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Resposta Felipe

Os filmes sempre me fascinaram e desde criança perturbava meus pais para vê-los
nas salas de cinema! Tenho profundo interesse pelas suas técnicas, sua construção,
suas provocações, que não são poucas, e mais ainda pela sua função sociocultural e
sociopolítica. Frequentei durante 6 meses o curso “Cinema, Psiquiatria e
Psicanálise”, ministrado pelo Dr. Flávio Soares, psiquiatra do HEPR, em que são
analisadas as escolas de cinema, a trajetória dos diretores e protagonistas,
correlacionando psicopatologias possíveis e seus teóricos, quando apresentadas na
tela. Estou longe de ser crítico de cinema, mas por meio do Laboratório, espero
elaborar opiniões sólidas e coerentes sobre essa arte, seu sujeito e objeto, para que
onde esteja possa propagar, seja em rodas de conversas com amigos até importantes
eventos como a Mostra Sururu.
Resposta Camila
Tenho muito apreço pela Na infância ainda, meus pais sempre me estimularam ao me
levar para casa,

Análise
Particularmente, penso que Tropa de Elite merece atenção, no que concerne à forma e ao
fenômeno social. Ganhador do Urso de Ouro no Festival de Berlim em 2008, a obra tem
uma qualidade técnica apreciável, contribuindo para o lançamento internacional do
diretor José Padilha e perpetuando o nome de Wagner Moura como um dos mais
populares astros do cinema nacional. O filme fomentou debates intensos na sociedade
brasileira acerca de temas como drogas, abuso de autoridade policial e corrupção. À época
ficou muito evidente o fascínio que Tropa de Elite despertou sobre os brasileiros e, para
que se entenda esse processo, faz-se necessária a compreensão acerca da personagem
principal, Capitão Nascimento, um policial que aplica violência brutal sobre as pessoas
que ele abordava durante seu trabalho ou mesmo seus colegas de corporação. Um
exemplo claro é a cena em que dá vários tapas em um policial de menor patente, enquanto
proferes gritos de “Pede pra sair! Pede pra sair!”, até quando o policial finalmente o
obedece. Seu temperamento irascível, suas ações explosivas e frases de efeito
propagaram-se no imaginário dos espectadores.
A questão que se procura responder é: como um policial de atitudes abusivas tornou-se
um fenômeno popular, adquirindo o status de herói nacional? Uma possível resposta é a
representação máxima da masculinidade viril, em associação à violência, machismo e
autoritarismo. Estes atributos são facilmente verificáveis na cena em que berra uma ordem
com o dedo em riste para a esposa, ‘[...] e você não vai mais abrir a boca para falar do
meu batalhão nessa casa!! Você tá entendendo? Apesar de ser reacionário, como todo
ser humano, tem seus medos, suas crises, e uma sensibilidade mesmo que discreta, bem
evidenciada na cena em que observa seu filho recém-nascido no berço. O que mais é
ressaltado pelo diretor, entretanto, é o seu perfil de defensor da moral, da família e da
pátria, seu ódio aos usuários de drogas, aos homossexuais e à prática de aborto. É notório,
durante todo o filme que, para o Capitão Nascimento, bandido bom é bandido morto e a
consciência social é inútil. Diante disso, são ressaltadas várias representações
tradicionalmente alinhadas com a ideologia da extrema direita nacional, o que se soma ao
quadro simbólico do BOPE, cuja origem no ano de 1978, como força de operações
especiais da polícia militar, remonta ao passado sombrio da ditadura civil-militar, que se
reflete, até os dias atuais, nos gritos de guerra, como no exemplo retratado no filme, “O
BOPE tem guerreiros que matam guerrilheiros, o BOPE tem guerreiros que acreditam
no Brasil!!”. Nesse sentido, observa-se, pela óptica do protagonista, uma desastrosa e
simplória interpretação da realidade e do problema do tráfico de drogas, na qual os
traficantes são a personificação do mal absoluto, os usuário, principalmente aqueles de
maior poder aquisitivo, são os facilitadores desse mal, e a corrupção é o único fator que
determina a ineficiência da polícia, o que foi compensado no Tropa do Elite 2, que
incrementou outros elementos aos temas, como os políticos, as milícias e uma perspectiva
mais crítica em relação à polícia. Embora tenha fama de liberal no exterior, o
conservadorismo é predominante sobre o povo brasileiro e acaba por influenciar o
pensamento coletivo, permitindo a inferência de que o Capitão Nascimento oferece uma
catarse às pessoas conservadoras, e mais ainda àqueles que se sentem frustrados com a
violência e criminalidade a medida que discursa e age como estes gostariam de fazer. Há
o que é intitulada “sombra” da sociedade, que segundo o psicanalista Carl Jung, é a parte
negativa da personalidade, a soma das propriedades ocultas e desfavoráveis, das funções
mal desenvolvidas e dos conteúdos do inconsciente pessoal. A sombra causa espanto
quando encarada uma vez que é própria do indivíduo, mas geralmente deixada a um nível
inconsciente. Diante disso, pode-se falar na sombra coletiva trazida à tona pelo filme,
revelando valores comuns, os quais atual e tragicamente são expostos na internet, na
televisão e nas ruas.
É preciso salientar que Tropa de Elite não é um filme representativo da extrema direita
brasileira e essa não é a ideologia do Capitão Nascimento, que foi criado pelo diretor José
Padilha para criticar a conduta policial corriqueiramente violenta e abusiva, claramente o
oposto da ideia de herói redentor criada pelos espectadores. Evidentemente, o público não
foi bem-sucedido em compreender a mensagem, entretanto conseguiu um viés de
expressão de opiniões normalmente mal vistas na esfera pública, como aquelas de cunho
machista e favoráveis a pena de morte. É possível apontar um erro de comunicação, que
reside na opção estética do diretor, optante pela narrativa com aspectos do gênero policial
e que alude ao filme policial norte-americano, em que este é o herói e o traficante é o
vilão. Obviamente, o filme não pode ser simplificado a tal ponto, porém diversos
elementos cinematográficos remetem à uma construção típica hollywoodiana,
exemplifica em cenas como a troca de tiros entre policiais de bandidos em meio às pilhas
de engradados de cerveja num bar. Fato curioso é que tais características vão de encontro
à realidade nacional, que não permite tal interpretação da figura do policial, aqui ele nunca
é o herói, nem o mocinho, muito menos tem a função de servir e proteger, fato este que
corrobora a contradição entre o real significado da personagem e a representação para
quem assistiu, e faz pensar realmente na afloração da sombra coletiva que claramente
sobrepujou a visão anti-herói do policial.
Em suma, a personagem do Capitão Nascimento é demasiada complexa, tanto que fugiu
do controle dos seus criadores e ganhou vida realística no imaginário popular. A
manifesta apropriação literal de seu discurso revelou fantasmas e propiciou uma contra -
análise social, nas palavras de Marc Ferro. Logo, o protagonista de grande repercussão
transcende a ficção e configura um fenômeno social. Aqueles que assistem ao filme e
identificam heróis na narrativa, falam de si próprio, confirmando aquilo que pessoalmente
considero o mérito do filme: o escancarar da psique velada e por vezes inconsciente,
encoberta pelos pronunciamentos polidos e bem vistos moralmente.

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