You are on page 1of 10

UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS ARAGUAIA-TOCANTINS (FACSAT)

DISCIPLINA ETNOLOGIA INDÍGENA

FABIANO CAMPELO BECHELANY

ROBERTA CRUZ CORREIA

INTEGRAÇÃO DOS INDÍGENA NA CIDADE

Marabá, PA

2018
Para contribuir com a migração para as cidades, o antigo SPI ideologicamente visava inserir os
indígenas ao máximo nas cidades. Segundo dados do IBGE e a pesquisa de dois doutores em Educação,
mostrou-se um certo crescimento de indígenas vivendo na cidade.

Figura 1. Tabela elaborada por Nascimento (2015) e Vieira (2015), feita com dados do IBGE de 1991 à
2010.

“O Censo de 2000 mostrou um crescimento expressivo do número de índios, tanto em áreas


indígenas quanto em áreas urbanas. A população aumentou de 294 mil para 734.127 índios, o que foi
uma surpresa para muitos, inclusive os antropólogos [...] Além do crescimento quantitativo dos dados
numéricos sobre os povos indígenas, o Censo de 2000 apresentou outra surpresa: uma quantidade
maior de índios em áreas urbanas (52,2%). A população indígena em contexto urbano saltou de 71 mil
para 383.298, o que revela uma população superior à daqueles que moram em áreas indígenas. Essa
nova geografia dos povos indígenas apontou que, dos 20 municípios com maior número de índios na
cidade, 10 são capitais.”

Em 2006, na primeira conferência nacional dos povos indígenas, mesmo com declarações de
questões de indígenas na cidade, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) não está atendendo a essa
demanda, e está simplesmente negligenciando essas pessoas por estarem no contexto urbano,
segundo o doutor em antropologia Marcos Albuquerque, “o governo federal, através de seus órgãos
de assistência, estruturou a política indigenista a partir de uma visão rural, ou seja, os índios têm
demorar na aldeia. Reproduz a ideia de índio e mato, longe das cidades e longe da civilização.”

Logo, sem políticas públicas voltadas para esses indígenas, eles precisam se reestruturar
dentro do padrão cultural da nossa sociedade. Segundo o antropólogo, Ribeiro (1977), existem graus
de interação entre as populações indígenas e os não indígenas, entre eles estão os indígenas isolados,
em contato eminente, contato permanente e os integrados. Pude perceber a existência de várias
palavras para explicar os indígenas que vivem na cidade, de “aculturados” à “desaldeados”, e
integrados é sem dúvida a melhor, e para explicar isso, o antropólogo diz:

“Estão incluídos nesta classe aqueles grupos que, tendo experimentado todas as compulsões
referidas, conseguiram sobreviver, chegando a nossos dias ilhados em meio à população nacional, a
cuja vida econômica se vão incorporando como reserva de mão de obra ou como produtores
especializados em certos artigos para o comércio. Em geral vivem confinados em parcelas de seus
antigos territórios, ou, despojados de suas terras, perambulam de um lugar a outro. Alguns desses
grupos perderam sua língua original e, aparentemente, nada os distingue da população rural com
quem convivem. Igualmente mestiçado, vestindo a mesma roupa, comendo os mesmos alimentados,
poderiam ser confundidos com seus vizinhos neobrasileiros, se eles próprios não estivessem certos de
que constituem um povo à parte, não guardassem uma espécie de lealdade a essa identidade étnica
e se não fossem definidos, vistos e discriminados como “índios” pela população circuntante.”

Devido à expansão do extrativismo de recursos naturais e de frentes pastoral e agrícola, está


acelerando o processo de integração do indígena na sociedade, onde 60% de extinção dos grupos se
dá pela frente agrícola, 45,7% é pelo extrativismo e 30,2% pela criação de gado. E os principais fatores
que causam uma transfiguração étnica são as compulsões ecológicas, compulsões bióticas, coerções
tecnológico-culturais, coerções socioeconômicas e coerções ideológicas e as principais previsões do
que se pode acontecer devido a isso são:

1) Redução progressiva da população indígena.

2) As línguas indígenas, vai continuar sendo falada, menos se o grupo se dispersar ou se juntar
com outras tribos.

3) Mesmo se um grupo viver isolado, a tendência é descaracterizar devido o crescimento da


sociedade nacional e do desenvolvimento.

Porém, falar só sobre isso é esquecer que a cultura apresenta um aspecto sincrônico, ou seja,
ela muda com o tempo, e a medida que um indivíduo vai convivendo com outros indivíduos, vai
gerando processo de relação entre eles, e o que mais importa é a compreensão desse processo. Para
tradições britânicas, o estudo desse processo se dá pelo que eles chamam de “Estudos de mudanças
sociais”, para os americanos se chama “Estudo de aculturação” e pesquisas mais recentes mostram
uma terceira formulação, na qual chamam de “estudos de situação”, logo, o contato se dá através
“estímulos às alterações na ordem social”.

Segundo Oliveira (1962) , “o objetivo da antropologia, afinal de contas, não é apenas descrever
as culturas indígenas como se encontram no momento, mas o de tentar alcançar a dinâmica e o
funcionamento de transmissão e de mudança social.” Até porque cada cultura e diferente, para alguns
indígenas da Amazônia, a civilização é condição de seringueiro ou de remador, mas para outras
culturas, civilização é ir pra faculdade, ter um emprego na cidade ou até mesmo ser vaqueiro nas
grandes fazendas.

Se pararmos para refletir sobre o ethos tribal do indígena, estaremos pensando em uma
ideologia cultural, a de que índio não pode viver em civilização e de que é um selvagem, para Baines
(2001) “A ideia de “índios urbanos” parece, a esse imaginário, como uma contradição em termos. O
selvagem fora da selva, (quase) camuflado entre prédios, é pensado como um indivíduo deslocado,
fora de seu próprio mundo, em contradição com a essência de seu ser. Um dos problemas envolvidos
aqui – um dos aspectos, portanto, com os quais a antropologia, nessas circunstâncias, tem que lidar –
é uma certa teoria da mudança cultural, que toma a transformação com um processo de tornar-se
diferente de si próprio e, como consequência, igual a outrem, deixando, assim, de ser quem se é.”

Para concluir meus pensamentos, procurei conhecer alguns “indígenas


desaldeados"(ironicamente falando) e através da minha irmã, pude ficar sabendo da Dona Concita e
a sua família, foi difícil achar a casa dela, mas consegui. Ao chegar, ela ainda meio desentendida,
perguntou-me por quem estava procurando, respondi que pelo Thyago – filho dela e amigo da minha
irmã-, ela chamou ele, me chamou para entrar, e depois ofereceu-me água. Aproveitei a intromissão
para me apresentar como estudante de ciências sociais, querendo saber mais sobre a história dela,
para a escrita de um trabalho final da disciplina de etnologia indígena, e se ela aceitava falar um pouco
sobre ela.

Ela aceitou e começou falando:

“Eu sou Consuelo, sou indígena da etnia Xerente, do estado do Tocantins, moro em Marabá
devido a migração do meu pai, ele veio para cá, migrou em vários estados, porque na época em que
ele ainda era novo, existia muito entre isso, entre as tribos, entre os indígenas, migrar para outros
estados, outras aldeias, e assim que papai veio para aqui mesmo, na cidade de Marabá no estado do
Pará.

Eu sou bacharel em Direito, eu trabalho atualmente na Secretária de Saúde, sou concursada


e trabalho com carteira assinada, e tem uma coordenação. O Thyago é meu filho mais velho, eu tenho
dois filhos, um tá com 3 e ele tá com 13, ele é de um relacionamento não indígena com indígena, ou
seja, o pai dele não é indígena.

Aqui na cidade, há esse consentimento, não tem problema nenhum uma pessoa casar com
um não indígena, mas dentro da aldeia já é um problema, seja ela qual for, em qual cidade for, sempre
vai ser uma questão que eles terminam que sempre... Tem discursões, entre a comunidade, entre a
liderança, sempre tem, mas aqui na cidade até então não tem, a gente vive normal, na cultura daqui,
é claro.”

“Não falamos na língua, não falamos na língua indígena, porque já fomos criados bem na
cultura mesmo daqui - não indígena-, e a cultura não indígena, a demanda é uma certa correria, tipo
o Thyago ele tem que ir pra escola, ele tem que se dedicar as provas, tem que se dedicar a isso, tem
que se dedicar aquilo, fora da escola tem outras atividades.

Termina que pra gente, no caso para o Heythor –que é o mais novo, que ta com 3 anos-, pra
ele entrar, pra aprender a língua, pra aprender a cultura, a gente teria que tá inserido dentro de uma
aldeia, que no caso ficaria difícil, tipo, se eu quisesse colocar o Heythor pra falar a minha língua, a
língua indígena, ele teria que ter no mínimo alguém aqui por perto, algum professor, aqui na aldeia a
gente fala “liderança”, mas vamos supor comparado aqui, teria que ter um professor a qual ensinaria
ele, a qual vamos supor ensinaria as outras crianças, lá no tempo deles, no modo deles é claro, e aqui
nós não temos.

Então termina-se que ele vai seguir o curso da nossa cultura normal, cultura normal que eu
falo assim, que eu já estou inserida na cultura não indígena, então ele vai seguir esse curso, assim
como o Thyago tá seguindo esse curso, acaba que não sabe falar a língua indígena. Hoje eu já estudo
meio, eu como mãe, já estudo meio de levar o Thyago, passar nem que seja 2 meses, porque a língua
indígena não é difícil, não sei quanto ao não indígena, se ele for pra uma aldeia, se ele vai achar difícil
aprender uma língua, mas até onde já vi, não é difícil.

Eu quando criança, com nova, dez anos de idade, eu fui levada para outras aldeias e achei
super fácil, eu não sei falar uma língua completa, com todo o dicionário, com todo o vocabulário, não
sei, mas a gente sabe falar algumas coisas, e a partir do momento que a gente vai pra outras aldeias
visitar, termina que a gente aprende outras palavras, totalmente diferente, cada um com seus sons,
que são diferentes, mas não é difícil.

Então hoje meu pensamento com o Thyago, seria passar uns dois meses em uma aldeia, eu
acredito que dois meses, um mês eu acho que não dá pra ele aprender, mas dois meses daria, então
eu acho que um trabalho pra ele aprender a língua seria dois meses, e pra isso iria prejudicar na escola,
então é esse o meu medo, não sei se coloco ele pra aprender agora antes do ensino médio, da algum
problema no ensino fundamental agora que ele tá fechando, é uma coisa ou outra, eu por exemplo,
pra mim tá bom, porque eu já terminei meu ensino superior, então a qualquer momento ir pra dentro
de uma aldeia e aprender a minha língua, ou seja, nunca vai ser tarde pra nós aprender a nossa cultura
e nunca ela ta morta, sempre ela ta viva ou seja todo ano sempre vai nascendo mais um que se
identifica com a pintura, em fazer pintura, em fazer artesanato, em ser mestre na língua indígena,
então sempre a gente vai ter esse pessoal.

Quanto a língua é isso, agora quanto a comida não, quando eu quero comer alguma coisa eu
vou lá na aldeia como uma comida diferente, ou eles trazem alguma coisa, ou seja, quanto a pintura,
comida e artesanato a gente tá sempre envolvido, só não a língua, que ela é realmente como o
português, eu tenho que sentar, e eu tenho que estudar, estudar mesmo, e ficar com ela.”

“Quanto a descriminação, por nós não andarmos tão caracterizados, eu acredito que a gente
não sofra tanto, acredito que o Thyago não sofra tanto, pela mistura , indígena com não indígena,
termina que não fica tão puro, tão isto, mas é claro que todos que chegam pra Thyago falam desde
pequenininho “ah, você é japonês”, “Ah, você é isso”, ou seja, eles sempre eles assemelham, e ele
sempre diz “Não, eu sou índio”, então não tem tanta dificuldade quanto a descriminação, eu também
por mais que eu não tenha uma característica forte indígena, mas meu pai e minha mãe todos os dois
são indígenas, eu sou filha de pai e mãe.

Muitas vezes dentro do serviço público, a qual eu trabalho, muitas pessoas me vê palestrando,
me vê em um cargo alto, ai “égua, você é indígena? Não, não acredito não, será?”, tipo assim, ficam
duvidando, não pela minha capacidade, mas eu acho que eles colocam o indígena como alguém que
não consiga, não consiga um cargo público, não consiga uma formação.

Hoje em dia nós estamos essa discussão sobre as cotas, mas eu me vejo que mesmo se não
tivesse as cotas eu conseguiria normal, porque não há nenhuma diferença, a diferença tá na garra, na
persistência, porque nós já nascemos, o ser humano já nasceu de algo competitivo, da corrida, precisa
nem desenhar, da corrida do ser vivo mesmo, pra nascer, pra ser formar.”

Ao conversar com o pai de Concita, José Carlos Sompré, o mesmo se identifica como indígena
Xerente.

“Eu sou índio Xerente, do Estado do Goiás, do sul do Tocantins”, perguntei-lhe se estava aqui
a muito tempo e ele respondeu “Já, já tô aqui a muitos anos, tô com muitos anos que tô aqui.”

Conversei também com a mãe de Concita, dona Guaximara Sebastiana Sompré, ela me
mostrou os seus artesanatos, ela faz alguns e também revende de outras etnias, o que mostra uma
bela conexão entre diversas línguas e povos diferentes, como os Guarani, Gaviões e Xerente.
Figura 1. Artesanato Indígena, pulseiras, brincos, grampos para cabelo, tiaras, enfeite com
castanhas.

Figura 2. Dona Guaximara Sompré, mãe de Concita me mostrando os diversos tipos de brincos
que revende de outras aldeias.
Figura 3. Cordão que ela fez, com uma pequena Cabaça (Lagenaria siceraria), miçangas e
penas.
Figura 4. Cordão com sementes de Jarina (Phytelephas aequatorialis) com sementes de Açaí
(Euterpe oleracea) e Bacaba (Oenocarpus bacaba), dona ** disse que é uma semente que tem no
Amazonas, que chamam de Marfim da Amazônia.

Figura 5. Cordão com sementes e madeira de Tucumã (Astrocaryum aculeatum).


Pedi para conhecer a casa porque vi muitos artefatos na parede, fiquei curiosa e
perguntei a etnia.

Figura 6. Do lado direito tem duas cabaças para carregar água e do lado esquerdo um
chocalho utilizado em danças pelas mulheres, feito pelo povo Gavião.

Figura 7. Bolsas de palha de babaçu (Attalea speciosa) feita pela etnia Xerente.
Figura 8. Dona Guaximara segurando um cocar feito por ela.

Fonte: Roberta Correia.

Referencias:

VIEIRA. Carlos Magno Naglis; NASCIMENTO, Adir Casaro. O ÍNDIO E O ESPAÇO URBANO: BREVES
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEXTO INDÍGENA NA CIDADE. Cordis. História: Cidade, Esporte e Lazer,
São Paulo, n. 14, p. 118-136, jan./jun. 2015. ISSN 2176-4174.

ALBUQUERQUE, Marcos Alexandre dos Santos. O regime imagético Pankararu: tradução intercultural
na cidade de São Paulo. 2011. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2011.

BAINES, Stephen. Grant. As chamadas “aldeias urbanas” ou índios na cidade. Brasil Indígena, Fundação
Nacional do Índio, v. 7, p. 15-17, 01 dez. 2001.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Estudo de áreas de fricção interétnica no Brasil. América Latina. 1962.

NUNES, Eduardo Soares. ALDEIAS URBANAS OU CIDADES INDÍGENAS? REFLEXÕES SOBRE ÍNDIOS E
CIDADES. Bacharel em Ciências Sociais com Habilitação em Antropologia pela Universidade de Brasília.
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - DAN/UnB. E-mail:
eduardo.s.nunes@hotmail.com .

RIBEIRO, D. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno.


Petrópolis, Vozes, 1977.

You might also like