrnalismo, o autor, José Arbex Jr afirma que os jornalistas
“tendem a puxar brasa para o seu próprio país” (2002, p.122). Ele explica que,
quando se constrói uma reportagem baseada no patriotismo, o racismo e o
preconceito acompanham o conteúdo, “mesmo dissimulados por uma retórica
“humanística” e assistencialista”, determinam a forma em que a reportagem é feita.

No mundo contemporâneo, a perspectiva racista e preconceituosa não é


“acidental”, nem é apenas o resultado de uma “tradição” construída por
milênios de história, em que o estrangeiro sempre funcionou como uma
espécie de imagem negativa de determinada comunidade (eu sou tudo o
que ele não é). Ao contrário, é uma perspectiva exacerbada pelos Estados,
como componente fundamental à elaboração de um mecanismo criador de
identidade e exclusões (ARBEX, 2002, p.123).

De acordo com Patrick Charaudeau (2013, p.73) a informação passa por um


processo antes dela ser publicada, ele afirma que em um jornal, por exemplo,
existem diferentes tipos de “autores” que participam da construção da matéria
jornalística. Segundo ele isto dificulta, mesmo com a assinatura do jornalista, a
busca pelo responsável da informação, pois todos os diferentes autores influenciam
no conteúdo publicado.
Embora existam diferentes autores no processo da comunicação, para o
autor o papel do jornalista é um dos mais importantes e deve ter alguns cuidados no
momento de converter a realidade em informação, como explica a seguir.

O jornalista tem por função transmitir informação. Mas essa informação se


compõe de um conjunto de acontecimentos ou de saberes que
aparentemente preexistem ao ato de transmissão, o que faz com que o
jornalista se encontre numa posição que consiste em coletar os
acontecimentos e os saberes, e não em criá-los, antes de tratá-los e
transmiti-los. Pode-se, assim, determinar os dois papéis fundamentais que o
jornalista deve desemprenhar: o de pesquisador-fornecedor da informação e
o de descritor-comentador da informação (CHARAUDEAU, 2013, p.74).

De acordo com isto, pode-se afirmar que um dos principais papéis do


comunicador é pesquisar e coletar as informações necessárias para realizar
qualquer tipo de ato comunicativo, como, por exemplo, a construção de matérias
jornalísticas. Neste caso, se comparado o dizer do Charaudeau com o artigo
analisado neste trabalho, pode-se afirmar que o Péricles Vieira demonstra
desconhecimento do tema que ele apresenta no seu artigo.
De acordo com o autor Clóvis de Barros filho, o jornalismo “constrói imagens
construtoras do mundo”21. Para o autor, dentro da atividade do jornalista é exigido o
“bom exercício profissional” já que, segundo ele, a informação oferecida ao público,
sobre o estrangeiro, pode influenciar na interpretação do receptor sobre o tema
exposto e explica que:

Comentários excessivamente sensacionalistas, chauvinistas ou


parcialmente marcados por preferências ideológicas expostas
apaixonadamente não só têm defeitos técnicos, que incidem sobre a
qualidade profissional da informação, como contribuem para difundir
posturas distorcidas, maniqueístas e agressivas (BARROS FILHO, Clóvis,
2001, p.119).

De acordo com o dito pelo autor, é possível verificar que o artigo Primeira
Linha está cheio de preferências ideológicas expostas apaixonadamente, pode-se
afirmar, também, que o texto carece de pesquisa já que muitos fragmentos do
mesmo foram confrontados com a realidade e informações verídicas neste artigo.
Ao se falar em estrangeiro ou migrantes, a concepção de proteção aos seus
direitos é entendida no conceito de cidadão nacional porem, por mais que as normas
e leis migratórias de cada pais sejam cada vez mais rígidas, é impossível diminuir o
numero de pessoas que saem dos seus países de origem à procura de melhores
oportunidades. Não obstante, nada justifica qualquer tipo de desrespeito aos direitos
humanos destes indivíduos nem do poder públicos nem dos meios de comunicação.

21
FILHO, Clóvis de Barros. Ética na comunicação: Da informação ao receptor. São Paulo:
Moderna, 2001, p.118.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Anagrama, S.A, 1991.

BAUMAN, Zygmunt. IDENTIDADE: ENTREVISTA A BENEDETTO VECCHI.


Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.

CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. 2ª Edição. São Paulo. Paz e


terra, 2000.

CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2012.

DICIONARIO AURÉLIO. Disponível em <http://www.dicionariodoaurelio.com>,


acesso em 30/03/2015.

FILHO, Ciro Marcondes. O capital da notícia: Jornalismo como produção


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GREGOLIN, Maria do Rosário. Análise do Discurso e mídia: a reprodução


das identidades. Revista Comunicação, Mídia e Consumo, vol.4, n.11. São Paulo,
2007.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 7ª ed. Rio de


Janeiro: DP&A, 2002.

OLIVEIRA, Nara. Foz do Iguaçu Intercultural. Foz do Iguaçu: Epígrafe,


2012.

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